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Comunicação alternativa Mediação para uma inclusão social a partir do Scala OI Liliana Maria Passerino Maria Rosangela Bez (Org.)

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  • Comunicao alternativa Mediao para uma incluso

    social a partir do Scala

    OI

    Liliana Maria Passerino Maria Rosangela Bez

    (Org.)

  • UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO

    Jos Carlos Carles de SouzaReitor

    Rosani SgariVice-Reitora de Graduao

    Leonardo Jos Gil Barcellos Vice-Reitor de Pesquisa e Ps-Graduao

    Bernadete Maria DalmolinVice-Reitora de Extenso e Assuntos Comunitrios

    Agenor Dias de Meira JuniorVice-Reitor Administrativo

    UPF EditoraKaren Beltrame Becker FritzEditora

    CONSELHO EDITORIAL

    Altair Alberto FveroCarlos Alberto ForceliniCleci Teresinha Werner da RosaGiovani CorraloJos Ivo SchererJurema SchonsKaren Beltrame Becker FritzLeonardo Jos Gil BarcellosLuciane Maria CollaPaula BenettiTelmo MarconVerner Luis Antoni

    CORPO FUNCIONAL

    Daniela CardosoCoordenadora de reviso

    Cristina Azevedo da Silva Revisora de textos

    Mara Rbia AlvesRevisora de textos

    Sirlete Regina da Silva Coordenadora de design

    Rubia Bedin RizziDesigner grfico

    Carlos Gabriel Scheleder Auxiliar administrativo

  • OI

    Comunicao alternativa Mediao para uma incluso

    social a partir do Scala

    2015

    Liliana Maria Passerino Maria Rosangela Bez

    (Org.)

  • Editora UPF afiliada

    Associao Brasileira das Editoras Universitrias

    Copyright das autoras

    Daniela CardosoReviso de textos e reviso de emendas

    Sirlete Regina da SilvaProjeto grfico

    Rubia Bedin RizziDiagramao

    Deise Fontoura Produo da capa

    Este livro, no todo ou em parte, conforme determinao legal, no pode ser reproduzido por qual-quer meio sem autorizao expressa e por escrito do(s) autor(es). A exatido das informaes e dos conceitos e as opinies emitidas, as imagens, as tabelas, os quadros e as figuras so de exclusiva responsabilidade do(s) autor(es).

    UPF EDITORA

    Campus I, BR 285 - Km 292,7 - Bairro So JosFone/Fax: (54) 3316-8374CEP 99052-900 - Passo Fundo - RS - BrasilHome-page: www.upf.br/editoraE-mail: [email protected]

  • Conselho cientfico

    Profa. Dra. Ana Irene Alves de Oliveira Universidade Federal do Par UFPA

    Profa. Dra. Arilise Moraes de Almeida Lopes Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia Fluminense/RJ

    Prof. Dr. Carlos de Castro Lozano Universidad de Crdoba UCO Espaa

    Profa. Dra. Ceclia Dias Flores UFCSPA Fundao Universidade Federal de Cincias da Sade de Porto Alegre

    Prof. Dr. Geraldo Ribas Machado Universidade Federal do Rio Grande do Sul Ufrgs

    Prof. Dr. Franco Simini Universidad de la Republica Montevideo Uruguay

    Profa. Dra. Gilmara Barcelos Instituto Federal Fluminense IFF Campus Centro

    Profa. Dra. Jlia Marques Carvalho da Silva Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia do Rio Grande do Sul

    Prof. Dr. Julian Moreno Cadavid National University of Colombia Sede Manizales

    Profa. Dra. Maria Beatriz Rodrigues Universidade Federal do Rio Grande do Sul Ufrgs

    Prof. Dr. Marsal vila Alves Branco Universidade Feevale

    Profa. Dra. Marta Rosecler Bez Universidade Feevale

    Prof. Dr. Nstor Daro Duque Mndez Universidad Nacional de Co-lombia Sede Manizales

    Profa. Dra. Silvana Aciar Universidad Nacional de San Juan Ar-gentina

    Prof. Dr. Vilson Joo Batista Universidade Federal de Santa Cata-rina UFSC

  • Agradecimentos

    Capes

    CNPq

    Fapergs

    Pr-Reitoria de Pesquisa (Propesq) e Pr-Reitoria de Ps-Gra-duao (PROPG) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Ufrgs

    Programa de Ps-Graduao em Informtica na Educao PPGIE/Ufrgs

    Programa de Ps-Graduao em Educao PPGEDU/Ufrgs

    Faculdade de Educao (Faced) Ufrgs

    Aos sujeitos de pesquisa que nos auxiliaram no desenvolvimen-to do Scala

    A todos os integrantes do Grupo Teias (Tecnologias na Educao para Incluso e Aprendizagem em Sociedade) que, de alguma forma, contriburam para o desenvolvimento deste livro.

  • Sumrio

    Prlogo .................................................................................10

    Parte 1 As bases tericas do Scala

    1 Perspectiva histrica do Scala ........................................13Maria Rosangela Bez, Liliana Maria Passerino

    2 Sobre comunicao e linguagem ...................................20Liliana Maria Passerino, Maria Rosangela Bez

    3 Mediao e tecnologia ....................................................34Liliana Maria Passerino, Maria Rosangela Bez

    4 Proposta metodolgica de ao mediada e ateno conjunta para dficits de comunicao ................................................44Liliana Maria Passerino, Maria Rosangela Bez, Ana Carla Foscarini

    5 Metodologia das Aes mediadoras ...............................59Maria Rosangela Bez, Liliana Maria Passerino

  • Parte 2 Design Centrado em Contextos de Uso

    6 Metodologia do Design centrado em contextos de uso (DCC) ..................................................................65Maria Rosangela Bez, Liliana Maria Passerino

    7 Aspectos tcnicos ...........................................................70Maria Rosangela Bez, Liliana Maria Passerino

    8 A utilizao das cores na criao dos cenrios para o Scala ..................................................................100Deise da Silva Fontoura, Maria Rosangela Bez, Liliana Maria Passerino

    9 Sistema Web Scala em nmeros .................................... 111Roberto Franciscatto, Liliana Maria Passerino

    Parte 3 Investigaes e desenvolvimento com o Scala

    10 Estudo investigativo: emprego do Scala, no mdulo Narrativas Visuais, em contexto de turma inclusiva da educao infantil .....................................................123Aline Rico, Maria Rosangela Bez, Liliana Maria Passerino

    11 Aquisio de gestos e intencionalidade comunicativa em crianas com autismo ............................................135Ana Carla Foscarini, Liliana Maria Passerino

    12 Comunicao, interao e afeto: uma trade basilar .....150Ktia Soares Coutinho, Maria Rosangela Bez, Ana Carla Foscarini, Liliana Maria Passerino

    13 O Scala no contexto da educao infantil: desafios e possibilidades nas aes docentes ............................170Graciela Fagundes Rodrigues, Liliana Maria Passerino, Maria Rosangela Bez

  • 14 Desenvolvimento do sistema de varredura no Scala e uso do Scala com uma aluna com paralisia cerebral ......183Sheila Antnio Sitoe, Liliana Maria Passerino, Maria Rosangela Bez, Carlos Alberto Rodrigues Morrudo Filho

    15 A Comunicao alternativa e a construo de recursos comunicacionais com o software Scala .......................206Magali Dias de Souza, Liliana Maria Passerino, Margarete Axt

    16 Dos personagens aos livros: processos e estratgias do contar histrias ......................................222Barbara Terra do Monte, Helena Miranda, Liliana Maria Passerino

    17 Aplicando sistema multiagente no comunicador livre do Scala ................................................................238Andr Luis Suder, Liliana Maria Passerino, Roberto dos Santos Rabello

    18 O desafio da acessibilidade multimodal: integrao do Scala na plataforma Siesta Cloud ...........................251Liliana Maria Passerino, Enrique Garcia, Joo Carlos Gluz, Geraldo Ribas Machado, Manuel Ramiro, Carlos de Castro

    19 Criao de contextos de uso para proposio de soluo de busca semntica para o Scala ...................279Cludia Camerini Corra Prez, Bianca Peixoto, Liliana Maria Passerino

    Referncias ........................................................................293

    Resumo dos autores ..........................................................316

  • Prlogo

    Tomar a deciso de escrever um livro sobre as temti-cas de pesquisa Comunicao alternativa e Transtorno do Espectro Autista (TEA) torna-se um grande desafio por di-versos motivos. Um deles pela complexidade inerente s reas supracitadas, outro pelo esforo de condensar em poucas pginas uma trajetria de mais de dez anos de pes-quisa no que diz respeito ao autismo e de sete anos de pes-quisa em Comunicao alternativa.

    Assim, assumo aqui o desafio de apresentar uma sn-tese coerente das principais contribuies que o Grupo de Pesquisa Teias Tecnologias na Educao para Incluso e Acessibilidade em Sociedade tem produzido nos ltimos cinco anos a partir das concepes que embasam tanto meu trabalho como minha vida: a perspectiva socio-histrica. Por isso, neste livro, voc, caro leitor, encontrar trs partes: a primeira, que apresenta todo o embasamento terico e epis-temolgico do Grupo Teias; a segunda, em que se elenca a perspectiva metodolgica e tecnolgica adotada, com base na concepo terica anunciada; e, finalmente, apresenta-se o projeto Scala, com seus desdobramentos tecnolgicos, cient-ficos e educacionais. Em suma, na primeira parte voc encon-trar nossa concepo de mundo e o que nos motiva; depois, como desenvolvemos o trabalho; e, por ltimo, os resultados desse processo. Evidentemente, numa concepo socio-hist-rica, o presente livro no pode ser pensado como de uma ni-ca autoria, e sim de mltiplas mos e olhares que ao longo de

  • OI- 11 -

    Liliana Maria Passerino, Maria Rosangela Bez (Org.)

    cinco anos (2009 a 2014) se debruaram sobre a temtica que aqui propomos. A escolha do recorte temporal intencional, pois foi o ano em que a primeira verso do Scala foi criada e resultou na primeira dissertao de mestrado. Alm disso, esse recorte nos permite pensar socio-historicamente no tem-po vivido, o tempo atual e o futuro, e disso que este livro trata. Mais do que pensar em resultados e produtos, a escrita do livro tem a inteno de contar um processo. Um processo feito com muitas pessoas, e muitos objetivos diferentes, mas congregados numa viso de mundo compartilhada, a de que o desenvolvimento humano social e que todo e qualquer processo cognitivo-afetivo se inicia na interao social para, depois de um longo processo de transformao, tornar-se pr-prio e individual, mas com o grmen do social no seu mago.

    Quando escrevo estas palavras, penso no quanto meu pensamento me alheio e o quanto, ao mesmo tempo, pr-prio em todas as pessoas que preciso agradecer por me tornar o que sou. Assim, a responsabilidade na escrita coletiva e in-dividual deste livro enorme, ao pensar nas possibilidades de mediao que esse proporciona ao chegar at voc, caro leitor, um jovem pesquisador ou um investigador experiente, um professor, um pai ou uma me, um aluno que busca co-nhecer o que outros grupos brasileiros esto fazendo.

    Muito obrigada por nos deixar chegar at voc com nos-sas ideias, inquietaes e resultados.

    Uma tima leitura!

    Dra. Liliana Maria PasserinoCoordenadora do Scala

  • P A R t e 1

    As bases tericas do Scala

  • - 13 -OI

    1 Perspectiva histrica do Scala

    Maria Rosangela Bez, Liliana Maria Passerino

    No processo de incluso escolar, alguns alunos com de-ficincia apresentam srias dificuldades na interao social, como no caso de sujeitos com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Em muitas situaes, os problemas com a interao social podem decorrer de problemas de comunicao, seja em nvel de produo de oralidade ou pragmtica e semnti-ca da comunicao. Assim, habilidades de comunicao so fundamentais no desenvolvimento da interao social, alm de outros elementos, como relao de reciprocidade entre os participantes, existncia de contexto cultural comum e uso de instrumentos e signos que permitam sustentar a cons-truo e o compartilhamento intersubjetivo de significados (Passerino, 2005). Pessoas que apresentam dficits na co-municao precisam, muitas vezes, utilizar meios comple-mentares, suplementares ou ampliadores de comunicao de forma que o processo de interao possa se estabelecer. Nesses casos, um sistema de comunicao alternativa (CA) vai apoiar o desenvolvimento da comunicao e interao dos sujeitos com essas limitaes (Passerino; Bez, 2013).

    Essa a justificativa para uma proposta de sistema de comunicao alternativa que apoie o processo de desenvolvi-mento da oralidade com vistas incluso escolar, qualifican-do no s o conhecimento acerca dos sujeitos, mas tambm dos servios e das prticas mediadas pela Tecnologia assisti-va (TA) que podero apoiar os processos escolares.

  • OI- 14 -

    Perspectiva histrica do Scala

    Nesse contexto, o grupo de pesquisa Teias1 inicia o pro-jeto Sistema de comunicao alternativa para letramento de pessoas com autismo (Scala), em 2009, como um plano arti-culado de trabalho em investigao, desenvolvimento tecno-lgico e formao de recursos humanos. As pesquisas para o desenvolvimento do Scala se iniciaram com o objetivo de apoiar o desenvolvimento de crianas com TEA que apresen-tam dficits na comunicao e no letramento, visando am-pliar sua autonomia e interao social.

    No perodo de 2009/2010, Bez (2011) realiza uma pesqui-sa com duas crianas com Transtornos Global do Desenvolvi-mento (TGD) (Autismo e Cornlia de Lange), demonstrando que estratgias de mediao, por meio de baixa e alta tecno-logia, poderiam apoiar o desenvolvimento da comunicao dos sujeitos com TGD. Com esse embasamento inicial, vi-la (2012) desenvolve um prottipo do Scala para desktop. Os smbolos pictogrficos utilizados no sistema so propriedade de Catedu (http://catedu.es/arasaac/) sob a licena Creative Commons, com aproximadamente 10.000 smbolos, que foram gradativamente selecionados e aprimorados para contar na atualidade com uma base pictogrfica de 5.000 smbolos de Arasaac e alguns desenvolvidos por nossa equipe para atender nossa diversidade cultural e especificidade do autismo.

    Num movimento de integrao pesquisa-extenso, di-versas formaes em comunicao alternativa foram desen-volvidas ao longo desses cinco anos, tendo como pblico-alvo alunos de graduao e ps-graduao e professores de redes pblicas de ensino parceiros do Teias. As formaes foram apoiadas em material especialmente preparado e acontece-ram nas modalidades presencial e a distncia. Alguns dos materiais produzidos nessas formaes podem ser encontra-

    1 Tecnologia em Educao para Incluso e Aprendizagem em Sociedade. Dispon-vel em: . Acesso em: 30 abr. 2015

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    Maria Rosangela Bez, Liliana Maria Passerino

    dos no site do projeto (http://scala.ufrgs.br); outros compem o presente livro.

    Em 2010, iniciou-se a segunda fase do Scala, denomi-nada Scala 2.0, com apoio e financiamento de agncias como CNPq, Capes e Fapergs, o que nos permitiu desenvolver duas verses, uma para funcionamento pela Internet e ou-tra em dispositivos mveis no sistema Android. A verso do Scala 2.0 incorporou, alm do mdulo Prancha, j existente, um novo mdulo, denominado Narrativas Visuais, idealiza-do para apoiar os processos de letramento de crianas com autismo a partir da contao e da construo de histrias2.

    O sistema foi desenvolvido sob as licenas GNU e Crea-tive Commons para garantir sua gratuidade e seu contedo aberto e livre. O sistema encontra-se armazenado na nu-vem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e seu uso gratuito (Figura 1 e Figura 2).

    Figura 1: Mdulo Prancha do Scala verso Android para tablets

    Fonte: elaborao das autoras.

    2 As verses atuais e mais informaes sobre condies de uso do sistema e do projeto esto disponveis em http://scala.ufrgs.br>.

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    Perspectiva histrica do Scala

    Figura 2: Mdulo Histria do Scala verso Android para tablets

    Fonte: elaborao das autoras.

    Ambas as verses foram testadas em um estudo de caso (multicasos) com crianas de 3-4 anos de idade com autismo em trs contextos diferentes: escola, famlia e laboratrio da universidade.

    Entre 2013 e 2014, o Grupo Teias iniciou o desenvol-vimento de mais projetos de pesquisa derivados do projeto Scala original. So eles:

    Sistema de comunicao aumentativa e alternativa Scala Fase II: multiplataforma e usabilidade que direciona seu foco para o desenvolvimento de ver-ses do Scala para dispositivos mveis e o uso por diferentes usurios com base em critrios de usabi-lidade e acessibilidade. Como resultado do Scala II, desenvolve-se um sistema de varredura que permite a utilizao do sistema por usurios com limitaes motoras com base em um sistema de varredura in-corporado ao prprio Scala.

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    Maria Rosangela Bez, Liliana Maria Passerino

    Sistema de Comunicao Aumentativa e Alternati-va Scala Fase III: visa analisar o uso dos protti-pos desenvolvidos nos projetos anteriores com sujei-tos com autismo no oralizados na educao infantil, com nfase aos processos de Narrativas Visuais no apoio ao letramento e alfabetizao.

    Projeto de cooperao internacional entre Espanha e Brasil (Capes/DGU): TAC-Access Tecnologias de Apoio Comunicao a partir de Interfaces acess-veis e multimodais para pessoas com deficincia e diversidade (2013-2014).

    Sistema de comunicao alternativa para letramen-to de pessoas com autismo Scala Fase IV: Multi-plataforma, Gerenciamento Semntico e Internacio-nalizao Edital MCTI Secis/CNPq n. 84/2013 Tecnologia assistiva (2014/2016).

    Sistema de comunicao alternativa, autismo e afe-tividade: busca compreender o papel da dimenso afetiva nos processos de ensino e aprendizagem de crianas com autismo, com base na utilizao de es-tratgias e recursos de comunicao alternativa com a famlia.

    Alfabetizao com recursos abertos de comunicao alternativa Arca: constitudo com base em mtodos e tecnologias inovadores aplicados s crianas com deficincia intelectual e/ou TEA. Esse projeto inicia--se em 2015, em nova etapa do Scala que busca es-tabelecer redes de cooperao com outros grupos de pesquisa atuantes na rea de Tecnologia assistiva e na Educao Especial na Perspectiva Inclusiva.

    Assim, percebe-se que, desde fins de 2008, o Sistema de comunicao alternativa para letramento de pessoas com autismo (Scala) tem assumido um papel central nas

  • OI- 18 -

    Perspectiva histrica do Scala

    investigaes do Grupo Teias, com mltiplos resultados di-retos e indiretos. Entre os diretos, podemos mencionar: a) o desenvolvimento de duas aplicaes de comunicao alter-nativa gratuita para web e sistema Android. O sistema para web j foi registrado em Patentes e Registros, como Pro-grama de Computador (nmero do registro: 016120006172 - ttulo: Scala-Web, Instituio de registro: Universidade Federal do Rio Grande do Sul), e o registro da plataforma tablet est em curso; b) a produo de quatro dissertaes de mestrado e seis teses de doutorado (concludas e em an-damento), alm da apresentao de mais de cinquenta arti-gos em congressos e peridicos nacionais e internacionais e da produo deste livro. Logo, o Scala como recurso tecno-lgico tem promovido habilidades e esquemas de comuni-cao por meio da tecnologia com aplicabilidade no mbito da Educao, da famlia e dos espaos teraputicos. Mas, principalmente, tem permitido propiciar e promover condi-es para a incluso escolar. A pesquisa do Grupo Teias tem se direcionado tanto para o desenvolvimento tecnolgico vi-sando ao aprimoramento do Scala quanto para os estudos sobre linguagem, educao e incluso no campo da deficin-cia. Portanto, o Scala continua em desenvolvimento e aper-feioamento, com mais de 500 usurios em todo o Brasil e no exterior (Chile, Argentina, Uruguai, Colmbia, Portugal, Itlia, Espanha, entre outros) graas sua disponibilidade tambm em Ingls e em Espanhol, alm do Portugus, que foi a base original.

    Dessa forma, o Scala mais do que uma aplicao, um sistema que engloba estratgias, metodologias e inves-tigaes que apoiam os processos inclusivos na nossa socie-dade, resultado dos estudos e das pesquisas do Grupo Teias, que vem se dedicando sistematicamente ao ensino, exten-so e pesquisa sobre a tecnologia, a linguagem e a comuni-

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    Maria Rosangela Bez, Liliana Maria Passerino

    cao de pessoas com deficincia, produzindo conhecimentos e atuando na formao qualificada de pesquisadores e pro-fessores, visando ao uso crtico e reflexivo das tecnologias em processos inclusivos e s relaes homem-sociedade, com nfase na aprendizagem ao longo da vida.

  • - 20 -OI

    2 Sobre comunicao e linguagem

    Liliana Maria Passerino, Maria Rosangela Bez

    Toda linguagem humana composta de um sistema de smbolos lingusticos adquiridos em um longo processo onto-lgico de aprendizagem cultural (Tomasello, 2003) que cum-prem duas funes: a comunicativa e a cognitiva (Vygotsky, 2001). A primeira, chamada tambm de funo indicativa, permite estabelecer o processo de comunicao pela escolha e combinao de smbolos. A segunda permite, por meio de smbolos lingusticos, representar nossas crenas e inten-es e, dessa forma, agir sobre estados mentais prprios e alheios (Tomasello, 2003).

    Segundo Luria (1986), a funo cognitiva seria a carac-terstica que elevaria a linguagem humana categoria de atividade consciente, libertando-nos do contexto imediato para comunicar. Dessa forma, a linguagem seria um instru-mento de pensamento e generalizao, pois, segundo o autor, uma palavra no somente designa uma coisa determinada, tambm a inclui em um determinado sistema de enlaces e relaes (p. 25). Esse potencial nos permite expressar sobre elementos no presentes na percepo imediata, de forma que a palavra duplica o mundo dando ao homem a possi-bilidade de operar mentalmente com objetos, inclusive na ausncia destes (p. 32). Assim, o significado da palavra uma generalizao, um ato de pensamento,

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    Liliana Maria Passerino, Maria Rosangela Bez

    [...] a palavra nunca se refere a um objeto isolado, mas a todo um grupo ou classe de objetos. Por essa razo, cada palavra uma ge-neralizao latente, toda palavra j generaliza e, em termos psico-lgicos, antes de tudo uma generalizao (Vygotsky, 1988, p. 9).

    Dessa forma, a comunicao no pode ser pensada como um processo linear e reduzida ao processo gramatical ou fontico de combinar smbolos arbitrrios. Trata-se, pelo contrrio, de um processo complexo, que combina as dimen-ses social, histrica, interativa e intersubjetiva, alm da lingustica. Nesse processo, utilizam-se intencionalmente smbolos lingusticos pelos agentes em interao, em mais de uma forma. Tais smbolos possibilitam e potencializam a construo intersubjetiva e perspectivada de significados1 (Tomasello, 2003), caracterizando, dessa maneira, o processo de comunicao como um fenmeno relacional e sistmico que permite que sujeitos se envolvam ativamente em inte-rao com dinmica prpria de regras (implcitas ou explci-tas), das quais nenhum dos sujeitos tem o domnio completo.

    Note-se que cada smbolo lingustico tem um significa-do que construdo histrica e socialmente e compartilhado pela cultura. Porm, em cada processo interacional, os su-jeitos podem estabelecer selees, filtros ou reconfiguraes desses smbolos, de acordo com contexto, intenes, crenas e representaes mentais dos coparticipantes no processo de comunicao.

    Portanto, comunicar implicar uma reorganizao de representaes sociais, culturais e mentais que, por meio da linguagem como instrumento de comunicao e psicolgico

    1 Construo intersubjetiva e perspectivada de smbolos um conceito que Tomas-selo (2003) expe como: as representaes simblicas que as crianas aprendem em suas interaes sociais com outras pessoas so especiais porque so (a) in-tersubjetivas, no sentido de que o smbolo socialmente compartilhado com outras pessoas, e (b) perspectivas, no sentido de que cada smbolo apreende uma maneira particular de ver algum fenmeno (a categorizao sendo uma caso es-pecial desse processo) (Tomasello, 2003, 133).

  • OI- 22 -

    Sobre comunicao e linguagem

    (signo), permite a construo e a partilha de significados. Essa dimenso comunicao-significado (signo) uma ca-racterstica do smbolo lingustico que envolve sempre duas dimenses: a dimenso da linguagem e a do pensamento, processos diferentes, mas que convergem e divergem cons-tantemente, cruzam-se, nivelam-se em determinados pero-dos e seguem paralelamente, chegam a confluir em algumas de suas partes para depois tornar a bifurcar-se (Vygotsky, 2001, p. 111). Para Vygotsky,

    [...] o desenvolvimento do pensamento e da linguagem depende dos instrumentos de pensamento e da experincia sociocultural da criana [...] o desenvolvimento do pensamento da criana de-pende de seu domnio dos meios sociais do pensamento, isto , da linguagem (2001, p. 149, grifo do autor).

    Nas pesquisas de Vygotsky (2001), a palavra assume a funo de signo mediador que no incio o meio de formao do conceito e, finalmente, se transforma em seu smbolo,

    [...] por um longo tempo, a palavra para a criana antes uma propriedade que um smbolo do objeto: que a criana assimila a estrutura externa. Ela assimila a estrutura externa: palavra--objeto, que j depois se torna estrutura simblica (Vygotsky, 2001, p. 145-146).

    Uma palavra/conceito um ato real e complexo de pen-samento, representado pela palavra (smbolo), que no pode ser adquirido pela simples memorizao ou associao. Sua aquisio se concretiza pelo uso do smbolo em aes de me-diao (tridicas), por meio das quais os participantes nego-ciam e constroem o significado de forma intersubjetiva, pois

    [...] o significado da palavra vem dado do processo de interao social verbal com os adultos. As crianas no constroem seus prprios conceitos livremente. Os encontram construdos no pro-cesso de compreenso da fala dos outros (Wertsch, 1988, p. 121).

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    Liliana Maria Passerino, Maria Rosangela Bez

    Para Tomasello (2003), a maneira como os seres huma-nos utilizam os smbolos lingusticos permite separar nossa comunicao da simples percepo, e nos permite represen-tar o mundo da maneira que for conveniente para o propsi-to comunicativo.

    A intersubjetividade acontece quando os interlocutores compartilham algum aspecto de suas definies de situao,2 podendo existir diferentes nveis de intersubjetividade de-pendendo do nvel de compartilhamento entre os sujeitos (Wertsch, 1988, 1999).

    Contudo, Tomasello (2003) alerta que, alm da inter-subjetividade, os smbolos lingusticos tambm apresentam perspectivao, pois a compreenso de um smbolo comuni-cativo requer a compreenso das intenes comunicativas dos outros, de forma que cada smbolo incorpora uma pers-pectiva particular sobre um objeto ou evento. A capacidade dos seres humanos de adotar diferentes perspectivas para o mesmo smbolo ou de tratar objetos diferentes como se fos-sem os mesmos, para algum propsito comunicativo, somen-te possvel porque todas essas perspectivas esto incorpo-radas ao smbolo. Essa natureza perspectiva dos smbolos lingusticos abre um leque infinito de possibilidades de ma-nipular a ateno dos outros com implicaes na natureza da representao cognitiva.

    Por esse motivo, quando uma criana aprende um sm-bolo lingustico, essa ao no se restringe internalizao desse, mas, sim, envolve a internalizao das perspectivas e do processo histrico de construo social desse smbolo. Dessa forma que dizemos que um smbolo lingustico perspectivado. Ao longo da sua vida, a criana se deparar com diferentes perspectivas, que sero acrescentadas e enri-

    2 Umadefiniodesituaoaformacomoserepresentamesignificamobjetoseeventos numa situao (Wertsch, 1999).

  • OI- 24 -

    Sobre comunicao e linguagem

    quecero o smbolo lingustico internalizado, modificando-o, mas no substituindo nenhuma das perspectivas anteriores (Passerino, 2005).

    2.1 Comunicao e Autismo

    Em relao rea de Linguagem e Comunicao, o au-tismo apresenta diversos dficits, seja na comunicao no verbal, com ausncia, por exemplo, de intercmbios corporais expressivos, seja na comunicao verbal, com a falta de inter-cmbios coloquiais, falas no ajustadas ao contexto, repetiti-vas ou ecollicas como exemplos mais recorrentes. Para Jor-dan e Powell (1995), os elementos da fala de um sujeito com autismo que a tornam estranha, no produtiva, montona e com entonao no usual so: a) a dificuldade de utilizar os pronomes adequadamente, especialmente na inverso prono-minal; b) a repetio de perguntas que j foram respondidas ou de frases prontas, num processo ecollico mediato; c) o entendimento literal de metforas ou grias idiomticas e d) a dificuldade no uso das abreviaes predicativas.3

    Peeters (1998), num estudo realizado com crianas com autismo, crianas normais e com deficincia intelectual, analisou os tipos de gestos que as crianas produzem para se comunicar e identificou trs categorias principais: os di-ticos (gestos de apontar), os instrumentais, para organizar o comportamento dos outros, e os expressivos, utilizados para compartilhar emoes. O estudo evidenciou que enquanto as crianas normais e com deficincia intelectual utilizavam todos os tipos de gestos, o grupo de crianas com autismo

    3 Abreviaes predicativas consistem na substituio do sujeito numa frase per-manecendo o predicado com um sujeito implcito. Por exemplo: Laura compra, sempre, o po na padaria da esquina. Leva uma bolsa e um troco que sua me lhe deixa sobre a geladeira. A segunda frase uma frase com abreviao predicativa, constando somente a ao, deixando o sujeito de forma implcita (Wertsch, 1988).

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    Liliana Maria Passerino, Maria Rosangela Bez

    utilizava somente gestos diticos e instrumentais. Outros estudos desenvolvidos nas ltimas dcadas confirmaram tambm dificuldades de utilizar marcadores pragmticos de tempo e espao (Bruner; Feldman, 1993; Loveland; Tunali, 1993), assim como expresses de estados mentais (Baron--Cohen, 1988a, 1990), uso de expresses e gestos inadequa-dos (Loveland et al. 1990), e uma diminuio da complexi-dade e do nmero de declaraes do tipo se-ento (Tager--Flusberg; Sullivan, 1995).

    No que se refere s histrias ou s narrativas, a maior dificuldade dos sujeitos com autismo centra-se em acompa-nhar uma narrativa com diferentes personagens, construin-do a semntica do personagem, acompanhando sua forma de pensar, colocando-se no lugar desse personagem (Sigman; Capps, 2000; Hobson, 1993b; Peeters, 1998; Jordan; Powell, 1995). Esse dficit na simbolizao afeta a comunicao, vis-to que esse processo requer o uso de smbolos para represen-tao, especialmente quando se trata de situaes abstratas como sentimentos, emoes, etc.

    Em outra interpretao, pesquisadores americanos e ingleses tm procurado explicao para os dficits nas nar-rativas no autismo analisando possveis dficits na teoria da mente (Baron-Cohen, 1988b, 1989, 1990; Bruner; Feld-man, 1993; Tager-Flusberg; Sullivan, 1995; Happ, 1994). Uma vez que as narrativas exigem que o narrador organize a informao para um potencial ouvinte e selecione aspec-tos relevantes a partir da perspectiva do ouvinte, seu estu-do oferece um ponto de anlise tanto sobre as competncias lingusticas como em relao s sociocognitivas, cujos resul-tados apontariam para um dficit na leitura da mente em pessoas com autismo que afetaria a capacidade de atribuir estados mentais, compreender intenes, crenas e emoes de outras pessoas.

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    Sobre comunicao e linguagem

    Outras pesquisas, porm, consideram que os problemas de comunicao poderiam estar associados ateno conjun-ta (Tomasello, 2003) ou imitao mtua (Meltzoff; Gopnik, 1993).

    A pesquisa desenvolvida por Colle et al. (2008) mostra resultados consistentes com estudos anteriores, porm, no caso de adultos com autismo de alto desempenho ou diag-nosticados com Sndrome de Asperger, identificou-se que os participantes no apresentavam dificuldade com o uso de fonologia e sintaxe apropriada, nem dficits na capacidade de compreender e extrair o enredo de uma narrativa. Mas apresentaram diferenas significativas no uso de referen-ciais, produzindo narrativas menos coesas e organizadas. Assim como nos estudos desenvolvidos por Jordan e Powell (1995), foram identificados problemas no uso de pronomes, com um uso preferencial por frases simples e desvinculadas, sem levar em conta a relao entre um evento especfico com o que aconteceu antes, fazendo um uso limitado de expres-ses temporais.

    Contudo, em relao trama na pesquisa de Colle et al. (2008), os sujeitos foram capazes de sustentar a estrutura de histria e acompanhar a trama principal, mencionando todos os eventos relevantes na histria. Esse resultado con-firma que os adultos com autismo de alto desempenho ou Sndrome de Asperger no apresentariam dificuldades com aspectos morfossintticos, mas, sim, uma compreenso limi-tada das intenes e dos estados internos de um personagem de uma histria, ou seja, na pragmtica da comunicao.

    Outro estudo, desenvolvido por Cihak (2007), envolven-do trs crianas com autismo entre 7 e 9 anos de idade, para identificar a compreenso simblica de imagens, mostrou que possvel utilizar a comunicao funcional com sucesso. Nes-se estudo, as crianas no eram oralizadas e no utilizavam

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    nenhum tipo de comunicao visual/simblica. Os sujeitos foram submetidos a um processo de alfabetizao sistemti-ca visual, que consistiu em compreender familiares, pessoas, objetos, aes e sequncias. Cada categoria era composta por um conjunto de dez smbolos (ou fotografias). A proposta de interveno mostrou sucesso aps nove semanas de interven-o, utilizando as imagens com sucesso para comunicar pedi-dos, definir tarefas, entre outras aes comunicativas. Esse processo s reafirma resultados j evidenciados em pesqui-sas anteriores sobre comunicao funcional e autismo.

    A comunicao funcional no recente no autismo, foi iniciada com o trabalho de Bondy e Frost (1994), que em princpios da dcada de 1990 props um sistema denomi-nado Picture Exchange Communication System (PECS). O PECS um sistema de comunicao alternativa (CA) para crianas com dficits de comunicao social com uma meto-dologia associada que visa ensinar habilidades de comuni-cao funcional para indivduos com autismo por meio de uma organizao hierrquica, princpios bsicos de compor-tamento, tais como modelagem, reforamento diferencial, transferncia e controle de estmulo por meio de perguntas (Cihak, 2006). O objetivo do PECS incentivar a comunica-o espontnea a partir do uso de reforadores potenciais com imagens e trocas fsicas. O sistema organizado em seis nveis hierrquicos de passos, e tambm foca num mtodo de anlise de conduta e de ensino de comportamentos no PECS. A crtica que estabelecemos ao PECS seu forte con-trole comportamental todavia, destacamos seus aspectos po-sitivos, como o pequeno nmero de habilidades necessrias como pr-requisitos para uso de PECS, tais como ateno conjunta, imitao ou contato visual.

    Em termos de interveno psicoeducativa, o PECS um dos tantos outros programas, existentes na atualidade,

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    de interveno para pessoas com autismo (Bergeson et al., 2003), como o proposto por Loyaas na dcada de 1960, deno-minado de Interveno Comportamental Intensiva. Esse pro-grama foca em ajustes de comportamentos no desejados, a partir da aplicao de tcnicas do tipo estmulo-resposta, em processo individual com condicionamento operante. Ou-tro mtodo denominado Integrao Sensorial volta-se para o uso dos diferentes sentidos (viso, audio, tato, etc.) em um tratamento mais teraputico que educativo.

    Nas questes que envolvem a comunicao e a pro-duo de narrativas, podemos mencionar o mtodo de in-terveno conhecido como Histrias Sociais, idealizado por Gray em 1991, que, partindo da Teoria da Mente, busca aju-dar os sujeitos na compreenso de regras sociais do cotidia-no. As histrias so construdas por pais ou profissionais para ensinar como proceder em situaes sociais especfi-cas, ajudando, dessa forma, os sujeitos a identificar indcios sociais como gestos, falas e comportamentos esperados em cada situao social, com uma estratgia de leitura e repe-tio (Loveland, 1990).

    O mtodo talvez mais famoso o denominado mtodo TEACCH (Treatment and Education of Autistic and related Communication), iniciado por Schopler na dcada de 1970 na Universidade da Carolina do Norte, que consiste em ofe-recer apoios educacionais de forma precoce. O mtodo usa apoios visuais, assim como o PECS, mas no como forma de comunicao, e, sim, como forma de estruturao de ativida-des e rotinas. A partir de interesses, capacidades e necessi-dades, cada sujeito recebe formas de interveno e organiza-o espacial e temporal na sua rotina. As metas educativas so individuais, passando pela definio de um conjunto de estratgias para atingi-las (Walter, 1998).

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    O programa constantemente avaliado para ajustar-se s necessidades do sujeito, que, por sua vez, tambm ava-liado periodicamente. Esse programa, assim como a maioria dos anteriores, exige um credenciamento prvio para o pro-fissional ser habilitado na sua implementao e em seu de-senvolvimento, principalmente no que diz respeito a instru-mentos de avaliao especialmente desenvolvidos, com foco em processos de treinamento e ajustes de comportamentos e comunicao de forma individualizada com apoio de estra-tgias e de pistas visuais. A principal crtica refere-se jus-tamente a esse ajuste comportamental idealizado para um atendimento individual, quase clnico, com situaes, em al-guns casos, pasteurizadas.

    Um mtodo que se diferencia dos anteriores, em pelo menos um dos aspectos mencionados, o chamado Floor Time-DIR (Developmental Individual-Differences, Rela-tionship Based), pois visa trabalhar o nvel funcional atual da criana com grupos homogneos em seus dficits funcio-nais. O nome Floor Time (tempo no cho) refere-se ao espao idealizado para aplicar a tcnica, que seria estar no cho com a criana, criando vnculos afetivos entre o mediador e a criana. O mtodo procura trabalhar capacidades em trs reas: sentidos, planejamento e organizao motora, e, final-mente, no processamento perceptivo. A proposta aplicar tal interveno tanto na escola como na casa da criana com foco em atividades que envolvam experincias ldicas nas trs reas mencionadas (Wieder; Greenspan, 2003).

    Existem inmeros programas alm dos mencionados, todos focados nos dficits apresentados pelos sujeitos, prin-cipalmente na questo comportamental, mas no nosso ob-jetivo realizar uma apresentao exaustiva de todos, apenas destacamos de forma informativa os mais conhecidos.

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    Para Bosa (2006), mesmo crianas sem dificuldades de linguagem evidentes, muitas vezes, podem precisar de sis-temas de apoio comunicao, pois a maioria das crianas com autismo apresenta dificuldades de compreenso tanto na semntica quanto na pragmtica da linguagem, especial-mente com conceitos abstratos ou complexos, que envolvem pontos de vista perspectivados. Nesses casos, assim como naqueles em que no h fala, o uso de sistemas de comu-nicao alternativa pode promover e desenvolver processos que facilitam a comunicao (comunicao facilitada). Dessa forma, como veremos no decorrer deste livro, o uso de tec-nologia pode possibilitar um desenvolvimento sociocognitivo dos sujeitos.

    Resumindo, pessoas com autismo se comunicam e utili-zam a linguagem de forma peculiar, no somente com rela-o sintaxe e gramtica, que em geral quando adquiridas so utilizadas corretamente, mas com relao semntica e pragmtica da comunicao. Nesses casos, sistemas de comunicao alternativa podem auxiliar os sujeitos com au-tismo a desenvolver uma comunicao significativa.

    2.2 Comunicao alternativa: um caminho possvel para o autismo

    A Comunicao alternativa (CA) uma das reas mais importantes dentro do que conhecemos como Tecnologia as-sistiva e aborda as ajudas tcnicas para comunicao, seja para complementar, suplementar ou oferecer alternativas para que o processo comunicativo acontea. A CA como rea de conhecimento centra-se na comunicao como processo cognitivo e social e pretende suplementar, complementar, aumentar ou dar alternativas para efetivar a comunicao de pessoas com dficits nessa rea. Existem diversos siste-

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    mas de comunicao alternativos que apresentam um vas-to repertrio quanto aos elementos representativos, como fotografias, desenhos, e pictogramas. Os suportes para es-ses sistemas podem ser tanto de baixa tecnologia (mate-rial concreto) como de alta tecnologia (sistemas computa-cionais). A importncia da CA concentra-se no no suporte miditico adotado, mas em estratgias e tcnicas comuni-cativas que promovam a autonomia dos sujeitos em situa-es de comunicao.

    Dado o impacto que o desenvolvimento da linguagem tem na formao humana, sujeitos que apresentam dficits na comunicao podem se beneficiar muito com o uso de sis-temas de CA, extrapolando o carter meramente instrumen-tal, com enfoque no desenvolvimento de habilidades para uso intencional de smbolos lingusticos que auxiliem na comunicao verbal. No caso do autismo, as manifestaes das alteraes na comunicao podem decorrer de diferentes perspectivas (fontica, pragmtica, semntica, morfolgica, etc.) e evidenciam-se tanto em termos de compreenso quan-to de produo, sendo que ambas se encontram em situaes inter-relacionadas (Passerino, 2011b).

    O uso da CA no autismo remonta dcada de 1990. No Brasil, as pesquisas em CA e em autismo so mais recentes. Um dos primeiros trabalhos foi a adaptao e a padroniza-o do sistema PECs por Walter (1998, 2000). A pesquisa desenvolvida por Walter (2000) teve o objetivo de avaliar os efeitos da adaptao PECS com as figuras do PCS (Picture Communication Symbols) desenvolvido no contexto do cur-rculo funcional natural, com quatro sujeitos com autismo. Tambm merece destaque a pesquisa de Orr (2006) sobre o desenvolvimento da linguagem e a construo de significa-dos, realizada por meio da comunicao alternativa com trs crianas com autismo, obtendo resultados significativos.

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    Estudos mais recentes foram desenvolvidos por Bez e Passerino (2009); Bez (2010); vila e Passerino (2011b) e vila (2011), envolvendo uso de comunicao alternativa com sujeitos com Transtornos Globais do Desenvolvimento (Autismo e Sndrome de Cornelia-Lange). Tais estudos mos-tram tambm resultados importantes, especialmente quan-do apoiamos os processos de comunicao alternativa com o uso de tecnologias digitais.

    No mbito internacional, podemos citar os trabalhos de Yokoyama, Naoi e Yamamoto (2006), que tambm uti-lizaram os PECS com crianas autistas, e, tambm, a pes-quisa comparativa desenvolvida por Yoder e Stone (2006), na qual aplicou-se o mtodo naturalstico de ensino (RPMT) e o PECS com 36 sujeitos pr-escolares com autismo. Os resultados apontam para uma prevalncia do RPMT em termos de frequncia de generalizao sobre a fala, mas o PECS facilitou a generalizao com as crianas que tinham pouca iniciativa conjunta, antes do incio das intervenes. Estudos sobre o uso do PECS foram conduzidos tambm por Schwartz, Garfinkle e Bauer (1998) com crianas em fase pr-escolar, que mostraram indcios de melhora na comu-nicao.

    Os estudos mencionados apresentam como resultados melhorias significativas nos processos de comunicao, seja nos campos da enunciao ou da pragmtica. H progressos pelos sujeitos com autismo quando se aplica algum sistema de comunicao alternativa que atua como um instrumen-to de mediao entre os sujeitos em interao. Acreditamos que, quando a comunicao alternativa adaptada para as necessidades de sujeitos com autismo, esta atuaria como um fator de facilitao e de aproximao, visto que estaria propi-ciando outras formas de comunicao e estabelecendo, dessa forma, uma ponte com outras pessoas.

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    Assim, sistemas de CA atuariam como pontes para facilitar e promover a comunicao de sujeitos com TEA. Porm, alertamos para no se acreditar ingenuamente que essa ponte sustenta-se meramente na tecnologia. Pelo con-trrio, quando nos referimos a sistemas de CA e, em par-ticular, ao sistema que apresentamos neste livro, estamos nos referindo a elementos tecnolgicos, humanos e sociais interligados.

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    O termo tecnologia, segundo Oliveira, refere-se a ar-ranjos materiais e sociais que envolvem processos fsicos e organizacionais, referidos ao conhecimento cientfico aplic-vel (2001, p. 10).

    A tecnologia sempre ocupou um lugar de destaque na construo da civilizao (Elias, 1993): desde a inveno dos primeiros artefatos de caa ate a produo em massa de pro-dutos industrializados, a tecnologia foi um elemento propul-sor do desenvolvimento humano enquanto espcie.

    No h dvidas de que a tecnologia afeta nossa socie-dade nos diversos sistemas sociais que compem a civiliza-o (Castell, 2008; Bunge, 1980, 1998). Para Bunge (1999), uma inovao tcnica age sobre a sociedade direta ou indi-retamente, porm, a intensidade do impacto social depende de fatores como originalidade, utilidade, custo, facilidade de uso (user-friendly), capacidade aquisitiva e nvel educacio-nal da populao.

    As tecnologias longe de serem determinantes no pro-cesso educativo, como visto pelo tecnicismo, ou serem be-nficas para todos os alunos numa viso do otimismo, ou ainda que desumanizam o processo de ensino, tornando-o contraproducente na viso do pessimismo tecnolgico, tm um papel importante no desenvolvimento humano quando

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    se estruturam como ferramentas mentais (Mindtools) (JO-NASSEN et al, 1999).

    Nesse sentido, a tecnologia pode ser vista como signo no sentido socio-histrico, ao permitir atuar de forma mediada no espao-tempo, potencializar a criao de representaes mentais simultneas de um mesmo fenmeno e, de forma compartilhada, estruturar e organizar a ao humana.

    O uso de tecnologias como ferramentas do pensamento baseia-se em uma concepo de aprendizagem interacionis-ta, na qual tanto aluno quanto professor so sujeitos ativos e aprendentes que interatuam com recursos e tecnologias para construir um espao de aprendizagem intencional e contextualizado, pois:

    [...] o aprendizado humano pressupe uma natureza social es-pecfica e um processo atravs do qual as crianas penetram na vida intelectual daquelas que a cercam, [...] um aspecto es-sencial do aprendizado o fato de ele criar a zona de desenvol-vimento proximal; ou seja, o aprendizado desperta vrios pro-cessos internos de desenvolvimento, que so capazes de operar somente quando a criana interage com pessoas em seu ambien-te e quando em cooperao com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisies do desenvolvimento independente da criana (Vygotsky, 1988, p. 115-118).

    Assim, as tecnologias atuariam como instrumentos mediadores da aprendizagem em trs dimenses: a) como objetos de conhecimento: na medida em que contm in-formaes consideradas relevantes pelos sujeitos mais ex-perientes para o ensino de um domnio; b) como instrumen-tos de pensamento: na medida em que permitem elaborar crenas, testar hipteses, compreender fenmenos sociais, naturais, cientficos ou culturais, e desta forma elaborar representaes mentais (modelos mentais); e c) como ele-mentos de uma cultura: na medida em que, a partir das tecnologias, possvel construir um espao de negociao

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    com os pares, participar de prticas culturais e desenvolver atitudes, modos de pensar, crenas e valores construdos a partir da interao com os outros por meio das tecnologias (Passerino, 2010).

    Apesar de acreditarmos no potencial da tecnologia como ferramenta de pensamento, reconhecemos que existem limitaes e restries que a prpria tecnologia pode impor em funo de suas prprias caractersticas, funcionalidades e prticas culturais que emergem do grupo social. Assim, a construo de ambientes de aprendizagem mediados por tecnologias muito complexa. As diversas barreiras que afetam esse processo, segundo Balanskat e Blamire (2007), podem ser: a) barreiras em nvel de professor: professores com poucas competncias tecnolgicas (sem letramento di-gital) e falta de confiana no uso das novas tecnologias no ensino; b) barreiras em nvel das escolas: acesso limitado (falta ou m organizao de recursos ou de infraestrutura), problemas de manuteno e de qualidade de equipamentos (obsolescncia), falta de softwares educacionais adequados e/ou ausncia de estratgias pedaggicas para a integrao das tecnologias no processo educativo; c) barreiras em nvel de sistema educacional: em alguns pases, os sistemas edu-cacionais encorajam uma estrutura rgida de disciplinas ou currculo, que impede a integrao das tecnologias na sala de aula.

    Percebe-se que, na atualidade, a tecnologia digital en-contra-se presente em todos os setores da sociedade, e tam-bm nos processos educativos formais e no formais. Com-partilhamos com Warschauer a concepo que considera im-possvel pensar uma tecnologia externa que se introduz no sujeito ou nos grupos, visando provocar consequncias na so-ciedade, muito pelo contrrio, [...] a tecnologia encontra-se entrelaada de maneira complexa nos sistemas e processos

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    sociais (2003, p. 23), e os impactos no podem ser rastrea-dos de forma direta em uma relao de causa-efeito.

    De forma gradativa, seja direta ou indireta, a tecnolo-gia est adentrando os espaos educativos, a partir de pol-ticas pblicas1 ou por iniciativas pessoais,2 e como veremos na sequncia, torna-se essencial para a incluso de pessoas com deficincia.

    3.1 Deficincia e tecnologia

    A crtica ao modelo clnico de deficincia estabelecida por Vygotsky no seu livro sobre Fundamentos de Defectolo-gia marca a diferena de concepo do defeito para a teoria socio-histrica. De acordo com Vygotsky (1997), o defeito no produz uma criana menos desenvolvida, seno que apre-senta um desenvolvimento qualitativamente diferenciado. Utilizar os mtodos classificatrios e de diagnsticos de dfi-cits e defeitos para depois buscar mtodos paliativos de nor-malizao, no cabe na esfera educacional. A educao, pelo contrrio, deve buscar compreender esse contexto nico de desenvolvimento:

    1 BRASIL. Decreto n 7.611, de 17 de novembro de 2011. Braslia, 2011. Dispon-vel em: . Acesso em: 20 maio 2014.

    BRASIL. Nota tcnica 55/2013 MEC/SECADI/DPEE: Orientao atuao dos Centros de AEE, na perspectiva da Educao Inclusiva. Braslia: MEC/SECADI/DPEE, 2013. Disponvel em: . Acesso em: 22 maio 2014.

    2 Dados da Pesquisa de TICs nos domiclios em 2013 indicaram que 49% dos domiclios tm computador, o que representa um crescimento de trs pontos percentuais em relao a 2012. Em nmeros absolutos, existem 30,6 milhes de domiclios com computador. J a proporo total de domiclios com acesso internet, em 2013, de 43%, correspondendo a 27,2 milhes em nmeros abso-lutos. As desigualdades por classe social e rea persistem: na classe A, a propor-o de domiclios com acesso internet de 98%; na classe B, 80%; na classe C, 39%; e nas classes D e E, 8%. Nas reas urbanas, a proporo de domiclios com acesso internet de 48%, enquanto nas reas rurais de 15% (CETIC.BR. Disponvel em: http://cetic.br/).

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    [...] onde os contrastes binrios bom/mau, lindo/feio, mais inteligen-te/menos inteligente, deficiente/no deficiente, superdotado/subdo-tado desaparecem [] e cada ser humano tem sua singularidade, no passvel de tratamento correlativo []. Comparar por meio de uma norma significa desconsiderar esta singularidade, impondo-se uma mdia culturalmente elaborada (Beyer, 2000, p. 33-34).

    Sem procurar estabelecer leis especiais de desenvolvi-mento e metodologias prontas para determinados sujeitos, estamos resgatando o potencial da mediao pedaggica na qual o professor age em processos de construo socio-his-tricos prprios de cada indivduo imerso no seu contexto social e alicerado nessa singularidade destacada por Beyer (2000).

    Para Vygotsky, o contexto sociocultural no qual o sujei-to est imerso um mediador do desenvolvimento desse, e o problema da deficincia um problema social:

    O defeito ao criar um desvio do tipo humano biolgico estvel do homem, ao provocar a perda de algumas funes, a insuficincia ou deteriorao de rgos, a reestruturao mais ou menos subs-tancial de todo o desenvolvimento sobre novas bases, segundo o novo tipo, perturba, logicamente, o curso normal do processo de arraigo da criana na cultura []. O defeito cria umas dificulda-des para o desenvolvimento orgnico, e outras diferentes para o cultural (Vygotsky, 1997, p. 27, grifo do autor, traduo nossa).

    Portanto, a distncia entre os planos de desenvolvi-mento biolgico e cultural que indicar o grau quantitativo e qualitativo do defeito. O dficit social decorrente da falha nas expectativas sobre a normalidade estabelecidas na sociedade3 o responsvel pelas limitaes percebidas no desenvolvimen-to do indivduo sempre que, por algum motivo, o defeito biol-gico no consegue ser compensado por meio de instrumentos culturais adaptados estrutura psicolgica da criana.

    3 A sociedade estabelece processos de classificao de pessoas e atributos que so considerados comuns e naturais para os indivduos. Quando surgem evidncias de que o sujeito tem um atributo que o torna diferente de outros, nas palavras de Goffman, [...] deixamos de consider-lo criatura comum e total, reduzindo-o a uma pessoa estragada e diminuda. Tal caracterstica um estigma. (1988, p. 9).

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    Por esse motivo, Beyer prope que a deficincia deve ser analisada no a partir do dficit biolgico, mas da (des)funcionalidade social, pois na relao do social com a de-ficincia individual que a educao especial deve elaborar suas premissas conceituais, testar empiricamente e consti-tuir uma pedagogia possvel em termos da promoo social da pessoa (2002, p. 34).

    Para Vygotsky (1997), a viso teraputica reabilitadora da educao focada no indivduo como devendo ser normali-zado e adaptado sociedade deveria ser substituda por uma viso no potencial e nas possibilidades de adaptao dos siste-mas sociais que possibilitem o desenvolvimento dos indivduos.

    Nesse contexto, consideramos que as tecnologias assis-tivas devem ser concebidas como instrumentos culturais de adaptao de sistemas sociais e no de adequao de indi-vduos. Ou seja, deve-se pensar as tecnologias no do ponto de vista da individualidade do sujeito, e, sim, do contexto de participao e das prticas culturais vivenciadas com a interveno dessa tecnologia assistiva. As tecnologias assis-tivas atuariam como mediadores em dois nveis: a) no nvel das relaes do sujeito com ele mesmo, considerando os as-pectos estruturais e funcionais, e b) no nvel das relaes com os outros, considerando os aspectos culturais e sociais.

    A viso socio-histrica rompe com a concepo de me-ros recursos das tecnologias, conceituando-as como signos por meio dos quais os sujeitos se relacionam com o mundo, criam representaes mentais e as compartilham com outros.

    Na medida em que as tecnologias possibilitam construir espaos de negociao e participao em prticas culturais, identifica-se um processo de incluso possvel, como proces-so multidimensional no qual desenvolvimento tecnolgico, intervenes e mediaes pedaggicas, prticas e contextos culturais, assim como formaes especficas, precisam estar imbricadas num jogo de aes e de reflexes que permitam

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    que se criem novas possibilidades de apropriao de tecnolo-gias, revisitando conceitos e ousando no campo terico-meto-dolgico. A incluso da tecnologia extrapola o espao da sala de recursos multifuncionais, adentra na sala de aula e nos demais espaos sociais, principalmente na vida do sujeito, no se restringindo apenas perspectiva educacional.

    3.2 Desenvolvimento Cognitivo e Mediao

    Em nossos estudos, partimos de pressupostos socio-his-tricos para investigar o desenvolvimento cognitivo e sua relao com os processos de mediao. Dessa forma, consi-deramos que o desenvolvimento cognitivo somente pode ser compreendido quando inserido no contexto social e histrico no qual se produz. Segundo Vygotsky (1988), o desenvolvi-mento cognitivo se manifesta por meio dos Processos Psi-colgicos Superiores (PPS) que se caracterizam por serem de origem social, conscientes, autorregulados, e mediados pelo uso de instrumentos e smbolos. Nesse paradigma, a cognio vista como um conjunto integrado de habilidades aplicadas na resoluo de problema dentro de um processo de interao social. A interao social alicera a apropriao de smbolos e de instrumentos de mediao presentes nes-se processo, assim como as habilidades sociais necessrias para a interpretao e para a negociao em tal resoluo.

    Dessa forma, as habilidades cognitivas construdas pe-los sujeitos esto relacionadas diretamente com a maneira como acontece a interao com os outros num ambiente es-pecfico de soluo de problemas. Assim, qualquer atividade humana s poder ser compreendida se considerarmos os signos mediadores e as formas de mediao que a configu-ram e definem (Vygotsky, 1988; Wertsch, 1993). Portanto, estudar as caractersticas psicolgicas de um indivduo im-

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    plica estudar os tipos de atividades sociais que ele participa e as caractersticas emergentes no prprio sujeito quando est participando dessas (Moll, 1993).

    Por isso, na teoria socio-histrica, os instrumentos de mediao tm um papel central, em especial os signos,4 que podem ser tanto artefatos como prticas sociais cuja carac-terstica principal apontar para alm deles mesmos (mun-do fsico), apontar para o mundo psicolgico, das intenes e das crenas, das representaes mentais dos nossos pares, conformando o que genericamente denominamos de proces-so de mediao.

    A mediao um processo complexo, que envolve a par-ticipao em prticas sociais e culturais nas quais o indiv-duo envolve-se com outros por meio do uso de instrumentos e de signos com um objetivo especfico. O processo de com-preenso e de apreenso da mediao denominado por Vygotsky (1988) de internalizao:

    [...] processo de desenvolvimento e aprendizagem humana como incorporao da cultura, como domnio de modos culturais de agir, pensar, de se relacionar com outros, consigo mesmo e que aparece como contrrio a uma perspectiva naturalista ou inatis-ta (Smolka, 2000, p. 27-28).

    O sentido da internalizao um sentido "fora/dentro" que deve ser tomado pelo indivduo, e nesse aspecto, Smolka (2000) prope o uso do termo apropriao como sinnimo, que carrega juntamente a ideia de transformao, de signifi-cao, e no de mera transferncia literal.

    Identificar como os indivduos se apropriam do proces-so de mediao e internalizam instrumentos e signos uma

    4 Todosignoumobjeto/eventodotadosocialmentedesignificadoeafetaode-senvolvimento cognitivo de um indivduo, pois os PPS como processos mediados incorporam sua estrutura, como parte central de todo o processo, o emprego de signos como meio fundamental de orientao e domnio nos processos psqui-cos (Vygotsky, 1988,161).

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    Mediao e tecnologia

    das principais questes de pesquisa da teoria socio-histrica (Vygotsky, 2001; Werstch et al., 1998; Werstch, 1999; Van de Veer; Valsiner, 1999). Em particular, apresentamos a seguir conceitos decorrentes de pesquisas desenvolvidas por Diaz et al. (1993) sobre mediao entre mes e bebs, e por Passerino (2005) sobre mediao tecnolgica com sujeitos com autismo.

    Para Diaz et al. (1993), a internalizao evidenciada na autorregulao, sendo tal capacidade originada na intera-o social, promovida e desenvolvida por meio de estratgias especficas em interaes tridicas.5 Partindo do trabalho de Diaz et al. (1993) e de pesquisas de Passerino (2005), foi pos-svel mapear o processo de regulao conforme Figura 1.

    Figura 1: Mapeamento do Processo de Regulao: categorias de mediao

    Fonte: Passerino (2005).

    5 Interaes tridicas, denominadas tambm de ateno conjunta, so aquelas nas quais h uma coordenao de interaes entre sujeitos e objetos resultando num tringulo referencial entre os sujeitos e o objeto e/ou evento ao qual prestam ateno (Tomasello, 2003).

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    Liliana Maria Passerino, Maria Rosangela Bez

    Assim, a mediao foi dividida em trs categorias: controle, autocontrole e autorregulao, com duas dimen-ses em cada uma. A categoria controle orientada sempre pelo sujeito mais experiente e permanece externa ao sujeito aprendiz. Essa categoria pode ser direta via ordens, direti-vas ou perguntas diretivas, e indiretas, por meio de pergun-tas perceptivas, conceituais e procedimentais, assim como gratificaes, renncia direta, entre outras. O autocontrole consiste na realizao, por parte do sujeito aprendiz, de uma ao esperada obedecendo a um tutor internalizado, e, como no caso anterior, pode ser direta ou indireta. Por ltimo, na autorregulao, o plano de ao totalmente concebido pelo sujeito que se converte no seu prprio tutor. A diferena central entre autocontrole e autorregulao a capacidade emergente no sujeito de planejar e definir seus prprios ob-jetivos, organizando funcionalmente sua conduta e adaptan-do-a de acordo com o contexto.

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    4 Proposta metodolgica de ao mediada e ateno conjunta para

    dficits de comunicao

    Liliana Maria Passerino, Maria Rosangela Bez, Ana Carla Foscarini

    No desenvolvimento humano, a comunicao entre os sujeitos exerce papel fundamental, propiciando trocas sig-nificativas que contribuem para a insero dos sujeitos na cultura e a aquisio do conhecimento produzido ao longo dos tempos. Ao usar a comunicao, o sujeito se apropria de signos culturalmente produzidos e passa a interagir, poden-do expressar suas necessidades, sentimentos, constri sua singularidade, passa a usufruir do conhecimento produzido historicamente e tem a oportunidade de deixar sua parcela de contribuio nesse conhecimento.

    Tomasello (2003) traz importantes contribuies para que a comunicao entre os sujeitos se efetive. O autor des-creve a capacidade de ateno conjunta que envolve uma co-ordenao das interaes com objetos e pessoas, resultando em um tringulo referencial composto de criana, adulto, objeto ou evento ao qual prestam ateno. Ateno conjunta significa, ento, a capacidade de compartilhar a ateno, ou seja, quando temos dois sujeitos envolvidos em uma intera-o e um deles presta ateno a um determinado objeto ou ao, envolvendo o segundo sujeito, direcionando sua aten-

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    Liliana Maria Passerino, Maria Rosangela Bez, Ana Carla Foscarini

    o para esse mesmo objeto ou ao. Dessa forma, podemos falar em trs tipos de ateno e tambm em cenas de ateno conjunta e compartilhada:

    Ateno de verificao: consiste no ato de comparti-lhar/verificar a ateno do mediador, por exemplo, simplesmente olhar para o mediador durante envol-vimento conjunto.

    Ateno de acompanhamento: consiste em acompa-nhar a ateno que o mediador dirige a entidades distais externas, acompanhando o olhar.

    Ateno direta: consiste em direcionar a ateno do mediador para entidades externas, por exemplo, apontar para que o mediador olhe para uma entida-de distal.

    Assim, para que se configure uma cena de ateno con-junta deve haver o compartilhamento do mesmo objetivo, a interao social em que o sujeito sintoniza com a ateno e o comportamento do mediador em relao entidade dis-tal. Nas cenas de ateno conjunta, temos presente o envol-vimento conjunto, a referncia social (ao usar o mediador como ponto de referncia) e a aprendizagem por imitao. Para Vygotsky (2001), aprendemos por imitao ao compar-tilharmos nossa ateno com os outros, vendo esses outros como agentes intencionais e nos enxergando como iguais a eles. Consideramos a existncia da cena de ateno conjun-ta ao levarmos em considerao que os dois interagentes compreendem respectivamente os objetivos interativos um do outro, e esto mutuamente implicados em o que ns es-tamos fazendo.

    Por sua vez, a ateno compartilhada tem sido demar-cada como uma das condutas infantis que se efetua por um propsito declarativo, que pode ocorrer por meio da oralida-

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    Proposta metodolgica de ao mediada e ateno conjunta para dficits de comunicao

    de, de formas gestuais, do olhar, e tem o intuito de troca de experincias com o outro com referncia a objetos ou aconte-cimentos ocorridos em seu entorno.

    Como descreve Tomasello (2003), as crianas passam a se envolver em interaes de ateno conjunta quando co-meam a entender as outras pessoas como agentes intencio-nais iguais a elas prprias. Agentes intencionais so seres comuns que tm objetivos e que fazem escolhas ativas entre os meios comportamentais disponveis para atingir aque-les objetivos, o que inclui escolher ativamente no que se vai prestar ateno na busca desses objetivos.

    Segundo Tomasello (2003), a compreenso precoce que os bebs tm das outras pessoas como eu de fato o resul-tado de uma adaptao biolgica exclusivamente humana. Essa compreenso o elemento-chave para a possibilidade de o beb vir a entender os outros como agentes intencionais. Podemos formular a hiptese de que quando as crianas come-am a entender os outros como agentes intencionais e por meio deles aprendem por imitao o uso convencional de artefatos, o mundo dos artefatos culturais fica impregnado de potenciali-dades intencionais que contemplam suas potencialidades sen-srio-motoras, ficando muito evidente a forte tendncia das crianas de imitar as interaes dos adultos com os objetos.

    Dessa forma, percebemos a aprendizagem como histo-ricamente construda. Sobre isso, Vygotsky (1998) defende que estudar alguma coisa historicamente significa estud-la no processo de mudana. Tomasello (2003) compartilha esse pensamento ao afirmar que as representaes simblicas que as crianas aprendem em suas interaes sociais com outras pessoas so especiais porque so intersubjetivas, no sentido de que o smbolo socialmente compartilhado com outras pessoas, perspectivas, pois cada smbolo apreende uma maneira particular de ver algum fenmeno.

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    Liliana Maria Passerino, Maria Rosangela Bez, Ana Carla Foscarini

    Os smbolos lingusticos incorporam uma mirade de maneiras de interpretar intersubjetivamente o mundo em que se acumu-laram numa cultura ao longo do tempo histrico, e o processo de aquisio do uso convencional desses artefatos simblicos, e portanto sua internalizao transforma fundamentalmente a natureza das representaes cognitivas da criana (Tomasello, 2003, p. 133).

    A principal funo da linguagem manipular a ateno de outras pessoas, ao aprender a usar os artefatos simbli-cos presentes nas construes lingusticas e nos smbolos, a criana conceitua o mundo da mesma maneira que os criado-res dos artefatos fizeram.

    Os conhecimentos e a destreza que as crianas revelam em do-mnios especficos dependem quase totalmente do conhecimento acumulado por suas culturas e de sua transmisso por meio de smbolos lingusticos e outros, como a escrita e imagens (Toma-sello, 2003, p. 231).

    Como estamos tratando da comunicao entendida como movimento amplo, que privilegia gestos, expresses, alm da fala e da escrita, trazemos como importante colabo-rao para nossa pesquisa Dondis, que define a linguagem como:

    [...] um recurso de comunicao prprio do homem, que evoluiu desde sua forma auditiva, pura e primitiva, at a capacidade de ler e escrever. A mesma evoluo deve ocorrer com todas as capacidades humanas envolvidas na pr-visualizao, no plane-jamento, no desenho e na criao de objetos visuais, da simples fabricao de ferramentas e dos ofcios at a criao de smbolos, e, finalmente, criao de imagens (Dondis, 2008, p. 2).

    Dondis entende a comunicao para alm da lingua-gem verbal e prev que a mesma evoluo que ocorre nes-sa linguagem deve tambm privilegiar outros tipos de linguagem, como, por exemplo, a linguagem visual, que constitui um corpo de dados [...] podem ser usados para compor e compreender mensagens em diversos nveis de

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    Proposta metodolgica de ao mediada e ateno conjunta para dficits de comunicao

    utilidade, desde o puramente funcional at os mais ele-vados domnios da expresso artstica (Dondis, 2008, p. 3). Assim, o autor abre o leque da comunicao inserindo o modo visual como uma linguagem extremamente presente nos dias de hoje.

    O referido autor apresenta os trs nveis distintos e in-dividuais dos dados visuais:

    Representacional: aquilo que vemos e identificamos com base no meio ambiente e na experincia; a reali-dade a experincia visual bsica e predominante; o nvel mais eficaz a ser usado na comunicao.

    Abstrato: o processo de abstrao diz respeito redu-o dos fatores visuais mltiplos aos traos mais es-senciais e caractersticos daquilo que est sendo re-presentado, enfatizando os meios mais diretos, emo-cionais e mesmo primitivos da criao de mensagens.

    Simblico: o vasto universo de sistemas de smbolos que o homem criou e ao qual atribui significados, n-vel que requer uma simplificao radical, ou seja, a reduo do detalhe visual a seu mnimo. Para ser efi-caz o smbolo no deve apenas ser visto e reconheci-do, deve tambm ser lembrado e reproduzido.

    No sentido das consideraes feitas por Dondis (2008), Vygotsky (1998, 2001), Tomasello (2003), ao tratar de ges-tos comunicativos, tambm alvo de nossa pesquisa, indica que por volta da idade de nove meses as crianas comeam a dirigir ativamente a ateno e o comportamento dos adul-tos para entidades exteriores usando gestos diticos como apontar para um objeto ou segur-lo para mostrar a algum. Esses comportamentos comunicativos representam a ten-tativa das crianas de fazer com que os adultos sintonizem sua ateno para alguma entidade exterior. So gestos cla-

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    Liliana Maria Passerino, Maria Rosangela Bez, Ana Carla Foscarini

    ramente tridicos no sentido que indicam para um adulto alguma entidade externa. Esses primeiros gestos diticos so imperativos, e, na verdade, tentativas de fazer com que o adulto faa algo em relao a um objeto ou evento, como declarativos, simples tentativas de fazer o adulto prestar ateno a algum objeto ou evento. Os gestos declarativos so de especial importncia porque indicam que a criana no quer apenas que algo acontea, mas realmente deseja com-partilhar a ateno com um adulto.

    Conforme o autor, o simples fato de apontar um objeto para algum, com o nico intuito de compartilhar a ateno dedicada a ele, um comportamento comunicativo exclusi-vamente humano.

    Segundo Silva et al. a comunicao no verbal encontra--se presente desde os primrdios da humanidade e contamos com inmeras

    [...] manifestaes de comportamento no expressas por pala-vras, como os gestos, expresses faciais, orientaes do corpo, as posturas, a relao de distncia entre os indivduos e, ainda, a organizao dos objetos no espao (Silva et al., 2000, p. 53).

    Dessa forma, podemos perceber essas manifestaes comunicativas na pintura, na literatura, na escultura e nas formas dirias de expresso humana.

    Entendemos, pois, a comunicao em um sentido que ultrapassa o uso da fala, incorporando a escrita, as expres-ses faciais e corporais, os gestos manuais e o uso da simbolo-gia presente na CA, num movimento de ao compartilhada entre os sujeitos (mediador e mediatizado), para com o obje-to ou o signo em questo. Dessa forma, privilegia situaes de ensino-aprendizagem que contemplam interao, colabo-rao, intersubjetividade, desempenho assistido, armando assim um cenrio favorvel atividade que possui duas ca-ractersticas essenciais: a prpria ao cognitiva e motora (a

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    Proposta metodolgica de ao mediada e ateno conjunta para dficits de comunicao

    atividade) e os elementos objetivos, externos e ambientais, buscando alcanar a condio bsica para a existncia de ce-nrios de atividades efetivos para a adeso dos participantes (Gallimore; Tharp, 1996).

    Um dos processos que envolvem cenas de ateno con-junta mais relevantes para o desenvolvimento humano o denominado por Vygotsky (1998) como mediao.

    A mediao uma ao que se desenvolve entre trs ele-mentos no mnimo, sendo dois sujeitos e um objeto, na qual os sujeitos se focam em torno de um determinado objeto ou ao. Wertsch (1988) expe que, segundo Vygotsky, a mediao uma caracterstica da condio humana que est intimamen-te ligada internalizao ou apropriao das atividades e do comportamento socio-histrico e cultural. Portanto, a mediao dentro de um contexto social inclui a utilizao de ferramentas e de signos. A combinao desses instrumentos, chamados de mediadores ou a mediao, possibilita o desen-volvimento dos PPS, que se constituem como relaes sociais internalizadas, no como a mera cpia de uma operao ex-terna, mas, sim, como uma transformao gentica.

    Vygotsky (1998) define dois tipos de instrumentos de mediao: os instrumentos e os signos. A diferena entre eles que, nos instrumentos, h a ao do homem sobre o objeto exterior. O instrumento o elemento inserido entre o homem e sua ao, a fim de que possa transformar seu meio, mediado pela comunicao. De outro modo, os signos esto sempre ligados soluo de um problema psicolgico, portanto podem ser considerados instrumentos psicolgicos interpretveis, e podem referir-se a elementos ausentes, do espao e do tempo, como lembrar, relatar, escolher. Assim, os signos so estmulos impregnados de significado que es-tabelecem as atividades mediadas num contexto histrico--cultural, com interao social por meio da internalizao.

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    O processo de mediao se desenvolve na Zona de Desen-volvimento Proximal (ZDP), ao mesmo tempo em que a cons-titui ou a configura, definida como a distncia entre o nvel de desenvolvimento real (NDR) do sujeito e do potencial, em que as interaes sociais so pontos centrais e a aprendizagem e o desenvolvimento se interrelacionam (Vygotsky, 1998).

    Wertsch (1985) considera que quando os interlocutores participam de uma atividade e desenvolve-se um funcio-namento psicolgico intrasubjetivo, compartilham da mes-ma definio de situao e esto conscientes disso. O autor destaca, ainda, a importncia do papel dos instrumentos de mediao no desenvolvimento dos prprios nveis de inter-subjetividades. Para Baquero (1998, p. 107) a ZDP um sis-tema de interao definido, no qual existe uma estrutura de atividade conjunta com participantes que exercem respon-sabilidades diferenciais em virtude de sua distinta percia. O processo de mediao culmina na internalizao.

    O processo de internalizao, segundo Leontiev, a re-produo das aptides e propriedades do indivduo, das pro-priedades e aptides historicamente formuladas pela espcie humana, incluindo a aptido para compreender e utilizar lin-guagem (1978, p. 270). J para Smolka, a internalizao :

    [...] um processo de desenvolvimento e aprendizagem humana como incorporao da cultura, como domnio de modos culturais de agir, de pensar, de se relacionar com outros, consigo mesmo e que aparece como contrrio a uma perspectiva naturalista ou inatista (2000, p. 27-28).

    Neste trabalho ser utilizado o processo de mediao, proposto inicialmente por Diaz et al. (1993) e ampliado por Passerino (2005), que divide o processo em controle, auto-controle e autorregulao, sendo:

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    Proposta metodolgica de ao mediada e ateno conjunta para dficits de comunicao

    Controle: o sujeito mais experiente responsvel pela ao, delimitando o processo inicial de apro-priao por meio de um controle direto ou indireto.

    Controle Direto apresentado por meio de or-dens (faz assim), diretivas (vamos clicar aqui?) e perguntas diretivas (podes clicar aqui?).

    Controle Indireto acontece via perguntas per-ceptivas (qual a cor deste lpis?), perguntas conceituais que requerem representao mental (qual a diferena entre este objeto e o outro?), gratificaes (muito bem!), renncia direta (agora faz sozinho), confirmao passiva (sujei-to mais experiente responde s questes dirigidas a ele sobre questionamentos do menos experien-te), afastamento fsico (sujeito mais experiente, fica distante, observando, s intervm se houver necessidade, quase em processo de autocontrole).

    Autocontrole: realizao, por parte do sujeito de uma ao esperada, obedecendo a um tutor internalizado. Nela tambm existem duas dimenses:

    Controle Direto imitao direta, modelo, fala di-rigida ao sujeito mais experiente.

    Controle Indireto produes verbais dirigidas ao prprio sujeito.

    Autorregulao: plano de ao concebido pelo sujeito que se converte no seu prprio tutor, transformando o signo de mediao em conceito apropriado e inter-nalizado. nessa etapa que se pode falar em inter-nalizao efetivada, mas esta comea entre ambos os processos, como apresentado na figura a seguir:

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    Figura 1: Categorias iniciais da Ao mediadora e suas dimenses

    Fonte: Passerino e Santarosa (2008, p. 434).

    A Ao mediadora ser um conceito importante nes-te trabalho, o qual foi construdo a partir das pesquisas de Wertsch (1999), que tomou por base os estudos socio-hist-ricos derivados de Vygotsky (1998), especialmente no que se refere apropriao. A Ao mediadora servir como unida-de de anlise no processo de desenvolvimento do sujeito.

    Na ao, signos e instrumentos participam em conjunto com os sujeitos em interao. O sujeito se apropria desses signos e os utiliza ativamente, primeiro de forma controlada pelo sujeito mais experiente e, depois, autonomamente ao atingir a autorregulao. Esse processo implica a transfor-mao do signo em um conceito (generalizao de significa-do), o qual usado para o autocontrole (incio do processo de internalizao) e, finalmente, o uso do signo internalizado na autorregulao.

    Segundo Wertsch (1988), toda Ao mediadora tem essa dimenso individual interna e coletiva exterior. Em tal ao, participam instrumentos e signos, alm dos sujeitos em inte-

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    Proposta metodolgica de ao mediada e ateno conjunta para dficits de comunicao

    rao, mas o processo todo possui um vis semitico. A funo da linguagem nesse processo dupla: como funo comuni-cativa e como reguladora da ao por meio da construo de significado e de sentido nas definies de situao.

    Analisando a Ao mediadora do ponto de vista da pro-duo de significado e sentido, nos aproximamos de Bakhtin, dando destaque palavra como funo de signo, sendo essa, segundo Bakhtin (1981), o mais puro e sensvel modo de co-municao social. Tal sentido, fundamentalmente determi-nado pelo contexto, permite tecer diversas significaes pos-sveis que se constituem na interao dos agentes da ao, pois, embora o sentido, segundo Bakhtin, esteja constitudo contextualmente, o mesmo somente se efetiva por uma com-preenso ativa e complexa dos interagentes.

    Resumindo, o papel da linguagem na construo do in-divduo, segundo Vygotsky, est fundamentado na palavra, j que por meio dela que ocorre a interao social. A lin-guagem, sendo o meio pelo qual o indivduo constri o sen-tido das coisas, tambm o meio pelo qual ele se constri enquanto sujeito.

    J uma Ao mediadora em Comunicao Aumenta-

    tiva e Alternativa (CAA) ser apresentada por Bez (2010) da forma que se apresenta a seguir.

    Uma Ao mediada que vise comunicao e ao letra-mento de sujeitos com TGD ser elaborada com CAA. Esta ao ter a metodologia descrita no incio deste captulo, por meio de estratgias colhidas das anlises de dados (entrevis-tas, anamnese, observaes, inventrios) com recursos das TICs.

    Foi levado em conta um processo de interao que per-mitisse verificar a intencionalidade de comunicao e suas formas de construo e representao.

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    Por conseguinte, para a observao e a anlise da co-municao foram empregados os seguintes parmetros:

    Quanto intencionalidade de comunicao: verificados por meio da inteno da comunicao e expressados pelos sujeitos. Foram elencados os indicadores utilizados por Pas-serino (2005) e fundamentados em Tomasello (2003) e Bosa (2002) no tocante percepo de si como agente intencional numa fase ditica e numa fase posterior, a percepo tridi-ca do outro como agente intencional.

    Segundo Tomasello (2003), um sujeito se torna inten-cional quando se utiliza de ferramentas culturais e por meio dessa compreenso passa a dominar, acima de tudo, a linguagem. Necessitando, para isso, compreender:

    o significado dos objetos; a existncia de si prprio; as outras pessoas; faz parte de um meio e ater-se a ele.

    J Bosa (2002) afirma em seus estudos que o desenvol-vimento da comunicao intencional acontece quando h a compreenso do outro como agente intencional, ou seja:

    tem metas e se empenha para atingi-las; compreende as aes (soluo e compartilha com o

    meio); interessa-se e presta ateno ao seu redor.

    A mesma autora descreve que, numa fase seguinte, tri-dica, o sujeito passa a chamar a ateno dos outros e de si prprio. Essa fase fundamentada em comportamentos no verbais que expressam seus desejos acerca de si prprio, de objetos e de aes, acompanhados pela manifestao de di-versas expresses emocionais. dividida em trs categorias, as quais elencamos a seguir.

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    Proposta metodolgica de ao mediada e ateno conjunta para dficits de comunicao

    Afiliao: foco de ateno em si prprio com compor-tamentos no verbais.

    Regulao: pedidos de auxlio para conseguir o que deseja ou para realizar uma atividade.

    Ateno compartilhada: h a troca de experincias entre os sujeitos dos objetos e eventos do seu meio.

    As fases tridicas de intencionalidade de comunicao esto sintetizadas na Figura 2.

    Figura 2: Fases tridicas da intencionalidade de comunicao

    Fonte: Bez (2010, p. 80).

    Quanto s formas de construo e representao: fala, gestos e sinais e escrita sero detalhadas na anlise confor-me indcios dos dados coletados.

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    Liliana Maria Passerino, Maria Rosangela Bez, Ana Carla Foscarini

    Fala: expresso oral que demonstre expresso de sig-nificado a uma palavra ou enunciado.

    Gestos e sinais: esses podem ser manifestados nas mais diversas formas de expresses faciais demons-tradas no ato de olhar, sorrir, chorar, morder, cheirar, e por expresses corporais demonstradas por abraar, empurrar, pegar, bater palmas, acariciar, beliscar, ba-ter, tocar.

    Escrita: expressa por meio de desenhos, rabiscos, le-tras, palavras, frases ou enunciados.

    As formas de construo e representao so sintetiza-das na Figura 3, com os dados descritos anteriormente, que, de alguma forma, evidenciaram sinais de comunicao dos sujeitos da pesquisa.

    Figura 3: Formas de construo e representao

    Fonte: Bez (2010, p. 81).

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    Proposta metodolgica de ao mediada e ateno conjunta para dficits de comunicao

    Conclumos a apresentao das categorias comunicati-vas analisadas na pesquisa com a sua unio demonstrada no mapa conceitual apresentado na Figura 4.

    Figura 4: Mapa com itens de anlise, indcios de comunicao

    Fonte: Bez (2010, p. 82).

    Diante do exposto neste captulo tanto com referncia aos estudos tericos quanto prtica das pesquisadora, na sequncia apresenta-se a metodologia das Aes mediadoras propriamente dita.

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    5 Metodologia das Aes mediadoras

    Maria Rosangela Bez, Liliana Maria Passerino

    A proposta da metodologia das Aes mediadoras est fundamentada em pressupostos da teoria socio-histrica, entendendo-se que o desenvolvimento humano ocorre do seu nascimento sua morte. Ele se d em ambientes cultural-mente organizados e com regras sociais estabelecidas, por meio de interaes realizadas com parceiros, ou seja, entre duas ou mais pessoas que tm um papel ativo. O desenvolvi-mento se d, portanto, na interao social, sendo impossvel separar as pessoas, as interaes e os contextos. Dessa for-ma, o sujeito no analisado individualmente, mas sempre em interao com os diferentes contextos.

    As pessoas esto imersas em contextos, constitudas por contextos, submetidas s condies desses contextos, se-jam eles fsicos, emocionais, culturais, entre outros. Assim, pode-se dizer que o contexto cultural o contexto simblico do contexto social, em que cada sujeito toma parte de N contextos sociais diferentes, como, por exemplo, famlia, es-cola, trabalho, amigos, entre outros.

    O resultado da comunicao e da incluso social dos su-jeitos desta pesquisa foi consequncia da metodologia das Aes mediadoras. O que se pretendeu analisar foi o proces-so, no somente os sujeitos ou um contexto. Isso torna a pes-quisa complexa e dialtica, com foco em pontos de interao,

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    Metodologia das Aes mediadoras

    constitudos pelas pessoas em mediao com o instrumento (Figura 1).

    Figura 1: Anlise do processo de mediao

    C

    S S

    O

    Legenda

    S i sujeito Oi objeto Cx contexto

    Processo

    Fonte: Bez (2014. p. 211).

    Dessa forma, a mediao no acontece somente com uma pessoa, um sujeito ou uma tecnologia, tanto as pesso-as quanto os contextos podem variar. Assim, a unidade de anlise a Ao mediadora em diferentes contextos. Acre-dita-se, pois, que elas so significativas quando apoiam a interao entre os sujeitos e os objetos, a fim de ampliar a interao social e a promoo da comunicao, e para que elas aconteam, a linguagem tem papel fundamental.

    A linguagem o meio pelo qual acontecem as intera-es, ou seja, o instrumento que permite que as interaes ocorram. Ao mesmo tempo, o instrumento que permite pensar sobre as interaes. Configurando-se, dessa forma, uma funo dupla e complexa, que permite chegar at as pessoas e saber o que se est fazendo com elas.

    Rossetti-Ferreira, Amorim e Silva (2000) destacam que a natureza dos contextos discursiva, permeada pela lin-guagem e pela semitica. Nesse contexto, coloca-se em ques-tionamento quais e como os vrios elementos pessoa, inte-rao, contexto aparecem nas interaes, participando do

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    Maria Rosangela Bez, Liliana Maria Passerino

    processo de produo de significados. Evidencia-se que mais importante do que entender essa significao participar do processo de pensar e quais e como os elementos esto partici-pando do processo de fazer sentido desse sujeito.

    Para tal, inicialmente, elabora-se um perfil socio-histrico dos sujeitos. Pretende-se, com isso, fazer uma sn-tese descritiva que apresenta como o sujeito e como se re-laciona com seu meio. Para sua composio, so utilizados quatro eixos norteadores: comunicao, interao, identifi-cao do sujeito e potencialidades/necessidades. O Quadro 1 descreve como esse perfil foi elaborado com foco no autismo e nos dficits de comunicao. Ele pode ser adaptado, confor-me a deficincia.

    Quadro 1: Construo do perfil socio-histrico

    Comunicao Interao IdentificaoPotencialidades/

    necessidades

    Como este sujeito se comunica? Pela fala? Como sua oralizao?

    Por gestos? Quais?

    Pelo olhar? De que forma?

    Por meio de algum sistema de comunicao alternativa?

    Quando o sujeito se comunica?

    Qual a finalidade desta comuni-cao?

    Para satisfazer seus desejos? Ou Para qu? O que ele comu-nica?

    compreensvel o que ele dese-ja comunicar?

    O faz por meio de estereotipias?

    Ocorre de forma espontnea?

    Qual o tempo de durao desta comunicao?

    Como ele interage?

    Com o que (objetos)?

    Com quem (pessoas)?

    Quando ele interage?

    Procura descobrir como o sujeito aos olhos de di-ferentes pessoas familiares, pro-fessores, auxiliar escolar.

    Quais suas po-tencialidades?

    O que ele gosta de aprender?

    Quais suas pre-ferncias? (o que gosta)

    Quais suas ne-cessidades?

    Tem algum tipo de comporta-mento especfi-co? - Em que mo-mento aparece? H algum tipo de intencionalidade nele? Qual?

    Fonte: Bez (2014).

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    Metodologia das Aes mediadoras

    Na sequncia, elabora-se o contexto sociocultural dos ambientes a serem investigados. Um contexto cultural a representao simblica do contexto social, em que todo in-divduo participa de inmeros contextos sociais diferencia-dos, como escola, famlia, trabalho, amigos, entre outros. Cada um deles contm elementos constitutivos e atores que, em interao, possuem uma dinmica prpria e constituem uma unidade de anlise. Eles devem ser identificados no de forma isolada, mas em interao iro compor um todo sistmico, que representa o contexto. Esses elementos cons-tituem-se de atores (pessoas e instituies); espaos (fsicos e simblicos); regras, normas, crenas compartilhadas; orga-nizao social; organizao espacial; organizao temporal; organizao semitica. O Quadro 2 apresenta a estruturao de um contexto