comportamento verbal e terapia analitico-comportamental

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    ISSN 1982-3541

    Belo Horizonte-MG

    2008, Vol. X, n 1, 105-118

    Subsdios da obra Comportamento Verbal de

    B. F. Skinner para a terapia analtico-comportamental1

    Subsidies of B. F. Skinners bookVerbal Behavior for behavior analytic therapy

    Sonia Beatriz Meyer2

    Claudia OshiroJuliana C. Donadone

    Rejane Coan Ferretti MayerDepartamento de Psicologia Clnica da USP

    Roosevelt StarlingUniversidade Federal de So Joo Del-Rei

    Departamento de Psicologia Clnica da USP

    Resumo

    Os conceitos de causalidade mltipla, de autoclticos e de edio podem auxiliar o terapeuta analtico-comportamental a conduzir avaliaes funcionais e a intervir. Ao avaliar, ele leva em considerao que ocontedo das falas de clientes tem mltipla determinao e presta ateno a sutilezas de autoclticos e deedies. Usa autoclticos para promover bom relacionamento e adeso terapia e para ensinar o cliente adescrever seu comportamento e controles. Respaldado na noo de causalidade mltipla, pode trabalharcom metforas, fantasias e alegorias, e pode fornecer estimulao suplementar para fortalecer respostasdo cliente j existentes, porm fracas. Discute-se que a lgica do trabalho clnico diferente do da anliseexperimental do comportamento e que diferentes anlises de comportamento podem ser apropriadas para

    se alcanar objetivos teraputicos.

    Palavras-chave:Causalidade mltipla, Autoclticos, Edio, Terapia analtico-comportamental.

    Abstract

    Concepts of multiple causation, autoclitics and edition help behavior analytic therapists to conduct functionalevaluations and to intervene. In evaluating the therapist takes into account that verbalization of clientshave multiple determination and pays attention to subtleties of autoclitics and editions. He uses autocliticsto promote a good therapeutic relationship, adherence to treatment and to teach the client to describe hisbehavior and its controlling variables. Metaphors, fantasies and allegories are possible interventions basedon multiple causation notion. Therapists can provide supplementary stimulation to strengthen existing but

    weak responses. The logic of clinical work being different from experimental analysis of behavior and thatdifferent contingencies analysis may be appropriate are discussed.

    Key-words:Multiple causation, Autoclitics, Edition, Behavior analytic therapy.

    1Texto desenvolvido a partir da disciplina Subsdios da Obra Comportamento Verbal de Skinner para Clnica Comportamental,ministrada pela Profa. Dra.Sonia Beatriz Meyer no Departamento de Psicologia Clnica da USP no 1 semestre de 2006. Alm dosautores participaram Fernanda Libardi, Michele Oliveira-Silva e Robson Faggiani.2E-mail: [email protected]

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    Sonia Beatriz Meyer - Claudia Oshiro - Juliana C. DonadoneRejane Coan Ferretti Mayer - Roosevelt Starling

    O livro Comportamento Verbal deSkinner (1957) prope um modelo explicati-vo para a compreenso de episdios compor-tamentais complexos e aponta sutilezas naidenticao de variveis controladoras. A

    conduo da terapia analtico-comportamen-tal poder ser aprimorada se o terapeuta uti-lizar em seu trabalho a taxonomia e conceitosda proposta analtica de Skinner (1957). Sele-cionamos trs dos conceitos de Skinner parauma anlise das possibilidades que estes po-dem trazer para o desempenho teraputico:1) causalidade mltipla, 2) autoclticos e 3)edio do comportamento verbal. Tais con-ceitos podem dar subsdios para as tarefas de(a) avaliao, e (b) interveno teraputica.

    Uma breve reviso dos conceitos apresen-tada a seguir.

    1) Causalidade mltipla: O comportamentoverbal usualmente possui mltiplas fontes decontrole. Uma nica resposta pode ser funode mais de uma varivel e uma nica varivelusualmente afeta mais de uma resposta.

    2) Autoclticos: O autocltico um compor-tamento verbal que depende de e modica

    os efeitos de outro comportamento verbal. Oautocltico pode alterar a resposta do ouvinteaos operantes verbais que ele acompanha dediversas formas: a) descrevendo-os, b) comomandos, c) qualicando-os (negando ou ar-mando), d) quanticando-os. Assim, a) auto-clticos descritivosdescrevem o prprio com-portamento verbal, podendo informar: o quedeterminou a resposta, como estou vendoo trnsito carregado ou ouvi no rdio queo trnsito est pssimo; um estado interno,

    como senti muito medo; ou as fontes da-quele comportamento, como fulano me disseque.... A funo de tais autoclticos simples-mente indicar ao ouvinte as condies sob asquais o comportamento est sendo emitido.b) H autoclticos que podem funcionar comomandospara o ouvinte como preste bastanteateno!. c) Os autoclticos qualicadoresmu-dam o valor de determinada resposta e assima reao do ouvinte. Podemos negar algo

    que falamos em seguida, como eu no es-tou preocupada com as notas do meu lho,entretanto, o autocltico de negao envolve aquesto de que a resposta est forte por algu-ma razo. d) Autoclticos podem quanticar,

    como pode-se dizer sempre que....A funo autocltica tambm podeser exercida por um olhar malicioso ou certotom de voz ou uma risada nervosa.O com-portamento verbal bruto, sem ou com poucosautoclticos, dicilmente emitido, uma vezque a fala seria menos inteligvel. Pode ocor-rer na produo verbal de uma pessoa sobcontrole de alguma operao estabelecedora(por exemplo, presso de tempo) ou em umacriana na qual o repertrio verbal ainda in-

    cipiente ou est comprometido, tal como nasfalas de indivduos com transtornos do de-senvolvimento (p. ex. autismo) e nas falas dealguns esquizofrnicos. Ocorre tambm nose-mails lacnicos. Entretanto, a comunidadeverbal refora composies completas, comautoclticos que ampliem as possibilidadesde obter reforamento positivo liberado peloouvinte das mesmas. Portanto, o autoclticopode ser compreendido como indicador defora e circunstncias que controlam a produ-

    o do comportamento verbal. uma catego-ria de comportamento verbal que traz infor-maes ou pistas sobre as relaes de controlee elementos de fora do comportamento.

    3) Edio: No processo de produo do com-portamento verbal, respostas podem ser re-jeitadas ou liberadas pelo falante, de acor-do com os efeitos que esta manipulao jexerceu e, portanto, poderia exercer sobre oouvinte, por meio da edio. Esta uma ativi-

    dade adicional do falante. O comportamentoverbal escrito pode afetar o falante antes dechegar at o ouvinte e assim pode ser corta-do, rasurado, cancelado, arrancado, editado.J no comportamento verbal vocal a edio mais efmera e de difcil descrio. Podemosobserv-la por meio de algum comportamen-to restritivo tal como morder os lbios, colo-car a mo na boca, morder a lngua, escondero rosto com as mos ou algum objeto (bolsa,

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    caderno, agasalho) ou por meio da utilizaode autoclticos apropriados, que aumentame modulam seu efeito sobre o ouvinte. Porexemplo, expressar um riso nervoso ouusar frases do tipo Eu no sei se deveria fa-

    lar isto, No bem isto que eu quis dizer,No estou achando a melhor resposta, naemisso de uma resposta, so indcios de que,possivelmente, deve ter ocorrido, encoberta-mente, uma reviso e/ou recapitulao.

    Uma das razes para a rejeio deuma resposta pelo falante o fato de ela tersido anteriormente punida. A punio noenfraquece diretamente a resposta, ela forta-lece formas incompatveis de resposta. Rejei-tar uma resposta reduz a estimulao aversi-

    va condicionada gerada por ela e refora-da por isso. Por exemplo, tapar a boca coma mo para prevenir uma resposta falada oudizer algo em seu lugar pode ser entendidocomo uma esquiva.

    1. Causalidade mltipla, autoclticos e edi-o na avaliao do comportamento no con-texto clnico

    As tarefas do analista do comporta-

    mento, na clnica ou em qualquer outro am-biente de interveno, so identicar umaresposta ou classe de respostas que, se muda-da, produzir efeitos considerados de impor-tncia e identicar as variveis que controlama resposta ou a classe de respostas seleciona-da para ento derivar uma interveno queproduza tal mudana. Os instrumentos bsi-cos dos analistas de comportamento so a ob-servao direta do comportamento e de seuscontroles e a manipulao dessas variveis

    de controle. Tais instrumentos no esto tofacilmente disponveis ao terapeuta analti-co-comportamental quando se encontra comseu cliente, geralmente apenas uma vez porsemana, durante 50 minutos. As respostas ouclasse de respostas com as quais ele vai traba-lhar no esto necessariamente presentes nainterao teraputica, dicultando a alteraodireta de suas contingncias mantenedoras.Usualmente, o cliente relata suas queixas e as

    condies que parecem afetar esses e outroscomportamentos investigados pelo clnico,mas nem sempre h preciso e correspondn-cia entre o relato e as contingncias que defato controlam suas respostas.

    Entretanto, terapias verbais tm aju-dado por volta de 75% das pessoas que pro-curam psicoterapia (Lambert, 2001). Isso podeser o resultado de modelagem, quando res-postas, verbais ou no, da mesma classe queas da queixa ocorrem na interao teraputi-ca e so diretamente conseqenciadas; outrapossibilidade (no excludente) a de que oterapeuta capaz de identicar variveis decontrole relevantes no comportamento verbaldo cliente. O terapeuta pode ser considerado

    um observador especialmente treinado paralevantar hipteses sobre o que controla ocomportamento de seu cliente. O fato de a te-rapia verbal incidir sobre relatos verbais e nosobre a emisso do comportamento ao qual orelato se refere no sempre ou necessaria-mente uma limitao. Em vrias ocasies, justamente o exame dos provveis controlesdo relato do cliente o dado mais importantea ser observado. Por exemplo, uma terapeutaperguntou para seu cliente adolescente sobre

    o relacionamento dele com o pai e ele norespondeu. A terapeuta voltou a perguntar eao invs de resposta ouviu: meus pais noconsideram voc como minha mdica, achamque psiclogo no serve para nada. Em vezde perguntar por que os pais dele tinham essaopinio, ela perguntou Por que voc est medizendo isso agora?. Aps uma breve pausaele comeou a falar do pai. Num outro exem-plo, uma me, ao ser informada que seu lhono seria mais atendido por causa de faltas

    excessivas aps ela no ter cumprido combi-naes feitas para solucionar o problema dasfaltas, teve como primeira reao justicar-se:A culpa no foi minha, paguei minha vizi-nha para traz-lo, ela que no trouxe. Apsa resposta da terapeuta de que ela entendia,mas que agora no seria mais possvel ofe-recer terapia ao lho, ela passou a suplicar:Por favor, ele precisa muito do atendimento,por favor, me ajude. Na seqncia da nega-

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    tiva a prxima resposta j foi em tom bastan-te diferente, foi agressiva: Mas a diretora daescola disse que no estava adiantando, e queeu s estava gastando meu dinheiro com ni-bus. Ao examinar os provveis controles do

    relato da me, verica-se que a contradioentre pedir a continuao da terapia dizendoque o menino precisava de muita ajuda e ar-mar que o tratamento no estava adiantandoindica uma alta probabilidade de causalidademltipla.

    Na maior parte do tempo, em terapia,o cliente fala. O que dito considerado tatoquando o cliente relata o que lhe aconteceu(Kohlenberg & Tsai, 2001) e est acontecendosem que nenhuma varivel distora o relato.

    (A denio de tato proposta por Kohlen-berg e Tsai (2001) est sendo adotada por suamaior aplicabilidade situao clnica. En-tretanto, ela difere daquela dada por Skinner(1957), de o tato ser controlado apenas porum objeto particular ou um acontecimentoou propriedade do objeto ou acontecimen-to, uma vez que o acontecimento j cou nopassado). Aquilo que dito pode ter outrasfunes, como a de mando, conforme exem-plicado adiante.

    1.1. Causalidade mltipla na avaliaoO terapeuta pode aumentar suas pos-

    sibilidades de sucesso na tarefa de avaliaose ele levar em conta a noo de causalidademltipla apresentada por Skinner. Algunsterapeutas, especialmente os iniciantes, pa-recem car mais sob controle do contedoapresentado nas falas do cliente do que sobum conjunto maior de indicadores verbais eno-verbais. Mas a complexidade das intera-

    es possibilita que muitas variveis inuen-ciem o que dito ao clnico e uma intervenobaseada apenas no contedo pode ser ine-ciente, por no ter levado em conta as vari-veis adicionais.

    A ocorrncia de lapsos, de ironia e deinveno potica so resultados da causalida-de mltipla do comportamento verbal. A falade uma cliente numa primeira sesso comuma nova terapeuta hoje estou especialmente

    irritada e mal humorada, coloquei a bota justa-mente para dar um chute na canela de algumenquanto falava mal de mdicos e de terapias,exemplica uma ocorrncia de verbalizaoque provavelmente indica a presena de uma

    varivel de controle no explicitada, relacio-nada mudana de terapeuta. Atentar-se aofato de que respostas verbais do cliente pos-suem mltiplas fontes de controle, entenderque diferentes respostas podem ter a mesmafuno e que qualquer amostra de compor-tamento verbal funo de muitas variveisoperando ao mesmo tempo pode ser o dife-rencial entre terapeutas3.

    Exemplo de causalidade mltipla: Em umcaso de uma mulher com queixas de pnico, o

    procedimento de exposio foi aplicado, comsucesso, para resolver o medo de levar o lho escola. Aps as frias da terapeuta, a clienterelatou que outros medos estavam muito in-tensos, com exceo daquele tratado. O relatoestava em contradio com os resultados par-ciais obtidos no primeiro semestre, em quehouve descries de reduo em freqncia eintensidade de diversos medos, como o de ira shopping centers. Essa discrepncia foi umindicador de que poderia haver outras vari-

    veis controlando o relato, ou seja, um indica-dor de causalidade mltipla. A falta de me-lhora, aps um ms de ausncia da terapeuta,poderia ter sido tanto um tatodescrevendo aocorrncia de medos intensos, como tambmum mando, indicando uma necessidade decontinuao da terapia. O relato de melhorano comportamento trabalhado pela terapeu-ta poderia ser entendido tambm como outraforma do mesmo mando(necessidade de con-tinuao da terapia) ao indicar que ela estava

    gostando do trabalho da terapeuta e queriacontinuar. A partir da observao de que maisde uma varivel poderia estar controlando ocomportamento da cliente, uma nova hipte-se pode ser levantada, a de dependncia. Essahiptese ganhou fora pelo fato de j teremaparecido, no semestre anterior, indicadores

    3O paradigma de equivalncia de estmulos tambm capazde explicar que uma nica resposta pode ser funo de maisde uma varivel e que uma nica varivel usualmente afetamais de uma resposta.

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    com voc, eu sei que eu deveria fazer isso, mas pramim muito difcil sair com pessoas diferentes demim e, e) identicar a condio emocionalou estado motivacional do cliente: Eu precisomuito continuar na terapia, com voc ou com qual-

    quer outro terapeuta;Esses dias eu t arrasadapor causa das coisas que a minha irm me disse,sabe? Esse ltimo exemplo, caso formuladode outra forma, poderia evocar uma respos-ta diferente do terapeuta: Essa semana minhairm me falou que ela pretende sair de casa. Apresena do autocltico, no primeiro caso, di-reciona a ateno do terapeuta para o efeitoque a fala da irm teve.

    1.2.1. Autoclticos na avaliao da interao

    teraputicaOs trechos de terapia transcritos a se-guir indicam a possibilidade de o terapeutaobservar diretamente a ocorrncia de com-portamentos, de evoc-los e de conseqen-ci-los. Esta a forma de interveno privi-legiada pela Psicoterapia Analtica Funcional(PAF) proposta por Kohlenberg e Tsai (2001)que consideram que a modelagem direta doscomportamentos em sesso , para alguns ca-sos, a melhor forma de interveno teraputi-

    ca. Alm da modelagem, a relao estabeleci-da entre terapeuta-cliente pode ser uma dasvariveis relevantes para facilitar mudanascomportamentais, uma vez que as anlisesverbais feitas na interao com o terapeutapodem controlar o responder do cliente forada clnica (Ver, por exemplo, Amorim, 2001;Beckert, 2005; Donadone, 2004 para estudossobre consistncia ou no das relaes falar/fazer/falar).

    Eu estou muito cansada hoje, quase que

    eu no vim aqui (terapia) uma frase tpicaque pode ter mais de uma funo. Pode serapenas uma descrio, um tato do seu estadofsico ou um pedido, um mando disfarado:no quero falar hoje, no retome aquele temada semana passada. A qual das funes o tera-peuta responde pode no ser irrelevante parao progresso da terapia.

    O dilogo abaixo de um terapeuta eseu cliente depressivo com diculdades de se

    engajar em atividades que poderiam produ-zir reforos positivos. Nota-se que ele estavacom diculdades de falar dos acontecimentosda semana e falar de outros assuntos foi umoperante forte, provavelmente uma tentativa

    de se esquivar de punies vindas da audin-cia (terapeuta). A resposta foi emitida emborarecheada de autoclticos.

    T: Como foi sua semana?C: Foi boa, eu estava vindo de carro, a A. um saco, briga comigo a toda hora, porqueeu sou assim, no gosto de ningum mecastrando, j chega a poca da militncia,eu deixei claro para ela que eu no gostodesse negcio de casamento, as pessoas fo-

    ram criadas por Deus para serem livres, evoc tem que ter sua individualidade, euna verdade, queria morar com mais pes-soas, no me importo de ajudar pessoas derua, se quiserem morar comigo, sabe, umacoisa meio comunista, porque esse sistemaque est vigorando um absurdo, depoisque eu vi o Lula de gravata, percebi que eletinha se vendido (...).(comportamentoverbal vocal forte, incompatvel com ofalar da semana).

    T: R. perguntei como tinha sido sua sema-na. Foi tudo bem?C: Ento (voz baixa),... (silncio). Achoque foi mais ou menos. Quer dizer, no foito boa. Dormi e assisti TV todos os dias(...) (resposta emitida depois de vriosautoclticos).

    Em terapia, clientes que usam excessi-vamente os autoclticos podem estar ameni-zando uma resposta que tem probabilidade

    de ser punida, indicando a presena de umaaudincia potencialmente punitiva. O tera-peuta pode ter se estabelecido como umaaudincia aversiva, que sinaliza punio, ou,ainda, o terapeuta no conseguiu at o mo-mento reverter ou diminuir os efeitos produ-zidos por uma histria de aversividade.

    O exemplo a seguir mostra o que pa-rece ser um exerccio do falante para evitara punio. Embora a resposta em que conta

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    que abandonou a faculdade tenha ocorrido,ca claro o uso de autoclticos com a funoprovvel de reduzir a ameaa de punio. Oriso nervoso observado nessa fala indica parao ouvinte que o falante sentiu o efeito da pu-

    nio, mas que, apesar disso, est emitindo aresposta.

    C: Ai, eu preciso te contar uma coisa (au-tocltico), acho que voc vai car brava co-migo. Vai at jogar o seu caderninho nocho (riso nervoso - autocltico).T: O que ? Pode contar, no estou aqui

    para te punir.C: que estava cando muito puxado pramim, eu estava muito cansada, no estava

    dando conta (riso nervoso - autocltico).T: Me diz, vai em frente.C: Ento vai, no vai jogar seu caderninhoem mim (risos nervosos - autocltico).T: Tudo bem.C: Eu decidi largar a faculdade... (siln-cio).

    A avaliao pode ser conduzida pela

    observao e registro da variao no nmerode autoclticos de um mesmo cliente, quando

    fala de assuntos diferentes. Temas apresenta-dos com muitos autoclticos podem indicarhistria de punio ou punio apresentada,mesmo que inadvertidamente, pelo terapeu-ta. Um nmero pequeno de autoclticos pre-sentes nas falas de cliente e terapeuta podeindicar a estabilidade da relao. O relatodo cliente a seguir sugere que a terapeuta setornou uma audincia no-punitiva e que asuavizao autocltica pelo cliente no se fazmais necessria: , eu tenho percebido que eu

    gosto mesmo de ser o centro das atenes. Tenhopercebido que sou invejoso em outras situaestambm. Acho horrvel ter que admitir ser invejo-so, eu que sempre me considerei to altrusta!.

    1.3. Edio na avaliaoO desempenho do terapeuta pode se

    tornar mais ecaz se ele observar ocorrnciasde edio apresentadas pelo cliente. A falapresumidamente editada pode ser uma dica

    importante para o terapeuta investigar quevarivel poderia ter controlado a edio, con-siderando que esta varivel poderia tambmexercer controle sobre outros comportamen-tos do cliente. O terapeuta pode, a partir da

    observao de uma possvel edio, levantarhipteses sobre variveis relacionadas aver-sividade de certos eventos, ao perfeccionis-mo, autocrtica, histria de punio ou auto-observao deciente.

    No exemplo a seguir, a edio indi-cada pela expresso no foi bem isso o queeu quis dizer propiciou ao terapeuta (T) in-vestigar qual a varivel relevante a ser consi-derada quando a cliente (C) relatou que nogostava de car sozinha. Uma interpretao

    possvel seria a de que sua fala no era ape-nas sobre solido, mas tambm sobre contro-lar o comportamento do namorado.

    C: Eu amo ele, no quero car sem ele, ele que no entende nada. Foi muito difcilquando ele estava na Alemanha; eu noconsigo car sozinha.T: E o que voc pretende fazer?C: Agora que ele chegou estamos bem, maseu vou fazer de tudo para car um ano na

    Itlia, e no entendo porque ele faz carafeia, minha carreira, quero ir e ningumvai me impedir.T: (com uma expresso de dvida) Vocquer car um ano fora, longe de seu na-morado?C: No foi bem isso que eu quis dizer, eusinto falta dele sim, mas tambm precisome desenvolver prossionalmente e ele fazcara feia.T: Voc mesma falou que no consegue

    car sozinha, que foi muito difcil quan-do ele estava fora, no entendi sua colo-cao...C: Estou sendo confusa, j percebi que no

    falo coisa com coisa. Mas voc entendeuerrado, no era bem isso que eu queria di-zer, tipo assim, que eu no consigo carlonge dele, eu quis dizerque difcil carlonge, mas que eu consigo agora.T: E se ele passar no mestrado e for morar

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    em outra cidade?C: Ah, isso uma outra histria. Voc noest entendendo o que eu estou falando.T: Me desculpa, s gostaria que voc fossemais clara.

    C: Ah, meu, ele j viajou e agora minhavez, mas ele tem que car quieto no cantodele me esperando (silncio). Eu sei queestou sendo egosta, mas isso mesmo,agora minha vez.

    O episdio verbal a seguir exemplicauma provvel ediode uma criana:

    C: A professora falou que eu no tinhafeito lio de casa e eu disse que tinha feito

    [resposta socialmente aceita]. Eu queinervosa e sa da classe e ento tomei umaadvertncia. Eu disse mais coisas (tom devoz baixo) [Provvel ocorrncia deedio].T: Que mais voc disse? [O terapeutainsatisfeito com o relato anterior, pro-cura fazer com que o cliente d outraresposta mais precisa].C: Eu esqueci [Tentativa de esquiva,possvel edio].

    T: Voc tinha feito lio de casa? [Blo-queio de esquiva].C: No tinha feito [Resposta no edi-tada].

    No caso do cliente que, no contexto te-raputico, fala muito de um assunto, pode-selevantar a hiptese desta fala ser uma formade edio ou esquiva. O falar muito de umassunto pode estar deslocando outras respos-tas que poderiam ser passveis de punio, ou

    seja, falar muito de um assunto incompat-vel com o falar de outro tema. Como exem-plo, pode-se citar um caso de uma cliente comuma histria de punies de comportamentosde intimidade e que apresentava diculdadesde estabelecer um relacionamento com a tera-peuta. Passava boa parte da sesso teorizan-do sobre o mundo, o universo, a vida, a psico-logia, falando praticamente sem interrupes.Foi com bastante diculdade que a terapeuta

    conseguiu se estabelecer como interlocutora.Aparentemente, a cliente editava muito doque era relatado em terapia. Com o estabe-lecimento de uma boa relao teraputica, aedio deixou de ser to freqente e ela pas-

    sou a relatar dados relevantes relacionadosa eventos aversivos. A edio, mas agora janunciada, passou a acontecer apenas quan-do a cliente entrava em temas sobre episdiosde possvel despersonalizao.

    C: Na quinta aconteceu uma coisa (tomde voz alterado), eu vou te contar hoje,mas vou omitir, porque eu no vou carna sua mo, vulnervel, porque voc temo poder de me internar e isso me matar

    por dentro.T: Hum hum.C: (respira fundo, silncio). Aconteceuaquilo de novo comigo (voz trmula).

    Aquelas sensaes (...).

    A falta de edio ocorre em lapsos, nasfalas com tom excessivamente alto, rspido,incompleto ou repetitivoe pode indicar ao te-rapeuta quais variveis parecem ter fora nocontrole do comportamento observado.

    Em suma, se o terapeuta levar emconsiderao que as falas de seu cliente po-dem ter mltipla determinao e se ele esti-ver atento ao controle sutil dos autoclticos, sindicaes de edies e sua eventual ausn-cia, ele pode desenvolver um repertrio dis-criminativo renado para identicar as vari-veis de controle das produes verbais do seucliente. Os conceitos da obra Comportamen-to Verbal podem ser utilizados para auxiliarna avaliao funcional dos casos clnicos.

    2. Comportamento Verbal como instrumen-to de interveno

    Grande parte da atividade do tera-peuta consiste em elaborar intervenes quesejam bem sucedidas, ou seja, intervenesque favoream a adeso ao tratamento e ge-rem mudanas no comportamento do cliente.As intervenes que possuem baixo carter

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    aversivo tm maiores chances de ser aceitaspelos clientes e podem, ento, produzir re-sultados. Essa armao est baseada no co-nhecimento dos princpios de aprendizageme na literatura sobre a relao teraputica que

    vem mostrando que o estabelecimento satis-fatrio da relao terapeuta-cliente duranteo processo psicoterpico prediz bons resul-tados teraputicos (Meyer & Vermes, 2001).Constituir-se como uma audincia no-pu-nitiva considerada uma tarefa teraputicarelevante, como sugere Skinner (1953), umavez que uma histria comportamental comampla ao de contingncias aversivas pare-ce ser uma das causas da procura de terapia.Nestas circunstncias, caberia ao terapeuta

    intervir procurando diminuir essa estimula-o, tornando-se uma importante fonte refor-adora positiva para o cliente.

    O emprego da edio e o uso de au-toclticos pelo terapeuta podem auxiliar naconstituio de uma audincia no-punitiva.As intervenes propostas podem ser menosaversivas e mais facilmente aceitas. Por exem-plo, a Psicoterapia Analtica Funcional (PAF)de Kohlenberg e Tsai (2001) tem muitas vezesum carter aversivo e as falas PAF do terapeu-

    ta podem ser mais produtivas se o terapeutausar autoclticos e editar seu relatoa m demodular o efeito da sua interveno sobre oouvinte. E nesse sentido que terapeutas svezes dizem antes de uma interveno: Vou

    fazer o papel de advogado do diabo....

    2.1. Causalidade mltipla na interveno A noo de causalidade mltipla for-nece ao terapeuta analtico-comportamentalrespaldo terico para trabalhar com metfo-

    ras, fantasias e alegorias (Banaco, 2001; Re-gra, 2001), na medida em que uma mesmavarivel pode produzir mltiplas respostase as metforas, fantasias, alegorias seriamuma das respostas mltiplas. A vantagem dorecurso diminuir o carter aversivo de al-guns temas e o cliente poder ter um primeirocontato com tpicos difceis. J o cliente queapenas se comunica por metforas pode estardando indcios de que est em contato com

    uma varivel importante e intervenes queintensiquem tal contato provavelmente pro-duziro resultados importantes para o pro-cesso teraputico.

    2.2. Autoclticos na intervenoInstalar autoclticos descritivos, forne-cer modelos, sinalizar provveis funes docomportamento do cliente analisando os au-toclticos empregados, suavizar intervenespotencialmente aversivas so intervenesque se valem do conceito de autocltico.

    Segundo Skinner (1986), os autoclti-cos podem funcionar como instrues ao ou-vinte que o ajudam a se comportar de umamaneira que torna mais provvel a obteno

    de conseqncias reforadoras e a promoode conseqncias reforadoras pelo falante. Instalar autoclticos descritivos podeser uma interveno til, levando-se emconta que boa parte dos clientes no possuirepertrio autodescritivo renado (e.g. Koh-lenberg & Tsai, 2001), pois as contingnciasnecessrias para o seu desenvolvimento socorrem quando a comunidade da qual ocliente participa faz perguntas do tipo: O quefoi que voc disse?, Voc disse isso?, Por

    que voc disse isso?, e essas perguntas nemsempre so feitas. Quando o terapeuta ensinao cliente a descrever o prprio comportamen-to ou o de terceiros, est, em ltima instncia,instalando autoclticos descritivos no repert-rio verbal do cliente. Este repertrio, por suavez, vai permitir ao terapeuta ter acesso svariveis controladoras do comportamentodo cliente, vai ampliar o repertrio de auto-observao do cliente e, conseqentemente,de suas respostas autodescritivas, o que pode

    facilitar a identicao das variveis contro-ladoras do prprio comportamento.O emprego pelo terapeuta de alguns

    tipos de autoclticos pode servir no s demodelo para o cliente analisar o seu prpriocomportamento como ter ainda outra funo:a de modelo para formas efetivas de relacio-namento interpessoal.

    O autocltico emitido pelo cliente podeser pontuado na sesso e ser uma interveno

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    sutil como no exemplo abaixo:

    Ex: C: Eu quero emagrecer, mas to di-fcil. Eu poderia ir na ginstica, mas notenho dinheiro. Talvez se eu procurasse

    um nutricionista. Ah, mas ela ia passaraquelas farinhas caras. Tem um mdicoendcrino muito bom, mas to careiro! Es atende particular.T: Nossa! Quantos mas...C: Risos. , sempre tem um mas que meimpede, n?

    O autocltico mas enfatizado pelo te-rapeuta e pode ter funcionado como estimula-o suplementar. Anteriormente j havia sido

    feita uma interveno mais direta Parece quevoc sempre coloca empecilhos, que mesmocom o uso do autocltico Parece, foi rejeitadapela cliente.

    A forma com que o terapeuta verbali-za suas anlises pode ter um efeito importan-te. Empregar expresses autoclticas do tipoNo sei se eu estou sendo precipitado em fa-lar isso... T parecendo, at agora, que vocest me falando que... Ser que o que vocest me dizendo no ... parecem diminuir

    possveis impactos aversivos, aumentando areceptividade do cliente e provendo um es-pao no qual ele pode concordar ou discor-dar. Por exemplo, em um caso em que umacliente no admitia que precisasse mudar, aterapeuta passou a usar os termos adicionarhabilidades ao seu repertrio e encontrouaceitao por parte da cliente.

    O uso de autoclticos pelo terapeutapode suavizar o carter diretivo de orienta-es dadas que no so aceitas por alguns

    clientes. Para estes, o carter aversivo de con-selhos e tarefas pode impedir a adeso ao tra-tamento com possvel abandono da terapiaou com resultados insatisfatrios (Bischoff &Tracey, 1995; Donadone, 2004). Por exemplo,quando um cliente tem diculdade de en-frentamento e o terapeuta quer estimul-lo aarriscar-se em situaes novas, poderia emitirum mando direto, Voc deve convid-la para irao cinema. Mas essa forma de mando poderia

    eliciar respondentes indesejados e enfraque-cer a probabilidade de vir a exercer contro-le sobre o comportamento do cliente. Entoo mando pode ser dado de forma indireta,com o uso de autocltico tal como: Ser que

    no seria interessante sevoc a convidasse para irao cinema?

    2.3. Edio na intervenoTer conhecimento sobre processos de

    edioque podem estar ocorrendo na fala docliente pode ajudar o terapeuta a elaborar in-tervenes que favoream a discriminao docliente sobre as variveis que controlam o seucomportamento. No exemplo abaixo, a pala-vra me to aversiva para a cliente que ela

    s consegue emitir a resposta sirigaita. O te-rapeuta aceita a resposta e dirige a ateno dacliente para a possvel edio em andamento,deixando explcita a varivel aversiva.

    T: Como foi esta histria da sua me sairde casa?C: Sirigaita.T: T, sua me-sirigaita.C: Sirigaita, no chamo ela de me e... ai,eu no quero falar sobre isto, deixa eu con-

    tinuar falando da tia.[edio].T: T certo, vamos deixar a me de ladopor enquanto...C: Voc vai chamar ela de me, n?T: Voc no suporta falar e nem ouvir a

    palavra me?C: No, no suporto nem ouvir falarnela...T: T certo, ento, por enquanto, vamos -car com o sirigaita, mas uma hora vamoster que voltar nisso.

    C: Eu sei, eu sei, mas no agora.

    O excesso de edio pode ser um pro-blema para alguns clientes altamente contro-lados por reforadores sociais e, portanto,alvo de interveno do terapeuta; da mes-ma forma, a ausncia de edio pode ser umproblema para outros clientes, aqueles pou-co controlados por reforadores sociais ouque apresentam respostas agressivas. Assim,

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    ocorrncias de edio podem ser tanto instru-mento de avaliao quanto alvo de interven-es. E o mesmo pode ser dito com relaoao controle mltiplo de respostas e quanto aouso de autoclticos.

    3. Sugestes para terapeutas analtico-com-portamentais

    Algumas sugestes podem ser pro-postas para aprimorar a conduo de umaterapia analtico-comportamental. Uma de-las a de que o terapeuta deve estar atento topograa do comportamento e no s sua funo, pois a forma da resposta permiteinferir e testar uma possvel edio (fala reti-

    cente, silncio repentino, fala com muitos au-toclticos explicativos, ou falas do tipo: no bem isto, no estou achando a melhor res-posta, riso nervoso). Outra sugesto que oterapeuta poderia ter ganhos interpretativosao atentar para relatos sob provvel contro-le de reforamento social. bastante comumque o cliente diga o que o terapeuta (supos-tamente) quer ouvir. Seus relatos podem serdistorcidos na direo de comportamentossocialmente esperados. O cliente pode exa-

    gerar algum feito seu, descrever sentimentospositivos para uma situao que lhe foi aver-siva, dizer que implementou alguma tarefaou reetiu sobre algo trabalhado em terapiaquando na verdade no o fez. Perguntas dotipo: E o que mais? podem levar o clientea dar outras respostas, que no apenas aque-la socialmente esperada, indicando tambmque o terapeuta no se satisfez com o queo cliente falou e que est percebendo haveroutros fatos no relatados ou relatados incor-

    retamente. Outro aspecto a ser sugerido queo terapeuta esteja atento s suas prprias rea-es no-verbais que podem funcionar comofontes adicionais de controle. bastante co-mum que clientes respondam a alteraesat mesmo sutis do comportamento no-ver-bal do terapeuta. Um sorriso, um desvio deolhar, um olhar de estranhamento podem terconseqncia poderosa para o comportamen-to do cliente na sesso e poderiam ser usados

    deliberadamente pelo terapeuta. Uma ltimasugesto a de que o terapeuta poderia po-tencializar o efeito teraputico da sesso aodescrever comportamentos no-verbais docliente, como por exemplo; Voc reparou

    como voc cou irritado ao falar da sua mu-lher?, Voc cou emocionado ao falar sobreesse tema, ajudando-o a discriminar respos-tas emocionais informativas da contingncia(Cameschi & Abreu-Rodrigues, 2005). Ana-lisar a produo verbal do cliente em termosde operantes verbais pode ajudar o terapeutaa analisar esta produo como funo de va-riveis bvias e sutis, resultantes da histriade vida do cliente, bem como da relao te-raputica. Dessa forma, seu comportamento

    pode car sob controle no s de variveisbvias, correspondentes forma e ao conte-do da resposta do cliente, mas tambm dasvariveis adicionais, que so sutis por nocorresponderem forma e ao contedo daresposta do cliente.

    4. Consideraes tericas e metodolgicasda adoo da noo de causalidade mltiplana clnica analtico-comportamental

    Uma das atividades fundamentais doclnico na terapia analtico-comportamental a de identicar as relaes indivduo-am-biente decorrentes da histria ambiental dosindivduos para, a partir dessa identicao,propor intervenes. Para estabelecer estasrelaes, o terapeuta formula perguntas econduz observaes durante as sesses, sobreas ocasies em que a resposta ocorre, sobrea prpria resposta e sobre as conseqnciasmantenedoras da resposta. Quando ele iden-

    tica que as relaes so, possivelmente, dedependncia entre eventos, ele produz anli-ses comportamentais hipotticas. Estas hip-teses funcionais ganham fora se as interven-es nelas baseadas produzem as mudanascomportamentais previstas. Por ter que sebasear maciamente em relatos verbais paraconduzir tal tarefa, o terapeuta deve levar emconsiderao que uma decorrncia dos com-portamentos verbais serem controlados por

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    mltiplas variveis a de que nenhuma an-lise comportamental pode ser consideradacorreta ou incorreta, apenas mais ou menoscompleta. Diferentes analistas do compor-tamento ou o mesmo analista em diferentes

    momentos podem identicar diferentes con-tingncias num mesmo caso clnico e todas ascontingncias poderiam, eventualmente, serdemonstradas. No seria possvel, ento, ar-mar que um determinado terapeuta, por ser,por exemplo, inexperiente, produziu umaanlise de comportamento incorreta. O cri-trio de acerto entre diferentes anlises com-portamentais apenas pragmtico, ou seja, amelhor anlise seria aquela que gera proce-dimentos que produzem os melhores resulta-

    dos. Possivelmente anlises mais abrangentesproduzem resultados melhores e mais dura-douros, questo que deve ser investigada porpesquisas.

    O diagrama apresentado na Figura 1ilustra diferentes anlises comportamentaisque poderiam ser identicadas por diferentesterapeutas ou pelo mesmo terapeuta em di-ferentes momentos, como, por exemplo, apsuma superviso. Uma resposta sob anlisepode ser funo de mais de uma varivel, o

    que est indicado, na gura, por quatro va-

    riveis de controle. Um terapeuta pode iden-ticar e trabalhar a relao entre a varivelde controle 1 e a resposta selecionada e outroterapeuta pode identicar e trabalhar a rela-o entre a varivel de controle 2 e a mesma

    resposta. Mesmo tendo produzido duas an-lises comportamentais diferentes, os dois te-rapeutas poderiam derivar procedimentos desuas anlises e obter mudanas de comporta-mento. Ainda um terceiro terapeuta poderiaidenticar, no mesmo caso, que a varivel decontrole 4 est relacionada a outra resposta eprocedimentos efetivos tambm podem serderivados dessa anlise. Essa relao no dia-grama indica que uma nica varivel usual-mente afeta mais de uma resposta.

    Com relao possibilidade de con-duo de anlises de comportamento expe-rimentais em situao clnica, a armao deSkinner (1957, p. 228) contribui para essa dis-cusso:

    nem o fato de que uma nica resposta podeser controlada por mais de uma varivel, nemo fato de que uma varivel pode controlar maisdo que uma resposta viola qualquer princpiodo mtodo cientco. Da no se segue que umarelao funcional especca no siga leis, nemque o comportamento que ocorre em qualquerdada situao no totalmente determinado.

    Figura 1.Diferentes anlises comportamentais que poderiam ser formuladas em um mesmo caso indicando que a forade uma nica resposta pode ser funo de mais de uma varivel e que uma nica varivel usualmente afeta mais deuma resposta.

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    Subsdios da obra Comportamento Verbal deB. F. Skinner para a terapia analtico-comportamental

    Isto simplesmente signica que ns precisa-mos ter certeza de que levamos em conta todasas variveis relevantes ao fazer uma previsoou ao controlar o comportamento.

    Entretanto, duas perguntas se im-

    pem: Conseguimos levar em conta todas asvariveis relevantes no trabalho clnico e napesquisa clnica? E devemos isolar variveisem trabalhos clnicos?

    A resposta primeira pergunta que o nmero de variveis iniciais do cliente(como sexo, idade, tipo de problema, severi-dade), do terapeuta e a interao que ocorredurante o processo teraputico formam umarede de relaes que dicilmente se repete emdiferentes casos. Isso diculta a acumulao

    de estudos sucientes para a generalizaodos resultados de procedimentos. E mesmoquando so feitas tentativas de se isolar va-riveis em pesquisas experimentais clnicas,com delineamento de grupo, os resultadosobtidos tm sido criticados pelos praticantesda psicoterapia por produzirem validade in-terna, conseguirem responder a pergunta depesquisa, mas no validade externa. Ou seja,ao se isolar variveis, os casos estudados dife-rem muito da prtica clnica usual.

    Isso no quer dizer que estudos expe-rimentais, especialmente os com delineamen-to de caso nico, no devam ser conduzidossobre a prtica clnica. A sistematizao doque um clnico faz e o estabelecimento dequais prticas produz resultados considera-dos satisfatrios tm importncia e utilidade.Mas essa tarefa no de fcil execuo, e mes-

    mo quando o controle de variveis feito, ageneralidade dos dados para a prtica clnica baixa, uma vez que o controle e manipula-o de variveis tendem a tornar o contextoda pesquisa clnica numa situao articial.

    Neno (2005) discutiu essas questes ao ana-lisar o movimento internacional de validaoemprica das psicoterapias e o estudo da e-ccia e efetividade dos tratamentos.

    Alm disso, e em resposta segun-da pergunta, na prtica clnica o mtodo detrabalho por excelncia o de trabalhar commltiplas respostas e mltiplas causas. Ouseja, a lgica do trabalho clnico diferenteda anlise experimental do comportamento.Num experimento, selecionamos uma vari-

    vel independente e seus efeitos so observa-dos em uma varivel dependente. As outrasmltiplas variveis tm seu efeito neutraliza-do. Na clnica, dicilmente trabalhamos comuma nica resposta e parece desejvel queassim seja. Geralmente, observamos e inves-tigamos mltiplas respostas para evidenciaruma classe ampla que ser alvo da interven-o, com base na suposio de que o trabalhocom uma classe ampla de respostas produzi-r maior generalidade e manuteno de re-

    sultados teraputicos. Tambm observamos etestamos o efeito de mltiplas variveis.Concluindo, a leitura do livro Verbal

    Behaviorde Skinner (1957) nos parece extre-mamente relevante para levantar reexescomo essas e certamente muitas outras anli-ses e reexes podem e devem ser desenvol-vidas.

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    Recebido em:29/10/2007Primeira deciso editorial em:28/11/2007Verso nal em:03/03/2008

    Aceito para publicao em:28/01/2008