cinthya de oliveira nunes - ixcbhe.com · nesta proliferação de impressos pedagógicos que se...
TRANSCRIPT
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3822
A EDUCAÇÃO RURAL NO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (1931 -1937)
Cinthya de Oliveira Nunes1
Introdução
A análise de fatos nos discursos das revistas pedagógicas é um campo de tensões entre
o fato real e a narrativa de quem a escreve. Trata-se de pensar a construção de uma opinião
pública sobre questões centrais para a sistematização da educação na revista Infância e
Juventude durante a segunda metade da década de 1930. Entretanto, como ressalta Jean
Jaques Beker , “ Preocupar-se com a opinião publica não é um ideia nova. Há muito tempo
que as obras de história fazem alusão à opinião pública” (2003 p. 185). Ao pensar sobre esse
lugar de observação e, analisar como se constituiu uma opinião pública pelos debates de um
dos muitos periódicos educacionais durante a década de 1930 no Brasil é uma tentativa de
tentar explicar o particular pelo geral.
Caminho pelo qual, as particularidades são contempladas na pesquisa como um
amplo contexto de reconstrução do social. A perspectiva microhistória pretende repensar
sobre conceitos herdados de uma história social mais totalizante, Jacques Revel (1998)
ressalta que analisar o micro pelo macro, não se trata de pensar uma história sobre a outra e,
sim refletir sobre um novo dado que é capaz de trazer para o contexto outras formas para
delinear o objeto e, até mesmo dar a ele outras considerações. Para Revel, existem diversas
possibilidades em que a escolha de uma delas define o caminho que o pesquisador irá
percorrer. Ao escolher uma determinada escala podemos dar maior visibilidade a um aspecto
ou outro, como uma lente que pode aumentar e diminuir, esta escolha é um fator
determinante para o rumo da investigação.
A abordagem micro-histórica é profundamente diferente em suas intenções e seus procedimentos. Ela afirma em principio que a escolha de uma escala particular de observação produz efeitos de conhecimento, e pode ser posta a serviço de estratégias de conhecimento. Variar a objetiva não significa apenas aumentar ou (diminuir) o tamanho do objeto no visor, significa modelar sua trama (RAVEL, 1998, p. 20).
Convém pensar que, a escolha de impressos pedagógicos para objeto de análise requer
do pesquisador uma fundamentação sobre esta escala. De acordo com os estudos de Luca
1 Mestranda em Educação Processos Formativos e Desigualdades Sociais pela Faculdade de Formação de Professores (UERJ-FFP). E-Mail: <[email protected]>.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3823
(2008, p.113), no século XIX e início do século XX o contar dos fatos eram feitos de forma
neura, o pesquisador jamais poderia se envolver com objeto, pois, era necessária a
confirmação dos fatos pela ciência. O saber científico precisava ser experimentado, analisado
e comprovado para assim ser considerado exato. Neste sentido não caberia uma construção
histórica pela interpretação de impressos. Ainda que esta concepção tenha sido criticada pela
Escola dos Annales como registrou Luca, não havia sido suficiente para o reconhecimento
desse material. No entanto, esse panorama começou a mudar nos finais do século XX pelas
metodologias de outros campos como a sociologia e a antropologia, por exemplo. Tais
campos foram primordiais para os historiadores repensarem a utilização de objetos até então
pouco notáveis para a história.
A face mais evidente do processo de alargamento do campo de preocupação dos historiadores foi a renovação temática, imediatamente perceptível pelo titulo das pesquisas, que incluíam o inconsciente, o mito, as crianças, as mulheres, aspectos do cotidiano, enfim uma miriade de questões antes ausentes do território da História. Outros menos visíveis apesar de talvez mais profundas, apontavam para a ‘passagem de um paradigma em que análise macroeconômica era primordial para uma História que focaliza os sistemas culturais’, a fragmentação da disciplina, o esmaecer do projeto de uma História total e o interesse pelo episodio e pela diferença (LUCA, 2008, p.113).
Argumentou Luca (2008, p.113) que esse novo olhar sobre a história teve grande
influência dos renovadores do marxismo como Raymond Williams e Thompson na chamada
revolução copernicana ao propor olhar a historia vista por baixo, pelas camadas sociais
menos favorecidas. A autora afirma o fortalecimento da história social ancorada em plano
antropológico e sobre as representações sociais. Apesar das variações nas diferentes
correntes da pesquisa do campo histórico é interessante observar como os desafios propostos
no olhar micro histórico que confrontou o olhar do historiador como um programador de
acontecimentos configurou uma abordagem sob o olhar da microhistória. Ao revelar que é
possível narrar um acontecimento na perspectiva dos pequenos detalhes da trama geral. Com
esse olhar, esta pesquisa tenta investigar como a construção de opinião da revista Infância e
Juventude pode anunciar e até mesmo interferir nas decisões acerca da sistematização da
educação brasileira.
Para além da escola e do lar: a Revista Infância e Juventude
De acordo com Gondra e Suasnábar,
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3824
Formação pela prática, normalização, processos de recrutamento, conferências pedagógicas, sociedades de socorro mútuo, associações literárias e outras modalidades de agremiações, bibliotecas e livros constituem alguns dos dispositivos que configuram as políticas voltadas para a racionalização do trabalho pedagógico. Ao lado desse conjunto de ações que, no limite, definem e modelam a configuração dos saberes pedagógicos e a própria disciplina da pedagogia, é possível observar a emergência e proliferação de diversos impressos de destinação pedagógica, sejam eles jornais, revistas, anuários, relatórios e material traduzido (2015, p.3).
Nesta proliferação de impressos pedagógicos que se intensificaram no século XX, a
revista Infância e Juventude, constituiu-se como periódico para orientar a escola e o lar na
cidade do Rio de Janeiro. Com o ideal de transformar-se em um órgão nacional, divulgava as
atividades do país em torno do problema educacional. Ao anunciar questões centrais para o
debate de construção da sistematização do ensino na qual, os debates acerca da Educação
Rural e do Plano Nacional de Educação, assumiram destaque nas discursões.
Nos anos de 1936 a 1937, a revista Em questão apresentou temáticas acerca da
educação brasileira como: política, educação, higiene, cultura, praticas escolares, entre
outros. Esteve à frente da revista como diretor responsável e editor proprietário, Renato
Americano que a editou em sua própria gráfica: Oficinas Gráficas de Infância e Juventude,
além dessa produção também fazia impressão de livros e executavam outras impressões e
edições, de todos os gêneros, como relatava uma das suas campanhas constantes nas edições
dos anos de1936 e1937. Entre o corpo diretor também estavam o diretor técnico J. Moreira
de Souza, membro da Diretoria Nacional de Educação, e como secretaria Stella Aboim,
professora que ministrava aulas de História natural e desenho, integrante da Liga dos
professores. De acordo com o jornal Diário de Notícias de 1931, Stella Aboim esteve na IX
Conferência Nacional de Educação como diretora desta liga.
A identificação do corpo editorial deste periódico ainda é um grande mistério, pois, há
poucos indícios sobre o editor proprietário e fundador da revista, Renato Americano.
Intrigante perceber que nos primeiros números ele aparece como diretor responsável e,
compondo o corpo editorial estava Stella Aboim e J. Moreira Souza. Já, a partir da quarta
edição do ano de 1936 até os finais do ano de 1937, só consta seu nome como editor fundador,
e diretor administrativo. Vale ressaltar que tanto a Stella quanto J. Moreira de Souza estavam
relacionados á outros movimentos. Como foi mencionada acima, Stella Aboim estava
fortemente ligada nas campanhas da Liga dos professores e Joaquim Moreira Souza diretor
da instrução pública no Ceará (1934), coordenou a 6º Conferência Nacional de Educação em
Fortaleza (Cavalcante, 2000). Nesta revista, representou a Diretoria Nacional de Educação
em muitas publicações, ao trazer proposta de metodologia de ensino para a Escola Rural,
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3825
diferentemente da participação de Renato Americano na revista que não esteve relacionado
há nenhum grupo de professores ou movimento social, e não teve artigos publicados. Fato
que nos remete a questionar se ele realmente esteve na tomada de decisões.
Ao analisar a estética e a forma deste periódico pedagógico, percebe se que segue um
padrão, a sua capa era composta apenas o nome da revista com letras em destaque e o nome
dos colaboradores. A capa se manteve igual desde a sua fundação até os finais de 1937. Vale
ressaltar que a Infância e Juventude foi criada nos primeiros meses de 1936, pois, de acordo
com os periódicos disponíveis no acervo da Biblioteca Nacional em Agosto de 1936 a revista
estava no primeiro ano na terceira edição mensal.
Figura 1- Capa do periódico Infância e Juventude, 1936.
Acervo da Biblioteca Nacional
Com objetivo de reunir contribuições de representantes mais notáveis do magistério
nacional, no Distrito Federal e nas outras localidades federativas. A revista Infância e
Juventude, contou com a colaboração de educadores instáveis, que mudavam mensalmente,
entre eles: Alba Canizares, Dulce Botelho, Gustavo Capanema, Heitor Villa Lobos, Renato
Kehl, Francisco Venâncio Filho, Lourenço Filho, Sebastião Maçarenhas e Orminda Marques
e, os efetivos que auxiliavam na redação da revista.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3826
TABELA 1- QUADRO DOS EDUCADORES EFETIVOS
COLABORADORES EFETIVOS
INSTITUIÇÕES
Afrânio Peixoto Associação Brasileira de Educação (ABE) e Universidade do Distrito
Federal.
Isaias Alves Conselho Nacional de Educação.
Leoni Kaseff Assistente técnico da Universidade do Brasil.
Helena Antipoff Escola de aperfeiçoamento de Belo Horizonte.
Maria dos Reis Campos Escola de Educação da Universidade do Distrito Federal
Oliveira Viana Academia Brasileira de Letras/ Consultor do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio.
Teixeira de Freitas Conselho diretor da ABE
Fonte: Dados coletados in loco pelo autor, fev. 2016.
Por meio de seus membros podemos afirmar que grande maioria do seus
colaboradores estavam relacionados com a instrução pública nacional. Com exceção apenas
para Oliveira Viana e Teixeira de Freitas que não tiverem seus nomes mencionados em
artigos do periódico. Seus assinantes pagavam anualmente os valores de simples de 18$000 e
com registro de 22$000 no Brasil, 22$000 e 28$000 no exterior, respectivamente. Para
exemplares avulsos era cobrada uma taxa de 2$000 e atrasado de 3$000.
A redação era localizada na Redação, Oficinas próprias e Gerencia Rua Alzira
Brandão, 39 no Rio de Janeiro. Apesar destas informações acerca do corpo editorial,
constatar de fato as interferências desses educadores na configuração da revista é uma tarefa
árdua. O próprio ano de publicação nos sugere informações sobre esse órgão de informação.
Em 1936, foi criada a revista Infância e Juventude por Renato Americano mas, por qual
motivo foi fundada? Este ator social estava a serviço de alguém? Quem? Havia interferência
política? Quais eram os grupos envolvidos? Havia influência de instituições? Quais eram as
instituições pedagógicas e de ensino? Convêm neste momento, múltiplas interpretações, mas,
de fato repensar sobre esses papéis exercidos sobre um periódico nos possibilita reconstruir
um cenário que não está dado. Cabe ao pesquisador a análise deste periódico como fonte e
como objeto para construir essa trama.
Em 1936, ano de criação da revista, a direção do país estava nas mãos do presidente
Getúlio Vargas, na situação de Governo constitucional (1934-1937). Na qual a criação da nova
Constituição (julho de 1934), possibilitou grandes avanços como o voto secreto, voto
feminino, a obrigatoriedade do ensino primário e, determinou a votação do próximo
presidente por meio de eleição na Assembleia Constituinte e, assim Getúlio foi eleito
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3827
(POLLETI 2012). Ainda na Era Vargas, no chamado Estado Novo, no qual Getúlio outorgou
uma nova Constituição antes da primeira eleição nacional e continuou no poder em 1937.
Nesta configuração política nacional essa fonte se fundou e circulou. Embora não
tenha dados sobre a influência direta com o Ministério da Educação, encontra-se em seus
colaboradores efetivos membros associados ao governo como: Isaias Alves do Conselho
Nacional de Educação que contribuiu com artigos relacionados ao Ensino primário, Ensino
Rural, Ensino profissional e Educação de Adultos no Plano Nacional de Educação. O
educador, escritor e médico Afrânio Peixoto também esteve nesse período como colaborador
efetivo, estava à frente da Universidade do Rio de Janeiro e foi participante ativo da
Associação Brasileira de Educação. Educador engajado que ocupou cargos de direção no
ensino público na qual, criou a inspeção médico-hospitalar, empenhou se na formação
docente ao trabalhar no Instituto de Educação, além de várias publicações em torno dos
livros didáticos, medicina legal, critica literária, entre outros, apresentou vários artigos na
Infância e Juventude sobre as Universidades, Bilhete pedagógico, organização escolar,
Ensino secundário.
A educadora e psicóloga Helena Antipoff nascida na Rússia veio para o Brasil em 1929
á convite do governo de Estado de Minas Gerais para implantar a reforma de ensino
conhecida como Reforma Francisco Campo-Mario Casassanta. De acordo com Campos (2003
p. 209-210),
A reforma, uma das mais importantes iniciativas de apropriação do movimento da Escola Nova ocorridas no Brasil, previa a implantação de uma Escola de Aperfeiçoamento de Professores, dedicada à graduação de normalistas que viriam a assumir a efetiva transformação do ensino fundamental na rede de escolas primárias que foi rapidamente ampliada. No projeto da Escola, uma grande ênfase foi dada ao ensino da psicologia, então considerada, entre as ciências da educação, como a mais fundamental.
Por sua trajetória na psicologia, como estudante e assistente de Édouard Claparède no
Instituto Jean Jacques Rousseau, ela implementou os estudos e a pesquisa na Reforma e, ao
aceitar o convite implementou e coordenou o Laboratório de Psicologia da Escola de
Aperfeiçoamento. Logo no início da sua direção nessa escola na década de 1930, criou um
acervo para sua documentação, Museu da Infância. Neste trabalho, desenvolveu práticas
renovadoras na educação voltada ao atendimento de crianças excepcionais2, testes de
inteligência, classes homogêneas e especiais e, Escola ativa, em uma perspectiva de psicologia
experimental na qual as alunas na medida da sua prática faziam seus estudos e observações,
2 Termo da época, criado pela pioneira no tratamento de crianças com necessidades mentais e intelectuais.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3828
criou a Sociedade Pestalozzi para buscar soluções à exclusão social, além de muitas outras
inovações na educação rural, fez ações pedagógicas na fazenda do Rosário. Esta criou a
metodologia de ensino rosariana que fui difundida em cursos de formação de professores
rurais e outras instituições de ensino rural no país. Na Infância e Juventude, Helena Antipoff
fez colaborações importantes acerca da formação profissional, trabalho escolar,
desenvolvimento social da criança e aproveitamento pedagógico.
Assim como, Leoni Kaseff contribuiu com o debate em torno da função da Escola
Rural, questões e sugestões para o Plano Nacional de educação e a educação regional.
Membro da Associação Brasileira de Educação, Academia de Ciência da Educação, assistente
técnico da Universidade do Rio de Janeiro e professor catedrático no Liceu Normal de
Niterói, Leoni Kaseff participou dos debates em torno do Plano Nacional de Educação,
elaborando contribuições acerca do anti-projeto em 1936.
Na reconstrução educacional do país, que se projeta, nenhum dos meios eficientes da reforma deverá ser esquecido. Mas é preciso não alvidar que a mobilização dos fatores de renovação seria incompreensível e ineficaz sem a previa e exata definição das propostas alcançar. Não basta elaborar um plano teoricamente perfeito, que por seu artificialismo, não se enquadre no conjunto da vida e dos interesses reais da nação. Um plano supõe a propositura de claras fins a atingir, para as quais representa um sistema de meios e que, por seu turno, pressupõem o conhecimento preciso das necessidades atender (KASEFF, 1936, p. 366)
Para ele, o Plano Nacional de Educação deveria ser um plano que de fato tivesse
utilidade no ensino brasileiro, considerando as realidades brasileiras pra identificar os
problemas e assim, construir um plano de consciente e eficaz. Ao identificar algumas
dificuldades no tratar da educação Leoni kaseff, percebeu que era preciso uma consciência
cívica, profissional e sanitária.
Professora do Instituto de Educação, Maria dos Reis Campos participava da
Associação Brasileira de Educação na qual, teve uma viagem patrocinada para os Estados
Unidos com um grupo de professores para analisarem métodos de ensino, que resultou no
seu livro Escola Moderna (CELESTE FILHO, 2015). Nos finais da década de 1920, foi
Superintendente durante a administração de Fernando de Azevedo na Instrução Publica,
também atuou ativamente nos movimentos de reforma educacionais de Anísio Teixeira na
década de 1930. Neste periódico Maria dos Reis Campos, publicou artigos sobre Bibliotecas
escolares, Literatura Infantil, Civismo e sobre o desenvolvimento de responsabilidade na
criança.
Enquanto Renato Americano, Oliveira Viana, e Teixeira de Freitas, não são
mencionados no interior da revista, seja por artigo publicado ou menção em outros artigos.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3829
Os demais colaboradores efetivos: Afrânio Peixoto, Isaias Alves, Helena Antipoff, Leoni
Kaseff e Maria dos Reis Campos aparecem facilmente nos debates educacionais do Rio de
Janeiro durante as décadas de 1920 e 1930 relacionados na configuração da Instrução
pública do país, na Associação Brasileira de Educação e na revista Infância e Juventude.
Além dos artigos dos colaboradores efetivos e gerais de cada número e o debate
político do Plano Nacional de Educação, era de costume divulgar na seção de legislação o
andamento de leis e projetos como: Veto ao Projeto de lei que dispensa do Curso
Suplementar os estudantes do Curso Secundário, na edição de 1936 nº 3; pareceres diversos;
O Ensino Emendativo no Plano Nacional de Educação, sugestões para um anteprojeto;
menções do Padre Arlindo Vieira quanto a reforma do ensino secundário; O trabalho do
Conselho Nacional de Educação; O novo currículo do Ensino Secundário; A volta do Bom
senso; Curso complementar uniforme; Benemerência do Ministro da Educação e do
Conselho; o anuncio do novo diretor do Departamento Nacional de Educação. Além das
legislações aprovadas: Circular nª, 200, de 1ºde Junho de 1932 do Ministério de Educação e
Saúde- Departamento Nacional de Educação, 1937 nº 13; Lei Nº452 de julho de 1937, que
organiza a universidade do Brasil e a publicação da demissão do Dr. Lourenço Filho do
Departamento Nacional de Educação, 1937 nº 14; o Boletim 181 da Universidade do D.
Federal, 1937 nº 15, entre outros.
Ao assumir uma neutralidade em suas posições, advertia nas edições dos anos de 1936
e 1937:
ADVERTENCIA Esta revista, absolutamente isenta de qualquer sectarismo e dentro de um espirito de ampla tolerância, tem por única e sincera finalidade o estudo das questões que, sob qualquer aspecto se relacionem com a educação de nossa mocidade.Encontra-se neste campo neutro, a liberdade indispensável aos verdadeiros estudiosos das ideias pedagógicas, cujas opiniões aparecerão sem nenhum constrangimento, dentro dos razoáveis limites da ética e sob a imensa responsabilidade de cada qual. Não havendo, aqui, incompatibilidade de nomes, as reservas que porventura tenhamos de opor aos trabalhos recebidos visarão exclusivamente manifestas impropriedades de assunto e nunca simplificarão ocultas restrições e pessoas (INFÂNCIA E JUVENTUDE. 1936, p. 364).
No entanto, percebe-se que por meio dos conselheiros da revista, publicações de
membros do Conselho Nacional, integrantes da Instrução Pública, do Departamento
Nacional de Educação, Diretoria de ensino, e membros de Associações de professores, não
caberiam aqui uma analise de posição neutra. Pelo contrário, é oportuno pensar sobre uma
política de educação liberal na defesa de uma reconstrução da educação nacional sobre
intervenção do Estado. A representação dos membros do governo do Estado e membros da
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3830
Associação Brasileira de Educação configurou se uma rede de relações nas quais os debates
desta associação ganhavam destaque no interior de uma revista que se classificava como
neutra e apartidária, como a própria ABE se auto determinou nos primórdios da sua criação
na direção de Heitor Lyra (1924). Esta Associação e o Ministério de Educação e Saúde
estavam tanto nos debates internos quanto no registro das suas atividades na qual toda
edição contava com as seções Registo e, Instruindo e divulgando que descreviam as
festividades, atividades cotidianas, inaugurações, recebimentos, circulares, comunicados,
convites, e outras ações pedagógicas, nas quais a Associação Brasileira de Educação ganhou
notoriedade em várias publicações dessas seções.
Por um Plano Nacional de Educação em 1936
A década de 1930 estabeleceu mudanças significativas no cenário político nacional,
pois, compôs o momento no qual, o governo passa a dedicar se com a campanha nacional de
educação. Após o sucesso da Revolução de 1930, terminava a política das oligarquias e
iniciou se a chamada República Nova, na qual era chefiada pelo presidente Getúlio Vargas.
Em prol de uma campanha política, Vargas passou a participar de alguns movimentos
educacionais, constituindo o Ministério de Educação e Saúde Pública no país, sobre
influência dos reformadores da educação (LEMME, 1984, p. 170). Francisco Campos foi
nomeado ministro da educação, neste momento estava associado a construção da Quarta
Conferência Educacional da Associação Brasileira de Educação, assegurando assim, uma
relação próxima aos interesses e articulações que permeavam o congresso. Ao atuar em
conjunto no Ministério de Educação e na participação da Conferência, Francisco Campos
elaborou os decretos: “o de nº 19.850, criando o Conselho Nacional de Educação”, “o de nº
19.851, que instituía o Estatuto das Universidades Brasileiras” e, o de “nº 19.852, que
dispunha sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro” (LEMME, 1984, p. 171).
No entanto, percebe-se que por meio dos conselheiros da revista, publicações de
membros do Conselho Nacional, integrantes da Instrução Pública, do Departamento
Nacional de Educação, Diretoria de ensino, e membros de Associações de professores, não
caberiam aqui uma analise de posição neutra. Pelo contrário, é oportuno pensar sobre uma
política de educação liberal na defesa de uma reconstrução da educação nacional sob
intervenção do Estado. Neste sentido, a representação dos membros do governo do Estado e
membros da Associação Brasileira de Educação configurou se uma rede de relações nas quais
os debates desta associação ganhavam destaque no interior de uma revista que se classificava
como neutra e apartidária, como a própria ABE se autodeterminava nos primórdios da sua
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3831
criação na direção de Heitor Lyra (1924). Esta Associação e o Ministério de Educação e Saúde
estavam tanto nos debates internos quanto no registro das suas atividades na qual toda
edição contava com as seções Registo e, Instruindo e divulgando que descreviam as
festividades, atividades cotidianas, inaugurações, recebimentos, circulares, comunicados,
convites, e outras ações pedagógicas, nas quais a Associação Brasileira de Educação ganhou
notoriedade em várias publicações dessas seções.
TABELA 2 - ARTIGOS SOBRE A EDUCAÇÃO RURAL NA INFÂNCIA E JUVENTUDE (1936-1937)
AUTOR TÍTULO DA OBRA Nº/ P. / ANO.
Noemia Saraiva de Mattos Cruz
Ensino rural 1/ 29/ 1936
Isaias Alves Ensino Normal, urbano e rural 2/ 85/ 1936
Redação O Ensino na zona Rural 3/ 151/ 1936
J. Moreira de Souza Metodologia do Ensino primário na Escola Rural 3/ 193/ 1936
Redação A assistência rural em São Paulo 3/ 204/ 1936
Gilberto Gonzaga Romeiro As endemias Rurais no meio Escolar Verminose e
impaludismo 3/ 206/ 1936
Sociedades dos Amigos de Alberto Torres
O clube Agrícola Escolar e sua correlação com os matérias do programa de ensino primário
3/ 229/ 1936
Leoni Kasef Função Civilizadora da Escola na Zona Rural 4/ 245/ 1936
J. Moreira Souza
Metodologia do Ensino Primário na Escola Rural 4/ 261/ 1936
Gilberto Gonzaga Romeiro As endemias rurais no meio escolar verminose e
impaludismo 5/ 342/ 1936
J. Moreira de Souza:
Metodologia do Ensino primário na zona rural 6/ 385/ 1936
J. Moreira de Souza:
A Escola primária nas zonas de açudagem 12/ 752/ 1936
Dulce Botelho Junqueira Ensino Rural, Unidade Nacional e Constituição 12/ 760/ 1937
Total: 14 artigos
Fonte: Dados coletados in loco pelo autor, mar. 2016.
Neste período, Teixeira de Freitas passa a integrar o Conselho Diretor da Associação
e, posteriormente colaborador efetivo da Infância e Juventude. É interessante observar que
a Associação Brasileira de Educação (ABE) constrói relações bem definidas com os poderes
políticos do país, fato este que demarca uma ruptura ainda maior com interesses associados
ao movimento político que Heitor Lyra almejou. A relação entre a Associação e o poderio
público nacional continua a campanha educacional com objetivo de construir um
pensamento cultural do país, para isso precisava se investir na educação popular. No que
tange tal relação, os estudos de Marta Carvalho (1986) apontam que para Nóbrega Cunha tal
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3832
aproximação acontece de forma contrária, pois, ao lançar o Manifesto dos Pioneiros (1932), o
grupo de intelectuais da Associação Brasileira de Educação (ABE) consolidou uma aversão à
relação partidária com o governo provisório. Em contrapartida aos relatos de Nóbrega
Cunha, a autora defende que havia um grupo envolvido no desenvolvimento político
educacional que buscava por meio da Associação Brasileira de Educação (ABE), um ambiente
propício á promoção de uma campanha política.
Nesta configuração política, a Infância e Juventude publicou os questionamentos e as
metas dos seus colaboradores ao Plano Nacional de Educação, que assumiu o núcleo de
interesses dos assuntos tratados na revista. Na tentativa de elaborar um plano participativo, o
Ministério de Educação e Saúde lançou em 1936 um questionário para as instituições de
professores e ensino do país, aquelas com prestígio educacional e intelectual.
Em resposta, a edição de Agosto de 1936 trouxe a configuração do Plano sob a luz dos
seus colaboradores. Já em seu primeiro artigo “O ensino na Zona Rural” a redação composta
por J. Moreira de Sousa (diretor técnico), Stella Aboim (secretaria) e Renato Americano
(diretor responsável e editor proprietário), anuncia a importância do movimento do
Ministério de Educação que recolhia dados e a opinião publica por meio de um questionário
para as diversas corporações de fins educacionais a pensar o ante projeto que seria
apresentado ao Poder Legislativo em poucos dias “Todos os preparativos estão se tornando
urgentes, para que o Brasil tenha em breve, rota segura , definitiva e clara , no tratar da
matéria de importância capital do preparo de sua gente para uma civilização” (INFÂNCIA E
JUVENTUDE, 1936, p. 153).
Ideias em ação: Discursos ruralistas no periódico educacional
Como forma de disseminar seus ideais, a Associação Brasileira de Educação divulgava
as ações e pesquisas de intelectuais envolvidos no movimento de renovação educacional entre
seus congressos, boletins e periódicos pedagógicos, bem como seus ideais difundidos na
revista Infância e Juventude² em 1936, por meio dos atores sociais que participaram da
Associação entre eles Isaias Alves, J. Moreira de Souza, Leoni Kaseff, e outros membros da
ABE que também participaram do movimento ruralista integrando-se a Sociedade de Amigos
de Alberto Torres, entre eles: Fernando de Azevedo, Belisário Penna e Sud Menunci
(NICOLAU, 2015).
O movimento ruralista circulava na cidade por meio dos debates produzidos nas
sociedades envolvidas, congressos e conferências, nas quais destacarei a seguir parte da
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3833
produção acerca do discurso produzido sobre a educação rural na revista Infância e
Juventude como parte desta campanha pela educação do rural que ganhava força na cidade.
O discurso em questão tratou-se de metodologias específicas para o ensino rural retiradas
dos artigos produzidos neste periódico, no ano de 1936, por Leoni Kaseff e J.M. de Souza.
Ao problematizar a função civilizadora da educação rural nos seus estudos, Leoni
Kaseff (1936) chamou atenção ao momento de por em prática as discursões sobre educação
nacional, para ele o tempo emergia aspirações eficazes com base na realidade do país. Como
medida de intervenção crítica ao modelo educacional, Kaseff propôs uma educação pautada
em um plano emancipatório, na crença de que a escola com um projeto bem conduzido
poderia ser uma chance de emancipação econômica e cultural do país (KASEFF, 1936, p.
247).
Não basta, pois, para ser rico, deixar-se embalar em berço de ouro e pedrarias...E’necessário saber levantar-se e caminhar. Para entrar na posse de todos os bens de que a natureza prodigamente aquinhoou o Brasil, mistés se faz multiplicar os valores humanos capazes de pôr em circulação o capital oculto nas entranhas da terra generosa nas caudalosas cursos, nas rumorosas quedas e na prodigiosa sucessão das praias oceânicas. (KASEFF, 1936, p. 246)
Em suas concepções, ficou clara a intenção de despertar a consciência nacional às
realidades brasileiras, na qual se configurava uma escassez de ações educativas para as
diversas realidades nacionais. Assim, como nas cidades, os moradores do campo faziam parte
de um projeto de nação que se configurava pela ascensão do progresso, e para isso, era
necessário um real investimento na moral, na ética, na arte na instrução dos trabalhadores.
Neste sentido, Kaseff propôs novos rumos para a educação nacional, tendo como principio
fundamental o ensino rural. Com base nos ideais da Escola Nova, sugeriu uma forma
diferente para além dos modelos educativos prontos advindos de realidades mais
desenvolvidas, pois, era preciso conhecer o Brasil e suas peculiaridades para construir um
projeto educativo atento à solução dos reais problemas.
A educação inda a melhor, não é uma receita, nem para todos os tempos, nem para melhor quaisquer situações. A orientação do ensino, pra representar um fator construtivo da grandeza de um povo, deve inspirar-se nos progressos da ciência e da democracia, mas só pode ser determinada pelo sentido próprio das aspirações nacionais, dentro das possibilidades reais do tempo e do meio. Cumpre, portanto, consultar aquelas aspirações e essas possibilidades, antes de pôr a seu serviço um sistema apropriado de organização escolar (KASEFF, 1936, p. 247).
Em sua concepção, a escola moderna, precisa estar atenta a realidade social do seu
grupo de acesso, como agencia viva da sociedade. No entanto, diferentemente da cidade, o
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3834
campo necessita de maiores investimentos de cooperação social e trabalho que possibilite
maior integração entre o sujeito do campo e o meio em que vive. Nesta configuração a escola,
assume um papel central na socialização do individuo, ao deixar de ter uma única função, e
possibilitar a formação integral do aluno.
Neste sentido podemos compreender a escola como micro-sociedade que pode
organizar-se regionalmente até a esfera nacional, na qual o aluno poderia ter no interior da
escola centros sociais, entre métodos de ensino e de trabalho, conforme a realidade da
comunidade em que vive. Logo, uma escola rural como práticas de agricultura e a pesca,
deverá prever atividades tanto de leitura, escrita, cálculo e ciências, quanto às atividades
manuais voltadas ao interesse do campo. No entanto, ainda que Kaseff elaborasse propostas
avançadas para sua época na valorização do aluno como sujeito inserido em um meio social
que deve ser compreendido e pensado pela escola, seus ideais como o discurso da época
concebiam uma escola moralizadora, que institui normas e comportamentos a fim de moldar
a sociedade por meio de um projeto civilizatório homogêneo. Assim,
A escola não se destina nem a ser uma cópia servil do que de imperfeita existe, nem a converter o cérebro da criança em colmeia de noções mirabolantes. A escola tem que ser uma face da própria vida, mas tanto possível depurada de senões, que lhe cumpre e deve imperiosamente ser aparelhada para corrigir. Ela deve melhorar a família e a sociedade, por meio de normas mais perfeitas, de modelos mais desejáveis de trabalho e de vida. Assim a escola se tornará um agente de transformações uteis, não apenas um aparelho de adaptação a condições necessárias já existentes. (KASEFF, 1936, p. 248)
Desta forma, Kaseff, sugere que pensemos a escola como lócus de adestramento social
na cidade e principalmente no campo, na qual organizações e formas de trabalho chegam
mais lentamente. A escola, nesta perspectiva assumia um duplo papel, de formar e adestrar,
por meio de hábitos saudáveis á população. As ações sugeridas por kaseff são muitas, dentre
elas, bibliotecas, filmotecas, rádio educativas, museu, circulo de pais e mestres, clube
agrícola, entre outras atividades complementares que a escola rural deveria ter. Além disso,
indica a potencialidade de transformar a escola rural em uma agência de iniciação econômica
e profissional, ao criar espaços de estudos, experimentação de técnicas e venda de produtos
agrícolas para que o aluno aprenda a prática do ofício paterno. Para ele, ao trazer a profissão
dos pais para a escola, a criança poderá se sentir incentivada a permanecer na escola,
diminuindo assim a evasão escolar.
Como terceira ação, Leoni Kaseff elucide em transformar a escola em uma associação
que ele denominou como “centro de convergência dos interesses locais” (KASEFF, 1936,
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3835
p.250). Este plano prevê a escola como um lugar social transmissor de educação,
ética, hábitos e cultura, como forma de expor aos rurais o progresso advindo pela cidade, ao
suprir as carências do Estado com a sociedade rural. Eis a escola salvadora, aquela que em
meio á escuridão, poderá trazer a luz pelo seu compromisso e zelo pela pátria. E, seus
professores missionários do progresso.
O papel do discurso produzido nos impressos e nas Conferências educacionais nos
ajuda a constituir essa trama, na qual o olhar do pesquisador sobre as fontes é um fato
decisivo para interpretar o passado. Os estudos de Leoni Kaseff nos apontam para uma
continuidade do debate promovido acerca da educação popular nas Conferências Nacionais
de Educação. Em uma perspectiva que vê na educação o caminho para reparar a população,
Deodato de Morais na Primeira Conferência Nacional de Educação (1927), argumentou sobre
a primazia do desenvolvimento das indústrias agrícolas para o futuro do Brasil, sendo
necessária a educação escolar da população do campo, que carecia de instruções mínimas
para seu bom funcionamento no trabalho.
É na escola popular que devem nascer a tradição agrícola e o prestígio do trabalho da a. É ela que tem de dar combate renhido a rotina industrial e comercial, agrícola, pastoril, extrativa e manufatureira, por uma instrução aprimorada e eminentemente prática, que ensine a explorar os campos, a adubar a terra, a descobrir as águas, a criar gado, ave, abelha, a fazer queijo e manteiga, a extrair, preparar, armazenar e vender o que a natureza dá ao trabalhador humilde mas incansável (MORAES, p, 195. 1927).
Diante desta ótica, projetava se para a população rural, uma educação pautada nos
conhecimentos específicos do trabalho na lavoura, a fim de aprimorar a produção agrícola em
cada zona rural. Corroborando com tais aspectos, podemos notar na argumentação de J. M.
de Souza para a revista Infância e Juventude, uma preocupação com a metodologia a ser
aplicada, não bastava criar escolas que trabalhassem da mesma forma que as escolas
urbanas, tanto o espaço quanto as aulas direcionadas a zona rural deveriam ser adaptadas ao
meio, com aulas específicas discernidas por profissionais capacitados para um trabalho
diferenciado com aulas de agronomia, horticultura, higiene e outras disciplinas que
capacitassem amplamente o trabalhador. A escola ganha forma de utilidade social, ainda que
Souza aborde questões centrais para educar o aluno do campo de forma que consiga
habituar-se em qualquer local, percebe-se novamente a intenção da educação voltada ao
trabalho. Para que educar os meninos da roça? A quem serviria uma mão de obra mais
qualificada? Tais perguntas me levam a crer em um projeto de homogeneização dos corpos,
na qual a educação era moldada para atender aos interesses econômicos do Estado.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3836
Entretanto, esse modelo desleixa a capacidade do aluno em aprender, ainda que em
ambiente rural. Souza prioriza métodos de ensino que somente ensine ao sertanejo o básico
para sua sobrevivência no campo, justifica o fracasso escolar pelas escolas utilizarem
métodos e conteúdos que não fazem parte da vida do educando.
E’ que hoje não tivemos, senão excepcionalmente, escolas rurais, no sentido exato do termo, escola útil ao homem do campo, que moureja desajudado de ensinamentos e de assistência capazes de elevares o seu nível de vida, material e espiritual. A escola que o serve forma desadaptados e infelizes, por despertar idéas que não condizem com as suas preocupações comuns, e ainda por deformá-lo, física e intelectualmente (SOUZA, 1936, p. 263).
Priorizava-se uma escola útil à sociedade, pois, sua criação se justifica pela finalidade
atribuída. Logo, uma escola rural baseada nesses moldes deveria atuar com métodos e
atividades pedagógicas baseadas no preparo do futuro trabalhador rural. Nesta escola
encontramos suas especificidades que se diferenciam em espécie, entre rural e urbana. Sobre
isso, Souza questiona se realmente deve ter uma metodologia diferente para as espécies
escolares.
A escola assumia um papel fundamental na formação das massas, na configuração de
uma escola que almejava produzir o futuro trabalhador. Cada disciplina contava com modos
específicos na abordagem com os alunos, seja por método indutivo, dedutivo, analítico ou
sintético. A educação rural em questão teria como foco centralizar seus interesses em
comunidades sociais que atuem em conjunto com a escola, o clube agrícola foi importante
aliado nesta perspectiva, atuando como ponte articuladora entre a educação escolar e a
familiar através do trabalho agrícola, além dos outros centros de interesse que a escola
pudesse formar.
Embora, incentive o clube agrícola nas escolas rurais como parte de uma luta da
Sociedade de Amigos de Alberto Torres3, Souza ressalta a carência de profissionais
especializados para aplicarem boas formas de ensino. Não basta bons projetos a serem
realizados por profissionais de baixa formação, porém em meio de ausência desses cabe aos
professores das escolas urbanas o caminho dessa prática.
Um ‘clube agrícola’ junto em cada escola rural, é o que se impõe a todos a vós que tendes responsabilidades pela eficiência do ensino que vós está confiado no meio das populações rurais, a fim de que esta seja o mesmo ponto de partida para a formação integral do cidadão útil á Pátria, como fator valioso de seu progresso e de engrandecimento econômico (SOUZA, 1936, p. 388).
3 Grupo de intelectuais fundamentados sob os ideais de Alberto Torres.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3837
Com a perspectiva de tornar a escola útil aos alunos do campo, o clube agrícola na
escola permitirá que os alunos tivessem uma educação em contato com a natureza, em uma
relação recíproca entre a ciência e a experiência. Por meio desta troca, segundo Souza (1936),
o professor perceberia as capacidades e aptidões dos alunos, a fim de aprimorá-los ao longo
do tempo. Por meio do contato com a natureza o aluno aprenderia a ser um homem forte
capaz de defender-se das endemias e doenças. Neste sentido, o clube agrícola construía uma
ponte entre o saber formal e informal, ao possibilitar o aluno o contato direto com as ciências
e a prática dos agricultores, por meio das experiências com a natureza, o aluno teria a
possibilidade de aprender valores, desenvolvimento da inteligência e observação.
Inquestionavelmente, despende-se tempo no arranjo e no trato do Clube: mas o que se quer é favorecer a atividade da criança, para maior proveito de seus labores intelectuais, que é ideal em sã a boa pedagogia. Em vez dos chamados trabalhos manuais, as vezes enfadonhos e mortificados, o trabalho na horta, no pomar ou no jardim, com a multiplicada vantagem de despender atenção, fortificar a vontade, desenvolver as habilidades manuais e mentais, dar o habito e o gosto pelo esforço produtivo, além do senso de economia, de cooperação, pela atividade e, conjunto com o que haverá ainda ensejo de se estimular, formar e firmar o sentimento de lealdade e justiça (SOUZA, 1936, p. 390).
Esta metodologia aplicada no clube agrícola, formaria a base de educação para as
outras disciplinas em sentido interdisciplinar, ao trazer o trabalho agrícola para a realidade
escolar. Como forma de metodologia para o ensino da leitura e escrita, ciências, geografia,
história aritmética e geometria, favorecendo o trabalho pela terra e amor a pátria em uma
obra cívica. Tal metodologia foi desenvolvida por J. Moreira de Souza em parceria com a
Sociedade de Amigos de Alberto Torres, na qual ressalta a importância desse grupo no trato
da educação rural no país como parte de um ideal de escola que recorre a práticas declaradas
contrárias as políticas educacionais tradicionais, mas que no seu seio semeiam o interesse em
adestrar os corpos ao trabalho agrícola.
Algumas considerações
Observar o aparecimento desse impresso em um período de transformações políticas
acerca da construção de um sistema educacional nos remete a pensar sobre os diferentes
debates utilizados pela revista na divulgação dos ideais dos educadores e dos representantes
do Estado na formação de uma opinião pública. Nesse sentido, este trabalho investiu no
estudo da configuração da revista Infância e Juventude, como um espaço de circulação das
propostas, projetos e ações educacionais. Com esse olhar, tratamos de analisar os
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3838
representantes, agentes e colaboradores da revista e suas relações com os movimentos e
políticas educacionais no Brasil.
No caminhar dessa trama percebe se a grande influência desse periódico na formação
do futuro da educação rural e dos ideais para a organização do ensino brasileiro. Pensar nos
debates produzidos é dar voz aos professores, dirigentes, intelectuais e instituições sobre o
projeto de nação que se almejava. Embora o Plano Nacional de Educação tenha se
engavetado pelas posições ditatoriais que o país tomou na década de 1940. O movimento
idealizador da revista, a fim de formar uma opinião em prol da educação nacional tencionou
a tomada de decisões do Conselho Nacional de Educação acerca da formação do Plano
Nacional de Educação. Pensar no periódico como fonte e como objeto oportuniza a
interpretação das múltiplas opiniões que circularam por meio deste, para o planejamento da
educação nacional.
Referências
Fontes primárias
INFÂNCIA E JUVENTUDE, Rio de Janeiro, 1936-1937. CAPANEMA, Gustavo. Conselho Nacional de Educação: Discurso pronunciado na sessão solene de sua instalação. In: INFÂNCIA E JUVENTUDE, Rio de Janeiro, n. 9, ano 1, fevereiro de 1937. KASEF, Leoni. Plano Nacional de Educação: Suas oportunidades e objetivos principais. In: INFÂNCIA E JUVENTUDE, Rio de Janeiro, n. 6, ano 1, Novembro de 1936.
Fontes secundárias
BECKER, Jean Jacques. A opinião pública. In: René Rémond. (org.). 2 Ed. Por uma história política. Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro: FGV, 2003.p. 185-211. CAMARA, Sônia (2004). A constituição dos saberes escolares e as representações de infância na Reforma Fernando de Azevedo de 1927 a 1930. In: Revista Brasileira da Historia da Educação, Julho/Dezembro, n. 8, 2004. CAMPOS, Regina Helena de Freitas. Helena Antipoff: razão e sensibilidade na psicologia da educação. Estudos Avançados, v. 17, n. 49, p. 209-231, 2003.
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3839
CARVALHO, Marta Maria C. de. Molde Nacional e Fôrma cívica: higiene e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924-1931). SP. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, SP, 1986. CAVALCANTI, Maria Juraci Maia. Algumas indagações sobre o silêncio em torno da 6ª Conferência Nacional de Educação. History of Education Journal, v. 4, n. 8, p. 193-209, 2000. CELESTE FILHO, Macioniro. Leigos e Católicos em disputa pela Escola Nova no Brasil. VIII Congresso Brasileiro de História da Educação – Matrizes interpretativas e internacionalização – Universidade Estadual de Maringá, 2015. LUCA, Tania Regina de. História dos, nos por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2008.p. 111-154. LUCA, Tania Regina de. Leituras, projetos e (re)vista(s) do Brasil. SP: Unesp, 2011. DE MENDONÇA, Sonia Regina. Conflitos Intraestatais e Políticas de Educação Agrícola no Brasil (1930-1950). Tempos Históricos, n. 10, p. 243-266, 2007. DE MENDONÇA, Sonia Regina. A dupla dicotomia do ensino agrícola no Brasil (1930-1960). Estudos Sociedade e Agricultura, v. 1, 2013. NICOLAU, Nathalia dos Santos. Clubes agrícolas: um projeto de educação, trabalho e cooperação para jovens rurais (1942-1958). Dissertação (mestrado) – Universidade Federal Fluminense. Niterói: 2016. NUNES, Cinthya de Oliveira. Pelo progresso da nação: A primeira Conferência Nacional de Educação 1927. Monografia (graduação). Faculdade de Formação de Professores. São Gonçalo: 2015. GONDRA, José G. O Veículo de Circulação da Pedagogia Oficial da República: a Revista Pedagógica. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 78, n.188/189/190, 1997, p. 374-395. ______, Soldados da instrução e a emergência da imprensa pedagógica na capital do Brasil (1877-1878). Revista Mexicana de Historia de la Educación, v. III, 2015, p. 97- 117. GONDRA, José; SUASNÁBAR, Juan. Revistas pedagógicas e governo (suave e prolongado) dos professores nos Estados Unidos, Argentina e Brasil (1855 – 1881). Anais do VIII Congresso Brasileiro de História da Educação: Matrizes interpretativas e Internacionalização, Maringá, 2015. HOBSBAWN, Eric J. Sobre a História. São Paulo: Companhia de letras, 1998. LEMME, Paschoal. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e suas repercussões na realidade educacional brasileira. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 65, n. 150, p. 255- 272, 1984. POLETTI, Ronaldo. Coleção Constituições brasileiras 1934, 3. ed. ─ Brasília : Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2012. REVEL, Jacques. Microanálise e a construção do social. In: RAVEL, Jacques (org.). Jogos de Escalas: a experiência da microanálise. Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro: FGV. 1998. p. 15-38.