ciência cognitiva e folk psychology

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I SSN141 3-389X IemiSl mPsi .D lagia daSH 20D1 . VoI9n'l.45·53 A ciência cognitiva e o problema da folk psychology' Res u mo Saulo de Freitas Ara új o Universidade Federal de ll/iz de Fora A suspeita de que a linguagem pode tomar-se um ao conhecimento humano não é um aeonleeimelllo novo na história do pt'nsamenlo Estendendo essa suspeita à psicologia. coloca-se a seguinte qucstão: a psicologia dispõe de uma hnguagcm que garanta sua identidadecntrc as demais ciências'! Ao se formular tal questão. vai-se de encontro a um dos problemas centrais da eiencia cognitiva contemporânea. que diz respeito aO lll!!ar dajo/I< p .• ycho/"gy - o conjW1to de termos habitualmente uti li7.ado pelo senso comum para descre,·er, explicar, prcdú.cr Cavaliar as atitudes e n comportamento das - no de .. "nvnlvimemn de uma da É (IO,,;vel detectar tr':, posiç:ck, O de F odor, n diminativismo de Churchland e o instrumentalismo de DClmctt. Após uma análisc dessas perspectiva,_ conclui-se que os autores baseiam suas discus>ões cm lUlla concepção muito restrita dafol" psychology c cometem aquilo que chamamos de "o equívoco ontológico" Palnw·cim : filosofia da psicologia. ciência cognitiva.!,,'" psycho/()gy Cognitives ci e nce and the problem Df fofk psychofogy Ab!!ra ct The feel ing that language çan he an oh_tade to human Imowledg" is not new in th" history of western Ihought. A. _,uch i,sue i, appmaehed within psyeh"I"S,.v, the foll"wing que,tit", aTi,c", is there a languag" of psyehol"gy whieh would guarantce its own idemity among lhe "ther Once lhis question is fonllu lmcd, onc faces olle of the central problcms of eognitivc the place or lo'" ordinmy tenns llsually employed to desenhe, explain, predict and evaluat" people'& attitudes and behaviour - in development of a science of tlle mind. It is possible to dctect three divergent perspectives: Fodor's realism, Churchland's eliminativism and Dennctt's instrumentalismo After analysing these dilTerent approaches, it is concluded that theirdiscussiollS are based on a ver)' Iimitcd conception ofjiJI" and that lhey make wha! may he "an ont()logical mistake" ley .crds: philosophy of psyehology, eognitivc scienC<l, fo'" p,ych%gy I. Trabalho apresentado na mesa-redonda Questões conceituais no funcionalismo psicológico: William James, B. /; S"iJlner e o cognitivi,-mo contemporâneo, XXXI Reunião Anual de Psicologia da Sociedade Brasileira de Psicologia. Rio de Janciro- RJ . outubro de 2001. para Departamen\(l de Psicologia - Univcoldade Federal de Juiz d" Fora. Av. Vasconcelos, 48/402 - Alto dos Passos. CEP 36026-480, Juiz de Fora - MG. Fone (32) 3229-3117. c-mail: [email protected] Apoio financeiro CNPq.

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Ciência Cognitiva e Folk Psychology.

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  • ISSN1413-389X IemiSlmPsi.Dla giadaSHP 20D1 . VoI9n' l.4553

    A cincia cognitiva e o problema da folk psychology'

    Resumo

    Saulo d e Freitas Ara jo Universidade Federal de ll/iz de Fora

    A suspeita de que a linguagem pode tomar-se um obst~cuJo ao conhecimento humano no um aeonleeimelllo novo na histria do pt'nsamenlo oci d~'JltaJ. Estendendo essa suspeita psicologia. coloca-se a seguinte qucsto: a psicologia dispe de uma hnguagcm que garanta sua identidadecntrc as demais cincias'! Ao se formular tal questo. vai-se de encontro a um dos problemas centrais da eiencia cognitiva contempornea. que diz respeito aO lll!!ar dajo/I< p . ycho/"gy - o conjW1to de termos habitualmente uti li7.ado pelo senso comum para descre,er, explicar, prcd.cr C avaliar as atitudes e n comportamento das pessna~ - no de .. "nvnlvimemn de uma ci~neia da ment~. (IO,,;vel detectar tr':, posi:ck, div"rg~nt~" O r~a l i,mo de F odor, n diminativismo de Churchland e o instrumentalismo de DClmctt. Aps uma anlisc dessas perspectiva,_ conclui-se que os autores baseiam suas discus>es cm lUlla concepo muito restrita dafol" psychology c cometem aquilo que chamamos de "o equvoco ontolgico" Palnwcim : filosofia da psicologia. cincia cognitiva.!,,'" psycho/()gy

    Cognitive science and the problem Df fofk psychofogy

    Ab!!ract

    The feel ing that language an he an oh_tade to human Imowledg" is not new in th" history of western Ihought. A. _,uch i,sue i, appmaehed within psyeh"I"S,.v, the foll"wing que, tit", aTi,c", is there a languag" of psyehol"gy whieh would guarantce its own idemity among lhe "ther ,iene~? Once lhis question is fonllu lmcd, onc faces olle of the central problcms of eognitivc sei~'Jlce, con~"TI1ing the place or lo'" p~hology-the ordinmy tenns llsually employed to desenhe, explain, predict and evaluat" people'& attitudes and behaviour - in th~ development of a science of tlle mind. It is possible to dctect three divergent perspectives: Fodor 's realism, Churchland's eliminativism and Dennctt's instrumentalismo After analysing these dilTerent approaches, it is concluded that theirdiscussiollS are based on a ver)' Iimitcd conception ofjiJI" p,rycholo~ and that lhey make wha! may he al!~d "an ont()logical mistake" ley .crds: philosophy of psyehology, eognitivc scienC

  • t,.F.NJIjI

    A suspeita de que a linguagem pode tomar-se cugnitivas", a psicologia readquire seu status de um obstculo ao conhecimento hwnano no algo cincia da mente, tentando dar uma nova roupagem a recente na tradio do pensamento ocidental. Francis velhos conceitos mentalistas, como, por exemplo, o Bacon, por exemplo, ao denunciar, em seu Noyum de "representao" (Gardner, 19851\995; Stich e Organum (1620/1936), os quatro tipos de "dolos" Warfie!d, 1994). Contudo, ao ressuscitar esse voca-que, segundo ele, assediam o entendimento humanu bulriu mentalista, a psiculugia traz de volta velhos e impedem-no de alcanar o verdadeiro eonheci- problemas conceituais por ele engendrados, espe-mento (I, xxxix), considerou os dolos do Mercado- cialmente o que diz respeito ao estatuto ontolgico que surgem a partir da m utilizao da linguagem, dos fenmenos mentais gerando confuso e debates inlteis entre os homens Toda e qualquer tentativa de se constituir uma (I, xliii) - como sendo o tipo mais problemtico de cincia psicolgica, que tenha como objetivo o esm-todos (I, lix). De acordo com Bacon (I, Ix), existem do dos fenmenos mentais, deve apresentar, antes de duas maneiras atrav.:s das quais as palavras geram mais nada, uma resposta a uma questo fundamental: obstculos ao entendimento: ou elas referem-se a comocaracterizarprecisamenteseuobjetodeestudo, coisas que no existem ou a coisas que existem, mas justificandose como campo distinto de investiga-ainda confusas c mal definidas o? Na falta de uma ontologia regional bem defini-

    O que nos interessa ressaltar nessa denncia de da, a psicologia se v constantemente ameaada de Bacon que sua preocupao j aponta para um pro- perdcr sua idcntidade como cincia da mentc, na mc-blema fundamcntal na constituio de qualqucr cicn- dida cm que vo surgindo propostas de cxplicaio cia, a saber, o da relao entre linguagem popular, dos fenmenos mentais atravs da linguagem da linguagcm cientfica c rcalidadc, Ora, se a panir do neurocincia (Gazanniga, 1998) e at mesmo da lisi-senso comum que a atividade cientfica se desenvol- ca quntica (Pcnrose, 1996/1998). VI.' - podendo posteriormente corrigi-lo e at mesmo No interior de toda essa discusso, cabe-nos abandon-lo e se os termos utilizados na vida perguntar se seria possivel forjarmos uma linguagem cotidiana para falar sobre objetos e eventos so genuinamente psicolgica, que nos permitisse Tes-gcralmcme vagos c ambguos, tomando-se pouco ponder a questo acima formulada, garantindo a adequados a uma utilizao cientfica, como assegu- identidade da psicologia, Ao indagarmos portal pos-rar o desenvolvimcnto terico consistcntc de uma sihilidade, vamos de encontro a um dos problemas determinada cincia, evitando que ela caia nas arma ccntrais da cincia cognitiva contcmpornca, conccr-dilhas e imprecises da linguagem do senso comum? nente ao lugar dafolle psychology - entendida como

    A suspeita de Bacon, se estendida ao caso da um conjunto de termos que habitualmente utilizamos psicologia, leva-nos a refletir sobre aquelc que talvez. paradescrevcr, cxplicar, predizer eavaliar as atitudes seja seu problema fundamental: li falta de uma earac- e o componamento das pessoas - no desenvolvimen-terizallo prccisa dc seu objeto de cstudo. Embora a to futuro de uma cincia amadurecida da mente. psicologia tenha sido batizada inicialmente como Seriam cssas categorias adequadas para uma aborda-cincia da vida mental (James, 1890/1978; Wundt, gem cientfica dos fenmenos mentais? Caso con-1896), podemos dizer que os psiclogos nunca trrio, devemos buscar uma linguagem prxima cntenderam pela palavra "mente" a mesma coisa. biologia ou at mesmo fisica? Scm uma resposta Assim, as dificuldades enfrentadas nessa caracteriza- consistente a esse conjunto de questOcs, o futuro da o levaram a uma nova proposta de definio do psicologia e seu projeto como cincia da mente cst, objeto, que passou li ser o eomponamento (Watson, a nosso ver, ameaado. 1913/1966). Entrctantotambm aqui no se alcanou O objetivo do presente trabalho apresentar e o consenso csperado, o que se depreende da frag- discutirastrsprincipaisposicstericasnacincia mentallo e divergncias tericoconceituais do cognitiva acerca do lugar da folie psycho/ogy no movimento behaviorista (Chiesa, 1994; Smith, desenvolvimento de uma cincia da mente: o realis-1986). Com o surgimento das chamadas "cincias mo de Fodor, o eliminativismo dc Churhland e o

  • Acilltiltlllitirl l llolkpsychology

    insmlmentalismo de Dennett. Em seguida, procu-

    ramos mostrar que h, nesse debate, uma confus1lo

    conceituai, que gera aquilo que chamamos dc "o

    equivoco ontolgico" (Araujo, 2000, p. 23). Final-

    mcntc, sugerimos que csse equvoco podc scr cvita-

    do, uma vez reconhecida a ausncia de uma ontologia

    explcita no vocabulrio comum.

    o problema da lolk psychology Todo c qualquer emprccndimcnto cientifico

    inicia-se a partir de uma concepo no cientfica do

    mundo. Antes de uma detenninada pessoa tornar-se

    um cientista - digamos, um fsico - ela j adquiriu

    um modo particular de perceber e conceber os obje-

    tos e eventos do mundo, fruto de sua insero em uma

    cultura, que lhe anterior. Por outro lado, na mcdida

    em que h um intercmbio pernlanente enlre cincia

    e sociedade e um dos principais objetivos da cincia cxplicar os fcnmenos dc interesse social, essa viso

    protocientifica de mundo, que se expressa cm uma

    dctcnninada linguagem, mantem-se como ponto de

    referncia para os cicntistas.

    Se os tennos e expresst:s empn:gados pt"lo

    senso comum so, de tino, o ponto de partida de toda

    c qualqucr atividade cientfica, isson1lo significa, po-

    rem, que a cincia esteja eternamente condenada aos

    limites impostos por eles. Ela pode refin-los ou at

    mesmo abandon-los, como h:m algumas vezes

    ocorrido, o que lhe confere uma ecrta autonomia.

    Mas exatamentepel0 fato deno haver uma delimi-

    tao precisa dos limites da utilidade do vocabulrio

    popular para a atividade cientifica que surge a neces-

    sidade de uma anlise profunda e constante das rela-cs entre linguagem popular e da cincia, sobretudo

    na psicologia

    Em nossa vida cotidiana, utili7..amos uma srie

    d", lermos t: expresses intuitivas, om a finalidade

    prtica de descrever, cxplicar c predizer atitudcs c

    componamento das pessoas. Oi7.cmos, por cxemplo.

    que um amigo ou amiga nos parece triste ou acredita cm

    bruxas, duendes e poilcs mgicas. Do mesmo modo, podemos, com base nessas atribuics, explicar seu

    comportamento, afinnando que ele ou ela n1l0 quis sair

    de casa porque cstava triste ou no foi ao medico porque acredita que cenas poes mgicas fazem mais efeito que os remdios tradicionais da medicina

    aloptiea. Finalmente, somos ainda capazes de fazer

    predies sobre seu comportamento futuro. dizendo

    que ele ou ela n1l0 sair de casa enquan!O sua tristeza n~o a~bar c, todas as vezes cm que estiver doent~, ir

    procurar um curandeiro ao invs de um mdieo. A esse

    conjunto de atribuiOCs e explicacs psicolgicas

    cotidianas, assim como taxonomia psicolgica que elas tomam por base, damos o nome de psicologia

    popular, psicologia do senso comum ou, para utilizar

    uma expresso que se consagrou na literatura

    especializada,jolk psycholog)l Um dos grandes problemas que a psicologia

    enfrenta que ela, ao mesmo tempo cm que fornece

    noes psicolgicas ao senso comum, extrai boa par-

    I", de seu vocabulrio dafolkpsychology, sem que a natureza desse intercmbio tenninolgico ~steja bem

    estabekcida. Conseqentemente, a despeito de qua-

    isquer avanos no plano metodolgico, pareecmos

    estar perpetuando a confuso conceituai denunciada

    j h: algum tempo por Wiugenslt:in, no ltimo par-

    grafo de suas Philo.wphische Untersuchungen (1952/1995). De fato, alm da falta de consenso,

    parece no h~ver muita clarc7.a sobrc o que eslamos

    falando quando empregamos os lernlOS "crena",

    "desejo", "medo" etc, cm nossas teorias psicol-

    gicas. Estaramos referindo-nos a entidades reais,

    propriedades cerebrais mistcriosas ou apenas fices

    tcricas?

    Alguns psiclogos tm-se preocupado com

    esse problema, observando dificuldades e possiveis

    prejuizos trazidos psicologia pelo vocabulrio psi-colgico do senso comum. Mandler e Kessen (1959,

    pp. 14-17), por exemplo, detectaram trs problemas

    fundamentais na linguagem popular: tcndncia rei-ficao, ou seja, a atribuir invariavelmente 5 pala-

    vras uma referenda a alguma realidade no verbal;

    2. Da mesma timna, podcmos fhlar numa fiJ!k bio{ogy - rcferindo-nos s taxonomias e inferncias populares a respeito de plantas c animais (Atran, 1995) - c numa folk physies, designando, por cx~'tllplo, teorias populares sobre o movimento de objdos fisicos. que chegam a divergir totalnw,te dos princpios da Illecnica newtoniana (McCloskey. 1983)

  • vagueza ou impreciso; e ambigidade ou polisse-mia.Paracitarumexemplodadopelosprpriosauto-res (p. 15), o termo "mente" utilizado de maneira equivocada tanto na linguagem popular quanto em algumas teorias psicolgicas, como se fizesse refe-rnciaauma"coisa",umarealidadeextralingstiea, o que pode prejudicar o desenvolvimento da psicolo-giacientfica.

    Numa perspectiva mais radical, Skinner (1989,1990)repudiaveementementeautilizaodo vocabulrio mentalista do senso comum na psicolo-gia, opondo-se a alguns tericos ntais otimistas, como o caso de Heider. Embora estivesse cons-ciente da impreciso dos termos da psicologia popu-lar,lleider(1958/1970,pp.17-22)defendiasua aproximao com a psicologia cientifica, insistindo que esta ultima deveria representar uma depurao da linguagem ordinria.

    Apesar de no ter cscapado a alguns lericos importantes da psicologia, podemos notar que csse debate tem-se mostrado insuficiente ea preocupao com a linguagem psicolgica no tem atrado sufi-cientemente a ateno dos psiclogos. Contudo algo diferente tem ocorrido na cincia cognitiva, onde a questo do estatuto dafolk psycholog)l tem sido um dos principais focos de discusso e gerado uma extensa literatura (p. ex., Fletcher, 1995; Grcenwo-od, 1991; Haselager, 1997; Stich, 1983, 1996) Tendo em vista, pois, a relevneia dessas discusscs para o problema aludido na introduo do presente artigo - a caracterizao precisa do objeto de estudo da psicologia enquanto cincia da mente - restringi-remos nossa anlise 30 mbito da cincia cognitiva

    Realismo, eliminativismo e instrumentalismo

    Nosdebatesatuaisdentrodaeineiacognitiva, afol* psychology tem recebido uma atcno especial de vrios tericos, que tm bU$cado uma maneira mais precisa de caracterz-Ia, na tentativa de fome-cer uma resposta a duas questes principais: I) o que afolkpS)'Chology?; e 2) que destino ter sua ontolo-gianodesenvolvimento futuro da psicologiacient-Ica?Aoprocurarresponderessasduasquestcs, v-rios autores chegam a concluses diferentes e, algu-mas vezes, opostas.

    u.Un.jl

    Podemos afirmar, de acordo com Von Eckardt (1997, p. 3(0), que afolk ps)'Chology consiste no mi-

    a. Um conjunto de pmticasatributivas, explica-tivasepreditivas;e

    b. Umconjuntodenocsouconceitosutilizados nessas prticas. importante frisar que, cm re-lao acssa caracteri:mllo mnima, a maior parte dos autores parece estar de acordo.

    Tomando como ponto de partida essas duas caractersticas fundamentais dafolk psychology, ve-mos que uma grande parte das discusses atuais, na cinciacognitiva,cstcentradaexclusLvamentena explicao da primeira (a), fazendo apelo a mecanis-mos cognitivos subjacentes s nossas habilidades atributivaslexplicalivaseaocursodeseudesenvolvi-mento nos seres humanos. Surge, ento, uma dicoto-mia entre duas posies antagnicas: de um lado, os defensores da concepo simulacionista(simulation /heory) afinnam que nossas atribuics psicol6gicas basear-se-iam numa capacidade cognitiva de simular os possiveis estados mentais de outras pessoas em nossa prpria mente, o que nos pennitiria explicar e predizer seu comportamento (Goldman, 1989, 1992; Gordon, 1986. 1992); de OUtTO,OS defcnsores da con-cepo terica (theory/heory) insistem em que nossa capacidade dever-se-ia posse de uma teoria psico-lgica implcita, atravs da qual produziriamos as eventuais inferncias. (P. M. Churchland, 1979, 1981 / 1990,1991,1997; Dennett, 1978/1997, 1987, 1991; Fodor, 198511991, 1987; Stich, 1983; Stiche Nichols, 1996). H, no entanto, alguns autores que defcndema possibilidade dessa disputa ser ilusria e das duas abordagcns chegarem a se fundir numa s (Davies, 1994, pp. 114_118; Haselager, 1997,p. 25; Heal, 1994). Finalinente, de acordo com Stich e Ra-venscrof"t (1996), podemos ainda classificar as abor-dagens dafolkpsychology em internalistas e cxterna-listas, segundo seus representantes dcfendam ou no a existncia de uma estrutura de eonhecimento repre-sentada internamente.

    Noquedizrespeitocaracteristica(b)dafollc psychology, a discusses tendem a manter-se no mesmo plano de anlise da caracteristica (a),haven-do uma crcna na cxistnciade um fenmenoexpl-

  • A cihcia C'tlitin I lfo/kpsychology

    cito a ser descrito ou explicado. Assim, a disputa do materialismo eliminativo consiste na afirmao de passa a ser sobre a melhor maneira de se caracterizar que afoU p~ychology uma teoria falsa com uma on-a ontologia do vocabulrio senso comum, a fim de se tologia totalmente inadequada (1981/1990, p. 2(6) e chegar a uma concluso sobre seu destino no desen- quimrica (1991, p. 65). De acordo com Churchland volvimento terico da psicologia cientifica. E nesse (1988, pp. 43-44), os conceitos dafolk psychology ponto que deparamo~ com trs posies distintas: o assemelham-se a velhos conceitos j abandonados realismo de Jerry Fodor, o climinativismo de Paul pela cincia, como o "flogisto", o "calrico" e Churchland eo instrumentalismo de Daniel Dennett. "possesso demoniaca". O que todos eles tm em co-

    A posio de Fodor em relao folk mum que referem-se a coisas inexistentes. Assim psychology chamada por ele mesmo de "realismo como no h uma substncia chamada flogisto, tam-intencional" (1987, p. xii). Segundo ele, "todos ns ... bem no h uma entidade chamada crena ou desejo. nascemos menta!istas e Realistas" (1987, p. 7). Os estados menlais necessitam, portanto, de uma Nessa perspectiva, as categorias psicolgicas do sen- caracterizao adequada, fornecida pela neurocincia so comwn (crena, desejo, medo, esperana elc.) (1981/1990, p.206: 1988, p. 45). fariam referncia a estados psicolgicos reais - as Se tomarmos como ponto de panida a lese atitudes proposicionais - individualizados atravs de acima referida, o destino dafo/k p~ycholof{}' parece seu contedo especfico. Por exemplo, se X acredita bvio: ela ser totalmente eliminada e substituda em "p", ento "p" o contedo que determina sua pela neurocincia. Na realidade, porm, a po~i"i'lo de crena. Teramos, assim, uma sric de smbolosden- Churchland se rcvela extremamente ambgua. Seus tro da eabea- expressos sob a fomla de proposies trabalhos sugerem trs possibilidades distintas: uma - que detcnninariam nossos estados mentais (atitu- eliminao radical (1981/1990), um3 reduo tOlal des proposicionais) e constituiriam a linguagem do neurocincia (1986/1992) e uma reviso, em que par-pensamento (Fodor, 1975). Alm disso, Fodor acre- te de sua ontologia sobreviva e pane seja eliminada, dita que as pessoas leigas tambm pressupem a cau- dependendo sempre de uma coevoluo entre psico-sao mental, ou seja, elas apostam no podcr causal logia e neurocincia (Churchlaml e Churchland, das atitudes proposicionais sobre o componamento e 1990/1998). De qualquer fonn3, o que vai ou no outros estados mentais (198511991 , p. 24). Um sobrar dafolk flfi}'chology uma questo empirica, exemplo disso seria, de acordo

  • S..,F . .I.riIIjt

    dades reais, como o caso, por exemplo, dos centros rias ao crivo da experincia, a fim de se decidir pela de gravidade (1987, p. 53; 1991, p. 139; 1991/1998, mais bem sucedida. E mesmo que asevidncias dispct-p. 96). No entanto o que seriam esses padres ou pro- niveis ainda no sejam suficientes para decidinnos em priedades reais, referidos pelos tennos da folk favor de uma ou outra abordagem (Davies, 1994,

    p!Jych%gy, pennanece um mistrio em sua obra. p. IOI; Perner, 1994, p. 147), isso nlio significa que o No que diz respeito ao futuro dafolk p!Jychu- problema deixa de ser emprico, mas to SOmente que

    /ogy, Dennett se aproxima muilO mais de Fodor qlle as teorias talvez precisem ser melhor fonnllladas e dos Churchlands, ao defender sua pennanncia em mais cvidncias devam ser buscadas uma teoria psicolgica amadurecida - a teoria dos Quando nos voltamos, por outro lado, para a sistemas intencionais (Dennett, 197811997; 1987) segunda caracterstica (b) da folk psychology - o Ela vai sobreviver, segundo ele, devido a duas razes conjunto de n0e5empregadas emnossas atribuies principais. Emprimeirolugar,elaumexcelenteins- psicolgicas intuitivas - a situao revela-se com-lrumento de interpretao e predio do comporta- pletamenle distinta, isto , no h qualquer fenmeno menlo de qualquer sistema intencional (1987, explicito a ser descrito dou explicado, uma vez que pp.47-52;1991,p. 135).Emsegundolugar,elarepre- nossos termos psicolgicos populares no parecem

    senta um nvel de abstralio essencial quando quere- trazer consigo sequer um esboo definido de wna mos explicar eertos tpicos, como inteligncia, ontologia. Sendo assim, essa segunda caracterstica representao e significado (1987, p. 60). No no pode estar relacionada pergunta "o que afolk possvel, portanto, eliminar a teoria dos sistemas in- psychology'!" - como se supe habitualmente~e me-tcncionais, reduzindo-a a uma teoria neurocicntfica. rece, portanto, ser tratada num plano distinto de anli-embora uma teoria neurocientfica possa comple- se,umavezquenohanenhumadescrilioaserrea-ment-Ia, no sentido de especificar os detalhcs Rsi- Iizada. Portanto no recorrendo a uma investigao

    cos envolvidos na implementao de um sislema in- emprica dafo/kpsychology enquanto fenmeno psi-tencionai em vrios indivduos ou espcies (1987, colgico qut: iremos resolver o problema da adequa-pp.60-68). Desse modo, cstgarantida a identidade oontolgicadenossosconccitospsicolgicos,mas da psicologia em rclao s outras cincias, sim a uma anlise filosfica de suas prprias recolls-

    lrucs tericas, que podcrlio apresentar as mais diver-sas caractcrizacs ontolgicas, Alm disso, devemos

    o equ ivoco ontolg ico Noque diz respeito discusslio sobre a caracte-

    rstica (a) dajolk psyclUllogy ~ o conjunto de prticas atributivas, explicativas e preditivas-podemos peree-berqueoqueestemjogo a busca de uma teoria que possa tomar inteligvel nossa capacidade de fazer atri-buics psieolgicas cotidianas, Em outraspalavTas, a lofk psych%gy considerada aqui como um fCllme-no psicolgico em necessidade de explicao. Em funo disso, trata-se de uma querela a ser resolvida no plano emprico, submetendo-se as diferentesteo-

    nos lembrar de que embora urna tt:oria cientifica da mente explique a folkp!Jychology enquanto fenmello psicolgico, isso nlio significa que seu vocabulrio seja o mesmo desta ltima, uma vez que a atividade cientificagozadeumacertaautonomiaemrelailoao senso comum. Nesse sentido, como bem notou Fletcher (1995, cap. 2), o importante que estejamos atentos, ao construirmos nossas teorias psicolgicas cil-'Illificas, para nlio incorporarmos indevidamente elementos dajolkpsychology?

    AproveitandoasugestodeF1cteher,gostara-

    mos de ellfatiwrque o que nos parece mais importan-

    3. Fletcher faz urna importante distino entre duas maneiras de mar alofk psychology em teorias psicolgicas: o Uso I, quando o p,iclogo precisa levar cm conta, para descrev-las. as atribll(\t:S psicolgicas reais de senso comum. independente da verdade ou falsidade das mesmas; e o Uso 2, quandoo psiclogo utiliza afo/kpsycho[ogycomo re

  • AtihciltfJII~iN I ~folk pSfoology

    te a necessidade de estarmos cientcs da difcrcna sim o cstatuto de seus tennos transfonnados em con-conceituai entre a/ofk psychology e a psicologia ceitos pertencentes a teorias psicolgicas, que seriam cientfica. exatamente a falta de percepo dessa submetidas aos critrios estabelecidos para a avalia-diferena que acarrcta, segundo nosso ponto de vista, o de teorias cientificas. um engano fundamental nos debates atuais acerca da Dos trs autores anterionnente analisados, folk p~ycholugy, que vamos chamar de "o equvoco Dennett parece ser o nico a reconhecer explicita-ontolgico". Esse equivoco consiste na tentativa de mente a diferena cntre afolk psychology propria-se defini r uma ontologia para os termos psicolgicos mente dita e suas possveisrecollSlrues ou incorpo-utilizados no dia a dia, supondo que haja uma cstrcita racs cm uma tcoria cientfica. No entanto o prprio correspondncia entre essa suposta ontologia e a Denm:tt acaba cometendo o equvoco ontolgico, ontologia da fulk p~ycl/Olugy, como se o senso quando insiste em tentar determinar uma ontologia comum dispusesse dc wna ontologia explcita e uni- para a noo popular de crena, utilizando um sofisti-forme, que pudesse ser determinada de alguma ma- cado aparato filosfico que extrapola totalmente os neira. Ora, ainda que a psicologia popular possa fazer recursos normalmente utilizados na vida cotidiana referncia a "coisas" internas - o que est longe de (Dennett, 1987, pp. 54-57). De fato, seria surpreen-ser um consenso (McDonough, 1991, p. 264) - nilo dente se o senso comum conhecesse parte da obra de h a minima preocupao por parte das pessoas em HansKeichenbach - filsofo em quem Dennett neste explicitar a natureza dessas "coisas", o que impediria ponto se baseia - c considerasse o conceito de crena qualqucr possibilidade de uma determinao onto- como estando a meio caminho entre os illalu (termos lgica universal da folk psychoiogy.4 Em outras que postulam entidades tericas) e os ahstracta palavras, queremos argumentar que as dis.:uss

  • dido por Fodor. Assim, ao conceberem as atitudes proposicionais eomo parte integrante do senso comum, eles paret:em ter-se esquecido de que poucas pessoas acreditam dc falO que nossos estados mentais sejam constitudos por sentenas ou smbolos encra-

    vados em nosso crebro.

    Concluso

    Ao evidcnciannos, ento, o que nos parece ser um engano conceituai na cincia cognitiva contcm-pornea, queremos propor uma refonnulao da segunda pergunta inicialmentt: cstabelccida: ao invs de perguntannos que destino tcr a ontologia daJoll< psychology no desenvolvimcnto futuro da psicolo-gia, devemos perguntar apenas que destino tcr seu vocabulrio, wna vcz quc ele poder ganhar as mais variadas especificaes ontolgicas, de acordo com a criatividade dos interpretes. Com essa refonnulao, pretendemos apenas deslocar a discusso ontolgica daJo/k p~)lchology para suas reconstroes tericas e mostrar que a necessidade de uma ontologia bem de-finida para nossa futura taxonomia psicolgica nada tem a ver com uma suposta ontologia da prpriaJo/k psychulugy, pelo simples fato de no existir uma. Assim, uma vez reconhecida a ausncia de wna onto-logia explcita no vocabulrio psicolgko popular, desfaz-se a confuso entre afolkpsych%gy e a psi-cologia cientifica, e evita-se, conseqentemente, o equivoco ontolgico.

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