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Seminário Licenciamento ambiental - Realidade e Perspectivas ISA e MPF Comunidades tradicionais e Licenciamento ambiental “Entraves” para o desenvolvimento? Klemens Laschefski, Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais GESTA/UFMG [email protected] Brasília 05 de outubro de 2015

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Page 1: Comunidades tradicionais e Licenciamento ambiental ... · • Eliminação e expulsão de camponeses “tradicionais” (para o Brasil e os EUA) ... • Êxodo rural e inchaço dos

Seminário

Licenciamento ambiental - Realidade e Perspectivas

ISA e MPF

Comunidades tradicionais e Licenciamento ambiental

“Entraves” para o desenvolvimento?

Klemens Laschefski,

Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais GESTA/UFMG

[email protected]

Brasília

05 de outubro de 2015

Page 2: Comunidades tradicionais e Licenciamento ambiental ... · • Eliminação e expulsão de camponeses “tradicionais” (para o Brasil e os EUA) ... • Êxodo rural e inchaço dos

Origem do “Desenvolvimento”

O surgimento do Estado moderno, com base da industrialização e docapitalismo na Europa foi um processo de cerca de 600 anos.

Este desenvolvimento é resultado de:

• Inúmeros conflitos violentos inclusive duas guerras mundiais• Devastação de ecossistemas• Exploração colonial• Eliminação e expulsão de camponeses “tradicionais” (para o

Brasil e os EUA)• Externalização de problemas sociais e ambientais

O desenvolvimento na Europa é uma história de invasões,expulsões e de negação de territórios de camponêses (naEuropa) e comunidades tradicionais nas (ex-) colônias.

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O modelo ideológico do desenvolvimento planejado

Criação de polos do desenvolvimentos urbano-industriais:

• Implementação de sistemas políticos e administrativos do Estadomoderno nas ex-colônias

• Políticas de investimento em infraestrutura energética e viária

• Atração de investimentos externos em indústrias

• Modernização do campo para produzir excedentes para apopulação urbana e para pagar as dívidasexternas nas instituiçõesBretton Woods (Banco Mundial e FMI)

• Esperança no deslanchamento econômico (“take off”)

• Esperança na elevação do “bem estar” da nação através dosurgimento de novas empresas, geracão de renda e emprego(“trickle down”)

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O surgimento do subdesenvolvimento

O “desenvolvimento” que não deu certo:

• Êxodo rural e inchaço dos centros urbanos• Urbanização espontânea, novos problemas sociais como

desemprego, nova escravidão, trabalho infantil, surgimento desem terra e sem teto, violência no campo e na cidade

• Desigualdade social e pobreza como resultado do mau-desenvolvimento

• Devastação ambiental (Amazônia “em chamas”)• Corrupção, grilagem, outras forma da concentração fundiária,

land grabbing.• Violência e negação de direitos humanos de grupos originários

que resistem à invasão dos supostos protagonistas do “modelo dodesenvolvimento” (empresas capitalistas) nas suas terras.

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Anos 1970 a 1990:

O debate global sobre a “questão ambiental” e o “combate da pobreza”:

1) Crítica ao foco isolado no crescimento econômico sem considerar osparâmetros sociais e ambientais (limites do crescimento)

• Institucionalização de políticas, legislação e regulamentosambientais no níveis internacional e nacionais do“desenvolvimento sustentável”

2) Critica a negação da heterogeneidade das culturas(reconhecimento do direito dos povos e comunidades tradicionaispara construir as suas próprias histórias)

• No Brasil: Reconhecimento de direitos territoriais de povostradicionais (indigenas, quilombolas, entre outros) naConstituição de 1988

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Principal instrumento para o combate dosubdesenvolvimento:

O Licenciamento ambiental (e social)

é um dos poucos espaços formais em que aparticipação da sociedade civil é obrigatória

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Praxe do licenciamento ambiental

O licenciamento ambiental não cumpre os seus objetivos:

• Estudos de Impacto Ambiental são de péssima qualidade

• Licenças são dadas com condicionantes para corrigir os errosmais graves

• As Licenças de Instalação (LI) e Operação (LO) são dadasapesar do que as condicionantes raramente são cumpridas.

• As condicionantes não cumpridas viram pendências e geram, denovo, problemas do subdesenvolvimento.

• As questões sociais, sobretudo em relação aos gruposecossistêmicos sequer recebem tratamento adequado.

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Discurso ideológico:

O licenciamento ambiental atrasa o desenvolvimento!

Este discurso configura um retrocesso, se baseia a um raciocíniodos anos 1960

A flexibilização do licenciamento ambiental como resultado desetores econômicos influentes inaugurará uma nova era do

subdesenvolvimento!

A principal razão do “atraso” são estudos ambientais e sociaismalfeitos, incompletos, conduzidas sem transparência, que geramsobrecarga dos corpos técnicos nos órgãos ambientais e sãosujeitos de contestação no Ministério Publico.

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Praxe do licenciamento ambiental

O licenciamento ambiental não cumpre os seus objetivos:

• Estudos de Impacto Ambiental são de péssima qualidade

• Licenças são dadas com condicionantes para corrigir os errosmais graves

• As Licenças de Instalação (LI) e Operação (LO) são dadasapesar do que as condicionantes raramente são cumpridas.

• As condicionantes não cumpridas viram pendências e geram,mais uma vez, problemas do subdesenvolvimento.

• As questões sociais, sobretudo em relação aos gruposecossistêmicos, sequer receberam e recebem tratamentoadequado.

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DesafioO tratamento de

• populações urbanas, com alta divisão de trabalho e cultura individualizada, cujasrelações sociais e socioambientais são altamente institucionalizadas e mediadaspelo mercado (trabalho, educação, administração, lazer, compra, acesso á águatratada e saneamento, etc,

tem que ser diferente do que

• grupos ecossistêmicos (povos indígenas, quilombolas outros gruposconsideradas tradicionais) com vida comunitária baseada na reciprocidade, erelações socioambientais inseridas no ecossistema local para satisfazer as suasnecessidades. Estas características necessitam uma consideração especial decada caso, de forma particpativa, independentemente do estado oficial dereconhecimento como povo tradicional.

Atenção especial precisam grupos atingidos deslocados in situ. São grupos quesofrem de impactos ambientais quereconfiguram o ecossistema local em que vivemimpossibilitando os seus modos de vida. Tais grupos, via de regra, não sãoconsideradas na delimitadação de áreas direta e indiretamenta afetadas.

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O licenciamento ambiental, como é conduzido hoje, configura umprocedimento legitimador da invasão de empreendimentos“desenvolvimentistas” em áreas de alta qualidade ecológica e terrasde vivencia de grupos ecossistémicos

Tais grupos são tratados como objetos de mitigação e compensaçãoambiental, passíveis de “remoção compulsória”, mediante de indenizaçãomonetária ou a disponibilização de outros terrenos, que, frequentemente,não permitem a sua reprodução social, cultural e material.

Esta forma “ambientalizada” do tratamento destes grupos fere:

• Os direitos territoriais garantidos pela constituição• Os direitos humanos à água, à soberania alimentar e à moradia

adequada• O Princípio da Dignidade Humana: a qualidade de vida das

comunidades removidas deve ser igual ou melhor do quenos locais do origem.

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Problema: Direitos não são negociáveis!

O Estado democrático de direito...

é subordinado ao "império da lei" definida pela constituição (MOHL,Robert von, 1833) .que garante não somente a proteção aos direitos de propriedade,mastambém, as garantias fundamentais, baseadas no chamado "Princípio daDignidade Humana"

Constituição brasileira de 1988, "Art. 5º - (...):

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devidoprocesso legal.

Isto significa que grupos atingidos por empreendimentos invasores nassua terras precisam participar em todas as fases do planejamento paraque as suas condições de vida não sejam destruídas, respeitandoo princípio de precaução, preservando a opção danão-realização do projeto em questão.

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Novo desenvolvimentismo

Grandes projetos de desenvolvimento estão sendo realizadas com a

justificativa de integração no mercado global sob ataques contra o

licenciamento ambiental, uma das conquistas na época da (re-)

democratizção.

Os resultados são danos ambientais e tensões sociais semelhantes aos

consequências de projetos de desenvolvimento realizadas na época dos

regimes militares.

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Novo colonialismo

Obras de mineração, infraestrutura energética e de transporte,

empreendimentos agrícolas e florestais, para produzir materia prima

ou produtos semifabricados destinados para atender elites urbanas e

mercados globais (p. ex. China), geram novas dependências

econômicas e condições de troca desigual, resultando em uma

dívida socioecológica com os povos diversos que vivem no território

brasileiro, semelhante à época colonial.

Estes projetos geram subdesenvolvimento!

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Novo coronelismo

O origem dos problemas do licenciamento ambiental é principalmentecultural: são as relações de poder que se expressam na:

• Dependência econômica de consultores para avaliar os impactosdas empresas que os contrataram.

• Pressão presencial e não presencial dos empreendidores sobre oscorpos técnicos dos órgãos licenciadores.

• Articulação política do empresariado com as instituiçõesdeliberativas do licenciamento.

• Articulação do empresariado com setores receptivos no governo eno sistema parlamentar para flexibilizar o licenciamento ambientale os direitos territoriais, denunciando a suposta morosidade dasinstituições envolvidos.

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Propostas para flexibilizar o licenciamento ambiental

As propostas atuais para flexibilizar o licenciamento que procuram

enfraquezer os direitos territorias de grupos tradicionaisenfraquecer os conselhos politicos do meio ambiente e asaudiências públicas e outras formas de particpaçãodiminuem as competências dos orgãos licenciadores e defiscalizaçãooutros

estabelecem uma

Arquitectura do Subdesenvolvimento.

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Avaliação da Equidade Ambiental (FASE/RBJA)

1. A participação da sociedade civil deve começar no início do planejamento.

2. Inauguração do processo de licenciamento com uma audiência prévia paradefinir os objetivos do projeto (para que e para quem) e os Termos deReferencias (Scoping) para a elaboração do EIA-RIMA.

Todas as objeções da sociedade civil apresentadas durante asaudiências e períodos de consulta pública tem que ser consideradase respondidas para garantir o controle social do licenciamento.

2. A elaboração dos estudos ambientais deverá consideraracionalidades distintas os diferentes modos de vida e lógicas sócio-culturais dos grupos atingidos.

3. Não poderá haver relação de dependência econômica entreconsultores contratados para elaborar o EIA-RIMAe empreendedores.

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Avaliação da Equidade Ambiental

5.) A participação não poderá implicar a negociação - entendida comoprocesso de barganha – de direitos dos grupos atingidos.

A negociação de interesses para alcançar um “consenso”(abordagem neoliberal)

não é o mesmo como

A participação para efetuar o controle social e a garantia de direitos(abordagem de acordo dos princípios do Estado democrático do Direito)

A participação deverá se referir a todas as etapas do planejamento e não serápermitida a negociação efetuada diretamente com o empreendedor, sema mediação do órgão ambiental e do Ministério Público.

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Avaliação da Equidade Ambiental

6) O acesso e a apresentação das informações deverão ser realizados numaforma adequada para os atingidos.

7) Os conselhos devem ser reativados como instâncias de efetivo controle social.

8) Deve-se focar o debate público nos objetivos do projeto (produto que deveser gerado) e suas alternativas locacionais e técnicas e não na obra. Oatual processo de licenciamento está centrado na obra (por exemplo, ahidrelétrica), e não no produto (no caso citado, a energia elétrica).

9) Devem ser revistas, suspensas e eventualmente cassadas as licençasambientais já aprovadas relativas a projetos que venham expondo aspopulações vulnerabilizadas do seu entorno a impactos sócio-ambientais negativos, com danos à saúde, à qualidade de vida e àviabilidade da reprodução sócio-cultural dos grupos sociais atingidos.

Page 20: Comunidades tradicionais e Licenciamento ambiental ... · • Eliminação e expulsão de camponeses “tradicionais” (para o Brasil e os EUA) ... • Êxodo rural e inchaço dos

Fonte: NGTM, (2012), disponível em:http://www.ngtm.com.br/, acesso em 17 nov.2012

Fonte: Tobias Schmidt, 2004.

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Fonte: UOL - Imagens do dia Disponível em: http://noticias.uol.com.br/album/album-do-dia/2012/11/08/imagens-do-dia---8-de-novembro-de-2012.htm#fotoNav=61,Acesso em: 17 nov 2012

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Publicações sobre o tema:

Relatório-Síntese: Projeto Avaliação Equidade Ambiental (FASE/ETTERN-IPPUR)

http://fase.org.br/pt/acervo/biblioteca/relatorio-sintese-projeto-avaliacao-equidade-ambiental/

LASCHEFSKI, K. Licenciamento e Equidade Ambiental: As racionalidadesdistintas de apropriação do ambiente por grupos subalternos. In: ZHOURI, A.(Org.). As Tensôes do lugar: hidrelétricas, sujeitos e licenciamentoambiental. Belo Horizonte: Editora UFMG (Humanitas), 2011, v. , p. 21-60.

ZHOURI, A.; VALENCIO, N. (Org.). Formas de matar, de morrer e Resistir.Belo Horizonte: UFMG, 2014.

ZHOURI, A. (Org.) ; LASCHEFSKI, K. (Org.) ; BARROS, D. P. (Org.) . Ainsustentável leveza da política ambiental - Desenvolvimento e conflitossocioambientais. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

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GESTA - Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais

[email protected]

www.fafich.ufmg.br/gesta