cléia demétrio pereira · 2020. 7. 7. · cléia demétrio pereira doutoramento em ciências da...
TRANSCRIPT
-
fevereiro de 2019UM
inho
|201
9
Cléia Demétrio Pereira
Políticas de inclusão escolar: um estudo comparativo entre Brasil e Portugal ao nível da diferenciação curricular na educação básica
Clé
ia D
emét
rio P
erei
ra
Po
lític
as
de
incl
usã
o e
sco
lar:
um
est
ud
o
com
pa
rati
vo e
ntr
e B
rasi
l e P
ort
ug
al a
o
nív
el d
a d
ife
ren
cia
ção
cu
rric
ula
r n
a
ed
uca
ção
bá
sica
Universidade do MinhoInstituto de Educação
-
Trabalho efetuado sob a orientação do Professor Doutor José Augusto de Brito Pacheco e daProfessora Doutora Geovana Mendonça Lunardi Mendes
Tese de Doutoramento em Ciências da EducaçãoEspecialidade em Desenvolvimento Curricular
fevereiro de 2019
Cléia Demétrio Pereira
Políticas de inclusão escolar: um estudo comparativo entre Brasil e Portugal ao nível da diferenciação curricular na educação básica
Universidade do MinhoInstituto de Educação
-
iii
DECLARAÇÃO DE INTEGRIDADE
Declaro ter atuado com integridade na elaboração da presente tese. Confirmo que em todo o trabalho
conducente à sua elaboração não recorri à prática de plágio ou a qualquer forma de falsificação de
resultados.
Mais declaro que tomei conhecimento integral do Código de Conduta Ética da Universidade do Minho.
Universidade do Minho, 19 de fevereiro de 2019 Nome completo: Cléia Demétrio Pereira Assinatura: _____________________________
-
iv
-
v
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho às pessoas presentes e ausentes que, em algum momento da minha vida pessoal, profissional e acadêmica deixou motivos para eu seguir...
-
vi
-
vii
É necessário aprofundar o caminho de um conhecimento rigoroso e informado das questões educativas, reconhecendo que temos muito a ganhar com novas perspectivas que enriqueçam o debate, mas sem renunciarmos à nossa própria posição e palavra. O campo da educação, e de um conhecimento sobre a educação, nunca foi tão disputado como hoje. É preciso compreender a importância do conhecimento que vem “de fora”, mas é preciso também reforçar e consolidar, “de dentro”, a investigação científica em educação (Nóvoa, 2018, p. 11).
-
viii
-
ix
AGRADECIMENTOS
Quero expressar aqui minha profunda GRATIDÃO a tantas pessoas que, de algum modo, foram
importantes neste percurso de formação e contribuíram, direta ou indiretamente, para que eu
finalizasse essa tese de doutoramento com êxito. E pelo tratado de Gratidão, segundo os ensinamentos
de São Tomás de Aquino, quero agradecer a cada um e a cada uma, no nível mais profundo da
formulação portuguesa, o sentido que expressa dizer à vocês MUITO OBRIGADA! O sentimento que nos
vincula e nos compromete em retribuir cada vez mais com e para o outro.
Dito isso, tenho um agradecimento muito especial à Profa. Dra. Geovana Mendonça Lunardi
Mendes, que além de uma grande referência na minha vida acadêmica e profissional, junto da Profa.
Dra. Luciane Mulazani dos Santos, a quem também agradeço carinhosamente, dedicaram esforços na
idealização e concretização desse projeto de formação no âmbito da UDESC, que oportunizou a
obtenção de mais esta conquista.
À vocês Professoras Geovana e Luciana, quero dizer OBRIGADA, mil vezes OBRIGADA, por todo
empenho, competência e profissionalismo ao longo desses anos na coordenação do projeto, tornando
nossos sonhos uma realidade! Vocês conseguiram ampliar nossos horizontes, conhecer culturas, viver
momentos de intensas alegrias e também de desafios, avançar em nossos estudos, aprofundar e
construir conhecimentos, e ainda, viver momentos incríveis ao brinde de um bom vinho! Que esse
vínculo de gratidão ecoe eternamente!
Aos meus orientadores, Prof. Dr. José Augusto Pacheco (UMinho/PT) e Profa. Dra. Geovana
Mendonça Lunardi Mendes (UDESC/BR), que juntos se tornaram minhas referências por excelência,
como pesquisadores, professores e parceiros dessa grande caminhada! Além disso, vocês
transformaram essa oportunidade numa linda viagem que atravessou o Oceano Atlântico e se vinculou
à histórias medievais, diversidades culturais, pessoas, identidades, acolhida, enfim, experiências que
jamais esquecerei! À vocês, minha profunda gratidão!
À UDESC, minha gratidão que se materializa nas pessoas que tiveram a coragem de acatar,
conduzir e pôr em movimento esse projeto de formação coletiva, em convênio com a UMinho/PT,
particularmente, nas pessoas do Prof. Dr. Antonio Heronaldo de Sousa e do Prof. Dr. Marcus Tomasi.
Meus agradecimentos ao Professor José Carlos Morgado, Professor de um grande carisma,
competente e muito comprometido com o percurso e a formação de cada um de nós que participamos
deste desafio no doutorado. Suas intervenções foram significativas para nos manter firmes em nossos
propósitos.
Aos amigos e amigas deste seleto grupo de doutorado, Gabriela, Lidiane, Maria Helena,
Carmen, Alfredo, Rafael, Fabio, Fabíola, Marnei, Pedro, Eliane, João e Graciela, que diante de tantos
desafios, nos tornamos fortes, pelo apoio, atenção e cuidado que tivemos nesta longa jornada! Cada
encontro, sorriso e abraços foram edificantes nesse período! Valeu gente linda!
Aos Professores Pesquisadores do Instituto de Educação da UMinho, Bento Silva, Maria Altina
Ramos, Isabel Viana, Maria Palmira, Maria João, Licínio Lima, António Osório, Lenadro, Lia
Raquel e tantos outros que se tornaram luz em nossa caminhada e com grandes
ensinamentos.
-
x
Às queridas Professoras Dra. Márcia Denise Pletsch, Dra. Fabiany de Cássia Tavares e Dra.
Regina Hostins, pela parceria nos projetos de pesquisas vinculados ao OPE/UDESC, pelos incentivos,
indicações de leituras e dicas preciosas que se tornaram fundamentais para esta construção.
Aos professores e gestores participantes desse estudo, meu carinho e gratidão pela acolhida,
disponibilidade e a oportunidade de realizar a investigação. Foram momentos importantes de muito
aprendizado que guardarei com muito zelo e retidão.
Aos colegas integrantes do OPE/UDESC, pelas trocas constantes, estudos partilhados, debates
e construção de conhecimentos, e, principalmente, pelas amizades construídas no decurso dessa
trajetória, especialmente, as queridas amigas Yasmin Pires e Wiltiane Pereira, que estiveram muito
presente com seus apoios e contribuições, que somaram na edificação dessa tese.
À Camila Gin, Josiane, Suellin, Camila Lima e Gabriela Cristina, acadêmicas que caminharam
comigo e que, em algum momento, me deram o suporte necessário para eu seguir firme em cada
etapa da pesquisa.
À todos os colegas do Centro de Educação a Distância – CEAD/UDESC que nos apoiaram,
meu agradecimento especial, por todo carinho e incentivo durante este período intenso de formação.
Às queridas amigas “Mulheres Maravilhosas” que compõem o grupo “MM”, pelos momentos
alegres de nossos encontros, das boas conversas, das nossas risadas contagiantes, das jantas
especiais sempre preparadas com muito carinho!
Aos meus familiares uma gratidão imensurável, por todo apoio e compreensão dos momentos
em família que não pude estar presente, mas que continuam sendo meu maior porto seguro.
OBRIGADA por tudo!
Referencio à meus pais Marina e Marcolino (in memoriam) uma gratidão eterna, pelo legado
da vida e ensinamentos que trago comigo até hoje, pois, tudo é possível quando estamos dispostos a
lutar com seriedade e trabalho por nossas conquistas.
Um agradecimento especial aos meus filhos Gabriel e Helena, por entenderem os momentos
de ausência durante o estudo e paciência nos momentos mais exigentes e conturbados dessa jornada!
Finalmente, ao meu amado esposo Claison, meu companheiro de toda hora, meu suporte para
todas as situações e maior incentivador dessa formação. Seu amor constante, carinho e apoio nos
momentos mais felizes e também angustiantes foram essenciais. Essa conquista é nossa, porque mais
uma vez você assumiu este projeto como nosso, com muito zelo e paciência. Sou profundamente grata
por tudo! Obrigada!!!
-
xi
POLÍTICAS DE INCLUSÃO ESCOLAR: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE BRASIL E PORTUGAL AO NÍVEL DA DIFERENCIAÇÃO CURRICULAR NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Cléia Demétrio Pereira
Doutoramento em Ciências da Educação - Desenvolvimento Curricular
Universidade do Minho, 2019
Resumo
Esta tese objetivou analisar o contexto das políticas de inclusão escolar dos âmbitos brasileiro e
português ao nível da diferenciação curricular e das práticas curriculares em sala de aula da educação
básica, sob o olhar da escolarização de alunos com deficiência intelectual/déficit cognitivo,
considerados incluídos. O estudo empírico envolveu duas escolas públicas, uma no Brasil da rede
municipal de Florianópolis/SC e outra em Portugal, pertencente a um agrupamento de escolas do
concelho de Braga realizado com quatro turmas dos anos iniciais e do primeiro ciclo, duas em cada
escola e realidade nacional.
Para responder a questão de investigação como Brasil e Portugal têm organizado, em termos de
políticas de inclusão escolar e práticas curriculares, a escolarização de alunos com deficiência
intelectual/déficit cognitivo na educação básica, ao nível da diferenciação curricular, o estudo contou
com a pesquisa qualitativa e quantitativa e estudo de casos múltiplos que foram subsidiados pelos
dados empíricos recolhidos mediante a pesquisa documental que viabilizou o estudo comparativo das
políticas de inclusão escolar nos contextos investigados, vigentes entre o período de 2008 e 2016,
dada a ênfase do uso frequente dos pressupostos da educação inclusiva no ápice da globalização que
teve seus efeitos localmente nesses países.
Os dados empíricos resultantes da entrevista semiestruturada e observação focada das práticas
curriculares buscou compreender a relação existente entre os discursos textuais das políticas de
inclusão escolar e seus reflexos na atuação dos profissionais educativos que as colocam em
movimento no processo de escolarização contexto da escola, tendo em conta a diferenciação curricular
como um princípio organizador da educação escolar, mais precisamente, na sala de aula, os quais
foram submetidos à análise temática configurada pela análise de conteúdo (Bardin, 2016), além da
abordagem do ciclo de políticas (Bowe; Ball & Gold, 1992) e da teoria de atuação das políticas (Ball;
Maguire & Braun, 2016). As análises empreendidas nos resultados dessa investigação foram
subsidiadas por um quadro teórico consistente sobre os conceitos ligados ao currículo, a cultura
escolar e a seleção do conhecimento válido do que se deve ensinar e aprender na escola, e ao conceito
-
xii
de diferenciação curricular como um importante mecanismo para a ampliação das possibilidades de
justiça curricular nos percursos de escolarização de alunos com deficiência intelectual/déficit cognitivo.
As fronteiras comparativas das políticas de inclusão escolar e das práticas curriculares ao nível
da diferenciação curricular têm oficializado prescrições curriculares orientadas pelas políticas
internacionais desde a década de 1990, impulsionadas pela consolidação de acordos internacionais
pelo movimento da educação inclusiva e que influenciam, fundamentalmente, as decisões tomadas
nos sistemas educativos nacionais, bem como, tendenciam a uniformização das mesmas. Entretanto,
ao serem colocadas em atuação no contexto das práticas curriculares da escola comum, nem sempre
refletem o mesmo movimento para a ação, considerando que algumas são menos prescritivas que
outras e são interpretadas e traduzidas na prática conforme a realidade que cada um possui. Com
efeito, as decisões das políticas de inclusão escolar tomadas em âmbito nacional podem não ser justas
para todos os alunos.
Seguir com o ideário da educação inclusiva nos sistemas educativos que privilegie a educação
de todos e para todos faz-se necessário levar em conta a diferenciação curricular, para uma educação
menos uniformizada e mais democrática, como a expressão mais real da justiça curricular para os
alunos que têm sido chamados de incluídos nas escolas comuns e que permanecem em sala de aula,
muitas vezes, sem evoluir no acesso aos conhecimentos escolares como um direito válido para todos.
Por isso, a tese empreendida nesta investigação defende a inclusão escolar nas escolas de ensino
comum, ancoradas pela diferenciação curricular nas dimensões da redistribuição, do reconhecimento e
da representação/participação efetiva dos processos de escolarização, como a expressão mais
concreta para a promoção da justiça curricular aos alunos com deficiência intelectual/déficit cognitivo.
Palavras-chaves: Políticas de Inclusão Escolar. Diferenciação Curricular. Justiça Curricular.
Escolarização. Educação Básica.
-
xiii
POLICIES OF SCHOOL INCLUSION: A COMPARATIVE STUDY BETWEEN BRAZIL AND PORTUGAL AT THE LEVEL OF CURRICULAR DIFFERENTIATION IN BASIC EDUCATION
Cléia Demétrio Pereira
PhD in Education Sciences - Curriculum Development
University of Minho, 2019
Abstract
This thesis aimed at analyzing the context of Brazilian and Portuguese school inclusion policies
at the level of curriculum differentiation and curricular practices in the basic education classroom,
considering the schooling of students with intellectual disability/cognitive deficit, considered included.
The empirical study involved two public schools, one in Brazil in the municipal network of
Florianopolis/SC and the other in Portugal, belonging to a grouping of schools in the county of Braga
carried out with four classes of the initial years and first cycle, two in each school and national reality.
In order to answer the research question as Brazil and Portugal have organized, in terms of
policies of school inclusion and curricular practices, the schooling of students with intellectual
deficiency/cognitive deficit in basic education, in terms of curricular differentiation, the study relied on
the qualitative and quantitative research, and multiple case studies that were subsidized by the
empirical data collected through the documentary research that enabled the comparative study of the
policies of school inclusion in the contexts investigated, in force between the period of 2008 and 2016,
given the emphasis on the frequent use of the assumptions of "inclusive education" at the height of
globalization that had its effects locally in those countries.
The empirical data resulting from the semi-structured interview and focused observation of the
curricular practices sought to understand the relationship between the textual discourses of the policies
of school inclusion and their reflexes in the performance of the educational professionals that put them
in movement in the schooling process in the school context, (Bardin, 2016), as well as the policy cycle
approach (Bowe, Ball & Gold, 1992) and the theory of policy performance (Ball, Maguire & Braun,
2016). The analyzes undertaken in the results of this research were subsidized by a consistent
theoretical framework on the concepts related to curriculum, school culture and the selection of valid
knowledge of what to teach and learn in school, and the concept of curriculum differentiation as an
important mechanism for the expansion of the possibilities of curricular justice in the pathways of
schooling of students with intellectual deficiency/cognitive deficit.
-
xiv
The comparative frontiers of policies for school inclusion and curricular practices in terms of
curricular differentiation have made official curricular prescriptions oriented by international policies
since the 1990s, driven by the consolidation of international agreements by the inclusive education
movement and that fundamentally influence decisions national education systems, as well as, tend to
standardize them. However, when they are put into action in the context of the curricular practices of
the common school, they do not always reflect the same movement for action, considering that some
are less prescriptive than others and are interpreted and translated in practice according to the reality
that each one has. Indeed, decisions of national inclusion policies taken at the national level may not be
fair to all pupils.
Following the ideals of inclusive education in educational systems that privilege education for all
and for all, it is necessary to take into account the curricular differentiation, to a less uniform and more
democratic education, as the most real expression of curricular justice for students which have been
called included in common schools and which remain in the classroom, often without evolving access
to school knowledge as a valid right for all. Therefore, the thesis undertaken in this research defends
the inclusion of schooling in schools of common education, anchored by the curricular differentiation in
the dimensions of redistribution, recognition and effective representation/participation of schooling
processes, as the most concrete expression for the promotion of justice to students with intellectual
disability/cognitive deficit.
Kaywords: School Inclusion Policies. Curricular differentiation. Curricular Justice. Basic education.
-
xv
ÍNDICE GERAL
INTRODUÇÃO ..................................................................................... ........................................ 27
CAPÍTULO I - PROBLEMÁTICA DA INVESTIGAÇÃO E ESTADO DA ARTE ........................................ 37
1.1 O contexto do tema: motivações e definição da problemática de investigação .............. 37
1.1.1 Definição do problema e objetivos da investigação ............................................... 40
1.2 Estado da arte: um mapa de produções científicas nos contextos português e
brasileiro .....................................................................................................................
42
1.2.1 Definição dos descritores e escolha das fontes de pesquisa nos âmbitos
português e brasileiro ..........................................................................................
42
1.2.1.1 O mapa de produções acadêmicas sobre ‘políticas de inclusão escolar e
práticas curriculares na educação básica’ .................................................
44
1.2.1.2 O mapa de produções acadêmicas com o descritor ‘estudos do currículo e
inclusão escolar na educação básica’ ........................................................
54
1.2.1.3 O mapa de produções acadêmicas com o descritor ‘diferenciação
curricular, adequações e adaptações curriculares na educação básica’ ….
58
1.3
Considerações sobre o mapeamento das produções acadêmicas para a problemática
de investigação ............................................................................................................
62
CAPÍTULO II - POLÍTICAS DE INCLUSÃO ESCOLAR: UMA ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO VIGENTE
NOS ÂMBITOS PORTUGUÊS E BRASILEIRO NO ÁPICE DA GLOBALIZAÇÃO (2008-2016)
.......................................................................................................................... ..........................
65
2.1 A internacionalização das políticas de educação inclusiva em decurso ........................ 68
2.2 A diferenciação curricular no mapa das políticas de inclusão escolar em Portugal e no
Brasil ........................................................................................................... ................
73
2.2.1 Da identificação das fontes documentais às prescrições oficiais em Portugal para
a educação especial na perspectiva da educação inclusiva ...................................
75
2.2.2 Seleção das fontes documentais no Brasil e suas prescrições oficiais para a
educação especial na perspectiva da educação inclusiva .....................................
83
2.3 Considerações sobre as políticas de educação inclusiva: do texto político ao contexto
da prática curricular da escola comum ........................................................................
93
CAPÍTULO III – CURRÍCULO, CONHECIMENTO E CULTURA ESCOLAR: ALINHAVANDO UM
PERCURSO HISTÓRICO DO QUE ENSINAR NA ESCOLA ................................................................
99
3.1 Um debate teórico sobre os estudos do currículo ......................................................... 100
3.2 O currículo na educação escolar: o paradoxo de um conceito ....................................... 104
-
xvi
3.3 Currículo e cultura escolar: um debate necessário na seleção do conhecimento
escolar ............................................................................................... .........................
110
3.4 Seleção cultural do que é válido ensinar na escola: possibilidades e limites de acesso
ao conhecimento escolar .............................................................................................
125
3.5
Cultura escolar e inclusão: desvencilhando caminhos na escolarização de alunos com
deficiência ...................................................................................................................
136
CAPÍTULO IV – DIFERENCIAÇÃO CURRICULAR: DO CONCEITO AO SENTIDO DE JUSTIÇA
CURRICULAR NA ESCOLARIZAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA NA ESCOLA COMUM ...........
143
4.1 Diferenciação: a gênese de um conceito na educação escolar ...................................... 144
4.1.1 Diferenciação curricular: o princípio organizador dos processos de escolarização
na educação básica ..............................................................................................
148
4.2 As práticas curriculares em sala de aula: o espaço comum da escolarização do
individual e do coletivo ................................................................................. ................
156
4.3 Justiça curricular na inclusão de alunos com deficiência intelectual/déficit cognitivo
nos processos de escolarização ...................................................................................
160
CAPÍTULO V - CAMINHO METODOLÓGICO ................................................................................... 169
5.1 Natureza do estudo ........................................................................................ .............. 169
5.1.1 A pesquisa qualitativa e quantitativa em educação ............................................... 169
5.1.2 Um estudo de casos múltiplos ............................................................................... 171
5.2 Abrangência do estudo: sujeitos, amostra e seleção dos participantes ......................... 174
5.2.1 Contexto educacional brasileiro: identificação e caracterização dos sujeitos …... 175
5.2.2 Contexto educativo português: identificação e caracterização dos sujeitos ......... 177
5.3 Técnicas de recolha de dados ...................................................................................... 179
5.3.1 Inquérito por entrevista ............................................................................. ........... 181
5.3.2 A observação em sala de aula ............................................................................... 183
5.3.3 Os documentos como dados de análises ............................................................... 189
5.4 Técnicas de análise de dados ....................................................................................... 191
5.5 Questões éticas da investigação................................................................. ................... 194
CAPÍTULO VI – APRESENTAÇÃO, INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ..................... 197
6.1 Oficialização das prescrições políticas de inclusão escolar no Brasil e em Portugal: as
fronteiras comparativas da educação escolar para todos .............................................
198
6.1.1 Organização da educação básica na perspectiva da educação inclusiva:
prescrições políticas para os percursos de escolarização .....................................
203
6.1.2 O contexto político da diferenciação curricular para alunos com deficiência
intelectual/déficit cognitivo: decisões curriculares e prescrições de medidas
-
xvii
educativas ....................................................................................... ..................... 209
6.2 A diferenciação curricular no contexto comparativo da inclusão escolar no Brasil e em
Portugal .......................................................................................................................
224
6.2.1 A organização curricular no cenário da escola inclusiva brasileira e portuguesa 225
6.2.2 Um comparativo entre os serviços de educacionais especializados em interface
com o ensino da sala de aula ................................................................................
237
6.3 Justiça curricular e a distribuição do conhecimento em sala de aula: a escolarização
de alunos com deficiência intelectual/déficit cognitivo .................................................
248
6.3.1 As marcas do aprender no tempo e espaço da escola: a diferenciação pedagógica
na distribuição dos conhecimentos escolares em sala de aula ..............................
249
6.3.2 A arte de atuar com o currículo comum no contexto plural da sala de aula: em
busca de uma justiça curricular na inclusão escolar de alunos com deficiência
intelectual/déficit cognitivo ..................................................................................
266
6.4 Considerações sobre as análises dos resultados da investigação ................................. 277
CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 281
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. ............... 293
APÊNDICES ................................................................................................................................ 315
Apêndice 1 - Carta de Apresentação ........................................................................................... 316
Apêndice 2 - Termo de Consentimento livre e esclarecido – A ..................................................... 317
Apêndice 3 - Termo de Consentimento livre e esclarecido – B ..................................................... 318
-
xviii
-
xix
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1 - Teses de doutorado selecionadas por autor e instituição de vinculação nos repositórios português e brasileiro com o uso do descritor ‘políticas de inclusão escolar e práticas curriculares na educação básica’ .......................
45 Quadro 2 - Dissertações de mestrado selecionadas por autor e instituição de
vinculação, em repositórios português e brasileiro, com o descritor ‘políticas de inclusão escolar e práticas curriculares na educação básica’ ...................
47 Quadro 3 - Artigos científicos selecionados por autor em repositórios português e
brasileiro, com o descritor ‘políticas de inclusão escolar e práticas curriculares na educação básica’ .................................................................
50 Quadro 4 - Dissertações de mestrado, selecionadas por autor e por instituição de
vinculação, em repositórios português e brasileiro com o descritor ‘estudos do currículo e inclusão escolar na educação básica’ ....................................
55 Quadro 5 - Artigos científicos em educação, selecionados por autor em repositórios
português e brasileiro com o descritor ‘estudos do currículo e inclusão escolar na educação básica’ .......................................................................
56 Quadro 6 - Dissertações de mestrado selecionadas por autor e instituição de
vinculação, em repositórios português e brasileiro com o descritor ‘diferenciação curricular, adequações e adaptações curriculares na educação básica’ ........................................................................................
59 Quadro 7 - Artigos científicos selecionados por autor em repositórios português e
brasileiro com o descritor ‘diferenciação curricular, adequações e adaptações curriculares na educação básica’ ..............................................
61 Quadro 8 - Identificação das políticas nacionais de inclusão em Portugal (2008-2016) .. 75 Quadro 9 - Identificação das políticas de inclusão no Brasil (2008-2016) ...................... 83 Quadro 10 - Sujeitos da entrevista semiestruturada ......................................................... 175 Quadro 11 - Sujeitos da observação em sala de aula ...................................................... 175 Quadro 12 - Guião de questões da entrevista semiestruturada ........................................ 182 Quadro 13 - Guião de indicadores de observação focada não participativa em sala de
aula ............................................................................................................
187 Quadro 14 - Documentos políticos que regulamentam a educação inclusiva no Brasil e
em Portugal ................................................................................................
190 Quadro 15 - Influência das políticas internacionais na formulação de políticas nacionais
(2008-2016) ...............................................................................................
200 Quadro 16 - Níveis de ensino obrigatório no sistema educativo do Brasil e de Portugal .... 203 Quadro 17 - Medidas educativas ao nível da diferenciação curricular no sistema
educativo brasileiro e português ..................................................................
210 Quadro 18 - Principais alterações com a vigência do Decreto-Lei n.º 54/2018 no
contexto das escolas portuguesas ................................................................
221
-
xx
-
xxi
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Crianças e alunos com necessidades especiais de educação a frequentarem escolas regulares de ensino, conforme a natureza do estabelecimento, por NUTS II e nível de educação e ensino - Ano letivo 2015/2016 ...........................
206 Tabela 2 - Alunos com NEE que frequentaram escolas públicas do Ministério da Educação
e recebem apoio nas Unidades Especializadas, por NUTS II e nível de educação e ensino - Ano letivo 2015/2016 ......................................................................
208
-
xxii
-
xxiii
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 - Planisfério político do mundo, com realce aos países Portugal e Brasil ............. 67 Figura 2 - Mapa dos protocolos de assinaturas dos países com a Convenção dos Direitos
das Pessoas com Deficiência no mundo ...........................................................
72
Figura 3 - Medidas educativas previstas para o processo de escolarização de alunos com NEE ................................................................................................................
81
Figura 4 - Principais elementos que compõem a diferenciação curricular ......................... 154 Figura 5 - Contextos de atuação situacional da diferenciação curricular ............................ 155
Figura 6 - Mapa do Brasil ................................................................................................ 176 Figura 7 - Mapa de Santa Catarina .................................................................................. 176 Figura 8 - Mapa de Florianópolis ...................................................................................... 176 Figura 9 - Mapa de Portugal ............................................................................................ 178
Figura 10 - Mapa do Distrito de Braga ............................................................................... 178 Figura 11 - Mapa do concelho Braga ................................................................................ 178 Figura 12 - Mapa da sala de aula 3º AI-EF Brasil ................................................................ 187 Figura 13 - Mapa da sala de aula 4º AI-EF Brasil ................................................................ 187 Figura 14 - Mapa da sala de aula 4º ano 1 – 1º Ciclo Portugal .......................................... 187
Figura 15 - Mapa da sala de aula 4º ano 2 – 1º Ciclo Portugal .......................................... 187 Figura 16 - Ciclo de políticas na educação ......................................................................... 201 Figura 17 - Índices de matrículas do público alvo da educação especial na escola comum . 205 Figura 18 - Níveis de medidas educativas previstas no Decreto-Lei n.º 54/2018 (Portugal,
2018a) ............................................................................................................
223 Figura 19 - Componentes curriculares dos anos iniciais do ensino fundamental da
educação básica – Brasil .................................................................................
225 Figura 20 - Progresso do percurso escolar do ADI-BR₁ expresso em relatório do colegiado
escolar ............................................................................................................
232 Figura 21 - Progresso do percurso escolar da ADI-BR₂ expresso em relatório do colegiado
escolar ............................................................................................................
233 Figura 22 - Componentes curriculares do 1º ciclo do ensino básico – Portugal ................... 234 Figura 23 - Medidas educativas definidas e prescritas no Programa Educativo
Individualizado - PEI .......................................................................................
242 Figura 24 - Atividade pedagógica desenvolvida na UEE na área curricular de Português ...... 243
Figura 25 - Medidas educativas prescritas para as alunas ADC-PT₁, ADC-PT₂ e ADC-PT₃ do 4º ano 1/Portugal ...........................................................................................
245
Figura 26 - Leitura livre de histórias infantis no espaço da sala de aula – 3º AI-EF da EP-BR 250 Figura 27 - Material adaptado para associação de cores e contagem de quantidades
numéricas – 3º AI-EF da EP-BR ........................................................................
251
Figura 28 - Aula de música em sala de aula – 3º AI-EF da EP-BR ....................................... 252 Figura 29 - Aula de educação física no ginásio da escola – 3º AI-EF da EP-BR .................... 253 Figura 30 - Aula de inglês em sala de aula – 3º AI-EF da EP-BR ......................................... 254 Figura 31 - Aula de matemática em sala de aula com o ADI-BR₁ – 3º AI-EF da EP-BR ......... 255 Figura 32 - Atividades de português realizadas em sala de aula com o ADI-BR₁ – 3º AI-EF
da EP-BR .........................................................................................................
256 Figura 33 - Atividades de Português e Matemática realizadas com a ADI-BR₂ – 4º AI-EF da
EP-BR ..............................................................................................................
258 Figura 34 - Atividades relacionadas ao estudo da disciplina de Português – 4º AI-EF da EP-
-
xxiv
BR ................................................................................................................... 259 Figura 35 - Leitura e interpretação de gráficos na aula de Matemática – 4º ano 1 - 1º Ciclo
do ensino básico – Portugal .............................................................................
262 Figura 36 - Aula de Inglês em sala de aula – 4º ano 2 - 1º Ciclo do ensino básico –
Portugal ..........................................................................................................
263 Figura 37 - Atividades de Matemática diferenciada em sala de aula – 4º ano 2 - 1º Ciclo do
ensino básico – Portugal ..................................................................................
265 Figura 38 - Avaliação de Recuperação de Matemática realizada em sala de aula – 4º AI-EF
da EP-BR .........................................................................................................
270 Figura 39 - Avaliação de Português adaptada para a ADC-PT₄ – 4º ano 2 - 1º Ciclo do
ensino básico – Portugal ..................................................................................
275 Figura 40 - Avaliação de Matemática adaptada para a ADC-PT₄ – 4º ano 2 - 1º Ciclo do
ensino básico – Portugal ..................................................................................
276
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Mapa de produções acadêmicas científicas em Portugal e no Brasil ................ 43 Gráfico 2 - Identificação das produções acadêmicas com o uso do descritor ‘políticas de
inclusão escolar e práticas curriculares na educação básica’ no Brasil e em Portugal ..........................................................................................................
44 Gráfico 3 - Identificação das produções acadêmicas a partir do uso do descritor ‘estudos
do currículo e inclusão escolar na educação básica’ .........................................
54 Gráfico 4 - Produções acadêmicas identificadas com o uso do descritor ‘diferenciação
curricular, adequações e adaptações curriculares na educação básica’ ............
58 Gráfico 5 - Frequência de alunos com NEE às unidades de apoio especializado por níveis
de educação e ensino no ano letivo 2015/2016 ..............................................
209
-
xxv
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AAIDD Associação Americana em Deficiência Intelectual e do Desenvolvimento AEC Atividades de enriquecimento curricular AEDEE Agência Europeia para o Desenvolvimento da Educação Especial AEE Atendimento educacional especializado AGEE Agenda Global Estruturada para a Educação AI-EF Anos Iniciais do Ensino Fundamental APA Associação Americana de Psicologia APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais AVD Atividades da vida diária BM Banco Mundial BR Brasil CAA Centro de Apoio à Aprendizagem CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEB Câmara da Educação Básica CEE Conselho Estadual de Educação CEI Currículo Específico Individual Cf Conforme CNE Conselho Nacional de Educação CRI Centro de Recursos para a Inclusão DGE Direção Geral de Educação DGEEC Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência DICEI Diretoria de Currículos e Educação Integral DPEE Diretoria de Políticas de Educação Especial DSM-V Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais DUA Desenho Universal para a Aprendizagem ECA Estatuto da Criança e do Adolescente EJA Educação de Jovens e Adultos ESEIMU Escola Superior de Educadores de Infância Maria Ulrich FAETEC Fundação de Apoio à Escola Técnica FCEE Fundação Catarinense de Educação Especial FENAPAES Federação Nacional das Apaes FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica IE Instituto de Educação INE Instituto Nacional de Estatística INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas IPCB Instituto Politécnico de Castelo Branco IPI Intervenção Precoce Infantil IPL Instituto Politécnico de Lisboa LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LBSE Lei de Bases do Sistema Educativo MEC Ministério da Educação e Cultura MMC Mínimo Múltiplo Comum NEE Necessidades educativas especiais NSE Nova Sociologia da Educação NUTS Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos OBEDUC Observatório Nacional de Educação
-
xxvi
OCDE Cooperação e Desenvolvimento Econômico OPE Observatório de Práticas Escolares ONU Organização das Nações Unidas PDEI Plano de Desenvolvimento Educacional Individualizado PEI Programa Educativo Individual PNEEPEI Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva PISA Programa Internacional de Avaliação de Alunos PIT Planos Individuais de Transição PNE Plano Nacional de Educação PNEE Política Nacional da Educação Especial PPP Projeto Político Pedagógico
PT Portugal
PUC/GO Pontifícia Universidade Católica de Goiás PUC/MG Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC/RS Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul RCAAP Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal SC Santa Catarina SCIELO Scientific Electronic Library Online SEB Secretaria de Educação Básica SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão SEED Secretaria de Estado da Educação e Desporto SEESP Secretaria de Educação Especial SIGETEC Sistema de Gestão Tecnológica do Ministério da Educação SNIPI Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância SRM Salas de Recursos Multifuncionais TEA Transtorno do Espectro Autista UAAM Unidade de Apoio a Alunos com Multideficiência UEE Unidades de Educação Especial UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina UFAM Universidade Federal do Amazonas UFMG Universidade Federal de Minas Gerais UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UFSC Universidade Federal do Estado de Santa Catarina UFSCar Universidade Federal de São Carlos UMinho Universidade do Minho UMSP Universidade Metodista de São Paulo UnB Universidade de Brasília UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESP Universidade Estadual de São Paulo UNISINOS Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISUL Universidade do Estado de Santa Catarina UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí USP Universidade de São Paulo
-
27
INTRODUÇÃO
―O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.‖
Guimarães Rosa
Uma trajetória acadêmica incide, principalmente, nas opções de formação que fazemos ao
longo da vida, e, neste percurso, as vivências profissionais e também pessoais são decisivas para
ousar em novas oportunidades formativas. Assim tem sido minha trajetória, sempre entrelaçada pelas
relações pessoais, vivências profissionais e acadêmicas, que, juntas, compõem o conjunto de
motivações que me direciona e me encoraja nesta etapa acadêmica, em nível de doutoramento. E,
pelas palavras de Guimarães Rosa, eu sigo, com o desafio de ampliar as possibilidades, de
compreender as políticas de inclusão escolar e seus reflexos nas práticas curriculares das escolas de
ensino comum no contexto português e no brasileiro.
O tema dessa investigação refere-se às políticas de inclusão escolar na educação básica, a
partir de um estudo comparativo entre Portugal e Brasil, ao nível da diferenciação curricular, com o
objetivo de analisar o contexto das políticas de inclusão escolar dos âmbitos brasileiro e português ao
nível da diferenciação curricular e das práticas curriculares em sala de aula da educação básica, na
escolarização de alunos com deficiência intelectual/déficit cognitivo1.
O interesse pelo tema e o objetivo deste estudo vêm das motivações ligadas diretamente a
minha formação acadêmica, no curso de Pedagogia Educação Especial (Universidade do Estado de
Santa Catarina - UNISUL) e pelo curso de Mestrado em Educação (Universidade Federal do Estado de
Santa Catarina - UFSC), como também, pela minha atuação profissional na educação básica ao longo
de 24 anos, somados aos últimos oito anos de docência no ensino superior.
Nesse entrelaçamento de motivações, os estudos realizados no mestrado continuaram muito
presentes na vida profissional, principalmente, pelo compromisso e responsabilidade social com a
formação de outros professores, no curso de Pedagogia. Contudo minhas inquietações se aguçaram
1 No decorrer deste trabalho utilizam-se os termos ―deficiência intelectual/déficit cognitivo‖ conjuntamente, para designar o sujeito alvo que focalizamos nesta investigação, considerando que a ―deficiência intelectual‖ é amplamente usual nas políticas de inclusão e no cotidiano da educação escolar brasileira e, o termo ―déficit cognitivo‖, pelo seu uso frequente no âmbito educacional português. Embora estes termos sejam descritos de forma diferenciada nos dois países estudados, ainda assim, remetem as mesmas características que justificam nossa escolha dos sujeitos de escolarização estudados.
-
28
quando da minha inserção no Observatório de Práticas Escolares (OPE), da Universidade do Estado de
Santa Catarina (UDESC), em 2013, a convite da Professora Geovana Mendonça Lunardi Mendes, da
qual tive a oportunidade de acompanhar alguns estudos e pesquisas decorrentes de um macroprojeto
denominado A escolarização de estudantes com deficiência intelectual: políticas públicas, processos
cognitivos e avaliação da aprendizagem, vinculado ao Observatório Nacional de Educação
(Brasil/OBEDUC, 2012a), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
integrado a outras duas universidades, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e a
Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
Minha participação no OPE reavivou o interesse em vislumbrar a possibilidade de realizar o
curso de doutorado e, nesse percurso, em 2014, foi instituído, no âmbito da UDESC, o Convênio Geral
n.º 13565/20142, que celebrou o convênio de cooperação entre a UDESC e a Universidade do Minho
(UMinho), com o objetivo de criar um programa de formação aos servidores de Doutoramento em
Ciências da Educação do Instituto de Educação da UMinho.
Com isso, tive a oportunidade de elaborar um projeto de pesquisa, que resultou de um
desdobramento do projeto maior em curso no OPE, cujo objetivo era ―analisar as dimensões que
envolvem a escolarização de alunos com deficiência intelectual‖, alunos estes inseridos nas redes de
ensino comum do ensino fundamental, na educação de jovens e adultos (EJA), e no atendimento
educacional especializado (AEE), enfocando o desempenho escolar pelas avaliações nacionais (Brasil,
2012a, p. 13). Movida por esse conjunto de motivações, é que se situa essa investigação com o tema
―Políticas de inclusão escolar: um estudo comparativo entre Brasil e Portugal ao nível da diferenciação
curricular na educação básica‖.
A opção pelos países Portugal e Brasil, nesta pesquisa, como locus de estudo, deu-se,
primeiramente, no Brasil, por ser o país de origem da pesquisadora e, nesse território, vem
aprofundando estudos a respeito da temática, e, em Portugal, por ter sido um dos países que teve
grande envolvimento nas negociações multilaterais da Convenção, tanto em relação às Nações Unidas,
quanto à União Europeia, além do vínculo histórico que possui com o Brasil.
Nessa direção, a política de inclusão escolar tem sido disseminada em muitos países, como
Portugal e Brasil, signatários do acordo mundial de Educação para Todos, ocorrido na Tailândia, em
1990 (UNESCO, 1990), assim como da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) e da Convenção
Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), dentre
2 O Convênio Geral 13565/2014 celebrou o convênio entre a UDESC e a UMinho, com o primeiro Termo Aditivo de cooperação entre as universidades, com o objetivo de estabelecer um programa de formação de doutoramento, doravante designado Programa, destinados a servidores da UDESC, a concretizar-se no âmbito das especialidades do Doutoramento em Ciências da Educação do Instituto de Educação (IE) da UMinho.
-
29
outros documentos internacionais que orientam a instituição de políticas nacionais para a educação na
perspectiva da educação inclusiva, consequentemente, direcionam, também, as ―práticas curriculares‖
(Lunardi-Mendes, 2005). Considera-se fundamental sinalizar essas políticas, justamente porque suas
prescrições textuais são ratificadas e publicadas nos documentos oficiais dessas duas nações.
Essas políticas internacionais reafirmam os princípios universais voltados à dignidade,
integralidade, igualdade e equidade humana, pautadas na educação para todos, numa perspectiva da
educação inclusiva. A adoção dos acordos oficializados pelos protocolos de assinaturas, decorrentes da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e da Organização
das Nações Unidas (ONU), requer que os governos assumam obrigações específicas em relação às
pessoas com necessidades educativas especiais (NEE)3 na sociedade, em especial, às que se
designam à educação escolar nos sistemas educativos dos diferentes países.
Tais políticas internacionais têm mobilizado dezenas de outros países e levado esses ao
consenso, por intermédio de legislação própria de políticas sociais, voltadas para uma educação
inclusiva e de programas educacionais que viabilizem, na prática, a promoção desses princípios com
reflexos nos processos educativos mais específicos e na sociedade como um todo. Artiles, Kozleski e
Gonzales (2011, p. 286) argumentam que este ―apelo pela educação inclusiva se reflete no número de
países que oficialmente se alinham com esse movimento e pela preeminência de acordos
internacionais defendendo a educação inclusiva que foram assinados nos últimos vinte anos‖.
Esse discurso tem a premissa de que todos os alunos, independentemente de suas
características pessoais, usufruam dos mesmos espaços das escolas comuns para apropriação dos
conhecimentos, construídos ao longo da história da humanidade, pelo processo de escolarização. É
nesse cotidiano escolar que são produzidos e reproduzidos bens culturais, os conhecimentos, que
mantêm suas relações com as práticas curriculares e acabam definindo, também, o controle sobre o
que se deve ou não ser aprendido, conforme as prescrições das diretrizes curriculares.
Ball (2011, p. 45) destaca a importância de ―reconhecer que diversidade social e ―diferença‖
são bases importantes para entender o escopo das forças sociais ativas envolvidas em e resistentes às
mudanças‖, considerando que o ―reconhecimento‖ é parte fundamental para as mudanças
significativas na cultura escolar. Além disso, reconhecer que os efeitos das políticas (negativa ou
3 Este termo é referenciado pelas políticas internacionais que mobilizam a educação inclusiva nos países signatários e, também, é recorrente em alguns documentos oficiais instituídos tanto no Brasil quanto em Portugal. Destaca-se que, no âmbito português o termo é referenciado frequentemente nas políticas educativas para identificar alunos com características muito específicas, como o caso de alunos com deficiências, além de outras. Por se tratar de um conceito que abrange uma diversidade de alunos, NEE é utilizado neste estudo, para designar os sujeitos específicos da educação especial, perticularmente, os que apresentam alguma ‗deficiência‘, como no caso de alunos com deficiência intelectual/déficit cognitivo, considerando as diferenças entre os sistemas educativos dos países estudados.
-
30
positivamente) refletem, principalmente, nos fatos sociais básicos que envolvem a pobreza, a opressão
e a desigualdade, que tem consequência direta na educação escolar.
Baseado em Nancy Fraser, Ball (2011) aponta a possibilidade imbricada no compromisso
intelectual com as práticas de pesquisa em políticas educacionais, que envolvam uma teoria crítica de
reconhecimento, que leve em conta a combinação de uma política cultural da diferença com uma
política social de igualdade, a partir de tensões ligadas com a justiça social.
Segundo Bowe, Ball e Gold (1992), a compreensão entre a política como texto e a sua
interpretação como prática é fundamental para analisar os contextos escolares, lugar em que as
políticas educativas são interpretadas e colocadas em atuação pelos atores escolares, conforme suas
próprias características e realidade local. As políticas educacionais geralmente são pensadas e escritas
para os melhores contextos escolares, independentemente do nível de ensino, ―sem levar em conta
variações enormes de contexto, de recursos, de desigualdades regionais ou das capacidades locais‖
(Ball & Mainardes, 2011, p. 13), mas que decidem o fazer de um contexto na prática para evidenciar
que há uma política formulada, mesmo que expresse uma ideia simbólica.
Ball (2009) argumenta que a fluidez de uma política tem relação estreita com a dimensão do
tempo e do espaço, pelo descompaço da velocidade em que ela se move, seja muito rápida ou morosa
demais. Para o autor, o ciclo de políticas ―é uma maneira de pensar as políticas e saber como elas são
―feitas‖, usando alguns conceitos que são diferentes dos tradicionais como, por exemplo, o de atuação
ou encenação (enactment)‖ (Ibidem, p. 305).
Destarte, a ideia de implementação de políticas é totalmente rejeitada por Ball e seus
colaboradores, considerando que entre o texto escrito e o contexto da prática ocorre um processo de
transformação quando colocado em ação. ―Assim, políticas são intervenções textuais, mas elas
também carregam limitações materiais e possibilidades. As respostas a esses textos têm
consequências reais . . . que são vivenciadas dentro do terceiro contexto, o contexto da prática‖
(Mainardes, 2006, p. 52).
Com efeito, a ―atuação das políticas‖ (Bowe, Ball & Gold, 1992; Ball, 2009; Ball, Maguire &
Braun, 2016) é o conceito que melhor traduz a linguagem da escrita do texto, pois ―envolve processo
criativos de interpretação e recontextualização – ou seja, a tradução de textos em ação e as abstrações
de ideias políticas e práticas contextualizadas – e esse processo envolve ―interpretações de
interpretações‖‖ (Ball, Maguire & Braun, 2016, p. 14).
A tradução das políticas educativas passa pelo processo de interpretação nas escolas, pelos
profissionais que nelas atuam e que as colocam em movimento/ação nas suas práticas curriculares,
considerando suas culturas e experiências, como destacam Ball Maguire e Braun (2016, p. 12), ao
-
31
definir a ―Teoria da Atuação de Políticas‖ (Theory of Policy Enactment), como possibilidade de
compreender ―como as políticas tornam-se ―vivas‖ e atuantes (ou não) nas escolas‖. Para estes
autores, o termo ‗enactment‘ é utilizado na compreensão da Theory of Policy Enactment ―no sentido
teatral, referindo-se à noção de que o ator possui um texto que pode ser apresentado/representado de
diferentes formas . . . entendido como as políticas são encenadas, colocadas em ação‖ (Ibidem, p. 12).
Contudo cumpre indicar que, no sentido original da palavra, o termo enactment é utilizado
para fins de descrição de processo de aprovação de leis e decretos (Ibidem). Nesse sentido, tem-se
acompanhado a aprovação de uma série de políticas educativas, tanto no Brasil quanto em Portugal,
orientadas por políticas internacionais, como já referimos.
No Brasil, os desdobramentos políticos para a inclusão escolar estão vinculados à implantação
das salas de recursos multifuncionais4 (SRM) para o AEE5, identificadas como serviço educacional
especializado e caracterizadas como estratégias capazes de responder às mais variadas diversidades
que constituem o contexto da sala de aula, mediados pela presença de recursos tecnológicos (Brasil,
2008a, 2009b, 2011). Em Portugal, as diretrizes curriculares (Portugal, 1986, 2008a) apontam para a
inclusão dos alunos com NEE em programas de formação abrangentes contemplados nos projetos de
cada escola, a partir de políticas de diversificação e diferenciação curricular (Pacheco, 2008; 2016a;
2016b).
Compreende-se que, em ambos os países, as políticas de inclusão escolar incidem sobre os
sistemas de ensino comum, que orientam a gestão de serviços educacionais especializados em
interface com a sala de aula, como meio viável de atender às reais necessidades de todos os
estudantes, no quadro das políticas de diferenciação curricular (Roldão, 1999a; 2003a; 2005;
Pacheco, 2008; 2014).
Como previu Perrenoud (2000), a diferenciação, pedagógica e curricular, estaria no centro das
discussões e prescrições dos textos políticos, uma vez que esse direcionamento encontra-se
visivelmente presente no contexto educacional de países desenvolvidos e, de modo mais tímido,
naqueles que se encontram em desenvolvimento. Com isso, as políticas internacionais que tratam da
educação na perspectiva inclusiva têm influenciado, marcadamente, a condução das políticas
nacionais, desde a década de 1990 e vigentes até os dias atuais, mediante os desdobramentos de
novos documentos legais que regulamentam as práticas curriculares dos contextos escolares, em nível
local.
4 Espaço organizado com equipamentos de informática, ajudas técnicas, materiais pedagógicos e mobiliários adaptados, para atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos (Brasil, 2007). 5 Conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestados de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular (Idem, 2008a, 2009b).
-
32
A partir desse breve contexto, estabelece-se o caminho metodológico traçado para atingir os
objetivos dessa investigação, por meio da abordagem qualitativa e quantitativa, com a finalidade de
melhor compreender os significados construídos pelos sujeitos imbricados neste processo, suas
experiências e comportamentos, bem como da identificação de dados numéricos de escolas, alunos e
profissionais que compõem essa investigação, e pela possibilidade do uso de diferentes procedimentos
de pesquisa que, juntas, se complementam. Trata-se de um estudo de casos múltiplos, considerando o
estudo comparativo de dois contextos nacionais distintos (Portugal e Brasil), e permite, ao investigador,
centrar-se em casos específicos, os quais não se podem isolar de seus próprios contextos, que
oferecem um potencial múltiplo de fenômenos investigativos.
O estudo comparado nesse quadro metodológico busca ―recuperar os aspectos macrossociais
e as dimensões microescolares em que o currículo materializa-se‖, particularmente, o que se refere à
inclusão escolar de alunos com deficiência no ensino comum, bem como o de instituir-se em diferentes
perspectivas e abordagens metodológicas e, ainda assim, ―indicar limites para compreensão dos fatos
ou fenômenos educativos que compara, apresentando-se como um importante instrumento de
conhecimento e de análise da realidade educativa‖ (Silva & 2016a, pp. 211-212).
Desse modo, foram utilizados, como técnicas de recolha de dados, o inquérito por entrevista,
observação focada e análise de documentos, como possibilidades de triangular os resultados obtidos,
desinentes da análise de conteúdo e análise documental, como técnicas de análise de dados.
Por se tratar de um estudo comparativo entre dois países, optou-se por compor o quadro de
abrangência do estudo como locus de investigação, duas escolas de ensino comum, uma no Brasil e
outra em Portugal. Os critérios de seleção das escolas elegidos foram, em primeira instância, pela
oferta de serviços de educação especial na escola comum, e, por conseguinte, que contassem com,
pelo menos, duas classes regulares em cada sistema educativo - no Brasil, duas turmas dos anos
iniciais do ensino fundamental e, em Portugal, duas turmas do 1º ciclo do ensino básico - com a
presença de alunos com deficiência intelectual/déficit cognitivo inseridos nas turmas. Com isso,
procedeu-se, inicialmente, à entrevista semiestruturada com os gestores das escolas, diretores,
coordenadores, orientadores, supervisores, professores titulares e profissionais especializados em
articulação com a sala de aula de ambos os contextos. Na sequência, a observação focada em sala de
aula, com registros no diário de campo, a partir de alguns eixos descritos previamente; e, por último,
os documentos escolares que compuseram o corpus documental desse estudo, coletados durante a
realização das entrevistas e das observações em sala de aula. Estes procedimentos foram utilizados
sob a ética da investigação, com total consentimento das partes envolvidas e proteção do anonimato e
do respeito aos limites dos contextos investigados.
-
33
Esse processo de conhecer os contextos estudados requer um esforço para interrogar as
evidências por meio de inquirições e vigilância metodológica como ponto fundamental para a
construção do conhecimento. As interrogações e dúvidas sucessivas permitem compreender melhor as
relações dos fenômenos educativos em seu próprio contexto das práticas, podendo, assim, construir
e/ou desconstruir hipóteses na busca constante de encontrar evidências empíricas para suas análises.
Por isso compreende-se ser fundamental manter uma constante vigilância epistemológica, trazendo
elementos teóricos, com categorias que ajudem a pensar a própria realidade como um todo, articulada
à relação de singularidade de cada contexto investigado. Enquanto pesquisadora busca-se conhecer e
refletir sobre a consciência que temos de nós mesmos, pois este conhecimento leva-nos a entender
que, de alguma forma, participamos de uma determinada ideologia ligada ao campo político e social, e,
consequentemente, contribuímos para a construção ou desconstrução da ação político-educacional que
entrelaça teoria e prática.
Importa dizer que o desenvolvimento da consciência crítica contribui no sentido de superar o
fatalismo que leva ao imobilismo, considerando que a teoria é capaz de pensar a prática, a própria
existência ontológica e entender as relações sociais e culturais em que estamos inseridos, tanto no
campo da formação acadêmica quanto no exercício profissional e, também, das vivências pessoais.
A exposição dos resultados dessa investigação foi organizada e estruturada em seis capítulos.
O primeiro capítulo apresenta o contexto e as motivações que levaram a cabo o tema e a
problemática que desencadeou os objetivos dessa investigação, bem como o mapeamento de
produções científicas, que resultou no estado da arte e deu visibilidade à frequência com que os
pesquisadores de ambos os países têm investigado que, articulado às experiências profissionais como
professora da educação básica e ensino superior, justificam nossa escolha dessa investigação.
No segundo capítulo apresentam-se as Políticas de inclusão escolar: uma análise da legislação
vigente nos contextos português e brasileiro no ápice da globalização (2008-2016), pelo levantamento
realizado nas legislações vigentes no Brasil e em Portugal, por meio do termo frequente sobre a
diferenciação curricular subsidiado pelos pressupostos da educação inclusiva, sob a influência de
politicas internacionais e seus impactos nos sistemas educativos nacionais.
O aprofundamento teórico apresentado no terceiro e quarto abordam discussões e
compreensões relevantes sobre Currículo, conhecimento e cultura escolar: alinhavando um percurso
histórico do que ensinar na escola, como conceitos vinculados à construção social e histórica dos
processos de educação escolar, que interferem de forma significativa na cultura escolar e na seleção
de conhecimentos considerados válidos para o processo de escolarização dos alunos e, a Diferenciação
curricular: do conceito ao sentido de justiça curricular na escolarização de alunos com deficiência na
-
34
escola comum como possibilidade pensar a justiça curricular subsidiada pela redistribuição,
reconhecimento e participação dos alunos com deficiência intelectual/déficit cognitivo nos processos
de escolarização na escola comum.
O quinto capítulo apresenta o caminho metodológico elegido para o desenvolvimento dessa
investigação, apoiada em bases teóricas que delimitam a natureza, a abrangência do contexto e dos
sujeitos investigados, os procedimentos utilizados na coleta e análise dos dados, que fundamentaram a
obtenção dos resultados alcançados por este estudo.
No sexto capítulo apresentam-se os dados interpretados e analisados que deram maior
visibilidade à Oficialização das prescrições políticas de inclusão escolar no Brasil e em Portugal: as
fronteiras comparativas da educação escolar para todos; A diferenciação curricular no contexto
comparativo da inclusão escolar no Brasil e em Portugal; e, Justiça curricular e a distribuição do
conhecimento em sala de aula: a escolarização de alunos com deficiência intelectual/déficit cognitivo,
temáticas que compuseram o quadro comparativo dos resultados obtidos nesta investigação.
Por fim, buscou-se tecer algumas sínteses conclusivas entrelaçadas com a problemática e os
objetivos que se vinculam ao contexto das políticas de inclusão escolar dos âmbitos brasileiro e
português ao nível da diferenciação curricular e das práticas curriculares em sala de aula da educação
básica, sob o olhar da escolarização de alunos com deficiência intelectual/déficit cognitivo,
considerados incluídos.
Conclui-se que as fronteiras comparativas das políticas de inclusão escolar brasileira e
portuguesa têm oficializado prescrições curriculares orientadas pelas políticas internacionais desde a
década de 1990, impulsionadas pela consolidação de acordos internacionais pelo movimento da
educação inclusiva e que influenciam, fundamentalmente, as decisões tomadas nos sistemas
educativos nacionais, bem como, tendenciam a uniformização das mesmas. Entretanto, ao serem
colocadas em atuação no contexto das práticas curriculares da escola comum, as políticas de
educação inclusiva nem sempre refletem ―o mesmo grau de compulsão para agir‖ (Ball, Meguire &
Braun, 2016, p. 198), porque algumas são menos prescritivas que outras e são interpretadas e
traduzidas na prática conforme a realidade que cada um possui. Com efeito, as decisões das políticas
de inclusão escolar tomadas em âmbito nacional podem não ser justas para todos os alunos,
especialmente, para os que apresentam deficiência intelectual/déficit cognitivo.
Nesse contexto, a evolução e progresso das aprendizagens desses alunos considerados
incluídos passam, inevitavelmente, pela diferenciação curricular, como alternativa mais significativa de
justiça curricular e das mudanças necessárias nas práticas curriculares do contexto da escola, que leve
em conta as diferenças mais específicas entre os alunos e que requeiram apoios especializados
-
35
constantes. A inclusão desses sujeitos não se traduz apenas em colocá-los na sala de aula,
formalizados pelas suas matrículas, mas, em oferecer-lhes, principalmente, alternativas curriculares
diferenciadas para que possam, assim como os demais, aceder os conhecimentos escolares
pretendidos para todos de forma equitativa (Glat, Fontes & Pletsch, 2006).
Assim, a justiça curricular é entendida como possibilidade de acesso ao ensino escolar e a
apropriação dos conhecimentos válidos, ancorada nas dimensões da redistribuição, do reconhecimento
e da representação/participação efetiva no processo de escolarização dos alunos, tanto no coletivo
como no individual. O acesso e a apropriação dos conhecimentos escolares se tornam um dos
principais desafios da contemporaneidade a ser enfrentados pelas escolas comuns, para que a
inclusão escolar aconteça efetivamente, nos percursos individuais e coletivos da escolarização dos
alunos de modo geral. É preciso, acima de tudo, ter mais em conta o que realmente é ensinado
quando se lida com ideário da educação inclusiva, pois, a definição dos currículos escolares, para o
conjunto dos alunos refletirá, de alguma forma, na formação das novas gerações, que estarão
submetidas ao ensino e a transmissão de conhecimentos que tem algum valor.
-
36
-
37
CAPÍTULO I - PROBLEMÁTICA DA INVESTIGAÇÃO E ESTADO DA ARTE
A inserção dessa investigação no contexto das políticas de inclusão e seus reflexos nas práticas
curriculares das escolas de ensino comum de Portugal e do Brasil implica em repensar como a
diferenciação curricular tem mobilizado a escolarização de alunos com NEE, mais especificamente,
àqueles que possuem deficiência intelectual/déficit cognitivo. Nessa direção, o primeiro capítulo
apresenta a contextualização da temática dessa investigação, as motivações que justificam a definição
da problemática, os objetivos e o mapa de produções acadêmicas que constituíram o estado da arte.
1.1 O contexto do tema: motivações e definição da problemática de investigação
Essa investigação aborda o tema sobre as políticas de inclusão a partir de um estudo
comparativo entre Brasil e Portugal ao nível da diferenciação curricular na educação básica. O
interesse por esta temática está atrelado, intimamente às experiências que vivi, tanto no campo da
formação profissional, quanto na atuação docente, como professora da educação básica e, também,
do ensino superior.
Destaco, inicialmente, as experiências docentes que tive ao longo de 24 anos, desde 1990, na
atuação como professora da educação básica. Nessa experiência, estive envolvida, de alguma forma,
cerca de 20 anos, com a educação especial. Uma parte, especificamente, na escola especial, mantida
pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE)6; e outra, em escola de ensino comum, na
rede municipal7 de ensino, momento em que acompanhava alunos com NEE, tanto na regência de
turma, quanto na atuação como especialista no AEE, no espaço da SRM.
Esse período foi muito fecundo e, ao mesmo tempo, intrigante; primeiro, porque as
experiências na escola especial deixavam-me desconfortável com as prescrições de atividades da vida
diária (AVD) como ponto de enriquecimento curricular, e em constatar o quanto os conhecimentos das
diferentes áreas eram restritos, e, muitas das vezes, negados por ordem superior. Por outro lado, as
políticas de inclusão indicavam que os alunos com deficiência tinham como principal locus de
aprendizagem, a escola de ensino comum. Entretanto via-me num constante confronto como
professora ora da educação especial, ora do ensino comum, num completo paradoxo, pois os textos
6 A APAE é um setor criado, organizado e administrado pela sociedade civil, cujas bases orientadoras advêm da Federação Nacional das Apaes (FENAPAES), caracterizada como uma organização social sem fins lucrativos, reconhecida como de utilidade pública federal e certificada como beneficente de assistência social; de caráter cultural, assistencial e educacional, que mantém as escolas especiais no Brasil. Recuperado de http://www.apaebrasil.org.br 7 Atuei como professora na rede municipal de educação de Braço do Norte desde 1990 até o ano de 2014. Nesse período, desenvolvi funções de professora de turma, com atuação na educação infantil, anos iniciais do ensino fundamental, no apoio pedagogógico escolar, de professora da educação especial no AEE e, também, na gestão escolar.
-
38
políticos que orientavam a inclusão escolar não condiziam com as necessidades do próprio processo
de escolarização. Foi um momento muito conflituoso no exercício do magitério nessas instituições.
No ano de 1998, tive a oportunidade de ingressar no curso superior, num programa de
formação denominado Magister8, que se tornou, também, um grande motivo para esse estudo, visto
que, dentre os vários cursos de licenciatura ofertados, minha opção foi pelo curso de Pedagogia com
habilitação em educação especial, foi um período muito frutífero que aprofundou meu interesse pelas
discussões sobre o campo da educação especial e das políticas de inclusão escolar. Foi, nesse período,
que tive contato direto com diferentes leituras que contribuiram para minhas reflexões e até
inquietações. O livro ‗Pedagogia do Oprimido‘, de Paulo Freire, foi uma das primeiras e contribuiu,
profundamente, na minha formação como professora. Depois dessa referência, outras tantas de Paulo
Freire foram sendo inspiração para seguir firme na formação e exercício no magistério.
Estudos sobre políticas educacionais também se fizeram presentes nessa formação, como a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.º 9394/96 (Brasil/LDBEN, 1996), a Declaração de
Salamanca (UNESCO, 1994) e muitas outras. Essas e outras aproximações teóricas foram compondo o
repertório de conhecimentos e enriquecendo o estudo. Minhas reflexões sobre mim mesma e sobre a
formação dos alunos, com os quais trabalhava na época, foram se ampliando, principalmente, quando
foram ministradas as disciplinas mais específicas na formação acadêmica da educação especial. Estas
foram, sem dúvida, muito enriquecedoras, visto que ocorreram nos últimos semestres do curso de
Pedagogia, quando eu já contava com uma bagagem epistemológica que me permitia refletir sobre os
processos de desenvolvimento e aprendizagem com base nos contributos de Vygotsky e outros. Mais
estudos em nível de especialização9, posterior à graduação, também contribuíram para amadurecer os
conhecimentos na área da educação especial e manter meu foco na formação acadêmica.
Contudo o que mais me instigou nessa investigação tem ligação muito forte com a pesquisa
desenvolvida no curso de mestrado em educação, mas que, naquele momento, não foi possível
abranger questões mais pontuais sobre as práticas curriculares e a escolarização de alunos com NEE
em sala de aula do ensino comum, especificamente, alunos com deficiência, considerando o
8 O Programa Magister foi implantado pela Secretaria de Estado da Educação e Desporto (SEED) de Santa Catarina, com autorização de funcionamento emitido pelo Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina CEE/SEED, Parecer n.º 141, de 23 de abril de 1996 (Santa Catarina, 1996). O objetivo do Programa Magister foi ofertar formação superior aos professores das redes de ensino de Santa Catarina em articulação com universidades vinculadas. A partir de 1998, foram iniciados os cursos de Licenciatura Plena para a habilitação de professores em diferentes áreas: Ciências Naturais e Matemática, Pedagogia – Séries iniciais, Pedagogia – Educação Especial, Ciências Física, Ciências – Biologia, Letras – Português e Inglês, Ciências Sociais – Geografia e História, Ciências Química, Ciências da Religião, Letras – Português e Espanhol, Letras – Português e Italiano, Letras – Português e Alemão, Educação Artística. 9 Entre os anos de 2002 e 2003, realizei o curso de pós-graduação em nível de especialização em Psicopedagogia institucional, momento em que aprofundei estudos sobre ―as implicações pedagógicas frente à inclusão de crianças com deficiência no ensino regular‖.
-
39
crescimento das matrículas desses sujeitos nos sistemas de ensino, sinalizado pela Política de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil, 2008a).
A pesquisa realizada no mestrado teve o objetivo de analisar a oferta de serviços de educação
especial no município de Braço do Norte/SC, como expressão dos municípios da região sul de Santa
Catarina. Foram analisados documentos vinculados às esferas administrativas municipal e estadual,
bem como à rede privada, que disponibilizam a oferta de serviços de educação especial para alunos
com deficiência. Dentre os resultados, destaca-se que a maior influência na definição dos serviços, no
contexto catarinense, está ligada à Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), que tem forte
presença em termos de gestão da política, e, ao mesmo tempo, mantém relação estrita com as APAEs,
em consonância com os encaminhamentos políticos da Fenapaes, como também não rompendo com
a iniciativa privada de caráter filantrópico, por meio de parcerias e convênios. Desse modo, o AEE tem
sido considerado a máxima da inclusão escolar, entretanto verifica-se que o processo de escolarização
tem seu lugar secundarizado nas políticas destinadas aos alunos com deficiência em Braço do Norte
(Pereira, 2010).
O estudo e análise de alguns documentos políticos, durante o estudo dedicado ao curso de
mestrado, a exemplo da política nacional para educação especial, também justifica meu interesse, por
ser um campo de análise do discurso pedagógico que regula e instrui a prática no contexto escolar,
como destaca Bernstein (1996). Sem dúvida, este período dedicado à pesquisa, no decorrer do
mestrado, foi muito produtivo e contribuiu, significativamente, nas apropriações de conhecimentos, nas
produções acadêmicas e, principalmente, em meu posicionamento enquanto pesquisadora e
profissional da educação, o que destaca meu compromisso com a consciência crítica da minha própria
formação, bem como de tantos outros sujeitos que têm envolvimento comigo, de forma direta ou
indireta, nesse processo de formação.
Somada a estas experiências profissionais, acadêmicas e de pesquisas, minha inserção no
OPE foi, em última instância, o locus que possibilitou retomar minhas inquietações e motivações e
debruçar-me na construção do projeto de pesquisa para o doutorado e definir a temática dessa
investigação, a partir de um desdobramento do projeto maior desenvolvido pelo OPE, vinculado ao
OBEDUC (Brasil, 2012a).
Para dar consistência e fundamentação à temática escolhida, foi realizado um mapa de
produções, o qual se constituiu no estado da arte, cuja finalidade foi verificar o que tem sido
pesquisado e publicado sobre o tema, mais particularmente, sobre a apropriação dos conceitos
abordados, das políticas de inclusão escolar, das práticas curriculares no cotidiano da escola de ensino
comum, e, sobretudo, de possíveis indicativos referentes à escolarização de alunos com deficiência,
-
40
subsidiada pela diferenciação curricular nesse processo, como forma de apropriação de
conhecimentos, levando em conta as relações sociais, econômicas e culturais dos países que fazem
parte desse estudo, Portugal e Brasil.
1.1.1 Definição do problema e objetivos da investigação
O percurso profissional e acadêmico tem refletido, significativamente, na minha condição de
pesquisadora, principalmente, com os fenômenos educacionais ligados às políticas de educação
especial na perspectiva da educação inclusiva, dado que os discursos políticos de inclusão escolar vêm
sendo diluídos em diversos países, desde a década de 1990. Nesse período, iniciava minha carreira
profissional como professora da educação básica, nos primeiros anos de escolarização, e, no decorrer
dessa década, vivi expriências docentes em escola especial paralelo à escola comum, acompanhei
mudanças de legislação política educacional e ingressei no ensino superior.
Tais experiências credenciam-me a dizer, segundo Pacheco (2006, p. 14), que ―o investigador
não parte totalmente em branco, sendo certo que tem motivos só passíveis de serem conhecidos com
a contextualização do problema‖, tendo em conta suas experiências acadêmicas, somadas às
experiências pessoais e profissionais, para definir seu objeto de estudo numa investigação,
propriamente.
Para Pacheco (2006), esta fase é uma das mais difíceis, quando se trata de definir o problema
de investigação. Por isso levar em conta as experiências e inquietações do investigador contribui para
ter a clareza do que se pretende pesquisar, a partir das questões-problemas que nortearão a busca de
respostas de um dado objeto de estudo, nesse caso, as políticas de inclusão escolar nas práticas
curriculares dos sistemas educativos de Portugal e Brasil, países signatários de vários acordos
mundiais para educação, na perspectiva de educação inclusiva.
A partir dessa compreensão e inquietação, sentiu-se a necessidade de investigar como as
políticas nacionais, portuguesa e brasileira, têm refletido, na prática curricular, o processo de
escolarização de alunos com deficiência intelectual inseridos em sala regular do ensino comum, com a
seguinte problemática de investigação: De que modo Brasil e Portugal têm organizado, em termos de
políticas de inclusão escolar e práticas curriculares, a escolarização de alunos com deficiência
intelectual/déficit cognitivo na educação básica, ao nível da diferenciação curricular?
Com base no problema proposto para este estudo, estabeleceu-se como objetivo geral: analisar
o contexto das políticas de inclusão escolar dos âmbitos brasileiro e português ao nível da diferenciação
curricular e das práticas curriculares em sala de aula da educação básica, na escolarização de alunos
-
41
com deficiência intelectual. Consequentemente, para desenvolver esta investigação, foram descritos os
objetivos específicos, que seguem:
a) Identificar e verificar nos documentos oficiais que regulamentam a inclusão escolar dos
sistemas educativos português e brasileiro, se há prescrições curriculares ao nível da
diferenciação curricular direcionadas às práticas curriculares em sala de aula do ensino
comum para alunos com deficiência intelectual;
b) Identificar e caracterizar a oferta de serviços educacionais especializados que se articulam
com as práticas curriculares da sala de aula do ensino comum, na escolarização de alunos
com deficiência intelectual de ambos os países;
c) Verificar como as políticas nacionais de inclusão são interpretadas na atuação das práticas
curriculares da sala de aula do ensino comum, no contexto da educ