cláudia assumpção gonzaga paulo coelho em cena: a...
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Cláudia Assumpção Gonzaga
Paulo Coelho em cena:
a construção do escritor pop star
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao programa de Pós-
graduação em Letras da PUC-Rio como requisito
parcial para a obtenção do grau de Mestre em Letras.
Orientador: Prof. Pina Maria Arnoldi Coco
Rio de Janeiro
Março de 2007
Cláudia Assumpção Gonzaga
Paulo Coelho em Cena: a Construção do escritor pop star
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo programa de Pós-Graduação em Letras do Departamento de Letras do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Profa. Pina Maria Arnoldi Coco Orientadora
Departamento de Letras – PUC-Rio
Profa. Santuza Cambraia Naves Departamento de Sociologia – PUC-Rio
Prof. Felipe Pena de Oliveira Instituto de Artes e Comunicação Social – UFF
Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade Coordenador Setorial do Centro de Teologia
e Ciências Humanas – PUC-Rio
Rio de Janeiro, 16 de março de 2007
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e do orientador.
Cláudia Assumpção Gonzaga
Graduou-se em Letras (Língua Portuguesa e Literaturas correspondentes) na PUC – Rio em 2004. Trabalhou como monitora em Literatura e, neste período, fez revisão de livros na área de Teoria Literária.
Ficha Catalográfica
CDD: 800
CDD 800
Gonzaga, Cláudia Assumpção Paulo Coelho em cena : a construção do escritor pop star / Cláudia Assumpção Gonzaga ; orientadora: Pina Maria Arnoldi Coco. – 2007. 105 f. ; 30 cm
1. Dissertação (Mestrado em Letras)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
Inclui bibliografia 1. Letras – Teses. 2. Literatura brasileira. 3. Literatura de massa. 4. Autor. 5. Construção de imagem. 6. Carisma. 7. Best-seller. 8. Coelho, Paulo. I. Coco, Pina Maria Arnoldi. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Letras. III. Título.
Para minha família.
Em memória de meu avô, Carlos Philippe Aché Assumpção.
Agradecimentos
À minha professora e orientadora Pina Arnoldi Coco pelo estímulo e carinho na
realização deste trabalho.
À minha família pela compreensão, paciência e apoio constantes.
Às amigas Carla Kasumi, Gabriela Chaves, Juliana Maia, Patricia Carneiro e
Tatiana Neves pelas palavras de incentivo, mesmo à distância.
À Renata Sobrino Porto pela paciência e disposição em me ajudar.
A todos do Instituto Paulo Coelho pela gentileza e generosidade, sem as quais não
seria possível a realização deste trabalho.
Aos professores da Comissão examinadora.
Aos meus colegas da PUC-Rio
Aos professores e funcionários do Departamento de Letras da PUC-Rio
À Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
A todos aqueles que de alguma maneira estiveram presentes na realização deste
trabalho.
Resumo
Gonzaga, Cláudia Assumpção; Coco, Pina Maria Arnoldi. Paulo Coelho
em cena: a construção do escritor pop star. Rio de Janeiro, 2007. 105p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Nesta dissertação propomos uma análise da construção da imagem do
escritor Paulo Coelho como uma celebridade mundialmente conhecida e,
conseqüentemente, da progressão de tal imagem para uma marca vendável.
Assim, examinaremos, de maneira cronológica, os elementos necessários para que
a construção seja realizada. Para tanto, é necessário realizar um estudo resumido
sobre os temas abordados na obra literária de Paulo Coelho, bem como nos
debruçarmos na questão do carisma necessário para a efetivação da transformação
de um escritor em pop star. Este carisma permeará boa parte da dissertação e é
considerado como algo que pode ser parcialmente construído. Antes, porém, para
entendermos como a vida literária brasileira foi moldada, faremos uma breve
viagem no tempo desde o Romantismo até os primeiros anos do século XX.
Palavras-chave
Literatura brasileira; literatura de massa; autor; construção de imagem;
carisma; best-seller; Paulo Coelho.
Abstract
Gonzaga, Cláudia Assumpção; Coco, Pina Maria Arnoldi (Advisor). Paulo
Coelho On Stage: The Pop Star Writer Buildup Process. Rio de Janeiro, 2007. 105p. MSc. Dissertation – Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This dissertation analyses the writer Paulo Coelho´s image buildup process
to become a world wide know celebrity, and, as a consequence, the transformation
of such image into a saleable mark. The elements which are required for this
buildup process are examined in a chronological manner. A study summarizing
the subjects treated by Paulo Coelho in his literary works is presented, followed
by considerations on the charisma that is required to allow for the transformation
of a writer into a pop-star. Such charisma will be present throughout many parts of
the dissertation, and it will be considered as something that can be partialy
constructed. In order to allow for the understanding of how Brazilian literary life
was casted, a short literary time trip from the Romantics days to the beginning of
the 20th Century is also presented.
Keywords
Brazilian literature; mass literature; author; image buildup; charisma; best
seller; Paulo Coelho
Sumário
1. Introdução 10
2. A vida literária brasileira: uma pequena viagem no tempo 12
2.1 Primeiro sopro: o romantismo brasileiro 15
2.2 Bem-vindos ao século XX: o Rio civiliza-se 25
3. Como colar na Coca-cola 32
3.1 Primeiro passo: o best-seller 37
3.2 Segundo passo: o tal do carisma 49
4. Paulo Coelho: um espetáculo em quatro atos 61
4.1 Primeiro Ato: da infância à juventude 64
4.2 Segundo Ato: no mundo da música 68
4.3 Terceiro Ato: o mago 74
4.4 Quarto Ato: o escritor 83
5. Conclusão 95
6. Referências Bibliográficas 99
“Qualquer tolo pode escrever um livro;
mas é preciso um gênio para vendê-lo.”
(J.G Ballard)
“Não adianta insultar nem destilar ironias.
É melhor começar a estudar o fenômeno.
Se possível, com certa humildade.
E não se espantem se Paulo Coelho
também ganhar o Nobel de Literatura.”
(Affonso Romano de Sant'Anna)
1.
Introdução
Paulo Coelho é um escritor internacionalmente conhecido. Seus livros já
venderam cerca de 70 milhões de exemplares no mundo inteiro, sendo traduzidos
para 59 idiomas, em 160 países. Números impressionantes para um escritor
nascido em um país no qual a literatura não é muito popular. Na verdade, é um
número impressionante para um escritor que tenha nascido em qualquer lugar do
planeta.
A questão, porém, é que Paulo Coelho é muito mais do que um autor de
sucesso, ele transformou-se em celebridade, em um pop star capaz de atrair fãs do
mundo inteiro. Ele é uma exceção no meio literário mundial, pois nenhum outro
escritor, mesmo aqueles que vendem milhões de exemplares de seus livros, foi
capaz de atingir o status equivalente ao de grandes astros. Mais do que isto,
Coelho conseguiu o que muitos astros não conseguem: transformou-se em uma
marca, em uma grande marca cobiçada. Seu trânsito livre pelo planeta só ajuda a
vender mais e mais produtos que levem o nome Paulo Coelho.
Como é possível a transformação de um escritor em uma celebridade
capaz de ser uma grande marca? Antes de tudo, Coelho apareceu no cenário
literário fazendo o óbvio, ou seja, escrevendo livros. Entretanto, o tema tratado
nos primeiros livros do escritor pegava carona em um assunto em voga no final
dos anos 80. A busca de respostas fáceis a questões difíceis, que não foram
resolvidas pela ciência, além do esgotamento das religiões tradicionais, naquele
fim de milênio, fizeram com que as pessoas procurassem no esoterismo e no
misticismo um consolo às suas inquietações. Nos livros de Coelho seus leitores
encontravam este tipo de consolo aliado a uma narrativa simples e direta.
Entretanto, os interesses tornaram-se outros, o misticismo perdeu sua força e,
conseqüentemente, os livros de Paulo Coelho também sofreram algumas
modificações, seus temas mudaram e, mais do que esotéricos, seus livros
tornaram-se lições de como ser feliz.
Não basta escrever livros de sucesso, é preciso ter um algo mais que atraia
e magnetize as pessoas. Assim, tentaremos entender, através de alguns teóricos, o
que significaria o carisma. Por outro lado, acreditamos que não seja suficiente ser
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apenas carismático, é preciso que uma renovação estudada da imagem aconteça
para que a atração seja constante. A análise da construção de uma imagem atrativa
será feita através de um estudo cronológico da vida de nosso escritor. Desta
maneira, entenderemos quais artifícios foram usados para a criação e manutenção
do posto de pop star.
A mídia possui papel fundamental na construção e divulgação da imagem
desejada por Paulo Coelho, afinal, é através da mídia que esta imagem alcança o
maior número de pessoas. Como uma celebridade que é, Paulo Coelho teve sua
vida transformada em espetáculo através de diversos programas biográficos, que
exibem a vida do escritor como a vida de um herói cumpridor de sua missão, ou
seja, como alguém que passou por todas as vicissitudes da vida, mas que
conseguiu alcançar sua meta final que, neste caso, era a de tornar-se um escritor
famoso. A vida, portanto, transforma-se em um espetáculo, no qual a personagem
principal conta com todas as ferramentas necessárias para a interpretação de si
mesmo feita por Paulo Coelho.
Antes, contudo, faremos uma breve viagem ao passado da vida literária
brasileira, com o objetivo de conhecermos as origens de certos fatores presentes
em nossa vida literária de hoje, como a edição de grandes livros de sucesso, a
propaganda das obras literárias, a imagem do escritor em nossa sociedade.
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2.
A vida literária brasileira: uma pequena viagem no tempo
“Pensa que o dia passado não volta mais!”
(Dante Alighieri)
A imagem do escritor foi modificada ao longo da História Brasileira, bem
como a vida literária em nosso país. Sabemos o quanto é difícil, ou quase
impossível, a separação nítida dos períodos literários, afinal, a mesma dificuldade
encontramos em separar nitidamente os períodos históricos. Não é o objetivo
deste capitulo fazer marcações fechadas, como em uma linha do tempo, de
períodos determinados. Queremos sim, destacar alguns momentos da vida literária
do Brasil, para termos um panorama geral da vida dos autores em determinadas
épocas e, mais do que isto, reconhecermos a maneira pela qual a vida literária
brasileira fora moldada naquele início de tentativa de construção de uma
identidade brasileira.
A análise crítica das obras e de seus autores não é prioridade aqui. Claro
que entendemos que a vida política e social, muitas vezes, é refletida, retratada e
questionada nas obras daqueles que viveram em determinado intervalo de tempo.
Entendemos que a arte, como um sistema de comunicação inter-humana, é social,
pois depende da atuação dos fatores do meio em que se encontra, além de ser
capaz de produzir em seus receptores uma possível modificação de valores
sociais. Todavia, queremos mesmo é entrar no cotidiano de nossos escritores,
para, deste modo, entendermos como a imagem deles era refletida em seu tempo e
como a construção do cenário literário foi feita por nossos intelectuais do passado.
Para tanto, nos concentraremos no centro da vida literária brasileira: o Rio
de Janeiro. O Rio de Janeiro foi o centro intelectual do Brasil, primeiro como a
Corte do Império e depois com a capital da República. Fora no Rio que as
primeiras edições de best-seller surgiram e onde a crítica literária brasileira deu
seus primeiros passos. Nas páginas que se seguem, veremos como não é dos dias
de hoje a preocupação com a edição e venda de best-sellers, ou seja, saberemos de
que maneira e por quem os livros eram editados e divulgados em um país onde a
maioria da população era analfabeta.
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Começaremos pelo Romantismo brasileiro, quando o Brasil se torna
finalmente um país independente de Portugal e tenta criar uma literatura
tipicamente brasileira. Depois, passaremos para início o século XX, uma época
em que o progresso transforma o dia-a-dia da já República brasileira e a figura do
autor já está consolidada.
Como um dos integrantes do processo de comunicação – que envolve a
obra, o público e seu efeito – o escritor está inserido em uma estrutura social e
nela exerce determinada posição. O envolvimento com outros escritores e a
formação de grupos de intelectuais é mais uma maneira de definir uma posição
social. Assim, poderemos notar que o escritor, além de ser uma forte figura
política, foi presença contínua na vida social brasileira, mas uma presença que não
passava despercebida por aqueles que não faziam parte do mundo dos intelectuais,
pois já naqueles tempos o escritor era visto como uma figura pública, uma
celebridade capaz de atrair e encantar muitos admiradores. Supérfluo dizermos
que o mundo daqueles dias não contava com a força da mídia e, portanto, este
prestígio de celebridade era reconhecido por poucas camadas sociais que tinham
acesso, mesmo que não inseridos, ao mundo intelectuazidado.
A escolha destes dois períodos de nossa vida literária está na necessidade
de traçarmos uma possível origem das bases de nossa vida intelectual. Queremos
destacar a figura pública do autor e a maneira como ele se diferenciava dos
demais bem como outras importantes personalidades responsáveis pela publicação
e divulgação das obras de nossos escritores.
Contrapondo a esta imagem do escritor destacada dos demais, temos a
imagem do escritor de hoje que se mistura na multidão e poucos se destacam na
sociedade. Estes poucos, porém, são aqueles que têm acesso aos meios de
comunicação que divulgam não somente a obra, mas seu criador. Assim, aqueles
que não são divulgados pela mídia são apenas reconhecidos por uma pequena
porção da elite intelectualizada do país, ou seja, parece, que neste ponto, pouco
mudou.
Entretanto, parece-nos que a força da Internet na criação e divulgação
destes novos produtores literários, principalmente em blog, é que dão uma nova
fisionomia, menos pessoal e mais virtual, ao cenário da vida literária
contemporânea. Afinal de contas, é possível, através do blog, trocar informações e
opiniões com outros escritores, formando-se uma espécie de comunidade
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cibernética distinta daquela que mostraremos nas páginas seguintes, pois estas
últimas eram fundamentalmente baseadas no cara-a-cara, no contato humano. Não
estamos afirmando, todavia, que não existam grupos intelectuais hoje que se
reúnam pessoalmente, discutam e produzam literatura.
Outras notáveis diferenças que encontraremos nesta nossa breve viagem é
a relação pessoal entre escritor e editor e a força dos donos de livrarias na vida
literária brasileira. Hoje, com o crescente número de livrarias blockbusters,
preocupadas em vender os grandes sucessos divididos em suas prateleiras e com a
facilidade das compras on line, são grandes empresários que dominam este ramo,
assim como são os homens de negócio que dominam as editoras e saem à caça de
best-sellers. Raras são as livrarias com um espaço aconchegante para reuniões e
ainda mais raros são os editores com coragem e disposição para a publicação de
novos autores.
O que queremos mostrar nas páginas que se seguem são as origens de um
modelo de uma vida literária brasileira que, em muitos aspectos, se adequou aos
dias de hoje.
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2.1
Primeiro sopro: o romantismo brasileiro
“Nem só éramos moços, éramos ainda românticos”
(Machado de Assis)
Em 1822, o Brasil tornou-se independente de Portugal. Com a
Independência, surge um sentimento de amor à pátria, de valorização daquilo que
era brasileiro. A literatura de até então era uma literatura colonial, luso-brasileira,
ajustada ao paradigma europeu. Não havia, portanto, na nossa literatura, uma
identidade nacional, uma identidade que exprimisse a cultura brasileira.
Foi através do Romantismo que nossa literatura tornou-se um instrumento
de valorização do país que nascia, adequando-se à nova realidade vigente.
Adequando-se, pois nossa literatura absorveu influências externas e as “usou”
para tentar retratar a realidade brasileira. É no Romantismo que o público começa
a prestigiar os artistas da terra e a influência dos escritores cresce, através dos
folhetins, das poesias recitadas em público, e dos livros publicados.
Em 1820, o Rio de Janeiro possuía apenas quatro livrarias. Não podemos,
todavia, pensar nas livrarias daquela época como sendo iguais as de hoje, pois
estes estabelecimentos mais pareciam armazéns que vendiam quase tudo e os
poucos livros vendidos eram, em sua grande maioria, manuais de devoção e
novelas populares.
Foram nos anos seguintes à independência que o comércio livreiro cresceu
extraordinariamente. Assim, foi possível que os intelectuais românticos tivessem
acesso aos grandes clássicos revolucionários do século XVIII e às mais recentes
novidades do pensamento europeu. Em meados da década de 1820, o Rio de
Janeiro já contava com 13 livrarias que ainda não vendiam apenas livros, menos
ainda os de literatura, pois, em uma época de afirmação nacional, eram os livros
políticos os mais vendidos.
O assunto predominante entre os intelectuais da época era justamente a
política. Localizada na Rua dos Pescadores, hoje Visconde de Inhaúma, a livraria
de Evaristo da Veiga era o local de encontro de escritores, políticos e estudantes.
O livreiro e jornalista Evaristo planejava e redigia, em meio às discussões
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políticas, o influente jornal Aurora Fluminense. Ali, portanto, pouco interessavam
as discussões literárias, afinal, era um lugar de forte efervescência política.
Enquanto as outras livrarias da Corte enxergavam o livro como apenas
mais uma mercadoria e não ofereciam um ambiente adequado para discussões
menos políticas e mais literárias, a Livraria Mongie, localizada na Rua do
Ouvidor, contava com a presença do livreiro francês Louis Mongie, capaz de
deixar à vontade os intelectuais carentes de longas conversas. O ambiente era
propício e convidativo, com um ótimo estoque de livros franceses e a simpatia do
proprietário. Além disso, Mongie atraía seus fregueses publicando anúncios em
jornais para divulgar a chegada de novidades vindas a navio da Europa. Foi o
francês, também, um dos primeiros, quem sabe o primeiro, a publicar um catálogo
das obras disponíveis em seu gabinete de leitura.
“O francês era um homem instruído e espirituoso, que gostava de conversar com os fregueses e de ver a loja freqüentada por intelectuais. À tardinha, começavam a chegar os poetas, jornalistas, publicistas: Torres Homem, Gonçalves de Magalhães, Porto-Alegre, Gonçalves Dias. A conversa se espichava por horas. Aqueles fregueses especiais riam, buquinavam, fofocavam, diziam frases espirituosas. Um freqüentados assíduo dessas reuniões, Joaquim Manoel de Macedo, observa que a Livraria Mongie se constituiu em “preciosa fonte de civilização”. 1
A maioria das melhores livrarias, dentre as 15 que o Rio de Janeiro possuia
na década de 1850, situava-se nas ruas da Quitanda e do Ouvidor. Era nesta ultima
que se localizava a principal concorrente de Mongie, a Casa do Livro Azul,
fundada em 1828, e o mais antigo sebo do país. Propriedade do francês Albino
Jordan, ou Jordão, depois de abrasileirar o nome, a livraria contava com uma
grande quantidade de livros a preços baixíssimos, sendo muito procurada por
estudantes.
Em 1853, a Livraria Mongie teve seu fim e, como herdeira natural, surgiu
a livraria de Paula Brito, na Praça da Constituição, para os órfãos de um bom
espaço de reuniões entre escritores. Francisco de Paula Brito não admitia
discussões em sua loja, a livraria era um campo neutro no qual a grande
freqüência de intelectuais das gerações entre 1840 e 1860, diferenciava a loja das
demais. Famosos e iniciantes intelectuais seguiam a informalidade característica
da livraria. Por ali passaram nomes Joaquim Manoel de Macedo, Teixeira e
1 MACHADO, Ubiratan. A vida literária no Brasil durante o romantismo, p. 55.
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Souza, Gonçalves de Magalhães e um tal de Machado de Assis, moço jovem e
considerado de muito futuro. Mas os olhos dos mais novos brilhavam de emoção
quando, vez por outra, Gonçalves Dias adentrava a livraria de Paula Brito.
Foi destes encontros que surgiu a idéia de criar uma associação informal e,
em 1853, surgiu a Sociedade Petalógica. Criada para estreitar o relacionamento
entre os freqüentadores da loja de Brito, o próprio nome já indica os objetivos de
tal sociedade, visto que peta significa mentira, brincadeira. Era lá que os
intelectuais podiam conversar sobre absolutamente tudo, desde os mais sérios
assuntos até acontecimentos triviais e divertidos, entretanto, era a literatura o
assunto predileto.
Até a década de 1830, as tipografias brasileiras imprimiam folhetos
políticos, novelas populares e manuais de devoção, pois era o que mais vendia na
época. Raro era aparecer algum corajoso poeta capaz de bancar o lançamento de
um volume em versos, afinal, era bem caro imprimir livros e estes, principalmente
os de literatura, não possuíam nenhum prestígio social naqueles tempos, portanto,
não existiam editores dispostos a tais impressões.
Esta situação começou a mudar quando Paula Brito resolveu editar livros.
Foi ele o grande editor do romantismo brasileiro e, mais do que isto, divulgava e
distribuía as obras e periódicos de sua editora. Não podemos esquecer que a
sociedade brasileira era formada por uma maioria de analfabetos e que uma
parcela mínima de alfabetizados se interessava por literatura. Era um risco para
Brito, visto que este não era um homem de muitas posses, mas, mesmo assim,
publicou, por sua conta, obras de alguns amigos. Claro que, como era de praxe até
a década de 60, a maioria dos escritores pagava pela edição de suas obras. A
Moreninha de Macedo e vários livros de José de Alencar tiveram suas primeiras
edições bancadas pelos próprios autores.
Uma maneira de evitar o risco do investimento feito pelo autor era a
subscrição. Aqueles interessados em adquirir a obra assinavam uma lista de
futuros compradores e efetuavam antecipadamente o pagamento de seu exemplar.
Assim, quando o número de subscritores era compatível com o de exemplares
idealizados para a edição, o livro ia para o prelo.
A prática da subscrição não deu muito certo para alguns escritores, mas
Paula Brito sabia como conseguir, através de tal prática, editar vários autores
nacionais. A publicação de anúncios de jornais para convocar subscritores
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ampliava o público, alcançando, de maneira mais rápida, possíveis compradores e
caso o número de subscrições não fosse suficiente, o autor pagava a diferença.
Desta forma, além de angariar fundos para a edição, o escritor divulgava sua obra
na imprensa.
Por iniciativa de Brito, a propaganda direta da obra literária nacional
inicia-se no final da década de 50. Os anúncios tornaram-se mais elaborados e
promoções do tipo assine o jornal e ganhe um livro, tão comuns nos dias de hoje,
aparecem para aquecer a venda das obras literárias. A partir de então, a publicação
de anúncio dos lançamentos de livros em jornais transforma-se em hábito.
Infelizmente, tudo chega a seu fim. Com a morte de Paula Brito, em 1861,
não havia mais clima para a tão alegre Sociedade Petalógica e a livraria de Brito
fechou suas portas. Desta forma, os intelectuais viram-se sem um lugar propício
para suas reuniões regadas a poesias e variadas conversas.
Até que surgiu no cenário brasileiro a livraria Garnier, a mais importante
dentre as 16 existentes na Corte, no início dos anos de 1860. O francês Baptiste
Louis Garnier começou com um bazar onde quase tudo era vendido, mas, como na
década de 50 a especialização fez-se presente, Garnier seguiu esta tendência e
tornou-se somente livreiro.
A Livraria Garnier, localizada no centro social da Corte, a Rua do
Ouvidor, contava com o melhor estoque de livros franceses da cidade e o francês,
no começo de forma tímida, editava escritores brasileiros. Além disso, foi esta
uma das primeiras livrarias a expor livros na vitrine, o que atiçava a curiosidade
dos inúmeros passantes da movimentada Rua do Ouvidor.
Com um espaço ideal para conversas, como fora a livraria de Paula Brito,
a Garnier vivia cheia de escritores, jornalistas e curiosos, principalmente depois
das três da tarde, quando acabava o expediente das repartições públicas. Foi lá que
o jovem Machado de Assis aproximou-se de José de Alencar, o mais importante
romancista da época.
Bem como Paula Brito, Garnier foi um precursor na maneira de vender
livros. No final da década de 1850, o francês utilizou uma prática muito comum
em seu país de origem: aquele que comprasse, em dinheiro e à vista, livros no
valor de 5$ recebia um bilhete para concorrer a um sorteio mensal e ganhava
quem tivesse o número correspondente ao primeiro prêmio da loteria federal. No
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início, o vencedor ganharia 500$ em jóias 2, mas considerado rifa, prática proibida
por lei na época, o plano não deu certo e o prêmio passou a ser de 600$ em livros.
A idéia um sucesso e vários livreiros aderiram à mesma prática adotada por
Garnier.
Durante as décadas de 60 e 70, Garnier foi o mais importante editor
brasileiro. Além de ser muito cuidadoso com as publicações dos livros, os quais
fez com que tivessem o mesmo nível das publicações européias, o editor foi o
primeiro a pagar direitos autorais a seus tradutores e a remunerar bem seus
autores. José de Alencar, Macedo, Bernardo Guimarães e Machado de Assis eram
editados por Garnier.
“Antes do fim do ano, Alencar concluiu o novo perfil de mulher, Diva, do qual Garnier contratou logo duas edições, cada uma a 250$000. Em pouco mais de quatro meses, o escritor recebeu 2.100$00 de direitos autorais, uma quantia respeitável, igual ou superior à que recebem os autores de best-seller de hoje.” 3
Garnier não fora apenas um livreiro, mas um dos responsáveis pelo
desenvolvimento do romance e do conto nacionais, afinal, a prosa de ficção
brasileira precisava de alguém que corresse todos os riscos de editá-la, com o
devido respeito aos seus criadores.
Além das livrarias e das sociedades formadas por intelectuais, os cafés
eram um importante ponto de encontro daqueles que gostavam de conversar,
declamar e discutir. Localizado na Rua Direita, atual Primeiro de Março, a
Confeitaria Canceler era badaladíssima na época. Porém, foi sua mudança para a
Rua do Ouvidor, em 1861, que fez com que a Confeitaria caísse nas graças do
público. Até o imperador Pedro II era um assíduo freqüentador do local e lá
tomava os famosos sorvetes do estabelecimento.
“Quem quisesse ser visto ou desejasse ver alguma personalidade em evidência, bastava sentar-se em uma das mesas do Canceler e aguardar. Pela confeitaria desfilavam escritores como Alencar, Maciel Monteiro, Machado de Assis, Pereira da Silva; políticos como Zacarias de Góes Vasconcelos, Nabuco de Araújo, Francisco Otaviano, e homens de negócio, como Mauá.” 4
2 Segundo Ubiratan Machado, tal quantia era equivalente a um alfinete de gravata de prata ou um bracelete. 3 Idem, p.81. 4 Idem, p.61.
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D. Pedro II era um apaixonado pela literatura e apreciava o convívio com
os homens das letras, por isso, o Paço chegou a ser um dos centros da vida
literária do Rio de Janeiro. O imperador gostava de amizades e apreciava bons
debates intelectuais, apesar de ser um homem conhecidamente teimoso e firme em
suas opiniões. Tal temperamento fazia com que Pedro II não aturasse teimosias de
outrem e menos ainda a irreverência e o deboche. O escritor José de Alencar,
conhecido como um homem melindroso e áspero e até chamado de malcriado,
estava bem longe de ser um dos intelectuais favoritos do imperador.
Pedro II acreditava que a literatura possuía uma missão social na formação
da nacionalidade brasileira, assim sendo, não via com bons olhos escritores fracos,
boêmios e derrotistas, afinal, seria deveras danoso para a consolidação e
preservação do nacional a influência de jovens nefastos. Pedro II, portanto, desde
cedo, decidiu influir na vida intelectual do Brasil, usando suas armas, ou seja, a
influência pessoal e o mecenato.
Quando convidado por Januário da Cunha Barbosa para receber o título de
protetor de uma recém-criada instituição, o Instituto Histórico Brasileiro, o
imperador não se fez de rogado, logo providenciou uma ampla sala para reuniões
e uma área para a biblioteca. O prédio, onde hoje funciona a Faculdade Cândido
Mendes, era ligado ao Paço por uma passarela e as reuniões aconteciam às cinco e
meia da tarde, sexta-feira sim, sexta não. Lá, o imperador estava sempre presente
e o lugar, além de ter sido um importantíssimo centro de discussões, tornou-se um
dos refúgios prediletos para intelectuais, como Gonçalves Dias, por exemplo, que
já cansado das brigas constantes com sua mulher, esperava ansiosamente pelas
sextas-feiras.
Quando, em 1853, o português Antonio Feliciano de Castilho tentava fazer
fortuna no Brasil, decidiu, sabendo da paixão literária de D. Pedro II, dedicar ao
imperador o poema “Camões”, que seu irmão declamou para Pedro II. A partir de
então, as reuniões para leitura de poemas começaram a acontecer no Paço. Apesar
de o grande espetáculo ser a recitação de poemas, sempre havia espaço para
fofocas e observações maliciosas. Uma das vítimas de comentários era o próprio
imperador, que adorava criticar poemas alheios ao mesmo tempo em que escrevia
sofríveis versos. Claro que tais comentários eram feitos em surdina, afinal ele era
um grande mecenas capaz de financiar publicações, bolsas de estudo e subsídios.
Não faltavam poemas publicados em jornais, inclusive do jovem Machado de
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Assis, que insuflavam as qualidades de Pedro II. O monarca, assim, ganhava
prestígio intelectual e apoio político daqueles que recebiam sua ajuda.
É no período romântico que nasce a crítica brasileira. Até meados da
década de 1850, entretanto, não havia uma crítica verdadeiramente séria sobre os
recentes livros publicados. Apenas existiam pequenas referências, entre outras
variadas notas, das novidades editadas. O objetivo destas notas era unicamente o
de estimular o leitor a comprar determinada obra, ou seja, era muito menos uma
crítica do que uma propaganda.
Houve, em 1838, no Jornal do Comércio, uma tímida tentativa de análise
dos livros pela imprensa, mas a iniciativa não perdurou. Anos depois, em 1843, na
revista Minerva Brasiliense, apareceram novas críticas, mas estas estavam mais
preocupadas em identificar as influências estrangeiras e o espírito de
nacionalidade na literatura do que em realmente examinar e analisar de forma
crítica a obra em questão.
Contudo, no ano seguinte, na mesma revista, surge uma luz no fim do
túnel: Dutra e Melo. O jovem, de 22 anos, soube usar a teoria de seus colegas,
mas sem prender-se em comparações com as aclamadas obras estrangeiras,
principalmente com as francesas.
Dutra e Melo publicou dois trabalhos críticos. O primeiro deles sobre o
livro A moreninha, de Macedo, e o segundo sobre Marília de Dirceu, de Gonzaga.
Em ambos, Dutra soube equilibrar a compreensão das obras e o reconhecimento
do valor histórico de cada uma delas. Soube também aproveitar o sucesso do
romance de Macedo, o grande best-seller da época, e com seu irmão editou, em
1845, a segunda edição do romance. Infelizmente, morreu aos 23 anos e sua
trajetória como crítico literário terminou precocemente e não deixou sucessores,
afinal, a maioria das críticas literárias estava repleta de elogios e de trocas de
amabilidades entre amigos.
Em 1847, no Correio da Tarde, surge um ferrenho crítico chamado
Optimus Criticus. Por trás de tal pseudônimo estava o poeta Gonçalves Dias, que
ingressara recentemente naquele jornal, arrasando o poema de Teixeira e Souza,
“A independência do Brasil”. Temeroso com a possível reação de Teixeira, Dias
se surpreendeu com a humildade do colega que afirmou não ter grandes
pretensões na poesia e apenas estar a procura de, através do poema, um emprego
22
modesto. Pouco depois, Teixeira e Souza foi nomeado guarda da alfândega e
Gonçalves Dias afastou-se da crítica.
O que fora uma exceção para Gonçalves Dias tornou-se um hábito para
Manuel Antonio de Almeida. Durante dois anos, começando 1854, ele publica a
“Revista Bibliográfica”, no Correio Mercantil. Suas críticas, quando a obra não
era de seu agrado, eram bastante ofensivas e irônicas. Bem como Bernardo
Guimarães, ainda mais agressivo do que Maneco e tomado por um sentimento de
onipotência, em suas críticas publicadas em A Atualidade, nos anos de 1859 e
1860.
As publicações mais simples e dirigidas para um público restrito, nos anos
de 1850, é que foram responsáveis pela consolidação da crítica brasileira. Nesta
época, muitos escritores tentaram entrar nos caminhos da crítica literária, mas foi
a partir da década de 60 que a crítica tornou-se tão atrativa quanto a poesia.
Muitos estudantes passaram a dedicar-se à crítica, como Macedo Soares e
Pessanha Povoa, alunos da Academia de Direito, dois críticos imparciais e
capazes de fazer uma análise equilibrada da obra.
José de Alencar foi um dos escritores que se enveredou pelos caminhos da
crítica literária. Talvez o mais vaidoso dos românticos, Alencar se zangava com as
poucas e vazias críticas feitas a seus livros e por isso foi implacável com
Gonçalves de Magalhães e A confederação dos tamoios. Implacável, porém, não
arbitrário, afinal, mostrou todos os seus conhecimentos, seu bom senso e a sua já
consagrada brilhante maneira de expressar-se.
A obra mais atacada durante todo o período romântico foi o conjunto de
novelas As vítimas-algozes, de Joaquim Manoel de Macedo de 1869: todas as
críticas acusavam a obra de imoral, por causa de suas descritivas e detalhadas
cenas. O jornal de José de Alencar, o 16 de julho, publicou artigos com as mais
negativas críticas a respeito da obra de Macedo. Mesmo sem assinatura, todos
sabiam que só poderia se Alencar o tal crítico, afinal, As vítimas-algozes
condenava claramente o regime escravocrata com cenas chocantes e Alencar,
então ministro da Justiça, era conhecidamente um defensor da escravidão, por
considerá-la um dos pilares da economia do Brasil. A violência das críticas fez
com que A Reforma, jornal para o qual Macedo colaborava, saísse em defesa do
escritor, com uma resposta irônica sob o título de “ministro poeta”. Tal combate
23
entre Macedo e Alencar foi jocosamente batizado pela imprensa da época de
guerra da viuvinha contra a moreninha.
Outro importante escritor romântico que marcou presença no nascimento
da crítica brasileira foi Machado de Assis. Com equilíbrio e justeza raros,
Machado era sintético em suas críticas que possuíam um senso único de
observação. O escritor, cansado das mesquinharias do meio crítico, decidiu
afastar-se das críticas, só voltando fora do período romântico, mas ainda assim tal
atividade não se tornou habitual para Machado.
Nas décadas de 50 e 60, os homens das letras eram figuras
obrigatórias nos salões e todo dia era dia de festa na Corte. Com o Império
consolidado e a estabilização da economia, a sociedade brasileira, mais
precisamente a carioca, vivia momentos de grande alegria, uma mentalidade
urbana começou a crescer e o convívio social passou a ser estimulado. O
progresso faz-se presente e o Brasil vive uma época de profundo otimismo, apesar
permanência da escravidão em nossa sociedade de então.
Um fator essencial para o prestígio dos salões era a presença de
celebridades literárias. José de Alencar, Castro Alves e Álvares de Azevedo eram
bastante requisitados e não se faziam de rogados, foram assíduos frequentadores
de salões. Nestas festas, além de muita conversa, havia espaço para declamações
ao som do piano e até encenações de peças teatrais escritas especialmente para a
ocasião.
Os salões, entretanto, não eram exclusividade da Corte. Apesar de
possuírem uma vida social menos glamourosa, em Recife, São Paulo e Salvador
também havia salões freqüentados por importantes escritores da época. Presenças
como as de Maciel Monteiro, Álvares de Azevedo e Castro Alves, este último um
grande conquistador, eram freqüentes e os intelectuais ocupavam um lugar de
destaque nas reuniões.
Como nem tudo eram flores, os poetas vão para a praça pública e seus
versos tornam-se instrumentos de combate e ação social no período da Guerra do
Paraguai e da campanha abolicionista. Os românticos, portanto, tiveram um
importante papel social no Brasil. Nossos escritores participaram ativamente dos
movimentos que levaram ao declínio da monarquia, à abolição da escravatura e o
advento da república. Logo, a importância do escritor romântico não está somente
24
em sua obra publicada, mas na força de suas palavras e na sua capacidade de
conscientizar e mobilizar o povo brasileiro.
Foi esta uma época da vida literária brasileira em que surgem os grandes
editores com coragem de publicar nossos escritores e com a preocupação de
vender seus livros, utilizando a exposição em vitrines, propagandas e promoções.
É neste mesmo século XIX que a crítica literária brasileira começa a engatinhar.
Foi um tempo em que a valorização da presença e da opinião de nossos literários
foi essencial na vida cultural de um Brasil que dava os primeiros passos em busca
de uma autonomia cultural, política e social.
25
2.2
Bem-vindos ao século XX: o Rio civiliza-se.
“A rua resume para o animal civilizado todo o
conforto humano. Dá-lhe luz, luxo, bem-estar, comodidade e até impressões
selvagens no adejar das árvores e no trinar dos pássaros.” (João do Rio)
No início do século XX, O Brasil, já uma República, vivia uma época em
que a calma e a prosperidade reinavam. As crises de transição haviam passado, a
economia prosperava e nas grandes cidades multiplicavam-se lojas, confeitarias e
elegantes salões. A Academia Brasileira de Letras, fundada em 1897 por Machado
de Assis, oficializava a literatura. O Rio de Janeiro passava por uma forte
transformação, na qual sua fisionomia tornava-se cada vez mais parecida com a de
Paris, graças aos empreendimentos de urbanização do prefeito Pereira Passos.
Além da moderna paisagem, o que atraia os provincianos e os deixava
boquiabertos, quando visitavam o Rio, era a alegria de ver grandes nomes de
nossa literatura nos cafés da cidade. Aqueles preferidos pelas celebridades
literárias eram a Confeitaria Colombo, na Rua Gonçalves Dias, e a Confeitaria
Pascoal, na Rua do Ouvidor. Esta última, entretanto, perdeu muitos de seus
clientes literatos, quando Olavo Bilac, o Príncipe dos Poetas, se desentendeu com
o gerente do lugar. Assim, o poeta e seus amigos passaram a frequentar a
Colombo. Lá, compunham-se versos, falava-se de política e criticavam-se os
ausentes.
Quase todos os poetas da Colombo costumavam embebedar-se com
absinto e cultuar as idéias do filósofo Friedrich Nietzche. Mas, aos poucos, a roda
de amigos da confeitaria foi se desfazendo, ou melhor, se renovando, pois
enquanto os membros antigos se retiravam, outros chegavam. Olavo Bilac, por
exemplo, foi proibido de beber pelo médico e acabou se afastando das conversas
na Confeitaria Colombo.
A boemia literária se prolonga até a primeira década do século XX. Além
da despreocupação daqueles tempos, da falta de entretenimento e do bom preço e
da boa qualidade do vinho, os boêmios intelectuais bebiam porque era
estabelecida, na época, uma íntima relação entre literatura e álcool. Mais do que
beber, os homens das letras transformavam, em seus encontros, quase tudo em
26
verso. Fatos cotidianos, como chegadas e partidas, pequenas brincadeiras e
agressões transformavam-se em estrofes. A sátiras e as agressões escritas
causavam grande desconforto naquele que era escolhido como vítima, pois os
versos logo se espalhavam.
“Custa-nos acreditar que semelhante atitude, em nossos dias, quando ninguém mais se intimida com tais armas. O que emprestava, então, força extraordinária às poesias satíricas e aos epigramas era a pequena sociedade à parte que os escritores formavam em um Rio de Janeiro muito menor, e ainda com certo cunho provinciano. Nos grupinhos de cafés e confeitarias, essas perfídias encontravam grande ressonância, acumulando sobre a “vítima” boa carga de ridículo. Atualmente, morreriam no riso anódino de duas ou três pessoas numa porta de livraria, se a poesia continuasse a ter curso como instrumento de ataque.” 5
As pequenas picuinhas eram comuns entre os intelectuais, mas havia também
o choque entre as correntes literárias existentes, naquele começo de século.
Simbolistas e parnasianos continuavam a digladiar-se, embora os primeiros já
tivessem perdido seu principal representante, o poeta Cruz e Souza, em 1898.
Alguns outros, entretanto, como Alphonsus de Guimaraens, continuavam na
defesa pela poesia feita de sonoridade e requintadas imagens. Do outro lado,
poetas como Olavo Bilac, Guimarães Passos e Alberto Oliveira defendiam sua lira
parnasiana e preocupavam-se com a forma clássica e a “arte pela arte”.
A luta entre parnasianos e simbolistas não estava somente no plano teórico
em jornais e revistas, mas também no plano prático das relações sociais. Enquanto
os parnasianos tendiam a banalizar o culto à poesia e à alta condição do poeta no
mundo, afinal, não hesitavam em fazer sonetos de encomenda, caso isto lhes
trouxesse vantagens econômicas; os simbolistas desprezavam a idéia de produção
maciça de poesia e viam o poeta acima das pequenezas do mundo, um ser capaz
de penetrar nos mistérios da existência.
Além da atitude, a maneira dos simbolistas se diferenciarem daqueles que
julgavam vulgares era através das requintadas roupas usadas. O uso de trajes para
a diferenciação não era, todavia, exclusividade desta corrente literária. Escritores e
artistas usavam roupas extravagantes para se diferenciarem dos meros mortais,
com suas gravatas de cores berrantes, seus monóculos e capas espanholas,
chamavam a atenção e os destacavam da multidão. A construção da imagem do
5 BROCA, Brito. A Vida Literária no Brasil de 1990. p. 77.
27
autor, portanto, fazia-se através da união dos locais freqüentados com o próprio
figurino utilizado.
O uso do francês, por alguns simbolistas, era uma outra forma de separar a
maneira de expressar do poeta daquela usada pelas massas ignorantes. Alphonsus
de Guimaraens, por exemplo, escrevera em francês, talvez por considerar que sua
poesia era melhor expressa naquele idioma.
A tradição iniciada pelas primeiras gerações românticas, de escritores se
reunirem em livrarias, prosseguiu até o século XX. A Garnier permanecia como
ponto predileto entre os intelectuais da época. Lá, continuava não sendo um mero
estabelecimento comercial, mas uma espécie de clube no qual os escritores não
dependiam de títulos ou eleições para frequentá-lo. Mesmo após a morte de
Hyppolite Baptiste Garnier, a livraria continuou a funcionar sob os cuidados do
também francês Lanzac, que cultivou o mesmo clima cordial do lugar. Ainda
naqueles dias, a Garnier continuava sendo uma importante editora e a ela
juntaram-se nomes como os Lammerts, Francisco Alves e Pedro Quaresma.
Machado de Assis, agora já aclamado escritor, permaneceu como
freqüentador assíduo da Garnier. Com sua cadeira reservada, o escritor
permanecia por horas no local, falava pouco, mas era cercado de atenções e
interesses. Machado foi presença constante na Garnier até pouco antes de morrer,
mas sempre se manteve acima das intrigas tão presentes nos círculos de escritores.
Tal atitude, algumas vezes, causava antipatia por parte daqueles que não
entendiam seu comportamento discreto.
Outra importante figura no meio literário brasileiro foi o português João
Martins, principal dono de sebo naqueles tempos. Sua loja, localizada na Rua
General Câmara, abrigava uma vastíssima coleção de raros exemplares. Não eram
somente livros que enchiam suas várias estantes, mas ali podiam ser encontradas
muitas preciosidades, como os originais da História do Brasil de frei Vicente do
Salvador. Assim, muitos eruditos freqüentavam o sebo em busca de livros raros e
acabaram por se tornar amigos do excêntrico livreiro.
Excêntrico, pois, em meio a tantos objetos antigos, o velho Martins passou a
detestar o progresso, acreditando que suas inovações distrairiam o público do mais
importante de todos os divertimentos: a leitura.
28
“Enclausurado na loja em que residia, negava-se a tomar conhecimento do que se desenrolava lá fora, especialmente das lutas políticas. Rasgou-se a avenida, puseram-se abaixo centenas de prédios, os automóveis começaram a buzinar pelas ruas, surgiram os primeiros cinematógrafos. O velho Martins, numa teimosia irredutível de excêntrico, não quis jamais conhecer a avenida, a poucos passos do local onde morava, nem se permitiu a heresia de entrar num cinema.” 6
A Livraria Quaresma, fundada e 1879, na Rua São José, levava em conta a
pouca cultura do povo. Sendo assim, os livros editados por Quaresma, além de
baratos, possuíam um forte cunho popular e eram de fácil leitura, ou seja, a
“edição Quaresma” era feita para aproximar o leitor primário das letras. E assim o
fez. A separação, portanto, entre literatura popular, ou seja, aquilo que serviria
para o povo, e literatura erudita, direcionada para os mais “capazes”, já estava
clara.
Quaresma foi também o pioneiro da literatura infantil no Brasil. Foi ele quem
estimulou e publicou os livros de Figueiredo Pimentel, que levavam os heróis de
contos de fadas infantis para praticamente todo o Brasil. Figueiredo publicou com
a Quaresma livros como Histórias do arco da velha, Histórias da baratinha e
Contos da carochinha.
Muitos escritores, entretanto, não conseguiam ter suas obras publicadas por
editoras brasileiras, a solução, então, era editar seus livros em Portugal. Muitos
cediam suas obras gratuitamente, para terem o prazer de vê-las publicadas. Lima
Barreto, por exemplo, ofereceu, em 1907, os originais de Recordações do escrivão
Isaías Caminha a um livreiro português.
Os três grandes best-sellers da primeira década do século passado foram
Canaã, de Graça Aranha; Os Sertões, de Euclides da Cunha e A esfinge de
Afrânio Peixoto. O primeiro, editado pela Garnier, teve grande êxito de vendas no
ano de 1902. Euclides da Cunha foi publicado pela Lammert, editora conhecida
por suas obras científicas e sérias, que considerou Os Sertões de muita
importância, pois se referia a um acontecimento recente e discutido, mas pouco
retratado nos livros, a Guerra de Canudos. Já o livro A esfinge foi editado pela
Livraria Francisco Alves, a qual acabou por concentrar suas edições em obras
didáticas, após já ter editado nomes como Olavo Bilac, João do Rio, José
Veríssimo, entre outros.
6 Idem. P. 85.
29
Corria a lenda de que Francisco Alves era um homem conhecidamente
grosseiro e rude que passava os dias fazendo contas, sempre preocupado com os
lucros. Um homem, que apesar de ter vivido entre livros, teria morrido analfabeto.
Alves, diziam alguns, era indiferente ao progresso da Capital Federal, mas teria
morrido milionário.
Alguns acadêmicos, entretanto, defendiam Francisco Alves e o classificavam
como um homem que, por trás das grosserias, possuía delicadeza de sentimentos.
Muitos diziam que não era verdadeira a história de Alves ser analfabeto, pelo
contrário, era um homem culto e que chegou a escrever várias obras didáticas. O
que sabemos e o que nos importa, no final das contas, era que Francisco Alves era
um excelente comerciante e um corajoso editor capaz de publicar escritores
inéditos, dando-lhes a chance de aparecer, como aconteceu com Afrânio Peixoto,
um escritor novo que teve um arrasador sucesso com seu livro A esfinge.
Acompanhando a maré de progresso, os jornais começavam a modernizar-se.
As pequenas oficinas de tipografia já compravam novas máquinas e iam-se
tornando grandes empresas, com direito a equipes de repórteres, fotógrafos,
redatores e colaboradores, bem como prédios próprios. As antigas oficinas de
jornal transformaram-se em lucrativas empresas, que vinculavam anúncios e
atraíam mais leitores com caricaturas e manchetes. Olavo Bilac e Emilio de
Menezes, por exemplo, escreviam anúncios para os patrocinadores de alguns
jornais.
O desenvolvimento da imprensa não prejudicou a literatura brasileira
daqueles tempos. Muitos jornais continuaram a aceitar e a pagar pelas
colaborações literárias e era desta maneira que muitos escritores ganhavam
mensalmente para escrever suas crônicas nos principais veículos da imprensa
daqueles dias. Em 1907, Olavo Bilac e Medeiros e Albuquerque tinham suas
crônicas publicadas respectivamente na Gazeta de Notícias e em O País. Desta
maneira, a imprensa conseguia levar um grande número de intelectuais para a
metrópole, pois aqueles que não conseguiam realizar-se no campo da escrita
tinham sua vida facilitada pelos pagamentos mensais dos jornais e seus nomes
divulgados.
Aos poucos, a cultura das casas de café foi perdendo espaço para o five
o’clock tea, sim, como na Inglaterra. É por volta de 1910 que os finos e
requintados passam a se reunir, vestidos com os mais recentes figurinos de Paris e
30
Londres, em chiques salões, com suas salas aromadas e iluminadas à eletricidade.
Foi a partir desta época que a imagem do poeta aproximou-se da imagem da vida
do homem comum, que não mais precisava sacrificar-se pelo ideal literário. Até
mesmo os simbolistas, que defendiam o ódio à burguesia, se deram conta de que
não havia como escapar da vida material. A boemia levada às últimas
conseqüências por alguns escritores não mais era bem vista naqueles tempos,
afinal, com o surgimento da Academia Brasileira de Letras passou a ser exigida
uma certa postura elegante e maneiras corretas de comportamento. A figura
romântica do poeta como um não-conformista, boêmio e desajustado não se
encaixava nos moldes pretendidos pela casa de Machado de Assis.
Á noite, os clubes noturnos recebiam os elegantes intelectuais, saídos, em sua
maioria, das redações de jornais, dos teatros, ou dos primeiros cinematógrafos
instalados na avenida. O jogo dominava o Rio de Janeiro e a última novidade do
século era a luta romana, que atraía aqueles que achavam chiques as fortes
emoções. Os freqüentadores de clubes noturnos apareciam vestidos com as
últimas modas de Paris e escandalizavam os burgueses com sua atitude arrogante
e superior.
A aproximação da literatura com o mundanismo fez com que alguns salões, a
maioria caracteristicamente literários, aparecessem e fascinassem a sociedade
intelectual. O mais famoso foi o de Laurinda Santos Lobo, no alto de Santa
Teresa. Finamente decorado, o salão atraía escritores, artistas e celebridades
estrangeiras de visita ao Rio de Janeiro. Lá, todavia, o assunto predileto ainda
eram as novidades parisienses.
Mas foi no salão de Coelho Neto, na Rua do Ruzo, que a literatura era o
assunto central das conversas. A casa de dois andares estava sempre aberta a todos
e o anfitrião recebia com extrema cordialidade, fazendo com que seus convidados
se sentissem à vontade no lugar. Escritores, músicos, pintores, alunos e mestres da
Escola de Belas Artes freqüentavam as reuniões ocorridas, geralmente, aos
sábados. Poemas eram recitados, cantigas cantadas e lá Olavo Bilac foi eleito e
coroado, em uma festiva noite, “Príncipe dos Poetas”.
A tradição dos salões literários também estava presente em São Paulo. A
residência de José de Freitas Vale, na Vila Marina, chamada de Vila Kyrial,
acolhia artistas jovens, como Oswald de Andrade, e personalidades das mais
31
diversas orientações. Conferências, concertos e até jogos atléticos divertiam e
instruíam aqueles que freqüentavam a Vila Kyrial.
A vida literária no Brasil do começo do século XX foi uma das mais agitadas.
O entusiasmo trazido pelo progresso, a nova paisagem urbanizada e organizada à
maneira parisiense animou os ânimos daqueles que, além de fazer literatura,
gostavam de desfilar e confraternizar nas largas avenidas construídas. A vida
social, portanto, andava de mãos dadas com a vida literária.
Se o romantismo caracterizou-se pela forte influência dos homens das letras
na vida social e política do país, os poetas de 1900 preocuparam-se mais em
aproveitar a nova vida trazida pelo progresso. Claro que importantíssimas obras
da literatura brasileira surgiram naquela época e trouxeram forte cunho social,
como Os Sertões, além da ascensão de Lima Barreto. Os tempos são outros, não
podemos esperar um novo Castro Alves em praça pública, mas a seriedade a
respeito da literatura permanece, apesar da aparente frivolidade daqueles dias.
A necessidade de o escritor diferenciar-se dos outros através de roupas e
maneiras é um ponto importante desta época da vida literária brasileira. Afinal,
deste modo, o artista das letras se destaca e se coloca de forma superior perante
àqueles que não fazem parte do mundo da arte, porém, isto não significa que o
escritor não fazia parte do confortável mundo do progresso e dos bens materiais.
A nova paisagem carioca propicia o desfile de trajes por toda a avenida, trajes
capazes de classificar o status social do indivíduo, tendo a rua como passarela.
Além disso, os lugares freqüentados por escritores também os classificam
dentro da ordem social. Obviamente, que a honraria maior era, e ainda é, ser um
dos membros da Academia Brasileira de Letras, mas a convivência de escritores
em salões literários, cafés, livrarias e chás, era mais uma forma de fazer parte da
vida dos artistas da época e de se colocar como tal.
32
3
Como colar na Coca-cola
“Sou uma marca, me reconheço como marca, mas tudo isso tem um objetivo bem claro para mim.
Quero vender muitos livros. Onde houver uma garrafa de Coca-Cola,
quero um livro meu ao lado.” (Paulo Coelho).
É preciso um salto no tempo. Voltaremos nosso olhar para o presente e
veremos uma transformação do autor nunca imaginada nos anos retratados no
capitulo anterior, isto é, o autor como uma marca.
O que significa afirmar que determinada roupa é de marca? O que
significa identificar um produto e qualificá-lo através de um logotipo? Como
fazer de uma marca uma grande marca mundialmente conhecida e,
conseqüentemente, lucrativa? O consumidor precisa ser enfeitiçado, conquistado
pela marca, mais do que pelo produto.
A quantidade de produtos semelhantes existentes e a similaridade dos
canais de comunicação que divulgam o produto valorizam a marca com elemento
de diferenciação. Isto quer dizer que quando um consumidor adquire um produto
não compra apenas um bem, mas um conjunto de valores e atributos da marca.
Estamos acostumados a ver grandes marcas ao lado de produtos de grande
consumo. Hoje, não são somente tênis, roupas e alimentos os únicos produtos
capazes de agregarem grandes marcas. As celebridades, ao virarem produtos,
viram marcas. Seus nomes ligam-se a certos produtos para que estes sejam
vendidos. Por quererem assimilar determinadas qualidades, adquirindo
características humanas que deverão ser transmitidas ao consumidor, as empresas
contratam celebridades capazes de se encaixarem neste papel.
A Nike, líder mundial em venda de material esportivo, quer transmitir seu
espírito vitorioso através dos atletas contratados para identificar sua marca.
Craques de diferentes modalidades esportivas ganham milhões de dólares para
emprestarem a Nike sua aura de vencedores. Alguns jogadores brasileiros de
futebol, por exemplo, unem seu nome a chuteiras. A ligação entre o jogador e o
produto que leva seu nome é óbvia. Ronaldinho Gaúcho é um jogador
33
mundialmente famoso, seu nome está ligado à vitória, à superação. Uma marca,
portanto, contém mais fatores envolvidos do que os atributos do produto e seus
benefícios para o usuário. Uma marca é um símbolo, ou seja, uma representação
que evoca um sentido.
A importância da marca está nas associações que o consumidor evoca
quando a reconhece em determinado produto, sem a necessidade de obter
informação sobre o produto. As marcas existem na mente e não somente nas
embalagens, não são apenas nomes memorizados, são sim uma percepção de
significados. Uma marca é um símbolo de distinção e são suas características
emocionais que potencializam seu valor. A escolha de determinada marca está
ligada à emoção, portanto, é preciso que a marca esteja ligada ao inconsciente
coletivo, afinal, produtos são criados para atender às necessidades práticas do
consumidor, já as marcas são criadas para atender suas necessidades psicológicas.
Para ilustrarmos a importância da marca no mercado hoje, vejamos o
exemplo, em números, da marca Malboro. Mesmo se uma catástrofe qualquer
acontecesse na principal fábrica da Philip Morris (fabricante do Malboro),
continuaria existindo a mina de ouro, pois, enquanto o Malboro vale 4 bilhões de
dólares dentro do patrimônio líquido da Philip Morris, a marca Malboro vale 48
bilhões de dólares. Sendo assim, o que prejudicaria a fabricante seria a perda do
direito de usar a marca 1. A marca, portanto, é uma entidade independente que
transmite sensações e emoções ao consumidor.
A arte, que antes ficava em um patamar diferente, se integra, no pós-
moderno, à economia. Ou seja, a arte torna-se um produto de consumo e, para
tanto, faz-se presente nos meios de comunicação de massa. É o capitalismo tardio
que se expande até a produção estética.
É importante tentarmos entender o que vem a ser o capitalismo tardio ou
multinacional, pois, para Frederic Jameson 2, o pós-modernismo seria uma
extensão cultural do capitalismo tardio, ele seria a lógica cultural do capitalismo
na fase em que este teria ampliado seu espaço territorial para além das fronteiras
1 MARTINS, José. A Naureza emocional da marca: como escolher a imagem que fortalece a sua marca. 1999.. 2 JAMESON, Frederic, A lógica cultural do capitalismo tardio. In:___. Pós-modernismo. A lógica cultural do capitalismo tardio 1996,
34
do mundo ocidental. Em outras palavras, o capitalismo tardio, segundo Jameson, é
forma mais pura de capitalismo.
A cultura na sociedade pós-moderna tornou-se uma espécie de produto
rentável em um estágio em que os níveis econômico e cultural se fundem, sendo
assim, os termos capitalismo tardio e pós-modernismo referem-se ao mesmo
estágio social.
O que está em questão é um capitalismo que dá atenção aos aspectos mais
humanos e privados da sociedade, diferente do século XIX, em que a separação
entre público e privado era bastante clara.
Neste estágio mais puro do capitalismo, um nome pode tornar um produto.
Assim, os nomes dos artistas tornam-se marcas, como etiquetas de grifes. As
imagens, os nomes não são acessórios de produtos econômicos, mas os próprios
produtos.
Paulo Coelho é uma marca cobiçada, pois seu nome é conhecido no mundo
inteiro. Diferente de outros escritores de sucesso mundial, Paulo Coelho é maior
do que sua obra. Ser assunto de capa da revista Exame, com o título: “O Mago do
Marketing”, é um fortíssimo indício do rumo que tomou a carreira de Coelho.
Afinal, escritores costumam aparecer em revistas literárias ou em colunas
culturais de jornais.
Apesar de já ter vendido cerca de 70 milhões de livros por todo o mundo,
seu nome é mais forte do que seus livros, sua assinatura tornou-se um grande
negócio e, claro, atrai grandes empresas. Brevemente será lançado no mercado um
laptop da Toshiba com o selo de Paulo Coelho, mas já foi lançada, com seu nome,
uma linha de canetas de luxo da Montegrappa, que custará cerca de 370 euros.
Por que as pessoas pagariam muito mais caro por uma caneta da marca
Montegrappa do que por um produto semelhante sem marca? Emoção. Mesmo as
decisões mais racionais sofrem influência das emoções. O consumidor se sente
motivado a fazer determinada compra pelas necessidades e pelos desejos pessoais.
Além disso, a escolha da marca está ligada à realização afetiva, ou seja, a marca
precisa passar esta imagem de realização.
Ora, não é por acaso que o nome do autor está ligado a computadores e
canetas. Para a infelicidade da crítica, Paulo Coelho é um autor lido e respeitado
por seus leitores em todo o mundo e nada mais natural do que ter seu nome ligado
a produtos que lembrem o ofício da escrita. Quando o escritor vende seu nome a
35
canetas, fica clara esta relação entre a marca e a satisfação pessoal dos
consumidores. Isto porque seu nome, além de carregar o prestígio de um homem
bem sucedido no mundo literário, agrega, segundo seus consumidores, uma
imagem de sabedoria. A função objetiva da publicidade é informar as
características de determinado produto, mas não são estes discursos informativos
possuidores de um valor decisivo para o consumidor, mas sim seus valores de
proteção e gratificação. A compra de um produto, portanto, ultrapassa os valores
racionais.
J.K. Rowling, escritora escocesa e autora do sucesso Harry Portter, ficou
bilionária. A saga do bruxinho já vendeu cerca de 300 milhões de cópias no
mundo todo. Harry Portter é uma marca global, mas J.K. Rowling não é. Não é o
nome da autora que aparece nos rótulos dos inúmeros produtos licenciados, mas
sim o nome da personagem que ela criou.
Dan Brown, escritor americano, autor de O Código Da Vinci, foi um estouro
de vendas. Assim como Harry Potter, chegou às telas de cinema. Mas o nome de
Brown não está em nenhum produto, além, obviamente, de seus livros. O que há
em comum entre J.K. Rowling e Dan Brown? São escritores de sucesso e ponto
final.
Paulo Coelho, porém, não alcançou o status de marca sozinho. Há, em
torno de seus livros, uma inteligente estratégia de marketing capaz de alcançar
diferentes meios de divulgação.
Recentemente, a revista IstoÉ fez uma tentadora promoção juntando-se ao
escritor. Assinando uma das revistas da Editora Três o leitor receberia,
gratuitamente, dez livros de Paulo Coelho. Assim, os interessados em revistas
sobre economia ou celebridades teriam a chance de ter os sucessos do autor. Por
outro lado, a mesma editora oferecia a venda da mesma coleção de livros e uma
das revistas seria enviada aos leitores por seis meses. As duas promoções
ofereciam um preço tentador aos leitores. Assim sendo, ambos, Coelho e a Editora
Três, sairiam lucrando: os muitos leitores de Paulo Coelho leriam as revistas da
editora e os leitores da editora conheceriam a obra do escritor. Sem mencionarmos
que a imagem do escritor alia-se a revistas consideradas sérias e de conteúdo
informativo confiável.
Outra estratégia de divulgação da obra ficou clara no último romance do
escritor, A bruxa de Portobello. Neste caso, Coelho utilizou a Internet para
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divulgar seu trabalho. Os primeiros capítulos do livro estão à disposição do leitor
na página oficial do escritor na Internet, em um blog, mas aos capítulos seguintes
só terão acesso aqueles que comprarem o livro impresso. E como não
comprariam? Como ler apenas um terço de um livro e não comprá-lo?
Mas a melhor estratégia de marketing do autor, e talvez a mais antiga de
todas, é o famoso boca-a-boca. Paulo Coelho percorre o mundo divulgando seus
livros. É capaz de lotar auditórios e livrarias repletos de fãs ávidos por um
autógrafo e sedentos em escutar as palavras de um escritor que consideram um
sábio. Em 2003, Coelho entrou para o Guinness Book of Records como o autor
que mais assinou livros em edições diferentes. O próprio escritor afirmou, em um
recente programa exibido no Fantástico (Sibéria - A Missão de um Mago), que
quer “encontrar seus leitores nos lugares aonde os escritores não vão nunca”.
O sucesso da marca Paulo Coelho, portanto, deve-se a dois fatores
definitivos: seus livros e algo que encanta e magnetiza seus seguidores, o carisma.
37
3.1
Primeiro passo: O Best-seller.
“Agora que o conheço pessoalmente, irei ler seus livros; na verdade, disse que não gosto, mas nunca os li.”
(O Zahir – Paulo Coelho)
Definir o que vem a ser cultura é tarefa bastante árdua, devido à
abrangência do termo, e não é este o objetivo deste trabalho. Porém, o uso popular
do termo está mais ligado à idéia de erudição ou virtuosismo. Mas cultura é muito
mais do que isso, pois, em nenhum momento, podemos pensar em indivíduos ou
sociedades incultas. Afinal, são os padrões culturais que estabelecem certos
costumes, certas regras de comportamento, constituintes de uma cultura.
Não podemos, entretanto, deixar de lado a questão de várias culturas
específicas de classe social, de etnias, de sexo, etc. Isto fica muito claro na
produção cultural capitalista, a qual destina seus produtos a determinados tipos
culturais de consumidores. E é com o advento da cultura de massa, uma cultura
específica de classe, que surge a literatura de massa.
Foi a partir da última metade do século XIX que surgiu o conceito de
sociedade de massa, quando, na Europa Ocidental, nasce a moderna sociedade de
classes. O crescente processo de urbanização e o novo sistema de produção em
longa escala, decorrentes da Revolução Industrial, trazem esta nova realidade
social européia. Os valores da velha sociedade aristocrática são substituídos pelo
igualitarismo onipresente, pelo materialismo e pela instabilidade social.
As novas atividades do Estado diante da sociedade e a mudança
comportamental do indivíduo tornaram o caráter das relações pessoais cada vez
mais impessoais. O indivíduo torna-se isolado e sua individualidade é
minimizada. O desequilíbrio do Estado, que privilegia determinados grupos
sociais, os quais passam a dirigir e administrar a economia, a política e a cultura,
faz com que a nascente classe burguesa torne-se a classe dominante, capaz de
exercer seu controle social, subordinando à sua autoridade a emergente classe dos
proletariados. Estes compõem uma classe em que os indivíduos não são tratados
nem avaliados por suas qualidades pessoais, mas são apreciados na medida em
que possam atender às suas demandas contratuais.
38
É neste contexto que surge, no século XIX, o termo “massa” de forma
depreciativa no pensamento político e conservador da época. Gustave Le Bom,
um dos pensadores daquele século, fala de uma multidão de personalidade
inconsciente, com indivíduos sem vontade própria. Todos os estudos da época
mostravam a burguesia como detentora de cultura e a “massa” como o estrato
subordinado da sociedade. 3
É também neste contexto da sociedade industrial que a produção cultural
assume a condição de mercadoria, ou seja, o trabalho literário do escritor torna-se
um produto vendável. É importante destacarmos que o objetivo primeiro da
produção de cultura de massa é o consumismo rentável, o que não significa que
não seja possível a harmonia entre consumismo e ideologia desta produção, afinal,
muitas vezes, é através dos produtos de massa que o povo é manipulado.
Max Horkheimer e Theodor Adorno, no ensaio A indústria cultural – o
Iluminismo como mistificação das massas, fazem alusão à indústria cultural. Para
os autores, não seriam os consumidores os agentes que movem a indústria
cultural, mas ao contrário, tal indústria, que tem como ideologia o negócio, seria a
controladora social e este controle seria feito através da padronização. A cultura,
portanto, inserida no capitalismo tardio, torna-se ela própria uma indústria e,
como tal, visa alcançar o lucro.
Assim sendo, os consumidores tornam-se números estatísticos e a própria
produção cultural classifica seus produtos de acordo com o público que pretende
atingir. O consumidor, portanto, não é sujeito da industria cultural, mas seu
objeto. Objeto de uma industria que o molda, molda sua imaginação e sua
espontaneidade, através de seus produtos.
Deste modo, os consumidores são classificados e organizados e devem
consumir os produtos de massa criados para seu tipo. Os produtos são fabricados
de acordo com o tipo de consumidor que deve ser atingido, um consumidor já
antecipadamente classificado pela própria produção. Isto é, os produtos da
indústria cultural tornaram-se funcionais e dirigidos a um público que já sabe o
que esperar destes produtos e alegra-se quando tudo ocorre como o esperado. No
lugar da obra, portanto, aparece uma fórmula preocupada com os efeitos e
possuidora de uma constituição objetiva, é através desta fórmula que os produtos
3CALDAS, Waldenyr. Literatura da Cultura de Massa: uma análise sociológica. 2000.
39
atrofiam a imaginação e a espontaneidade do consumidor cultural, pois este se
torna tão familiarizado com tais produtos que acaba tendo sua atenção
automatizada.
Paulo Coelho permanece fiel àquilo que os leitores esperam de seus livros.
Cada novo lançamento é aguardado ansiosamente por leitores ávidos pelo
reencontro com o já conhecido, uma leitura que atenda às expectativas daqueles
que encontram nos livros de Paulo Coelho um lugar seguro e confortável. Mesmo
com a existência de elementos de tensão não resolvidos, há sempre um elemento
resolutor, que apresenta uma solução consolatória das tensões iniciais. Este
elemento resolutor, no caso de Paulo Coelho, é encontrado dentro das próprias
personagens centrais, que, algumas vezes, são ajudadas por elementos fantásticos.
Mas tais elementos fantásticos aparecem aos poucos, para que o leitor passe a os
ver com familiaridade.
Nascido na Inglaterra do século XVIII, o romance popular segue o modelo
aristotélico de enredo: peripécia, resolução, catarse. Foi justamente esta
engrenagem conflito-solução que permitiu a transformação do romance popular
em um espaço de denúncia contra a sociedade ao mesmo tempo em que trazia
soluções consolatórias aos seus leitores. Já naquela época, o romance popular
fazia parte da indústria cultural como um produto voltado para a burguesia
citadina e mais especificamente para o público feminino.
No Brasil, uma das formas de entretenimento de massa surgiu nos rodapés
dos jornais, em meados do século XIX. Era o folhetim um espaço dos jornais
voltado para o deleite de sedentos leitores em busca do próximo capítulo a ser
publicado. Como as estórias publicadas nos folhetins chegavam ao leitor em
pequenas fatias, suas vendas aumentavam em concordância com a expectativa de
seus curiosos consumidores. Esta estrutura dos folhetins em muito influenciou a
estrutura dos romances brasileiros, servindo de instrumento de valorização do
país, pois, através do folhetim era possível alcançar um numeroso público, sendo
este formado por pessoas alfabetizadas e economicamente afortunadas.
Já vimos, no capitulo anterior, que o interesse em fazer propaganda de
livros e ganhar dinheiro com sua venda não é dos dias de hoje. Desde os primeiros
editores de obras nacionais, a preocupação com o mercado consumidor já existia.
Além disso, naquela época, a leitura já era uma forma de separação entre a elite
40
culta e o resto, afinal, a maioria dos alfabetizados fazia parte de uma afortunada
parte da sociedade.
Mas foi nesta mesma época que a literatura brasileira passou mais
claramente a servir para suplantar a hegemonia do português sobre o tupi e as
línguas africanas. Deveria ser o português a língua fixada pelas instituições
escolares e literárias formadas por uma elite culta de letrados, bacharéis e
sacerdotes.
Neste ponto, a separação entre elite ilustrada e a população fortaleceu-se.
O símbolo máximo desta separação foi a fundação do Colégio Pedro II, em 1837.
Lá, formavam-se as elites dirigentes do Brasil, que saiam dotados de cultura
clássica das letras e ciências. Já vemos, portanto, o forte papel das instituições,
principalmente o da escola, no reconhecimento e ensinamento da literatura culta.
Com a fundação da Academia Brasileira de Letras esta separação fica ainda mais
clara. Fica mais forte a importância das instituições na legitimação de uma
literatura culta.
Foi necessária esta regressão para que entendamos uma importante
diferença entre literatura culta e literatura de massa. Enquanto a primeira possui
textos institucionalmente reconhecidos como cultos e, portanto, através do suporte
acadêmico a produção e o consumo são estimulados; a segunda não possui suporte
acadêmico e seus estímulos de produção e consumo são orientados pelo mercado.
Mas tal diferença não significa que a literatura culta não esteja inserida na
indústria cultural, pois ela também se tornou um bem de consumo para a chamada
“elite culta”, tornou-se sinônimo de bom gosto literário. E é através de sua leitura
que esta elite se separa daqueles “incultos” leitores de best-seller.
Outro motivo para esta volta no tempo é que a estrutura dos romances de
Paulo Coelho em muito se assemelha com a estrutura dos romances do século
XIX, no que tange às soluções consolatórias. Ao fechar um livro, o leitor pode ter
duas reações: sentir-se desconsolado ou, ao contrário, consolado. No primeiro
caso, o leitor encontra-se em uma posição de desconforto e sem respostas
definitivas; já no segundo caso, tudo acaba como se desejava que acabasse, o livro
não cria um problema para o leitor, mas o leva a um lugar seguro e confortável.
As crescentes cobranças, as frustrações, a violência e todos os problemas
enfrentados por aqueles que se vêem constantemente testados, vigiados,
aprisionados em uma sociedade que exige um aprendizado permanente e contínuo
41
trazem a necessidade de um consolo. Não se pode mais ter a atitude blasé, é
preciso perceber o que acontece em volta e isto atormenta cada vez mais os
indivíduos, que se dão conta do que acontece em seu mundo. Muitas vezes, tal
consolo é encontrado nas prateleiras de livrarias. Livros de auto-ajuda pipocam
nas estantes e vendem como remédios que amenizam os males e as angústias
sofridas por seus leitores.
É óbvio que, através do mundo literário, é possível, por algumas horas, nos
desligarmos do mundo e mergulhamos em uma estória. Mas Paulo Coelho
conseguiu juntar as duas coisas: consolo e entretenimento. Consolo, pois suas
obras, estão repletas de lições, que mostram a possibilidade de triunfo do
indivíduo. Entretenimento, por não fazer de seu livro uma receita de “como ser
feliz”, mas sim contar uma estória, com ingredientes de fantasia e magia.
O primeiro grande sucesso de vendas de Paulo Coelho foi o livro O
Alquimista. Com esta obra, o escritor tornou-se um estouro de vendas no Brasil e
no mundo. É também seu primeiro livro de ficção, visto que O Diário de um
Mago é uma obra autobiográfica.
Lançado em 1988, O Alquimista conta a história de um pastor que, após
ter sonhos repetidos, resolve sair em busca de seu tesouro. É uma típica estória de
aventura em que o herói sai em busca de um tesouro e descobre que a viagem é
mais importante do que o próprio tesouro, torna-se a viagem um aprendizado. O
livro é repleto de ensinamentos de autoconhecimento e de procura do bem dentro
de nós. As lições de seguir os sonhos e acreditar na própria capacidade em
alcançar os objetivos permeiam todo o romance. É nesta viagem do protagonista
Santiago que o leitor se encontra com a frase mais conhecida de Paulo Coelho:
“Quando se quer uma coisa, o universo conspira a seu favor”. Esta frase, aliás, é
repetida seis vezes ao longo do livro. As mensagens de auto-ajuda são tão fortes
que uma comunidade norueguesa, Arendal, presenteou seus funcionários públicos
com O Alquimista, como maneira de estimular um novo tipo de pensamento.
Seguindo a linha do romance de aventura, O Alquimista possui uma
narração linear em que se seguem os acontecimentos em ordem cronológica. A
estória é uma sucessão de fatos que transcorrem ao longo do tempo, com início,
meio e fim bem delineados. O livro é recheado de diálogos simples e personagens
claramente caracterizados e identificáveis. No início do romance, vemos a receita
dos livros da literatura de massa:
42
“Começou a ler o livro que tinha conseguido com o padre de Tarifa. Era um livro grosso, que falava de um enterro logo na primeira página. Além disso, os nomes dos personagens eram complicadíssimos. Se algum dia escrevesse um livro, pensou ele, ia colocar um personagem aparecendo de cada vez, para que os leitores não tivessem que ficar decorando nomes.” (O Alquimista)
O autor pega carona no desmoronamento das Instituições Religiosas e trata
de temas esotéricos em seus livros. É interessante como podemos notar, pelo
número de livros vendidos em todo mundo, que Paulo Coelho atinge o
inconsciente coletivo, ou seja, o autor percebe as agonias vividas pelo homem
contemporâneo. Para tanto, Paulo Coelho bebe em fontes bastante antigas,
principalmente na sabedoria oriental, e delas se apropria, as transformando em
algo atraente para seus leitores.
Quase todos os temas chegam, em determinado momento, à exaustão.
Depois do “boom” da literatura esotérica e de auto-ajuda, era preciso inovar. Não
há criatividade que faça a mágica de transformar um mesmo tema em diversas
histórias que interessem ao público leitor. Outros temas explodem na literatura e o
sexo é um deles. Paulo Coelho não poderia deixar de perceber esta transformação,
mas ao mesmo tempo não pode perder sua identidade literária. Assim sendo, o
autor consegue juntar, em Onze Minutos, o sexo e o sagrado. Apesar de ter tratado
de sexo anteriormente, como em Veronika Decide Morrer, é em Onze Minutos
que este tema surge mais fortemente.
Este livro, todavia, não deixa de ter algumas características em comum
com O Alquimista. Ambos tratam da viagem física, por lugares diferentes, como
uma viagem para dentro das personagens, uma viagem de aprendizado e
descobertas. Onze minutos, portanto, não poderia deixar de conter “ensinamentos”
e “lições de felicidade” e a possibilidade de realização de um sonho, possibilidade
esta que está sempre dentro daquele que sonha. Paulo Coelho não foge de suas
origens. O Caminho de Santiago está em Onze Minutos e o próprio O Alquimista é
citado pela personagem principal Maria, uma prostituta, que usa os
“ensinamentos” deste livro para seguir em frente em sua aventura, em sua jornada
em busca de sua realização pessoal.
“Posso escolher em ser uma vítima do mundo, ou uma aventureira em busca do seu tesouro. Tudo é uma questão de como vou olhar minha vida.” (Onze Minutos)
43
A estrutura narrativa é mais uma característica equivalente. Estrutura esta
que não deixa espaços em branco, lacunas para que o leitor as preencha, não há
muitas escolhas a serem feitas pelo leitor, pois tudo está ali, escrito e explicado. O
que se espera daquele que lê é compreensão e a assimilação das lições dadas pelo
livro, através de uma narrativa bem acabada e que entretém seus leitores.
“Pode-se escrever um grande romance escrevendo feio. Paulo Coelho escreve mal feito poucos, mas é um narrador extraordinário.” (Ziraldo) 4
Diferentemente da literatura culta que está mais comprometida com a
língua escrita, a literatura de massa preocupa-se mais com o conteúdo dos livros.
Não é à toa o sucesso cinematográfico de tantos best-sellers, sucesso este que se
estende para a televisão, um meio ainda mais democrático e de mais fácil acesso
ao público. Afinal, além de quase total garantia de sucesso, a transposição da
literatura de massa para outros meios não muda tanto a estrutura do best-seller.
Além disso, muitos livros são escritos já pensando nesta transposição.
Parece que o erotismo não deu muito certo para Paulo Coelho e, em 2005,
o autor lança O Zahir, título baseado no conto homônimo de Jorge Luis Borges. O
livro começa como um romance policial. Um desaparecimento, um suspeito e um
interrogatório. Daí em diante, o leitor descobre que quem desapareceu foi a esposa
do protagonista e ele próprio, por pouco tempo, vê-se como principal suspeito. A
trama desenrola-se em torno do desaparecimento de Esther, uma correspondente
de guerra, e prende a curiosidade do leitor.
O livro, portanto, segue a estrutura de um romance policial, isto é, a
narrativa segue a ordem da descoberta, partindo do acontecimento e reportando às
causas que o antecederam. Já na narrativa de aventura o romance segue a ordem
dos acontecimentos, seu início é na partida e seu final é na chegada. Porém, os
romances de aventura e policial podem se misturar na trama, mas no primeiro,
mais importante do que a descoberta de um enigma, é a conquista de um espaço
pelo sujeito. Enquanto os primeiro livros de Coelho são tipicamente romances de
aventura, O Zahir encontra-se no meio destas duas classificações. Na verdade, é
tarefa bastante complicada colocar livros em gavetas com etiquetas que os
classifique, mas não custa tentar.
4 Declaração de Ziraldo para a Revista Língua Portuguesa, número 6, Ano I, Ed. Segmento,2006.
44
O Zahir, entretanto, é bastante diferente dos primeiros livros de Paulo
Coelho. A impressão que este livro passa é de uma estória mais atual, uma estória
em que elementos da História de nossa época permeiam o livro, como a guerra no
Afeganistão, por exemplo.
Engana-se, porém, quem acha que este livro não contém os elementos
típicos da obra de Paulo Coelho: elementos mágicos e lições de vida.
“A grande vantagem de abordar temas que envolvem a espiritualidade em livros é saber
que sempre estarei em contato com pessoas que possuem algum tipo de dom. Alguns
destes dons são reais, outros são invenção, algumas destas pessoas tentam se aproveitar,
outras estão me testando. Eu já vira tanta coisa surpreendente que hoje não tinha a menor
dúvida que milagres acontecem, que tudo é possível, o homem está recomeçando a
aprender aquilo que já esqueceu – seus poderes interiores.” (O Zahir)
O protagonista, portanto, é um escritor e sua vida, em vários momentos,
em muito se confunde com a vida do próprio autor, confusão que aumenta devido
à ausência do nome protagonista. É o personagem principal uma espécie de alter
ego de Paulo Coelho e através do qual Coelho não hesita em criticar os críticos
que tanto o atacam.
“Os suplementos literários, que nunca foram gentis comigo, desta vez redobraram o ataque. Recortei algumas das frases principais, e coloquei no caderno onde estavam as críticas dos anos anteriores; basicamente diziam a mesma coisa, mudando apenas o título do livro: “... mais uma vez, nos tempos tumultuados em que vivemos, o autor no faz fugir da realidade através de uma história de amor” (como se o homem pudesse viver sem isso) “... frases curtas, estilo superficial” (como se frases longas significassem estilo profundo) “... o autor descobriu o segredo do sucesso – marketing” (como se eu tivesse nascido em um país de grande tradição literária e tivesse fortunas para investir no meu primeiro livro) “... embora vá vender como sempre vendeu, isso prova que o ser humano não está pronto para encarar a tragédia que nos cerca” (como se soubessem o que significa estar pronto)”.
A estrutura também permanece a mesma a de seus livros antecedentes, isto
é, com acontecimentos lineares e quando há flashbacks estes são muito claros e
bem explicados, para que os leitores não se percam.
A preocupação com a pirataria também é uma constante no trabalho de
Paulo Coelho. O lançamento mundial de O Zahir não foi no Brasil, mas sim em
um dos países com maiores vendas de livros de Coelho por número de habitantes,
o Irã. O motivo da escolha deste país foi justamente a pirataria, pois é lá o lugar
45
do mundo onde há mais edições piratas dos livros do autor e para que uma obra
receba a proteção das leis locais do direito autoral, é preciso que o livro passe a
ser um romance nacional.
Em 2006, mudança de editora, suposta mudança também da estrutura no
novo romance de Paulo Coelho intitulado A Bruxa de Portobello. O livro é
narrado por treze personagens e conta a estória Athena, uma sacerdotisa cujo
nome verdadeiro era Sherine Khalil, uma menina adotada e filha biológica de uma
cigana. Mais uma vez, o romance de Coelho aborda temas atuais, neste caso é a
guerra no Oriente Médio. A família da protagonista muda-se do Líbano e exila-se
em Londres, onde a moça é criada.
Falamos em suposta mudança da estrutura narrativa, pois, mesmo
recorrendo a depoimentos de diferentes personagens, a seqüência linear de
acontecimentos continua presente. Como também continuam presentes os temas
mágicos e sobrenaturais, o otimismo e a lição de felicidade.
A publicação de A Bruxa de Portobello lembra-nos a fórmula usada nos
folhetins do século XIX. Paulo Coelho escreve uma espécie de folhetim eletrônico
ao publicar o livro dividido em capítulos na Internet. O meio empregado pelo
escritor é obviamente diferente, mas a expectativa causada nos leitores é
semelhante àquela causada nos textos publicados nos rodapés de jornais. A
participação daqueles que lêem, entretanto, é mais direta no caso de Paulo Coelho.
O formato blog permite que os leitores opinem e demonstrem suas expectativas
logo após a leitura, além de compartilharem impressões com outros leitores. Os
capítulos estão disponíveis em sua página oficial na Internet em português e
espanhol, assim, a divulgação e a leitura de parte de A Bruxa de Portobello
tornam-se mais acessíveis.
Em suas obras, Coelho dá um diferente aspecto a personagens como
bruxas e feiticeiros, que eram vistos na Idade Média como transgressores da
ordem social, e os transporta para situações contemporâneas como integrantes da
sociedade. Estes personagens tornam-se pessoas comuns e bem-sucedidas, como é
o caso da protagonista de seu último livro.
É também na Internet o lugar onde podemos encontrar vários textos e
crônicas de Paulo Coelho, incluindo a crítica feita ao presidente George W. Bush
quando o Iraque foi invadido por tropas americanas. O fácil acesso, em diversas
46
línguas, a este material contribui para a rápida e grande divulgação das idéias de
Coelho.
Além claro das crônicas publicadas em vários jornais no Brasil e em
outros países. Crônicas que não perdem as características típicas do escritor que
parece tornar-se uma espécie de conselheiro para seus leitores, um sábio capaz de
entender as coisas simples da vida e de distinguir o certo do errado. Há, no
entanto, uma clara e declarada influência de contos antigos, além de quase
resenhas de livros indicados por Paulo Coelho.
Mas Coelho não quer restringir seu público aos adultos. Em 2001,
publicou Histórias para pais, filhos e netos com ilustrações coloridas de sua
esposa Christina Oiticica. Mais uma vez, o escritor bebe nas águas de tradições
passadas e escreve contos e fábulas para toda a família, além de trazer reflexões
sobre a vida e mais lições de amor e felicidade.
Já em 2004, Coelho se une a um ícone da ilustração infantil: Mauricio de
Souza. Em O Gênio e as Rosas as personagens da Turma da Mônica ilustram
contos tradicionais reescritos por Paulo Coelho. O escritor recorre a lendas do
passado e junta estórias sedutoras com uma ilustração atrativa para os pequenos
leitores. A literatura infantil é mais um gênero constituinte da literatura de massa.
Um gênero capaz de permitir, com mais liberdade, a presença de personagens
fantásticos. É o reino do maravilhoso e também o reino da moral do adulto que dá
lições aos pequenos leitores.
As viagens, as aventuras, as lendas antigas, tudo isto contribui para a
transposição de barreiras físicas no mundo de hoje. Aquilo que Paulo Coelho
escreve é lido em todo mundo, pois suas obras não estão presas em fronteiras
territoriais. Sua linguagem clara e direta é simples de traduzir para todas as
línguas. Seus temas atingem pessoas do mundo inteiro. Seus livros não são
datados, apesar da inclusão de momentos históricos. Ao ler “Paulo Coelho” na
capa de um livro, o leitor sabe o que irá encontrar e o compra feliz e a leitura
termina sem maiores sustos. Uma leitura que prega a transformação individual
para, assim, o mundo ser transformado. Uma leitura que fortalece a importância
da beleza interior, do amor e da capacidade de cada um ser aquilo que deseja.
Afinal, o universo conspirará a favor de todos, basta acreditar.
Pensemos em uma situação hipotética. Se Paulo Coelho escrevesse um
livro utilizando um pseudônimo qualquer, um livro com o mesmo conteúdo, com
47
as mesmas fórmulas de auto-ajuda, a mesma narrativa linear, a mesma linguagem
simples, será que este livro venderia tanto quanto aqueles com a assinatura
verdadeira do autor? Provavelmente não, pois, mais importante do que o conteúdo
das páginas é o nome do autor na capa. È a certeza que este nome traz a seus
leitores de que, ao abrirem as páginas do livro, encontrarão exatamente o
esperado.
Quando diferenciamos literatura culta de literatura de massa, através dos
meios que orientam suas respectivas produções, afirmamos que enquanto a
literatura culta era reconhecida pelas instituições, a literatura de massa é orientada
tão somente pelo mercado. Porém, não podemos nos esquecer da quantidade de
prêmios recebidos por Paulo Coelho ao longo de sua carreira literária em todo o
mundo. Além da nomeação para a Academia Brasileira de Letras, o escritor
recebeu, em 2000, a mais prestigiosa distinção do governo francês, “Chevalier de
L’Ordre National de la Legion D’Honneur”. Sem mencionar os prêmios na
Espanha, Estados Unidos, Ucrânia, Inglaterra, Polônia, Itália e outros países. Se
pensarmos na importância que a escola teve como instituição capaz de definir a
separação entre a literatura culta e a literatura de massa, veremos que os livros de
Paulo Coelho poderiam ser classificados como cultos. Afinal, o livro O
Alquimista é adotado em escolas de mais de trinta países. França, Argentina,
México, Espanha, tem edições especiais para alunos.
A grande maioria dos críticos, entretanto, continua classificando Paulo
Coelho como um escritor com uma literatura baixa qualidade, escrita para o
grande público, o que nos leva a supor que hoje são eles os agentes que elegem e
separam a literatura de massa da literatura culta. São os críticos, mais preocupados
com a forma literária do que com o enredo, que separam o cânone literário do
resto. A influência das instituições, entretanto, não desapareceu por completo. Nas
Universidades Brasileiras pouco se fala sobre a cultura de massa, menos ainda
sobre Paulo Coelho, mas quando isto acontece, na grande maioria dos casos, este
tipo de literatura é tratado como um gênero menor e pouco se estuda sobre ele.
Mas a opinião dos críticos e dos intelectuais não abala os fiéis leitores de
Paulo Coelho nem o próprio escritor. Não é difícil encontrar depoimentos de
pessoas que dizem ter mudado depois de lerem um livro do escritor. Sim, ele é
visto como um sábio independente do que diz a crítica. E são estes leitores,
48
apaixonados por sua literatura, cúmplices do escritor, que o transformaram em um
alquimista. É capaz de transformar quase tudo em ouro.
Entretanto, já vimos que escrever livros que vendam não é o suficiente
para se tornar uma grande marca. É preciso um algo mais, algo que ultrapasse as
fronteiras das letras impressas e atinja de forma certeira as pessoas.
49
3.2
Segundo passo: o tal do carisma.
“Se não podes entender, crê para que entendas. A fé precede, o intelecto segue.”
(Santo Agostinho)
“Há, repetimos, coisas na vida que é mais acertado crer que desmentir, e quem não puder crer, que se cale.”
(Machado de Assis)
Seguir um líder, adorar uma pessoa, fazer desta um ídolo, um mestre, nos
faz pensar nos motivos e características que fazem com que um determinado
indivíduo seja seguido por outras. Há alguma qualidade especial de liderança no
indivíduo carismático? Ou seria uma individualidade excepcional? Mágica?
Obviamente existem atos calculados para que o líder, o ídolo, se
transforme em alguém que atraia seguidores e adoradores, mas nem todos são
capazes de, mesmo agindo da maneira correta, alcançarem as atribuições de um
ídolo.
A origem do termo carisma é bastante remota, tendo uma forte presença no
discurso teológico cristão e mesmo na idéia grega do “homem divino” e no
conceito romano de facilitas, que é a habilidade nata do herói para ter sucesso em
um projeto graças a sua ligação com o divino. Para os cristãos, o carisma
significava o dom da graça e o reconhecimento de que um santo tinha contato
íntimo com Deus. A idéia de carisma como força divina é, até os de hoje, bastante
presente. Ao olharmos nos dicionários, a definição do termo continua sendo de
uma “qualidade especial de liderança, derivadas de sanção divina, mágica,
diabólica, ou apenas de individualidade excepcional”. 5
Segundo o filósofo John Mill, há o gênio, ou seja, aquele que se destaca
das pessoas comuns com um fenômeno raro e inexplicável. É o gênio um homem
superior que luta para transformar o mundo de acordo com seu ideal de perfeição.
Para Mill, tais seres superiores seriam mais receptivos aos prazeres mais
elevados da vida do que as pessoas comuns, estas seriam movidas por meras
sensações animais. Seriam os gênios capazes de levar os outros mortais a
5 Dicionário Aurélio- Século XXI.
50
experimentar os prazeres mais nobres, elevando o nível da sociedade e a função
social do prazer.
A glorificação do gênio, feita por Mill, é precursora da moderna noção de
carisma. De forma mais apaixonada, Friedrich Nietzche, também exaltava o
gênio. Enquanto Mill via o gênio como um poeta, Nietzche o considerava um
guerreiro possuidor de uma vitalidade esmagadora.
A dualidade irredutível presente no pensamento de Nietzche é a do senhor
e da multidão de escravos e o que difere uma categoria da outra é que o senhor
aceita e reconhece suas inclinações e busca o prazer em todas as suas forças,
enquanto o escravo tenta justificar sua fraqueza e vingar-se do mais forte através
da imoralidade. Sendo assim, Nietzche acredita que a moralidade é uma piedosa
fraude cometida por aqueles que estão contaminados pela mentalidade escrava, ou
seja, a construção da moralidade não se dá a partir do impulso.
A idéia fundamental do Prólogo de Assim falou Zaratustra é o super-
homem. O super-homem seria aquilo que o próprio homem poderia ser, isto é, ele
seria uma superação do homem. Não podemos pensar, porém, em um homem
biologicamente superior, mas sim em uma transfiguração do próprio homem.
Afinal, o super-homem é “super” ao mesmo tempo em que é “homem”.
A moral do super-homem é inversa à mentalidade escrava e à do rebanho.
Sua moral é a vontade de poder. A vontade de poder não é uma força de
determinação dentre outras vontades, mas é ela a própria determinação, é uma
força criadora de novos valores. O super-homem, portanto, seria a encarnação dos
valores vitais que Nietzche opõe aos valores tradicionais. Seria ele um indivíduo
autêntico e criador de seus próprios valores. Valores estes não condicionados
pelos hábitos e pelos valores sociais de uma época.
Quando Nietzche declara a morte de Deus, ele evoca um passo à frente
que a humanidade deve executar a partir do momento em que esta se
desembaraçar da idéia de Deus. Segundo o filósofo, seria a crença em Deus uma
maneira de aprisionar a humanidade em falsos valores e de limitar o poder de
conhecimento da humanidade trazendo respostas apaziguadoras às suas
ignorâncias.
Max Weber não nega o super-homem de Nietzche, mas dilui seu poder no
processo de racionalização do mundo. Para o sociólogo, a dominação seria a
possibilidade de encontrar obediência para as ordens, dentro de um determinado
51
grupo de pessoas. Para isto, é preciso que haja um mínimo de vontade de
obedecer, ou seja, para que haja a situação de dominação, é preciso que tenha
alguém mandando e outros obedecendo, mas os motivos de submissão são
diversos. Weber afirma que toda dominação procura despertar a crença em sua
legitimidade, o que não significa que toda a obediência a uma dominação esteja
primordialmente ligada a esta crença. Para Max Weber, há três tipos puros de
dominação, cujas legitimidades podem ser de caráter racional (dominação legal),
de caráter tradicional (dominação tradicional) e de caráter carismático (dominação
carismática).
Nos concentremos na dominação carismática. Antes, entretanto, é preciso
que saibamos como Weber define o carisma. Para o sociólogo, o carisma seria
uma qualidade pessoal extraordinária e, em conseqüência de tal qualidade,
poderes e qualidades sobrenaturais se atribuiriam a uma pessoa. O carisma do
líder carismático precisa de provas constantemente, para que os dominados o
reconheçam como tal. A autoridade carismática não é estável, pois o carisma pode
ser perdido e o portador, conseqüentemente, perde seus seguidores. Não é o
carisma algo estabelecido institucionalmente, pois para que seja conservado é
preciso ter sempre uma prova constante de sua missão. Isto porque o
conhecimento do senhor carismático por seus dominados é originário na entrega
ao extraordinário e inaudito, indiferente a regras e tradições. Mas, para Weber, o
carisma genuíno é aquele que é uma força de negação, emocionalmente intensa,
oposta às rotinas institucionais, não tendo nenhum modelo fixo de autoridade. Seu
poder, portanto, é fundamentado na fé, que revoluciona os homens e tenta
transformar o que está em volta. Contudo, a missão suprema do líder carismático
não precisa ser, necessariamente, de caráter revolucionário, ou seja, nem sempre
derruba costumes, leis e tradições. Apesar de ser uma grande força revolucionária
em épocas com forte vinculação à tradição.
O portador de carisma assume tarefas as quais considera adequadas, mas
não há regras institucionais nem uma organização administrativa burocrática na
estrutura carismática. Mas, para obter êxito, é preciso que o carismático tenha
seguidores, ou seja, pessoas que o reconheçam como carismaticamente
qualificado. O carisma, diferente da estrutura burocrática, vive no mundo da
economia monetária, mas não vive dele. O carisma puro rejeita e indigna a
obtenção planejada de dinheiro e a atividade econômica racional, ou seja, o
52
carisma, em sua estrutura inicial, não é uma fonte de ganhos privados. Para que a
missão do portador de carisma seja cumprida, é preciso que este esteja
desvinculado deste mundo das profissões comuns e dos deveres familiares
cotidianos. O que não significa que não exista uma estrutura claramente definida e
organizada dentro da estrutura carismática, que se adapta à missão do portador.
Weber exemplifica o carisma puro através dos membros das ordens
religiosas, que abrem mão de bens materiais e seguem o celibato para, assim,
afastarem-se deste mundo. Portanto, o carisma puro é alheio à economia. O
portador não se aproveita economicamente de seus dons. Não significa, porém,
que seja necessário abrir mão de seus bens materiais como o fazem os religiosos,
o que os carismáticos genuínos desprezam é a economia cotidiana tradicional ou
racional. Como, então, são atendidas as necessidades carismáticas? Afinal, os
portadores de carisma vivem em um mundo da economia monetária. Através de
mecenas, da mendicância, do espólio ou da extorsão vivem os carismáticos.
Logo, o caráter da dominação carismática é oposto aos outros dois citados
anteriormente. Pois enquanto as dominações legais e tradicionais são
especificamente cotidianas, a dominação carismática é essencialmente
extracotidiana, não conhece regras nem está presa no passado. É justamente o
extraordinário que provoca a excitação comum a um grupo de pessoas e a entrega
destas pessoas, provocando a fé do próprio portador e de seus discípulos em seu
carisma.
Quando um grupo que fora dirigido carismaticamente para fora da vida
cotidiana, arrancado de tal vida, volta a ela, a dominação pura do carisma é
rompida, pois é transferida ao institucional. Deixa de ser extracotidiana e se
confunde com princípios estruturais, fica de tal forma entrelaçado que se torna
desfigurado e inseparável dos princípios estruturais, pois o desejo dos discípulos e
adeptos, mais do que o do próprio portador, é o de transformar a felicidade
carismática em uma propriedade da vida cotidiana, o que transforma o caráter
interno da estrutura carismática, afinal, é justamente na rotina cotidiana que a
importância do carisma é perdida. A instabilidade da dominação carismática fica
bastante clara.
53
“Todo acontecimento que escapa à rotina cotidiana faz surgir poderes carismáticos, toda capacidade extraordinária desperta a fé carismática, que na vida cotidiana vai perdendo sua importância.” 6
A união destes dois poderes inimigos, a tradição e o carisma, faz com que
a profecia carismática seja transformada em dogma, teoria, doutrina ou
regulamento, ou seja, torna-se conteúdo de uma tradição que vai se petrificando.
Tal união, porém, não é algo tão absurdo, afinal, tradição e carisma
possuem pontos em comum. Ambas possuem o poder na fé válida pelo dominado
na santidade da autoridade de pessoas concretas, não são, portanto, baseadas em
regras criadas e sim na crença dos dominados. Porém, aqueles que representam o
poder tradicional têm sua legitimidade baseada na crença cotidiana da tradição e
está vinculada a esta; já o poder carismático vincula o líder à confiança pessoal,
fora dos limites da vida cotidiana. Todavia, é difícil definir claramente se a
autoridade de um príncipe guerreiro, por exemplo, vem da tradição ou da fé
pessoal no herói. Muitas vezes, o carisma foi o poder primeiro, mas, ao perder seu
caráter emocional de fé, torna-se cotidiano e vincula-se à tradição. A relação
social estritamente pessoal que o carisma representa deixa de ser efêmera e
assume o caráter de uma relação permanente. Torna-se uma tradição. Ao
transformar-se em uma tradição, o carisma deve converte-se em instituição
permanente e é através da questão de um sucessor carismático que tal conversão
acontece.
Enquanto que na dominação tradicional a escolha de um sucessor é
fundada na própria tradição, a sucessão de um líder carismático possui diferentes
fontes de nomeação. Quando pensamos em Dalai Lama, por exemplo, um líder
religioso e de forte poder carismático, notamos que sua escolha é baseada em
determinadas características e, principalmente, na encarnação do divino. Os Dalai
Lama são manifestações vivas do Buda da Compaixão, que tomou a decisão de
renascer para servir, uma vez mais, a Humanidade. É, então, uma legitimidade que
baseada nas regras para as quais existe uma tradição.
O sucessor da pessoa portadora de carisma pode ser também escolhido
através de uma revelação. A legitimidade vem, neste caso, da técnica usada na
seleção do portador. Outra maneira de a continuidade da dominação carismática é
6 WEBER, Max. Economia e Sociedade, Volume 2, p. 342
54
através da designação do sucessor pelo portador anterior e do reconhecimento pela
comunidade. Mas a sucessão também pode ser uma escolha dos participantes da
dominação carismática, os quais são capazes de reconhecer o próximo
qualificado. Segundo Weber, tal forma de escolher um sucessor, encontra-se no
caminho do sistema eleitoral.
A escolha do sucessor do líder carismático também pode ser baseada na
idéia do carisma ser uma qualidade de sangue, portanto, o carisma seria
hereditário. Desta maneira, o desejo de um carisma perene é satisfeito através de
uma linhagem magicamente agraciada. O carisma vinculado ao laço de sangue faz
com que sua significação esteja ligada nas ações dos antepassados e não nas
próprias ações do portador, não depende mais do reconhecimento por parte dos
dominados, ele torna-se portador por direito. Em lugar da transmissão pelo
sangue, há a transmissão artificial, mágica, como as que acontecem com o
carismas sacerdotal e real, os quais são transmitidos ou confirmados por unção,
consagração ou coroação. Neste caso, o carisma é visto como uma qualidade que
pode ser transmitida ou produzida em outra pessoa pelos meios sagrados de seu
portador. A crença carismática, portanto, neste caso, deixa de ser pessoal e se
refere a qualidades adquiridas pertencentes a uma forma social tradicional.
Qual seria, afinal, para Weber, o destino do carisma? O sociólogo acredita
que o alcance individual diminuiria, pois o carisma recuaria em favor dos poderes
tradicionais ou se racionalizaria. Em uma sociedade cada vez mais racionalizada,
não haveria espaço para a dominação carismática. Muitas vezes, o carisma torna-
se uma força para legitimar as instituições e os indivíduos poderosos, dando-os
uma aura de poder sagrado, independente de suas características genuínas.
“Seja que do séqüito carismático de um herói guerreiro nasça um Estado, ou que da comunidade carismática de um profeta, artista, filósofo ou inovador ético ou científico nasçam uma igreja, seita, academia, escola, ou então que um grupo carismaticamente dirigido, que persegue uma idéia cultural, nasça um partido ou apenas um aparato de jornais e revistas – em todos esses casos a forma de existência do carisma acaba exposta às condições da vida cotidiana e aos poderes que dominam, sobretudo aos interesses econômicos.” 7
7 Idem, p. 332
55
Um pequeno parêntese. É curioso como podemos tentar transportar para os
nossos dias a questão da sucessão carismática. Quando pensamos no sucessor
hereditário de um portador de carisma, podemos imaginar, por exemplo, a Xuxa.
Independente de suas aptidões artísticas, a apresentadora pode ser considerada
como um líder carismático, capaz de arrastar multidões (não tão populosas como
há 15, 20 anos). Obviamente, que a mídia tem um poder decisivo na construção de
tal carisma, mas vemos que esta mesma mídia tenta passar a imagem da filha de
Xuxa como a sucessora de seu trono de “rainha dos baixinhos”, como uma
linhagem mesmo. Fato semelhante aconteceu quando Maria Rita escolheu a
carreira de cantora. Fãs de sua mãe, Elis Regina, lotavam casas de espetáculo
declarando que ali estava a nova Elis. Parece loucura, mas aí vemos a necessidade
que os seguidores têm da permanência do ídolo, uma espécie de prêmio de
consolação pela falta que o carismático primeiro faz.
Weber, provavelmente, não classificaria Paulo Coelho como um
carismático genuíno. Afinal, seu carisma tornou-se fonte de ganho monetário e
está sim exposto às circunstâncias da vida cotidiana. Além disso, o carisma do
artista é transformado a todo o momento, através daquilo que sua imagem,
propositalmente, transmite a seus seguidores. È preciso, no caso de Paulo Coelho,
que seus atos sejam condizentes com aquilo que ele escreve. Afinal, são
necessárias provas constantes para que os seguidores continuem fiéis ao seu líder,
é preciso que haja uma relação de confiança para que não sejam desfeitos os laços
entre Paulo Coelho e seus fãs.
Hoje, podemos fazer uma pequena mudança na nomenclatura utilizada por
Weber. Os indivíduos carismáticos são denominados ídolos, enquanto seus
seguidores são chamados de fãs. A origem da palavra fã vem do inglês fanatic, ou
seja, os fãs seriam uma espécie de admirador exaltado do ídolo. Por outro lado,
esta admiração exaltada não é dirigida a qualquer um. O ídolo deve ser uma
pessoa merecedora de tal admiração e, por ser um líder carismático, os fãs
acreditam que ele tenha algo de especial, de sobrenatural, diferente das pessoas
comuns, ao mesmo tempo em que seja uma pessoa com a qual o fã, de alguma
maneira, se identifique.
É preciso, entretanto, que haja algo de especial, de diferente no indivíduo
carismático. Apenas o carisma calculado não nos parece suficiente para a atração
de seguidores. Por outro lado, qual a necessidade destes seguidores em
56
encontrarem um indivíduo carismático, um líder, um ídolo? Freud explica, à sua
maneira, os motivos que levam as pessoas a seguirem e adorarem alguém.
Freud acredita que é através da influência de indivíduos capazes de
fornecer um exemplo e aptos a serem reconhecidos como líderes, que as massas
serão induzidas a efetuar seu trabalho e a suportar as renúncias das quais depende
sua existência. É necessário, todavia, que tais líderes possuam uma compreensão
interna superior das necessidades de vida e que tenham a capacidade de dominar
seus próprios desejos. Mais do que isso, o líder deve ser um indivíduo capaz de
ser independente da massa, através da posse dos meios de poder, para assim
tornar-se capaz de manter certo grau de coerção. Notamos que Freud, assim como
Nietzche, vê a civilização como enfraquecedora da vida puramente instintiva.
Mas, ao contrário do filósofo, Freud acredita que a repressão é necessária, pois os
instintos produziriam destruição. Portanto, para Freud, a repressão do instinto
torna possível o desempenho das atividades psíquicas superiores, artísticas ou
ideológicas, todas essenciais na vida civilizada.
Freud compara a fixação regressiva contida na atração dos seguidores por
um líder com a transferência que o paciente faz ao tomar o terapeuta como
representante simbólico de um objeto de amor anterior que havia sido perdido ou
negado. Ambas as formas de adoração, portanto, teriam suas raízes na dinâmica
universal da família, ou seja, no desejo sexual frustrado do filho pela mãe,
repreendido pela figura do todo-poderoso rival paterno. A diferença entre a
transferência do terapeuta e do líder esta na intenção do segundo de acentuar a
fixação, enquanto o primeiro mantém uma distância neutra.
Sendo assim, ao obedecer às ordens de um líder, o seguidor vê neste líder
um objeto de consolo que esconde sua agressão e faz com que os dominados
voltem à dependência da infância, protegidos pelo poder que atribuem ao
carismático.
Hoje, através do ídolo, o carismático pode representar um líder da
transformação do mundo em que vivemos. Contrariando a previsão na qual Weber
afirma que a racionalização colocará um fim na sociedade carismática, vemos que
a sociedade massificada e constituída de indivíduos atomatizados precisa de uma
força que estimule um sentimento mais intenso de crenças e identificação com o
grupo. Logo, a repressão defendida por Freud encontra seu consolo em uma
57
figura detentora de uma suposta sabedoria e capaz de amenizar as frustrações
vividas.
“Quando o eu é desvalorizado e destituído de referenciais de identidade e de laços com os outros, e, ao mesmo tempo, considerado como a única validação de qualquer ação, então a intensidade e a certeza interior oferecidas por uma revelação carismática e pela imersão num grupo comunitário de devotos serão profundamente atraentes. “ 8
A imagem da vida contemporânea está ligada à competitividade, à
complexidade, ao isolamento pessoal e à fluidez social. Se junta a isso um
ambiente cuja proliferação das imagens efêmeras na mídia destrói constantemente
as crenças estabelecidas.
A fluidez da sociedade faz com que a insegurança do indivíduo quanto às
decisões corretas a serem escolhidas fiquem cada vez mais difíceis. Assim sendo,
a imitação das escolhas dos outros justifica suas próprias escolhas e ratifica a falta
de confiança nos próprios desejos. Tal atitude é ainda cobrada pelas estruturas
corporativas, pois seus membros devem se moldar e se adaptar às circunstâncias
exigidas, isto é, as formulações internas devem estar ajustadas de acordo com o
mundo exterior, o que significa que a vida interior também deve ser flexível e
fluida.
Quando um indivíduo se junta a um grupo unido pela figura carismática,
este indivíduo escapa dos limites do seu eu e atinge um estado de desprendimento
de si. Ao mesmo tempo, o indivíduo torna-se parte de um grupo e se identifica
com este grupo, o que compensa o isolamento pessoal.
Hoje, uma forma de carisma bastante presente é a idolatria aos artistas,
atletas, celebridades em geral, por serem capazes de possuir seguidores, os fãs, e
por proporcionarem um estado de desprendimento do mundo real às massas.
Claro, que são poucos os ídolos capazes de permanecerem sob os holofotes por
muito tempo. Muitos, no entanto, sabem de sua efemeridade e são capazes de se
adequarem às novas necessidades de seus seguidores, como é o caso de Paulo
Coelho.
A inclusão, mesmo em grupos virtuais, é cada vez mais comum devido às
possibilidades surgidas na Internet. O maior grupo de relacionamentos virtuais, o
Orkut, tornou-se, além de uma forma de mostrar-se aos outros, uma maneira de
8 LINDOHOLM, Charles. Carisma: Êxtase e perda de identidade na veneração ao líder, p. 103.
58
incluir-se em grupos com os quais cada indivíduo se identifica. Claro que Paulo
Coelho possui grupos fundados em sua homenagem, as chamadas Comunidades.
São mais de duzentas comunidades referentes ao autor e algumas poucas não são
muito favoráveis, mas a grande maioria enaltece Coelho.
É curioso o comportamento das pessoas que fazem parte das comunidades
dedicadas ao escritor. Caso entre um membro indesejado que critique Coelho, os
fãs do autor rapidamente respondem às ofensas e defendem com unhas e dentes
seu ídolo. Ao mesmo tempo, tais fãs, mal surge um lançamento do escritor, logo
se unem para, em coro, enaltecerem as qualidades de Paulo Coelho. Tais
qualidades são caracterizadas por palavras como “mestre”, “sábio”, “mago”,
“gênio”, “iluminado”. Os fãs enxergam no escritor a imagem de uma espécie de
“conselheiro para assuntos espirituais” e usam tais conselhos para se ajudarem, ou
seja, o espaço da união entre os fãs transforma-se em um gigantesco divã no qual,
além da identificação, os fãs encontram respostas para a vida através dos
ensinamentos do ídolo e compartilham tais ensinamentos.
A idéia de o carisma ser algo mágico, sobrenatural é recorrente naqueles
que idolatram Coelho, pois estes realmente acreditam que o escritor possua algo
de especial que o diferencia dos meros mortais, algo capaz de salvar a todos das
angústias sofridas, algo que traz otimismo e fé nas relações com os outros e com
si mesmo.
Obviamente, para manter seu poder de coerção e uma imagem sedutora e
carismática para seus fãs, Paulo Coelho faz uso dos meios à sua disposição. Meios
estes que contribuem não somente na construção do ídolo carismático como
também na sua divulgação e legitimação. Em uma época na qual a mídia possui
um poder mundial capaz de fabricar ou destruir ídolos, é preciso a existência de
uma relação segura e controlada de acordo com os interesses de ambas as partes.
A escolha dos meios de divulgação, portanto, torna-se tarefa essencial para o
sucesso de uma coerção significativa. Paulo Coelho utiliza com mais freqüência o
meio de comunicação de maior alcance mundial: a Internet. Em sua página oficial
(disponível em vários idiomas) o escritor divulga sua imagem da maneira que
melhor lhe interessa.
Não nos precipitemos. A imagem de Coelho será tratada mais
detalhadamente no capitulo seguinte. O que podemos concluir, entretanto, é a
importância da imagem na construção do carisma, ou seja, seria muita
59
ingenuidade se acreditássemos que o carisma hoje é puro e simplesmente algo
sobrenatural, livre de pré-elaborações racionais e controladas com o objetivo de
conquistarem mais e mais seguidores. Alia-se a isto o papel crucial da mídia na
divulgação deste carisma construído, afinal, é somente através dos meios de
comunicação que tal carisma pode ser propalado de maneira satisfatória e
abrangente.
O carisma puro defendido por Weber, portanto, torna-se impossível à
medida que o carisma se afasta da crença do inaudito e une-se aos meios de
coerção e às instituições para atrair mais seguidores. Por outro lado, no caso de
Paulo Coelho, permanece a fé de seus seguidores nos poderes sobrenaturais de seu
ídolo. Através da união entre sua obra e sua imagem seus fãs acreditam que o
escritor seja naturalmente dotado de dons especiais. Dons, portanto, que não estão
limitados aos seus livros, mas ultrapassam as fronteiras das páginas escritas e
chegam ao seu criador, ou melhor, dons que permitem a criação de tais obras
devido à capacidade inata de seu criador. Os leitores, portanto, transferem aquilo
que leram para o escritor e este reforça esta idéia através de seus atos atrelados a
sua imagem. A seguir, as declarações feitas por seus leitores deixam clara esta
idéia de uma qualidade inata presente no autor e não restrita a seus livros.
“Gente, é impressionante, como tudo que o Paulo Coelho escreve é mágico, é cativante. Cada dia mais tenho vontade de conhecê-lo pessoalmente. Eu adoraria ter esse dom.” “Paulo, Estou encantada!Cada dia que leio quero ler mais suas obras!Você tem um Dom muito especial!Você é realmente um iluminado! Fique sempre com toda essa energia divina que te cerca sempre! Beijos.” 9
Sendo assim, não nos bastaria apenas analisar os temas presentes nas obras
de Paulo Coelho. A construção de sua marca, como uma marca forte e poderosa
dentro do mercado, é muito mais do que letras impressas em seus livros, seu nome
transpõe as barreiras editoriais e ele próprio aproxima-se dos personagens de seus
romances. O carisma, portanto, mesmo possuindo uma parcela racional e
construída, é essencial na importância da marca “Paulo Coelho”. Se assim não
fosse, o escritor seria somente um escritor de sucesso como J.K. Rowling e Dan
9 Declarações retiradas da página oficial do escritor (www.paulocoelho.com.br). Os comentários dos leitores foram feitos a partir da leitura de capítulos do livro A Bruxa de Portobello.
60
Brown e as personagens de seus livros ilustrariam produtos licenciados. Mas não
são O Alquimista ou Brida os nomes que diferenciam os produtos, é o nome mais
forte dentro desta máquina de best-seller, Paulo Coelho.
A importância, entretanto, da obra do autor não pode ser esquecida. Afinal,
foi através de seus livros que os seguidores de Coelho o conheceram, pelo menos
no início de sua carreira como escritor, e é através destes mesmos livros que tais
leitores se mantêm fiéis a Coelho. O resultado da união do carisma do autor com
aquilo que ele escreve é facilmente detectável nos números de exemplares
vendidos ao longo de quase vinte anos de carreira como escritor.
Sendo assim, os dois temas tratados neste capítulo permearam o restante
do trabalho. Talvez não de maneira clara e incisiva, mas como um pano de fundo
sempre presente e relevante para que analisemos a construção do pop star Paulo
Coelho.
61
4.
Paulo Coelho: um espetáculo em quatro atos.
“O mundo todo não constitui evidentemente um palco, mas não é fácil especificar os aspectos essenciais em que não é.”
(Erving Goffman)
Como em uma peça de teatro, a vida é uma representação que tem como
por objetivo atingir determinado público e passar determinada mensagem. Para
tanto, faz-se uso de algumas técnicas tais como cenário, figurino, linguagens e de
meios adequados para que a impressão desejada possa efetivamente chegar ao
público. Nos deparamos com isso todos os dias, nós fazemos nossas
representações de nós mesmos, nós construímos nossas imagens de acordo com o
público que queremos atingir, mas para uma pessoa pública, a imagem que dela
fazem torna-se essencial para que seu lugar seja legitimado como tal. Entretanto,
para que as impressões apropriadas sejam transmitidas, o ator deve agir com
responsabilidade, pois muitas ações insignificantes podem levar ao insucesso de
sua representação.
A transmissão de valores de uma celebridade, de um pop star, faz com que
este se torne mais palpável, mais real, aos olhos daqueles que se identificam com
aquilo que é narrado, mostrando que, assim como uma pessoa anônima, o ídolo
passa por problemas, rejeições, ou seja, não é tão diferente dos “normais”.
Para que seja possível tal identificação, algumas vezes é necessária a
“entrada” nos bastidores da representação do indivíduo, na vida íntima daquele
que representa. Obviamente, que o acesso aos bastidores é limitada, só sendo
mostrado aquilo que interessa para o ator, ou seja, a platéia apenas vê aquilo que
contribuirá na construção da representação.
A vida de Paulo Coelho já foi tema de documentários para a TV irlandesa
(Seven Days - a Journey with Paulo Coelho), Japonesa ( The road of Kumano em
fevereiro, The Road of Santiago em setembro), Canal People & Arts ( Paulo
Coelho, o alquimista da palavra), A&E Mundo, TV Prima, entre outros. As
narrativas biográficas, presentes em diversos meios de comunicação, tornaram-se
um fenômeno nos dias de hoje. O interesse do público por tais narrativas nos faz
pensar na importância da identificação de sentidos na cultura contemporânea.
62
Além disso, as entrevistas e programas biográficos colocam a platéia em contato
com a história daquele que representa, isto é, a imagem é construída através das
palavras faladas e escritas. Obviamente, é apenas mostrado, em tais meios, aquilo
que o ator acredita ser válido para causar a impressão desejada, sendo assim, o
ator controla sua representação.
“Os textos, mesmo em mãos de atores iniciantes, podem ganhar vida porque a própria vida é uma encenação dramática.“ 1
A mídia e a sociedade não podem mais ser vistas como partes
independentes, pois a nossa sociedade é midiatizada, afinal os meios de
comunicação tornaram-se mediadores das formas de agir, pensar, expressar e se
relacionar e é através de tais meios que contamos e escutamos histórias sobre a
nossa sociedade e sobre nós mesmos. Cabe ao ídolo saber fazer o uso correto de
tais meios, para que sua história seja contada de acordo com seus interesses e de
acordo com a expectativa de seus fãs. Utilizaremos aqui diferentes mídias através
das quais Paulo Coelho construiu e constrói sua imagem. Serão jornais, revistas,
entrevistas, programas de televisão e Internet que, ao longo de todos estes anos,
foram essenciais na divulgação e construção da imagem adequada às ambições de
Coelho.
Para que um espetáculo seja um sucesso de público são necessários quatro
fatores: um enredo interessante, um cenário atrativo, um figurino que seja
condizente com o enredo e um bom ator. Há dois tipos de ator, o ator sincero e o
ator cínico. O primeiro está realmente convencido de que a impressão da realidade
que encena é a verdadeira realidade; já o segundo tipo de ator não acredita em sua
própria atuação. Neste caso, preferimos acreditar que nosso ator se encaixa no
primeiro tipo.
Aqueles quatro fatores apresentados anteriormente, ou seja, toda a
representação do ator é modificada para se ajustar à compreensão e às
expectativas da sociedade. Logo, a representação apresenta uma imagem daquilo
que a sociedade aprova, isto é, o desempenho do indivíduo não poderia ser
constante, afinal, muitos valores se modificam. Uma análise cronológica nos
1 GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1985.
P. 71.
63
permite enxergar mais claramente as revisões, as recriações da imagem construída
de acordo com a impressão desejada no momento, isto é, podemos notar o
desenvolvimento da imagem na fabricação desta, unindo a abordagem cronológica
com a abordagem analítica. Para tanto, veremos como os mesmo acontecimentos
são contados de maneiras diferentes ao longo da vida de Paulo Coelho, através de
declarações do próprio escritor dadas em entrevistas em jornais, revistas e
programas de televisão bem como declarações e impressões de jornalistas.
Bom espetáculo!
64
4.1
Primeiro Ato: da infância à juventude.
“Só olhamos para frente, encarando sem receio a subida para a glória. Pensativos, fazemos nossos projetos, sonhamos
com todas as maravilhas que encontraremos e, passo a passo, iniciamos a subida...
Que encontraremos no caminho?....” (Paulo Coelho, 1963).
Paulo Coelho nasceu no Rio de Janeiro, no bairro de Botafogo, em 24 de
agosto de 1947. Criado em uma família tradicional, Coelho teve uma educação
absolutamente formal e conservadora.
Educação esta construída, também, dentro dos muros do Colégio Santo
Inácio, no qual estudou quase toda sua infância e adolescência, comandado por
jesuítas que, segundo Coelho, eram bastante conservadores e severos. Segundo o
autor, é durante o colégio, mais precisamente ao ganhar um concurso de poesia,
que ele descobre sua vocação para escritor e desenvolve suas habilidades no
ofício.
“Quando decidiu tornar-se escritor? A idéia de escrever vem desde a minha adolescência . No inicio, por ser muito solitário, achava que a única maneira que conseguiria me comunicar com o mundo era através da poesia; o tempo passou, saí daquele isolamento natural de adolescente, tive uma juventude bastante conturbada, mas a palavra continuou sendo minha maneira de entender melhor o mundo e a mim mesmo. Mas só tomei coragem de viver o meu sonho em 1986, quando fiz o Caminho de Santiago.” 2
Vemos aqui a necessidade de dar importância ao ato de escrever, como um
veículo para a salvação. A história de vida, portanto, traz um significado
simbólico para a estrutura do personagem, servindo como base de toda sua
representação. Coelho, porém, não era um aluno exemplar. A conclusão do Ensino
Médio não foi por mérito próprio, mas foi possível graças ao dinheiro de seus
pais.
A constante insistência em tornar-se escritor causa repressão por parte dos
pais, fazendo com que o jovem adolescente torne-se revoltado e violento em sua
casa. A leitura de Trópico de Câncer teria sido a gota d’água para que a revolta
2 www.paulocoelho.com.br
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fosse instaurada em Paulo. A partir de então se seguem três internações em uma
clínica para doentes mentais.
“O atestado médico diz que eu era irritadiço, que hostilizava as pessoas politicamente, que vinha piorando na escola progressivamente, que minha mãe achava que eu tenha problemas sexuais, que não tinha amadurecido o suficiente para minha idade e que, quando queria uma coisa, tentava consegui-la de qualquer jeito, o que demonstrava atitudes cada vez mais radicais e extremistas. E que tudo aquilo levou meus pais a me internarem.“ (Paulo Coelho, 1998)
Com direito a choques elétricos, convivência com esquizofrênicos e até
momentos de diversão, a primeira internação durou pouco e terminou devido à
boa conduta do paciente. Já a segunda internação teve seu ponto final na fuga de
Paulo Coelho, uma fuga um tanto surreal e, segundo o próprio, simbólica.
Sem dinheiro, sem ter o que comer, após ficar dois meses sem dar
nenhuma notícia aos pais, o bom filho à casa torna. Depois de um ano tranqüilo,
Paulo encontra uma nova paixão: o teatro. Terceira internação, pois o teatro, para
seus conservadores pais, era pessimamente visto como um antro de drogas,
homossexualidade e repleto de vagabundos e pessoas perigosas. Mais uma fuga da
internação e Paulo Coelho finalmente encontra um médico que o declara são,
apenas faltava coragem para encarar a realidade da vida.
Ressentimento, mágoa e raiva seriam sentimentos compreensíveis em
qualquer ser humano que fosse obrigado a ficar preso, por motivos banais, em um
manicômio. Paulo Coelho, porém, afirma e compreende que a atitude de seus pais
foi causada por excesso de amor e tornou-se uma maneira de realização de seu
bom combate.
A personagem principal deste nosso espetáculo é o típico herói moderno.
As aventuras começam em sua infância, quando o pequeno Paulo sofre as
internações. O herói, portanto, é aquele que lutou e venceu suas condições
históricas e pessoais de maneira extraordinária. É um homem notável por sua
bravura, o herói sempre triunfa diante de seu inimigo, não sendo, portanto,
invulnerável, afinal, o ser humano perfeito é desinteressante e são as imperfeições
da vida algo apreciável. Assim como um líder carismático, ou melhor, por ser um
líder carismático, o herói necessita de seus seguidores, pois sem esta relação
(herói/seguidores, ídolo/fãs) o herói não é herói, é apenas mais um na multidão.
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Após as três internações, Coelho passou a se dedicar ao teatro, atuando,
dirigindo e dando aulas. Com pouco dinheiro no bolso, saiu, com sua turma
hippie, viajando pelos Estados Unidos. Neste momento, a cultura hippie tornou-se
a cultura do futuro escritor e o interesse por astrologia surgiu na vida de Paulo
Coelho.
Em 1963 acontece em São Francisco o verão do amor, lá é definida e
divulgada a figura do hippie pelos meios de comunicação. Apesar de caracterizada
principalmente pela busca do prazer, a utopia hippie não deixava lugar para
injustiças sociais e opressão. Aparecia a chamada contracultura, que unia três
temas: drogas, liberdade sexual e crítica ao sistema político.
A contracultura surgiu, nos Estados Unidos, como uma reação ao serviço
militar obrigatório na época da Guerra do Vietnã, tal reação era expressa através
de canções de rock, que mostravam maneiras alternativas de rejeição ao sistema,
maneiras que iam do misticismo oriental a drogas ou guerrilhas urbanas. O fim do
monopólio das tradições religiosas era defendido, assim, as experiências religiosas
vinculadas a uma Instituição perderam sua aceitação, sua força, e o sagrado
passou a ficar mais próximo das vivências pessoais A ideologia da contracultura
norte-americana, portanto, continha uma proposta utópica da sociedade que vivia
em tempos de guerra.
Enquanto de um lado a juventude militante lutava contra a ditadura
brasileira, do outro lado a juventude esotérica fazia sua busca espiritual. Foi a
partir de 1971, que a astrologia, numerologia, tarô, etc. começaram a fazer parte
da vida da classe média brasileira.
Quando Coelho retornou dos Estados Unidos, no começo da década de
setenta, a imprensa alternativa dava seus primeiros passos, imprensa esta diferente
daquela da esquerda, pois a revista fundada por Paulo Coelho, por exemplo, a
2001, tratava de discos voadores e temas místicos e não estava preocupada com
temas políticos.
É preciso que façamos uma observação. Os fatos ocorridos na infância de
Paulo Coelho são contados hoje, ou seja, são contados de acordo com a imagem
que o escritor pretende fabricar hoje. Como dizia Waly Salomão “a memória é
uma ilha de edição”, portanto, só nos é mostrado aquilo que é lembrado ou que
merece ser contado de maneira que contribua com a impressão desejada por
aquele que nos conta. Assim, a imagem não é apenas construída através de fotos,
67
roupas e filmes, mas também por aquilo que nos é dito, e a união entre a imagem
física e aquilo que é falado faz com que aquele que representa fabrique uma
imagem mais uniforme, coerente e, conseqüentemente, convincente. A capacidade
do indivíduo de dar impressão, portanto, envolve dois tipos de atividade
significativa: a expressão que ele transmite, ou seja, os símbolos verbais e a
expressão que ele emite através de suas ações [Goffman, 1989].
68
4.2
Segundo Ato: no mundo da música.
“Eu era o teórico, ele era o prático, que fazia discos para a massa, tudo na base de Jerry Adriani, Leno e Lílian etc.
Então, à medida que eu me interessava pelo potencial comercial de Raul, isto é, pela forma que ele usava para lidar com o público,
senti que poderia haver um entrosamento perfeito.” (Paulo Coelho, 1976)
Raul Seixas inscreveu, em 1972, no VII Festival Internacional da Canção
da Rede Globo, duas de suas músicas: “Let Me Sing, Let Me Sing” e “Eu sou eu,
Nicuri é o Diabo”. Raul, que até então era mais forte como produtor, torna-se um
cantor e compositor conhecido.
As duas únicas publicações da revista 2001, editadas por Paulo Coelho,
chamaram a atenção de Raul Seixas. Raul leu uma matéria sobre discos voadores
em tal revista e decidiu conhecer o editor da mesma. Até então, Raul era um
executivo de CBS, sério, vestido com um terno e vivendo confortavelmente à
maneira da classe média.
A partir de então, é formada a parceria, começando pelo primeiro disco
solo de Raul, Krig-há, Bandolo! cujo título refere-se ao grito de guerra de Tarzan,
que quer dizer: "cuidado, aí vem o inimigo", lançado em julho de 1973. A grande
marca de tal parceria era a presença de referências místicas e esotéricas, além de
uma pitada de humor e ironia nas letras. É neste LP que podemos encontrar alguns
dos mais famosos hinos seixistas como “Metamorfose Ambulante”, “Mosca na
sopa” e “Ouro de tolo”. Sendo esta última um hino que retrata, com ironia, a
classe média e critica a imobilidade e o conformismo daqueles que pensam ter
realizado tudo o que podiam.
“Eu devia estar contente
Por ter conseguido tudo o que eu quis Mas confesso abestalhado Que eu estou decepcionado
Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto: e daí? Eu tenho uma porção de coisas grandes
Pra conquistar, e eu não posso ficar aí parado”
69
Paulo Coelho era o “cabeça” por trás da forte imagem de Raul Seixas.
Claro que os dois compunham juntos, em meio a várias brigas, mas era Raulzito
quem usava sua imagem, atrelada às letras das músicas, para atrair os fãs. Na capa
do primeiro disco desta parceria, lá está o magrinho Raul sem camisa, de olhos
fechados e com uma chave estampada na palma da mão direita, a chave do
entendimento e da compreensão e, no caso do LP, o entendimento estava em ouvir
o disco e ler o Manifesto de Krig-há, uma espécie de revista em quadrinhos com
conteúdo místico e, porque não dizer, revolucionário, distribuído nos shows.
“Cada homem tem seu caminho e sua forma de agir. A nossa foi Krig-há. Destruiremos, sem compromisso algum, as crenças e opiniões arraigadas durante séculos de cultura. Somos mais parecidos com bárbaros que com Robespierre. Aprendemos a ler no Grande Livro os segredos da chuva e das pedras. Krig-ah é apenas o estágio do momento.” (Manifesto de Krig-há)
Neste gibi, ilustrado por Adalgisa Rios (esposa de Paulo, na época), era a
imagem de Raul Seixas que estava lá desenhada, como um hindu, cercado de
símbolos astrológicos e místicos, com um balãozinho no qual havia os seguintes
dizeres: “Eu sou astrólogo e conheço a história do princípio ao fim.”
Dedicando-se com afinco aos estudos esotéricos, Paulo Coelho e Raul
Seixas entraram de cabeça nas idéias do mago inglês Aliester Crowley. Baseada
nas idéias deste mago, a Argentum Astrum, AA, era uma organização filosófica
anti-religiosa e repleta de rituais. Não foi a toa que este bruxo entrou na moda
durante os anos 70, pois pregava uma nova ordem social, na qual cada homem era
seu próprio deus. Sua obra principal chamava-se O livro da lei e algumas músicas
de Raul e Paulo copiavam o texto do bruxo, como é o caso de “Sociedade
Alternativa”, música presente no LP Gita:
“Faz o que tu queres há de ser Tudo da lei, da lei
Todo homem, toda mulher É uma estrela
Viva, viva, viva a sociedade alternativa Viva, viva, viva a sociedade alternativa
O número 666 chama-se Aleister Crowley”
A dupla realmente acreditava na idéia de criar uma Sociedade Alternativa,
na qual as leis de Crowley seriam seguidas. Imaginem, em plena ditadura, a
70
defesa de uma sociedade livre, em que cada um faz sua lei. Foi nesta época que,
no dia seguinte a um show em Brasília, no qual Coelho defendeu as mudanças da
sociedade, que Paulo e Raul foram convocados a se apresentar à polícia. Coelho,
visto como o cérebro de tudo, foi preso e torturado. Na verdade, Paulo foi preso
por três vezes. A primeira foi por uma semana e anterior à parceria com Raul; a
segunda foi aquela após o show de Brasília e a terceira foi logo depois da saída da
prisão. Nesta última, sim, Coelho sofreu as piores torturas e, por isso, prefere não
falar sobre o assunto, pois classifica aquela semana de torturas como uma das
experiências mais duras e humilhantes de sua vida. [Arias, 2001]. Hoje,
entretanto, Paulo Coelho vê esta experiência de prisão como uma maneira de
crescimento, bem como a experiência nos manicômios.
A parceria de Raul Seixas e Paulo Coelho mudaria a imagem do primeiro.
Antes visto como um roqueiro influenciado por seu ídolo Elvis Presley, Raul
passou a ser uma espécie de Profeta Apocalíptico, transformando-se quase em um
guru. A capa do álbum Gita, no qual o cantor aparece com o dedo em riste, ilustra
bem esta faceta de profeta, afinal não havia nada que aquela dupla não soubesse
demais.
O livro hindu Bhagavad-Gita, lido pela dupla, quer dizer Canto do Senhor
ou Canto Divino, que assim é chamado por conter as palavras de Krishna, a
divindade encarnada, e é deste livro a origem do título do LP seguinte. Bhagavad-
Gîta ensina o homem a elevar-se acima da consciência humana, até uma
consciência divina superior, realizando desta forma na Terra o reinado dos céus.
Gita, portanto, significa canto, o canto mais antigo da humanidade capaz de
despertar uma transformação de princípios e valores, voltando-se para o poder que
existe dentro de cada um. Esta idéia de resgatar valores hindus e uni-los às idéias
de Crowley fez bastante sucesso, afinal, o disco vendeu 600 mil cópias,
recebendo, assim, o Disco de Ouro.
O sucesso da dupla era tanto que os dois compuseram a trilha sonora da
novela O rebu, da Rede Globo, com interpretações de vários artistas da época e
hits como “Como vovó já dizia”. Tal sucesso, porém, não se repetiu no LP
seguinte, Novo Aeon foi um fracasso e só vendeu 60 mil exemplares, apesar de
conter grandes sucessos da dupla como “Tente Outra Vez”, “Tu És o MDC Da
Minha Vida” e “A Maçã”.
71
Raul Seixas sabia da importância da imagem para passar a mensagem certa
para o público. A capa de Há 10 mil anos atrás traz Raul vestido de um velho
profeta de barbas e cabelos longos e brancos e com as mãos estendidas, uma
imagem ligada à música que dá título ao LP, na qual a imagem de messias
cósmico da contracultura era, mais uma vez, reforçada. Aqueles que utilizavam a
linguagem do rock faziam crítica à caretice de um ponto de vista contracultural,
unindo música, letra e performance. “Ouro de tolo” criticava fortemente esta
atitude careta da classe média e as principais canções da dupla bebem cada vez
mais em águas do misticismo oriental. Porém, não caiamos na armadilha de
pensar que Paulo Coelho e Raul Seixas mantiveram-se distantes de tudo o que
acontecia no cenário cultural brasileiro, presos em seus mundos místicos. Em uma
das músicas do LP Há 10 mil anos, há uma divertida crítica às canções de protesto
em “Eu também vou reclamar”, como se Paulo e Raul estivessem saturados de
tantas canções sobre o mesmo tema. A dupla critica a forma de protesto
pessimista, que apenas reclama do que acontece e tal crítica é feita através do uso
de expressões usadas em conhecidas músicas de protesto.
“Mas agora eu também resolvi
Dar uma queixadinha Porque eu sou um rapaz latino-americano
Que também sabe se lamentar E sendo nuvem passageira Não me leve nem à beira
Disso que eu quero chegar E fim de papo.”
A comunicação direta com o público feita através da imagem de Raul
Seixas e das composições deste com Coelho fez com que o primeiro se tornasse
um mito cultuado até hoje, a sua capacidade criativa e comunicativa de falar com
as massas perdurou durante todos estes anos. Raul, entretanto, não se considerava
um místico, afirmava que Coelho sim era místico, enquanto ele, Raul, via-se como
um cético desejoso de abrir as verdades individuais. Enquanto Paulo vinha com o
conteúdo, Raul trazia a objetividade para as músicas da dupla. Foi esta
objetividade de Raulzito que fez com que Coelho enxergasse a importância da
vontade do público na concepção de um trabalho artístico, a arte, portanto, tinha a
necessidade de tornar-se acessível ao maior número possível de pessoas.
72
“Uma canção é uma canção, como um sapato é um sapato. E pode ser comprada, exatamente como o sapato, no supermercado da esquina. O sapato serve para calçar o consumidor. A canção, para alimentar a sua necessidade de sonho, de beleza. No fundo, o sapato e a canção têm o mesmo valor para o homem, só que atendem a duas necessidades diferentes.” (Raul Seixas, 1976)
A relação desta dobradinha sempre foi tumultuada. Os dois se definiam
como inimigos íntimos, pois, muito mais do que sentar para trabalhar, eles
brigavam em demasia e a partir destas brigas compunham suas músicas. Aqui está
uma imagem romântica e mitificada do processo de composição, como uma luta
entre as duas cabeças pensantes. Seria bem menos interessante se esta dupla tão
polêmica e com letras tão intensas sentasse calmamente e escrevesse suas músicas
de maneira que o ato de composição se igualasse a um trabalho qualquer. Uma
canção pode ser como um sapato, mas a construção de ambos é bastante diferente,
embora o objetivo maior, ou seja, a venda do produto, seja a mesma nos dois
casos. Logo, a música, como forma de arte, também se insere na indústria cultural
e torna-se mais um produto rentável.
A conturbada relação entre Paulo e Raul rendeu 60 parcerias musicais e
diversos sucessos, mas este seria apenas o início da incursão de Paulo Coelho na
indústria musical. No final dos anos 70, Coelho foi o grande responsável pela
confecção da imagem de Sidney Magal, criando uma estratégia de mercado para
aumentar as vendas dos discos do cantor, estratégia esta focada na imagem de
Magal. Em uma entrevista concedida em 1978, Coelho afirma que a imagem de
Magal era dúbia, pois, enquanto os maridos o taxavam como homossexual, as
esposas se apaixonavam pela imagem de amante latino, assim sendo, os homens
não se importavam que suas mulheres comprassem seus discos, ou seja, a imagem
de Sidney Magal, construída por Paulo Coelho, foi essencial para o sucesso
comercial do cantor. Este conhecimento na fabricação de um ídolo não era
novidade para Coelho, afinal, ele era um poderoso na indústria do disco no Brasil,
que havia sido produtor e supervisor de elenco da gravadora Polygram e gerente
geral da CBS. Raul Seixas ensinou muito mais do que magia e filosofia a Paulo
Coeho, ensinou a importância da construção exata de uma imagem que supra as
necessidades do público e supere suas expectativas, uma imagem que venda.
No final dos anos setenta Coelho exerceu a função de crítico musical. Até
1983, Paulo Coelho já havia sido premiado no teatro, editado a revista 2001,
criado a Sociedade Alternativa e composto músicas para Raul Seixas, Rita Lee,
73
Elis Regina, Sidney Magal, além deter empresariado a cantora estreante Neuzinha
Brizola e escrever programas de shows para a TV Globo e possuir diversas
reportagens publicadas em jornais e revistas internacionais.
Mas o próximo passo seria o começo das transformações de Paulo Coelho
colocando-o frente a frente com o público e tornando-o um dos homens mais
influentes do mundo.
74
4.3
Terceiro ato: o mago
“Mas não há outra definição para mim: sou um mago” (Paulo Coelho, 1988)
Antes de ser conhecido como o “Mago de Copacabana”, Paulo Coelho era
chamado de “Vampirólogo Brasileiro”, pois viajou para a Inglaterra, em 1977,
com o intuito de fazer um curso sobre vampiros e, já no Brasil, deu palestras e
cursos sobre o assunto. Foi deste hobby levado a sério que surgiu o livro Manual
Prático de Vampirismo (1986), escrito com Nélson Liano Jr. Neste livro, Coelho e
Liano contam como evocar vampiros e como afastá-los, além de algumas
curiosidades sobre o tema. Porém, tal livro, anos mais tarde, foi retirado das
prateleiras, pois Paulo Coelho o considerava mal escrito.
“Porque o Manual Prático do Vampirismo está ligado a uma fase de minha vida que eu estava muito pirado e fui buscar no vampiro um arquétipo disto. O vampiro é um tema muito interessante, mas o livro muito mal escrito.” (Paulo Coelho, 1988)
Opção feita: mago e não vampirólogo.
A prisão ocorrida nos anos 70 fez com que Paulo Coelho decidisse se
afastar de tudo, inclusive da magia. Após um período de reclusão em Londres, em
uma frustrada tentativa de escrever um romance, o escritor volta ao Brasil para
trabalhar num cargo executivo em uma gravadora.
Após um divórcio, casa-se com Christina Oiticica, sua atual mulher. É na
lua de mel do casal que se inicia a magia na vida de Paulo Coelho. Em uma
viagem à Europa, Coelho encontrou com seu mestre, que apareceu em corpo
astral, e mandou que o futuro mago fizesse uma viagem até Amsterdã. Dois meses
depois, mesmo com a fé abalada, Paulo seguiu as ordens do mestre e o encontrou,
agora em corpo físico, na Holanda e de 1982 até 1986 Coelho foi treinado. Este
homem sugere um reencontro de Paulo com o catolicismo e que encontre o lado
bom da magia, através de uma tradição ligada à ordem medieval chamada RAM
(Rigor, Amor e Misericórdia; Regnum, Agnus e Mundi). O homem misterioso se
torna mestre de Paulo Coelho e o manda fazer o famoso Caminho de Santiago
75
para que sua verdade interior seja encontrada, é justamente esta experiência que
narrada em Diário de um Mago.
Neste episódio encontramos dois fatores importantes em seu passado: o
catolicismo, que outrora fora visto como uma obrigação e a magia, que esteve
ligada a práticas pouco convencionais, através do bruxo inglês Crowley,
conhecido como a Besta. É a situação perfeita para a redenção, para
transformação da imagem de uma pessoa que pregava palavras de um bruxo
ligado à magia negra, para um mago, que segue o lado bom da magia.
“O herói tem a mesma invencibilidade do sol, que entra e sai das sombras sem que nada possa alterar o poder de seu brilho. Tal é a solaridade de que falamos: o herói (sol) opõe-se ao universo das trevas.” 3
Era preciso, entretanto, chamar a atenção da mídia e foi justamente em uma
entrevista concedida ao Jornal O Globo, em 1987, que atraiu a curiosidade dos
jornalistas e leitores. A repórter Regina Guerra foi até a casa de Paulo Coelho, em
Copacabana, uma semana após o lançamento de O Diário de um Mago, e lá
presenciou um curioso e mágico acontecimento: o mago fez ventar. Além disso,
Coelho deu declarações que caracterizavam o tipo de impressão que ele desejava
transmitir naquele momento.
“Ele diz que sabe chamar o vento, e, se quiser, faz chover também. Uma vez, convocou um disco voador. Participa de cerimônias secretas, materializa objetos e até pessoas, comunica-se telepaticamente. Para tanto não segue dietas exóticas nem usa chapéu pontudo (...) O modo de vestir e os hábitos de vida e consumo são os típicos da classe média alta que produz e consome cultura na Zona Sul do Rio.”
Pronto. Foi o suficiente para que reportagens e entrevistas com o mago
moderno pipocassem em jornais e revistas de todos os tipos. Chamados por uns de
“Castañeda de Copacabana”, alusão ao antropólogo americano Carlos Castañeda,
que escrevera best-sellers sobre experiências místicas vividas ao lado de um índio
no México similares àquelas narradas por Coelho ao lado de seu mestre; chamado
por outros de “O Mago de Copacabana”, Paulo Coelho passou a dar palestras
sobre temas místicos e esotéricos, além de contar as experiências retratadas em
seu livro. A viagem pelo Caminho de Santiago não rendeu apenas um livro e
3 SODRÉ, Muniz. Best Seller: A literatura de mercado.
76
algumas palestras, mas virou uma febre entre aqueles que buscavam caminhos
místicos. Paulo Coelho e a astróloga Claudia Castello Branco organizaram uma
excursão para Egito, Israel, França e Espanha, denominada “Os Três Caminhos
Sagrados”. As viagens eram feitas em confortáveis ônibus, com paradas
estratégicas para prática de magia. Mas atenção, tais práticas eram sempre feitas
sob a orientação do mago Paulo Coelho.
O lançamento de Diário de um Mago não teve muito alarde, o sucesso do
livro foi construído através do boca a boca. Publicado pela editora Eco, em 1987,
o primeiro livro de Coelho vendeu cerca de 9 mil exemplares e foi nesta mesma
editora que O Alquimista foi publicado. Até 1988 os dois primeiro livros de
Coelho já haviam vendido, juntos, 23 mil exemplares nesta pequena editora.
Dispensado da Eco, com a justificativa de que dava prejuízos, Paulo foi atrás de
uma grande editora, a Rocco. O encontro de Paulo Coelho com Paulo Rocco
rendeu tão bons e lucrativos frutos que o segundo classifica tal encontro como
magia. Rocco trouxe a visão de mercado e a sabedoria comercial para o mago, os
dois Paulos, então, começaram a utilizar importantes ferramentas do marketing
para que os livros atingissem números altíssimos de vendas. Mago pode ganhar
dinheiro? Paulo Coelho afirmava que sim.
“Não há nenhum mal em você ser um mago, ser bem-sucedido. É uma coisa que metade do mundo inveja e a outra metade classifica como loucura. Quem pratica magia, merece a sua recompensa.” (Paulo Coelho, 1987)
Saído da indústria da música e conhecendo a importância da imagem na
construção de um artista, Coelho não deixava de lado o figurino, afinal, sendo um
mago é preciso vestir roupas compatíveis com esta idéia de magia, roupas que
fossem condizentes com suas ações mágicas de fazer chover ou ventar. Voltemos,
então, à questão do carisma. É preciso que os discípulos dos indivíduos
carismáticos acreditem que este seja dotado de atributos especiais, extraordinários.
Independente de críticas ou rótulos, Paulo Coelho construí um forte carisma a
partir de seu primeiro grande sucesso editorial. E mais do que um autor, escondido
por trás das letras, ele fez-se presente e começou a construir sua imagem pública.
A importância das diversas entrevistas concebidas por Coelho no início de
sua carreira está no fato da necessidade de a ilusão do pop star ser escrita e
divulgada por aqueles que detêm a informação “real” e carregam o carimbo da
77
“verdade”. Mas para atrair a atenção da imprensa é preciso ter algo de diferente,
de extravagante, pois para despertar comentários ser comum não é o suficiente. O
corpo, portanto, torna-se tão importante quanto a fala. O vestuário coloca-se no
mesmo patamar do que aquilo que é dito, pois o próprio corpo transforma-se em
enunciado e transmite a mensagem desejada. Assim, a moda é um artifício do
espetáculo, afinal, não se pode controlar o público, mas a própria imagem pode
ser controlada de acordo com as impressões que o ator deseja transmitir a seus
espectadores. Paulo Coelho aparece em fotos com sua espada mágica em punho,
uma espada japonesa do século XVIII, conquistada no Caminho de Santiago e que
simboliza o poder; somada a uma capa preta davam autenticidade à imagem de
mago.
“Ela é um objeto simbólico se a entendermos como um dos quatro grandes códigos, feito a taça o bastão e as moedas. Mas também tem uma função prática dentro dos rituais de magia. Agora, se um dia entrar um assaltante lá em casa, eu posso usar a espada para cortar a cabeça dele. Ela é uma espada japonesa do século XVIII e é chamada de “corta joelho”, pois é tão afiada que, ao se cortar a cabeça de uma pessoa sentada sobre seus calcanhares, cortava-se também os seus joelhos.” (Paulo Coelho, 1989)
Entretanto, era preciso aproximar-se dos leitores, do público. Era preciso um
pé na magia e outro na realidade, para que a imagem de Paulo Coelho, além de
extraordinária, fosse comum. Afinal, o autor pregava que qualquer um poderia ser
um mago, logo, um mago também poderia ser uma pessoa como qualquer outra,
para assim, tornar-se familiar a seus seguidores. É preciso, portanto, que esta
combinação entre o comum e o extraordinário seja bem balanceada e calculada de
modo que não haja exageros nem equívocos quanto à impressão transmitida. A
função prática da espada descrita por Coelho aproxima este objeto mágico da vida
cotidiana de seus leitores, mas não subtrai a magia da espada e muito menos sua
força, que pode ser tanto mágica quanto prática.
O mesmo acontece com o vestuário do escritor. Se em algumas entrevistas
ele surge com o figurino apropriado de um mago, em outras suas roupas são as
mais comuns possíveis: calça jeans e camiseta (na maioria das vezes branca).
Precisamos, todavia, nos ater ao fato de que estas aparições com um vestuário
mais próximo do usual começaram a ser mais recorrentes, apesar de já terem
acontecido antes, após a imagem de Coelho como mago já estar construída, ou
seja, foi preciso que a imagem do mago fosse consolidada para que a imagem do
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homem comum viesse à tona. Em uma das tantas reportagens publicadas sobre
Paulo Coelho, há uma, em uma revista tipicamente adolescente, na qual o mago é
descrito como “um amigo do seu pai, que você encontra numa festa e diz que a
pegou no colo quando você era pequena.”4 A familiaridade entre leitores e
escritor, neste caso, só aumenta à medida que aquilo que é mágico torna-se
normal.
Não podemos nos esquecer do cenário do espetáculo, afinal, é preciso um
lugar adequado para que o indivíduo faça sua representação. O lugar de Paulo
Coelho era sua própria casa, um apartamento em Copacabana. Nada de espaços
recheados com objetos místicos, ao entrar no cenário de Paulo Coelho, entra-se na
casa do homem comum, de calças jeans, e não na casa do mago de capa preta e
espada em riste.
“O mago Paulo Coelho mora num apartamento térreo no coração de Copacabana. Pouca coisa ali denuncia a presença do bruxo. A espada mágica e outros símbolos místicos poderiam passar despercebidos. O apartamento é simples, como simples são os gostos e os hábitos de Paulo Coelho. A grande estrela de modernidade da casa é um sofisticado computador, onde o bruxo escreve seus livros e desafia a máquina em repetidas partidas de xadrez, enquanto pedala durante hora e meia sua bicicleta ergométrica. Afinal, para manter o corpo em forma e exorcizar a barriguinha quando se chega aos 44 anos, o exercício físico ainda é a melhor magia.” 5
Vale a pena nos atermos a esta entrevista, concedida em 1990 ao jornalista
Janir Hollanda, para que analisemos as impressões dadas por Coelho. Em primeiro
lugar, a capa da reportagem nos traz uma foto, no mínimo, inusitada para um
mago, pois Paulo Coelho está sentado, de bermudas, em sua bicicleta ergométrica.
Mais uma vez, a imagem do homem comum se faz presente e se distancia daquela
da magia. Durante a entrevista, questionado sobre a curiosidade que seus leitores
têm sobre o homem Paulo Coelho, a separação entre figura pública e particular
fica clara e é similar à distinção entre o mago e o homem.
“Se eles têm esta curiosidade, aqui vai a resposta. Tenho as qualidades e os defeitos de qualquer outro homem. Esperem de mim grandes coisas e coisas mesquinhas, pois sou um ser humano igual a todos. Mas o mago Paulo Coelho, esse é o bom. Ele é um cara que tem sua espada muito bem colocada. Ele sabe usá-la. “
4 LEÃO, Rodrigo. Revista Capricho, setembro de 1992. 5 HOLLANDA, Janir, 1990.
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Um dos “ensinamentos” do livro O Alquimista é a lenda pessoal, que seria
aquilo que a pessoa sempre desejou fazer, um sonho que às vezes se perde na
realidade da vida, mas que sempre deve ser buscado, pois está no destino de cada
um, a lenda pessoal seria uma espécie de missão. Perguntado por Janir Hollanda
se sua lenda pessoal seria ser escritor, Paulo Coelho deu a seguinte resposta:
“Não, minha lenda pessoal é ser mago, cumprir minha missão como mago. É crescer espiritualmente.”
Mais importante do que ser escritor, portanto, era ser mago, pelo menos
naquele momento da vida de Paulo Coelho era a imagem de mago mais
importante do que a imagem de escritor. Até no ato de escrever a magia está
contida, pois é preciso que apareça um sinal, uma pena, para que Coelho
começasse a escrever seus livros. Achada a pena, como em um passe de mágica, o
livro flui naturalmente.
“- Em quanto tempo você escreve um livro? - Não muito. O Alquimista eu escrevi em dez dias. O Diário de um Mago em trina e Brida, 45. Quando surge o sinal, o livro vem completo. A pena não indica apenas o dia favorável para começar o trabalho. Aí, eu leio o livro e digo: fui eu que escrevi isso?”
A obra de Coelho foi muito criticada e classificada como uma subliteratura,
no sentido de inferioridade. Muitos críticos atacaram a forma simples e direta dos
romances do mago, mas a justificativa de Coelho para esta forma de escrita não se
afastava de justificativas místicas. Afinal, para ele “a simplicidade é a chave do
universo. O universo é simples.” 6 Outra justificativa mística está presente nas
respostas às ferrenhas críticas aos erros gramaticais presentes nos livros de Paulo
Coelho. A magia, portanto, justificava quase tudo.
“O Paulo Rocco fica louco comigo, mas faço questão que meus livros não tenham a menor alteração desde a primeira edição, seja qual for o erro gramatical. É que meus livros têm duas leituras: a normal e a leitura mágica, na qual existem vários códigos. Não sou eu quem está inventando isso: sempre foi feito assim pelos alquimistas. Na leitura de ordem mágica, iniciáticas, esses erros não são erros. É claro que eu pago um preço alto por isso, pois todos me gozam, me criticam por essa teimosia. Tenho medo que depois da minha morte alguém decida lançar edições de meus livros sem os tais erros que não são erros. Isso significa destruir minha obra.” (Paulo Coelho, 1991).
6 Jornal Folha de Londrina, 11/09/1988.
80
Parece-nos, entretanto, que, ao longo dos anos, a leitura normal tornou-se
mais importante do que a leitura mágica. Mas isto é assunto para o próximo ato do
nosso espetáculo, concentremo-nos no mago.
As imagens projetadas nos meios de comunicação foram essenciais para a
divulgação de Paulo Coelho como um mago. Sua aparição surgiu em um
momento em que o esoterismo e o misticismo começaram a ganhar força na
sociedade. Naquele momento, final dos anos 80, objetos esotéricos
multiplicavam-se nas prateleiras, inclusive os livros sobre o assunto. Paulo Coelho
soube, através de sua imagem e de seus atos, unir o místico com o habitual. Isto
era necessário, pois, quando Coelho afirma que qualquer um pode ser um mago,
ele afirma que qualquer um pode praticar os rituais descritos em O Diário de um
Mago, ou seja, mais livros vendidos, um vento de otimismo sopra a favor de seus
leitores e eles enxergam no escritor aquilo que seus livros pregam: perseguir os
sonhos, não desistir das metas e mudar o mundo a partir de cada um. A imagem
do homem comum, somada à imagem mágica cria a ilusão de que todos podem se
transformar no “Mago de Copacabana” ou naquilo que desejarem ser, afinal,
Paulo Coelho conseguiu e quando você deseja algo o universo inteiro conspira a
seu favor. A descrição feita pela jornalista Malu Lopes da Revista Manchete, em
fevereiro de 1990, sintetiza a imagem aparentemente contraditória, mas eficiente,
de Paulo Coelho naquela época.
“Paulo Coelho mantém também a parte exótica de sua personalidade. Ela está no gosto pelo tarô (possui uma coleção de baralhos), na criação de mariposas vivas, que cultivou no jardim de inverno de seu apartamento, até que os gatos a descobriram, e na capa preta de Ted Lapidus, que só usa em ocasiões especiais. Para contrabalançar, afirma que gosta de cuidar das plantas, andar na praia, prefere o perfume Alphazema e não dispensa uma conversa com Deus, pelo menos 10 minutos por dia. Supersticioso, sempre levanta com o pé direito, que nunca está no chão ao toque da meia-noite; sai sempre pela porta que entrou; e nunca trabalha nas horas fechadas. No entanto, define-se como um mago contemporâneo, afinado como o conforto do século 20: controla pelo telefone sem fio as vendagens histriônicas de seus livros, assim como as aplicações financeiras; dispõe de secretária eletrônica para os recados; coleciona fitas de vídeo e utiliza um microcomputador para escrever seu novo livro. Paulo Coelho parece interessado apenas em passar o ensinamento de O Alquimista. No livro, o pastor de ovelhas, depois de muita persistência, encontra a fortuna que vira num de seus sonhos.”
Não podemos nos esquecer do passado do mago. Afinal, quando apareceu
na mídia como escritor, seu nome ainda aparecia ligado ao de Raul Seixas. Seu
passado foi necessário para dar força ao presente, para justificar que aquele tal de
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Paulo Coelho não havia surgido do nada, pois possuía uma vasta e importante
participação na música brasileira. O mago afirma que foi com Raul Seixas que
aprendeu a linguagem simples e sintética, que atinge o público.
“A música me ensinou a linguagem popular, ninguém se dá bem no mercado musical empreendendo viagens do ego porquê é um mercado de milhões de dólares. (...) A música me educou para a importância da linguagem clara na transmissão das idéias e despertou minha percepção para a amplitude do seu campo de ação.” (Paulo Coelho, 1989)
Coelho não nega suas experiências com drogas, mas as transforma, como
agora faz com as internações da adolescência, em ensinamentos. Aliás, nada é
falado, neste momento da vida de Paulo Coelho, sobre as tais internações, afinal,
com a carreira de escritor sendo iniciada como um mago, provavelmente seria um
prato cheio para os críticos se soubessem de suas passagens por manicômios. As
experiências com o bruxo Aleister Crowley e sua magia negra poderiam
prejudicar a imagem de um mago do bem, mas as experiências vividas com a
magia de Crowley são descritas como algo negativo e perigoso, inclusive Paulo
confessa que usava seus pobres alunos do curso de teatro para experimentações de
magia.
O mago se torna católico, ou seja, tudo aquilo contra o qual havia lutado em
sua adolescência agora se transforma em sua fé. Alguns acusam de oportunista a
idéia de Coelho se classificar como católico, pois é esta a religião que possui mais
fiéis no Brasil. Não julguemos, entretanto, a fé do mago. Mas pode um mago, com
direito a discípulos e mestre, ser católico?
“Eu sou cristão praticante. Os três reis eram magos e foram lá dar presentes ao Cristo. A magia é uma ferramenta. (...) Eu sou católico praticante. Claro que eu aceito disciplinadamente as coisas que a Igreja coloca, embora nem sempre concorde com tudo.” (Paulo Coelho, 1994)
Em 1994, Paulo Coelho, graças à iniciativa da editora Anne Carrière,
publicou o livro O Alquimista na França, mas havia um pequeno problema, pois
Coelho não falava francês, ou seja, seria bastante complicado realizar uma turnê
de divulgação de seu romance no país. O mago, entretanto, não desistiu. Voltou ao
Brasil e fez aulas intensivas de francês e, três meses depois, estava na França
dando entrevistas e conferências em 21 cidades do país. O objetivo de ser
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conhecido no mundo inteiro, portanto, não é de agora. Coelho já sonhava em
ampliar suas fronteiras.
Foi preciso um grande número de citações para que entendêssemos a
representação de Paulo Coelho neste momento de sua vida. As falas do mago e
suas roupas, facilmente descritas, foram essenciais para que a impressão desejada
fosse transmitida à sua platéia, ou seja, não custa repetir a importância dos meios
midiáticos na fabricação e transmissão dos valores do ídolo. Infelizmente, só
contamos, neste trabalho, com a ajuda da mídia escrita, mas parece ser o
suficiente para entendermos e analisarmos as intenções de Coelho na época.
Como dito anteriormente, o carisma transforma-se em uma espécie de pano
de fundo deste trabalho. Sim, é bem verdade que Coelho utilizou todos os meios
necessários para criar sua imagem de mago, mas será que isto seria o suficiente
para transformá-lo em uma celebridade? Será que não existe algo de inexplicável
em tudo isto? Vestir-se de mago, com uma espada em riste e uma capa preta, é o
suficiente para atrair milhares de seguidores? Talvez o carisma não seja algo
100% inexplicável, existe uma parte que podemos explicar, demonstrar os fatores
que o compõe. Mas será que se qualquer outra pessoa tivesse seguido os mesmos
passos de Coelho, feito exatamente as mesmas escolhas, teria alcançado tamanho
sucesso?
As transformações de Paulo Coelho não pararam por aqui. No próximo ato,
veremos as mudanças em sua representação de si mesmo.
83
4.4
Quarto ato: o escritor.
“Sou antes de tudo um escritor. O mago, porém, sempre estará presente. A espada que recebo, simbolicamente, no ritual da posse, será a mesma que do Diário de um
Mago. O livro trata da busca desta espada. Será exatamente a mesma. Esta é uma coisa muito simbólica para mim. Me sinto honrado em
conquistar a espada pela segunda vez.” (Paulo Coelho, 2002)
Difícil definir o momento exato das transformações ocorridas na imagem de
Paulo Coelho. O comportamento do escritor foi mudando aos poucos e sempre,
claro, através da mídia tais mudanças tornaram-se públicas.
No começo de 1996, Paulo Coelho aparece na mídia com um novo visual:
cabeça raspada com um rabinho de cavalo no estilo indiano. Alguma explicação
mística para tal transformação? Não, Coelho afirmou na época que era esta uma
vontade antiga e que finalmente tomara coragem para raspar a cabeleira e que se
sentiu muito orgulhoso de sua resolução. Até um simples corte de cabelo pode
originar lições de vida. Parece supérfluo nos prendermos em um detalhe
aparentemente fútil, mas a nova imagem do escritor causou alvoroço na imprensa,
ofuscando a exposição de quadros de sua mulher, a artista plástica Christina
Oiticica. As transformações, porém, não param por aí. As roupas do escritor
também foram modificadas. Se antes Coelho vestia calças jeans e camisa, agora
usa roupas pretas, Armani, sempre muito elegantes. Capa e espada? Este figurino
tornou-se obsoleto no armário do escritor. A imagem de mago, portanto, ficou no
passado.
Além disso, a mudança da imagem de Coelho é acompanhada de uma
mudança de atitude, afinal, a representação, para ser coerente, precisa que figurino
e atitude funcionem como uma única engrenagem construtora da impressão
desejada. Através da aparência, que nos revela o status social daquele que
representa, somos informados sobre seu novo ciclo de vida. É preciso, entretanto,
que haja uma compatibilidade entre aparência e maneira, ou seja, é preciso que
aquilo que o ator aparenta seja compatível com seu comportamento.
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Para que houvesse a compatibilidade necessária entre maneira e aparência,
Paulo Coelho passou a citar mais autores e diminui a presença de temas místicos
em suas entrevistas e até mesmo em seus livros.
“Em presença dos outros, o indivíduo geralmente inclui em sua atividade sinais que acentuam e configuram de modo impressionante fatos confirmatórios que, sem isso, poderiam permanecer despercebidos ou obscuros. Pois se a atividade do indivíduo tem de tornar-se significativa para os outros, ele precisa mobilizá-la de tal modo que expresse, durante a interação, o que ele precisa transmitir.” 7
Com a carreira internacional em movimento ascendente, os negócios não
estavam nada mal para o escritor em seu próprio país. No final dos anos noventa,
mudou de editora. O contrato com a Editora Objetiva foi o maior contrato no
mundo literário brasileiro, afinal o escritor recebeu um milhão de reais ao sair da
Rocco.
“Ele já não se diz um mago, ele já não se mostra como um mago, ele talvez já não queira ser apenas um mago. Ele é, visível e certamente, um dos escritores mais lidos e mais bem pagos do mundo (...). Paulo Coelho parece querer ser tratado, antes de tudo, como um escritor – e não qualquer um: esse escritor, crescentemente notável, de dez milhões de livros vendidos e pelo menos o equivalente em dólares.” 8
Cansado de responder perguntas do tipo “você faz chover?”, Coelho
transforma-se em uma personalidade, uma celebridade conhecida no mundo
inteiro. Seus livros aparecem em mãos de pessoas do calibre de Julia Roberts, Bill
Clinton e Nelson Mandela. Viagens pelo mundo inteiro para a divulgação de seus
livros tornam-se uma rotina na vida do escritor pop star.
“(...) a vida de um escritor é muito solitária. Não é feito a de um pop star, embora eu seja um pop star, mas não há o contato direto que um cantor tem.” (Paulo Coelho, 2000).
Mais um detalhe foi modificado na vida de Paulo Coelho: o método usado
para escrever seus livros. Se antes o autor escrevia em pouco tempo um romance,
de maneira quase mágica, agora o tempo é mais longo e menos frenético, embora
a pena branca, como um sinal para iniciar a escritura, ainda permaneça
importante.
7 GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana, p..36. 8 CRELLI, Wagner. Revista República, 01/03/97.
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“Lei número um: não escreva em um período menor que dois anos, viva saia, encontre as pessoas, curta. Minha matéria-prima é a vida. A segunda coisa é: quando começar, não pare e a terceira, tão importante quanto as outras é não se isole.” (Paulo Coelho, 2000)
Em 1998, Paulo Coelho concedeu uma longa entrevista ao jornalista e
escritor espanhol Juan Arias, resultando no livro Confissões de um Peregrino. É
através deste livro que tomamos conhecimento das internações sofridas pelo
adolescente Paulo, afinal, até então pouco se falava sobre o assunto. Até que, no
mesmo ano da entrevista com Arias, Coelho lançou o romance Veronika Decide
Morrer que trata do tema da loucura, assim sendo, muitas entrevistas da época
giraram em torno deste tema e Coelho, já um escritor estabelecido, pôde contar
sua história.
“Eu tinha prometido a mim mesmo nunca mais falar dessa dolorosa experiência enquanto meus pais fossem vivos. Faço isso agora porque minha mãe já morreu e meu pai é muito velho. Mas ele é lúcido e acompanhou todo o lançamento de meu romance mais recente, Veronika Decide Morrer. Acho que falar dessa minha história foi um alívio para ele.” (Paulo Coelho, 1998)
As experiências na prisão também são relatadas a Arias, bem como a
descoberta do bruxo Aliester Crowley. Coelho finalmente descreve a sinistra
experiência, vivida um dia antes de ser preso, com a magia negra e o motivo de ter
desistido de seguir os ensinamentos do bruxo inglês. Mas, antes que começasse a
contar sua experiência com o Mal, o escritor pediu permissão para acender velas e
apagar a luz elétrica. O jornalista Juan Arias descreve um Paulo Coelho tenso e
preocupado em fazer revelações que nunca ousara antes.
“Naquele dia, era muito cedo; comecei, como já disse, a ver tudo preto e tive a sensação de que ia morrer. Era um preto muito concreto, físico, visível. Não era a minha imaginação, era algo tangível. Minha primeira impressão foi a de que eu estava morrendo.” (Idem)
O tom de confissão permeia toda a entrevista e esta acaba por se tornar uma
espécie de autobiografia dirigida pelo jornalista, mas sempre controlada por Paulo
Coelho, afinal, o escritor só fala aquilo que lhe interessa e de maneira que sua
imagem seja vista de acordo com suas intenções. Falando sobre si, o escritor
assume o papel de protagonista e de testemunha de sua própria vida. Ao contar
suas aventuras e desventuras vividas, sabe que existirá um leitor e que este leitor
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julgará aquilo que lhe é apresentado. Não há fotos em Confissões de um
Peregrino, portanto, a impressão só é dada através daquilo que é dito por Coelho.
O desejo de ter seus livros distantes das prateleiras de esotéricos evidencia a
vontade de distanciar-se do rótulo de mago e ficar mais próximo da imagem de
um sábio escritor.
“Arias: Em que parte da livraria você gostaria que colocassem seus livros? Coelho: Alguns na estante de literatura, outros na de Filosofia, mas não na de esoterismo. E digo isto sem pudor, sem vergonha, com orgulho.”
O ponto culminante da transformação do mago em escritor foi quando sua
capa preta foi substituída pelo fardão de Imortal e sua espada mágica pela espada
dos membros da Academia Brasileira de Letras. A intenção de Paulo Coelho de
entrar para a Academia surgiu, pelo menos publicamente, no lançamento de seu
romance O Demônio e a Srta. Prym, em 2000, quando o escritor, para aproximar-
se dos imortais, lançou seu livro na ABL.
“Esses encontros com os acadêmicos vêm de algum tempo... Acho que a ABL é um lugar onde há a possibilidade de um diálogo interessante. E sugeri que meu livro fosse lançado lá e a idéia foi aceita. Apareceu a pergunta de eu queria ser candidato e disse: evidente que sim” (Paulo Coelho, 2000).
Finalmente, em 28 de Outubro de 2002, Paulo Coelho ocupou a Cadeira 21
da Academia Brasileira de Letras, sucedendo ao economista Roberto Campos. Em
seu discurso de posse, o mais jovem acadêmico da História da ABL cita grandes
trechos de O Diário de um Mago, mas não são os trechos que falam de magia e
encontros com anjos e a Morte, Paulo Coelho cita os ensinamentos de vida
contidos em seu primeiro livro, transferindo-os para a realização de seu grande
sonho de tornar-se um imortal. Palavras antes escritas por um mago agora são
proferidas por um escritor.
“O Bom Combate é aquele que é travado em nome de nossos sonhos. Quando eles explodem dentro de nós com todo o seu vigor – na juventude – temos muita coragem, mas ainda não aprendemos a lutar. Depois de muito esforço, terminamos aprendendo, e então já não temos a mesma coragem. Por isso, nos voltamos contra nós, e nos transformamos em nosso pior inimigo. Dizemos que nossos sonhos eram infantis, difíceis de realizar, ou frutos de nosso desconhecimento das realidades da vida. Matamos nossos sonhos porque temos medo de combater o Bom Combate.”
87
Nada, nem uma palavra é falada a respeito da magia, como se sua fase de
mago, fase esta que o tornou um escritor de sucesso, não tivesse ao menos
existido. Raul Seixas, entretanto, é citado uma vez, quando Paulo Coelho afirma
que a música “Metamorfose Ambulante” é uma descrição da alegria presente nos
corações dos guerreiros que lutam por seus sonhos. Música, aliás, que se encaixa
perfeitamente na capacidade do mago metamorfosear-se em escritor.
Todos aqueles que ocuparam a Cadeira 21, chamada por Coelho de “Cadeira
da Utopia”, são citados no discurso de posse do autor e descritos, apesar das
diferentes escolhas partidárias, como guerreiros que lutaram por um sonho e
acreditaram na mudança do país. Mais do que lembrar os acadêmicos que o
antecederam, Paulo Coelho lembra a importância que a Academia Brasileira de
Letras exerce em sua vida desde a adolescência e que aquele sonho finalmente foi
conquistado, pois o escritor nunca desistira de suas crenças nem de combater seu
Bom Combate, ou seja, ele se mostra como um guerreiro, como alguém que
conquistou o que estava em seu destino, isto é, ser escritor.
“Vez por outra me lembrava de um episódio de minha adolescência. Com um grupo de amigos da Academia Brasileira de Letras do Colégio Santo Inácio – onde cursava o ginasial – vimos até aqui para assistir a uma palestra. (...) Não me lembro da palestra, nem do palestrante – mas a primeira impressão desse lugar jamais saiu de minha cabeça. Hoje, quase 40 anos depois, estou nesta tribuna, fazendo meu discurso de posse. O que era uma utopia adolescente virou – no início da década de 90 – uma verdadeira heresia. Mas, como acontece com algumas heresias, esta também se transformou em realidade. Lutei por esse sonho, confiei em meus amigos, combati o bom combate e mantive a fé. Aprendi com Jorge Amado, o maior escritor brasileiro do século XX, o insubstituível, o grande, o generoso, o digno Jorge Amado, que as utopias são possíveis.”
A vontade de ser visto como um escritor e não mais como um mago fez com
que Paulo Coelho começasse a citar nomes de escritores consagrados em suas
entrevistas, mostrando, assim, que possui conhecimento do assunto. Além de cada
vez mais, frequentar ambientes literários.
Não podemos, entretanto, esquecer que Paulo Coeho não é apenas um
escritor. Ele é um pop star. Brasileiro mais conhecido, mais lido e mais influente
do mundo, Coelho não é um pop star apenas em terras tupiniquins, leitores do
mundo inteiro o idolatram como uma celebridade. Em um mundo no qual as
celebridades cada vez mais se envolvem em questões políticas e sociais, com
Paulo Coelho não poderia ser diferente. O escritor é convidado assíduo do Fórum
Econômico Mundial ao lado de roqueiros como Peter Gabriel e Bono Vox e
88
atrizes como Sharon Stone e Angelina Jolie. Além disso, colabora com a Anistia
Internacional, como fez em 2005 ao escrever um texto que fora incluído em um
livro beneficente. Já teve seu nome envolvido em fofocas extraconjugais, quando
suspeitavam de um caso do escritor com a ex-Miss Universo Cecília Bolocco,
mulher do ex-presidente argentino Carlos Menem. Um pop star que se preze há de
possuir fãs enlouquecidos. O escritor não faz uma noite de autógrafos aberta a
todos no Brasil desde 1996, quando quase provocou um colapso na Bienal do
Livro de São Paulo. Certa vez, na Croácia, um fã, enfurecido com a interrupção da
noite de autógrafos, puxou um revólver e Paulo Coelho, sob a mira da arma,
assinou o livro.
Suas aparições, portanto, acontecem quando um novo livro é lançado pelo
autor, afinal, seria um grande problema se sua imagem fosse constantemente
exposta nos meios de comunicação, pois a saturação da imagem é um erro que
acaba com qualquer pop star, não há carisma que sustente muita exposição. Em
2005, com o lançamento de O Zahir, os holofotes voltaram-se para Paulo Coelho.
A imagem mais vista nas capas de jornais e nas revistas, na época do lançamento
do romance, é a do escritor praticando arco e flecha. A imagem de tal esporte logo
retoma a imagem dos grandes guerreiros e suas conquistas. Através do arco e
flecha, nos passa a impressão de alguém forte e em equilíbrio, que busca um alvo
e o atinge. Além disso, é a flecha um símbolo de ascensão, assim como as aves,
outra imagem constante em suas mais recentes fotografias.
“Mas, sobretudo pela sua assimilação do raio, a flecha acrescenta os símbolos da pureza aos da luz, a retidão e a instantaneidade vão sempre de par com a iluminação.”9
O herói costuma associar-se a animais que de alguma maneira estejam
relacionados ao sol, ou seja, animais que sejam o oposto das trevas. O animal é
um objeto de uma assimilação simbólica, o que se destaca nos animais, portanto,
não é sua animalidade, mas sim suas qualidades não animais, ou seja, aquilo que
seu arquétipo representa. A águia presente nas fotos de Coelho simboliza este
esquema ascensional que se contrapõe à queda, pois a asa e o vôo representam a
vontade de transcendência, bem como o arco e a flecha.
9 DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário, p.134.
89
O cuidado com a imagem é primordial para qualquer ídolo, por isso, em seu
site oficial, as fotos de Paulo Coelho são cuidadosamente escolhidas. Há fotos de
sua infância e adolescência, de sua época hippie e outras da atualidade. Nas
primeiras, vemos uma criança sempre muito bem arrumada, com a família e em
sua Primeira Comunhão. As fotografias de sua época hippie são escassas, com
apenas duas fotos nas quais aparecem Raul Seixas. Já as chamadas fotos da
atualidade são bastante numerosas, mas com um importante detalhe: nenhuma
delas nos remete à sua época de mago. Há fotos em diversos lugares do mundo,
outras tantas em que Paulo Coelho aparece ganhando prêmios, algumas imagens
do escritor em seu computador, outras meditando, mas nenhuma fotografia que
nos relembre da época em que o autor aparecia com sua espada. É interessante
vermos a importância de tais escolhas na construção da imagem desejada. As
fachadas, ou seja, o equipamento expressivo empregado, são selecionadas de
acordo com a intenção do ator para criar determinado personagem.
A presença de fotos da infância nos mostra a importância da vida de um
ídolo para aqueles que o admiram. Sabendo de tal importância, Paulo Coelho já
está providenciando uma biografia escrita por Fernando Morais e que comemorará
os 60 anos de vida do escritor. Obviamente, que encontraremos informações que
reforcem a imagem desejada para a construção do carisma do escritor, ou seja, só
leremos o que colaborar com a imagem desejada pelo autor de O Alquimista.
Nos dias de hoje, todavia, não é somente através de biografias impressas em
papel que podemos conhecer a vida das celebridades. Além da Internet, há a
televisão recheada de programas biográficos que, como toda biografia, se
concentra na vida de uma pessoa conhecida. No caso do programa “Paulo
Coelho, o alquimista da palavra”, do Canal People & Arts, sobre o qual nos
debruçaremos, o escritor é o centro de toda a ação. Como quase todos os relatos
biográficos, o documentário sobre Paulo Coelho nos mostra acontecimentos da
vida do escritor através de uma seqüência cronológica para assim formar um todo
coerente. Desta maneira, é criada uma narrativa estável, associando a vida do
biografado a uma estrada que segue determinada direção. Afinal, narrar uma
história que possua princípio, meio e fim bem delimitados é mais compreensível
e, conseqüentemente, atraente para os telespectadores. Além disso, a televisão faz
uso de efeitos visuais que aproximam a vida do biografado do espetáculo.
Recursos cênicos são utilizados para dar a emoção exata que se deseja transmitir
90
em momentos determinados, mas, por outro lado, há uma espécie de acordo tácito
entre telespectadores e aquele que (re)constrói a vida do biografado de que aquela
narrativa biográfica é absoluta e inteiramente verdadeira, como se não existissem
outras inúmeras formas de uma mesma história ser contada.
Bem como o livro Confissões de Peregrino, o documentário “Paulo Coelho,
o alquimista da palavra” é baseado em uma entrevista com o próprio biografado
tendo, assim como o primeiro, uma faceta autobiográfica. A diferença, porém,
está na presença de imagens que ilustram e reconstituem os fatos vividos por
Paulo Coelho. O escritor é mostrado como um cumpridor de seu destino, de sua
missão ou, como o próprio gosta de falar, de sua lenda pessoal. A vida precisa ser
heróica, ou melhor, precisa ser transmitida como heróica e para que isto aconteça
é preciso que o biografado interprete a si mesmo como um herói e acredite em tal
interpretação.
“O reconhecimento do povo, que leva o herói à glória, também fixa sua imagem mitificadora, diferenciando-o dos meros mortais. Talvez por isso, tantos políticos, artistas e outros habitantes (ou não) do espaço público contemporâneo tentem construir imagens de heróis em torno de suas vidas. Mas se não é possível estar em um enredo de Homero, talvez seja mais simples escrever a própria história, produzindo uma autobiografia. É claro que conceitos relacionados ao herói estarão presentes no discurso, afinal, se o indivíduo se dispôs a escrever a própria história, sua existência só pode ter sido excepcional.” 10
Paulo Coelho não escreveu sua própria história, mas a contou de maneira
que sua vida fosse vista como uma grande jornada heróica. Tal jornada começa,
de acordo com o documentário exibido no canal People & Arts, quando o ainda
menino Coelho descobre, dentro dos muros do Colégio Santo Inácio, o desejo de
ser escritor. Outros acontecimentos da infância do escritor são narrados, sempre
ilustrados com fotografias da época. Além disso, as imagens são reforçadas por
depoimentos de familiares, como se estes fossem testemunhas e reafirmassem que
aquilo que é contado no documentário é realmente verdade. Não estamos,
contudo, afirmando que os acontecimentos narrados por Coelho não sejam reais,
mas sim que tais acontecimentos são apresentados de maneira que seja criada a
imagem desejada pelo escritor.
10 PENA, Felipe. Jornalismo Literário, p. 84.
91
Não é apenas a maneira que os acontecimentos são narrados, é também a
escolha de tais acontecimentos que constrói a imagem desejada. O episódio que
Coelho narra em Confissões de Peregrino sobre sua experiência com a magia
negra não é mencionada no documentário, a justificativa para o seu afastamento
das idéias que defendia na época, como a Sociedade Alternativa, é a prisão. Por
falar naquela época, a fase vivida ao lado de Raul Seixas é contada, sempre focada
na questão de Paulo Coelho ter sido o letrista de um movimento que, segundo o
documentário, revolucionou a música brasileira.
A importância dada à questão da escrita permeia todo o programa sobre a
vida de Coelho, como se fosse um sonho perseguido pelo escritor desde a infância
e alcançado graças à sua persistência e seu talento, apesar de todas as dificuldades,
afinal, se a realização de seu grande sonho tivesse sido fácil, sua história não teria
o menor valor heróico. Quando Paulo Coelho afirma que seus livros refletem sua
alma, ele ratifica a idéia de ser um exemplo vivo daquilo que escreve em seus
livros, ou seja, um vencedor que segue sua lenda pessoal.
Somados à leitura de trechos de seus romances há depoimentos de leitores,
ilustres ou não, sobre a importância da obra de Paulo Coelho em suas vidas,
contrapondo a acusações dos críticos que classificam como menor sua literatura.
Imagens de filas de leitores ávidos por um autógrafo do autor, pessoas
emocionadas em encontrar com seu ídolo nos mostram o alcance do carisma de
Coelho, pois não é somente no Brasil que este tipo de tietagem acontece. No
documentário, podemos ver imagens do Irã onde o autor é realmente um pop star,
capaz de juntar milhares de pessoas desejosas em ouvir as palavras sábias do
escritor que se tornou um ídolo. A imagem passada, portanto, pelo documentário
“Paulo Coelho, o alquimista da palavra” é a de um escritor sábio, capaz de
conquistar leitores famosos e anônimos no mundo inteiro, mas que para chegar a
este patamar teve de passar por todos os percalços em seu caminho como um
herói que luta contra seus inimigos e vence no final, como o pastor de O
Alquimista, livro que Paulo Coelho classifica como metáfora de sua vida.
Quando lançou O Zahir, em 2005, Paulo Coelho desejava criar um evento
para lançar seu romance durante uma viagem de trem pela Ferrovia Transiberiana,
mas não foi possível realizar tal projeto. Não podemos esquecer, entretanto, que
quando desejamos algo o universo inteiro conspira a nosso favor e não poderia ser
diferente com o escritor. Assim, em 2006, para comemorar os 20 anos de sua
92
peregrinação a Santiago de Compostela, Coelho fez a tão desejada viagem pela
ferrovia mais longa do mundo, são 9288 km percorridos em nove dias.
Acompanhado pela repórter Glória Maria, a viagem do escritor foi transmitida
pelo Fantástico em oito episódios, transformando-se em uma série intitulada de
“Sibéria: A Missão de um Mago” e em capa da primeira revista dedicada ao
programa da Rede Globo.
“Paulo Coelho, portanto, não tinha do que se queixar. Sua condição privilegiada incluía, além de Alexander, o Sasha, e Roman, dois guarda-costas permanentemente postados à porta do vagão, requintes como um chefe de cozinha exclusivo, ducha quente com água generosa, secretária, camareiras, Internet, uma boa adega e janelas à vontade para admirar a paisagem. Paulo viajou em companhia de três equipes de TV, intérpretes e assessores. E Eva, cada dia mais ao centro do círculo. Glória Maria, enquanto isso, gelou ao ver que nem sua cabine, tampouco o vagão tinham ducha.”
Todos os privilégios dignos de um autêntico pop star vinham acompanhados
de fãs que, em cada parada do trem, se amontoavam para conseguir uma palavra
ou um simples autógrafo do ídolo. Sempre muito simpático e sorridente, Paulo
Coelho afirma que não há nada mais gratificante para um escritor do que o contato
com seus leitores. Filas de mais de 1000 pessoas são formadas nas livrarias de um
país com autores como Dostoievski e Tolstoi, mas é o escritor brasileiro o mais
lido na Rússia. A imagem de Paulo Coelho causa comoção em seus fãs, aonde
quer que ele vá seu carisma atrai seguidores que, segundo a repórter Glória Maria,
o recebem como um deus e enxergam no escritor alguém capaz de transformar
seus sonhos em realidade.
O programa exibido no Fantástico pouco fala sobre o escritor, há muito
mais matérias sobre as curiosidades e os lugares históricos do país do que sobre
Paulo Coelho. Com lindas imagens e uma belíssima trilha sonora, a repórter
Glória Maria percorre a Transiberiana e dá suas próprias impressões sobre o país e
toda a longuíssima viagem. Desta vez, entretanto, o misticismo não ficou de fora,
mas Coelho manteve-se distante de assuntos mágicos e pouco falou sobre isto. De
um lado, Glória Maria visitando o Lago Baikal, considerado sagrado pelos
místicos, e entrevistando um xamã; do outro lado, o escritor preocupado em
entender os mistérios daquela viagem que o deixou com mais perguntas do que
respostas e querendo encontrar o maior número possível de leitores. No meio,
uma tal de Eva. Moça russa cheia de mistério, capaz de mergulhar nas águas
93
geladas do Lago Baikal, dizendo-se não ser deste planeta e afirmando que Coelho
também não é daqui. Em frente às câmeras o escritor limitou-se a falar que Eva
possui algo mágico, entretanto, sem ser filmado, o autor decidiu mergulhar nas
águas místicas de Baikal, chamado por Coelho de coração espiritual da Rússia
moderna. Portanto, apesar de ter no título da série a palavra “mago”, o próprio
Paulo Coelho esteve mais preocupado em provar, talvez para si mesmo, a força de
seu carisma e a capacidade de atrair um número imenso de pessoas do que
vivenciar e mostrar aos telespectadores algo ligado à magia. A viagem, que
Coelho dedicou ao escritor Alexander Soljenitsin, talvez vire um romance e quem
sabe seja a misteriosa Eva a personagem principal de mais um livro de sucesso.
Saído da Rússia, Coelho deu uma passadinha na Alemanha, onde aproveitou
para distribuir mais autógrafos e assistir aos jogos da Copa do Mundo.
Infelizmente, as energias do Lago Baikal não ajudaram a nossa seleção.
O Instituto Paulo Coelho, localizado em Copacabana, é o local onde a
memória de Coelho está guardada. Lá, podemos encontrar os muitos prêmios
recebidos pelo escritor, edições de suas obras em diversos idiomas e um extenso
material já digitalizado. Lugares assim, que guardam a memória dos grandes
escritores, estão ficando comuns nos dias de hoje, entretanto, o incomum é um
escritor em vida ter um espaço exclusivo para sua memória.
Ao nos depararmos com os mais de oito mil arquivos digitalizados,
descobrimos que o hábito de guardar tudo aquilo que tenha seu nome incluído não
é dos dias de hoje, afinal, mesmo redações de escola datadas de 1963 estão
arquivadas. Quando dizemos que está guardado tudo o que tenha o nome de Paulo
Coelho, não exageramos, pois até a citação do nome de escritor feita por alguma
celebridade em voga está presente em seus arquivos.
Parece-nos que Paulo Coelho nunca quis ser esquecido e sempre teve em
mente que este material algum dia serviria para a posteridade, ou seja, o sonho de
ser reconhecido, de ser famoso, sempre esteve presente e foi a partir deste material
que pudemos coletar dados que nos mostrem a construção de sua imagem.
“Paulo Coelho sempre teve uma tremenda consciência de sua imagem, e as decisões que toma nessa área costumam ser acertadas.” (Mauro Salles, publicitário)
Sim, Paulo Coelho é um pop star e, como tal, tem plena consciência da força
de sua imagem. Hoje a imagem de Paulo Coelho é esta: cabelos raspados com um
94
rabo de cavalo estilo indiano; roupas pretas, que ele diz serem mais práticas para
levar em viagens; um discurso distante da magia e mais próximo da sabedoria e da
filosofia e repleto de referências a autores consagrados; um escritor rico, bem
sucedido e capaz de vender milhões de livros no mundo inteiro, mas ainda
hostilizado pela crítica literária. Um homem capaz de transformar sua própria
história pessoal em um discurso heróico, que dá esperança aos seus leitores e atrai
mais seguidores.
95
5.
Conclusão.
Se outrora os escritores já foram considerados celebridades, hoje são os
artistas de cinema e televisão e os astros da música e dos esportes que acumulam
funções de um astro. Paulo Coelho, portanto, é uma exceção, afinal, é um escritor
que se tornou uma celebridade mundialmente conhecida e comporta-se como tal.
Por ser um pop star, acumula funções que “o cargo” exige. Hoje, são estas
personalidades que possuem voz em assuntos sociais e políticos e não poderia ser
diferente com nosso Coelho, afinal de contas, o autor faz parte de organizações
mundiais em prol de um mundo melhor.
Para tornar-se celebridade é preciso ter carisma, ter algo de especial que
atraia as pessoas, mas para manter-se no posto de astro é preciso que tal carisma
seja constantemente renovado, ou seja, é preciso acompanhar as constantes
mudanças de interesse do público. Paulo Coelho, por alguns anos, trabalhou com
a construção da imagem e da atitude adequadas dos artistas, ele sabe e reconhece
aquilo que é vendável, isto é, Coelho entende que para tornar-se famoso não basta
ter carisma, é necessário atrair a atenção do público e conquistá-lo com as armas
certas.
Qual seriam tais armas? Em um primeiro momento, Coelho surgiu no
mundo literário como um escritor de livros esotéricos capazes de ensinar aos
leitores como se tornar um mago, livros que davam um alento àqueles que
buscavam palavras de conforto, de incentivo, ou seja, mais do que estórias
mágicas, seus livros traziam ensinamentos do mago. Porém, não bastava escrever,
era preciso mostrar-se como um mago, como alguém que, ao mesmo tempo em
que pertence a este mundo, tem acesso a um mundo desconhecido, o mundo da
magia. A maneira mais direta de demonstrar esta magia é através das roupas, do
figurino de mago, afinal, uma boa foto no jornal chama mais atenção do que
palavras impressas.
Entretanto, tais palavras eram outra importante arma na construção da
imagem desejada e deveriam ser condizentes com aquilo que estava escrito nos
livros e com o que Paulo Coelho vestia. Ao mesmo tempo, já que pregava que
qualquer pessoa poderia ser um mago, ele também se vestia como qualquer pessoa
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e fazia coisas corriqueiras, cotidianas. É necessário, portanto, que a aparência e a
maneira, ou seja, o modo de se vestir e o comportamento, sejam harmoniosos,
para que uma imagem coesa seja construída.
A crença no inaudito, caracterizada por Max Weber como um dos
pressupostos da fé dos seguidores no líder carismático, fica clara quando
lembramos dos tempos em que Paulo Coelho afirmava que era capaz de controlar
os fenômenos da natureza e era realmente visto como um mago por seus fiéis
seguidores. Entretanto, se, segundo Weber, para que a missão do portador de
carisma seja cumprida, é preciso que este esteja desvinculado do mundo dos
fatores cotidianos, Coelho não seria um líder carismático genuíno, afinal, a
aproximação do cotidiano com o inaudito foi uma das armas para a construção de
sua imagem de pop star.
Para que notássemos a constante renovação do carisma do escritor, foi
necessária uma análise cronológica, pois, deste modo, ficam claras as
transformações necessárias para a permanência de Paulo Coelho como um pop
star. Sem tais transformações, sem a construção adequada de sua imagem seria
impossível alcançar o status de uma grande marca. É comum, nos dias de hoje,
que atletas e artistas emprestem seus nomes a produtos determinados, para dar
credibilidade a estes produtos e assim vendê-los. É também comum que
personagens literários, como o bruxinho Harry Potter, estejam presentes em
embalagens de diversos produtos, que condigam com a imagem do personagem. A
novidade é um escritor ter seu próprio nome, e não o de seus personagens, como
um traço distintivo de determinado produto. Era novidade, pois agora Paulo
Coelho é um escritor pop star com todos os atributos necessários para ser uma
grande marca.
Seria leviano de nossa parte caso não falássemos sobre a obra de Coelho,
afinal, não foi somente através da imagem que o escritor se tornou um pop star.
Seus livros, com linguagem direta e lições de felicidade, vendem em todo o
mundo, pois são capazes de atingir o chamado inconsciente coletivo e, portanto,
são um sucesso onde quer que sejam lançados. Claro, que grande parte de tal
sucesso está ligado à imagem projetada pelo autor, afinal, ele faz-se presente em
praticamente todos os países nos quais suas obras são lançadas e as fotos
publicadas em jornais, ou em sua página na Internet são cuidadosamente
escolhidas. Paulo Coelho faz questão de frisar que vai a lugares aonde outros
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escritores não vão, isto é, a presença do pop star atrai mais leitores para seus
próprios livros, para desespero dos críticos.
Vimos, entretanto, que a atenção dada ao maior número possível de livros
vendidos não é prioridade dos nossos tempos. Há quase dois séculos, os primeiros
editores brasileiros já sabiam da importância da propaganda na criação de
verdadeiros best-sellers. E estes editores também entendiam a necessidade de seus
lucrativos autores serem bem remunerados, não era vergonha nenhuma José de
Alencar ganhar bem por escrever. Hoje, parece que voltamos a um tempo em que
a imagem do escritor bem sucedido financeiramente não é compatível com a
criação de um obra literária e que esta não pode ser comparável a outros produtos
vendáveis. Os livros de Paulo Coelho, todavia, são produtos capazes de atrair um
número gigantesco de leitores e, diferente da Coca-cola, têm trânsito livre em
todas as partes do mundo, pois não representam nenhum país nem crença
específicos.
A história de vida de um pop star é de extrema importância para a sua
construção. Sabendo dos percalços vividos e de sua superação, os fãs de
identificam com esta imagem mais humana, mais próxima do real, daquele que
idolatram. Mais do que isto, as dificuldades superadas dão uma áurea de herói à
celebridade e um certo otimismo aos seus fãs, que sentem que também são
capazes de superar as adversidades da vida. Por isso, diversos programas de
televisão são exclusivamente dedicados em retratar a vida dos pop stars, com
Paulo Coelho não poderia ser diferente e aquilo que tanto lhe machucou na
infância, as loucuras dos anos com Raul Seixas, o sucesso como escritor, somente
colaboram, da maneira como são retratados, para que a imagem desejada por
Coelho seja construída.
Hoje, o objetivo de Paulo Coelho parece ser o de desvincular sua imagem
daquela que o fez conhecido em um primeiro momento, ou seja, a imagem de
mago. A mudança de seu figurino, de sua fala e até mesmo do tema de seus livros
demonstram o desejo de aproximação com a imagem de escritor, enquanto se
afasta da imagem de mago.
Não podemos negar a importância de Raul Seixas na construção da imagem
de nosso escritor pop star, muito pelo contrário, talvez tenham sido os anos de
parceria com o maluco beleza que deram a base de uma consciência da imagem de
um ídolo, afinal, as letras de Coelho provavelmente não teriam tanta força se não
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fosse a poderosa figura de Raulzito. Da mesma maneira que, talvez, os livros do
escritor Paulo Coelho não teriam tanta força se não fosse sua imagem bem
construída.
Gostem os críticos ou não, Paulo Coelho, independente de suas qualidades
literárias, é um escritor pop star que soube muito bem como fazer uma impecável
e convincente interpretação de si mesmo.
“Não é provavelmente um mero acidente histórico que a palavra “pessoa”, em
sua acepção primeira, queira dizer máscara. Mas, antes, o reconhecimento do
fato de que todo homem está sempre e em todo lugar, mais ou menos consciente,
representando um papel... É nesses papéis que nos conhecemos uns aos outros; é
nesses papéis que conhecemos a nós mesmos.” (Robert Ezra Park)
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