codato, adriano; oliveira, m. r. de . a marcha, o terço e o livro: catolicismo conservador e ação...
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8/7/2019 Codato, Adriano; OLIVEIRA, M. R. de . A Marcha, o Tero e o Livro: catolicismo conservador e ao poltica na conju
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Seminrio 40 anos do Golpe: 1964-2004
Sesso: Vises do Golpe
A Marcha, o Tero e o Livro:
catolicismo conservador e ao poltica na conjuntura do golpe de 1964
Adriano Nervo [email protected]
(Universidade Federal do Paran)
Marcus Roberto de [email protected]
(Faculdade Internacional de Curitiba)
Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro (APERJ)Centro de Pesquisa e Documentao de Historia Contempornea do Brasil (CPDOC/FGV)
Universidade Federal Fluminense (UFF)Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Rio de Janeiro, 22 a 26 de maro de 2004
mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected] -
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Resumo
O ensaio discute a atuao poltica dos grupos conservadores que, em So Paulo e no Paran,apoiaram a interveno militar de 31 de maro de 1964. Analisamos a Marcha da Famliacom Deus pela Liberdade. Os resultados da pesquisa permitem concluir que, no caso dacapital paranaense, o evento (rebatizado Marcha a favor do Ensino Livre) priorizou a lutapelas liberdades individuais, deixando em segundo plano os valores tradicionais cristos,diferentemente do enredo seguido em outras cidades (Belo Horizonte, So Paulo e Rio deJaneiro). o que se depreende da anlise de suas principais temticas: protestos contra adistribuio do Livro nico, elaborado pelo Ministrio da Educao, resistncia pretensaencampao das escolas particulares, alm da defesa da liberdade de ctedra e depensamento. Esse repertrio evidencia uma preferncia, ao menos no nvel do discurso, peloliberalismo tradicional, ao contrrio da orientao convencional para o conservantismo tpicodas camadas mdias brasileiras no ps-1945. O caso em questo ilustra a complexidade daconjuntura ideolgica no pr-1964, a natureza crtica das iniciativas do governo Goulart para
levar adiante sua agenda reformista e as diferentes motivaes no somente sociais, mastambm regionais no engajamento da sociedade civil na campanha golpista.
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A Marcha, o Tero e o Livro:
catolicismo conservador e ao poltica na conjuntura do golpe de 19641
Ditadura Militar ou Repblica Popular o dilema em que o Pasestar metido em poucos meses.
Carlos Lacerda, entrevista a O Estado de S. Paulo, 30 jan. 19622.
Desde que o fim da Quarta Repblica no Brasil deixou de ser explicado apenas como
resultante de fatores macro-estruturais (ou econmicos3, ou institucionais4), o problema da
mudana poltica passou tambm a ser enfocado a partir de outras variveis, menos
formalistas e deterministas (ou funcionais), e mais histricas e conjunturais.
Assim, as demais vises correntes sobre o golpe poltico-militar de 1964 tm insistido
ou nos condicionantes militares do evento (a implantao do regime ditatorial resultando da
quebra da hierarquia e disciplina nas Foras Armadas), ou nos condicionantes polticos (a
implantao do regime ditatorial resultando do conflito entre projetos, estratgias e aes dos
atores politicamente relevantes) ou, ainda, nos condicionantes sociais (a implantao do
regime ditatorial resultando, precisamente, da luta de classes)5.
Nesse particular, na anlise das lutas sociaisque conduziram ao colapso da democracia
populista, chama a ateno a quantidade de referncias sobre os setores de esquerda
(estudantes a UNE; trabalhadores o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), o Pacto
de Unidade e Ao (PUA), as Ligas Camponesas; a ala nacional-reformista, os comunistas
a includos6) quando comparadas com estudos especficos sobre os setores de direita (as
elites e a classe mdia tradicional de orientao liberal-conservadora). Esses setores
representados na cena poltica por empresrios, profissionais liberais, lderes religiosos,
movimentos femininos etc., forneceram, alm do suporte financeiro e organizacional, os
argumentos ideolgicos mais sugestivos da conspirao contra o governo Jango 7.
No perodo que se abre com a renncia de Jnio Quadros (em 25 de agosto de 1961) e
se encerra com o discurso de Joo Goulart no Automvel Clube (em 30 de maro de 1964),
tanto os setores conservadores, quanto os setores reformistas buscaram conquistar a confiana
e o apoio da sociedade atravs de manifestaes pblicas campanhas, comcios, passeatas e
protestos em geral. De fato, a questo mais importante nessa conjuntura parece ter sido: quem
dar o golpe no Brasil?
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A opo pela conspirao, por um dos lados, pela luta poltica aberta, por outro, e pela
agitao e propaganda, por ambos, terminou com resultados significativos principalmente
para a ala conservadora. Como resposta ao comcio a favor das Reformas de Base diante da
Central do Brasil no dia 13 para uma multido de cerca de 200 mil pessoas, em 19 de maro
de 1964 500 mil8 desfilaram da praa da Repblica praa da S em So Paulo na Marcha
da Famlia com Deus pela Liberdade. A manifestao terminou com uma missa pela
salvao da democracia. Durante o trajeto foi distribudo o Manifesto ao povo do Brasil,
convocando a populao a reagir contra Goulart9.
Essa no foi, contudo, uma reao isolada. Conforme a avaliao de Quartim de
Moraes, sabia-se que
marchas semelhantes estavam programadas para outros grandes centros urbanos. Ogolpe veio antes, transformando a mobilizao da direita em desfiles de triunfo. Elaprovara, de qualquer modo, antes do 31 de maro, que podia pr na rua muito maisgente que a esquerda. A superioridade da mobilizao reacionria de massas sobre adas foras progressistas resultou de um enorme esforo de organizao [por parte do]Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), na verdade uma vasta organizaopoltica do patronato, dirigida por um Estado-Maior composto por plutocratas eprepostos de alto nvel, formando a cpula do aparelho ideolgico do capital no Brasilde ento10.
Precisamente, as Marchas da Famlia com Deus pela Liberdade foram atos pblicos
organizados por setores catlicos da classe mdia urbana e impulsionados por polticosconservadores (a Ao Democrtica Parlamentar, em primeiro lugar), pela elite empresarial
(reunida no IPES) e pelos movimentos femininos que reuniram milhares de pessoas s
vsperas do 31 de maro nas principais cidades brasileiras11. Condenavam genericamente a
poltica populista (i.e., a demagogia, a desordem e a corrupo) e o comunismo (seja
seu carter materialista e ateu, seja o risco que o totalitarismo poderia representar
propriedade privada e democracia). Fazendo eco ao clima de Guerra Fria, comunismo e
populismo eram considerados posturas simetricamente antidemocrticas. O primeiro porqueesmagava o indivduo, na expresso corrente da poca, sufocando a liberdade; o segundo
porque impedia a realizao plena da verdadeira democracia (na verdade, uma verso
idealizada e elitista do funcionamento do regime liberal-democrtico nos pases capitalistas
centrais). Simplificadamente, as Marchas batiam-se pela obedincia aos valores tradicionais
cristos (o tero e o rosrio, o matrimnio, a famlia) e pela observao das liberdades
individuais (a liberdade de expresso, a liberdade religiosa, a propriedade privada)
ameaadas (ou supostamente ameaadas) pelo governo Goulart.
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A Tribuna da Imprensa, porta-voz do lacerdismo, descreveu assim o que se passou no
Comcio da Central:
Guerra civil, fechamento do Congresso, constituinte e at implantao da socializaocrescente da economia do Pas foram os elementos essenciais utilizados pelos oradores de
comcio de ontem pelas reformas de base, do presidente Joo Goulart ao deputado LeonelBrizola; do presidente da SUPRA [Superintendncia da Reforma Agrria] ao representante doCGT. O Sr. Joo Goulart antecipou o quadro de revoluo civil, ao acreditar queles que seopem s reformas um possvel derramamento de sangue no Pas12.
O anticomunismo e o antipopulismo transformaram-se em argumento poltico para
legitimar uma interveno militar redentora.
No estranho, portanto, que a conscincia conservadora tenha podido representar o
golpe de Estado como resultado da ao da divina Providncia. No editorial de O Globo,
sintomaticamente intitulado Ressurge a democracia, os militares figuram como executoresde uma deciso transcendente.
Vive a Nao dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentementede vinculaes polticas, simpatias ou opinio sobre problemas isolados, para salvar o que essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graas deciso e ao herosmo das Foras Armadas,que obedientes a seus chefes demonstraram a falta de viso dos que tentavam destruir ahierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do Governo irresponsvel, que insistia em arrast-lo para rumos contrrios sua vocao e tradies [...] Mais uma vez, o povo brasileiro foisocorrido pela Providncia Divina, que lhe permitiu superar a grave crise, sem maioressofrimentos e luto. Sejamos dignos de to grande favor
13.
Seria o caso de perguntar-se: como essa imagem religiosa fundiu-se ao discurso
poltico?
Este artigo compara a Marcha da Famlia com Deus pela Liberdade em So Paulo e
Curitiba. Posta ao lado da marcha paulista, v-se que suas principais bandeiras de protesto
estavam ligadas no s questes mais crticas da conjuntura poltica nacional (as Reformas
de Base, a subverso da hierarquia militar, a ascenso das esquerdas partidria e sindical e domovimento popular em geral), mas, surpreendentemente, a duas propostas polmicas do
Ministrio da Educao: a obrigatoriedade em se adotar nos colgios um Livro nico,
editado pelo prprio MEC, e a pretensa encampao de escolas particulares (leia -se: as
escolas confessionais). Essas idias seriam no apenas inaceitveis por si mesmas, mas tpicas
de pases totalitrios. A elas se deveria opor os princpios liberais clssicos.
Os resultados da pesquisa permitem concluir que o evento no Paran rebatizado para
Marcha a favor do Ensino Livre priorizou, ao contrrio das principais temticas seguidasem outras capitais (Belo Horizonte, Niteri, So Paulo e Rio de Janeiro), a luta pelas
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liberdades individuais, deixando os valores tradicionais cristos em segundo plano . o que
se depreende da anlise da sua organizao e enredo. Nossa hiptese que esse repertrio
evidenciou, ao menos no nvel do discurso, uma inclinao pelo liberalismo (poltico e
econmico), ao contrrio da orientao convencional para o conservantismo tpico das
camadas mdias brasileiras no ps-1945. O caso em questo ilustra portanto a complexidade
da conjuntura ideolgica no pr-1964, a natureza crtica das iniciativas tentadas pelo governo
Goulart para levar adiante sua agenda reformista e as diferentes motivaes no somente
sociais, mas tambm regionaisno engajamento da sociedade civil na campanha golpista. O
estudo sugere assim que algumas atividades anti-governo, embora tivessem uma dimenso
nacional, eram organizadas por grupos locais segundo uma lgica descentralizada, medida
que respondiam a estmulos (sociais, organizacionais, polticos e ideolgicos) muito
conjunturais. Se isso for correto, pode-se comear a desconfiar das idias que apresentam o
golpe poltico-militar de 1964 como uma superconspirao nacional a partir de um nico ator
os militares; a burguesia; etc.
O artigo est dividido em quatro sees. Na primeira, resumimos os eventos da poltica
nacional entre 1961 e 1964 e chamamos a ateno para a importncia do movimento dos
catlicos conservadores e sua centralidade na conjuntura de maro; em seguida, procuramos
sistematizar as idias polticas da classe mdia urbana na Quarta Repblica e indicar,
esquematicamente, como o antipopulismo, o anticomunismo e o antiestatismo manifestaram-
se na crise final do populismo. A terceira seo faz, a partir de uma minuciosa reconstituio
histrica, a anlise do movimento em Curitiba, destacando a participao de associaes de
classe e de grupos catlicos femininos na organizao do protesto; essa etapa serve para
salientar as temticas principais da marcha curitibana e suas particularidades diante do
movimento poltico nacional. Por fim, descrevemos brevemente, ao lado da Marcha da
Famlia, a Marcha a favor do Ensino Livre. A histria aqui contada fundamental para
ilustrarmos nossa hiptese de pesquisa, compreendermos o sentido da atuao das camadas
mdias no perodo anterior ao golpe e abordarmos menos superficialmente o
conservadorismo do Paran tradicional.
TOMANDO O PODER DOS CORRUPTOS, DOS CAUDILHOS, DOSEXTREMISTAS DE BAIXA EXTRAO...14
Temos tido governos inertes e governos incapazes, que pecaramlargamente por omisso, deixando de aproveitar belas oportunidade
para agir em benefcio do pas. Mas nunca tivemos, no Imprio ouna Repblica, um governo to encarniadamente decidido a destruir,
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desmoralizar e at a prostituir tudo quanto neste pas existe deorganizado. Eugnio Gudin15.
A Nao no mais suporta a permanncia do Sr. Joo Goulart frente do Governo. Chegou ao limite final a capacidade de toler-lopor mais tempo. No resta outra sada ao Sr. Joo Goulart seno a deentregar o governo ao seu legtimo sucessor. S h uma coisa a dizer
ao Sr. Joo Goulart: saia.
Fora! Editorial do jornal Correio da Manh, 1 abr. 1964.
1964 representa o ponto de chegada de uma srie de golpes sucessivos contra a
democracia populista e, especificamente, contra seus mecanismos de participao poltica e
controle de classe. Da que o golpe de Estado resolva, de forma particularmente dramtica, as
contradies expressas em conjunturas to diversas quanto a de outubro de 1945 (fim do
Estado Novo); a de agosto de 1954 (suicdio de Vargas); a de novembro de 1955 (o golpe
preventivo do general Lott); a de fevereiro 1956 e a de outubro de 1959 (rebelies militares
em Jacareacanga e Aragaras); e a de agosto-setembro de 1961 (renncia de Jnio e
imposio do parlamentarismo a Joo Goulart). No deixa de ser curiosa, luz dessa mera
enumerao de acontecimentos, a expresso dita por Lacerda em 1962 para caracterizar o
processo poltico entre 1945 e 1964: golpes para evitar golpe16.
Mas para que a relao entre os golpes e o golpe final no seja simplesmente
formal, nem seja apreendida num nvel de generalidade quase banal (teria sido possvel[evitar o golpe de 64] se realmente nossas instituies fossem democrticas e slidas 17), seria
preciso fixar, no interior desse ciclo longo, o momento em que, embora ainda evitvel, o golpe
contra o regime de 1946 tornou-se altamente provvel (sendo as suas condies de
possibilidade construdas desde ento, uma vez que elas no estavam dadas de antemo).
Jacob Gorender sugere uma periodizao poltica que d um sentido cadeia de
acontecimentos e permite que iniciemos a histria de 1964 a partir de um ponto um pouco
menos distante ou arbitrrio: a renncia de Jnio Quadros em 1961. Esse ato (na verdade: umgolpe malogrado), por seu significado, no a causa do sucesso dos conservadores em
maro-abril de 1964, mas a antecipao do projeto poltico antipopulista. O presidente Jnio
Quadros pretendia o que os golpistas de 1964 obtiveram: poderes excepcionais que
reduzissem as atribuies do Congresso e permitissem ao presidente governar de maneira
autoritria18.
A conjuntura que vai de setembro de 1961 a fevereiro de 1964 particularmente crtica.
Reconstitu-la passo a passo foge do escopo deste artigo. suficiente lembrar aqui osprincipais eventospolticos em seqncia: depois da renncia de 25 de agosto e da reao da
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direita civil e militar posse de Goulart, a resistncia, em nome da legalidade
constitucional, adia o golpe mas aceita a soluo de compromisso do parlamentarismo
(Emenda Constitucional n 4) em troca de um plebiscito sobre a forma de governo em 1963.
Essa parece ter sido, naquela circunstncia precisa, a nica frmula possvel para garantir a
posse do vice-presidente, uma vez que, na tica dos militares e dos demais setores civis
golpistas, Jango simbolizava tudo aquilo que havia de negativo na vida poltica brasileira:
demagogo, subversivo e implacvel inimigo da ordem capitalista19.
A vitria da direita nas eleies de outubro de 1962 consolida o conservantismo do
Parlamento, mas os gabinetes Tancredo Neves, Brochado da Rocha, Hermes Lima no
garantem nem governabilidade, nem estabilidade poltica ao sistema. A presso de Goulart
para influenciar as decises do Gabinete e as divergncias entre Congresso e Conselho deMinistros contribuem para a campanha pela antecipao do plebiscito20. Retomado o poder
presidencial em incios de 1963, o governo passa a conviver, num contexto de grave crise
econmica (inflao de preos), com presses esquerda (dos setores nacionalistas, populares
e comunista), contra o Plano Trienal de Desenvolvimento Econmico-Social e contra a
timidez para nomear um ministrio mais progressista e assumir uma poltica de fato
nacionalizante; e direita (latifundirios, o grande empresariado, udenistas e pessedistas, a
alta oficialidade das Foras Armadas e a cpula da Igreja catlica), contra as reformas,
principalmente a agrria, e o caos, a desordem e a instabilidade poltica, representada pela
ascenso do movimento popular e sindical. No Congresso Nacional a polarizao ideolgica
mina o centro poltico, o apoio parlamentar ao governo e bloqueia as iniciativas do Executivo.
A partir de julho de 1963 o Plano Trienal cede lugar na agenda do governo s Reformas de
Base. Na frente militar, a revolta dos sargentos, em setembro, adiciona um elemento a mais na
crise poltica e repercute negativamente na cpula das Foras Armadas. A recusa em aprovar
o Estado de Stio em outubro de 1963 isola politicamente o Presidente. A radicalizao da
poltica populista de integrao poltica e econmica das massas urbanas (e tambm rurais)
a resposta ascenso do movimento popular.
Em 1964 o pas experimenta, sem possibilidade de retorno, os efeitos da polarizao
ideolgica que havia oposto, em todo o perodo, o liberalismo conservador ao reformismo
nacionalista. Em maro, o Comcio da Central (no dia 13), a Marcha da Famlia (no dia 19), a
Rebelio dos Marinheiros (no dia 26) e a reunio no Automvel Clube (no dia 30) precipitam
a concluso desse perodo de crises. Com a Marcha da Famlia com Deus pela Liberdade [...]
o limite crtico foi ultrapassado. Depois da Marcha um grande nmero de atores passou a
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atribuir uma alta probabilidade de sucesso ao movimento contra o governo 21. No dia 31, a
manobra intempestiva do general Olmpio Mouro Filho cerra o destino do governo
Goulart.
As Marchas da Famlia com Deus pela Liberdade foram, nesse contexto, uma respostapoltica ao discurso de 13 de maro na Central do Brasil. A fasca que incendiou o movimento
reacionrio saiu do pronunciamento do Presidente Goulart durante o Comcio das Reformas.
Jango criticara a indstria do anticomunismo e a utilizao de smbolos religiosos como
instrumentos polticos de oposio a seu governo.
O inolvidvel Papa Joo XXIII que nos ensina, povo brasileiro, que a dignidade dapessoa humana exige [...] o direito e o uso dos bens da terra, ao qual corresponde aobrigao fundamental de conceder uma propriedade para todos. [...] O cristianismo
nunca foi o escudo para os privilgios [...], nem [...] os rosrios podem ser levantadoscontra a vontade do povo e as suas aspiraes mais legtimas. [...] Os rosrios nopodem ser erguidos contra aqueles que reclamam a discriminao da propriedade daterra, hoje ainda em mos de to poucos, de to pequena maioria 22.
O comentrio, quela altura dos acontecimentos, e segundo o esprito da indstria do
anticomunismo, foi tido como ofensa aos valores cristos e como declarao explcita da
inteno de levar adiante as reformas (agrria, bancria, eleitoral, universitria, urbana)
mesmo contra a legalidade constitucional. Essa impresso, de que havia uma revoluo em
marcha, era to poderosa que permaneceu, na conscincia conservadora, mesmo depois dofim do regime ditatorial-militar:
A ao dos partidrios de Goulart assumia [em 1964] aspectos de verdadeira tomadado poder [...] Apenas depois de 13 de maro, quando Goulart realizou, sob a proteo detropa do Exrcito, revolucionrio comcio na frente da Central do Brasil no Rio, asociedade se deu conta da iminncia dos perigos que corria. Alguns dias depois, 250 milpessoas saram s ruas de So Paulo [...], na famosa Marcha com Deus, pela Famlia epela Liberdade [sic], respondendo ao Presidente da Repblica que no comcio daCentral escarnecera do que o tero simboliza para os catlicos. Foi como resposta a essemovimento [...] que as Foras Armadas, praticamente sem dissidncias, se puseram emmarcha [...]23.
Se no comcio do dia 13 foram as entidades sindicais (o CGT, as federaes e
confederaes nacionais de trabalhadores), uma srie de organizaes civis politizadas
esquerda (a UNE, a PUA, a UBES) e a Frente Parlamentar Nacionalista que haviam
convocado os trabalhadores e o povo em geral24, os grupos sociais que estiveram frente da
Marcha da Famlia eram, em sua maioria, oriundos das camadas mdias urbanas
(profissionais liberais, pequenos empresrios, donas-de-casa). Entidades femininas
(Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE), Liga da Mulher pela Democracia(LIMDE), Unio Cvica Feminina (UCF) e Movimento de Arregimentao Feminina),
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religiosas (Fraterna Amizade Crist Urbana e Rural, Crculos Operrios Catlicos,
Associaes Crist de Moos), associaescivise de classe (Associao Comercial de So
Paulo, Sociedade Rural Brasileira, Clube dos Diretores Lojistas, Conselho de Entidades
Democrticas, Campanha para Educao Cvica) e sindicatos patronais (Federao das
Indstrias do Estado de So Paulo, Centro das Indstrias do Estado de So Paulo)
empenharam-se no protesto.
A Marcha paulista parece ter desequilibrado a relao de foras pr-conservadores,
isolando do movimento de massas a ala nacional-reformista. Ela ofereceu assim a
oportunidade, o pretexto e a legitimao para o golpe militar25. O movimento feminino,
representado em So Paulo pela UCF, no Rio de Janeiro pela CAMDE e em Belo Horizonte
pela LIMDE, liderou, em cada estado, a ao. A oposio ao comunismo totalitrio de umlado, e a defesa de uma noo bastante larga de democracia e bastante estrita de
legalidade de outro, foram o mnimo denominador comum da Marcha. frente de tudo,
enfeitando a aliana entre entidades femininas, associaes religiosas e as organizaes do
patronato, a exibio pblica dos smbolos religiosos e a defesa dos valores tradicionais
cristos.
Para no retirar do contexto mais amplo a Marcha da Famlia com Deus pela Liberdade,
preciso todavia recordar que uma conspirao estava em curso desde 1961 liderada, nosmeios civis, pelo complexo IPES/IBAD (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais/Instituto
Brasileiro de Ao Democrtica). O IPES representante orgnico do grande capital
tambm participou da organizao da Marcha, planejando a passeata e colaborando, atravs
de sua rede, para a difuso do protesto a partir de So Paulo para o Pas.
A ligao entre as aes do IPES e as Marchas foi descrita por Ren Dreifuss nos
seguintes termos:
A mais significativa conquista do IPES no campo da mobilizao poltica e ideolgicaconsistia na utilizao das classes mdias como nova clientela poltica e odesenvolvimento de meios para mobiliz-las, com xito, como uma massa de manobra,efeito que os partidos e frentes tradicionais no se dispuseram ou se capacitaram aalcanar. A mobilizao das classes mdias conferia a aparncia de amplo apoio popular elite orgnica e a mdia coordenada pelo IPES proporcionava grande cobertura satividades dessas classes mdias mobilizadas. Na atmosfera elitista do Brasil, asdemandas das classes mdias eram vistas como o ponto de referncia para aidentificao da legtima presso popular. [Alm de tudo,] o que o IPES viu como umade suas conquistas de maior xito foi a descoberta dos grupos femininos de presso,to ampla e eficazmente usados dez anos mais tarde contra o governo constitucional deSalvador Allende, no Chile, e para os quais a experincia brasileira forneceu omodelo26.
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A presena de setores do grande empresariado (por meio das organizaes da esfera de
influncia do IPES) ao lado das camadas mdias tradicionais (representadas pelas entidades
femininas e pelas associaes religiosas) na manifestao paulista sugere, no entanto, uma
relao mais complexa do que de simples porta-vozes da elite conservadora. As evidncias
histricas no indicam uma relao instrumental entre as elites e uma massa contra -
revolucionria de classe mdia. Ao contrrio, permitem ver em ao um movimento que a
traduo, na cena poltica, das aspiraes conservadoras das camadas mdias tradicionais e do
grande empresariado liderados, nessa conjuntura precisa, pelo partido feminino e catlico.
A Marcha da Famlia com Deus pela Liberdade esgrime assim, atravs de contedos morais e
religiosos (os valores cristos), a oposio radical tanto do grande empresariado, quanto
das prprias camadas mdias ao comunismo e ao populismo.
O papel mais fundamental do IPES talvez tenha sido coordenartoda a ao cvica dos
setores oposicionistas, e financiar e orientar politicamente as trs organizaes femininas
mais importantes da classe mdia no perodo: a Campanha da Mulher pela Democracia, a
Unio Cvica Feminina e a Liga de Mulheres Democrticas27. Portanto, se a classe
dominante ir encontrar a sua massa contra-revolucionria no seio da classe mdia
(conforme frisou Saes), isso no significa que a primeira detenha sobre a segunda a
hegemonia poltica e ideolgica do movimento propriamente dito. funo de direo
(poltica) da Marcha paulista pela vanguarda feminina corresponde assim o arcasmo
(ideolgico) dos temas morais e religiosos exibidos no protesto. A presena relevante de
outros setores de classe mdia os profissionais liberais, por exemplo torna mais inteligvel
o destaque conferido ao temas polticos: o antipopulismo ao mesmo tempo em que se esconde
na defesa da Constituio Brasileira e dos princpios democrticos, revela -se na evocao
da Revoluo de 32.
Caso no se considere a natureza especfica das foras polticas conservadoras e a sua
forma de expresso prpria na cena poltica torna-se mesmo impossvel apreender as
diferentes lgicas ideolgicas que esto presentes no golpe poltico-militar de 1964.
A proclamao do governador de Minas Gerais Magalhes Pinto, aos Brasileiros, em
1 de abril, repe o sentido geral da contra-revoluo e os objetivos dos conservadores,
sintetizando a temtica presente na crise do regime de 1946:
[...] as foras sediadas em Minas [...] consideraram de seu dever entrar em ao, a fimde assegurar a legalidade ameaada pelo prprio Presidente da Repblica. Move-as aconscincia de seus sagrados compromissos para com a Ptria e para com a
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sobrevivncia do regime democrtico. Seu objetivo supremo o de garantir s geraesfuturas a herana de patrimnio de liberdade poltica e de fidelidade crist [...]28.
Ordem (ou na expresso edulcorada da frmula acima: legalidade), democracia,
liberdade poltica e valores cristos sero a base para compreender a configurao
ideolgica complexa dessa conjuntura.
Essa tarefa impe um duplo entendimento: i) da relao entre classes e camadas
(setores sociais) e seus elementos ideolgicos caractersticos no ps-1930; e ii) da relao
entre esses setores, suas ideologias e os movimentos polticos conservadores de 1964: aqui no
caso, a Marcha da Famlia com Deus pela Liberdade em So Paulo e a Marcha a favor do
Ensino Livre, em Curitiba.
A trade classe-ideologia-ao poltica ser vista na prxima seo.
OS TENENTES, OS BACHARIS E OS DEMAIS
O Globo, desde a Aliana Liberal, quando lutou contra os vcios polticos daPrimeira Repblica, vem pugnado por uma autntica democracia e progressoeconmico e social do pas. Em 1964, teria de unir-se aos companheirosjornalistas de jornadas anteriores, aos tenentes e bacharis que semantinham coerentes com as tradies e os ideais de 1930, aosexpedicionrios da FEB que ocupavam a Chefia das Foras Armadas, aosquais sob a presso de grandes marchas populares, mudando o curso de nossahistria.
Julgamento da Revoluo. Editorial do jornal O Globo, 7 out. 1984.
A tentao em caracterizar o movimento de 1964 como a ltima (e mais expressiva)
vitria dos tenentes s encontra apoio em evidncias histricas circunstanciais. Que muitos
oficiais ligados ao tenentismo na dcada de vinte e trinta Eduardo Gomes, Juarez Tvora,
Cordeiro de Farias, Juraci Magalhes, Jurandir Bizzaria Mamede, Ernesto Geisel, Artur da
Costa e Silva estivessem frente desse movimento, e, mais precisamente, da articulao
militar para o golpe de Estado, (ou que tenham participado dos governos militares), no fazdele o testamentrio do projeto reformador que empolgou os jovens oficiais contra as
oligarquias. Os nicos elos possveis entre 1964 e 1930 so mais negativos que positivos:
uma viso golpista do processo revolucionrio (com os militares frente); uma viso estatista
da economia; uma viso autoritria da poltica; e uma viso elitista da sociedade a ausncia
de instruo e civismo das massas populares impediria, tanto em trinta quanto em sessenta e
quatro, a ampliao do sufrgio.
De maneira semelhante, a liderana dos bacharis (entendidos aqui genericamentecomo os profissionais liberais) to fictcia quanto a disposio, cultivada pelos polticos
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liberais e pelas foras de centro, para, uma vez derrotadas militarmente as foras nacional-
reformistas, restabelecer a verdadeira democracia.
Na articulao golpista preciso considerar duas foras sociais civis que atuaram
decisivamente na conjuntura 1963-1964: as elites empresariais e as camadas mdiastradicionais: profissionais liberais (seu tipo social mais expressivo29), donas-de-casa e
pequenos empresrios. Em maro de 1964 esses setores fundiram-se politicamente e
ideologicamente. Desse programa revolucionrio constava o combate ao comunismo e ao
populismo. Sua manifestao prtica foram as Marchas da Famlia da Famlia com Deus pela
Liberdade. Elas representaram, como se viu, a maior mobilizao poltica da opinio pblica
de classe mdia contra a mobilizao popular.
O entendimento da ao poltica das camadas mdias tradicionais nesse processo exigeque se considere com mais ateno seus elementos ideolgicos e principalmente a
ascendncia do liberalismo conservador das oligarquias da Repblica Velha sobre suas
posies polticas.
A nostalgia da poltica oligrquica
Como se poderia caracterizar a configurao ideolgica da sociedade brasileira no ps-
30? E, no interior desse universo, as representaes mentais, os valores, as expresses
polticas das camadas mdias tradicionais? O antipopulismo a definio poltica essencial
das camadas mdias tradicionais a partir da revoluo de trinta. Essa afirmao precisa ser
mais bem qualificada. Sinteticamente, o que est em questo, a partir da poltica de integrao
das massas urbanas e da classe operria ao sistema poltico-eleitoral, a democracia de
massas.
O antipopulismo traduz seu desejo de impedir a ascenso poltica da classe operria e atransformao do direito poltica em prerrogativa comum e universal; em suma, o
desejo de conservar a poltica como um smbolo de prestgio social. Podemos dizer,portanto, que a orientao poltica das camadas mdias tradicionais est marcada, aolongo do perodo populista, pela nostalgia da poltica oligrquica30.
Esquematicamente possvel isolar alguns elementos que constituem e justificam essa
viso de mundo. A idia da poltica (no sentido mais simples de votar e ser votado) como
privilgio social possui uma dimenso simblica e uma dimenso prtica. No primeiro caso,
como j se mencionou, significa conservar a atividade poltica como um smbolo de prestgio
social (a poltica para poucos); no segundo caso, estabelecer certos requisitos essenciais
tais como educao e cultura que justifiquem a presena ou ausncia de tiposespecficos de indivduos na cena poltica (a poltica para quem entende). O populismo,
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ao destruir as resistncias primeira, e ao ignorar a segunda dimenso, por isso basista e
irresponsvel. Seu antielitismo converte a atividade poltica num jogo imprevisvel,
dependente do carisma do lder e da volubilidade das massas. Trata -se do exato oposto de
uma poltica racional e ideolgica na verdade o trao bsico da poltica nesse contexto,
para as camadas mdias, o seu carter demaggico. A contra -face desse desejo por uma
poltica no limite sem conflitos a viso da economia como auto-regulada. O elitismo poltico
cede lugar ao liberalismo econmico. Esse liberalismo expressa-se tanto no nvel macro
quanto no nvel microeconmico. As camadas mdias tradicionais foram uma consistente e
constante fora social contrria poltica econmica no ps-30, criticando a industrializao
pelo seu carter intervencionista, assim como a interveno irracional e indevida do
Estado no mercado de servios dos profissionais liberais. A crena nos mritos individuais
(como via de ascenso social) e a f no individualismo (que as dispensaria de gozar as
polticas de proteo social do Estado populista) estende e amplia o antipopulismo das
camadas mdias tradicionais em direo ao antiestatismo; antiestatismo, de resto,
compartilhado com algumas fraes das elites (principalmente a burguesia comercial e os
proprietrios fundirios).
Com diferenas expressivas, esse iderio orientou a interveno das camadas mdias
tradicionais na cena poltica nas dcadas de trinta, quarenta e cinqenta. Na campanha de 32
combateram pela Constituio (i.e., por uma democracia limitada); na transio de 45
pretendiam redemocratizar o pas; e na crise de 54 focaram sua batalha contra a
corrupo. Em 1964, essas foras sociais orientam-se pela ideologia tpica das elites: o
anticomunismo.
Seguindo, com grande liberdade, a sugesto de George Rud, procuramos classificar os
elementos ideolgicos das classes e categorias sociais e indicar como eles so traduzidos
politicamente, nessa conjuntura precisa, nos dois eventos em questo.
Rud props uma fuso de elementos ideolgicos para a melhor compreenso dos
protestos populares, sejam eles reacionrios ou revolucionrios. Sua sugesto reside em
diferenciar dois tipos de iderios (ou repertrio de idias e crenas): um inerente ou
tradicional, outro derivado ou tomado de emprstimo a outros iderios. O primeiro
baseado na experincia direta, na tradio oral, na memria folclrica e no aprendido
ouvindo sermes ou discursos ou lendo livros. O segundo o repertrio de idias e crenas
aprendidas, que, com freqncia, adquire a forma de um sistema mais estruturado de idias,polticas ou religiosas, como os Direitos do Homem, Soberania Popular, Laissez-faire e os
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Direitos Sagrados da Propriedade, Nacionalismo, Socialismo ou vrias verses da justificao
pela F31.
O quadro abaixo, com todas as limitaes e esquematismos que uma representao
como essa comporta, pretende sintetizar a histria ideolgica acima descrita.Quadro 1
CLASSES SOCIAIS ELEMENTOS IDEOLGICOS
iderio poltico inerente
baseado na experinciadireta
iderio poltico comum
compartilhado por dois oumais setores sociais
iderio poltico derivado
sistema mais estruturado de idias
Marcha da Famlia comDeus pela Liberdade
Marcha a favor do EnsinoLivre
ELITES EMPRESARIAIS(grandes e mdios
empresrios)
anticomunismo(oposio a um sistematotalitrio onde o Estadocontrola, atravs de umpartido poltico nico, avida social, cultural e
econmica do indivduo)antiestatismo(oposio ao
intervencionismo doEstado populista na
economia nacional e nomercado privado)
PADRO DESVIO
conservantismotradicional
(defesa da ordemconstitucional ou da
legalidade contra asreformas de base;
defesa da democraciacontra o totalitarismo)
liberalismo clssico(defesa da livre iniciativa,
da liberdade de mercado eda liberdade depensamento)
CAMADAS MDIASTRADICIONAIS
(profissionais liberais,donas-de-casa e pequenos
empresrios)
antipopulismo(oposio
presena/atuao dasmassas populares
urbanas na poltica)
forma de expresso na cena poltica na conjuntura dacrise de 1964
BAIXAS CAMADASMDIAS
populismo
estatismo(culto do Estado protetor)
catolicismoconservador
(defesa dos valorestradicionais cristos)
liberalismo econmico eliberalismo poltico
CLASSES POPULARES populismo
Tomemos assim essa representao de uma conjuntura poltica crtica e de um perodo
histrico extremamente complexo como hipteses para orientar nossa compreenso das duas
histrias aqui descritas.
UMA OUTRA MARCHA: O LIVRO NICO E A ENCAMPAO DAS ESCOLAS
PARTICULARES32
[...] aqui [em Curitiba] fizemos uma outra Marcha: os comunistas mandaramlivros comunistas para todos os cursos primrios. [...] A nossa Marcha foicontra o livro comunista nas escolas primrias. O livro era horrvel, incutia nacabea das crianas que todo industrial era um ricao fumando charuto e elasestavam ao lado, pauprrimas, esquelticas. Ah! Isso desaforo. E nosinsurgimos contra o livro.
Rosy Pinheiro Lima, lder da Unio Cvica Feminina Paranaense.Depoimento ao projeto Memria Viva do Paran/Museu da Imagem e doSom (MIS).
Seguindo o mesmo figurino de So Paulo, associaes empresariais e de mulheres
catlicas estiveram frente do protesto no Paran. Houve uma expressiva mobilizao
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A Marcha, o Tero e o Livro: catolicismo conservador e ao poltica na conjuntura do golpe de 1964.16
poltica da Unio Cvica Feminina Paranaense (UCF), e uma eficaz campanha ideolgica
promovida principalmente pela Associao Comercial do Paran (ACOPA). As duas
entidades organizaram o ato na capital. Atuaram de forma conjunta33, realizando reunies,
cursos, palestras, protestos pblicos relmpagos, entre outras atividades revolucionrias.
A UCF era uma entidade fundada em outubro de 1963 com o objetivo de realizar obras
assistencialistas e debater assuntos cvicos e religiosos. Suas principais incentivadoras foram
Dalila de Castro Lacerda e Rosy Pinheiro Lima. A grande maioria de suas associadas era
oriunda das camadas mdias tradicionais. A Associao Comercial do Paran era uma
entidade particular (no corporativa), composta por mdios e pequenos empresrios, em sua
maioria comerciantes, mas tambm por profissionais liberais oriundos de setores da antiga
elite (os bacharis) e das camadas mdias tradicionais. A ACOPA atuava, segundo a prpriaopinio de seus membros, pragmaticamente e a partir dos interesses da livre iniciativa34.
O caso de Curitiba chama a ateno do observador por vrios aspectos. A comear pelo
nome: ao invs do pomposo ttulo sob o qual os conservadores desfilaram em So Paulo
Marcha da Famlia com Deus pela Liberdade , o evento foi, no Paran, rebatizado para
Marcha a favor do Ensino Livre. A encampao das escolas particulares e a adoo do
Livro nico foram os assuntos principais dos oposicionistas. A questo da encampao,
principalmente dos colgios catlicos, resumia-se possvel (mas no provvel) estatizaodos estabelecimentos particulares de ensino. A questo do Livro nico, elaborado pelo
MEC, era mais complexa. Ora os conservadores reprovavam o fornecimento pelo Estado de
livros didticos para todas as escolas (determinao, segundo a Unio Cvica, tpica de
governos totalitrios); ora os conservadores acusavam essa operao (talvez por isso
mesmo) de mera propaganda ideolgica do governo de Jango.
O Livro nico, ou ao menos um dos livros do material didtico oficial, fora escrito
pelo historiador Nelson Werneck Sodr possivelmente a partir de seus cursos no Instituto
Superior de Estudos Brasileiros e recontava o processo de organizao da sociedade brasileira
contrariando os principais mitos da Histria tradicional. Alm disso, consta que a brochura
fazia apologia do programa das Reformas de Base35.
No incio de maro de 1964, a Folha do Comrcio, o jornal da Associao Comercial do
Paran, publicou uma declarao de Alceu Amoroso Lima criticando o Livro nico:
O professor Alceu Amoroso Lima declarou para O Globo que o decreto assinado pelo
presidente Joo Goulart, autorizando o Ministrio da Educao a editar livros escolares, perigoso de ser aplicado, porque a comisso encarregada de edit-los dever preparar
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os textos de acordo com a posio ideolgica dominante no Governo, como temacontecido com outras comisses que editam livros oficiais36.
Num estilo mais sombrio e enftico, a cpula do Exrcito tambm tratou dessa questo
pedaggica:
O Ministrio da Educao e Cultura transformara-se em instrumento de infiltraocomunista. O Diretrio do Ensino Secundrio, apoiado na assessoria estudantil e emalguns tcnicos do MEC, levava a intranqilidade aos estabelecimentos de ensino,baralhando responsabilidades e minando a autoridade dos educadores. Verbas vultosaseram fornecidas para comprometer a liberdade de conscincia. Livros eram impressospara serem adotados, indistintamente, por todos os estabelecimentos de ensino, havendomesmo alguns deles que reformulavam a Histria do Brasil em bases marxistas37.
Seja como for, os conservadores paranaenses resumiram os dois lados do problema do
ponto de vista liberal. A deciso do MEC ao mesmo tempo em que interferia no mercado de
livros didticos, terminava, por essa via, monopolizando o mercado de idias. Duas
liberdades sagradas eram assim ofendidas: a liberdade de empresa e a liberdade de
pensamento. Todas as contas feitas,
O que se pretende, est mais do que visto, no propiciar o ensino aos filhos dasclasses menos favorecidas (j que se promete extenso do direito de voto aosanalfabetos). O que se pretende apenas isto: estatizar, monopolizar e comunizar oensino. Ttica infame e covarde38.
No dia 24 de maro, durante a Marcha em Curitiba, o estudante Luiz Roberto Vialle,
em nome da mocidade, sublinhou um terceiro aspecto: as medidas do governo pretendiam,
caso efetivadas, bitolar as novas geraes dentro do atesmo e do regime incompatvel com o
desejo da maioria do povo brasileiro [i.e., o comunismo]39.
Havia assim dois temas superpostos e que funcionaram como plo de atrao (e de
fuso de interesses) tanto para os empresrios quanto para os catlicos. Enquanto a UCF
batia-se contra a encampao dos colgios religiosos (em nome da liberdade de
pensamento) e contra a adoo dos livros didticos oficiais (em nome da liberdade de
ctedra), a ACOPA via, na encampao das escolas particulares, um insulto livre
iniciativa. No que diz respeito ao Livro nico o risco maior era regido por razes nada
espirituais: o monoplio estatal das brochuras escolares prejudicaria os interesses econmicos
de diretores da ACOPA ligados indstria grfica que produzia... livros didticos. Era, nesse
caso, a liberdade de mercado que estava em questo.
Como esses dois grupos sociais organizaram a Marcha a favor do Ensino Livre?; qual o
perfil de suas atuaes respectivas?; e que alianas fizeram para converter sua agenda, no fim
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das contas bastante restrita e em torno de uma questo aparentemente menor, em uma
plataforma anti-Goulart?
A ao da Unio Cvica Feminina Paranaense
Ainda que o movimento vitorioso de 1964 contasse, em Curitiba, com o apoio da cpula
da Igreja Catlica40 e com a participao de diversos grupos religiosos, a Unio Cvica
Feminina foi a associao que, no final das contas, planejou e organizou, junto com a
ACOPA, a manifestao.
A ao poltica do UCF desdobrou-se simultaneamente em muitas frentes: promoveram
a vinda do Deputado Armando Falco (UDN-SP) Curitiba e Ponta Grossa nos dias 6 e 7 de
maro para ministrar palestras; estabeleceram contatos com a Campanha da Mulher pela
Democracia do Rio de Janeiro para fundar um sub-ncleo feminino em Florianpolis;
visitaram a Assemblia Legislativa e a Cmara Municipal e excursionaram para outros
municpios a fim de apoiar outras Marchas da Famlia; promoveram cursos de orientao
poltica direcionados a diversos setores da sociedade (mas principalmente s camadas
mdias)41. O tema central desses encontros era a educao, e girava basicamente em torno
do livro oficial da disciplina de Histria. (Na UCF, a questo do Livro nico obteve maior
repercusso do que a encampao das escolas particulares). Nas visitas aos vereadores Jobar
Cassou (UDN) e Menotti Caprilhone (Partido Republicano), a demanda principal levada pelaUnio Cvica era a anulao do absurdo ttulo de cidado honorrio de Curitiba a ser
concedido ao presidente Joo Goulart em 29 de maro de 1964; nas articulaes junto
Assemblia Legislativa, conduzidas pelos deputados Haroldo Leon Peres (UDN), Rubens
Requio (UDN) e Anbal Khury (PTN), pretendia-se conquistar a adeso do governador Ney
Braga (PDC) campanha contra o Livro nico e, assim, a oficializao do movimento
antigovernista42. Realizaram enfim pequenos protestos locais antes da Marcha (como o ato de
repdio a uma conferncia do Professor Darcy Ribeiro, reitor da Universidade de Braslia, naUniversidade Federal do Paran).
Contudo, se em Minas Gerais o chefe do executivo local era um dos conspiradores mais
conhecidos e em So Paulo Ademar de Barros apoiara, com Dona Leonor frente, a Marcha
da Famlia, no caso do governador do Paran essa questo era mais delicada. Com a renncia
de Jnio Quadros, seu principal apoiador, Ney Braga passou a depender da simpatia e do
apoio do governo federal a fim de implementar o projeto de modernizao da economia do
estado. Sem grandes recursos, o governismo era, naquele contexto, sua nica opo43.
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Ou, na avaliao mais contundente da lder da UCF:
O Ney Braga estava em cima do muro e no queria se manifestar. Chegamos l,pegamos uma criana e ela entregou o livro para o Ney. A ele se manifestou: rasgou olivro e jogou no cho. Mas ele no se manifestava, estava em cima do muro. Um
general que trabalhava conosco e depois morreu, Mattos, foi ao Ney (ele, o Ruy Itibere vrios senhores, porque trabalhvamos com a Associao Comercial e a Federaodas Indstrias44. Nossas reunies eram chessimas). Eles foram ao Ney e tambm a vice-presidente da UCF, Leonor Castellano, foi (eu no quis ir porque o Ney no gostava demim), e o Ney os tratou mal. Disse que sabia o que estava fazendo e no se definiu. Nsqueramos que ele se definisse a favor da Revoluo, e ele no se definiu. S se definiuno dia da Marcha do livro45.
Assim, a preparao da Marcha em Curitiba no se articulou politicamente com o
governo do estado. Foi resultado de um trabalho conjunto da UCF e da ACOPA. Qual foi seu
elemento de ligao? A preocupao com as propostas de poltica educacional ser o ponto
em comum entre a Unio Cvica e a Associao Comercial, ainda que essa temtica tenha
sido refratada segundo os valores e os interesses de cada setor.
A posio da Associao Comercial do Paran
A Unio Cvica Feminina mostrou-se extremamente organizada e atuante na crise de
1964. Manteve, para alm de sua mobilizao nos crculos catlicos de classe mdia, contatos
com parlamentares ligados conspirao, como se viu, e ligou-se a um diretor da ACOPA
Ruy Itiber da Cunha.
A ACOPA era um brao do complexo IPES/IBAD no Paran e o papel da Associao
Comercial na organizao da Marcha a Favor do Ensino Livre foi, conforme as informaes
disponveis, fundamental. Principalmente na divulgao da campanha anti-Goulart atravs do
seu semanrio Folha do Comrcio, que dava plena cobertura conspirao (tanto no nvel
local, quanto no nvel nacional), ressaltando temas relacionados ao movimento 46.
Da diretoria da ACOPA47, o presidente Oscar Schrappe Sobrinho foi o mais atuante.
Dele partiu a idia da criao doComando Geral das Classes Produtoras (COMCLAP), em
reunio realizada no dia 10 de maro no Rio de Janeiro, na Confederao das Associaes
Comerciais do Brasil. Logo depois, no dia 15 de maro, compareceu a um encontro,
juntamente com o Deputado Rubens Requio (UDN-PR), convocado por Paulo de Almeida
Barbosa (presidente da Associao Comercial de So Paulo), para discutir a calamitosa
situao nacional.
A Associao formou grupos organizados para a conspirao segundo as bandeiras
locais, com nfase na Comisso Pr-Ensino Livre, presidida por Ruy Itiber da Cunha. Essa
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comisso, composta por diversos diretores e proprietrios de colgios particulares ligados
ACOPA, foi criada exclusivamente para organizar os protestos contra as encampaes 48. Os
donos de colgios particulares, que atuaram no movimento, eram evidentemente os principais
interessados em que a proposta de estatizao de escolas particulares fosse derrubada. Por seu
turno, a questo do monoplio dos livros didticos pelo governo federal, conforme a proposta
do Livro nico, foi combatida com notvel disposio pelo prprio presidente da
Associao Comercial, que possua expressivas ligaes com a indstria grfica (ele era o
dono das Impresses Paranaenses, o proprietrio da Revista Panorama e presidia, alm da
ACOPA, o Sindicato das Indstrias Grficas). Tinha, por essa via, grande insero no
mercado de livros didticos49.
A ALMA DOS PAULISTAS E O CHO DO PARANNs somos o povo. No somos [o povo] do comcio da Guanabara,estipendiado pela corrupo. Aqui esto mais de 500 mil pessoas para dizerao presidente da Repblica que o Brasil quer a democracia, e no o tiranismovermelho. [...] Aqui estamos sem tanques de guerra, sem metralhadoras.Estamos com nossa alma e com nossa arma, a Constituio.
Padre Calazans, orador na Marcha da Famlia. Folha de S. Paulo, 20 mar.1964.
[...] o livro que os senhores me trouxeram eu no jogo fora daqui, para nosujar o cho do Paran.
Ney Braga, governador do estado. O Estado do Paran, 25 mar. 1964, p. 4.
Para o Estado de S. Paulo havia uma diferena a ser ressaltada entre a Marcha da
Famlia e o Comcio da Central. Com Goulart estavam gentes dos morros. Na Marcha em
So Paulo, no.
A multido desta vez [era] composta de brasileiros profundamente cnscios de seusdeveres e obrigaes, brasileiros que, por seu passado, j sobejamente demonstraram asua capacidade na construo da mais formosa parcela da economia nacional e da mais
alta expresso da cultura brasileira50
.O elitismo dessa formulao traduz uma intuio sociolgica fundamental. Ela ilustra
perfeio as bases sociais da diviso do campo ideolgico no Brasil na primeira metade dos
anos 60. A mais formosa parcela da economia nacional estava ento representada pelo
empresariado paulista a FIESP, o CIESP e, com destaque, a SRB , coordenados pelo IPES.
A mais alta expresso da cultura brasileira, pelo prprio jornal, pelos polticos da U DN e do
PSD, reunidos na Aliana Democrtica Parlamentar, pelos profissionais liberais e pelas
associaes de donas-de-casa catlicas.O 19 de maro de 1964
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Ainda que Svio de Almeida Prado, lder do IPES e da SRB e um dos organizadores da
Marcha, tenha celebrado a manifestao anti-Goulart como um milagre de f51, entre os dias
13 e 19 de maro, seis reunies preparatrias foram realizadas. Originalmente planejada como
Marcha do Desagravo ao Santo Rosrio, foi rebatizada no dia 14 para Marcha da Famlia
com Deus pela Liberdade. A cada encontro cresciam em nmero e em importncia as
adeses. s duas ltimas reunies, no 17 e 18, compareceram ao Auditrio do Rotary Club
duas mil e quinhentas pessoas.
No dia 19 de maro de 1964, quinhentos mil desfilaram na Marcha da Famlia em So
Paulo. Eles foram chegando aos poucos praa da Repblica. E, antes das 14hs., j
ocupavam todos os espaos do local. Quando partiram em direo catedral da S, somavam,
segundo estimativas da poca, meio milho de pessoas, ou cerca de 10% da populao dacidade de So Paulo naquele ano52. Na primeira fila estavam vrios ipesianos, os deputados
da UDN Herbert Levy, Conceio da Costa Neves e o senador Padre Calazans; os deputados
do PSD Jairo Albuquerque e Cunha Bueno, junto com a freira Ana de Lourdes o maior
incentivador inicial do movimento de protesto contra Goulart. O deputado Antnio Slvio
Cunha Bueno, membro da Ao Democrtica Parlamentar, o brao poltico do complexo
IPES/IBAD no Congresso Nacional, encarnava o perfil tpico do poltico conservador contra
as Reformas. No seu pronunciamento multido enfatizou: Os brasileiros aqui esto
reunidos para dizer ao presidente da Repblica: Basta! Basta! Basta!. Quando a passeata
chegou S, depois de percorrer em uma hora e meia o caminho que sai da Praa da
Repblica passando pela rua Baro de Itapetininga, praa Ramos de Azevedo, Viaduto do
Ch, praa do Patriarca e rua Direita, discursaram entre outros o lder direitista Plnio Salgado
e, por ltimo, Auro de Moura Andrade, presidente do Congresso Nacional. Enquanto Plnio
clamava por uma interveno militar (Bravos soldados, marinheiros e aviadores de nossa
ptria, sereis capazes de erguer vossas armas contra aqueles que querem se levantar, aqueles
que se levantam contra a desordem, a subverso, a anarquia, o comunismo? Esta manifestao
no vos comove?), o senador pessedista frisava os limites do governo: a legalidade. Que
sejam feitas as reformas, mas [...] pela Constituio. Seno, no. Pela conscincia crist do
nosso povo. Seno, no53.
O tema da legalidade na Marcha paulista i.e., a defesa da Constituio de 1946 e
dos princpios democrticos reencontrou a mitologia do esprito de 32 (Herbert Levy).
Nas faixas dos protestantes, a favor da conscincia crist do Brasil, como enfatizou o Gal.
Nelson de Mello, podia-se ler os previsveis apelos anticomunistas (Abaixo os imperialistas
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A Marcha, o Tero e o Livro: catolicismo conservador e ao poltica na conjuntura do golpe de 1964.22
vermelhos; Reformas sim, comunismo no) e antipopulistas (Ta chegando a hora de
Jango ir embora; Renncia ou Impeachment); mas tambm: 32 + 32 = 64.54.
O 24 de maro de 1964
Em Curitiba, a Marcha a Favor do Ensino Livre foi realizada cinco dias depois da
Marcha paulista, em 24 de maro, sob chuva torrencial.
Seguindo o mesmo enredo do movimento paulista, aproximadamente trinta mil
manifestantes, numa populao total de pouco mais de 350 mil pessoas, saram da praa
Santos Andrade (no centro da cidade, em frente Universidade Federal do Paran, onde
funcionavam os cursos de Direito e Odontologia, entre outros) e se dirigiram ao Palcio
Iguau, no setor administrativo, com objetivo de conseguir o apoio do governador ao
movimento contra a massificao do ensino. Nas primeiras fileiras, frente dos
manifestantes, marchavam o Senador Adolpho de Oliveira Franco (UDN), os deputados Jorge
Curi, Rubens Requio e Edgar Tvora (todos da UDN); vereadores Jobar Cassou (UDN) e
Joo Derosso (PSD)55. No ato destacaram-se Maria Aparecida Portugal Alves (membro do
comit executivo da marcha e incentivadora principal desse movimento56), Luiza Bueno
Gonm e Esther Gaspareto (vice-presidente da UCF), Rui Itiber da Cunha (presidente do
comit) e os diretores dos colgios dos Irmos Maristas (catlico e privado). No registro
fotogrfico da Revista Panorama pode-se ler com nitidez uma grande faixa: S queremos umlivro: a Constituio do Brasil. O governador Ney Braga estava no Palcio Iguau e, ao lado
de seu secretariado e de diversos parlamentares (em sua maioria da UDN), proferiu enfim o
solene discurso: queremos reformas sim, mas em ordem, em paz. Na realidade, ns temos
hoje que decidir, talvez, os destinos do mundo e, por isso, vemos com muita emoo
manifestaes como esta57.
As marchas no decidiram os destinos do mundo. Mas pesaram efetivamente na deciso
em precipitar o golpe de 31 de maro.
CONCLUSES
Destinadas a converter a opinio pblica e a mobilizar a sociedade como um todo
contra a ameaa de uma repblica sindicalista e poltica reformista do governo Joo
Goulart, enfim anunciada no Comcio da Central, as Marchas da Famlia foram a expresso
ideolgica prtica mais explcita do anticomunismo e do antipopulismo na conjuntura que se
abre em agosto de 1961 e se fecha em maro de 1964.
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Postas lado a lado, as Marchas de So Paulo e Curitiba permitem contudo diferenciar,
sob o mesmo enredo, as modalidades diversas da traduo poltica desse iderio tpico da IV
Repblica brasileira. Seja em funo de variveis estruturais (a base social das diversas
organizaes que conduziram as duas passeatas), seja em funo de variveis conjunturais (o
papel que cada setor social camadas mdias/elites empresariais cumpriu na
idealizao/organizao dos movimentos), necessrio enfatizar trs aspectos opostos das
duas mobilizaes: i) a forma de expresso, na cena poltica, do anticomunismo e do
antipopulismo: em So Paulo, o anticomunismo manifesta-se atravs do catolicismo
conservador (a defesa dos valores tradicionais cristos) e o antipopulismo atravs do
legalismo constitucional; em Curitiba, o anticomunismo revela-se codificado no liberalismo
clssico(a defesa da livre iniciativa liberalismo econmico e a defesa da liberdade de
pensamento liberalismo poltico); ii) o contedo por meio do qual se expressa o
antiestatismo: na marcha paulista, as questes polticas ocuparam o primeiro plano (defesa da
legalidade jurdica contra a interveno do Estado, atravs das reformas, na vida econmica e
social); na outra marcha, as questes ideolgicas (basicamente: a defesa do direito individual
de escolher uma educao no laica e de eleger livremente os meios de instruo) ocuparam o
primeiro plano; e iii) o lugar (dominante ou subordinado) das classes e de suas organizaes
polticas em cada fase dos respectivos movimentose a repercusso dessa hierarquia sobre o
perfil especfico assumido pelo protesto resultante. Como se trata de resumir o papel dos
agentes sociais na histria das duas Marchas, esse ponto exige uma explicao mais
pormenorizada.
Em Curitiba, a Marcha a Favor do Ensino Livre contou, desde o incio, com a ao
conjunta da Unio Cvica Feminina e da Associao Comercial do Paran expresses
organizacionais grosso modo das camadas mdias tradicionais e das elites empresariais,
respectivamente na idealizao e na organizao do protesto. Os trabalhos simultneos e
complementares desenvolvidos por essas entidades diante das propostas de poltica
educacional do MEC (enquanto a UCF atuou na mobilizao poltica da sociedade, a
ACOPA cuidou da propaganda ideolgica do movimento) impedem que se indique o setor
social que detm a hegemonia poltica e a hegemonia ideolgica sobre o processo. Contudo,
ainda assim preciso diferenciar o liberalismo poltico (antipopular) da Unio Cvica
Feminina do liberalismo econmico da Associao Comercial.
A traduo da oposio ao governo Goulart (mas no necessariamente ao regime
populista; o antipopulismo uma matriz ideolgica secundria nesse processo) na linguagem
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A Marcha, o Tero e o Livro: catolicismo conservador e ao poltica na conjuntura do golpe de 1964.24
do liberalismo poltico (liberdade de pensamento e expresso) decorre em linha direta da
representao que as camadas mdias urbanas representadas pelo movimento feminino e
catlico na UCF fazem do comunismo na prtica. A questo do Livro nico ressalta
um tema sensvel aos crticos do totalitarismo: o monoplio de idias pelo Estado (da a
defesa excntrica, quando se pensa na conjuntura nacional, da liberdade de ctedra). A
proposta de encampao dos colgios particulares atinge outra prerrogativa sagrada das
sociedades democrticas: a liberdade de pensamento (ou o direito de professar uma religio
contra a ideologia oficial dos Estados totalitrios). Para a Associao Comercial a questo do
Livro nico to somente um problema terreno. O monoplio da produo e da
distribuio de livros pelo Estado contraria a liberdade de mercado. A ACOPA bate-se
tambm a favor da livre iniciativa. Essa a questo que est colocada pelo movimento dos
pequenos e mdios empresrios diante da estatizao das escolas privadas. O liberalismo
econmico aqui a expresso poltica direta de uma posio de classe.
O caso da Marcha da Famlia relativamente mais complexo. Como se viu, se a
idealizao da passeata, como resposta direta ao 13 de maro de 1964, partiu de setores
polticos conservadores (contra o caos) e catlicos (a favor do rosrio), sero as entidades
femininas, as associaes religiosas e as organizaes do patronato em conjunto,
coordenadas/financiadas pelo IPES, mas dirigidas pelo movimento das mulheres, que
tomaro a si a tarefa de organizar o movimento. A mudana do nome de Marcha do
Desagravo ao Santo Rosrio para Marcha da Famlia com Deus pela Liberdade - no
resultou apenas da sugesto de uma deputada udenista, a fim de incentivar a participao de
todos os credos, mas significou a perda, por parte dos setores apenas cat licos do controle
exclusivo do movimento.
A hegemonia poltica da UCF em So Paulo, da CAMDE no Rio de Janeiro e da
LIMDE em Belo Horizonte no se converte, no entanto, em hegemonia ideolgica, o que
implica dizer que as camadas mdias tradicionais tm de compartilhar (de boa vontade, alis)
com os setores de elite, representados no IPES, suas plataformas. A recusa do totalitarismo
(anticomunismo) e do governo irresponsvel (antipopulismo) servir para ambos. A frase
estampada no cartaz T chegando a hora de Jango ir embora funciona assim como uma
senha para exprimir duas reivindicaes: a defesa da ordem contra as reformas e a defesa da
democracia contra o totalitarismo. Para os setores de elite (a SRB, por exemplo), a
manuteno da ordem, nesse caso especfico, implica em adiar as reformas, principalmente a
da propriedade da terra, para faz-las somente dentro da legalidade constitucional (i.e., no
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faz-las). A preservao da democracia, por seu turno, no certamente a preservao pura e
simples do regime atual (populista). Essa palavra de ordem um dique que se levanta
contra o comunismo e seu rosrio de males totalitrios: o partido nico, a propriedade
coletiva, o controle estrito da vida social e o fim das liberdades individuais. Mas tambm
uma comporta que se abre para uma sorte de democracia que foi o regime dos sonhos do
conservantismo brasileiro entre 1945 e 1964: uma frmula poltica ao mesmo tempo
antipopular (porque destinada a reprimir as reivindicaes irresponsveis) e antipopulista
(porque pretende ser imune demagogia e corrupo).
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Atas da Associao Comercial do Paran (ACOPA), de 8 a 23 de mar. de 1964.
Atas da Federao das Indstrias do Paran (FIEP), 1 de abr. de 1964.
Atas do Sindicato dos Empregados do Comrcio de Curitiba, 6 de abr. de 1964.
3. Entrevistas
Dalila de Castro Lacerda (fundadora da UCFPR), em 25 jan. 2001.
Heron Arzua (advogado), em 12 mar. 2001.Luiz Geraldo Mazza (jornalista), em 19 jan. 2001.
Noel Lobo Guimares (empresrio), em 9 abr. 2001.
Raymundo Negro Torres (militar), em 4 maio 2003.
Rosy Pinheiro Lima (fundadora da UCFPR), em 29 jan. 2001.
4. Jornais e revistas
Correio da Manh, 1 abr. 1964.
Folha de S. Paulo, 20 mar. 1964; 1 abr. 1984; 20 jan. 2004
Folha do Comrcio, 2 a 8 mar. 1964; 30 mar. 5 de abr. 1964
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Jornal do Brasil, 31 mar. 1964.
O Estado de Minas, 5 abr. 1964.
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O Estado do Paran, 25 de mar. de 1964.
O Globo, 2 abr. 1964.
Revista Panorama, abr. 1964.
1 Este ensaio resultado parcial da pesquisa integrada Instituies e comportamento poltico no Brasilcontemporneo: o Paran em perspectiva histrica desenvolvida no Ncleo de Pesquisa em Sociologia PolticaBrasileira na Universidade Federal do Paran (UFPR). Agradecemos ao General Raymundo Negro Torres acesso dos recortes dos jornais O Estado de Minas, Correio da Manh e O Globo e ao Professor Paulo RobertoNeves Costa as crticas e os reparos primeira verso do artigo.2ApudCARONE, Edgard. A Quarta Repblica (1945-1964). Vol. 1 documentos. So Paulo/Rio de Janeiro:Difel, 1980, p. 249.
3 Cf. CARDOSO, Fernando Henrique. Associated-Dependent Development: Theoretical and PracticalImplications. In: STEPAN, Alfred. (ed.). Authoritarian Brazil: Origins, Policies and Future. New Haven andLondon: Yale University Press, 1973, p. 142-176; e O'DONNELL, Guillermo. Reflexiones sobre las tendenciasde cambio del Estado burocrtico-autoritario. Revista Mexicana de Sociologa, Mxico, vol. 39, n. 1, enero-marzo 1977. Ainda que ligeiramente diferentes entre si, os autores sustentam que a continuidade do processo deacumulao capitalista na Amrica Latina exigiu a desarticulao dos mecanismos de participao poltica dasclasses populares e sua substituio por novas formas autoritrias de regulao social. Para uma crtica empricaao argumento de ODonnell, v. SERRA, Jos. As desventuras do economicismo: trs teses equivocad as sobre aconexo entre autoritarismo e desenvolvimento. In: COLLIER, David. (org.). O novo autoritarismo na AmricaLatina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 101-153. Sobre o funcionalismo dessas abordagens cf.HIRSCHMAN, Albert O. A mudana para o autoritarismo na Amrica Latina e a busca de seus determinanteseconmicos. In: COLIER, David. (org.). O novo autoritarismo na Amrica Latina, op. cit, p. 65-100.4
Cf. SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Sessenta e quatro: anatomia da crise. Rio de Janeiro: Vrtice/Ed.Revista dos Tribunais, 1986. O argumento do autor basicamente o seguinte: a crise de 1964 resulta do colapsodo sistema poltico i.e., da radicalizao poltica (no sistema partidrio) e da polarizao ideolgica (noparlamento federal) que, somadas, impediam o Congresso e o Executivo (sem apoio poltico estvel) deproduzirem decises.5 A bibliografia sobre o assunto imensa. A fim de ilustrar nosso ponto de vista, citamos apenas alguns dostrabalhos mais representativos (ou atuais) de cada tendncia explicativa. Respectivamente, cf.: GASPARI, Elio.A ditadura envergonhada. So Paulo: Companhia das Letras, 2002; FIGUEIREDO, Argelina Cheibub.Democracia ou reformas? Alternativas democrticas crise poltica: 1961-1964. So Paulo: Paz e Terra, 1993;TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o golpe de 64 . 15a ed. So Paulo: Brasiliense, 1993. Um bomlevantamento das referncias sobre o golpe de 1964 pode ser lido em: TRPIA, Patrcia. Bibliografia sobre ogolpe de 64. In: TOLEDO, Caio Navarro de (org.). 1964 vises crticas do golpe: democracia e reformas no
populismo. Campinas: Editora da UNICAMP, 1997, p. 161-166. Um estudo da literatura da dcada de sessentasobre o golpe, e que tem a vantagem de classificar o tipo de explicao oferecida para o evento, : SOUZA,Amaury de. Maro ou abril? Uma bibliografia comentada sobre o movimento poltico de 1964 no Brasil. In:CARVALHO, Nanci Valadares de (org.). Trilogia do terror. A implantao: 1964. So Paulo: Vrtice, 1988, p.193-212. Glucio Ary Dillon Soares analisa as explicaes acadmicas para o golpe militar de 1964 e asconfronta com a viso que os prprios militares ofereceram da conspirao, do golpe e do regime ditatorial. Cf.O golpe de 64. In: SOARES, Glucio Ary Dillon & DARAJO, Maria Celina (orgs.). 21 anos de regimemilitar: balanos e perspectivas. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1994, p. 9-51.6 V., por exemplo, SOARES, Glucio Ary Dillon. Ideologia e participao poltica estudantil. In: BRITTO, S.(org). Sociologia da juventude. Rio de Janeiro: Zahar, 1968; MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. Brizola e otrabalhismo. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1979; MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. O governo JooGoulart: as lutas sociais no Brasil (1961-1964). Rio de Janeiro: Revan; Braslia: EdUnb, 2001; NEVES, Lucliade Almeida. CGT no Brasil (1961-1964). Belo Horizonte: Vega, 1981; RIDENTI, Marcelo. O fantasma da
revoluo. So Paulo: Unesp, 1987; MORAES, Denis de. A esquerda e o golpe de 1964vinte e cinco anosdepois, as foras populares repensam seus mitos, sonhos e iluses. Rio de Janeiro: Espao e Tempo, 1989.
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7 Os trabalhos destacados e de maior flego at o momento so: DREIFUSS, Ren Armand. 1964: a conquistado Estado. Ao poltica, poder e golpe de classe. Petrpolis: Vozes, 1981; SIMES, Solange. Deus, ptria efamlia. Petrpolis: Vozes, 1985; STARLING, Helosa Maria Gurgel. Os senhores das Gerais. Os novosinconfidentes e o golpe de 1964. Petrpolis: Vozes, 1986.8
O nmero encontra-se em DREIFUSS, Ren Armand. 1964: a conquista do Estado, op. cit., p. 297.9 Cit. a partir do verbete MARCHA DA FAMLIA COM DEUS PELA LIBERDADE. Dicionrio Histrico-Biogrfico Brasileiro ps-1930. FGV-CPDOC. CD-ROM. 2000.10 QUARTIM DE MORAES, Joo. O colapso da resistncia militar ao golpe de 64. In: TOLEDO, Caio Navarrode (org.). 1964 vises crticas do golpe: democracia e reformas no populismo. Campinas: Editora daUNICAMP, 1997, p. 129, grifos nossos. Sobre o IPES (e seu congnere, o IBAD Instituto Brasileiro de AoDemocrtica), v. DREIFUSS, Ren Armand. 1964: a conquista do Estado, op. cit.11 A Marcha da Famlia foi realizada em So Paulo em 19 de maro e em Santos e Curitiba no dia 24. No Rio, odesfile conservador tornou-se A Marcha da Vitria em 2 de abril. A passeata estava progra mada para PortoAlegre no dia 3. Alguns dias mais tarde, comemorou-se o golpe em Juiz de Fora. Em 7 de abril os conservadoresmarcharam em Natal. Em Belo Horizonte e Niteri a Marcha ocorreu em maio. V., para as ltimas datas
SIMES, Solange. Deus, ptria e famlia, op. cit., p. 105.12Tribuna da Imprensa, 14 mar. 1964. Um noticirio mais ameno sobre o comcio da Central pode ser lido em OGlobo: o jornal no mencionou o anncio de dois decretos presidenciais um que declarava as terras situadasjunto s estradas de rodagem ou das ferrovias como suscetveis de desapropriao, e outro que nacionalizavarefinarias de petrleo mas destacou que a Sra. Maria Teresa Goulart trajava um vestido azul -piscina,apresentava um penteado que lhe prendia os cabelos no alto [...] e chegou sorrindo ao palanque. Treze oradoresfalaram no Comcio das Reformas. O Globo, 14 mar. 1964.13 Ressurge a democracia. Editorial do jornal O Globo, 2 abr. 1964, grifos nossos.14Expresso retirada de O dever dos militares. Editorial de O Estado de Minas, 5 abr. 1964.15 A declarao pode ser lida em: Para um Brasil melhor. So Paulo: APEC, s.d. ApudTOLEDO, Caio Navarrode. A derrota inglria de uma poltica de conciliaes. Folha de S. Paulo, 1 abr. 1984, suplemento dominical
Folhetim.16 Carlos Lacerda, entrevista a O Estado de S. Paulo, 30 jan. 1962. ApudCARONE, Edgard. A Quarta Repblica(1945-1964), op. cit., p. 249, grifos nossos.17 SODR, Nelson Werneck. Era o golpe de 64 inevitvel? In: TOLEDO, Caio Navarro de (org.). 1964 visescrticas do golpe, op. cit., p. 107.18 GORENDER, Jacob. Era o golpe de 64 inevitvel? In: TOLEDO, Caio Navarro de (org.). 1964 visescrticas do golpe, op. cit., p. 112. Essa discusso se era o golpe de 64 evitvel ou no menos bizantina doque parece. No um exerccio de histria contrafactual porque est fundamentada em evidncias objetivas eque permitem hipteses vlidas e concluses (passveis de discusso, evidentemente). Assim, por exemplo, bastante difundida na literatura recente a opinio, resumida por Quartim de Moraes, segundo a qual Goulartdispunha de meios militares de resistncia, sendo portanto as razes efetivas do resultado final polticas esociais. No perodo janeiro-fevereiro-maro as divises das foras democrticas e nacionalistas que apoiavamGoulart (conforme Gorender), de um lado, e, de outro, o desequilbrio na correlao poltica de foras nasociedade brasileira a favor dos golpistas (conforme Quartim de Moraes) contribuiu decisivamente para osucesso do golpe de Estado. V. QUARTIM DE MORAES, Joo. O colapso da resistncia militar ao golpe de 64.In: TOLEDO, Caio Navarro de (org.). 1964 vises crticas do golpe, op. cit., p. 127-128.19 TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o golpe de 64, op. cit. , p. 12.20 ALMEIDA, Alberto Carlos. O perodo parlamentarista republicano: instituies hbridas e oposio ao sistemade governo. Revista de Sociologia e Poltica, Curitiba, n. 4/5jun/nov. 1995, p. 145. O resultado do plebiscito(9.457.448 votos a favor do presidencialismo e 2.073.582 a favor do parlamentarismo) destacou, nestaconjuntura precisa, o isolamento e a falta de apoio popular dos setores conservadores.21 FIGUEIREDO, Argelina Cheibub. Democracia ou reformas?, op. cit., p. 183.22
Cf. O discurso de 13 de maro de 1964. In: CARONE, Edgard. A Quarta Repblica (1945-1964), op. cit, p.234. Goulart referia-se provavelmente maneira como as mineiras da Liga da Mulher pela Democracia(LIMDE), que de teros nas mos, haviam impedido Leonel Brizola (ento governador do Rio Grande do Sul e
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8/7/2019 Codato, Adriano; OLIVEIRA, M. R. de . A Marcha, o Tero e o Livro: catolicismo conservador e ao poltica na conju
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A Marcha, o Tero e o Livro: catolicismo conservador e ao poltica na conjuntura do golpe de 1964.30
cunhado do Presidente Goulart) de discursar pelas reformas de base. SIMES, Solange. Deus, ptria e famlia,op. cit., p. 93.23 30 anos depois. Editorial do jornal O Estado de S. Paulo, 31 mar. 1994, p. A3. Depois do Comcio da Centrale depois principalmente do discurso no Automvel Clube o tema da legalidade tornou-se crtico. Na edio doJornal do Brasilde 31 de maro se podia ler: O Presidente da Repblica sente -se bem na ilegalidade. Est nelae ontem nos disse que vai continuar nela, em atitude de desafio ordem constitucional, aos regulamentosmilitares e ao Cdigo Penal Militar. Ele se considera acima da lei. Mas no est. Quanto mais se afunda nailegalidade, menos forte fica a sua autoridade. Editorial. Jornal do Brasil, 31 mar. 1964.24 Panfleto convocando para a concentrao popular em 13 de maro na Praa da Repblica. Arquivo Augustodo Amaral Peixoto / AAP ver 64 1964.02.19 doc 2 / CPDOC/FGV.25Famlias em passeata exigiam que os militares assumissem a desgastante tarefa de restaurar a democracia,preservar as instituies, restabelecer a normalidade democrtica e pr fim descomedida aventura ideolgicaque atordoava o Pas. Exrcito Brasileiro. 37 Aniversrio da Revoluo de 31 de maro de 1964. Disponvel naInternet.http://www.exercito.gov.br/NE/2001/03/9817/revol817.htm Acesso em 19 de janeiro de 2004.26 DREIFUSS, Ren Armand. 1964: a conquista do Estado, op. cit, p. 291 e 294.27
DREIFUSS, Ren Armand. 1964: a conquista do Estado, op. cit, p. 294-295. De forma mais sofisticada, masbastante prxima interpretao de Dreifuss, Saes v nas campanhas cvicas e nas manifestaes pblicas, emresposta ascenso do movimento popular (a principal delas a manifestao antigovernamental de 19 de maroem So Paulo), movimentos de massa da alta classe mdia liberal criados, organizados e dirigidos pelasfraes mais reacionrias da classe dominante (a burguesia comercial e os proprietrios fundirios) destinados acriar um clima poltico favorvel interveno militar. SAES, Dcio. Classe mdia e poltica no Brasil (1930 -1964). In: FAUSTO, Boris (org.), Histria geral da civilizao brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano, 3oVol. Sociedade e Poltica (1930-1964). 5a ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, p. 499-501.28 O golpe armado civil-militar: proclamao de Magalhes Pinto (1/4/1964). ApudCARONE, Edgard. A QuartaRepblica (1945-1964), op. cit., p. 266.29 SAES, Dcio. Classe mdia e sistema poltico no Brasil . So Paulo: T.A. Queiroz, 1984, p. 107.30 As duas