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8º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) Área Temática 08: Política e Economia. Competição eleitoral e a provisão de “bens privados” pelo setor público subnacional. Italo Fittipaldi / UFPE 1 (VERSÃO PRELIMINAR) Gramado/RS, agosto de 2012. 1 Doutorando de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

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8º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) Área Temática 08: Política e Economia.

Competição eleitoral e a provisão de “bens privados” pelo setor público subnacional.

Italo Fittipaldi / UFPE1

(VERSÃO PRELIMINAR)

Gramado/RS, agosto de 2012.

1 Doutorando de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

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Competição eleitoral e a provisão de “bens privados” pelo setor público subnacional. Resumo

A conexão entre processo eleitoral e execução orçamentária constituiu-se em agenda de pesquisa consolidada na Ciência Política, composta por variados estudos acerca dessa relação causal. Todavia, o nível de agregação da variável dependente de parte dos trabalhos referenciados dificulta a identificação das relações de poder entre grupos societais e o Estado, sob a égide da competição política subjacente nos ciclos eleitorais. Por sua vez, desconsiderar, como variável explicativa, o diferencial institucional (majoritário e proporcional) do processo eleitoral inviabiliza a identificação de possíveis efeitos derivados da dinâmica própria dessas escolhas coletivas. Assim, em que medida a disputa pelo voto impacta a alocação de policies às clientelas específicas pelo setor público, no nível subnacional? Ou ainda, as restrições institucionais inibidoras da ilusão fiscal que expande o governo no tempo são suficientes para constrangem a magnitude da oferta de bens privados pelas administrações públicas estaduais? Visando responder essas questões o presente trabalho utilizou a despesa com salários e encargos no serviço público estadual brasileiro, no período de 1995 a 2010, como proxy para o fornecimento de “bens privados”, mensurando o efeito da competição eleitoral sobre a oferta desse tipo de bem. Os resultados encontrados sugerem a incapacidade do arranjo institucional, como prescrito no modelo do leviatã, de conter a expansão da burocracia pública.

1. Introdução.

A conexão entre gastos públicos e processos eleitorais já adquiriu o caráter de

canonicidade na ciência política onde, ciclos eleitorais, ideologia partidária,

fragmentação do voto, tamanho da coalizão vencedora, dentre outros, compreendem

uma prolixa literatura sobre o tema. Todavia, o nível de agregação da variável

dependente de parte dos trabalhos referenciados – i.e. gasto público total – dificulta a

identificação das relações de poder entre grupos societais e o Estado, sob a égide da

competição política subjacente nos ciclos eleitorais. A abordagem das relações causais

considerando certo nível de desagregação do gasto público, e.g, em funções do Estado

ou classificações orçamentárias, como despesa de custeio, investimento, etc. embora se

constituam avanço analítico para explicar as relações entre voto e gasto, ainda pouco

esclarece acerca do conflito (re)distributivo entre segmentos societais exclusivos.

Afinal, em que medida a competição eleitoral impacta a alocação de policies a clientelas

específicas, a exemplo da burocracia pública? Ou ainda, as restrições institucionais

inibidoras da ilusão fiscal que expande o governo no tempo são suficientes para

constrangem a magnitude da oferta de bens privados pelas administrações públicas

estaduais?

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Visando responder essas questões, contribuindo assim para o aperfeiçoamento

metodológico da literatura de ciência política brasileira sobre o tema2, o presente

trabalho buscou evidências empíricas do impacto do grau de acirramento na disputa

eleitoral para os governos estaduais e para as assembléias legislativas sobre a dimensão

orçamentária da burocracia pública regional. Admitindo como premissa a existência de

ilusão fiscal, foram formuladas hipóteses conflitavas com a lógica prescrita pelo modelo

do leviatã, para, por contraste, testar a adequação analítica dessa abordagem ao nível

subnacional brasileiro. Objetivou-se explicar as relações entre o comportamento

maximizador das burocracias estaduais, as escolhas coletivas, e da natureza distintiva

do sistema eleitoral, sob a existência de um arcabouço institucional da regulamentação

orçamentária – a exemplo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Os resultados

encontrados sugerem que, ao menos para o corte longitudinal adotado no estudo e para

as variáveis selecionadas, as limitações impostas ao “leviatã” são ineficazes para a

contenção de seu crescimento via expansão da oferta de bem privado às suas

burocracias.

Por sua vez, a estratégia empírica do trabalho consistiu em debruçar-se sobre a

despesa com salários e encargos dos governos estaduais brasileiros e do Distrito

Federal, no período de 1995 a 2010, a partir de dados em painel balanceado, perfazendo

um total de 432 observações (T=16 e N=27). Obviamente, os modelos estatísticos

adotados obedeceram a um padrão condizente com o perfil da distribuição dos dados e

configuração de sua variância, considerando-se como referência para o teste das

hipóteses de trabalho o modelo de regressão com o maior grau de ajuste dentre aqueles

realizados.

No mais, este artigo foi dividido em sete seções, incluindo esta introdução. Na

seção 2 apresenta-se o legado analítico niskaneano para uma teoria da burocracia

pública e sua relação com o gasto governamental. Nesta seção destaca-se ainda a

categorização da despesa com a folha de pessoal do serviço público como produção de

bem privado e o papel do voto como instrumento de revelação das preferências relativas

do eleitor por policies, em conformidade com a natureza do processo eleitoral. Por seu

turno, na seção 3 apresenta-se um panorama da evolução temporal da despesa com

salários e encargos nos governos regionais e sua configuração interestadual. Já na seção

2 A literatura internacional apresenta alguns trabalhos referenciados sobre a abordagem da oferta de bens públicos e/ou privados em determinados mercados eleitorais. Cf. WANTCHEKON (2003) e DIXIT e LONDREGAN (1996).

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4 detalha-se a estratégia empírica emprega no trabalho, com os seus resultados exibidos

na seção 5. Na seção seguinte confrontam-se os resultados encontrados com as

hipóteses de trabalho, e finalmente, na seção 7, são apresentadas as considerações finais

do estudo.

2. Burocracia expansionista, preferências por políticas e as configurações do gasto público.

O crescimento das burocracias públicas, e sua conexão com a teoria do gasto

governamental, tem sido objeto de investigação sistemática nas ciências sociais, em boa

medida, resultado da influência dos clássicos trabalhos de Wickell [1958 (1896)],

Lindhal (1919), Musgrave (1959), Buchanan e Tullock (1962). Incorporando o legado

epistemológico da ação de indivíduos racionais e maximizadores de sua função

utilidade, herdado de Hobbes e Espinosa, no campo da filosofia política, e de Madison e

Tocqueville, originário de uma proto-ciência da política, essa tradição de pesquisa visa

explicar o crescimento da despesa pública mediante a expansão da estrutura

organizacional do setor estatal a partir de processos decisórios em ambientes de não-

mercado (cf. MUELLER, 2009).

Todavia, foi apenas com Niskanen (1971), e sua inovação metodológica de

restringir o foco de análise ao orçamento das agências governamentais, em vez de

conectá-lo a definições de burocracia e perfis intra-organizacionais, que as bases para a

formulação de uma teoria positiva da dinâmica burocrática do setor público fincou

raízes. Essa estratégia analítica possibilitou desenvolver abordagens sobre a relação

entre as agências governamentais e seu ambiente externo, lócus de definição de seu

volume orçamentário e onde é arbitrada a repartição dos recursos públicos3.

Apesar de haver reformulado alguns pressupostos de sua abordagem inicial, o

ponto fulcral do estudo foi mantido por Niskanen (1994, 1991), onde o nexo causal do

crescimento do gasto público deriva do comportamento maximizador da burocracia

estatal. Assim, “apesar dessas transformações o trabalho de Niskanen teve profundo

impacto na trajetória da teoria burocrática. Enquanto anteriormente a inclinação natural

era ver a burocracia como uma organização complexa sujeita a um conjunto

emaranhando de autoridades, eleitores e pressões, os teóricos no mundo pós-Niskanen

tem sido inclinados a ver a burocracia como ele a viu, um órgão unitário orientado por 3 Nesse aspecto o trabalho de Niskanen constituiu um avanço ao estdu de Downs (1967)sobre burocracia, que que este autor centrou o foco de sua análise na dinâmica interna das agências de governo.

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um objetivo único – e deslocando sua atenção da estrutura burocrática para sua relação

[grifo nosso] com o legislativo”. (cf. MOE, 1997, p: 461-462). Ou seja, se por um lado a

abordagem niskaneana encontrou no orçamento o lócus de materialização das escolhas

alocativas, por outro, destacou a conexão entre a burocracia e a representação eleitoral

dos cidadãos, incorporando à teoria a dimensão eleitoral do sistema político.

No vácuo do desenvolvimento analítico dos estudos acerca da burocracia pública

Brennan e Buchanan (1980) formularam uma explicação para o seu crescimento, e por

extensão do aparato estatal, centrada na relação entre o aumento da oferta de bens

público e a expansão da receita pública. Tal abordagem reproduz mutatis mutantis, a

concepção de que a oferta gera sua própria demanda, como estabelecida pela Lei de

Say, implicando no crescimento da burocracia estatal em razão da expansão dos bens e

serviços públicos fornecidos aos cidadãos (oferta), cujo financiamento adicional será

extraído dos próprios consumidores (demanda). O consumidor-eleitor, em decorrência

da configuração da estrutura tributária, não vislumbra o custo marginal que lhe é

imputado por esta oferta ampliada de políticas públicas, ignorando o peso fiscal da

escolha por mais gastos. Essa “ilusão fiscal”, portanto, desencadeia expansões

recorrentes do setor público e apenas com a adoção de restrições constitucionais

(institucionais) seria possível “acorrentar” o leviatã estatal4.

Em estudo empírico realizado por Campbell (1994) a dinâmica do modelo do

leviatã e o efeito limitador das regras constitucionais sobre o escopo estatal encontrou

evidências em governos estaduais da costa leste dos E.U.A5. Em período mais recente

Mueller e Stratmann (2002) através de uma análise em perspectiva comparada

destacaram a evidências de que a estrutura federativa de alguns países mantém uma

relação inversa com o tamanho de seus governos. Outros estudos, como Alesina et. al.

(1999) e de Hallerberg e Marier (2004), também destacam o papel regulador

desempenhado por mecanismos institucionais sobre o processo de alocação de recursos

públicos. Mesmo Nordhaus (1975), embora não tenha ancorado explicitamente sua

análise no modelo do leviatã, incorporou sua premissa básica (ignorância do eleitor) na

ausência de controles institucionais, e o conseguinte custo marginal de uma despesa

4 De fato, a concepção analítica da ilusão fiscal foi concebida inicialmente pelo economista italiano Amilcare Puviano, com a publicação em 1903 do livro Teoria della Illusione Finanziaria e desenvolvida. Posteriormente, trabalhos da tradição de pesquisa ligada à Public Choice desenvolveram modelos analíticos e abordagens empíricas acerca de tal fenômeno, destecando o papel do arranjo institucional para conter a crescimento do setor público. 5O estado de New Hampshire introduziu regras constitucionais de limitações da carga tributária reduzindo a oferta de bens público, e por extenção o tamano do aparato estatal, vis-à-vis a de estados vizinhos.

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ampliada, ao assumir que a ação oportunista dos governos para vencer eleições produz

viés inflacionário.

Essas abordagens derivadas do modelo do leviatã, e herdeiras do legado

analítico niskaneano, caracterizam-se por centralizar o mecanismo causal da expansão

do gasto público na definição da oferta de política pela burocracia estatal,

desconsiderando, na decisão por despesas maiores, as conexões desta com as

preferências alocativas do eleitor mediano. Ao abarcar a dimensão da demanda por

políticas públicas tais modelos, em boa medida, restringem a análise às relações

desenvolvidas no interior do “triângulo de ferro”, passando ao largo dos possíveis

vínculos entre a dinâmica do sistema eleitoral, delineada por suas regras, e a

(re)distribuição de bens públicos. Mesmo admitindo-se que as demandas por políticas

não venham a ser atendidas pelos eleitos e sua burocracia, haja vista certo grau de

discricionariedade dos agentes públicos em defini-las, ignorar em boa medida as

“alianças pró-gasto” estabelecidas em campanha compromete a permanência no poder,

no tempo.

Essas teorias tipo “supply-side” negligenciam as pressões de demanda que

deságuam na competição pelo voto para a configuração da provisão de bens pelo setor

público, gerando fragilidade explicativa do nexo causal entre crescimento da burocracia

e o gasto. Contemplar o conflito de interesse subsumido no processo eleitoral e sua

conexão com reivindicações redistributivas da burocracia, incorporando à análise as

regras de votação e a competição entre candidatos aos cargos eletivos, portanto,

constitui um esforço metodológico para aperfeiçoar a explicação da dinâmica definidora

das conformações (re)distributivas dos recursos públicos. As resoluções de conflitos de

interesse, como enfatizaram Persson e Tabellini (2002), também refletem poder

político, e a transformação desse poder em execução orçamentária constitui a medida de

sua afirmação. Destarte, qual o efeito do conflito de interesses resultante da

simultaneidade da disputa por redistribuição de policies entre burocratas, eleitores e a de

candidatos, empreendida em um ambiente de regulamentação orçamentária, sobre o

Estado em ação?

O impacto expansionista sobre o gasto público do auto-interesse da burocracia

manifesta-se materialmente na dimensão da folha de pessoal do serviço civil. Assim, se

faz necessária estabelecer uma demarcação conceitual acerca da natureza dos bens

ofertados pelo setor público, distinguindo-os entre aqueles considerados públicos

daqueles que se classificam em outra categoria. Ou seja, uma etapa necessária na

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abordagem empírica consiste na categorização da despesa com salários e encargos do

funcionalismo público.

2.3 Despesa de pessoal: bem de clube ou bem privado?

Em linhas gerais, a distinção entre bens públicos, em sua forma pura, e bens

privados, consiste na tríade indivisibilidade, não-exclusão e não-rivalidade, da qual o

primeiro é constituído, mas não estão presentes no segundo. Gradações e configurações

ente a forma pura de bem público e bem privado foi objeto de abordagens teóricas e

empíricas, a exemplo de Olson [1999 (1965)], Hardin (1982), Hampton (1987), Ostrom

(1990), dentre outros, com a teoria dos clubes podendo ser inseridas entre esses

esforços analíticos. Assim, a categorização de bens de clube, parte integrante da teoria

do bem público “misto”, consiste de um caso intermediário entre os bens públicos puros

e os bens privados, tendo como diferencial constitutivo entre eles a exclusão de seu

consumo. Enquanto o bem público caracteriza-se pela impossibilidade de excluir

consumidores de desfrutar do seu uso, o bem de clube é passivo de exclusão, pois há a

possibilidade de indivíduos serem alijados de seu consumo, mesmo integrando o clube a

que se destina a provisão desse bem.

Por seu turno, o bem de clube, assim como o bem privado, possui acesso restrito

ao seu consumo, porém, diferentemente deste último, mantém a característica de não-

rivalidade. Ou seja, seu consumo por um indivíduo não reduz o consumo de outrem. A

folha de pagamento dos servidores públicos seria categorizada, como defendeu

Desposito (2006), como bem de clube. Entretanto, a existência de regras de controle

orçamentário que recaem inclusive sobre o pagamento de salários e encargos do

funcionalismo faz com que a expansão do consumo desse bem (folha de pessoal)

restrinja o acesso de outros consumidores, aproximando-o da característica de rivalidade

do bem privado. Destarte, neste trabalho, a despesa de pessoal é categorizada como bem

privado6.

6 Para uma exposição detalhada acerda das características entre bens públicos puros, mistos e bens privados cf. VARIAN (2000) e ORENSTEIN (1998). Para detalhes sobre a teoria dos clubes cf. BUCHANAN (1965).

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2.4 O voto, a “micropolítica” e as (re)distribuições alocativas.

Sob uma perspectiva schumpeteriana, os ciclos eleitorais se constituem em

mecanismos de resolução temporária de conflitos em sociedades complexas. As

diferentes pressões de grupos sociais sobre a configuração da oferta de bens e serviços

pelo setor público encontram no mecanismo eleitoral um processo de arbitragem

redistributivo, cuja seqüencialidade dá-lhe um caráter dinâmico. Embora não se

constitua no único instrumento de regulação da repartição dos recursos públicos no

tempo, a interação entre as preferências alocativas de segmentos sociais e a

conformidade dos gastos de governo culminam quando da realização desse processo de

escolha coletiva. Isto, por seu turno, o transforma, e a disputa subjacente à sua

realização, em vetor de delimitação dos grupos “ganhadores” e “perdedores” no

processo alocativo, redefinindo em favor dos primeiros o perfil da despesa pública. Não

há como ignorar, portanto, o efeito da competição entre os candidatos por votos sobre o

conjunto da provisão de bens pelo setor público, haja vista que “a maneira pela qual as

autoridades políticas reagem às demandas ou prioridades econômicas dos eleitores,

definem a “oferta” [grifo no original] de resultados econômicos” (cf. HIBBS, 1982, p:

427).

Seja ancorado no conceito de expectativas adaptativas (e.g. NORDHAUS,

1975), na concepção das expectativas racionais (e.g. TUFTE 1978), ou ainda na

ocorrência de gaps informações acerca do desempenho do grupo governante, como em

Rogoff e Silbert (1988), a conexão entre processos eleitorais e a decisão sobre o gasto

público se constitui importante procedimento de aferição das relações de poder e da

amplitude redistributiva resultante do conflito por recursos. Assim, a distribuição de

votos entre as diferentes candidaturas reflete, em boa medida, a manifestação das

demandas do eleitor pela provisão de bens gerados pelo Estado, transformando a

“negociação” no mercado eleitoral entre eleitor e candidato em pressão alocativa sobre

as despesas públicas.

Como a relação eleitor-candidato não está circunscrita aos cargos para o

Executivo estadual, antes se amplia na direção do embate por cadeiras nos parlamentos

regionais incorporando a natureza deste processo eletivo à estratégia de revelação de

suas preferências por policies (cf. DESPOSATO, 2006, 2001). Ou seja, a análise do

gasto público com clientelas específicas não pode prescindir de considerar a natureza do

processo eleitoral (majoritário ou proporcional), tratando-a desagregadamente como

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variáveis explicativas, pois a “micropolitica” constitutiva da competição proporcional

pode ter efeitos distinto da macropolitica (competição majoritária) sobre a oferta de bem

privado. O mecanismo de captação de votos nas eleições proporcionais possibilita a

constituição de uma relação eleitor-candidato que transcende a estrutura partidária,

fortalecendo estratégias personalistas e atomizadas (micro) para a revelação das

demandas do eleitor, ao longo do processo eleitoral, acerca de que bens desejam que

fossem ofertados pelo setor público.

2.4.1 Definindo as hipóteses.

Como recurso metodológico na busca de evidências empíricas do modelo do

leviatã, como definido por Brennan e Buchanan (op.cit.), à dinâmica de gasto dos

estados brasileiros, optou-se pela formulação de hipóteses de trabalho contrárias às

relações de causalidade derivada daquela abordagem teórica, considerando a vigência

de regras de controle orçamentário. Assim, incorporou-se à análise a existência de

ilusão fiscal e admitindo como premissa sua diluição com os mecanismos restritivos

sobre a despesa pública (conforme prescrito por Brennan e Buchanan). As hipóteses

formuladas, portanto, consistiram em uma derivação oposta daquelas que seriam

afirmações extraídas da lógica do modelo analítico em teste, estabelecido-as como se

segue:

𝐻𝐻1 = A natureza distintiva da competição eleitoral, por sua vez, produz efeitos diferenciados sobre a trajetória temporal da produção de bem privado pelos governos estaduais, no tempo.

𝐻𝐻2 = A micropolítica, subsumida no grau de concorrência de candidaturas em uma competição eleitoral proporcional, mesmo com a existência de regras de regulação do orçamento público, apresenta uma relação causal positiva sobre a dimensão orçamentária do bem privado folha de pessoal.

A confirmação dessas assertivas pelos modelos estatísticos empregados

desabilita explicações ancoradas na construção analítica do modelo do leviatã sobre a

maximização da ação auto-interessada das burocracias estaduais, haja vista que de

acordo com aquela abordagem o leviatã apenas seria domado mediante regras

estabelecidas para limitação de se crescimento temporal. Diferentemente, a rejeição

dessas hipóteses de trabalho formuladas implica na adequabilidade do modelo do leviatã

para o comportamento regrado das burocracias estaduais, e por extensão do gasto

público desses entes federados. Nas linhas que se seguem buscou-se elaborar um

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desenho de pesquisa que viabilizasse a verificação empírica das questões objeto deste

trabalho.

3. O padrão alocativo da despesa de pessoal.

Nas duas últimas décadas as relações federativas no Brasil processaram-se sob

uma singular simultaneidade de estabilidade macroeconômica, descentralização de

políticas públicas, e regularidade dos ciclos eleitorais. Apesar de certo grau de

reconcentração ocorrida em meados da década de 1990, como bem destacou Tavares

(2005), o federalismo brasileiro ainda caracteriza-se por forte descentralização decisória

(cf. RODDEN, 2006). A entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF),

impactando o processo de alocação de recursos na esfera subnacional, impôs limitações

ao ímpeto discricionário sobre a despesa pública, mas, ainda assim, estados e

municípios desfrutam de uma expressiva capacidade de escolha acerca de suas

políticas7. O ambiente de estabilidade macroeconômica possibilitou a configuração de

processos de tomada de decisão sobre o gasto ancorado em cálculos estratégicos mais

preciso (menos incerto) acerca do horizonte temporal e da efetiva disponibilidade de

recursos para execução das preferências alocativas prevalentes.

Com maior margem de manobra operacional na utilização dos recursos e relativa

capacidade discricionária, os decisores públicos encontram seu risco gerencial não mais

na dinâmica instável dos agregados macroeconômicos, mas no descompasso entre o

relativo ordenamento das contas públicas e a possibilidade de exclusão do poder via

processo eleitoral. Esse padrão singular do federalismo no Brasil em tempos recentes

fortaleceu a conexão entre as decisões de políticas das esferas de governo subnacionais

e as clientelas específicas do contingente de eleitores, onde, a adequação entre oferta e a

demanda manifesta por políticas arbitra o ritmo de rotatividade no poder. Em outros

termos, a capacidade decisória restaurada, associada à estabilidade econômica e à

regularidade dos ciclos eleitorais, parece ter possibilitado configurações variáveis,

porém expansionistas no tempo, para a produção de bens privados. A trajetória

crescente da folha salarial do funcionalismo público, seja como resultado do aumento

no número de servidores e/ou decorrente de reajustes salariais, parece ser resultado

desta dinâmica. 7 Para uma exposição acerca dos objetivos de ordenamento fiscal subsumido na LRF cf. LEITE(2011). Já para os efeitos da LRF sobre a condução das finanças públicas estaduais cf. GAMA-NETO (2010), e sobre o nível de descentralização da federação brasileira cf. BOADWAY e SHAH (2009).

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Destarte, observou-se que a evolução da despesa com servidores públicos

estadual registrou uma expansão significativa na última década. A mediana do gasto

agregada com a folha de pagamento de seus servidores ativos, quando se compara a

observada no ano de 2010 com a registrada em 1995, apresentou um crescimento

percentual de 182,1%, em termos reais, significando uma expansão real média anual em

torno de 12% ao longo dessa série histórica (cf. Gráfico 3.1). Contudo, o crescimento

absoluto do gasto com pessoal não foi um movimento federativamente uniforme,

apresentando graus de expansão e variabilidade diversos, para além das capacidades

econômicas das unidades da federação. Com os dados desagregados observou-se que, a

exceção do DF, RJ, AP, PI, RS e SC, os demais governos estaduais (77,8%) no mínimo

dobraram a despesa com salários e encargos no ano de 2010 em relação ao ano de 1995

(cf. Gráfico 3.2), sob uma variabilidade decisória que gerou oscilações entre 12% a 36%

na dimensão absoluta da folha de pessoal (cf. Gráfico 3.3).

Essa assimetria expansionista, por sua vez, possibilitou uma redução no

diferencial das dimensões da despesa de pessoal entre máquinas administrativas de

tamanhos distintos, em patamar superior à convergência de renda observada entre os

estados brasileiros em igual período8. Utilizando o coeficiente Gini para mensurar a

desigualdade do gasto com pessoal para anos selecionados, vis-à-vis a assimetria do

produto interno bruto entre os estados, observou-se uma trajetória descendente na

desigualdade entre as folhas de pessoal estaduais, porém, de perfil menos contínuo que

a redução nas desigualdades regionais. O coeficiente Gini do gasto com os salários do

funcionalismo caiu 8,6%, passando de 0,549 em 1995 para 0,499 em 2010, ao passo que

no mesmo período a desigualdade de produto interno bruto interestadual reduziu-se 5%,

porém em patamares bem mais elevados (o coeficiente Gini caindo de 0,667 para

0,633). Não deixa de chamar atenção o fato de que a desigualdade do gasto com pessoal

ter se mantido inferior a desigualdade de renda entre os estados brasileiros, apesar da

existência de máquinas administrativas de dimensões tão diferenciadas como, e.g., São

Paulo e Alagoas (cf. Gráfico 3.4).

Essa “convergência” de gasto com servidores públicos, por tanto, parece afastar-

se de abordagens estruturalistas dos determinantes da despesa estatal, herdeiras do

legado da clássica Lei de Wagner (cf. HENREKSON, 1994), e aproximar-se de

8 Não se constitui escopo deste trabalho uma digressão sobre a efetiva convergência de renda entre os estados e regiões brasilieros em anos recentes. Sobre este tema cf. RANDS(2011); PESSOA (2001) AZZIONI (2000).

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explicações substancialmente políticas e de curto prazo para a produção de bens

privados pelo setor governamental. Todavia, o grau de padronização institucional do

processo de decisão coletiva no Brasil, subsumido no mecanismo de resolução

temporária de conflitos – i.e. ciclos eleitorais – limita as explicações da dinâmica da

produção de bens privados pelas administrações públicas estaduais, ao ignorar os

microfundamentos do processo eleitoral, a exemplo da natureza do sistema de votação.

Assim, nas linhas que se seguem buscaram-se algumas evidências empíricas dos efeitos

da micropolítica, manifesta na competição eleitoral subsumida no sistema de votação

(majoritário ou proporcional), sobre o perfil alocativa de bens de natureza excludente,

pelo setor público subnacional.

Gráfico 3.1 Evolução da Mediana da Produção Agregada de Bens Privados (Folha de Pessoal) pelos Governos Estaduais.

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados da Secretaria do Tesouro Nacional. Gráfico 3.2 Quociente de Expansão da Produção de Bem Privado (folha de pessoal) por UF. Período 2010/1995.

Fonte: elaborado pelo autor a partir de dados da STN.

0500

1.0001.5002.0002.5003.0003.5004.0004.5005.000

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Em

mil

hões

de

R$

de 2

010

1,11,2

1,41,6

1,71,7

2,02,12,1

2,22,2

2,32,42,42,4

2,62,6

2,72,7

2,93,03,0

3,13,5

3,74,2

7,4

0,0 1,0 2,0 3,0 4,0 5,0 6,0 7,0 8,0

DFRJ

APPI

RSSCSPPRACROPAES

MAALMSRN

MTPESE

MGBAGO

AMTOPBCERR

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13

Gráfico 3.3 Coeficiente de Variação da Produção de Bem Privado (folha de pessoal) por UF. Período: 1995 a 2010.

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados da STN. Gráfico 3.4 Trajetória da Desigualdade na Produção de Bem Privado e no PIB das UF.

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados da STN e IBGE.

4. A abordagem empírica e suas especificações.

O conjunto de variáveis selecionadas para a busca de evidências empíricas do

argumento em que se ancora o trabalho foi disposta em uma estrutura de dados de

painel balanceado, abarcando os 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal, com

corte longitudinal entre os anos de 1995 a 2010. Assim, originalmente, o painel de

dados contemplou 432 observações, apresentando uma estrutura geral para os modelos

empíricos, definida como:

13,6

24,0

16,014,0

15,819,3

22,320,6

15,517,6

25,3

12,0 12,4

18,0

25,0

15,1

21,124,3

29,0

15,1 15,6

36,4

21,519,1 18,4

22,2

16,4

0,0

5,0

10,0

15,0

20,0

25,0

30,0

35,0

40,0

AC AL AM AP BA CE DF ES GO MA MG MS MT PA PB PE PI PR RJ RN RO RR RS SC SE SP TO

%

0,0000,1000,2000,3000,4000,5000,6000,7000,800

1995 1998 2000 2002 2006 2010

Coe

fici

ente

Gin

i

Bem Privado (Folha de Pessoal) PIB

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14

𝑌𝑌𝑖𝑖𝑖𝑖 = 𝜋𝜋𝑖𝑖 + 𝑋𝑋′𝑖𝑖𝑖𝑖𝛽𝛽 + 𝜀𝜀𝑖𝑖𝑖𝑖 𝑖𝑖 = 1, 2, 3, … . .𝑁𝑁 𝑒𝑒 𝑖𝑖 = 1, 2, 3, … . .𝑇𝑇 (4.1)

Com 𝜋𝜋𝑖𝑖 correspondendo aos efeitos aleatórios ou fixos do modelo de regressão do

painel de dados, 𝑋𝑋′𝑖𝑖𝑖𝑖 sendo um vetor 1 x K da matriz de covariáveis, 𝛽𝛽 um vetor K x 1

dos parâmetros a serem estimados e ε𝑖𝑖𝑖𝑖 consiste no erro idiossincrático. A configuração

das variáveis utilizadas, bem como a morfologia dos modelos estimados, buscou-se

pautar pelo “princípio de Ockham” com o objetivo de evitar possíveis resultados de

ajustamento “inflado” dos modelos pela quantidade de variáveis inclusas nas regressões.

4.1 Variável dependente

Os primeiros passos na construção do modelo empírico foram i) delimitar

conceitualmente e ii) parametrizar a variável dependente, a saber, a produção de bens

privados. Utilizou como proxy para o explanadum o gasto público, em termos reais,

com salários e encargos dos servidores ativos das administrações estaduais e mais a do

Distrito Federal, haja vista que esta despesa pública é voltada para uma clientela

específica, reduzida em relação a população total, e dotada de custos de execução difuso

entre o contingente de contribuintes/eleitores. Assim, a folha de pessoal (i.e. gasto com

salários e encargos), entende-se, se enquadra na categoria de bem privados, como

estabelecida por Chhibber e Noorunddin (2004); já que “líderes [políticos] podem

investir recursos na produção de bens públicos ou na produção de benefícios privados

para seus partidários”, visando à permanência no poder (MESQUITA et. al. 2001:

p.61).

Estabelecida a proxy a ser utilizada na categorização de bens privados passou-se

para a sua parametrização. A literatura é pródiga em estabelecer procedimentos para

mensurar o gasto governamental, sendo a participação relativa desses no produto interno

bruto (PIB) ou a proporção de um determinado tipo de despesa sobre o gasto total, as

práticas metodológicas mais recorrentes para este fim, como bem destacou Sátyro

(2006).

Todavia, a adoção desta estratégia de medida encontra sua fragilidade operacional

na possibilidade, não remota, de expansões relativas do gasto em razão de redução do

PIB e/ou de corte de despesas que atinjam o montante total do dispêndio, mas que

mantenha inalterada a magnitude de gastos específicos. Com isso, o objetivo de captar a

“expansão” ou a “variabilidade” da política pública, como resultado da ação concreta de

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stakeholders, torna-se inócuo. Destarte, por adequação conceitual, optou-se por

mensurar a oferta (produção) de bens privados pela sua dimensão efetivamente

observável, ou seja, mediante a utilização dos valores monetários reais absolutos do

gasto público com salários e encargos ao longo da série histórica selecionada.

4.2 Variáveis independentes

Para a escolha dos regressores buscou-se mensurar o impacto da disputa eleitoral

em função da natureza do pleito sobre a provisão do bem privado folha de pessoal.

Assim, procedeu-se uma desagregação do ciclo eleitoral entre processo eleitoral

majoritário e o proporcional, com vistas a captar os possíveis efeitos de suas dinâmicas

distintivas. Para o primeiro, utilizou-se competição eleitoral majoritária, medida pelo

quociente da relação entre o número de votos do candidato primeiro colocado e o

número de votos do segundo, no primeiro turno das eleições para governador. Já para a

variável denominada de competição eleitoral proporcional, foi estabelecida como

métrica o quociente da relação número de candidatos/cadeiras nas assembléias

legislativas (e distrital); medida esta ainda subutilizada em trabalhos empíricos.

Recorreu-se, por sua vez, a inclusão de variáveis de controle nos modelos de

regressão visando maior consistência na identificação das relações causais. A escolha

recaiu sobre as variáveis desenvolvimento econômico e repartição federativa de rendas,

onde, no caso da primeira, sua unidade de medida foi o produto interno bruto per capita

(PIB per capita) das unidades da federação (UFs), e na segunda, o Fundo de

Participação dos Estados (FPE)9. Com isso, objetivou-se levar em consideração o efeito

das disparidades regionais sobre a magnitude da oferta de bens privados, bem como

mitigar o efeito de possíveis problemas de receita própria dos estados mediante a

estrutura de transferência de recursos intergovernamental. Além disso, a introdução do

fluxo de transferência de rendas da União aos estados via FPE, dada a sua natureza

9 A utilização do PIB per capita como indicador de desenvolvimento econômico encontra longa tradição na literatura, embora pesquisadores da área da Economia do Bem-Estar critiquem sua utilização. Esses críticos entendem que esse indicador reflete apenas o comportamento monetário do produto, negligenciado indicadores mais específicos para a mensuração do desenvolvimento como qualidade de vida e educação formal da população (cf. RAVALLION, 1994; SEN, 1992 [2001]). Todavia, estudos na área de Economia Regional, também denominada de Economia Espacial, ainda reconhecem a validade da utilização do PIB per capita como indicador adequado para mensuração do desenvolvimento regional (cf. FUJITA, KRUGMAN e VENABLES, 1999 [2002]; SIMÕES, 2005).

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constitutiva, viabilizou a incorporação de uma variável na construção dos modelos que

abarca, também, a dimensão demográfica.

Todas as variáveis monetárias inseridas nos modelos de regressão, por sua vez,

foram transformadas em valores constantes, a preços de 2010, visando eliminar os

efeitos das desvalorizações decorrentes do processo inflacionário e captar a sua efetiva

variabilidade no tempo. Assim, estabelecida a morfologia das variáveis selecionadas,

esperou-se encontrar a causalidade entre elas como definida na Tabela 3.1, abaixo:

Tabela 4.1 Relação Causal Esperada entre as Variáveis.

Variáveis Proxy Relação

Esperada

Produção(oferta) de bens privado

Folha de pagamento do servidores públicos

Variável dependente

ativos das administrações estaduais.

Competição eleitoral majoritária

Quociente da relação entre o número de votos do primeiro colocado no primeiro

-

turno e número de votos do candidato

em segundo lugar.

Competição eleitoral proporcional

Quociente do número de candidatos/cadeiras

+

no parlamento estadual.

Repartição federativa de rendas

Ln do Fundo de Participação dos Estados

+

(FPE).

Desenvolvimento econômico Ln do PIB per capita -

Fonte: Elaborado pelo autor.

4.3 A estratégia de mensuração.

Os resultados dos testes de hipóteses para o painel de dados indicam que a

presença do efeito de multicolinearidade não se constitui problema para a estimação do

modelo, haja vista o fator de inflação da variância (VIF) ser inferior a 10. Porém, foi

detectada a existência de heterocedasticidade e de autocorrelação de primeira ordem, ao

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nível de significância estatística de 1%, conforme exposto na Tabela 4.3. Na seqüência,

realizou-se o teste de Hausman (1978) para definir a melhor especificação do modelo,

dentre a opção de efeitos fixos e aleatórios, cujo resultado exibiu um 𝑋𝑋2 = 1.30 ,

resultando em 𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃 > 𝑋𝑋2 = 0.8606 ; ou seja, como o valor do

𝑋𝑋2 tabulado é inferir ao valor do obtido no teste de Hausman, ao nível de 5%, a hipótese

nula de inexistência de diferença sistemática entre efeitos aleatórios e fixos é rejeitada,

sugerindo a utilização desses últimos para a estimação de parâmetros consistentes e não-

viesados.

Contudo, o resultado do teste de Hausman não permitiu rejeitar a hipótese nula

ao nível de 10%, procedendo-se, assim, o teste do Multiplicador Lagrange (LM) de

Breusch-Pagan para a observação de homocedasticidade no termo de erro do estimador

de efeito aleatório. O resultado desse teste apresentou um 𝑋𝑋2 = 2289,43 (𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃 >

𝑋𝑋↑2 = 0.000), rejeitando-se, portanto, a hipótese nula de homocedasticidade no termo

de erro, ao nível de 1% para os modelos de efeito aleatório (pressuposto primário para

esse tipo de modelagem estatística), ratificando a opção por efeitos fixos.

A presença de heterocedasticidade e autocorrelação no painel de dados implica

em considerar esses fatores quando da estimação dos coeficientes de regressão, e

prevalecendo a estratégia de utilização de modelo de efeitos fixos, a estimação via (4.1)

implica que:

𝐸𝐸(𝑌𝑌𝑖𝑖𝑖𝑖 |𝜋𝜋𝑖𝑖 ,𝑋𝑋𝑖𝑖𝑖𝑖) = 𝜋𝜋𝑖𝑖 + 𝑋𝑋′𝑖𝑖𝑖𝑖𝛽𝛽 (4.2)

Assumindo que:

𝐸𝐸(𝜀𝜀𝑖𝑖𝑖𝑖 |𝜋𝜋𝑖𝑖 ,𝑋𝑋𝑖𝑖𝑖𝑖) = 0 (4.3)

Então, com base em (4.3) acima:

𝛽𝛽𝑗𝑗=

∂Ε(𝑌𝑌𝑖𝑖𝑖𝑖 |𝜋𝜋𝑖𝑖 ,𝑋𝑋𝑖𝑖𝑖𝑖 )𝜕𝜕𝑋𝑋𝑗𝑗 ,𝑖𝑖𝑖𝑖

(4.4)

Todavia, um dos objetivos da pesquisa consistiu em mensurar o impacto da

competição política juntamente com o legado prévio da política de remuneração dos

servidores. Por tratar-se de uma política pública sujeita à regulamentação estrita a

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decisão do nível de oferta desse bem não é estabelecida sem ter sido considerada a

magnitude de sua produção no período de tempo anterior. Ou seja, a execução passada

da despesa com salários e encargos impacta em alguma maneira a decisão corrente

sobre o seu nível de ofertada, no tocante à sua expansão10. Assim, tornou-se necessária

a estimação de um modelo de painel dinâmico, voltando para captar essa conjugação de

variável temporal com variáveis de competição pelo voto do eleitor. Para tanto, foi

necessária proceder a uma redefinição do modelo da equação (4.1), passando o mesmo a

ser definido como:

𝑦𝑦𝑖𝑖𝑖𝑖 = 𝜋𝜋𝑦𝑦𝑖𝑖,𝑖𝑖−1 + 𝑥𝑥′𝑖𝑖𝑖𝑖𝛽𝛽 + 𝜀𝜀𝑖𝑖𝑖𝑖 (4.5)

𝜀𝜀𝑖𝑖𝑖𝑖 = 𝜇𝜇𝑖𝑖 + 𝑣𝑣𝑖𝑖𝑖𝑖 com,

𝐸𝐸[𝜇𝜇𝑖𝑖] = 𝐸𝐸[𝑣𝑣𝑖𝑖] = 𝐸𝐸[𝜇𝜇𝑖𝑖𝑣𝑣𝑖𝑖𝑖𝑖 ] = 0

Assim, para eliminar os efeitos fixos presentes em (4.5), procedeu-se como segue:

𝑦𝑦𝑖𝑖𝑖𝑖 − 𝑦𝑦𝑖𝑖 ,𝑖𝑖−1 = 𝜋𝜋�𝑦𝑦𝑖𝑖 ,𝑖𝑖−1 − 𝑦𝑦𝑖𝑖 ,𝑖𝑖−2� + �𝑥𝑥′ 𝑖𝑖 ,𝑖𝑖 − 𝑥𝑥′ 𝑖𝑖 ,𝑖𝑖−1�𝛽𝛽 + 𝜀𝜀𝑖𝑖𝑖𝑖 − 𝜀𝜀𝑖𝑖 ,𝑖𝑖−1 (4.6) Podendo (4.6) ser reescrita como:

Δ𝑦𝑦𝑖𝑖𝑖𝑖 = 𝜋𝜋Δ𝑦𝑦𝑖𝑖 ,𝑖𝑖−1 + Δ𝑥𝑥′𝑖𝑖𝑖𝑖𝛽𝛽 + Δ𝑣𝑣𝑖𝑖𝑖𝑖 (4.7)

Como a variável dependente da equação (4.6) apresenta um componente endógeno, já

que 𝑦𝑦𝑖𝑖 ,𝑖𝑖−1 é correlacionada com 𝑣𝑣𝑖𝑖 ,𝑖𝑖−1, recorreu-se a utilização de variáveis

instrumentais (VI), através da inserção de lags da variável dependente defasada no

modelo de estimação, em dois estágios, para eliminar essa correspondência.

É importante mencionar, contudo, que a fragilidade explicativa das estimações

mencionadas acima consiste na possibilidade em ter uma variável de indicação

significativa decorrente de um viés do modelo por omissão de variáveis relevantes, as

quais poderiam alterar a morfologia da relação causal desde que estivessem inseridas na

estimação.

10 Para uma abordagem do legado prévio da política pública (policy feedback) e seus efeitos sobre o processo decisório corrente cf. SÁTYRO (2008); ARRETCHE (2002); WILDAVSKY (1992); SCKOPOL e AMENTA (1986).

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5. Os resultados.

Destarte, com base nos testes realizados, os modelos empíricos para a

identificação da relação causal entre competição eleitoral e provisão de bens privados

foram dispostos na Tabela 5.2, a seguir, juntamente com as medições de robustez de

cada modelo testado. Tabela 5.1 Estatísticas Descritivas das Variáveis Selecionadas.

Variáveis N. de Média Desvio Padrão Mínimo Máximo Observações

Bem Privado (Ln Folha de Pessoal) 432 21.76 1.04 18.60 24.56

Competição Eleitoral Majoritária 432 1.72 0.99 1.01 7.96 Competição Eleitoral Proporcional 432 10.10 4.45 3.97 26.88

Repartição de Rendas (Ln FPE) 432 20.58 0.69 18.76 22.25

Desenv. Econômico (Ln PIB per capita) 432 2.27 0.56 0.89 3.99

Fonte: Elaborado pelo autor. Tabela 5.2 Testes de Verificação de Multicolinearidade, Heterocedasticidade e Autocorrelação no Painel de Dados.

Testes Multicolinearidade*

Heterocedasticidade** Autocorrelação***

VIF (Médio) LM Breusch-Pagan 𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃 > 𝑋𝑋2 Arellano-Bonder AR(1) 𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃 > 𝑧𝑧

1.67 21.11 0.000 -3.129 0.002 Fonte: Elaborado pelo autor. Nota: * 𝐻𝐻0 = 𝑉𝑉𝑉𝑉𝑉𝑉 > 10 ; ** 𝐻𝐻0 = Os distúrbios não são heterocedásticos; *** 𝐻𝐻0 = Não existe autocorrelação de primeira ordem.

A relação causal mapeada neste trabalho foi submetida a quatro modelos de

regressão com vistas à observância, e consistência, de regularidades empíricas do efeito

da disputa pelo voto sobre o explanandum. Na coluna [1] da Tabela 5.3 foram exibidos

os resultados gerados através do modelo de estimação de Efeito Fixo (EF) com

autocorrelação serial de primeira ordem – AR(1). A utilização deste modelo objetivou

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eliminar os efeitos de heterocedasticidade individual e de correlação dos termos de erro,

anteriormente detectados. Assim, seguindo este mesmo diapasão metodológico para as

demais estimações, foram discriminados na coluna [2] e na coluna [3] os resultados das

regressões com o estimador Prais-Winsten com AR(1) e sem a utilização da variável

dependente defasada entre os regressores, e o estimador Paris-Winsten com lag(1) e

sem autocorrelação, respectivamente. Por fim, na coluna [4] expuseram-se os resultados

obtidos a partir da utilização do estimador através do Sistema do Método dos Momentos

Generalizados (GMM)11.

Em todas as estimações efetuadas o grau de competição nas eleições majoritárias

para o Executivo estadual apresentou-se estatisticamente significante, com o sentido da

relação causal (sinal do regressor) sendo o esperado, porém, com níveis de consistência

estatísticos variados. Por seu turno, a concorrência por uma cadeira no parlamento das

unidades da federação também se mostrou significante ao nível de 1% e com o efeito

previsto sobre o explanandum, nos modelos da coluna [1] e [4]. Por outro lado, esta

variável não se mostrou estatisticamente significante no modelo da coluna [2], mas

atingiu significância, ao nível de 5%, mediante a utilização do estimador Prais-Winsten

com efeito fixo, variável dependente defasa e sem autocorrelação (cf. coluna [3]);

porém, o sinal da relação causal não foi o esperado, tendo sido invertido do observado

na regressão do modelo da coluna [1], embora dotado de menor robustez estatística.

Destacou-se, contudo, a consistência do modelo do estimador Blundell/Bond

(coluna [4]). Todas as variáveis inclusas na regressão, ao contrário do verificado nos

demais estimadores, mostraram-se estatisticamente significante ao nível de 1%,

inclusive as variáveis defasadas (L.1, L.2 e L.3). Os testes estatísticos para a verificação

da inexistência de autocorrelação serial de segunda ordem (𝑀𝑀2), bem como para a

observância da adequação dos instrumentos utilizados na estimação, mostraram-se,

ambos, estatisticamente robusto12, apontando para o bom ajustamento desse modelo.

Ademais, a estimação via o Método do Momento Generalizado (GMM), processou-se

com um número menor de observações que a dos outros modelos de regressão,

11 A utilização do sistema GMM pressupõe a existência de processo estocástico estacionário nas séries utilizadas no modelo, onde é fortemente correlacionado com sua diferença (𝐻𝐻0: 𝛽𝛽𝑖𝑖 = 0 ∀ 𝑖𝑖), enquanto a hipótese alternativa admite a existência de raiz unitária em algumas séries. Destarte, procedeu-se a verificação da existência de raiz unitária para dados de painel através do teste ADF (Dickey-Fuller Aumentado) e o teste desenvolvido por Kwiatkowski,Phillips,Schimidt e Shin (1992) – (denominado deteste KPSS), onde foi corroborada a existência de estacionaridade na série. Os resultados desses testes foram expostos no Anexo deste trabalho. 12 A hipótese nula da inexistência de autocorrelação de segunda ordem e adequação dos instrumentos foi acatada mediante a realização dos testes Arellano/Bonder e de Sargan, respectivamente.

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consubstanciando, em certa medida, seu bom ajustamento. A sua consistência parece

sugerir que a estimação com a variável dependente em primeira diferença, para a

abordagem aqui desenvolvida, é mais adequada que utilizá-la em nível, como nos

modelos das colunas [1] a [3].

Por seu turno, a variável repartição federativa de rendas e a variável

desenvolvimento econômico, apresentaram significância estatística, ao nível de 1%, em

todos os modelos da Tabela 5.4. O sentido da relação causal da repartição federativa de

rendas foi positivo em todos os modelos, comportando-se como o esperado, ao passo

que a variável desenvolvimento econômico apresentou sinal negativo no resultado do

estimador GMM (coluna [4]), diferentemente dos demais, porém, em conformidade

com o esperado. Assim, dada à robustez do modelo Blundell/Bond, a identificação de

uma relação funcional inversa entre desenvolvimento econômico e a dimensão do gasto

com salários do funcionalismo público estadual, sugere que esta relação causal seja, de

fato, a mais condizente com a realidade do impacto desta variável sobre o explanandum.

Em todo caso, ficou evidenciada a adequação da escolha de repartição federativa de

rendas (tendo como proxy o FPE) e de desenvolvimento econômico (referenciada pelo

PIB per capita) como variáveis de controle, haja vista o comportamento esperado para

ambas e o nível significância obtido no modelo de regressão com o melhor ajustamento

estatístico.

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Tabela 5.3 Competição Eleitoral e a Produção de Bens Privados pelos Governos Subnacionais. (Variável dependente: Ln da Folha de Pessoal)

Variáveis / Modelos

[1]

[2]

[3]

[4]

Comp. Eleitoral (majoritária) -0.0241* -0,0258* -0.0408*** -0.0374***

(0.0134) (0.0147) (0.0129) (0.0077)

Comp. Eleitoral (proporcional) 0.0289*** -0.0128 -0.0247** 0.0437***

(0.0081) (0.0114) (0.0108) (0.0038)

Repart. de Rendas Federativas 0.2099*** 0.4091*** 0.4601*** 0.0781***

(0.0575) (0.1000) (0.0867) (0.0105)

Desen. Econômico 0.7556*** 0.7114*** 0.7381*** -0.1788***

(0.1178) (0.1310) (0.1061) (0.0477)

L.1

-

-

0.4107*** (0.1060)

-0.1837***

(0.0117)

L.2

-

-

-

-0.3282*** (0.0103)

L.3

-

-

-

-0.1035*** (0.0128)

Constante

15.4778*** (0.3731)

11.1344*** (2.0355)

9.9739 (0.7210)

-2.5471*** (0.5812)

Efeito Fixo para os estados Omitido. Omitido. Omitido. Não. Observações 405 432 405 324 𝑅𝑅2 - 0.98 0.95 - 𝑅𝑅2(within) 0.27 - - - 𝑅𝑅2(between) 0.33 - - - 𝑅𝑅2(overall) 0.36 - - - F 34.27 - - - 𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃 > 𝑉𝑉 0.000 - - Wald 𝜒𝜒2 - 16892.24 1.34e+06 3316.69 𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃 > 𝜒𝜒2 - 0.000 0.000 0.000 Rho(ar) 0.66 0.41 - - Rho(fov) 0.95 - - - Teste de autocorrelação (𝑀𝑀2) - - - -2.952 𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃 > 𝑧𝑧 - - - 0.7678 Teste de Sargan 𝜒𝜒2 - - - 24.113 𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃 > 𝜒𝜒2 - - - 0.9878

Fonte: Elaborado pelo autor. * p < 10%, **p < 5%, ***p < 1% e o erro padrão entre parênteses. Nota: [1] Estimador de Efeito Fixo (within), com autocorrelação AR(1); [2] Mínimos Quadrados Generalizados Factível (FGLS) com estimador Prais-Winsten, com efeito fixo, sem lags, e com autocorrelação AR(1); [4] Mínimos Quadrados Generalizados Factível (FGLS) com estimador Prais-Winsten, com efeito fixo, lag(1), e sem autocorrelação; [4] Estimador de Sistema GMM de Painel Dinâmico (Blundell/Bond) em dois estágios. Em todos os modelos as variáveis expressas em valores monetários foram inclusas em logaritmo natural.

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23

6. As hipóteses e as evidências.

Os resultados gerados a partir do modelo de painel dinâmico (Blundell/Bond)

sugerem a confirmação das hipóteses de trabalho, implicando na negação dos efeitos

restritivos de arranjos institucionais, previstos pelo modelo do leviatã, para a contenção

do crescimento estatal em geral e da burocracia pública em particular. A disputa

eleitoral, quando desagregada em função da natureza do sistema de votação, apresentou

efeitos distintos entre a regra majoritária e a proporcional (sinais contrários). Embora a

competição eleitoral para o cargo de governador tenha impacto negativo sobre a

evolução da folha de pessoal, juntamente com as defasagens temporais da despesa com

salários e encargos – como pelo referencial teórico em teste -, a disputa proporcional,

entretanto, produziu um efeito expansionista na oferta desse bem privado, confirmando

hipótese 𝐻𝐻1.

A ocorrência de efeitos diferenciados decorrentes da natureza da votação

possibilita questionar a efetividade dos instrumentos de contenção da oferta de bem

privado para as burocracias estaduais, haja vista que o impacto expansionista sobre a

folha pessoal via ciclo eleitoral, ocorreu mesmo sob a vigência de estritas

regulamentações orçamentárias, i.e. a LRF. Se a competição majoritária contribuiu para

redução da despesa de pessoal, por sua vez, o embate proporcional, e a micropolítica

que lhe é característica, opera gerando pressões expansionistas sobre aquele gasto,

sugerindo a confirmação da hipótese 𝐻𝐻2.

Esses resultados parecem dar conta de que a ilusão fiscal per se não se constitui

no leitmotiv para o crescimento do total dos gastos públicos nem de despesas para

clientelas específicas. As demandas reveladas pelo eleitorado, subsumidas da

distribuição de votos entre os candidatos, em especial nas eleições proporcionais,

parecem mais expressivas na definição da conformação da oferta de bens pelo setor

público estadual do que a baixa percepção do contribuinte acerca da estrutura tributária

e de seu custo marginal. A capacidade das eleições proporcionais de contornar os

controles de execução orçamentária impactando positivamente a despesa de pessoal, em

magnitude superior ao efeito reducionista da disputa majoritária13, sugere que o conflito

redistributivo desempenha o papel impulsionador sobre o gasto público. Ademais, a

existência de regras de execução orçamentária per se não dão conta do arrefecimento do

13 O leitor observe que o coeficiente da competição proporcional é ligeiramente suprior ao coeficiente da competição majoritária.

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conflito redistributivo por recursos públicos e sua influência sobre a configuração da

despesa.

O mercado eleitoral nos estados, portanto, parece operar guiado pela lógica da

prática de pork barrel, onde o comportamento de maximização de utilidades do eleitor,

acompanhado da capacidade de articulação de segmentos específicos, pressiona pelo

direcionamento da provisão de bens. Os resultados obtidos parecem ajustar-se a

concepção de Persson e Tabellini de que “o poder político [capacidade de articulação] é

particularmente importante quando se trata de política de interesse especial:

concentração de benefícios e dispersão de custos gera incentivos muito desiguais na

tentativa de influenciar as políticas públicas” (op.cit., p: 1554). Mais adiante destacaram

ainda que “os grupos mais beneficiados por políticas públicas têm forte incentivos a se

organizarem e constituírem poder político à custa de todos os outros. Isso altera os

incentivos dos decisores públicos conduzindo a um equilíbrio distorcido de resultados,

incluindo reconfigurações alocativas [grifo nosso] ou grandes gastos governamentais”.

(ibid.).

Ao se voltar a análise para o comportamento maximizador do eleitor, atuando no

mercado eleitoral com vistas à consolidação de suas preferências alocativas, tornou-se

possível deslocar da oferta para a demanda por políticas o ponto nevrálgico da

conformação da despesa pública. Assim, mediante a observação dos efeitos da

competição eleitoral – e a dinâmica da micropolitica – sobre o dispêndio estatal,

encontrou-se alguma evidência empírica da limitação argumentativa do modelo do

leviatã, sem a necessidade de aferir a efetiva ocorrência da ilusão fiscal. Ao contrário,

mesmo considerando sua existência, a utilização de fatores explicativos meramente

políticos parece desarticular o resultado analítico da suficiência do arranjo institucional

para a restrição do gasto público.

7. Considerações finais.

Este trabalho buscou encontrar evidências empíricas da insuficiência de arranjos

institucionais para a geração de efeitos reducionista sobre o gasto público, como

preconizado pelo modelo do leviatã, mediante a oferta de bem privado à burocracia

governamental dos estados brasileiros. Recorrendo à utilização de dados de painel

balanceado foi possível detectar, via o Método dos Momentos Generalizados (GMM), a

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existência de efeitos causais diferenciados entre a competição eleitoral majoritária e a

proporcional, sobre a despesa com salários e encargos das administrações estaduais –

categorizada aqui como bem privado.

O impacto positivo da disputa proporcional sobre a folha de pessoal, mesmo sob

a existência de instrumentos restritivos para este tipo de despesa, parece sugerir que

mecanismos de limitação da “voracidade perdulária” do leviatã, por si só, mostram-se

ineficazes diante da conformação do mercado eleitoral. A revelação das demandas

alocativas do eleitor aos candidatos, consubstanciada na competição pelo voto,

produzem alianças pró-gasto que perpassam os controles de execução orçamentária.

Pesquisas adicionais, contudo, necessitam ser elaboradas para abarcar variáveis que

nesta etapa deste trabalho foram negligenciadas. O refinamento analítico, portanto, deve

ser continuado com vistas novos testes empíricos.

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ANEXO

Teste ADF de Raiz Unitária

Tabela Anexa 1A.

Variável Defasagem Estatística t p-valor Valor crítico 10% 5% 1% Ln Folha de Pessoal 1 -4.720 0.000 -2.570 -2.872 -3.446 Comp. Majoritária 1 -9.570 0.000 -2.570 -2.872 -3.446 Comp. Proporcional 1 -4.835 0.000 -2.570 -2.872 -3.446 Ln FPE 1 -4.815 0.000 -2.570 -2.872 -3.446 Ln PIB per capita 1 -4.870 0.000 -2.570 -2.872 -3.446 Fonte: Elaborado pelo autor. Nota: H0: ρ > 0 (existência de raiz unitária na série) foi rejeitada ao nível de significância de 1%. Teste processado com a constante e sem tendência na equação.

Teste KPSS de Raiz Unitária Tabela Anexa 1B.

Variável Estatística LM Valor crítico 1% 5% 10% Ln Folha de Pessoal 0.118 0.216 0.146 0.119 Comp. Majoritária 0.054 0.216 0.146 0.119 Comp. Proporcional 0.114 0.216 0.146 0.119 Ln FPE 0.115 0.216 0.146 0.119 Ln PIB per capita 0.111 0.216 0.146 0.119

Fonte: Elaborado pelo autor. Nota: H0: ρ < 0 (a série é estacionária) não foi rejeitada no nível de significância em negrito.