ciclo de estudos - tjrs.jus.br · coordenação geral: des. luiz felipe brasil santos coordenação...

129

Upload: lamkhanh

Post on 11-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine
Page 2: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

1

Porto Alegre – Novembro de 2006

CADERNOS DO CENTRO DE ESTUDOS

– VOL. I –

As recentesreformas

processuais

LEIS11.187, de 19/10/0511.232, de 22/12/0511.276, de 07/02/0611.277, de 07/02/0611.280, de 16/02/06

Page 3: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

2

Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil SantosCoordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins

Palestrantes:Min. Athos Gusmão CarneiroDes. Carlos Alberto Alvaro de OliveiraDes. Araken de AssisDesª Elaine Harzheim MacedoDes. Henrique Osvaldo Poeta RoenickDes. Voltaire de Lima MoraesDes. Antonio Janyr Dall’Agnol JuniorDr. Ovídio Araújo Baptista da Silva

Colaboradores:Angela Maria Braga Knorr – Secretária Administrativa

Cristina Lederhos Marcolino

Participação especial: ECOJUS

Agradecimento: Departamento de Artes Gráficas

As recentes reformas processuais : leis 11.187, de 19/10/05 ; 11.232,de 22/12/05 ; 11.276, de 07/02/06 ; 11.277, de 07/02/06 ; 11.280,de 16/02/06 [ciclo de estudos] / coordenação geral : Luiz FelipeBrasil Santos ; coordenação adjunta : Rejane Maria Dias deCastro Bins. – Porto Alegre : Tribunal de Justiça do Estado doRio Grande do Sul. Departamento de Artes Gráficas, 2006.128 p. – (Cadernos do Centro de Estudos ; v.1)

Responsabilidade editorial : Tribunal de Justiça do Estado doRio Grande do Sul. Centro de Estudos.

1. Código de Processo Civil – Reforma – 2005/2006 2. Processode conhecimento – Reforma. I. Série

347.9(81)

Catalogação na fonte elaborada pela Biblioteca do TJRS

Page 4: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

3

SUMÁRIO

Apresentação .................................................................................................

ECOJUS ...........................................................................................................

AberturaDes. Luiz Felipe Brasil Santos ............................................................................

Execução de Título ExtrajudicialMin. Athos Gusmão Carneiro .............................................................................

Da sentença: Lei nº 11.277/06 e nova redação dada aos arts. 162, 267, 269,463 e introdução dos arts. 466-a, 466-b e 466-c pela Lei nº 11.232/05Des. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira ..............................................................

Da execução da sentença: liquidação de sentença e cumprimento dasentença (Lei nº 11.232/05, arts. 475-a a 475-h e arts. 475-i a 475-r)Des. Araken de Assis ..........................................................................................

O novo agravo: Lei nº 11.187/05Desª Elaine Harzheim Macedo ...........................................................................

Dos embargos à execução contra a Fazenda Pública (Lei nº 11.232/05)Des. Henrique Osvaldo Poeta Roenick ...............................................................

Da competência e outras reformas procedimentais: Lei nº 11.280/06Des. Voltaire de Lima Moraes ............................................................................

Sanação das nulidades pelo Tribunal e inadmissibilidade da apelaçãocontra sentença que se conforma com súmula do STJ ou STFDes. Antonio Janyr Dall’Agnol Junior ................................................................

Das alterações no procedimento dos recursos e da ação rescisória (Leinº 11.276/06 e nova redação dos arts. 489 e 555, dada pela Lei nº11.280/06)Dr. Ovídio Araújo Baptista da Silva ..................................................................

5

7

7

11

25

39

57

71

93

105

115

Page 5: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

4

Page 6: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

5

APRESENTAÇÃO

O Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul, em cumprimento a uma

de suas finalidades institucionais, traz a público estes

anais do Ciclo sobre as reformas processuais, realizado

nos dias 05, 12, 19 e 26 de maio de 2006.

Estão aqui reunidas palestras proferidas por al-

guns dos expoentes do processo civil rio-grandense e

brasileiro, proporcionando relevantes reflexões em tor-

no das expressivas modificações introduzidas pelas

Leis 11.187/05, 11.232/05, 11.276/06, 11.277/06 e

11.280/06.

Esta publicação objetiva permitir a todos o

acesso a este precioso acervo, contribuindo para a am-

pliação do debate, e, por conseqüência, para o aperfei-

çoamento da prestação jurisdicional, finalidade última

deste Centro de Estudos.

Page 7: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine
Page 8: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS – Bom-dia a todos. Se-jam bem-vindos neste primeiro encontro do nosso Ciclo de Es-tudos sobre as recentes reformas processuais.

Antes de iniciarmos a nossa palestra de hoje, vou concederum espaço de não mais que dez minutos para um grupo de tra-balho aqui do Tribunal que está desenvolvendo uma atividadeque merece todo o nosso reconhecimento, que é o ECOJUS. Foisolicitada à Presidência, e a nós também, a concessão desse es-paço precioso para divulgar o trabalho que estão desenvolven-do, que é extremamente importante sobretudo porque partiuda base, não é um projeto da Direção do Tribunal, é um proje-to dos servidores.

Esse grupo de trabalho é integrado pelos servidores ÂngelaMaria Braga Knorr, Anete Hilgemann, Gládis Maria Cury Pe-reira, Fátima Somavilla Duarte, Roberto Voltz Tomaz e JoãoBatista Santafé Aguiar.

Passo a palavra ao João Batista, para expor a vocês essetrabalho, para que conheçam e participem, que realmente me-rece.

SR. JOÃO BATISTA SANTAFÉ AGUIAR – Exmo. Sr. Des. Vasco Della Giustina,neste ato representando o Senhor Presidente do Tribunal de Justiça do Esta-do, Des. Marco Antônio Barbosa Leal; Exmo. Sr. Coordenador-Geral Des. LuizFelipe Brasil Santos, Coordenador deste 1º Ciclo de Palestras e do Centro deEstudos; Exmo. Sr. Ministro Athos Gusmão Carneiro, palestrante neste even-to; senhores magistrados; servidores e demais presentes.

Agradecemos, desde já, esta oportunidade e lançamos o seguinte questionamento:a Terra resistirá ao homem; mas será que o homem vai resistir ao próprio ho-mem?

É essa a reflexão que se faz necessária atualmente. Governos, empresas ecidadãos organizados já antevêem o caos e a falta de condições vitais para ahumanidade atravessar o próximo século caso mantidos os níveis destrutivosde consumo atualmente em voga na maior parte do Planeta.

Page 9: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

8 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

O Brasil, premente de desenvolvimento, tem condições de aproveitar as li-ções já aprendidas no passado e no seu presente, e de outros países, e corri-gir o seu rumo em prol da economia e do desenvolvimento ecologicamentesustentáveis.

No fundo, todos estamos no mesmo barco, no mesmo Planeta finito, e nós,servidores do Judiciário gaúcho, também seguindo o exemplo de outros tri-bunais pioneiros nesta área.

Foi pensando nessas mudanças que o grupo de trabalho ECOJUS, autoriza-do pela Presidência do Tribunal de Justiça, iniciou um processo de discussãovisando a estabelecer e pôr em prática o Programa de Educação, ProteçãoAmbiental e Responsabilidade Social do Judiciário.

O ECOJUS objetiva a implementação de práticas de vida voltadas à respon-sabilidade social, conceito primeiramente construído no âmbito da iniciativaprivada e, nos últimos anos, adotado pelo serviço público, gradativamente.

Nossa maior responsabilidade como servidores é prestarmos os serviçosretratados na missão do Judiciário, mas queremos ir além.

Essas sugestões resultarão, evidentemente, em ganhos para a imagem insti-tucional da Justiça Estadual gaúcha, com a valorização da participação dos ser-vidores e de magistrados de forma permanente e responsável em relação à pro-blemática ambiental e nas relações construtivo-positivas com a comunidade.

Estão previstos no programa os seguintes projetos: resíduos sólidos, efici-ência energética, recursos hídricos e responsabilidade social e educaçãoambiental. As licitações e contratos efetuados pelo Judiciário também serãocontemplados por esta ótica ambiental. Mediante campanhas de sensibilização,educação e conscientização pretendemos integrar a instituição na preserva-ção dos recursos naturais e do meio ambiente, o imperativo constitucional. Amudança de comportamento frente ao consumo de bens naturais finitos e adisseminação de ações de responsabilidade social e institucional voltadaspara o público interno e externo se somarão às já praticadas nas mais diver-sas comarcas junto às suas comunidades. Tudo depende, essencialmente, detodos nós, servidores, magistrados e da sociedade.

Entre as ações, podemos citar o reaproveitamento seletivo dos materiaisdescartados, a reciclagem. Os servidores voluntários serão envolvidos em ar-tesanato, por exemplo, para a criação de peças que poderão vir a ser expos-tas na galeria do Tribunal de Justiça e nas dependências dos foros, revelandotalentos e possibilitando o uso delas pela Administração como presentes emvisitas protocolares ou em eventos.

O destino do papel descartado pela instituição terá atenção especial noprograma. Já propusemos critérios para a destinação de grande volume depapel que se acumula nas comarcas.

Page 10: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 9

Necessitamos levantar informações a fim de estabelecer políticas claraspara o cumprimento de nossos objetivos e a construção do nosso balanço so-cial, e mapear os interesses, identificar e priorizar as ações que deverão seradotadas pela instituição.

Necessitamos da colaboração de toda a comunidade judiciária para o for-necimento de dados e sugestões, o que, desde já, poderá ser feito pelo for-mulário que está sendo distribuído hoje, que foi entregue aos senhores e se-nhoras na entrada do recinto do plenário.

Como canais de relacionamento e diálogo oferecemos o endereço eletrôni-co e/ou telefone para contato, que estão no marcador de página entreguetambém junto com o formulário, que poderá ser preenchido e depositado nacaixa localizada na entrada principal deste plenário.

Agrademos a atenção de todos e mais uma vez a do Senhor Presidente, Co-ordenador-Geral do Centro de Estudos, e desejamos uma excelente palestra atodos.

Muito obrigado.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS – Iniciando o nosso Ciclo propriamente,sem maiores formalidades, pois o objetivo dos nossos encontros é ainformalidade, não poderíamos deixar passar em branco esta ocasião sem pres-tar uma singela homenagem ao nosso primeiro palestrante que abre estes tra-balhos, justamente pela relevância desta figura ímpar, que é o Min. AthosGusmão Carneiro, que nos deu a honra de aceitar o convite para ser o nossoprimeiro palestrante do Ciclo, pela relevância do papel que ele teve neste Tri-bunal, pela relevância do papel que ele teve no Superior Tribunal de Justiça etambém pela importância do papel como processualista que continua a desem-penhar nas reformas que estão sendo implementadas, todas direcionadas auma maior efetividade da Justiça.

Por isso, singelamente, o Centro de Estudos oferece ao Min. Athos GusmãoCarneiro, para marcar esta ocasião, uma singela placa com os seguintes ter-mos: “Ao Ministro Athos Gusmão Carneiro, por sua inestimável contribuiçãoao aperfeiçoamento do processo civil brasileiro, o reconhecimento e a home-nagem do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.Porto Alegre, maio de 2006”.

Embora, naturalmente, não fosse necessário fazer a apresentação do Min.Athos, que é de todos bastante conhecido, vale referir alguns dadoscurriculares.

O Min. Athos, bacharel pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul noano de 1949, ingressou como Juiz de Direito neste Estado no ano de 1952,foi Juiz de Alçada, desembargador neste Tribunal de 1977 a 1989, Presidente

Page 11: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

10 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

do Tribunal Regional Eleitoral, Ministro do STJ de 1989 a 1993, posterior-mente advogado, depois de aposentado, Presidente do Conselho do InstitutoBrasileiro de Direito Processual, Membro da Academia Brasileira de Letras Ju-rídicas, autor de diversas obras, como a Intervenção de Terceiros, Jurisdição eCompetência, Audiência de Instrução e Julgamento, Antecipação de Tutela, RecursoEspecial, Agravo e Agravo Interno.

Queremos agradecer também a presença do Vice-Presidente Vasco DellaGiustina, que, aliás, deveria estar sentado neste local em que me encontro,mas, por sua deferência e singeleza, declinou desta possibilidade para me co-locar aqui, posição que absolutamente não mereço, mas, de qualquer forma,fica o reconhecimento.

Passo, de imediato, a palavra ao nosso palestrante, que, como consta doprograma, desenvolverá o tema: A execução de título extrajudicial conforme oProjeto de Lei nº 44/97.

Com a palavra, o nosso Min. Athos Gusmão Carneiro.

Page 12: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

11

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL(PL Nº 4.497/04)

MIN. ATHOS GUSMÃO CARNEIRO – Eminentes Desembargadores LuizFelipe Brasil Santos e Vasco Della Giustina; meus prezados Colegas da Magis-tratura do Rio Grande do Sul, senhores serventuários da Justiça, minhas se-nhoras, meus senhores.

De certa forma, sinto-me numa espécie de retorno ao lar. Fui magistradono Rio Grande do Sul durante 37 anos e Juiz durante um total de 42 anos. Demaneira que quem foi magistrado, por tanto tempo, continuará se sentindocomo magistrado pelo resto de sua vida.

Estar aqui, realmente, é uma satisfação, uma alegria e uma honra paramim. Quando entrei na Magistratura, eram os tempos muito diferentes dosde hoje. Na Câmara, quando julgávamos muito, julgávamos 12, 15 processos.Mas não dispúnhamos dos recursos da informática. Hoje, sei que ultrapas-sam, às vezes, os 100. O Superior Tribunal de Justiça julga mais de 150, 200processos numa tarde – é verdade que muitos deles são processos repetidos,são julgados todos de uma vez só. Também era o tempo da máquina de es-crever manual, das cópias feitas em papel carbono, das precatórias remetidaspelo correio, sob fórmulas antiquadas. Nas cartas precatórias, eu me lembrobem, no fim constava mais ou menos assim: "E se Vossa Excelência, eminenteJuiz deprecado, nesta colocar o seu respeitável 'cumpra-se', fará justiça àspartes e a mim alta mercê, que outro tanto farei se deprecado for".

Enfim, eram esses os tempos. Recordava há pouco com os Colegas que,quando chegaram em Porto Alegre as primeiras máquina xérox, eu propusque as cópias dos acórdãos passassem a ser feitas na máquina duplicadora eme foi ponderado, pela Presidência de então, que seria muito caro. Aí, aAJURIS alugou uma máquina e começou a fazer cópias aqui no Tribunal. De-pois, com o tempo, o Tribunal se adaptou às novas praxes, e hoje évanguardeiro em matéria de informatização no Brasil.

Mas, senhores, passemos à matéria de algumas das reformas setoriais, queestão sendo feitas no Código de Processo Civil.

A Comissão de Reforma, mantida pelo Instituto Brasileiro de Direito Pro-cessual, e também a Associação dos Magistrados Brasileiros, com as suas

Page 13: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

12 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

associações estaduais, a Associação dos Juízes Federais, recebem contribui-ção de numerosos órgãos e de Colegas individualizados, resultando em proje-tos setoriais. Já desde o começo da década de 90, estes projetos vêm sendofeitos. E, às vezes, surgem críticas: por que projetos setoriais? Não estarásendo transformado o Código de Processo Civil em um mosaico de leis novas,nem sempre são bem entrosadas umas com as outras?

É verdade que esta sistemática apresenta alguns inconvenientes. Não sediscute isso. Uma alternativa é deixar tudo como está, manter o CódigoBuzaid na sua integralidade, um Código de 1973, e esquecer todas as imensasalterações ocorridas no mundo desde então. E a outra hipótese seria tentarum novo Código de Processo Civil, mas temos a experiência do Código Civilque levou 27 anos, entre discussões, debates, até finalmente ser sancionado.E, sancionado, há quem diga que alguns dispositivos, ou vários, já estão ob-soletos, e que foram deixados de lado alguns temas que deveriam ter sidoregrados.

Então, um novo Código de Processo Civil, até pelo vulto dos debates dou-trinários, iria levar 15 ou 20 anos para ser finalizado e, certamente, correria orisco de resultar obsoleto, porque as necessidades de reformas processuaissão muito mais acentuadas que as necessidades de reforma do Direito Mate-rial. O Direito Material, por sua natureza, é mais estável. O Direito Processu-al, até por sua natureza instrumental, exige aperfeiçoamentos constantes. Porisso, optou-se pelos projetos setoriais, porque o Congresso aprova sem maio-res demoras – um, dois anos.

Muitos dos projetos já aprovados consagraram "novidades" benéficas àfunção instrumental do processo, mas que não trouxeram alterações de es-trutura. A primeira notável alteração de estrutura veio com a introdução doinstituto da antecipação dos efeitos da tutela, permitindo que, com cogniçãosumária, uma das partes recebesse antecipadamente, claro que a título provi-sório, o bem da vida ao qual presumivelmente teria direito, antecipação essafundada na verossimilitude das alegações do demandante e na possibilidadede perigo na demora, inerente à sociedade moderna. Esta modificação impli-cou, aqui sim, a quebra de um velho princípio, tido quase que como umdogma intocável, de que primeiro era necessário 'conhecer', para depois, so-mente depois, 'executar'. E a antecipação dos efeitos da tutela autoriza quese execute provisoriamente, que se dê ao autor o bem da vida a que ele apa-rentemente tem direito, e isso antes de uma cognição exauriente, de um con-traditório pleno.

Esta técnica não representou propriamente uma novidade, porque já haviacasos no Direito brasileiro em que isso era permitido. As liminares

Page 14: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 13

possessórias eram uma antecipação dos efeitos de tutela. As liminares dosmandados de segurança também, e em alguns poucos outros casos. A novida-de está na "generalização" da antecipação dos efeitos da tutela.

Mas, mesmo assim, senhores, continuou havendo uma dicotomia, devido arazões de ordem histórica principalmente, entre o processo de conhecimentoe o processo de execução.

Primeiro, impunha-se a obtenção de uma sentença a fim de declarar que aodemandante realmente assiste direito a um determinado bem da vida. Obtidaa sentença, será que o autor recebeu efetivamente o bem da vida a que tinhadireito?

Se nos deparamos com uma sentença declaratória, evidentemente o bemda vida que o autor pretende é a certeza jurídica e, portanto, a sentençadeclaratória é em si mesma e por si mesma satisfativa. Então, não haverá fa-lar em execução. Se o bem da vida que o autor pretende é uma alteração dorelacionamento jurídico entre ele e o réu, a sentença que decreta esta altera-ção da relação jurídica, a sentença que anula um contrato, verbi gratia, tam-bém já deferiu ao autor o almejado bem da vida. Então, não haverá necessi-dade e nem possibilidade de se falar em execução.

Mas nos casos mais freqüentes, quando o bem da vida que o autor preten-de é uma prestação por parte do réu, uma prestação de fazer, de não fazer,uma prestação de entregar coisa, ou, o mais comum, uma prestação de paga-mento em dinheiro. Nesses casos ocorre a seguinte situação: prolatada a sen-tença, condenado o réu, transitada a sentença em julgado, o autor, todavia,não recebeu o bem da vida a que ele foi declarado com direito. Permaneceele na mesma situação em que estava antes de propor a demanda; apenas,tem a certeza jurídica de que é credor e de que deverá receber aquele bemda vida, mas não o recebeu, porquanto nesses casos de prestação de fazer,de entregar, de pagar, a satisfação do credor depende de alterações, de mo-dificações, não apenas no mundo dos pensamentos, ou seja, no mundo jurídi-co, mas depende de alterações no mundo dos fatos. São necessárias modifi-cações fáticas para que o autor seja satisfeito em suas pretensões, e estasmodificações fáticas realizam-se por atos executórios. Pergunta-se: estes atosexecutórios, posteriores à sentença, vão ser realizados de imediato, sem in-tervalo e no mesmo processo, ou para a sua realização será necessário umnovo processo, uma outra relação jurídica, uma nova citação com todas asformalidades a isso inerentes? São duas possibilidades.

No Direito brasileiro herdamos a dicotomia. Essa dicotomia imperava noprimitivo Direito Romano, naquela etapa em que o postulante ia primeiro pe-rante o Pretor, e só depois perante o judex; este era uma pessoa do povo e,

Page 15: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

14 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

assim, a sua sentença tinha uma natureza que hoje poderíamos grosseiramen-te equiparar a um juízo arbitral; portanto, não podia ele executar a sua deci-são.

Na Antiga Roma, se o devedor não cumprisse voluntariamente, o credordevia propor outra ação, a actio judicati, até que, por fim, o Pretor, por ato deimpério, nos primeiros tempos degradava o devedor à condição de escravo.Mais tarde, passou-se a admitir a execução patrimonial, primeiro sobre a to-talidade dos bens do devedor e, depois, mais tarde, com a chamada distractiobonorum, passou a haver a penhora apenas de uma parte dos bens do deve-dor, e as coisas vieram a assemelhar-se à situação atual. Mas sempre era pre-ciso primeiro conhecer, para só depois executar.

Mais tarde, com a queda do Império Romano, duas ordens jurídicas passa-ram a conviver. Como o Direito, naquele tempo, não era territorial, mas pre-dominantemente pessoal, os integrantes das tribos, que os romanos chama-vam bárbaros, tribos invasoras de origem germânica, continuaram a reger-sepelas regras de seu direito consuetudinário, direito apenas oral, e com a exe-cução feita unilateralmente pelo próprio credor, independentemente de for-malidades. Mas, ao mesmo tempo, as populações romanas, ou romanizadas,continuaram guardando obediência ao sistema romano, exigente de um con-traditório pleno prévio à execução.

Depois, na Idade Média, estas duas tendências chegaram a um compro-misso. Quando a Europa passou a emergir das – “trevas” da Idade Média,voltou o comércio a se desenvolver novamente, as cidades a novamentecrescerem, e houve o ressurgimento dos estudos do Direito Romano pelosséculos XI e XII. Então, surgiu a fórmula que os glosadores consagraram:sententia habet paratam executionem: a sentença traz em si a execução já pre-parada. A sentença torna-se título executivo. Em Roma, a sentença nuncafora título executivo.

Então, da sistemática do Direito Romano ficou o princípio de que primeiroé preciso definir o direito incidente, e fazê-lo com resguardo das garantiasdo contraditório. Mas depois, definido o direito incidente, declarada peloJuiz a solução da lide, o cumprimento da sentença não exigia nenhum novoprocesso. O cumprimento da sentença se fazia per officium judicis, por obra dopróprio Juiz, no mesmo processo, por imediatos atos de adequação da reali-dade fática ao comando.

Esse sistema prevaleceu longo tempo. Mas houve simultaneamente um ou-tro fenômeno social: o surgimento, pelas necessidades comerciais principal-mente, dos títulos executivos extrajudiciais, porque o comércio não podia su-portar, para cobrar os créditos mercantis, as delongas de um procedimento

Page 16: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 15

de conhecimento. Então, passaram os interessados a fazer as confissões dedívidas perante os Tabeliães, que para esse efeito eram equiparados a Juízes.Em última análise, uma espécie de retorno ao velho princípio romano de queconfessus in jure pro condemnato habetur, aquele que confessa em juízo é tidocomo condenado; então, não era preciso processo de conhecimento, os deve-dores confessavam perante os Tabeliões, e essa confissão equivalia a umasentença, e era exeqüível de imediato.

Na Itália, tais documentos eram chamados de instrumenta guarentigiata. De-pois, na França, lettres obligatoires passées sous scel royal.

Esses títulos, depois, se foram multiplicando, vieram as letras de câmbio eoutros documentos. Mas, como não havia um processo e uma sentença ante-rior, para cumprir esses títulos surgiu o processo executivo sumário.

Então, durante longos tempos, vigoraram concomitantemente, dois siste-mas: a execução da sentença fazendo-se brevemente, per officium judicis, nomesmo processo em que fora proferida. E, para execução dos títulos executi-vos extrajudiciais, um procedimento sumário executivo.

Mais tarde, na França, ocorreu uma interessante inversão de valores. Os ju-ristas, em vez de afirmarem que o título executivo era equiparado à sentença,passaram a raciocinar da maneira inversa: a sentença veio a ser equiparada aum título executivo.

Esta sentença, assim equiparada a um título executivo extrajudicial, passoutambém a ser cumprida como os títulos executivos, portanto, por um proces-so executivo. Surgiu, então, o binômio: processo de conhecimento e, após,processo de execução. E pelo prestígio dos Códigos Napoleônicos, esse siste-ma binário acabou prevalecendo nos países da Europa Continental.

Mestre Buzaid, quando da edição do Código de 1973, na sua Exposição deMotivos apontou como um dos seus aspectos mais importantes a unificaçãodas vias executivas: execução de sentença e execução de títulos extrajudiciaisdentro do mesmo Livro sob um mesmo sistema.

Claro que se notou, desde logo, que era uma unificação meio forçada. Porisso a diferença de conteúdo dos embargos do devedor, num caso e no outro.Mas, enfim, Buzaid operou esta unificação, e até a execução dos títulos da Fa-zenda Pública também foi integrada no Código. Mas, logo depois, surgiu emseparado a Lei dos Executivos Fiscais, e assim, nesse aspecto da Fazenda Pú-blica, a unidade desde logo se desfez.

Com o passar do tempo, o processo civil começou a ser encarado, até pe-las necessidades da vida jurídica, de uma maneira diferente. O processo civil,inicialmente, era vinculado ao Direito Civil. O processo não era uma ciênciajurídica, mas, sim, mero procedimento. O que valia mesmo era o Direito Civil,

Page 17: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

16 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

e o processo era considerado como apenas uma maneira de atuação do Direi-to Civil.

Mas depois, a partir de meados do século XIX, começos do século XX, oprocesso civil emergiu como uma ciência jurídica e se separou, cortou, oscordões que o subordinavam ao Direito Material e surgiu como ciência. E,como ciência jurídica autônoma, veio a criar os seus princípios, os seus méto-dos, os seus objetivos, os seus dogmas. Com o tempo, os exageros. E osprocessualistas ficaram submersos num mar de abstrações teóricas, sendo, decerta forma, deixada de lado a idéia básica e fundamental de que o processocivil é um instrumento para a realização do Direito Material; e o instrumentocumpre adaptar-se aos seus objetivos, e não o contrário.

Então, surgiu a preocupação com a eficiência do processo, a preocupaçãocom a efetividade, que estavam num segundo plano, e passaram a primeiroplano. Ocupava antes o primeiro plano a preocupação com a manutenção dabeleza das grandes construções doutrinárias, com a manutenção da lógicaformal, da harmonia dos sofisticados princípios do novo ramo da ciência jurí-dica. E isso foi feito, freqüentemente, à custa da simplicidade, da informalidadee, principalmente, do objetivo maior do processo, que não é outro senão acomposição das lides mediante a aplicação do Direito Material.

Mas o processo teve de mudar, porque o mundo vem mudando muito rapi-damente. Quando assumi como Juiz nos longínquos idos de 1952, na longín-qua Comarca de São Francisco de Assis, onde a luz apagava às 10 da noite(havia um motorzinho a óleo diesel), onde não se sonhava com água corren-te, onde a comunicação com o Tribunal era feita pelo telégrafo, não havia te-lefones, e tudo era tão difícil, naquele tempo os processos eram normalmen-te demorados. Mas todos aceitavam que processo era uma coisa para alon-gar-se muito tempo, as necessidades processuais não tinham este caráter deurgência da atualidade. A única coisa considerada urgente mesmo eram asações possessórias de força nova, as violações ao direito de posse. Fora dis-so, os processos tramitavam calmamente, e ninguém se insurgia contra isso,porque o mundo também andava calmamente. As relações jurídicas, as rela-ções negociais, tudo era mais lento.

De repente, eclodiu esta verdadeira revolução nas comunicações. E a es-trutura do processo cumpria acompanhar esta revolução. Tudo passou a serrápido, tudo passou a ser urgente. No mundo todo, as liminares ganharamforça, ganharam relevância, máxime com o surgimento do mandado de segu-rança, esse instrumento de altíssima importância, com características tão pe-culiares no Direito brasileiro.

Em outros países também surgiram as tutelas de urgências: na França, queem matéria de processo civil não é nenhum exemplo de celeridade, no julga-

Page 18: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 17

mento do référé – lá existe o juge des référés –, apareceu o référé-provision, umadiantamento dos efeitos da tutela já no plano do Direito Material.

Mas continuava no Brasil a dicotomia do processo de conhecimento e doprocesso de execução. Essa separação foi quebrada em 1994, pela Lei nº8.952, que criou o novo art. 461 do CPC. O novo art. 461 transplantou para oCódigo de Processo Civil o art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, en-tão lei recente, no relativo às obrigações de fazer. As obrigações de fazer, noCódigo Buzaid, estavam estruturadas de uma maneira tão formalista que eraprevista até uma concorrência pública para a escolha da empresa ou pessoaque iria realizar a prestação à custa do credor, para posterior reembolso pelodevedor.

Esses antigos artigos do Código de Processo Civil sobre obrigações de fa-zer eu nunca vi executados. Durante 40 anos de Magistratura eu nunca os viexecutados, como também jamais processei outras obras de ourivesaria jurí-dica, por exemplo, a ação declaratória incidental, tão interessante do pontode vista doutrinário com livros, monografias. Quem encontra a açãodeclaratória incidental na prática? Manteve-se em desuso, porque reguladacom imprecisão e sem maior necessidade prática. Onde estão os processosde execução contra devedor insolvente? Raríssimos.

Mas, enfim, como dizíamos, pelo art. 461, as obrigações de fazer passarama ser cumpridas independentemente de processo de execução.

O Juiz age sob uma ampla liberdade, conforme o tipo do fazer que é exigi-do, mediante ordens de conteúdo mandamental ou executivo, ordenando aque-las alterações no mundo dos fatos que dêem ao credor uma situação equivalen-te àquela que ele teria se o devedor houvesse espontaneamente cumprido aobrigação. É claro que esta liberdade de agir concedida ao magistrado veio asuscitar, e vai continuar suscitando, inúmeros problemas. Mas os problemassão inerentes à nossa profissão, os Juízes existem é para resolver problemas.

São inúmeros os problemas, mas em muitos deles, na maior parte deles, osJuízes, diante das vicissitudes dos casos concretos, vão aparando as arestas e,finalmente, se irá estruturar um sistema adequado e coerente para o perfeitoimplemento do art. 461.

Posteriormente, pela Lei nº 10.444, de 2002, foi criado, no Código, o art.461-A, relativo às obrigações de entregar coisa. E em vez de um formalistaprocesso de execução, a obrigação de entregar coisa, quando definida emsentença – estou falando sempre em obrigações definidas em sentença, nasentença condenatória a entregar coisa –, passou a ser agora cumprida sim-plesmente mediante a emissão de mandado de imissão de posse, quando secuidar de coisa imóvel, e mandado de busca e apreensão e entrega, quando oobjeto for coisa móvel.

Page 19: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

18 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

Portanto, nestes casos, não há mais embargos à execução, e se um réu qui-ser invocar, digamos, retenção por benfeitorias, deve fazê-lo na fase de co-nhecimento, e o Juiz irá na sentença aquilatar se as benfeitorias existem equantificar o seu valor. Na própria sentença condenatória, o Juiz irá determi-nar a entrega dos bens após depositada pelo autor a importância 'x', a títulode indenização das benfeitorias feitas pelo réu, quando indenizáveis. A exe-cução passou-se a fazer pelo officium judicis, independentemente de novoprocesso.

No entanto remanescia, e remanesce até hoje porque ainda estamos navacatio legis, o problema das obrigações de pagar, as mais freqüentes. E esseproblema tornou-se extremamente grave, principalmente, pelos processosrepetitivos, que estão quase inviabilizando a marcha da Justiça e dos serviçosforenses.

Depois de longos debates, em várias jornadas realizadas pelo InstitutoBrasileiro de Direito Processual e por várias entidades, surgiu, finalmente, aLei nº 11.232, em vacatio legis, e que deve entrar em vigor no dia 24 de ju-nho. Esta lei revogou a dicotomia processo de conhecimento–processo deexecução. Nós teremos, de agora em diante, um único processo, sempre umamesma relação jurídica, e será em um mesmo processo, na mesma relação ju-rídica, que se vão desenvolver as atividades de conhecimento e depois, se ne-cessário, a definição do quantum debeatur, isso quando for necessária a liqui-dação de sentença; posteriormente virão os atos executórios, de alteração domundo dos fatos. Tudo isso dentro de um mesmo processo, sem necessidadede nenhuma outra citação, a não ser aquela feita quando da petição inicial.

Tenho dito, na esteira de muitos outros processualistas, ser preciso repen-sar os institutos processuais.

O Min. Teori Zavascki, em interessante palestra nas últimas Jornadas deDireito Processual, em Brasília, sublinhou que podemos pensar as novas leisde uma maneira conservadora ou de uma maneira inovadora. Podemos pensá-las tentando manter os princípios e os dogmas consagrados no sistema preté-rito, agora revogado, e podemos pensá-las criando novos princípios e novosdogmas consentâneos com a nova sistemática.

Temos visto, em alguns respeitáveis processualistas, um claro propósitode manter, no novo sistema, aqueles princípios consagrados no sistema anti-go. Cumpre, cremos, sustentar que hoje, quando o autor ingressa com umapetição inicial, ele não está pedindo, a rigor, que se definam preceitos jurídi-cos; ele está requerendo lhe seja outorgado o bem da vida a que se consideracom direito.

Nesta pretensão de Direito Processual, nesta ação perante o Estado, o au-tor já exerce todas as virtualidades que lhe competem: está pedindo que se

Page 20: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 19

declare, que se quantifique, que se execute e que lhe seja entregue o bem davida.

Então, devemos cogitar em uma “teoria unitária” sobre o direito de ação,porque, nos parece, hoje em dia, desnecessário imaginarmos, por exemplo, aliquidação de sentença como sendo uma “ação” de liquidação de sentença,correspondente a uma pretensão específica de liquidar a sentença; pensar aexecução de sentença como uma “ação” de execução de sentença, correspon-dente a uma pretensão específica de executar a sentença. Tenho para mim –não sei se estarei simplificando demais – que todas essas pretensões já estãocontidas, explícita ou implicitamente, na petição inicial, e que a ação promo-vida pelo autor já integra todas estas pretensões setoriais de quantificar odébito, e de fazer executar a sentença.

Esses são aspectos jurídicos muito interessantes para nós, latinos, mas queum jurista, da common law iria olhar com muita estranheza, porque nesse sis-tema geralmente não se cuida destas preocupações de ordem teórica.

Em conseqüência da unificação, decorrente da Lei nº 11.232, a meu sentir,não mais existe uma ação específica de execução, porque o legislador retiroudo Livro II do Código as normas sobre a execução de sentença, e estas refe-rências passaram para o Livro I, no qual foram criados novos capítulos: umcapítulo destinado à liquidação de sentença e um capítulo destinado ao cum-primento da sentença.

E no cumprimento da sentença surge uma distinção terminológica. Ficousendo “cumprimento da sentença” o nomen juris genérico. Então, diz-se que asentença será cumprida, se for obrigação de fazer, nos termos do art. 461; sefor obrigação de entregar, nos termos do art. 461-A; e, se for obrigação depagar, por “execução” conforme o disposto neste capítulo. Notemos esta dis-tinção: guardou-se o nome de execução para especificamente as obrigaçõesde pagar. E isso por razões de ordem prática, porque não nos podíamos des-fazer da tradicional nomenclatura de “exeqüente” e de “executado”. Se háexeqüente e executado, há uma execução. É uma questão mais de ordemterminológica. E o uso da expressão “cumprimento de sentença” veio para sa-lientar, para sublinhar, para explicitar, para tornar mais relevante que não es-tamos mais diante do antigo “processo de execução”, e sim diante apenas deuma “etapa”, de um capítulo final no processo de conhecimento. E o proces-so de conhecimento, hoje não é só mais de conhecimento, é de conhecimen-to e de execução também.

A Professora Ada Pellegrini Grinover, em interessantíssimo estudo, profe-riu uma palestra há um mês em Brasília, e sustentou que, no Direito brasilei-ro atual, não mais existe a sentença condenatória “pura”, definida a sentençacondenatória “pura” como a sentença que apenas condena, e nada mais. E

Page 21: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

20 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

para executar seria mister um processo autônomo. Esta sentença condenató-ria “pura” não existe mais, porque à sentença agora se seguem, sem interva-lo, as atividades executórias.

Foi considerado prudente, no entanto, que as atividades executórias nãocomeçassem propriamente ex officio, porque é inconveniente iniciar atividadede execução por iniciativa do próprio Juiz, sem que a parte interessada a soli-cite.

O art. 475-J prevê o prazo de 15 dias para o devedor voluntariamente cum-prir a sentença – era o prístino tempus judicati do Direito Romano. O devedor,pois, dispõe de 15 dias para cumprir a sentença, quer após transitada em jul-gado, quer a partir do momento em que adquiriu executoriedade. O réu sabeque está condenado ao pagamento, independentemente de quaisquer intima-ções, pois seu advogado está intimado da sentença, e ele o representa. E, as-sim, ao credor basta apresentar um singelo requerimento ao Juiz, pedindoseja dado início aos atos executivos, mediante expedição do mandado de pe-nhora e avaliação.

Com este requerimento inicial o autor apresentará uma planilha do cálcu-lo, porque normalmente teremos o valor do crédito mais os 10% da multa,multa coercitiva, destinada a instigar, a motivar o devedor ao adimplementovoluntário. Então, se o réu não cumpriu a sentença, é multado nos 10% – eaté se pretendeu colocar 20%, e depois se reduziu para 10% – e terá mais oshonorários de advogado fixados na sentença e, eventualmente, juros.

Apresenta o credor este singelo requerimento e a planilha do cálculo, e éexpedido imediatamente o mandado de penhora e avaliação, independente-mente de qualquer intimação ao devedor. O devedor está ciente pelaintimação que lhe foi feita da sentença.

Acabou também o instituto da “nomeação de bens” pelo devedor. Quem éadvogado militante, quem é Juiz, sabe dos percalços desta etapa. O devedornomeia à penhora um bem litigioso, um bem situado longe, um bem que,para o réu, tenha menor valor, e o credor freqüentemente opõe-se àquelebem, indica outro. E aí teremos uma decisão do Juiz, que origina um agravode instrumento, e assim por diante. Agora, com a nova Lei, isso não maisocorrerá. O credor também pode, nesse requerimento inicial, indicar os bensa serem penhorados, ou serão penhorados os bens que o Oficial de Justiçaencontrar.

Na hipótese em que não sejam encontrados bens, o Juiz, a requerimentodo credor, intimará o devedor a declarar quais os seus bens penhoráveis. Issojá está na lei, hoje já é assim. O art. 600 do Código considera litigante de má-fé o devedor que, intimado, não relaciona os seus bens penhoráveis e os res-pectivos valores, onde se encontram, etc. Isso já existe.

Page 22: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 21

Mas, em princípio, desapareceu a “nomeação de bens” pelo devedor. E aavaliação do bem, antes feita numa etapa posterior e que, às vezes, para asua execução, apresentava grandes demoras, passa a ser realizada pelo pró-prio Oficial de Justiça, agora também avaliador. A avaliação passou a inserir-se no conteúdo ocupacional do Oficial de Justiça.

Claro que isso vai exigir dos tribunais, das corregedorias, um curso de atu-alização dos Oficiais de Justiça e uma alteração também na matéria dos seusconcursos. Mas assim já é na Justiça Federal, na Justiça do Trabalho também,se não estou equivocado, os Oficiais de Justiça fazem avaliações. Se, entre-tanto, se cuidar de bens especiais, obras de arte, máquinas, e o Oficial de Jus-tiça não se considerar capaz de avaliá-los, o Juiz designa um avaliador ad hocespecializado, para apresentar laudo em breve prazo.

Feita a penhora, o devedor é intimado para a sua defesa, se quiser, nãomediante uma “ação” de embargos de devedor, mas, sim, mediante umaimpugnação, que, deve ser conceituada apenas como um incidente proces-sual, uma etapa na marcha do processo. E este incidente termina com umadecisão, e não com uma sentença; portanto, agravável e não maisapelável.

A decisão, tanto na liquidação de sentença como no provimento que en-cerra a impugnação do devedor, a real natureza deste provimento judicial équestão doutrinariamente muito discutível, porque depende inclusive da difí-cil conceituação do que seja uma sentença e do que seja uma decisãointerlocutória. A discussão doutrinária será imensa, mas o legislador, que po-dia fazê-lo, resolveu tomar uma posição e, para impedir maiores discussões equestionamentos, desde logo definiu que este provimento judicial é uma “de-cisão”, e, portanto, o recurso cabível é o agravo.

Essa foi uma opção principalmente de ordem pragmática, porque, como jásublinhei, o processo civil, e o penal também, é um instrumento, e ao instru-mento cumpre adequar-se às suas finalidades.

Pela Lei nº 11.232, uma vez entrada em vigor, e isso vai ser muito interes-sante, serão suprimidas várias etapas da atual execução de sentença. Não maishaverá citação do devedor, a avaliação será feita desde logo, os ritos serão sim-plificados, mas permanecerá um “calcanhar-de-aquiles”, que são os meiosexecutórios; não poderemos tirar desta nova sistemática os seus frutos com-pletos, na ordem prática, enquanto não for alterado também o Livro II quantoà execução dos títulos extrajudiciais. Foram apresentados simultaneamente osdois projetos: este primeiro projeto, que se transformou na Lei nº 11.232, e osegundo projeto de atualização da execução por título extrajudicial.

Quanto à execução por títulos extrajudiciais, o projeto está na Câmara dosDeputados, em vias de ser remetido ao Senado.

Page 23: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

22 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

O principal neste projeto é, em primeiro lugar, uma atualização no proble-ma da penhorabilidade de bens. Hoje, os artigos sobre penhorabilidade debens estão inteiramente defasados, incluem a impenhorabilidade de retratosde família, de anel nupcial, de provisões de combustíveis e de alimentos dodevedor, reminiscências da Idade Média, e o legislador não lembrou das apli-cações financeiras, dos problemas de cotas de sociedades, situações atuais,de penhoras on-line, tudo isso deverá ser regulado. E, em segundo lugar, osatuais embargos do devedor dependem da segurança do juízo e apresentamefeito suspensivo.

Um ponto principal e relevante desse projeto, aliás, a Profª Ada PellegriniGrinover tem-se empenhado muito nisso, é que os embargos do devedor, emprincípio, não terão o efeito suspensivo, salvo em determinados casos emque possam os atos executórios causar grave dano. Mas, como dito, em prin-cípio, os embargos não terão efeito suspensivo. E também, sobretudo, nãomais dependerão da segurança do juízo, porque, quando começar o processode execução por título extrajudicial, é expedido o mandado ao Oficial de Jus-tiça, de citação e penhora, em duas vias: uma via para a citação – não feito opagamento em 03 dias, aquela via é devolvida em cartório e começa a correro prazo de 15 dias para os embargos do devedor –, e com a segunda via oOficial de Justiça providenciará a penhora.

As demoras na penhora, que, às vezes, são grandes, não impedem que des-de logo se processe a defesa incidental do devedor, mediante embargos. As-sim, uma coisa será obter bens para a expropriação, e outra coisa a defesa.Conforme for, a defesa vai ou não ser processada em autos em apartado.

E , finalmente, falemos dos meios executórios. O atual meio executórioprincipal é a hasta pública. Ora, todos sabemos que a hasta pública, nos diasatuais, é a pior maneira de se poder alienar um bem, salvo se por preço qua-se vil.

Então, a sistemática proposta no projeto é a seguinte: o meio executivopreferencial será a adjudicação ao credor por preço não inferior ao da avalia-ção, o que vai supor, naturalmente, que, se o adjudicante tem o seu créditoinferior ao da avaliação, deverá ele depositar a diferença. Se, entretanto, aocredor não convier a adjudicação do bem, ele deve requerer a alienação poriniciativa particular, como atualmente é feito, aliás, na maior parte dos paí-ses: execução por iniciativa particular, com maior ou menor intervençãofiscalizadora do Juiz. Aqui, a proposta é a de manter a alienação sob a fiscali-zação e direção do Juiz.

Então, teremos perante o Tribunal o registro de corretores de imóvel, decorretores de valores, de corretores de veículo, como acontece com os leilo-eiros, por exemplo, registrados perante a Junta Comercial. O tribunal, certa-

Page 24: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 23

mente, vai estabelecer condições para registrar estes intermediários, os quaisprocurarão clientes – eles já dispõem de todo um know-how – e apresentarãoas propostas. No dia marcado, o Juiz verá, das propostas, a que mais convier.

Se tudo isso não der certo, será então realizada a hasta pública, inclusivecom a previsão de sua realização mediante meios eletrônicos, que cada tribu-nal irá regulamentar.

E também é prevista, no projeto, a possibilidade de uma espécie de mora-tória. O devedor poderá requerê-la, depositando desde logo 30% da dívida edeclarando que reconhece a dívida; portanto, não mais disporá dos embar-gos, e pode pedir um prazo de até 06 meses para o pagamento. É uma espé-cie de “recuperação de empresa”, atende aos critérios modernos de cobran-ça. A garantia será, se for considerado necessário, a hipoteca ou caução dopróprio bem.

Então, são várias idéias novas que surgem neste projeto, e que cremos serãoaltamente benéficas a uma atuação eficiente e menos demorada da Justiça.

Senhores, é tempo de encerrar, e o faço agradecendo novamente a honra-ria do convite, reiterando a satisfação que tenho, neste retorno ao velho lar.

Muito obrigado pela atenção de todos.

Page 25: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

24

Page 26: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

25

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS – Damos início à nossasegunda palestra desta manhã, a cargo do Prof. Dr. Des. Car-los Alberto Alvaro de Oliveira. O Prof. Carlos Alberto é de to-dos conhecido, recentemente aposentou-se como Desembargadordeste Tribunal, é Professor titular de Processo Civil da Universi-dade Federal do Rio Grande do Sul, é Doutor pela Universida-de de São Paulo e autor de diversas obras, de todos conheci-das, tendo ontem feito o lançamento do livro A Nova Execução– Comentários à Lei nº 11.232, Ed. Forense. Com a palavra, oProf. Carlos Alberto.

DA SENTENÇA: LEI Nº 11.277/06 E NOVAREDAÇÃO DADA AOS ARTS. 162, 267, 269, 463

E INTRODUÇÃO DOS ARTS. 466-A, 466-B E466-C PELA LEI Nº 11.232/05

DES. CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA – Minha saudação a todosos presentes, Colegas, meus queridos amigos, Des. Luiz Felipe Brasil San-tos, Coordenador deste evento, e Des. Vasco Della Giustina, Vice-Presidentedo Tribunal. Agradeço o convite que me foi formulado pelo Centro de Estu-dos do Tribunal para trocar algumas idéias com os Colegas e com os demaispresentes sobre os temas que me foram destinados.

Fui incumbido de falar sobre a introdução do art. 285-A no Código deProcesso Civil, resultante da Lei nº 11.277, de fevereiro de 2006, que vaientrar em vigor no próximo dia 07 de maio, e também sobre as reformasdos arts. 162 e 463 e a introdução dos arts. 486-A, 486-B e 486-C, por obrada Lei nº 11.232, de dezembro de 2005, que vai entrar em vigor no dia 23de junho próximo.

A Lei nº 11.277 introduziu o art. 285-A, com o seguinte teor: “Quando amatéria controvertida for unicamente de Direito e no juízo já houver sido

Page 27: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

26 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, pode-rá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor daanteriormente prolatada. § 1º – Se o autor apelar, é facultado ao Juiz deci-dir, no prazo de 05 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o pros-seguimento da ação. § 2º – Caso seja mantida a sentença, será ordenada acitação do réu para responder ao recurso”.

Como se trata de sentença de improcedência, poder-se-ia imaginar queessa regulação contribuiria para a efetividade do processo e não causariamaiores problemas. A minha opinião é diversa. Entendo que esta inovaçãoconstitui o que já considerei, conforme ensaio publicado na Revista AJURIS,como “efetividade perniciosa”, porque, como tudo que existe na vida, a efe-tividade pode ser boa ou ruim. Ela é virtuosa quando faz justiça com segu-rança e efetividade, atende aos valores fundamentais do processo, maspode ser perniciosa a efetividade quando só se pensa na estatística, numavisão técnico-burocrática do fenômeno jurídico, e eu penso que este é ocaso da alteração.

Vamos imaginar um exemplo que é bem típico para o Tribunal de Justiçado Rio Grande do Sul, o caso das demandas altamente repetitivas de co-brança de diferenças de títulos acionários da ex-CRT. O Tribunal recebe cer-ca de 15 mil recursos destas demandas. Vamos imaginar que haja uma de-manda de cobrança da diferença das ações da CRT – e esse é um problemada inovação, não é preciso que haja um entendimento jurisprudencial doTribunal de Justiça ou do Superior Tribunal de Justiça, não, pode ser o pró-prio juízo que tenha o entendimento –, e o juízo tem o entendimento deque estas demandas devam ser julgadas improcedentes, entendimento esse,sabemos, totalmente diverso daquele que prevalece tanto no Tribunal deJustiça do Rio Grande do Sul quanto no Superior Tribunal de Justiça, emque já ficou pacificado que as diferenças de ações devem ser deferidas pelojuízo.

Em consonância com a sua particular orientação, o Juiz julga improce-dente a demanda sem ouvir o demandado, como lhe permite a lei. Mas ébem possível que o demandado, num caso particular, possa alegar que cum-priu rigorosamente o entendimento jurisprudencial do Tribunal e que fez oregistro das ações que eram devidas. Matéria que só pode surgir com a res-posta do demandado, não ouvido antes, apesar de ter sido proferida a sen-tença. E o número de ações poderia ser objeto de discussão. A outra parte,por sua vez, poderia contrapor que as ações registradas não correspondiamexatamente ao que teria direito ou que é necessária a prova do registro,porque a vida é muito mais rica do que a lei, do que pensam os teóricos do

Page 28: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 27

Direito. Mais ainda: pode até haver discussão a respeito da prova, se é ne-cessária a perícia. E tudo isso poderia ser evitado facilmente se fosse obe-decido o trâmite normal, com a prévia citação do demandado, para, depois,em julgamento antecipado, porque se trata de matéria unicamente de Direi-to, ser resolvida a controvérsia, sem complicações desnecessárias.

Para quem conhece bem a realidade brasileira, o assoberbamento do Po-der Judiciário, o overload a que este está submetido, por várias causas, queaqui não convém enunciar, é fácil aquilatar que a leitura da petição inicialsó será feita provavelmente depois de 90 dias de o Juiz receber a petiçãoinicial. Ora, nestes 90 dias já poderia ter sido realizada a citação e ter sidodada resposta.

Portanto, não vejo muita vantagem nesta alteração, mas, de qualquer ma-neira, estamos aqui para examiná-la. São estes os pressupostos de aplicaçãoestabelecidos pela nova Lei: que a matéria seja controvertida – isso é umtanto complicado, pois se não houve citação, não se pode saber se a maté-ria vai ser ou não controvertida –, seja unicamente de Direito e haja anteri-or sentença de total improcedência no juízo prolator da sentença em ou-tros casos idênticos.

A referência a outros casos idênticos mostra que não basta um só prece-dente, é indispensável que a matéria se tenha pacificado no juízo prolatorda sentença. Como já referi, muito melhor seria que a Lei estabelecessecomo padrão a jurisprudência pacífica do tribunal de apelação ou dos Tri-bunais Superiores. Também a referência à sentença de total improcedênciaem casos idênticos não é exata, porque pode ter havido cumulação deações numa determinada demanda, ou em várias demandas, e ter sido julga-da uma procedente e a outra não. Mesmo assim, a tese de Direito, que é oque importa, poderia ter-se firmado no juízo prolator da sentença. É claroque em casos dessa espécie não ficaria afastada a incidência do art. 285-A,porque a finalidade da Lei é exatamente permitir a prolação da sentença emteses de Direito que se tenham repetido de maneira constante no juízoprolator da sentença.

Uma pergunta poderia se impor: haverá necessidade de relatório? Claro,é indispensável o relatório. O art. 285-A não dispensa o relatório. A motiva-ção também é indispensável, embora seja admissível a reprodução do teorda sentença, hoje obtida facilmente pelos meios de computação. Dessemodo, o Juiz reproduz da própria sentença. Não me parece seja o caso dedispensar a reprodução do teor da sentença anteriormente prolatada com asua simples anexação, por cópia, ao dispositivo e ao relatório. E tambémme parece deva o Juiz demonstrar a identidade dos casos. Nada impede,

Page 29: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

28 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

por outro lado, que o Juiz acrescente fundamentos novos à decisão que te-nham surgido depois.

Nos casos de aplicação do art. 285-A, especificamente naquele caso dasações da CRT, como o demandado foi vitorioso, ele não terá interesse emapelar, e a matéria do registro só poderá ser suscitada nas contra-razões. E,neste caso, é evidente o interesse do demandado, porque sabedor que, nojuízo de apelação, o entendimento é totalmente diverso. Trata-se aqui deaplicação analógica do disposto no art. 515, § 2º, do CPC: quando o pedidoou a defesa tiver mais de um fundamento e o Juiz acolher apenas um deles,a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais. O apeladosuscita esta questão nas contra-razões, a modo de substitutivo da defesa,que não foi apresentada antes da sentença.

Como se trata de matéria nova, da qual o autor ainda não teria tomadoconhecimento, já surge uma nova complicação, porque, para homenagear oprincípio do contraditório, deverá o Juiz determinar que o apelante se pro-nuncie a respeito. Vejam como estas inovações heterodoxas vão criandoproblemas. Se isso não for feito, terá sido violado o princípio do contradi-tório, com a conseqüente nulidade dos atos processuais praticados.

Aspecto importante: O Juiz, contudo, não poderá modificar a sentençapara aceitar um novo fundamento trazido nas contra-razões, pois o § 1º doart. 285-A permite a reforma da sentença apenas para o efeito de que sejadeterminado o prosseguimento da ação. Não há, portanto, possibilidade deser modificada a motivação da sentença em face do fundamento apresenta-do nas contra-razões do apelado. O apelado, insisto, só pode se manifestarnas contra-razões ao recurso. Trata-se do fenômeno que a doutrina brasilei-ra e a estrangeira em geral denominam de contraditório diferido, com a ci-tação do réu para responder ao recurso estabelecido no § 2º do art. 285-A.

Há um risco interessante de que pode não haver recurso, e aí não haverácitação, e a sentença transita em julgado. Então, a alegação do fundamentonovo vai ficar prejudicada e só poderá ser eventualmente examinada numaação rescisória.

O Juiz deverá decidir, diz a Lei, a respeito da manutenção da sentença,no prazo de 05 dias. Cuida-se de prazo impróprio, ainda mais com oassoberbamento da carga de trabalho invencível do Juiz. E, por conseqüên-cia, não é preclusivo; o Juiz vai julgar de acordo com as suas possibilidades.A manutenção da sentença, a meu juízo, independe de fundamentação. OJuiz pode, simplesmente, dizer: “Mantenho a sentença pelos seus própriosfundamentos”. Não há necessidade de nova fundamentação. Mas a revoga-ção, a retirada da voz, pode e deve ser motivada, ainda que sinteticamente,

Page 30: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 29

porque revogada a sentença, haverá uma nova sentença depois do contradi-tório, aí sim devidamente fundamentada.

Não vejo nenhuma razão para complicar coisas simples. Para mim, foi in-feliz esta alteração do Código. A questão, se for unicamente de Direito,como já mencionei, poderia ser resolvida facilmente depois da citação, como devido contraditório. Mas também é possível ignorar a nova regulação, oJuiz não é obrigado a decidir sem citação, não se trata de norma cogente.Ficará à discrição do órgão julgador aplicar ou não o art. 285-A. Esse é oprimeiro ponto da nossa exposição.

Agora, vamos passar a examinar as alterações que decorrem da Lei nº11.232/05, que introduziram profunda alteração no sistema da execução detítulo judicial. Coube a mim falar sobre a alteração do art. 162, § 1º, quediz, na sua nova redação: “Sentença é o ato do Juiz que implica alguma dassituações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”. A alteração foi necessá-ria, porque, como agora a execução do título judicial vai se dar no mesmoprocesso, não poderia continuar o conceito anterior, que definia a sentençacomo ato que extingue o processo com ou sem julgamento do mérito.

Com a vigência da Lei nº 11.232, toda forma de cumprimento da senten-ça, de efetivação, de execução, dar-se-á nos mesmos autos do processo deconhecimento, que passa a ser, portanto, não mais de conhecimento, mas,sim, um processo misto ou sincrético, de conhecimento e de execução aomesmo tempo. Nas obrigações de pagar quantia, a execução se realizaránuma nova fase do mesmo processo, com a intimação do devedor da penho-ra. Quando se tratar de obrigação de fazer e não-fazer, aplica-se o art. 461,que já previa a efetivação do comando mandamental nos próprios autos doprocesso O mesmo sucede com a execução da obrigação de entregar coisa,em face do art. 461-A. Os arts. 461 e 461-A, lembre-se, já haviam sido frutode alterações anteriores do Código.

Portanto, hoje, não há mais processo de execução autônomo, a não sernas tutelas de prestação de alimentos e também na execução de título ex-trajudicial e nas execuções contra a Fazenda Pública. A regulação dessasmatérias permaneceu a mesma, assim como quanto aos demais dispositivosque dizem respeito à execução, que se aplicam, subsidiariamente, à execu-ção do título judicial, por força inclusive do art. 475-R, introduzido pela Leinº 11.232.

Em razão dessas modificações, o art. 162, § 1º, estabelece novo conceito desentença. Aliás, a doutrina já falava que a antiga redação era falha, porque, naverdade, a sentença não extinguia sempre o processo. O processo continuavacom a apelação, com o recurso. O que ela extinguia era o procedimento em

Page 31: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

30 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

1º grau. Além disso, o Código continua denominando vários pronunciamen-tos do Juiz que não se afeiçoam, ou não se afeiçoavam, ao antigo conceito.Basta indicar, a título de exemplo, o art. 915, § 2º, que o Código diz que ésentença, nas ações de prestação de contas, mas que, na verdade, não ex-tinguia o processo, porque as ações de prestação de contas, como se sabe,são realizadas em duas fases do mesmo processo.

Também há uma certa impropriedade de português da nova redação. Oato do Juiz não implica – aliás, o ato do Juiz só implica para aquele que per-de a ação –, poderia consubstanciar, configurar uma das situações previstasnos arts. 267 e 296; a expressão implicar parece-me não ser bem adequadapara a configuração do conceito. No conceito anterior, dominava – e isso épacífico, segundo a doutrina – um critério meramente topológico. Impor-tante era o momento do procedimento em que se prolatava a decisão. Nofinal do procedimento de 1º grau, sentença; no meio, decisão inter-locutória.

Tudo isso tem a sua importância fundamentalmente em razão do sistemarecursal estabelecido pelo Código de 1973. Buzaid, preocupadíssimo, e comrazão, com as diversas e inúmeras discussões que vingavam no regime doCódigo de 1939, a respeito do recurso cabível, resolveu simplificar o siste-ma recursal. Assim, o sistema, em regra, passou a indicar que sentença de-safia recurso de apelação; decisão interlocutória desafia agravo; despacho éirrecorrível. Eventuais dificuldades foram sendo resolvidas pela prática, pelajurisprudência dos tribunais, como haverão de ser resolvidas na aplicaçãoda Lei nº 11.232.

A doutrina, atualmente, examinando a Lei nº 11.232, tem afirmado que,agora, o que interessa é o conteúdo do pronunciamento do Juiz, embaladana redação atual: sentença será algum dos atos praticados pelo Juiz, descri-tos nos arts. 267 e 269. Mas não é bem assim. A meu ver, a extinção do pro-cesso, quer dizer, do procedimento em 1º grau, continua sendo fatordeterminante, se não houver julgamento do mérito, nos casos do art. 267.No caso do art. 267, na verdade, continua imperando o critério topológico.E, realmente, o conteúdo não é importante, porque tanto faz, nos casos dosarts. 267 e 269, o conteúdo da sentença. Às vezes, pode não haver senten-ça.

Veja-se o exemplo da transação. A transação extingue o processo, e asentença homologatória não tem conteúdo, é transparente, como dizia Pon-tes de Miranda. O conteúdo é dado pelo ato das partes. O fato de não sedar andamento ao processo por um ano determina sua extinção. Então, nãoé o conteúdo da sentença que vai determinar a extinção do processo.

Page 32: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 31

Na realidade, não há uniformidade de causas nos arts. 267 e 269. A desis-tência da ação não tem nada a ver com o julgamento que decreta a carênciada ação, por exemplo, no caso do art. 267, ou com a negligência, por nãodar andamento ao processo. Na transação não há julgamento. Só há julga-mento no caso do inc. I do art. 269, quando o Juiz acolhe ou rejeita o pedi-do do autor, porque aí emite um juízo de valor sobre o pedido, apreciandoo mérito da controvérsia. Não há, em tudo isso, a meu ver, um critério cien-tífico, mas apenas um critério pragmático; o conteúdo não é importante.Sentença é o ato do Juiz que está vinculado às diversas e heterogêneas situ-ações descritas nos dois artigos mencionados.

Vamos à alteração da redação do caput dos arts. 267 e 269. Antes se fala-va em extinção do processo com ou sem julgamento do mérito. Mas, comoem muitos casos dos arts. 267 e 269 não havia julgamento, a exemplo daextinção do processo por transação ou desistência, aceitando a crítica doProf. Adroaldo Furtado Fabrício, mudou-se para resolução ou não do méri-to. Essa é a única modificação, puramente de redação.

O art. 463 do CPC antes estabelecia que, proferida a sentença, “o Juizcumpre e acaba o ofício jurisdicional”. Na modificação, retirou-se o “cum-pre e acaba o ofício jurisdicional”, mantendo-se “só podendo alterá-la”,porque agora, como o Juiz realmente não acaba nem cumpre o ofício juris-dicional, continua judicando nos próprios autos para a efetivação da sen-tença para execução, para o cumprimento da sentença, ter-se-ia que adap-tar essa redação à nova situação hoje existente no processo brasileiro.

Mas é claro que a sentença continua sendo irrevogável, irretratável e,portanto, imodificável. A redação atual do art. 463 não deixa dúvida, por-que o Juiz só pode alterar a sentença depois de publicada a sentença, a nãoser para corrigir inexatidões materiais, erros de cálculo, ou provendo em-bargos de declaração. E publicação é dar publicidade, quer dizer, juntar aosautos a sentença, não é a intimação da sentença às partes.

Abro aqui um parêntese. Desde que publicada, desde que juntada a sen-tença aos autos, o Juiz não pode mais modificá-la. Os embargosdeclaratórios se mostram cada vez mais embargos modificativos com efei-tos infringentes, como a prática indica. E eu acho que deve ser assim.

Acho que seria interessante trocar algumas idéias com os Colegas sobrea experiência que tive quando fui Desembargador do Tribunal. A carga detrabalho é invencível. Aliás, não vai ser com a modificação das leis proces-suais que vamos resolver o problema do Poder Judiciário brasileiro. As re-formas só atacam os efeitos, mas não as causas, o que exige muito maisque uma reforma processual. É preciso terminar com a irresponsabilidade

Page 33: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

32 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

do Estado brasileiro, é preciso mudar radicalmente o sistema de precatórios eé preciso erradicar a injustiça da sociedade brasileira com leis materiaismais justas. Basta pensar que os negócios jurídicos bancários são terra deninguém, não há lei que regule os negócios jurídicos bancários, não há ra-zoabilidade. Essas são as causas fundamentais do overload, da disfunção emque se encontra o Poder Judiciário, porque os demais Poderes da Repúblicanão funcionam adequadamente, esse é o problema. Isso determina umahiperatividade fantástica e assombrosa. Um Ministro do Superior Tribunalde Justiça recebe 2.000 processos; um Desembargador do Tribunal de Justi-ça, 300 processos por mês. É evidente que, neste caos, a qualidade vai ce-dendo à quantidade, não há mágica nenhuma.

E por isso os embargos declaratórios, voltando ao tema, são fundamen-tais, porque permitem ao Juiz a correção dos erros, e por esse motivo estãoassumindo, cada vez mais, efeitos modificativos e infringentes do julgado.O contraponto é que os advogados tendem a banalizar os embargosdeclaratórios. E aí estou chegando à minha experiência no Tribunal. De re-pente eu me dei conta de que há coisas importantes nos embargos, apesarda banalização. Então, resolvi mudar e responder, às vezes, com uma linha;não interessa, mas resolvi examinar mais detidamente os embargos, por-que, como não há obra humana perfeita, a perfeição não é deste mundo, etinha que corrigir os meus possíveis erros e equívocos, porque eu estava in-teressado em legitimar o Poder Judiciário perante a sociedade civil, o queacho fundamental nestes tempos em que vivemos.

Voltando ao tema, a Lei nº 11.232 mudou a numeração dos arts. 641,639 e 640, que passaram agora a ser 466-A, 466-B e 466-C. O art. 466-A dizo seguinte – mesma redação do art. 641 –: “Condenado o devedor a emitirdeclaração de vontade, a sentença, uma vez transitada em julgado, produzi-rá todos os efeitos da declaração não emitida”. Trata-se de suprir, judicial-mente, a declaração de vontade, não prestada, porque a tanto estava obri-gada a parte, e esta obrigação poderia decorrer de imposição legal, negóciojurídico unilateral, promessa de renúncia ou negócio jurídico bilateral.Exemplo de obrigação legal: o Código Civil diz que quem paga tem direito àquitação. Exemplo de obrigação negocial: contrato de promessa de compra-e-venda.

É claro que, para que haja incidência do art. 466-A, é indispensável que aobrigação seja exigível e irrevogável. Se o prazo não correu, não há comoexigir a obrigação, naturalmente. No entanto, os efeitos da declaração sóoperam uma vez transitada em julgado a sentença, porque é aí que a senten-ça produzirá todos os efeitos da declaração não emitida, como decorre da

Page 34: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 33

própria regra legal. Como a sentença está sujeita a recurso, não transitouformalmente em julgado, não produz os efeitos da declaração, nada obstan-te a distinção que realizou Liebman entre eficácia e coisa julgada, porqueaqui não se trata de eficácia da sentença, mas dos efeitos da declaração nãoemitida. É claro que é possível, em tese, a antecipação desses efeitos seatendidos os pressupostos do art. 273.

E um aspecto da maior importância é que a própria sentença produz osefeitos. De tal sorte, não é preciso intimar o demandado para prestar a de-claração sob pena de multa, nem determinar o Juiz que se lavrará um novoinstrumento contratual, nem se expedir alvará; a própria sentença produztodos os efeitos. Por isso, a doutrina dominante, hoje, entende que se tratade uma tutela executiva lato sensu. A execução, a efetivação, é imediata, nãoé um efeito mediato, como ocorre na tutela condenatória, que, a meu ver,continua existindo, nada obstante as modificações introduzidas pela Lei nº11.232.

Aliás, ontem, jantando com o Prof. Athos, meu querido amigo, a quemhomenageei na Faculdade de Direito da UFRGS com um seminário em come-moração ao seu 80º aniversário, impressionante a sua energia, ele meexternava a opinião de que hoje não haveria mais sentenças condenatórias,e eu estava divergindo do meu querido amigo.

O legislador não é onipotente, ele não pode mudar a natureza das coisas.E a tutela condenatória se distingue da tutela executiva, da mandamental,como já havia sido ressaltado com grande pertinência por Pontes deMiranda, que foi o verdadeiro criador da tutela mandamental entre nós, demaneira original no mundo inteiro, dadas as peculiaridades do nosso orde-namento. A tutela executiva agride bens que são do próprio demandante –na ação de despejo, o autor está recuperando o seu bem –, e na tutela con-denatória vai-se agredir patrimônio de terceiro. Essa agressão a umpatrimônio de terceiro, que não é do autor, que não é do demandante, exi-ge maiores meios de defesa, e esses meios de defesa são inafastáveis pelolegislador.

Por isso mesmo, se bem examinarmos a Lei nº 11.232, podemos consta-tar que ela operou no sistema apenas uma simplificação formal, mas não decunho material. Eliminou a citação? Eliminou relativamente, porque o de-mandado é intimado para se defender, para oferecer impugnação. Ora, cha-mar alguém a juízo para se defender é um ato que a doutrina conceituacomo citação. Ocorreu apenas mudança de nome, passando o ato de citaçãoa ser denominado de intimação. Mas o condenado não tem defesa? Tem de-fesa. E qual é a defesa? A impugnação, que é o novo nome da ação

Page 35: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

34 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

incidental de embargos. Mudou o nome, mas não mudou o conteúdo. Naminha ótica, pelo menos, o que houve foi uma simplificação formal, e conti-nua havendo tutela condenatória, o que não ocorre nos casos do art. 461-A,em que os bens na ação possessória, na reivindicação, na ação de despejo,são do autor, e, portanto, não há impugnação, embora ele se defenda noprocesso misto ou sincrético. E aí a tutela é executiva.

E a tutela mandamental? Essa não diz respeito à execução propriamentedita, porque a sentença não vai ser efetivada a despeito da vontade do de-mandado, sendo indispensável até a vontade do demandado para que seefetive o conteúdo da sentença. Por isso, a tutela mandamental age sobre avontade do demandado, por meio de astreintes, para que ele coopere, paraque ele realize voluntariamente o ato. Mas, se ele não age mesmo assim, aefetivação da tutela poderá ser realizada, consoante o estabelecido no art.461, por meios executivos ou até por condenação.

De maneira que, data venia de outros entendimentos, penso que perma-nece a tutela condenatória. Aliás, este ponto de vista já havia externado noensaio Formas de Tutela Jurisdicional, publicado com exclusividade na nossaRevista AJURIS nº 100. O registro que se fizer do ato é uma mera conseqüên-cia ao efeito anexo da sentença que nada tem a ver com o art. 466-A.

Passemos agora ao exame do art. 466-B, que é uma espécie do gênero deque cuida o art. 466-A, mas aqui concernente apenas ao pré-contrato, e,portanto, tudo que eu já disse se aplica também a esse dispositivo. Estatuio art. 466-B: “Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato nãocumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelotítulo, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contratoa ser firmado”. Exatamente a redação do art. 639, ora revogado. A mençãoa “[....] sendo isso possível e não excluído pelo título” trata de possibilidadematerial e jurídica, que deve ser extraída da regulação estabelecida a res-peito pelo Código Civil.

Segundo o art. 462 do CC: “O contrato preliminar, exceto quanto à for-ma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebra-do”. Então, não é necessário que o contrato preliminar tenha tido forma deescritura pública se o contrato definitivo deve ser por escritura pública. Oart. 463 do CC estabelece que o contrato preliminar não pode conter cláu-sula de arrependimento. De tal modo, só os pré-contratos irrevogáveis eirretratáveis é que podem ser objeto da demanda do art. 466-B.

O art. 464 do CC determina que a execução específica só pode ser recla-mada se a tanto não se opuser a natureza da obrigação. O que quer dizerisso? Há obrigações que, pela sua própria natureza, não podem ser reclama-

Page 36: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 35

das. Exemplo: uma obrigação infungível é a substituição da vontade, peloPoder Judiciário, daquele que se obrigou a contrair núpcias. O sujeito nãoquer contrair núpcias, mas em pré-contrato a tanto se obrigou. Em tal hipó-tese, a natureza da obrigação impede a incidência do art. 466-B. Do mesmomodo ocorre, por exemplo, com a emissão de nota promissória ou cheque.O Juiz não pode, em substituição de vontade da parte, emitir nota promis-sória ou cheque em nome do demandado. Também não é necessário o re-gistro do contrato preliminar, porque este é apenas – como diz a doutrinado Direito Material, por exemplo, Caio Mário e Carlos Gonçalves – para darpublicidade erga omnes ao contrato, mas não constitui uma condição para oexercício da demanda do art. 466-B.

O art. 463, parte final, do CC estabelece uma condição interessante: aexigência de celebração do contrato definitivo depende de prazo a ser assi-nado por uma das partes à outra para que o efetive. Assim, este prazo deveser assinado e exigido por meio de interpelação judicial ou extrajudicial,nos termos do art. 397, parágrafo único, do CC. E nem se diga que a inter-pelação poderia ser suprida pela citação, como já se escreveu na doutrinabrasileira a respeito desse dispositivo, porque o art. 464 do CC estatui quesó depois de esgotado o prazo da interpelação é que a parte poderá se diri-gir ao Juiz pleiteando a execução específica. Decorre daí a necessidade deque haja prévia interpelação judicial ou extrajudicial, com prazo para assi-nar, para só depois ser exercida a demanda do art. 466-B.

Diz o art. 466-C: “Tratando-se de contrato que tenha por objeto a trans-ferência da propriedade de coisa determinada, ou de outro direito, a açãonão será acolhida se a parte que a intentou não cumprir a sua prestação,nem a oferecer, nos casos e formas legais, salvo se ainda não exigível”. Éuma reprodução integral do antigo art. 640 e decorre do Direito Material,mais precisamente do art. 476, também do CC, igual ao antigo art. 1.092 doCC/16, nestes termos: “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes,antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”.

Trata-se de requisito para o exame de mérito, embora a opinião doutri-nária isolada de que seria uma condição da ação. Mas vejam bem: o art.466-C se refere ao acolhimento da ação. Emprega, é claro, o termo ação emsentido impróprio, porque a ação nunca é acolhida, e nunca se deve dizer“julgo procedente a ação” ou “julgo improcedente a ação”. A ação se exerce.

Tenho comentado muito com os meus alunos na pós-graduação daUFRGS que rios de tinta se escreveram a respeito da ação e mil teorias fa-lam na ação. E aí eu pergunto: por que mil teorias falam da ação? Simples-mente porque estas teorias procuram explicar as relações entre o Direito

Page 37: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

36 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

Material e o Direito Processual. Esse tema foi objeto de uma polêmica quetravei com o Prof. Ovídio Baptista da Silva, muito frutífera, porque eu ata-quei as idéias de Pontes de Miranda, aliás, pela primeira vez no Brasil. Notoque em relação a Pontes de Miranda há uma posição interessante: ou seadota integralmente as suas idéias, sem espírito crítico, ou são elas ignora-das, caso da Escola de São Paulo. Para São Paulo, Pontes de Miranda, que éum grande pensador, um grande jurista do Brasil, sem dúvida nenhuma, nãoexiste.

Mas, como a tarefa do intelectual é pensar criticamente, eu me senti nodireito de desenvolver algumas idéias a respeito. E este meu artigointitulado O Problema da Eficácia da Sentença foi respondido imediatamentepelo Prof. Ovídio, que é um fiel seguidor das idéias de Pontes de Miranda.Depois, fiz a réplica, e aí intervieram, na polêmica, quatro alunos meus dodoutorado, mais um aluno do Prof. Ovídio, e mais o Prof. Marinoni, e issotudo resultou num livro de 350 páginas, que publicamos neste ano, com osugestivo título de A Polêmica Sobre a Ação: A Tutela Jurisdicional na Perspecti-va das Relações Entre Direito e Processo.

Então, ação processual é, afinal de contas, agir. Garantia de ação, o direi-to fundamental de ação é algo que não diz respeito à ação processual, épré-processual, vem antes da ação. E a ação é o agir. E como é que eu ajo?Ajo exercendo os poderes que me são concedidos abstratamente pelo orde-namento, por atos concretos. E isso é ação. Ação não é, como diziaLiebman, só o poder de provocar a jurisdição, mas de exercer todos os po-deres até o fim do processo, até o último ato do processo; isso é ação pro-cessual. Poderes que são abstratamente concedidos; por exemplo, o poderde recorrer, o poder de demandar, o poder de pedir provas, o poder de ar-razoar, poderes que são abstratamente concedidos e que são exercidosconcretamente por atos processuais: recorrer, arrazoar, etc.

Por isso mesmo, é impróprio afirmar “julgo procedente a ação” ou “julgoimprocedente a ação”. A ação se exerce. O que a Lei quis dizer é que o pe-dido, ou a demanda, não será acolhido se a parte não cumprir a obrigação.É isso. E quando o Juiz não acolhe o pedido ou acolhe o pedido, exerce umjuízo de valor sobre o pedido, julga o mérito da controvérsia, não se limi-tando a apenas examinar uma das condições da ação. Aliás, o art. 269, I, doCPC, como não poderia deixar de ser, estabelece que haverá resolução demérito se o Juiz acolher ou rejeitar o pedido.

É claro que se a parte cumprir posteriormente a obrigação, a nova pre-tensão poderá ser exercida em nova demanda, que não poderá ser confun-dida com a anterior, porque haverá uma modificação da causa de pedir, e,

Page 38: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 37

portanto, não se poderá utilmente invocar coisa julgada material. A exceçãode contrato não cumprido, evidentemente, deve ser suscitada na respostado demandado, na contestação, sob pena de preclusão, dado o princípio daeventualidade, que foi acolhido pelo Código no art. 300. Sendo assim, ameu parecer, o Juiz não pode examinar essa matéria de ofício.

Seriam essas as considerações, meu caro Presidente, meus caros Colegas,demais presentes, que gostaria de tecer, agradecendo mais uma vez o con-vite, assim como a atenção que me foi dispensada. Muito obrigado a todos.

Page 39: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

38

Page 40: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

39

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS – Agradecendo a presen-ça do Des. Vasco, que prestigia, como sempre, as nossas promo-ções, vamos direto à conferência de hoje, que tem por título DaExecução da Sentença – Liquidação de Sentença e Cumprimentoda Sentença, palestrante o Des. Araken de Assis.

Brevemente resumirei o seu currículo. É Doutor em Direitopela PUC de São Paulo, Professor Titular de Direito Processualda PUC do Rio Grande do Sul, membro efetivo do Instituto dosAdvogados Brasileiros, do Instituto Ibero-Americano de DireitoProcessual, do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Insti-tuto dos Advogados do Rio Grande do Sul e do Instituto de Di-reito Privado de São Paulo. É integrante do Conselho Editorialda Revista de Processo, da Revista Gênesis, da Revista daAJURIS, da Revista Jurídica, da Revista Síntese de Direito Civil eProcessual Civil, e Diretor da Revista Direito & Justiça, além, éclaro, de Desembargador deste Tribunal, como todos sabem, eautor de inúmeras obras, de todos conhecidas.

Com essa apresentação, passo a palavra ao Des. Araken deAssis.

DA EXECUÇÃO DA SENTENÇA: LIQUIDAÇÃO DESENTENÇA E CUMPRIMENTO DA SENTENÇA

(LEI Nº 11.232/05, ARTS. 475-A A 475-HE ARTS. 475-I A 475-R)

DES. ARAKEN DE ASSIS – Muito bom-dia a todos. Agradeço, em primeiro lu-gar, o convite que me foi formulado pelo Sr. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, apresença aqui do Sr. Des. Vasco Della Giustina, ilustre 3º Vice-Presidente do nossoTribunal, dos demais Desembargadores, Desembargadora, Juízes, Juízas. Cole-gas, permitam-me doravante chamá-los assim.

Page 41: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

40 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

Entrará em vigor em breve a Lei nº 11.232, que alterou o regime da reali-zação das resoluções judiciais. Quero inicialmente a todos tranqüilizar nosentido de que essas mudanças são mais aparentes do que substanciais.

Não ocorrerá nenhuma relevante mudança de regime por uma razão defundo que a técnica processual não logra modificar. Na verdade, a Lei nº11.232, na sua ambiciosa proposição, revela-se um engodo em razão de umapremissa singela. Para evidenciá-la, impõe-se rememorar os fundamentos doprocesso.

Inicio dizendo que, ao proibir a autotutela, o Estado concede a todos o di-reito de provocar um determinado serviço público, que a tradição designa dejurisdição. Esse é um direito universal que incumbe às pessoas naturais, àspessoas jurídicas, aos entes despersonalizados, até mesmo às chamadas co-munidades de fato, a exemplo do MST, o Movimento dos Sem-Terra. O exer-cício desse direito gera entre a pessoa que toma iniciativa e o Estado uma re-lação jurídica muito peculiar, cujo nome completo é relação jurídico-proces-sual, o apelido é processo, que tem até data de nascimento, 1868, e devendo-se a Oskar Bülow a sua perfeita identificação.

Forma-se o processo tão-só com a entrega da petição inicial na distribui-ção. E a contraprova do fenômeno consiste em notar que o ato do órgão judi-ciário, o órgão instituído pelo Estado para prestar o serviço público, chama-do jurisdição ou justiça pública, que rejeita liminarmente a iniciativa, por de-finição, extingue o processo, como ressalta do art. 295, I, c/c o art. 267, I, doCPC. Em geral, o processo se completa assumindo uma feição angular pela ci-tação do réu.

O processo é apenas o continente, o veículo para as alegações das partes,especialmente a alegação do autor. Nesse sentido, nenhum processo é dife-rente do outro, variando tão-somente as partes, porque todo processocorresponde ao mesmo direito, o direito de provocar a tutela jurídica do Es-tado.

Permite-nos distinguir um processo do outro não é nada extrínseco, e, sim,os dados hauridos do seu conteúdo, do seu objeto, que também recebevariadíssimas designações: mérito, ação, lide, objeto litigioso – a última por in-fluência germânica. São designações corriqueiras para o mesmo fenômeno: aalegação que o autor realiza perante o réu. E essa alegação se classifica conso-ante os mais variados critérios, mas a classificação mais promissora, que, comotudo, começou também na Alemanha do século XIX e teve a sua coroação coma obra de Wilhelm Kisch em 1903, é a que utiliza forças e efeitos.

É importante realçar a pergunta que Kisch se realizava quando expôs, nasua versão mais convincente, essa conhecida classificação. Notou que, antes

Page 42: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 41

do processo, há o conflito; depois do processo, há o não-conflito. Então, per-guntou-se: o que o não-conflito produz quando reingressa, deixando de serconflito, no plano das relações jurídicas não-litigiosas, que chamamos, deplano do direito material? Daí a elaboração que produz o provimento judicialalguns efeitos, e todos conhecem a classificação hoje aceita no Brasil, quedistingue cinco classes de forças e de efeitos: a força declarativa, a forçaconstitutiva, a força condenatória, a força executiva e a força mandamental.

A partir das investigações que se realizaram entre nós acerca do art. 273,caput, e a sua feliz redação, reavivou-se a idéia de que a cada uma dessas ener-gias corresponde um determinado efeito. Em síntese, à declaração correspondecerteza; à constituição, estado jurídico novo; à condenação, título; à execução,intercâmbio patrimonial e, finalmente, ao mandamento, ordem.

Sucede que há um fenômeno freqüentemente negligenciado e que consistena circunstância de que apenas nos dois primeiros casos o provimento pro-duz, por si só, o efeito pretendido pelo vitorioso. Em outras palavras, é opróprio provimento, ou resolução judicial, que entrega certeza e que entregao estado jurídico novo. Não há necessidade de nada mais além do próprioprovimento para produzir esses efeitos.

Já o mesmo não acontece nos três outros casos, e valem aqui alguns exem-plos – é sempre perigoso ministrar exemplos; por isso, há juristas que evitamexemplos: mas, vamos a eles. Figurem o caso, aliás banal, de alguém ter-seenvolvido num acidente de trânsito, ter postulado a reparação do dano e ob-tido sucesso, transitando em julgado o respectivo provimento. Estará satisfei-to? Do ponto de vista do direito material, não; e isso, porque, ou o seu veícu-lo continua estragado, ou o seu patrimônio desfalcado da quantia empregadana recuperação do veículo. Portanto, falta algo – a entrega do bem da vida.

Idêntico fenômeno se repete numa ação de despejo. João locou para Ma-ria, todavia há uma filha casadoira. Ingressa com uma ação de despejo, lograêxito, transita o provimento em julgado, dado que acrescento apenas a bemda clareza, e pergunto: está João satisfeito? Desenganadamente, falta algo.

Suponham agora que o Oficial do Registro Civil, quando recebeu meu paipara fazer o assento de nascimento, equivocou-se acerca do gênero do meumásculo prenome e lá colocou “sexo feminino”. Supondo que tal grave defei-to tivesse escapado ao olhar perspicaz da minha mãe, evidentemente que háum remédio para corrigir o assento de nascimento, e, ingressando com a res-pectiva demanda e logrando êxito, transita o provimento em julgado. Estousatisfeito? Parece que não, falta algo.

É que, nesses três casos, dependeremos de algo externo ao provimento, e,nesse três casos, concebe-se perfeitamente o cumprimento voluntário do

Page 43: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

42 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

vencido. Nada, absolutamente, nada impede que o condenado pague, que oinquilino desocupe e que o Oficial do Registro Civil altere o assento de nasci-mento.

Esse último exemplo é eloqüente, porque não se imagina interesse algumdo Oficial do Registro Civil, econômico e jurídico, para não atender à ordemdo Juiz.

Porém, basta trocarmos o exemplo, figurando agora o caso de uma ordempara que determinada empresa instale um equipamento antipoluição no seuprocesso industrial para já figurarmos interesse ao menos econômico emdescumprir a ordem do Juiz.

Então, nesses três casos, concebe-se o cumprimento voluntário, e, se issofosse a regra, o nosso encontro se tornaria baldo. Mas, não é a regra.Freqüentemente, os condenados não pagam, os inquilinos não desocupam, eo destinatário da ordem judicial resiste ao seu cumprimento. Nesses três ca-sos, então, para outorgar efetivamente o bem da vida ao vitorioso, mostrar-se-á necessária eventualmente uma atividade externa ao provimento, quetambém recebe os mais variados nomes.

É preciso não perder a pista das essências com preocupações terminológicas.Todos sabem que Platão tem um célebre diálogo entre Sócrates eHermógenes controvertendo o nome das coisas. Por exemplo, sustenta umque a rosa tem esse nome porque é da essência da flor, e o outro, que se tra-tava de uma simples convenção. Hoje em dia, é fácil responder e apontar o vi-gor da segunda corrente, designações são convencionais, elas podem alterar-se sem mudar a essência do fenômeno. E é o que acontece aqui: dê-se onome a essa atividade externa, ou provimento de execução, ou de cumpri-mento, ou de atuação, ou de efetivação – sendo essas duas últimas palavrastão comuns na literatura italiana –, nada muda. É que o fenômeno é o mes-mo: mostrar-se-á necessário realizar uma atividade prática que altere o mun-do sensível. O denominador comum dessa atividade é o deslocamento força-do de pessoas ou de coisas.

Entendido que nem sempre o provimento dá o bem da vida, que não sepode pressupor sempre o cumprimento voluntário e que, não existindo, mos-trar-se-á necessária uma atividade que modifique os fatos, que conforme osfatos, pouco importa o nome. O próprio Pontes de Miranda reservava execu-ção para essa atividade empreendida após a sentença condenatória e cumpri-mento para os demais casos. É uma simples opção terminológica. O fenômenoé idêntico, porém não homogêneo, e este é o problema da Lei nº 11.232/05.

Em alguns casos, os atos executivos podem ser realizados no próprio pro-cesso com utilidade e conveniência para o vitorioso, porque ele recairá em

Page 44: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 43

bem integrante do patrimônio do próprio vitorioso. É o que acontecedesenganadamente na ação de despejo. A quem pertence a posse ou o domí-nio da coisa locada? Ao João, ao locador, ao vitorioso. Então, nessas hipóte-ses, diz-se, em primeiro lugar, que a sentença nasce com força executiva.

Compreensivelmente, à nossa tarefa de conformação do mundo, simplifica-se radicalmente, mas, em outros casos, infelizmente, em razão da estrutura eda função do direito material – e aí se incluem todos os numerosíssimos ca-sos de responsabilidade civil –, o ato executivo não recai sobre bem dopatrimônio do vitorioso, recai sobre bem do patrimônio do vencido. Então,os nossos problemas se tornam magnos.

Em primeiro lugar, não é possível, por opção política do ordenamento,retornar ao sistema da manus injectio. Durante muito tempo, os romanistascontroverteram se a parte final da Lei 9ª era literal ou tinha outro signifi-cado. José Carlos Moreira Alves, ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal,doutorou-se em 1958 na Faculdade Nacional de Direito sustentando que osentido dessa parte final era apenas alegórico, envolvia motivos religio-sos. Depois, investigou-se melhor, descobrindo-se o livro de Aulo Gélio,cujo título é Noites Áticas, no qual ele acompanhava seu pai ao fórum e látestemunhava a manus injectio sendo executada e parte final da Lei 9ª,operada.

Em síntese, o devedor era amarrado no fórum, isto é, na praça pública, du-rante três dias, durante os quais era estimulado ao cumprimento. Não ocor-rendo, era reduzido à escravidão. Se existiam dois credores, a parte final daLei 9ª previa partis secanto, isto é, como o Direito Romano não conhecia a co-propriedade de escravos, o devedor era esquartejado e suas partes distribuí-das de forma equânime entre os diversos credores.

Não podendo voltar à execução pessoal, como era a manus injectio, emtodo o mundo vigora um princípio, que é o da responsabilidade patrimonial,ou seja, o vencido responde com os seus bens. Então, a primeira tarefa é lo-calizar bens, o que não fácil.

Noto que, embora a moderna LEC espanhola de 2002 crie um incidente es-pecífico para a localização de bens, disto não se ocupou o nosso legislador,que é um dos maiores problemas quando o provimento tem força condenató-ria e efeito executivo.

Localizados os bens, não são todos, por outro lado, que podem ser empre-gados no escopo satisfativo. É que, pela lei, ao longo dos séculos – Pontes deMiranda fala em luta de classes, que recortou das fímbrias do princípio daresponsabilidade patrimonial –, alguns bens são alheados dessa responsabili-dade. Evidentemente, refiro-me aos bens impenhoráveis.

Page 45: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

44 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

Em que pé estamos então? Uma sentença não é executiva porque eventual-mente os atos executivos se realizam no mesmo processo. Uma sentença éexecutiva quando esses atos vão cair no patrimônio do vencedor. Essas são asautênticas sentenças dessa classe. Nestas, o trabalho de cumprimento ou deexecução fica reduzido ou simplificado. Nas demais, que são numerosas, pou-co importa se os atos executivos se realizarão no mesmo ou em outro pro-cesso, porque eles se depararão com o problema de recaírem no patrimôniodo vencido, implicando os desdobramentos que já assinalei.

Este é o erro principiológico da Lei nº 11.232/05. Preocupa-me muito queela seja apresentada como a solução para os problemas da execução ou documprimento, como queiram, quando, na verdade não se vai alterar nada.

Conto agora uma pequena reminiscência pessoal. Quando era um“escravojário” em um escritório de advocacia, que é um neologismo que crieie que reivindico para retratar a condição dos estagiários nos escritórios deadvocacia, freqüentava as salas de espera de alguns conhecidos escritóriosem Porto Alegre, à época dotados de uma decoração espartana, ainda estáva-mos nos albores da advocacia, não existiam grandes escritórios, ou por ou-tra, um grande escritório era aquele em que trabalhavam dois, talvez três ad-vogados, com uma secretária. Já era imenso. Com aquela decoração espartana,cadeiras duras, em alguns casos observei que, pendurado na parede, constavauma nota promissória, aquele formulário azul, padrão, preenchido com umvalor exorbitante, digamos um milhão de reais, e assinado pelo“Marimbondo”. “Marimbondo” era um mendigo da Praça da Alfândega queconheci já muito velho, doente, com câncer na perna, e que devia o seu apeli-do à cor dos seus cabelos. Era uma advertência muda aos prováveis clientes.Quanto vale uma nota promissória assinada por um mendigo? Nada. Nem opapel.

Nada muda se se tratar de um provimento judicial. De que vale um provi-mento judicial emitido contra alguém que não tenha patrimônio? Nada. Ele éinexeqüível por opção política do ordenamento brasileiro e de todos osordenamentos.

Estabelecida essa base, podemos examinar as hipotéticas economiasadotadas na Lei nº 11.232/05. Em primeiro lugar, dispensa-se a citação. Nãofoi sequer necessário modificar o art. 214, caput, do CPC, que já previa que acitação inicial era requisito de validade do processo. Portanto, sequer preci-sou alterar a Lei neste ponto.

Em todo caso, a economia só vale para a sentença civil, porque, tratando-se de sentença penal, tratando-se de sentença estrangeira e tratando-se desentença arbitral, porque não houve um processo civil anterior com citação,

Page 46: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 45

mostrar-se-á imprescindível realizar a citação. É o que diz o parágrafo únicodo art. 475-N: “Nos casos dos incisos II, IV e VI, o mandado inicial (art. 475-J)incluirá a ordem de citação do devedor, no juízo cível, para liquidação ouexecução, conforme o caso”.

Há também um outro caso implícito, que é o do acordo extrajudicial, pre-visto como título executivo no inc. V. O motivo é o mesmo. Como funciona oacordo? É uma das novidades da reforma, e boa. Duas pessoas que litigavam,deixaram de litigar, conseguiram o milagre de seus advogados colocarem ma-nifestações concordantes no papel, mas acham que não basta. Então, uma de-las, ou ambas, pleiteia à autoridade judiciária que homologue. Resta saber oque se vai fazer com esses autos depois. Há duas soluções: arquiva-se, ou, àmoda dos protestos e das interpelações, devolve-se para as partes, para am-bos os requerentes ou para aquela parte que requereu. Estimo que esta seja asolução mais adequada.

De qualquer maneira, nesse caso, também não há um processo anteriorcom citação. Se houver descumprimento de alguma obrigação, por ambas oupor um dos figurantes do negócio, a execução deverá ser precedida com cita-ção.

Ao fim e ao cabo, a economia se limitou a dispensar a citação no caso dehaver um processo civil anterior. Pequena, modesta economia, mas econo-mia.

Por outro lado, caberia o legislador eliminar a liquidação? Não. Por váriasrazões. Em primeiro lugar, porque manteve como título executivo a sentençapenal condenatória. Ora, o Brasil, desde a Lei nº 261, de 1841, adotou o prin-cípio da separação, que não é universal. Na Alemanha, por exemplo, vigora oprincípio da adesão.

Pelo princípio da separação, antes expresso no art. 1.525 do CC/16 e agorano art. 935 do CC/02, a responsabilidade civil é independente da penal. Emoutras palavras, o Juiz penal não examina o dano civil. Nada provê a respeito.

Ora, se a lei brasileira, pelo menos desde 1941, outorga eficácia de títuloexecutivo à sentença penal condenatória, porque quer favorecer a vítima oulesado, dispensando-a de propor uma ação civil de reparação, então esse títu-lo será necessariamente ilíquido. Precisa-se de liquidação.

Além disso, há casos de sentenças civis ilíquidas. Embora o esforço do au-tor, nem mesmo dotado de capacidade demiúrgica, poderia prever todas asconseqüências do ilícito e formular um pedido líquido e certo como prevê oart. 286, caput, que alude a pedido certo e determinado.

Figurem a situação de alguém que é vítima de um acidente, que sofre umagrave lesão da perna, interna-se no hospital, sofre uma cirurgia, sai do hospital

Page 47: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

46 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

e pretende obter indenização. Desde logo, é possível pedir as despesas médi-cas, as despesas hospitalares realizadas até o momento da propositura. Suce-de que lhe foi implantado um pino na perna. Precisará, no futuro, de outra ci-rurgia para retirar o pino. Além disso, nesse entretempo, realizará incontáveissessões de fisioterapia, cujo número e valor não se pode predeterminar des-de logo. Em síntese, ele poderá fazer um pedido líquido, mas o outro, quantoa essa parte, genérico.

Há casos expressamente previstos no art. 286 – por brevidade me limitoao mencionado – que admitem pedido genérico e, conseguintemente,ilíquido.

Além disso, é um fenômeno universal, não é só brasileiro, também é assimna Alemanha, como se pode notar na obra de Jauering. Costuma-se formularpedido genérico. O réu não reclama, o Juiz não controla, e o processo vai as-sim até o final. Resultado: condenação ilíquida.

Por todas essas razões, não seria mesmo possível eliminar a liquidação.Todavia, o legislador até se esforçou em limitá-la.

O art. 475-A, § 3º, prevê que, nas causas subordinadas ao procedimentosumário, que foi proscrito no Rio Grande do Sul, mas que é empregado emoutros Estados da Federação, previstas nas letras d e e, a sentença será neces-sariamente ilíquida, cabendo ao órgão judiciário, a seu prudente critério, ar-bitrar o valor devido. Que causas são essas? Acidente de trânsito e seguro.

Compreende-se, então, a solução do legislador relativamente ao seguro,ao valor da apólice, que delimita o quantum.

Nos acidentes de trânsito, tratando-se de dano patrimonial, e do danoemergente, os célebres três orçamentos, resolvem a questão. Tratando-sede lucros cessantes – por exemplo, o acidente envolveu um táxi – há tam-bém prova pré-constituída, que é o atestado do Sindicato dos Condutoresdeclarando quanto rende um táxi conforme o tempo e modalidade da suaoperação.

Temo apenas que, neste último caso, o legislador tenha simplificado emexcesso, porque, afinal de contas, o legislador tem idade, e sua experiência éde outrora. É que os litígios tornaram-se bem mais complexos, hoje em dia,e, no mínimo, haverá pedido de um dano extrapatrimonial.

De qualquer maneira, o arbitramento do dano moral, pelo disposto nesse§ 3º, é atribuído ao órgão judiciário a seu prudente critério. Qual o valor? OJuiz fixará de acordo com as circunstâncias.

Fora daí, a disciplina instituída nos arts. 475-A até 475-H da nova lei nãomodifica substancialmente a disciplina prevista hoje nos arts. 603 a 611, comtodas as suas virtudes e com todos os seus defeitos.

Page 48: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 47

A única modificação é o recurso cabível na liquidação por arbitramento epor artigos, que passou de apelação – foi revogado o inc. III do art. 520 –para agravo de instrumento, segundo o art. 475-H. Não cabe agravo retido.Esse dispositivo está de acordo com o novo texto do art. 522, caput, ditadopela Lei nº 11.187/05.

Continuam três modalidades de liquidação: por cálculo do credor, porarbitramento e por artigos, e com todos os defeitos hoje constatados. Quaissão? Em primeiro lugar, o legislador não resolveu o problema da responsabi-lidade pelo pagamento das despesas do contador. A idéia, em 1994, era queo vitorioso contratasse um contador. Noto que, pelo Estatuto do Advogado,não compete ao advogado fazer cálculos. A idéia, então, era contratar umterceiro. Porém, essa despesa eventual é ressarcível, ou não? Decidiu o Supe-rior Tribunal de Justiça, a meu ver sem razão, que não, porque se trata dedespesa dispensável.

Ora, exigindo a liquidação a contratação de um técnico, um contador ouum técnico em contabilidade – porque o advogado da parte não tem o deverlegal de fazer cálculos, o que seria desastroso, porque, ressalvadas as exce-ções, não tem uma especial vocação pela matemática e, principalmente, pelaaritmética –, não havendo o dever legal, a despesa é necessária, deveria serressarcida. Esse problema já existe e poderia ser resolvido.

Mas, pior, não resolvendo o problema pendente, ainda deu péssima solu-ção para os outros três problemas. Primeiro problema: é possível que o cre-dor se engane nos cálculos. Não vou dizer aos Colegas que já tenha ouvido aexpressão cálculos adubados, nem que a minha anterior experiência na advoca-cia respalde que o fenômeno exista, mas é uma possibilidade que o credor,dolosamente, se engane nos cálculos. Não vou dizer que nunca vi um advoga-do dizer para o seu contador: “Deu cinco mil? É pouco. Eu não tenho formade dizer isso para o meu cliente, aumenta essa liquidação para quinze”. Não,nunca vi isso acontecer...

Então, suspeitando o Juiz que há excesso de execução, o § 3º do art. 475-Bpermite que ele se utilize do Contador do Foro para controlar.

Quer a lei, portanto, que o Juiz leia a petição inicial, aliás, trocou-se onome para requerimento, irrelevantemente, na execução. E, a seguir, o § 4ºcomeça com uma fórmula estranhíssima: “Se o credor não concordar com oscálculos feitos”. Ora, o contador pode apurar três resultados: primeiro, erainfundada a suspeita do Juiz, os cálculos estão corretos; segundo, o credorquer menos do que permite o título – nesse caso, pelo motivo que adianteexplicarei, a execução deve prosseguir pelo valor pretendido –; e finalmen-te, sim, o contador pode apurar o excesso. Às vezes, até por uma questão

Page 49: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

48 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

de Direito. Imagine um indexador, um mais favorável pelo credor, usado porele no cálculo, e outro que é o indexador do Juiz.

Então, embora a Lei não diga, é preciso intimar o exeqüente do resultado.Tudo pode estar acontecendo à sua revelia. A estagiária do advogado entre-gou o requerimento no foro. Embora retire a relação dos processos diaria-mente, notou um código de remessa ao contador, mas não procurou, não seinteirou do que se tratava. Enfim, para o exeqüente tomar conhecimento, épreciso intimá-lo.

Há duas possibilidades, também não tratadas na lei. Em primeiro lugar, oexeqüente pode concordar com o valor pretendido, então o problema se re-solve. Mas, pode também discordar, fundadamente, ou não. E, neste caso, asolução do legislador, em respeito ao princípio dispositivo, é permitir que aexecução prossiga pelo valor pretendido, mas a penhora recairá sobre benscujo valor não exceda o encontrado pelo contador.

Então, haverá uma discrepância que não pode ser duradoura. E eis a críticaque faço ao legislador. Imagina ele que o executado impugnará os antigosembargos, que só trocou o nome, reduzindo o valor do crédito, alegando ex-cesso de execução. O problema é que nem sempre as partes se comportamracionalmente. O legislador não resolveu, ao meu ver, o grave problema de oexecutado não impugnar.

Note-se que, desde o início, o órgão judiciário não pôde reduzir de ofício.Qual a solução? Se o respeito ao princípio dispositivo é de tal ordem que nãopermite o controle ex officio do valor do crédito, resta ampliar a penhora. Ovelho reforço de penhora da linguagem forense. Então, esse é o primeiro pro-blema. Convenhamos que não está bem resolvido.

O segundo problema, este está bem resolvido, é que, em alguns casos, ovitorioso não dispõe de recurso para contratar um contador, nem o seu advo-gado tem meios para realizar o cálculo.

Diz o art. 475-B, § 3º, parte final, (a crítica que se pode fazer é colocar oassunto como um apêndice): “e, ainda, nos casos de assistência judiciária”. Aproposição deveria ser objeto de um parágrafo autônomo e numa redaçãoclara: “poderá o vitorioso requerer que o contador do foro realize o cálculopara ele, cotando as suas custas”.

Não há contraditório sobre o valor. É apenas a pessoa que faz o cálculo, éo Contador do Foro. Feita essa planilha, então o vitorioso ingressa com o re-querimento de execução, invocando a planilha: “é credor de tanto, conformeplanilha de folha tal dos autos”. Convenhamos que o tema merece um pará-grafo, explicado com maior clareza.

O terceiro problema consiste em o vencido ter a posse dos elementos neces-sários para o cálculo. Tal ocorre freqüentemente nos litígios entre os servido-

Page 50: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 49

res públicos e a Administração. “Condenou-se o Estado do Rio Grande do Sul apagar uma gratificação de 15% sobre os vencimentos de uma professora a par-tir de janeiro de 1997.” O cálculo é fácil, existem programas que permitemfazê-lo. Só há uma dificuldade: quanto é que a professora ganhava em novem-bro de 1997, em outubro de 1998, em março de 1999, em abril de 2004? Ouela tem todos os seus contracheques, ou a Secretaria da Fazenda tem os dados.

Também acontece nos litígios privados. Figurem o caso de uma dissoluçãoparcial de sociedade. Após quatro anos de litígio, o sócio conseguiu desligar-se e tem direito aos haveres. O cálculo também é fácil: ativo menos passivo, ese aplica o percentual da cota do dissidente. Mas, quem tem os elementosnecessários para fazer o cálculo? A empresa.

O § 1º do art. 475-B permite que o Juiz requisite, até mesmo de terceiro,fixando o prazo de 30 dias. Em seguida, no § 2º, prevê: “Se os dados não fo-rem, injustificadamente, apresentados...”.

E se não forem apresentados justificadamente? Se, por exemplo, a empre-sa, para me limitar aos litígios privados, diz que os documentos foram quei-mados, até havia segurado o prédio.

Ou, num exemplo mais contemporâneo, diz o vencido que tinha os dadosno seu computador, mas que um vírus mortal os destruiu e que tem um laudodizendo que tudo é irrecuperável.

A Lei não esclarece o que fazer nessas circunstâncias. Imagino que a solu-ção seja a mesma, ou seja, o vitorioso pode arbitrar. Dir-se-á na linguagembem popular: pode chutar o valor do crédito. É o que acontece.

Não é uma solução pacífica. Já Lopes da Costa cogitava se era, nas chama-das condenações para o futuro, preferível deixar a sentença sem execução ouexecutá-la injustamente. É uma questão antiga. E ele respondia que era prefe-rível deixar sem execução.

De qualquer maneira, respondo: aplica-se o parágrafo, que reza: “reputar-se-ão corretos os cálculos apresentados pelo credor”.

Relativamente ao terceiro, prevê a Lei a busca e apreensão e a desobediên-cia. Notem que a busca e apreensão, nos exemplos que ventilei, embora pe-rante terceiro, chegará ao mesmo impasse, dará no mesmo. Os dados foramdestruídos. Mas o problema é saber se esta ficção (reputar-se-ão) gera umapresunção absoluta ou relativa.

Então, figurem o caso: instado a apresentar os elementos hábeis para reali-zar o cálculo, o vencido queda-se inerte. O exeqüente, nessa contingência, re-quer a execução e se diz credor de 100 mil reais. Intimado da penhora, o exe-cutado embarga dizendo: “Não, ele é credor de 20 conforme esses documen-tos que eu não apresentei antes, que apresento agora”. Pergunta-se, a pre-sunção é absoluta ou relativa? Deve o órgão judiciário acolher a impugnação

Page 51: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

50 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

ou rejeitá-la? A meu ver, à consideração dos Colegas, a presunção é relativa.Deve o órgão judiciário acolher, reduzir o crédito ao valor realmente devido,mas, como o executado deu causa ao processo e o art. 20, caput, do CPC con-sagra o princípio da causalidade, segundo sua literalidade, responde o venci-do, mas responde o vencido porque deu causa ao processo – aqui quem deucausa, ao menos ao incidente, não foi o vencido, foi o vencedor. Então, atri-bui-se a verba honorária ao nada obstante credor, mas exeqüente vencido.

A propósito de verba honorária, e sem fugir do assunto, este é um dospontos mais delicados da reforma. Cabem novos honorários do cumprimen-to? Parece que, em se tratando de sentença penal condenatória, sentença es-trangeira, sentença arbitral, e assim por diante, devem caber honorários, por-que se trata, desenganadamente, de um novo processo.

No caso da sentença civil, dividem-se as opiniões. Por exemplo, em feverei-ro, colhi do Prof. Theodoro Júnior, na abertura da convenção do escritório, aopinião que não cabem novos honorários, porque são incidentes, e o art. 20,§1º, prevê apenas a condenação de custas.

Em sentido contrário, argumentei, como tradicionalmente sempre fiz, oseguinte: é um novo trabalho. Quando o Juiz fixa, com base no § 3º do art.20, os honorários no processo de conhecimento, mira o trabalho desenvolvi-do até aquele momento. Não é adivinho, não pode saber sequer se haverá ne-cessidade de futura execução. Talvez o vencido cumpra voluntariamente ocomando judiciário.

Além disso, o § 4º do art. 20 nada distingue e prevê a fixação de honorári-os por arbitramento do Juiz e por eqüidade nas execuções embargadas ounão.

Aqui também o legislador poderia intervir. Se desejasse que não coubes-sem honorários novos, poderia estipular, como estipulou a MP nº 2.180, de2001, relativamente às execuções não embargadas contra a Fazenda Pública,dispositivo que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordiná-rio nº 420.816, reputou constitucional. Portanto, sempre pode dispor nesteou naquele sentido. Se há omissões, cabem novos honorários. À consideraçãodos Colegas.

Então, a liquidação continua com os mesmos problemas, suas três modali-dades, e nenhuma novidade.

Depois, o legislador, no art. 475-J, dispensou a nomeação de bens. Agora éo credor que indica os bens, conforme se pode constatar no § 3º. É uma fa-culdade. Dispõe a regra: “O exeqüente poderá, em seu requerimento, indicardesde logo os bens a serem penhorados”. Já era assim no Direito Comum napenínsula itálica; algumas cidades contemplavam a nomeação, outras não.

Page 52: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 51

Nada de mais. É uma economia. Mas não resolveu o problema que interessa:a saber, como é que o exeqüente vai localizar bens.

Depois, previu a avaliação por Oficial de Justiça. Ressalvando o § 2º, há casosmais difíceis, por exemplo, a penhora recai sobre uma tela de Leopoldo Gotuso,de Ado Malagoli, e assim por diante. O Oficial de Justiça, presumivelmente, nãodispõe de recursos técnicos para avaliar bens dessa natureza. Nenhuma im-pugnação à novidade. Já é assim na execução fiscal e no processo trabalhista.Só que há desvantagens.

Desenvolveu o foro trabalhista um programa especial. Lá se penhoram ascoisas mais espantosas: um milheiro de tijolos, tipo catarinão, por exemplo.Quanto é que vale? Para facilitar o trabalho dos Oficiais de Justiça, montou-seum programa, estimando valores. O Oficial de Justiça, compreensivelmente,tem outros atributos, outras especialidades que não a de saber o valor cor-rente dos bens. Há tal desvantagem, mas não deixa de ser uma medida eco-nômica.

Finalmente, Colegas, trocou-se o remédio dos embargos pela impugnação.Não se iludam, a mudança é superficial. Em primeiro lugar, é terminológica.Embargos sempre foi uma palavra ambígua no Direito português, designandoora um recurso – embargos infringentes –, ora um remédio – embargos deterceiro. E desde a lei do bom Rei Dom Diniz no século XII. Então, a troca évantajosa. Resta saber se a palavra impugnação é boa. A mim, parece quenão. Embora a Lei não diga, presume-se que, impugnando o executado, po-dendo ele alegar, dentre outras coisas, exceções substanciais como pagamen-to, impõe-se ouvir o exeqüente, o impugnado.

E o art. 740, que se aplicaria subsidiariamente por força da letra R do art.475, chama a resposta do exeqüente de impugnação. Então fica impugnaçãoda impugnação, o que não soa nada bem...

Continua exigida a penhora. Resulta do § 1º do art. 475-J: “Do alto de pe-nhora e de avaliação será de imediato intimado o executado,...”.

Portanto, pressupõe-se penhora e avaliação. Sem a realização desses doisatos não há intimação, não se abre o prazo para impugnar.

Aliás, um dos pontos mais sofríveis da Lei é a redação do § 1º do art. 475-J. É a redação mais confusa já vista. Não disponho da competência, pelo me-nos a competência de José Carlos Barbosa Moreira, que escreveu memorávelartigo criticando a EC nº 45, no qual ele inicia dizendo que, já que o Portugu-ês é a língua oficial do País, segundo a Constituição, se espera que, pelo me-nos, a Carta Política siga as regras mais elementares do vernáculo. E a partirdaí começa a criticar as impropriedades, as deselegâncias e os solecismos daEC nº 45.

Page 53: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

52 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

Um dos pontos destacados é o emprego do gerúndio. Aqui, neste parágra-fo, ocorre um desastre: “Do auto de penhora e de avaliação será de imediatointimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, nafalta deste, o seu representante legal,“ – leiam aí: do seu representante legal– “ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impug-nação, querendo, no prazo de quinze dias”. Esse podendo/querendo é horrí-vel. Para dizer o mínimo. E a norma é confusa. Mas, esclareço: a intimação éna pessoa do representante judicial da parte. Caso não o tenha (por exemplo,na execução da sentença penal condenatória, arbitral, estrangeira, etc.), en-tão ocorrerá intimação pessoal, prevendo a Lei aqui os meios, que são o man-dado ou o correio. É assim que se pode decodificar – porque se trata disso – oparágrafo obscuro. Então, é preciso penhora.

Comparando o art. 475-L com o art. 741, na sua redação antiga, o que de-sapareceu como motivo de impugnação? Cumulação indevida de execuções.Não é possível mais cumular a execução de uma sentença civil com qualqueroutro título.

Já não acontece tal óbice na execução contra a Fazenda Pública. Aliás, talsentença civil não se executa conforme o art. 475, mas de acordo com osarts. 730 e 731. Assim, o art. 741, que cuidava dos embargos contra a execu-ção fundada em título judicial, agora se localiza num capítulo que se chama“Dos Embargos à Execução contra a Fazenda Pública”.

Então, de regra, não cabe cumulação de execuções. Mas, é possível reunirvários títulos contra a Fazenda Pública e um título judicial e um título extra-judicial. A Súmula do Superior Tribunal de Justiça permite execução fundadaem título extrajudicial contra a Fazenda Pública.

Fora daí, há a suspensão eventual da impugnação. A impugnação, portan-to, perdeu o seu caráter de evento suspensivo obrigatório da execução.

Quando será suspensiva, ou não, a impugnação? Será suspensiva existindorelevância dos fundamentos e receio de dano. Até hoje ainda não se inventouuma execução que não produza dano para o executado. É impossível. Sempreproduz dano subjetivo. Então, o requisito sempre se verifica. Resta a relevânciados fundamentos. Utilizo essa palavra porque, no meu ponto de vista – atéacho que o processo é simples, os processualistas é que o complicam bastante–, embora o fraseado da lei, na antecipação de tutela, no poder geral do art.798, no mandado de segurança, a idéia é única: trata-se do prognóstico acercada vitória do autor. O órgão judiciário perguntar-se-á: “O autor ganhará? É pro-vável?” Se responder positivamente a tal pergunta, suspenderá a execução.

Claro que o órgão judiciário pode ter como objeto de referência o seu pró-prio entendimento ou pode empregar vista mais larga, perguntando-se, como

Page 54: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 53

me parece correto: “Esse autor, ao final, se o processo chegar ao tribunal, ga-nhará, ou perderá?” Se a resposta for positiva, suspenderá a execução.

Mesmo assim, o efeito suspensivo pode ser resolvido pela prestação dacaução prevista no § 1º do art. 475-M, e mais a alegação de que não realizaro crédito causa dano. Também aqui o legislador é muito otimista ao preverque a caução possa ser arbitrada pelo Juiz e prestada nos próprios autos. Talpossibilidade depende de vários fatores, inclusive do alcance que se dá à exe-cução provisória, se ela implica restituição apenas entre as partes ou atingeterceiros. A resolução do problema influencia o valor da caução. Também nãose exclui controvérsia sobre a natureza da caução, que pode ser real oufidejussória. Nos casos mais difíceis, resta a ação para prestação de cauçãodo art. 835.

Quero ainda assinalar que a impugnação não resolveu o problema da exce-ção de pré-executividade. Por que não resolveu? Por força de dois motivosrelevantes. Em primeiro lugar, porque, corretamente, ao meu ver, marcou umprazo para impugnar. Ora, a exceção de pré-executividade nasceu pela neces-sidade, em alguns casos teratológicos, de o executado impedir a penhora. Elacontinuará existindo na nova lei. O executado, de alguma maneira, veicularáas suas alegações que sequer a penhora pode ser realizada. Dê-se a essa inici-ativa o nome que se quiser. A expressão exceção de pré-executividade é consi-derada imprópria e inadequada e, além disso, antipática para a maioria dosmagistrados. Então, basta trocar o nome. Ponha-se o título de requerimento.Está resolvido o problema. Mas, não se pode impedir é que, perante uma ne-cessidade urdida pelos fatos, o executado não alegue a defesa. Ele alegará e,algumas vezes, com razão.

Portanto, subsiste a necessidade da exceção neste ponto. Mas há um outroainda mais grave. É que, embora passe freqüentemente despercebido, nãoexiste apenas uma oportunidade para os embargos, existem duas oportunida-des, ou dois embargos, os embargos de primeira fase e os embargos de se-gunda fase, na execução, hoje – já estou estimando vigente a Lei –, fundadaem título extrajudicial: um, depois da penhora, no prazo de 10 dias; outro noprazo de 10 dias depois da arrematação e da adjudicação, que são atosrelevantíssimos e que exigem controle.

O legislador não se ocupou do assunto. Não previu nenhuma reação contraa arrematação ou a adjudicação, embora, além dos aspectos iniciais que exa-minamos, o procedimento da expropriação seja idêntico.

Das duas, uma: ou se aplica o art. 746, embargos contra a arrematação eadjudicação – e soaria estranhíssimo que na primeira fase haja impugnação,mas, na segunda, embargos –, ou há que admitir – lá vem o nome antipático

Page 55: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

54 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

outra vez! – a exceção de pré-executividade. Outra vez não se pode impedirque o executado alegue, por exemplo, que a arrematação se realizou por pre-ço vil. Resta é disciplinar a alegação. Aliás, é o problema fundamental da im-pugnação. O Direito brasileiro nunca adotou o arranjo legislativo do Direitoitaliano e do Direito alemão que distinguem a alegação de exceções substan-tivas e objeções processuais instituindo remédios diferentes.

Se o esquema legal é o de misturar tudo de cambulhada num remédio úni-co chamado impugnação e embargos, então é preciso demarcar prazos, traba-lhar com preclusões, porque só assim o processo anda.

Vejam, então, o que acontece nas obrigações de fazer e nas ordens judici-ais. Hoje, segundo o art. 475-I, são executáveis na forma dos arts. 461 e 461-A. Cabem embargos, ou impugnação, como queiram? É preciso admitir, por-que também o devedor pode, legitimamente, deduzir exceções substanciais eo excesso de execução, aliás previsto no art. 743, IV, como motivo para ale-gar nas obrigações de fazer, e assim por diante.

Então, é preferível, ao invés de admitir alegações erráticas e sucessivas,gerando incidentes em cascatas, admitir a impugnação no prazo de 15 dias,aplicando subsidiariamente, quanto ao termo inicial, o art. 738, inc. III.

E uma última palavra sobre a execução provisória. Nada mudou no seu re-gime. A execução provisória do 475-O permanece a mesma. Só mudou o de-saparecimento da carta de sentença. Agora, não precisa carta de sentença,basta instruir a petição – aliás, aqui, chama-se petição, e não requerimento,que é o § 3º – com os documentos que arrola, que são os documentos da car-ta sentença.

Aliás, a carta de sentença é um cadáver insepulto, porque continua previs-ta no art. 484, relativamente à execução de sentença estrangeira. Vá lá que olegislador nunca tenha lido o art. 484 – admito, é regra algo esquecida noCódigo –, mas ao menos, podia ler o art. 521, que se localiza no capítulo daapelação, e reza que, não recebida a apelação com efeito suspensivo, a exe-cução se realiza através de carta de sentença. Quanto à idéia, em si, de pros-crever a carta de sentença, tudo bem, desde que se enterre completamente ocadáver.

Os problemas que a execução provisória suscitam são os mesmos dos doregime da Lei nº 10.244/02, quando ela passou a ser completa. O problemabásico é o seguinte: arrematado o bem, provido integralmente o recurso, oarrematante precisa devolvê-lo? O inc. II do art. 475-O diz que a restituiçãoopera entre as partes. Diz assim: “restituindo-se as partes ao estado anteri-or”. Ora, partes são o exeqüente e o executado, o vitorioso e o vencido,como queiram. O arrematante não é parte, ele é terceiro; portanto, não éatingido.

Page 56: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 55

Além disso, no Direito Material, a regra do Direito brasileiro, quando tratada propriedade resolúvel, art. 1.266 do CC/02, é que, se o domínio se resolvepor causa superveniente, e, no caso, é o provimento do recurso, a pessoaprejudicada tem direito apenas ao equivalente pecuniário do bem.

Então, há sólidos argumentos para dizer que o arrematante não restitui.Há mais um pormenor: se existir o dever de restituir, dificilmente a execu-

ção será completa. Quem comprará um bem penhorado, sabendo que há umrecurso e que, no caso de provimento, haverá de restituir? Nada é isento deconseqüências. O legislador deveria ter resolvido expressamente o problema,e, então, o executado deve temer muito a execução provisória.

Figurem o caso de ser penhorado o sítio da conhecida família jurídica que,há mais de cem anos, tem uma figueira na qual os enamorados gravam osseus coraçõezinhos e nomes. O domínio do sítio é do executado. Eventual-mente, arrematado o bem, não voltará mais para a família.

Defendo que o legislador não feche os olhos para os problemas, resolva-osna lei. Desfruta da oportunidade. É difícil fazer leis, mas quem se mete naempreitada há que exibir o mínimo de competência.

Essas são as considerações sobre a Lei nº 11.232/05. Em síntese: mudançasperiféricas, não tocam o problema central, não se trata da oitava maravilhado mundo. Obrigado a todos.

Page 57: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

56

Page 58: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

57

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS – Colegas, cumprindoa nossa meta, vamos dar início à segunda palestra desta ma-nhã. Eu pediria que tomassem assento, por gentileza, paranão atrasarmos.

A Desª Elaine Harzheim Macedo, que nos falará sobre onovo agravo, a Lei nº 11.187, é Bacharela em Ciências Jurídi-cas e Sociais pela UNISINOS, especialista em Direito Proces-sual Civil pela PUCRS, Mestre em Direito pela PUCRS, Douto-ra em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos,magistrada de carreira, atualmente Desembargadora da 17ªCâmara Cível deste Tribunal, Professora de Direito Processu-al Civil na Pós-Graduação da UNISINOS, Professora no Cursode Pós-Graduação da Faculdade de Direito Ritter dos Reis,Professora nos cursos de preparação à Magistratura, na Es-cola da AJURIS, e ao Ministério Público, na Escola do Minis-tério Público, no IDC e no CEJUR, Professora dos cursos deGraduação e Pós-Graduação em Direito da ULBRA e autorade várias obras científicas. Passo a palavra à nossapalestrante.

O NOVO AGRAVO: LEI Nº 11.187/05

DESª ELAINE HARZHEIM MACEDO – Meu bom-dia a todos. Faço um cum-primento especial ao Desembargador, Colega e amigo Luiz Felipe por esteevento, discutindo as recentes reformas do processo civil e principalmentecom este foco de democratização, abrindo o evento à participação tambémde nossos funcionários e estagiários, que, no dia-a-dia, dividem conosco a ár-dua tarefa de julgar. Não podemos hoje mais imaginar o trabalho de umDesembargador ou mesmo de um Juiz de 1º grau, quiçá talvez mais até dospróprios Juízes de 1º grau, como algo absolutamente isolado, solitário, semuma infra-estrutura. Realmente, a presença aqui dos funcionários é motivo de

Page 59: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

58 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

grata satisfação para mim, no sentido de democratizarmos as nossas refle-xões sobre essas novas reformas que incidem no Código de Processo Civil.

Pois bem, o nosso tema, por uma hora, diz respeito ao agravo, à Lei nº11.187, que entrou em vigor em janeiro do corrente ano. É preciso, antes deadentrar nas questões específicas da reforma da Lei nº 11.187, chamar aatenção do ouvinte para o caminho que o recurso de agravo percorreu, nosúltimos 11 anos, e para o tratamento legislativo que lhe foi dado. A Lei nº11.187 precisa ser analisada dentro desse percurso de reforma que o agravotem sofrido ao longo desse período, sob pena de nos escapar a compreensãodessas propostas reformistas.

Um outro aspecto que também quero destacar no preâmbulo é que nenhu-ma reforma, nenhuma modificação, nenhuma inovação vem sozinha pela letrada lei. A principal modificação – e é claro que se pretende com a reformauma melhora; não poderíamos conceber o contrário – não vem pela letra dotexto legislativo, mas, sim, pela palavra do intérprete. Daí por que é precisocolocar realmente em debate as reflexões que se possam desenvolver pormeio do novo texto.

Não pretendo aqui evidentemente firmar qualquer pensamento de autori-dade. São reflexões que devem ser discutidas, para que se amadureça efetiva-mente a idéia de evolução que se pretende dar ao agravo. Apenas me pareceque deve ser rejeitada a postura do intérprete, ou até sedizente intérprete,porque, a meu juízo, intérprete não será quem, ao ler o texto, diga: “Ah, issonão mudou nada, continua tudo como dantes”. Particularmente, de todas asreflexões – e isso me parece mais ausência de reflexão do que reflexão –, é aúnica que eu francamente não endosso.

Colocado nesses termos o que pretendo trazer aqui para debate, podemosobservar que o agravo, nesses últimos 10, quase 11 anos, recebeu, antes daLei nº 11.187, três modificações. A primeira delas é a Lei nº 9.139, de 1995,que boa parte dos nossos ouvintes certamente não vivenciou, quando exata-mente foi feita a transposição do recurso de agravo, retirando o seu recebi-mento, a sua tramitação e o seu reexame pelo próprio Juiz de 1º grauprolator da decisão, propondo diretamente o agravo de instrumento peranteos tribunais.

Dois êxitos foram obtidos nesse momento histórico da reforma do agravo:primeiro, ganhou-se tempo (a média da tramitação do agravo no 1º grau po-dia variar de 03 meses a 01 ano, conforme as condições da comarca); segun-do – e talvez esta tenha sido a maior vantagem –, evitou-se a má-prática daimpetração de mandado de segurança, enquanto o agravo tramitava no 1ºgrau, para obter aquilo que o Juiz não havia dado ao recorrente e aquilo queo próprio legislador não reconhecia como regra: o efeito suspensivo.

Page 60: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 59

Pois bem, 03 anos depois, veio uma nova lei, a Lei nº 9.756, de 1998, que,se diretamente não modificou o agravo, o modificou por vias avessas, alte-rando profundamente o art. 557 do Código de Processo e aumentando signi-ficativamente o poder do Juiz-Relator da instância recursal, ampliando as hi-póteses de negativa de seguimento e criando também a hipótese do § 1º-A,com o provimento de plano do recurso. Ainda que o art. 557 não seja exclusi-vo do agravo, pois se refere a qualquer recurso, podendo, portanto, ser apli-cado à apelação, sabemos todos, e a prática demonstrou isso, que o principalobjetivo foi exatamente acelerar o julgamento do agravo no 2º grau.

Por derradeiro, a Lei nº 10.352 veio chancelar um texto muito frágil, quasenão lido, da Lei nº 9.139, procurando dar uma prioridade ao agravo retidoem detrimento do agravo de instrumento, que sempre fora, no passado, an-tes da Lei nº 9.139, de 1995, o agravo praticamente utilizado, ainda que tam-bém o Código de 1973, sem essas reformas, previsse as duas hipóteses: porinstrumento e retido, à opção do recorrente.

Pois bem, o que fez a Lei nº 10.352? Além de algumas alterações sutis naredação, acabou permitindo, por força da redação dada ao art. 527, inc. II, doCPC, que a opção até então, desde 1973, mesmo com a reforma da Lei nº9.139, não alterada pela Lei de 1998, de escolha entre as formas retida e deinstrumento, antes exclusiva do agravante, passasse também pelo crivo do ju-ízo monocrático do Relator, trazendo então dois destinatários para o exameda forma a ser enfrentado o recurso de agravo. Aconteceu o que era previsí-vel: raríssimas as hipóteses em que foi efetivamente aplicada essa conversão.Portanto, a reforma mostrou-se pífia.

Ao lado dessas discussões que antecedem a discussão da Lei nº 11.187, esob cujo foco pretendo trazer aqui as reflexões que tenho desenvolvido, a co-munidade jurídica já vinha travando um debate sobre o nosso sistemarecursal, há muito já acusado de ser um sistema falido frente às novas neces-sidades da atividade jurisdicional na nossa realidade da vida, dos fatos nesteinício de terceiro milênio. E, por certo, o agravo de instrumento sempre foium dos temas trazidos à baila para essa rediscussão. Falava-se também emrestaurar o entendimento pretérito, e esse pretérito é pretérito mesmo, de-senvolvido ao longo da Idade Média inclusive, da irrecorribilidade das deci-sões interlocutórias. Talvez este não fosse o momento para essa adoção tãoradical.

Pois bem, em vez de optar pelo extremo, pela irrecorribilidade das deci-sões interlocutórias, optou a comunidade jurídica por fazer uma proposta dereforma do agravo, que foi acolhida pelo Congresso Nacional e traduzida exa-tamente pela Lei nº 11.187. E qual foi o ponto crucial dessa reforma? Tornarimperativa a interposição do agravo retido contra as decisões interlocutórias,

Page 61: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

60 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

ou seja, revogada está aquela opção que o Código de 1973 manteve àexaustão até o advento da Lei nº 10.352, que não a revogou, apenas colocoucomo relativizada pela possibilidade de o Relator fazer a conversão.

Isso, quer queiram, quer não queiram, é passado. O agravo retido hoje éimperativo, e, ao dizer que o agravo retido é imperativo, estou indo além dedizer que o agravo retido é a regra. Não. Ele é mais do que isso. Ele é impera-tivo! Por quê? Porque o legislador de 2005 passou a tratar o agravo de instru-mento como regra de exceção topicamente prevista. São taxativas as hipóte-ses em que cabe o agravo de instrumento. Que hipóteses são essas? Primeiro,todas as hipóteses que seriam proferidas pós-sentença, por uma razão muitosimples: o agravo retido provoca reexame do próprio julgador de 1º grau emsede de apelação, permitindo a devolução do que, no seu corpo, foi colocadoa partir da discussão em sede de recurso de apelação.

Portanto, não é possível admitir um agravo retido quando o Juiz já profe-riu a sua sentença, em casos específicos como recebimento de apelação ouefeitos em que a apelação foi recebida. Ainda que isso não esteja expresso nalei, é uma interpretação corolária dela que, em processos de execução ou nafase do cumprimento da sentença, quando a sentença condenar à prestaçãode pagar, ambos, processo de execução do título executivo extrajudicial ecumprimento da sentença configurada como título executivo judicial, são pornatureza, por definição, procedimentos expropriatórios, em que não será aquestão de Direito Material a ser satisfeita resolvida por uma sentença, esim pelos atos expropriatórios, de modo que, nessas hipóteses, o agravo re-tido não encontra espaço, e o agravo de instrumento seria o único recursocabível.

Vejam que uma e outra exceção têm por fundamento questões meramenteprocedimentais; é aquele procedimento que não autoriza o agravo retido. Aoutra exceção em que cabe o agravo de instrumento é nas hipóteses em quea decisão vergastada do Juízo de 1º Grau provoque lesão grave de difícil re-paração. Essa cláusula recursal, sobre a qual pretendemos nos debruçar maisadiante, passa a ser a sustentação do agravo de instrumento mesmo no cursode um processo de conhecimento carente de sua decisão final, qual seja asentença. Então, só nessas três hipóteses as respectivas decisões seriam pas-síveis de serem reexaminadas pelo 2º grau de jurisdição.

Por que essa reforma? Essa pergunta também se impõe. Tem-se faladomuito na questão da celeridade e da morosidade, ponto e contraponto, daprestação jurisdicional e também se tem falado muito na efetividade das de-cisões jurisdicionais. Penso que essas duas questões estão embutidas, masnão respondem sozinhas pela reforma. Esta vai muito além e está inspirada –

Page 62: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 61

pelo menos deve estar inspirada – pela leitura constitucional. Como não po-deria deixar de ser, o processo deve estar absolutamente permeado pelasquestões constitucionais. E tenho colocado como ponto crucial dessa refor-ma o resgate de uma outra garantia constitucional lamentavelmente negli-genciada pelos textos anteriores e por esse sistema recursal, que tem sidoobjeto de tantas discussões: a garantia constitucional do juízo natural.

Por que ouso aqui falar em Direito Constitucional? Vou fazer aqui a analo-gia lato sensu mais do argumento do que da lei obviamente, até porque da leinão caberia. Nós viemos também de uma reforma da Constituição, que foiintitulada, inclusive, de Reforma do Poder Judiciário. E lá, no recurso maisnobre que temos, que é o recurso extraordinário, foi estabelecida tambémuma cláusula para que o recurso extraordinário seja conhecido e enfrentadopela Corte Suprema. Que cláusula foi essa? A cláusula da repercussão geral daquestão constitucional (§ 3º do inc. III do art. 102 da Constituição).

Pois foi exatamente nesse momento que o texto constitucional, a meu juí-zo, abriu a oportunidade para que nós, na via infraconstitucional, tambémpudéssemos discutir o que ora estamos discutindo com a Lei nº 11.187, queé uma profunda revisão do sistema recursal. O que está dito lá na Constitui-ção? Está dito que a Corte Suprema não é o juízo natural do processo subjeti-vo que lá chega para discutir uma questão constitucional que não tenha rele-vância. Portanto, quem é o Juiz natural nessas hipóteses? São os outrosjuízos e tribunais, o próprio Superior Tribunal de Justiça ou o tribunal local,se evidentemente o recurso nasceu em sede de uma apelação.

E é nesse sentido, penso eu, que exatamente veio a Lei nº 11.187. Quem éo Juiz natural para decidir um provimento antecipatório de qualquer tipo deação, da ação de alimentos ao mandado de segurança, da ação possessória aoprocedimento ordinário, cuja ação ordinária se possa louvar no art. 273, noart. 461, § 3º, no art. 461, a, § 3º, da ação de despejo, enfim, de todas aque-las hipóteses específicas ou genéricas do processo de conhecimento do pro-cedimento ordinário, em que os provimentos antecipatórios são contempla-dos? Quem é o Juiz natural para decidir se a liminar será concedida ou inde-ferida? É aquele Juiz que está frente a frente às partes litigantes, olho noolho, é aquele Juiz que coleta a prova, e não o juízo distante e togado dostribunais recursais, salvo se presente a cláusula da lesão grave.

Essa pergunta pode-se repetir a toda e qualquer decisão de caráterinterlocutório – e estamos utilizando a expressão dentro do conteúdo e doconceito que o Código utiliza (art. 162, § 2º) – que for proferida pelo Juiz en-tre a petição inicial e a prolação da sentença, seja ela de cunho de DireitoMaterial, como os provimentos antecipatórios, seja de cunho processual,

Page 63: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

62 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

como a possibilidade de intervenção de terceiros, provas deferidas, provasindeferidas. Bem, se concordarmos com essa colocação, teremos um caminhopara definir a cláusula da lesão grave; se não concordarmos com essa premis-sa, certamente o caminho será outro, e o nosso conceito sobre a cláusula dalesão grave será outro. De quem é a escolha? De todos os operadores; não háinocentes na cena do Judiciário.

Como vem contemplada a cláusula da lesão grave? Vem no nosso trata-mento legislativo específico do agravo de instrumento. Ela é uma cláusulaaberta. O que significa isso? Há que ser emitido um juízo de valor, e é da es-sência da jurisdição a emissão de juízos de valor. Não é no processo que va-mos buscar o conceito da lesão grave de difícil reparação; é no Direito Mate-rial, é nos fatos. Agora, penso que é mais fácil respondermos o que não é le-são grave, e certamente o que não é a lesão grave é o decaimento.

O que quero dizer com isso, resgatando o pensamento de que a decisãofoi enfrentada em 1º grau pelo seu Juiz natural? Se coloquei, perante o meuJuiz, que pretendo que não seja lançado ou seja excluído o meu nome em re-gistros cadastrais por este ou aquele motivo, e o Juiz, enfrentando essa ques-tão, decidir pelo sim ou pelo não, e este é o seu poder, do qual está investi-do pelo art. 92 da Constituição – às vezes, esquecemos que os Juízes de 1ºgrau são órgãos do Poder Judiciário e julgam à luz do art. 2º da Constituição–, se esse pedido foi julgado, decidido, enfrentado, para que eu dele recorratenho de demonstrar o interesse de recorrer. Isso está no art. 499 do Código.É óbvio, tenho que estar vencida, é o decaimento. Qual o meu recurso en-quanto eu estiver discutindo as razões de decidir do Juiz de 1º grau? O agra-vo retido. Não basta demonstrar que discordo da decisão do 1º grau. Isto éda essência de qualquer recurso (agravo retido, agravo de instrumento, ape-lação, embargos infringentes, qualquer recurso que proponha reexame):decaimento e profligação, combate à decisão.

Tais pressupostos não são os que sustentam a cláusula da lesão grave. É evi-dente que, no agravo de instrumento, tenho que ser vencida, porque senão nãoterei interesse de recorrer, mas não basta ser vencida e profligar a decisão;preciso trazer um plus, preciso demonstrar ao 2º grau que não é o Juiz das de-cisões interlocutórias proferidas no processo; para lhe dar essa função de Juizde reexame preciso, como recorrente, demonstrar que aquela decisão que es-tou profligando e que me deu como decaída, como vencida, está ensejando umgrave prejuízo. Esse é o ônus do recorrente. Ele tem que demonstrá-lo quan-do? Na sua interposição do recurso, na sua petição de agravo.

E é evidente que isso virá do mundo dos fatos, da própria relação de Direi-to Material subjacente ou das conseqüências que essa decisão pode produzir

Page 64: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 63

no mundo dos fatos, independentemente, extrapolando a própria relaçãosubjacente. No exemplo dado, o que tenho é uma relação de crédito e débitopresumivelmente em discussão. Até aí nenhuma cláusula de lesão grave. Devodemonstrar que, se o meu nome lá permanecer, um prejuízo concreto eu te-rei: perderei o meu emprego, porque nele não se contrata ou não se mantêmempregados que tenham o seu nome no SPC ou na SERASA. Aí já demonstreiuma cláusula de lesão grave e prorrogo o meu Juiz natural do 1º grau para omeu juízo recursal. É certo que essa tarefa será exatamente dos operadores.

Hoje, qualquer afirmativa sobre uma conceituação específica da cláusulada lesão grave seria quase impossível, porque nós teríamos que viver essanova disposição, que, mais do que uma nova disposição, dá ao agravo de ins-trumento uma nova formatação. Nós estamos vivendo um novo agravo de ins-trumento.

Então, tem que ser relida também aquela doutrina anterior, doutrina que sópode ser utilizada, registre-se, analogicamente, porque ela foi produzida den-tro de textos legislativos que não tinham a feição que hoje o agravo tem, emque impositivamente o agravo a ser interposto das decisões interlocutórias é oretido. Nós vamos verificar que, quando se falava no dano irreparável, na lesãograve, a maior parte dos exemplos dados não nos são aproveitáveis, porque di-zem respeito a decisões proferidas em sede de processo expropriatório. Come-cei aqui a minha fala dizendo exatamente que o agravo retido não cabe nessashipóteses, e, portanto, a cláusula da lesão grave desaparece.

O agravo de instrumento com cláusula de lesão grave está previsto nas hi-póteses de decisões interlocutórias proferidas pelo Juiz, que tem o poder nasua mão de dizer o mais, que é julgar procedente ou improcedente. Se essepoder já foi exaurido, porque estamos num procedimento posterior à senten-ça, ou se esse poder não existe, porque o processo é um processo de execu-ção expropriatório do título executivo extrajudicial, desaparece aquela for-matação do agravo. E aí nos sobrará simplesmente o agravo de instrumento,porque impossível, inviável, não manejável o agravo retido. A cláusula da le-são grave aparece como agravo concorrente ao agravo retido, e são exata-mente aquelas decisões proferidas antes da sentença.

Ora, o que mais sustenta essas reflexões? Apenas uma prática nefasta au-torizada pela Lei de mais de 30 anos, isso para citar apenas o Código de1973, é que torna isso quase aceitável. É inconcebível que, em sede de pro-cesso de conhecimento, irrelevantes as suas diversas formataçõesprocedimentais, em que o Juiz tem o mais, que é decidir pela procedência oupela improcedência, o tribunal, que não está próximo ao litígio, não está pró-ximo aos fatos, não está próximo às partes litigantes, intervenha e manipule

Page 65: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

64 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

a decisão de 1º grau em sede de puro e simples reexame das questões decidi-das.

Então, nesse sentido, a Lei nº 11.187, dizendo que, sim, a intervenção do2º grau será possível, mas será possível tão-somente quando presente a cláu-sula da lesão grave, vem certamente resgatar a jurisdição de 1º grau, que é oexercício por excelência da prestação jurisdicional.

Quero dizer algumas palavras também sobre a questão da irrecorribilidadeda decisão que converte o agravo de instrumento em agravo retido. A Lei foiclara: são irrecorríveis as decisões que conferem ou negam efeito suspensivoao agravo e as decisões que convertem o agravo de instrumento em retido.Vamos deixar de lado a questão do efeito suspensivo, o devolutivo, que evi-dentemente só seria aplicável naquelas hipóteses remanescentes, em que oagravo de instrumento persiste, porque não manejável, inócuo o agravo reti-do, e vamos nos centrar na questão exatamente da conversão por convicçãodo Relator, juízo monocrático dos tribunais, de que ausente a cláusula da le-são grave. Um parêntese: a decisão nesse sentido deve ser fundamentada,deve-se dizer por que está ausente a lesão grave, uma vez que o recorrentetem direito a ter suas decisões fundamentadas.

Tenho ouvido falar realmente nos corredores forenses que essairrecorribilidade reabrirá aquela má-prática que eu mencionava no início eque foi uma das fundamentações de o agravo de instrumento não mais trami-tar perante o 1º grau e ter a sua formatação atual de ser interposto direta-mente perante o 2º grau, com a reforma de 1995, qual seja, se não é recorrívela decisão, propõe-se o mandado de segurança.

Nada mais equivocado. Essa é uma leitura pífia e humilhante do mandadode segurança. Mandado de segurança é ação constitucional! Mandado de se-gurança é garantia do art. 5º, inc. LXIX! Não podemos transformá-lo num“recursinho”, porque é isso que ele será, já que terá menor hierarquia doque o agravo interno do art. 557, § 1º. Lá ele tem espaço na lei, tem regula-mentação, tem penalizações de multa; aqui, ele vai entrar de barato pelaporta dos fundos. Mandado de segurança reclama ilegalidade lato sensu estricto sensu. Stricto sensu no sentido de que foi ofendida disposição expres-sa de lei quanto à questão da forma do ato impugnado; no sentido maislato, absorvendo a expressão abuso de poder, porque foi praticado por au-toridade incompetente, ofendendo a lei, visto que a lei estabelece a compe-tência.

Qual a ilegalidade de converter o agravo de instrumento em retido peloRelator, conforme o art. 527, inc. II? Primeiro, está previsto na lei; segundo,é juízo de valor, e juízo de valor é o que alimenta as decisões judiciais. Reti-

Page 66: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 65

rem o juízo de valor das decisões judiciais, e iremos todos, sem exceção,para casa. Julgar é decidir! Decidir é fazer escolhas. Decidir é juízo de valorcom prudência, prudência como critério de escolha. Não é por outra razãoque essa palavra gerou a expressão jurisprudência, resgatando a idéia de pru-dência que lamentavelmente o sistema iluminista e racionalista, a partir doséculo XVIII, fez com que ficasse soterrada na história e no tempo.

Fomos buscar o sentido de prudência. Nos tempos antigos dizia-se assim:“Prudência é a maior virtude do homem, supera a coragem”. A coragem, nosprimórdios dos tempos, era importante, porque se vivia à base da guerra, ohomem era guerreiro por excelência. Prudência é a maior virtude dos ho-mens, é a virtude da escolha, é a virtude das opções, e o Juiz escolhe. Se oJuiz de 1º grau escolheu a forma adequada, fundamentadamente, competentepara tanto, e as regras de competência estão aí para serem argüidas, e emagravo de instrumento não veio agregada satisfatoriamente cláusula de lesãograve, e o Juiz-Relator está investido da jurisdição para dizer que não estápresente e, portanto, converter o agravo em retido – ele é competente paraessa matéria –, não tenho ilegalidade nem stricto nem lato sensu, não tenhoabuso de poder a autorizar a ação extrema, o remédio maior, a ação constitu-cional do mandado de segurança.

Também não será caso de agravo regimental, porque o agravo regimentalestá muito expresso lá no Regimento do Tribunal, que não substitui textoproduzido pelo Congresso Nacional. E, tenhamos ou não queixa sobre o nos-so Congresso Nacional, enquanto texto de lei produzido, temos queinterpretá-lo também à luz do art. 5º, inc. II, da Constituição. O princípio dalegalidade foi objeto do nosso pacto social, e a lei diz: “O teu Juiz recorrentepara dizer se há ou não há cláusula de lesão grave é o Relator do recurso, éeste órgão monocrático”. Daí por que a irrecorribilidade não ofende o orde-namento jurídico. Posso conceber uma hipótese de mandado de segurança?Posso, mas não porque houve juízo de valor, tenho que caracterizar que oato que estou impugnando foi praticado com ilegalidade.

Um exemplo, e aqui até homenageando o nosso promotor do evento: in-gressa, lá na 17ª Câmara Cível, uma ação de natureza de Direito de Família.Eu, como Desembargadora-Relatora da 17ª Câmara Cível, de Direito Privado,há muito tempo não atuo na área de família, mas resolvo tirar a minha“casquinha”. Examino e digo que não há cláusula e converto. Esse meu ato éilegal lato sensu, porque ofende a competência. Nesse caso, o fundamento domandado de segurança não será porque converti, mas porque não é aDesembargadora da 17ª Câmara competente. É uma questão de competênciaabsoluta, porque diz em relação à matéria e da própria organização judiciária

Page 67: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

66 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

do Tribunal. Então, o argumento será esse, e não porque manifestei convicçãonegando a existência de cláusula de lesão grave e convertendo o recurso.

Eu gostaria ainda de dizer uma última palavra sobre o art. 557 versus cláu-sula de lesão grave. Particularmente, não tenho dúvida nenhuma sobre ocaput do art. 557, primeiro, porque estabelece regras gerais que qualquer re-curso tem que preencher, que são os pressupostos recursais que levam ao ju-ízo de admissibilidade; segundo, porque a mesma negativa de seguimentocom base no mérito manifesta improcedência, ou a questão da jurisprudênciasumulada dos Tribunais Superiores e do tribunal local, adentrando no mérito,sobrepõe-se à cláusula. Por quê? Porque, se, desde logo, à evidência, se podedetectar que o recurso não atende aos requisitos mínimos e genéricos de to-dos os recursos, não há por que se adentrar no exame da cláusula da lesãograve, que é específico para o agravo de instrumento nessas hipóteses, nãosendo conhecido, já porque não atende preparo, prazo, enfim, aqueles pres-supostos recursais genéricos.

Segundo, se a questão desde logo está pré-decidida – e é mais ou menosisto que o texto do art. 557 diz quando fala em manifestamente improceden-te, e, na questão sumulada, é uma pré-decisão –, não há nem por que ficardiscutindo se tem ou não tem cláusula, nega seguimento e pronto. Então, háuma tranqüila e absoluta sobreposição do art. 557 à regra do art. 527, inc. II.

Permanece a discussão sobre o art. 557, § 1º-A, em que o provimento é deplano. Ora, para dar provimento, tenho que passar necessariamente pelospressupostos recursais genéricos. Só posso prover de plano se o agravo queveio é tempestivo, tem preparo, há interesse de recorrer, a parte é legítima,etc., a formatação está preenchida. Indago: posso prover de plano se ausentecláusula de lesão grave? Na hipótese do caput, ela está totalmente subsumida;na hipótese do § 1º-A, não.

Duas posições antagônicas podem ser colocadas nesse sentido. A primeira,resgatando exatamente a prevalência do juízo natural do Juiz de 1º grau, fa-zendo com que, mesmo que aquele órgão já tenha questão completamentefechada, até com base – vamos pegar a hipótese expressa da lei – em juris-prudência sumulada dos Tribunais Superiores, mesmo de antemão sabendo-se que é caso de provimento, é converter em retido pró juízo natural, pró to-dos os argumentos que fizeram com que o agravo retido seja imperativo.Essa posição guarda absoluta coerência com tudo o que foi dito até agora.

Segunda posição: a vida não é absoluta, o Direito também não é absoluto,e muito menos o processo é absoluto. Se, de um lado, com a cláusula da le-são grave, se está procurando resgatar o juízo natural, se está dizendo que otribunal não vai intervir, o Juiz tem o dever-poder de administrar o bem da

Page 68: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 67

vida até a sentença. Na sentença, ele decide sobre o bem da vida, e, a partirdaí, tudo com o duplo grau de jurisdição. Contudo, numa ótica de ativismojudicial, considerando que aquela questão está pré-decidida, em nome deuma celeridade e de uma efetividade, relativiza-se a questão, não se adentrana cláusula da lesão para se dar provimento de plano.

Vejam que são duas posições completamente contraditórias. Qual será aque vai prevalecer? Confesso a vocês que, se soubesse disso, provavelmentenão os estaria incomodando com a minha fala, deveria estar gozando do ve-rão em algum lugar deste planeta, porque teria acertado na loteria diversasvezes. Muito obrigada.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS – Quanto à questão da cláusula dalesividade como condição de o agravo ser inclusive apreciado como de instru-mento, parece-me que essa mesma condição é posta para a concessão doefeito suspensivo ou de antecipação de tutela, de forma que, salvo engano,me parece que, na generalidade dos casos, na medida em que se admita o co-nhecimento do agravo como agravo de instrumento, pelo mesmo fundamen-to, se deverá conceder antecipação de tutela ou efeito suspensivo, porque acláusula da lesividade é pré-requisito comum às duas conseqüências.

DESª ELAINE HARZHEIM MACEDO – Está muito bem colocada a questão, eme permito retomar aqui uma situação. Quando foi trazido à baila o textocom essa formatação do agravo diretamente no tribunal, de que o efeito sus-pensivo seria concedido na medida em que presente a lesão grave, situaçãoque a Lei de 2001 também trouxe para a hipótese da conversão, até entãocomo uma mera opção do art. 527, nas duas oportunidades, em 1995 e 2001,eu já me questionava sobre a questão da lesão grave e de difícil reparação.Sempre questionei, Des. Luiz Felipe, e continuo questionando, embora res-peitando as posições, essa dilação que se dava à lesão grave. Contra ela sem-pre me opus. Procuro ser sempre muito autêntica em decidir dentro daquiloque penso e que defendo, porque tenho que ter um mínimo de coerência en-tre aquilo que exponho nas minhas aulas, nos meus escritos, e aquilo quepratico. Colegas de 1º grau ou advogados que manejam os meus agravos des-de essa época devem ter presente isto, que raríssimas vezes concedo o efeitosuspensivo, porque dificilmente me convencem de que há lesão grave.

Então, que a cláusula da lesão grave não é mero decaimento, isso paramim não é novidade. Agora, por que penso que nesse texto ela vem com no-vas luzes? Por causa do momento da reforma, por causa da legitimação da re-forma, e aí me amparo mais uma vez na Constituição. Esta foi a motivação

Page 69: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

68 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

por que eu trouxe, inclusive, o próprio recurso extraordinário, formataçãodada pela Constituição, de reduzir, em sede de recursos extraordinários –certamente todos tratando de questão constitucional, porque senão sequerseriam conhecidos como tais –, a intervenção do Supremo nas questões cons-titucionais. Não basta mais ser questão constitucional para que o Supremo in-tervenha; é preciso que seja questão constitucional com relevância.

Esse paradigma está insculpido numa proposta de revisão do sistemarecursal, que começa necessariamente não por modificar um prazo, colocarmais um requisito; começa por reduzir a intervenção dos Tribunais recursaise Superiores e resgatar a jurisdição de 1º grau. Então, primeiro, foi dada umamá-interpretação, ao longo desses anos, a partir de 1995, ao efeito suspensi-vo do art. 558, à lesão grave do art. 527, com a Lei de 2001, dando à lesãograve simplesmente o mesmo sentido: “Olha, não ganhei a posse que pediliminarmente. O Juiz indeferiu. Isso é lesão grave!” “Não me deram os alimen-tos no valor que eu pedi. Isso é lesão grave!”

Podemos continuar pensando assim, é responsabilidade de cada operador.Quem quiser continuar pensando assim que responda por seus atos. Será queé isso que a reforma está pretendendo? Parece-me que não! Há uma revisãode princípios maiores, princípios constitucionais. Se retirarmos isso da refor-ma, não precisamos mais da reforma. Para que reformar se está tudo comodantes? Vamos ficar com os velhos textos! A mudança tem que vir para rever-ter paradigmas, e o paradigma que vejo atrás dessa reversão é a Constituição,são os direitos fundamentais. O art. 92 diz que o Juiz de 1º grau é órgão dajurisdição.

Lembro que, quando eu era Juíza de Viamão, e lá se vão alguns anos, nessasconversas de corredor sobre uma questão de reforma me perguntaram qual erao sentimento do Juiz quando o tribunal reformava uma decisão. Eu disse na-quela ocasião uma coisa que continuo dizendo hoje constantemente: o tribunalé um mal necessário, não deve intervir, mas intervirá se houver lesão grave. Seeu banalizar a lesão grave, o que estou dizendo? Amplo reexame. A cada deci-são que o Juiz dá, o tribunal é chamado a intervir. Isso é muito nefasto e fazcom que o Juiz – já fomos Juízes de 1º grau e sabemos que isso acontece – te-nha a tendência de pensar da seguinte forma: “O tribunal vai decidir. Vou daruma seguradinha, ver o que ele decide, daí já estou com a decisão pronta”. Istoé kafkiano! O reexame por excelência há de ocorrer quando? Na apelação. Éuma questão de filosofia. Penso a jurisdição assim.

E apenas agrego: onde nasceu a Lei nº 11.187? Talvez estejam alguns deseus autores aqui dentro. Nasceu dentro da AJURIS, num grupo de Colegas de1º e 2º graus, exatamente comprometidos com isto, resgatar a jurisdição de1º grau.

Page 70: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 69

Digamos que errou o Juiz; não quis usar essa palavra durante a minha fala.Nós não erramos? O Supremo não erra? Se o Supremo não erra, vamos todospara casa, e ele que decida tudo. Perguntem para a parte vencedora do atojudicial decisório se a decisão do Juiz está errada. Ela vai dizer que não. É daessência da jurisdição que alguém ganhe e alguém perca. O que nós tiramosdo autor damos para o réu; o que tiramos do réu damos para o autor. Portan-to, sempre haverá alguém insatisfeito com a decisão. Isso nós não vamos eli-minar nem com duplo, nem com terceiro, nem com quarto, nem com quintograu de jurisdição. Sempre haverá alguém que decaiu, e este nunca vai con-cordar e se conformar com a decisão, nós sabemos disso, isso é da essênciado ser humano. Aliás, chamo a voz de um grande jurista e advogado, cuja ad-miração pessoal por ele é pública e notória, Prof. Ovídio Baptista da Silva,com mais de 50 anos de advocacia: qual é a grande fundamentação dos recur-sos? O advogado recorre porque o recurso existe.

Page 71: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

70

Page 72: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

71

DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDAPÚBLICA (LEI Nº 11.232/05)

DES. HENRIQUE OSVALDO POETA ROENICK – Em primeiro lugar, queroagradecer aos Colegas do Direito Público, que, também convidados a falarneste Centro de Estudos sobre o tema ora em exame, declinaram do convite,lembrando meu nome ao seu Diretor, a quem também cumprimento nestaoportunidade.

Em segundo lugar, cumprimentar a todos os presentes, em especial alunosmeus que aqui identifico, tanto da Escola da Magistratura quanto do CEJUR.

Em terceiro lugar, e de certa forma já adentrando no tema que foi propos-to pelo Centro de Estudos, lembro aos presentes, o que seria de todo desne-cessário, que a Lei nº 11.232/05, quanto aos embargos à execução contra aFazenda Pública, praticamente nada inovou ou modificou o que dantes já ha-via na Lei Processual Civil. Procedeu apenas a uma adaptação necessária, por-quanto o capítulo que antes tratava, genericamente, dos Embargos à ExecuçãoFundada em Sentença, dispõe, agora, especificamente, sobre os Embargos àExecução Contra a Fazenda Pública, mas sem alteração significativa.

Em verdade, parece-me, perdeu o legislador uma grande oportunidade deefetuar mudanças radicais para a equiparação das partes na lide judicial, cer-tamente em face do entendimento a respeito da supremacia do interesse pú-blico (Fazenda) sobre os demais. Manteve o privilégio de prosseguir a Fazen-da Pública utilizando-se dos denominados embargos do executado. Tanto é as-sim, que o Capítulo II, do Título III, do Livro II, do CPC, como referi logo aci-ma, passa a denominar-se Dos Embargos à Execução contra a Fazenda Pública.

Breve incursão, mas sem chatear os senhores, porque serei efetivamentebreve a respeito, parece-me necessária sobre aquilo que parte da doutrina vaidenominar de Fase Autonomista e Fase Instrumentalista do processo. Até paracompreender em que âmbito se situam as recentes alterações introduzidaspela Lei nº 11.232/05, e também para que se possa melhor projetar o quadropor ela alterado.

Estamos presenciando, para alguns já com alguma demora, alterações sig-nificativas no plano infraconstitucional, que mostram a tendência do legisla-dor a uma, por assim dizer, simplificação do processo. Poder-se-ia até afirmar,

Page 73: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

72 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

com alguma ousadia, que a tendência moderna (e isto pelo que se pode veri-ficar com as recentes alterações legislativas, especialmente, da lei processualcodificada) significa talvez um prenúncio de abolição da clássica estruturatripartida do processo civil brasileiro (processo de conhecimento, execução ecautelar), herança da denominada Fase Autonomista, em face da qual o DireitoProcessual passou a ter um tratamento eminentemente científico.

Os anseios da sociedade fizeram com que voltássemos nossos olhos aoque há duzentos anos já haviam referido os processualistas contemporâne-os, ou seja, à Fase Instrumentalista, ou ao que vulgarmente denominamos deinstrumentalidade processual. Contudo, pela maneira eminentemente cientí-fica com que vinha sendo abordado o processo na Fase Autonomista, estainstrumentalidade processual, restou até, e por vezes, de certa forma es-quecida ao longo do tempo. Retomada com vigor na década de 80 (e temosaqui no sul Galeno Lacerda com excelentes trabalhos sobre a instrumen-talidade do processo e a flexibilização das formas processuais, com profun-dos reflexos na teoria das nulidades), a Fase Instrumentalista reabre a idéiade que o processo é apenas e tão-somente meio, instrumento, do DireitoMaterial e para que a jurisdição possa alcançar seus fins sociais, jurídicos,políticos, econômicos, etc. Ou seja, pela instrumentalidade processual tem-se cumprida a missão constitucional de pacificação do conflito (CF, art. 5º,XXXV).

Por último, estamos vendo referência doutrinária a respeito de se estarinaugurando uma nova fase do processo, aquilo que, por exemplo, GlaucoGumerato Ramos, em artigo intitulado A Lei nº 11.232/05 e os Novos Rumos doProcesso Civil Brasileiro. A Caminho da Fase Utilitarista do Processo, publicado noJus Navigandi, refere e denomina de Fase Utilitarista do Processo Civil. Ou seja,não basta que o processo seja instrumento. Não basta que se tenha a concep-ção do processo como algo instrumental. Esta instrumentalidade há de ser Útil.Ou seja, utilidade no instrumento.

A sociedade, o homem comum, o jurisdicionado em geral, não tinha e nãotem como entender que apesar de ter ganho a demanda, com sentençatrânsita em julgado, tenha ainda, e novamente, de aguardar um “novo proces-so”, agora a execução, com outra sentença, sujeita aos mesmos recursos da-quela que já lhe havia dado ganho de causa, e com todos os incidentes pró-prios e intrincados de uma eventual satisfação do crédito pela necessidade devenda de bens do devedor em hasta pública.

O processo, através do qual se exerce a jurisdição civil, há de ser cada vezmais Útil. Não basta que sirva de instrumento. Mas este instrumento há de serevelar útil ao jurisdicionado. Ou seja, não basta que pelo processo seja en-

Page 74: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 73

tregue, formalmente, o bem da vida perseguido. Esta entrega deve ser, no má-ximo possível, eficaz. Ou seja, Eficácia, poderíamos afirmar, é o que se neces-sita e se pretende com o processo. Assim, parece-me que o que Glauco afirmaser a fase utilitarista do processo, eu ousaria afirmar que é aquilo que semprese buscou ou pretendeu em termos de processo como instrumento a comporo conflito, ou seja, naquilo em que o processo deve se concretizar, vale di-zer, um Instrumento Eficaz e Efetivo da prestação jurisdicional. E estas altera-ções da lei codificada, em última análise, parece-me, estão a representar,nada mais, nada menos, do que a consciência do legislador, pressionado pe-los anseios sociais.

Sabe-se, existem posições de crítica a estas, assim denominadas, sucessi-vas ondas reformistas, as quais, conforme afirmam seus críticos, resultaram emquebra do sistema legislativo, por representarem as mais variadas orienta-ções. Se isto é verdade por um lado, e parece-me que até possa ser, ainda as-sim ousaria afirmar que estas mudanças, com a recentes reformas da lei pro-cessual, podem, sim, importar numa simplificação do processo, com ganhopara a efetividade e eficácia da prestação jurisdicional. Cabe a nós, trabalha-dores do Direito, na incansável tarefa de interpretação da lei, de sua ratiolegis, buscar afastar eventuais imperfeições, lacunas e até obscuridades dosistema legal. A crise social, evidentemente, tem reflexos diretos e imediatosno Poder Judiciário, cada vez mais reclamado e procurado no que diz com asua função social que é a de compor litígios, com a tal reclamada e necessáriareparação da lesão ou da ameaça de lesão a direito individual ou coletivo. Porevidente que a simplificação do processo, em termos de busca, pelo menos,de efetividade e eficácia da decisão judicial, não logrará resultadossatisfatórios se o devedor não dispõe de patrimônio para a satisfação do dé-bito. Mas isto, por óbvio, é circunstância outra, que jamais terá solução peloprocesso. Se a sociedade vem empobrecendo e por isso aumentando ainadimplência, a solução de tal problema passa pelo exame e enfrentamentode questões outras, não afetas à ciência do processo.

O que se há de pensar é que simplificação do processo atende, por certo,aquelas hipóteses em que se tem solvabilidade do devedor. Nestas circuns-tâncias, não tenho a menor dúvida, teremos um ganho significativo com asrecentes alterações legislativas. Especialmente, no que nos é dado enfrentar,em face da Lei nº 11.232/05, quanto à execução da sentença condenatóriapara o devedor comum. Agora, a fase é de mero cumprimento da sentença,com simplificação de etapas, recursos, etc., porquanto não há mais falar emdeflagração de um novo processo, o de execução, com nova citação, nova de-fesa, nova sentença, etc., etc.

Page 75: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

74 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

Poder-se-ia até afirmar, talvez sem muito esforço de adivinhação, que cadavez mais nos aproximamos, forma até rápida, daquilo que parece ser inevitá-vel num futuro próximo, qual seja, a extinção ou desaparecimento da estruturatripartida do processo civil, naquela clássica distinção entre processo de conheci-mento ou de cognição ampla, processo de execução e processo cautelar. Sem dúvi-da, poderíamos até ousar, afirmando que, em breve, poderemos ter uma es-trutura processual dividida e tendente apenas a prestar tutelas jurisdicionaissatisfativas (cognitivas ou executivas) e de urgência (de naturezaantecipatória ou cautelar). O que se pretende, é um processo racional, instru-mental e útil, ou seja, um processo racional, instrumental, Efetivo e Eficaz.

Face a isto tudo que rapidamente, e até de forma superficial, afirmamos, eporque sensível a tais anseios sociais, o legislador pátrio, já com a Lei nº10.444/02, suprimiu o processo autônomo de execução para as sentençasnão-condenatórias, quais sejam De Fazer, Não-Fazer (art. 461 do CPC) e Entregar(art. 461-A do CPC).

Agora, por último, a Lei nº 11.232/05 faz desaparecer o processo autônomode execução das sentenças condenatórias, fazendo com que aquela seja umamera continuação do processo de conhecimento. Ou seja, uma mera fase de Cum-primento da Sentença.

Contudo, e aqui adentramos propriamente no tema que nos foi proposto, la-mentavelmente segundo minha ótica, não o fez para a execução contra a Fazen-da Pública. Para esta, manteve-se inalterada a execução pelo rito do 730 do CPC,com deflagração necessária de um novo processo após o cognitivo, qual seja ode execução, com defesa da executada Fazenda Pública por meio dos embar-gos, na forma do que dispõe, agora e com exclusividade para a Fazenda Pública,o art. 741.

E, como de início referi, aquilo que estava disciplinado no livro processualcomo Embargos à Execução Fundada em Sentença, passou-se a denominar DosEmbargos à Execução contra a Fazenda Pública apenas com algumas poucas alte-rações e que, por óbvio, se faziam necessárias.

Primeiro, o próprio caput do artigo.Redação atual do art. 741, caput, do CPC: “Na execução fundada em título

judicial, os embargos só poderão versar sobre:” e Redação dada pela Lei nº11.232/05: “Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderãoversar sobre:” Como se vê, mera adequação necessária.

Quanto aos incisos:a) O Inciso I.Redação atual do CPC: “falta ou nulidade de citação no processo de conhe-

cimento, se a ação lhe correu à revelia.”

Page 76: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 75

Redação dada pela Lei nº 11.232/05: “falta ou nulidade da citação, se oprocesso correu à revelia;”

Suprimiu-se a expressão “no processo de conhecimento” que havia no tex-to anterior, resultando em uma simplificação do texto legal, com exclusão doque era, por evidente, desnecessário lá constasse.

A lei não deve, como sabemos, conter expressões inúteis, e a nulidade doato citatório a que se refere a disposição legal só poderia ser, por evidente,aquele ato citatório havido na fase cognitiva, e isto por força da expressão,também lá existente, “se a ação lhe correu a revelia”. Ora, não há falar, comose sabe, em revelia no processo de execução.

Outra alteração, foi a que importou em substituir-se a palavra “ação” por“processo”. Atendeu-se, portanto, a meu sentir, a uma melhor técnica pro-cessual.

Manteve-se, assim, a orientação anterior, no sentido de que a falta ou nuli-dade do ato citatório havido no processo cognitivo (com a condição de reve-lia do réu, por óbvio) é mácula que pode e deve ser examinada em sede dedefesa, através dos embargos, no processo de execução, pois a sua configura-ção compromete, pelo princípio da contaminação que orienta o sistema dasnulidades processuais (arts. 248 e 249, caput, do CPC), todos os atos posteri-ores que dele sejam dependentes. E o processo, como ato complexo por ex-celência que é, terá, quanto aos atos posteriores ao nulo, o reflexo conse-qüente da nulidade a comprometê-los.

E veja-se. O art. 248 refere que reputam-se de nenhum efeito os atosposteriores dependentes do nulo. Em verdade, aqui uma imprecisão técnicado legislador, pois a eficácia é retirada pela circunstância óbvia de que oato posterior, dependente do nulo, nulo é. Não se pode alcançar validadeàquilo que depende do nulo. Então, por isso, porque estamos no plano davalidade e não da eficácia, é que se poderá, em sede de embargos do deve-dor, sustentar a nulidade, que se opera ipso iure, do título executivo, por-quanto posterior e dependente do ato inaugural do processo de conheci-mento que era a citação.

E mais. O legislador equipara, para os mesmos efeitos, a inexistência fáticado ato citatório, que não se confunde com nulidade deste, mas que, desdeque não havida no plano fático e que, como na hipótese da nulidade, tenha oprocesso corrido à revelia do réu, vai importar em nulidade do título executi-vo. E, por evidente, a revelia é exigida para que tal mácula (inexistência fáticaou nulidade) possa ser alegada nos embargos, pois, pela revelia, o que seteve, em face da nulidade ou falta da citação, foi a não-angularização da rela-ção processual. Se angularização tivesse ocorrido, com o comparecimento do

Page 77: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

76 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

réu, embora nula ou ausente a citação, ter-se-ia convalidado o vício, escapan-do a matéria, nesta hipótese, ao âmbito dos embargos.

Veja-se que, como regra, os demais vícios processuais, inclusive os da sen-tença, desde que transitada em julgado a decisão, devem ser examinados emsede de ação rescisória. Um deles, que permaneceu possível de ser examina-do fora daquela sede especial e restrita, que é o da nulidade ou falta do atocitatório no processo de conhecimento, capaz de tornar insubsistente a pró-pria sentença trânsita em julgado, e desde que alegado no prazo dos embar-gos.

Ou seja, como acima referi, por nulidade do título executivo, em face doprincípio da contaminação antes referido, poderá o executado, em sua defe-sa, impedir a execução. É matéria, veja-se, que poderá ser deduzida e enfren-tada até em sede de exceção de pré-executividade, pois aqui se têm presen-tes os requisitos a tanto, quais sejam a nulidade caracterizada do título exe-cutivo e a desnecessária produção de prova, a qual já está pré-constituída nosautos do processo de conhecimento.

b) Os Incisos II, III e IV.Permaneceram absolutamente inalterados e de acordo com a mesma reda-

ção anteriormente existente no Código, que tratam: (inc. II) da inexigibilidade(no tempo absoluto ou no tempo relativo) do título; (inc. III) da ilegitimidadedas partes (legitimação no plano do Direito Material que, após a expediçãodo título, pode ter-se alterado, com substituição subjetiva no direito de cré-dito ou na obrigação de satisfazê-lo – muito comum, por exemplo, após a ex-pedição do precatório contra a Fazenda Pública, a cessão que vem ocorrendoatualmente dos direitos ao crédito do precatório, especialmente em relaçãoaos credores do IPERGS); e (inc. IV) da cumulação indevida de execuções (pos-sível a cumulação desde que haja homogeneidade das pretensões, competên-cia do juízo e identidade na forma do processo, conforme regra do art. 573do CPC).

De qualquer forma, por ausência absoluta de transformação destas regras,relativas aos incs. II, III e IV, pela Lei nº 11.232/05 e em face do tema propos-to, deixo de tecer maiores considerações a respeito, porquanto tudo o quevinha pela doutrina e jurisprudência sendo dito como aplicável a tais disposi-ções legais continuará e inalterado, apenas com a circunstância e o cuidadode que tais disposições, agora, dizem respeito exclusivamente aos embargosà execução contra a Fazenda Pública, como sabemos.

c) O inciso V.Redação atual do CPC: “excesso de execução, ou nulidade desta até a pe-

nhora”.

Page 78: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 77

Redação dada pela Lei nº 11.232/05: “excesso de execução;” Como se vê,já pela leitura, infere-se suprimida, por razões óbvias, a expressão “ou nulida-de desta até a penhora”, pois, como se sabe, não há falar em penhora debens da Fazenda Pública, na medida em que o rito da execução é aquele pre-visto no art. 730 do CPC.

A execução, como se sabe, deve-se ater ao que, objetivamente, se contémnos limites do título executivo. Por isso o excesso deve ser alegado em sededa incidental própria dos embargos do devedor.

Aí entra uma questão interessante e hoje, de certa forma, pacificada peloSuperior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, que diz respei-to à verba honorária ser devida, ou não, no processo de execução não embar-gado pela Fazenda Pública.

Após grande discussão jurisprudencial, em face da edição da MP nº 2.180-35, pacificou-se o entendimento de que não cabe mais fixar honorários para aexecução contra a Fazenda Pública, desde que posterior o ajuizamento destaexecução à vigência da tal Medida Provisória, excetuadas as hipóteses de execu-ção especial, pelo rito da RPV. A tese resultou vencedora pela circunstância deque a Fazenda não pode pagar, forma espontânea o débito, pois necessária adeflagração da execução para expedição do precatório, que é necessário, oque não ocorre quando se tratar de RPV.

Com a mais respeitosa vênia ao Superior Tribunal de Justiça e ao SupremoTribunal Federal, é de duvidosa aceitação tal interpretação. Isto porque, seanalisarmos, por exemplo, as inúmeras ações propostas contra o IPERGS deintegralidade pensional previdenciária, chega-se a inegável conclusão de quenão só podia, como de direito devia o IPERGS, com a nova ordem constitucio-nal vigente após a EC nº 20/98 e as decisões do Supremo Tribunal Federal (in-terpretando a Consituição Federal), implantar, administrativamente, aintegralidade pensional, evitando, desta forma, a enxurrada de ações (milha-res), para atendimento do que a Consituição Federal já determinava.

Então, tiveram as pensionistas de movimentarem o Judiciário para o reco-nhecimento de tal direito através de milhares de ações. E, a final, deflagraremo processo de execução contra a Fazenda Pública para a cobrança das parce-las vencidas e devidas. E a execução, em situações que tais (embora necessá-ria por disposição legal), além do que poderia ter sido evitada (bem assim opróprio processo cognitivo houvesse a devida e possível implementação ad-ministrativa da integralidade pensional), por certo, na prática, como sabemosimporta em processo muito mais demorado e oneroso que a própria fasecognitiva. Basta ver a quanto anda o pagamento dos precatórios do IPERGS edo Estado. E ainda assim, conforme orientação das Cortes Superiores, em

Page 79: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

78 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

face da MP nº 2.180-35, descabe fixar verba honorária se não embargada aexecução e se ajuizada posteriormente à vigência de tal Medida Provisória.

Por outro lado, ainda teríamos o argumento de que, em matéria proces-sual, não tem vez nem hora a hipótese de ser ela regulada por medida provi-sória, pois ausente um dos requisitos constitucionais para a sua edição, que éo da urgência, como prevê a própria Constituição Federal. De qualquer forma,bem ou mal, o Supremo Tribunal Federal, também por disposição constituci-onal, é quem tem a competência para a sua guarda (art. 102 da CF) e pacifi-cou a questão. E tendo ele afirmado a constitucionalidade de tal Medida, res-ta a nós o acatamento. Daí que hoje, forma unânime, tem-se entendido, paraas execuções deflagradas contra a Fazenda Pública após a edição da referidaMedida Provisória, e não embargadas, o descabimento da verba honorária,com que sua fixação, em juízo provisório, poderia, com base na regra doinciso V em comento, ser argüido o excesso.

Referi acima a supressão, pela Lei nº 11.232/05, da expressão anteriormen-te existente na lei, qual seja “ou nulidade desta (execução) até a penhora.”Como não há penhora na execução pelo rito do art. 730, por certo a supres-são da palavra penhora se fazia necessária. Contudo, e aqui confesso não medediquei com profundidade sobre a questão, mas creio que poderia ter per-manecido no texto legal a expressão “ou nulidade desta”, ou seja, nulidadeda própria execução que, como adiante se verá, poderá ocorrer em razão dahoje discutidíssima e recentíssima questão a respeito da execução da Fazen-da Pública pela RPV, com possibilidade, ou não, do fracionamento do títuloem execução, bem como em que consistiria tal fracionamento. Assim, desdeque deflagrada a execução pela RPV, sem que fosse possível tal execução es-pecial, por afronta à regra do art. 100, § 4º, da CF/88, por certo poderá o de-vedor invocar a nulidade da execução.

Então, creio que poderia ter sido mantido no texto legal, na dicção do inc.V do art. 741, a referida expressão, podendo a regra ter tido a seguinte reda-ção: “excesso de execução ou nulidade desta”.

d) O inciso VI.Redação atual do CPC: “qualquer causa impeditiva, modificativa ou extinti-

va da obrigação, como pagamento, novação, compensação com execuçãoaparelhada, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença;”

Redação dada pela Lei nº 11.232/05: “qualquer causa impeditiva, modifica-tiva ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação,transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença;”

Como se vê, extirpado do texto legal a expressão “com execução aparelha-da”, e com razão, pois a compensação é direito constitucional e, desde que

Page 80: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 79

presentes seus requisitos, não se faz necessária a existência de uma execuçãoaparelhada para garanti-la.

E pelas mesmas razões a que aludi nas hipóteses dos incisos II, III e IV, porausência de alteração significativa do texto legal, o que antes era dito para aregra em comento, permanece agora perfeitamente aplicável.

e) Por fim, o parágrafo único.Redação atual do Código de Processo Civil, acrescido tal parágrafo pela MP

nº 2.180-35, de 24-08-01: “Para efeito do disposto no inciso II deste artigo,considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou atonormativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou emaplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Fede-ral.”

Redação dada pela Lei nº 11.232/05: “Para efeito do disposto no inciso IIdo caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial funda-do em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribu-nal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativotidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a ConstituiçãoFederal.”

Como se vê, aqui houve uma alteração que se poderia dizer até significati-va do texto legal, antes acrescentado ao Código por força da MP nº 2.180-35,e agora pelo que veio ao ordenamento jurídico positivo em face da Lei nº11.232/05.

Pela redação anterior (da MP nº 2.180-35), antes referente apenas ao art. 741do CPC, a inexigibilidade poderia ser suscitada em sede de embargos do deve-dor quando se tratasse de título judicial fundado em lei ou ato normativo de-clarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ouinterpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal.

Agora, pela redação dada pela Lei nº 11.232/05, que além de aplicável aosembargos manejados pela Fazenda Pública (art. 741), também o é em relação à im-pugnação manejada pelo devedor comum ao se insurgir contra o cumprimento dasentença (§ 1º do art. 475-L) – as redações são idênticas –, a inexigibilidade dasentença inconstitucional só pode ser alegada quando se tratar de título judi-cial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supre-mo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou atonormativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Cons-tituição Federal.

A alteração é restritiva, como se vê, de plano, pela dicção legal. Antes,não havia necessidade do pronunciamento do Supremo Tribunal Federalpara o reconhecimento da inexigibilidade (até poderia haver nos casos em

Page 81: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

80 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

que a declaração fosse pronunciada pelo Supremo Tribunal Federal em açãodireta, pelo sistema de controle concentrado da constitucionalidade). Mastambém se poderia recusar execução à sentença inconstitucional desde quefundado o título em aplicação ou interpretação apenas tidas por incompatí-veis com Constituição Federal, sem necessidade de pronunciamento pelo Su-premo Tribunal Federal.

Agora, a hipótese de aplicação da regra contida no parágrafo único do art.741 se restringe às hipóteses ali elencadas, ou seja, desde que a lei ou o atonormativo em que se fundou a sentença tenham sido declarados inconstitucio-nais pelo Supremo Tribunal Federal em ação direta, ou de que esta Corte os tenhatido por inconstitucionais.

Portanto, à primeira vista e por uma interpretação literal da lei, parece queo pronunciamento pelo Supremo Tribunal Federal, acerca da inconstituciona-lidade da lei ou do ato normativo em que se fundou a sentença, se faz impe-rativo para a aplicação do dispositivo legal, a fim de que se possa reconhecera inexigibilidade da sentença dita inconstitucional.

Humberto Theodoro Júnior, em artigo publicado na revista Síntese de Direi-to Civil e Processual Civil, vol. 29, pp. 5/27, traz um interessante estudo sobrea restrição ora imposta. Advertia ele que não se poderia pensar em dar exe-cução a uma sentença inconstitucional, ainda que a lei ou o ato normativo,em que se tivesse ela fundado, não houvesse sido reconhecida a inconstituci-onalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Sustenta ele, com propriedade,que a inconstitucionalidade não é fruto da declaração direta em açãoconstitutiva especial. Embora inexista tal declaração pela Corte Suprema, ainvalidade do ato existe pelo simples fato de contrariar disposição e preceitoconstitucional. O reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, como sesabe, jamais foi o único meio de evitar os inconvenientes da inconstituciona-lidade, diz o renomado processualista. No sistema de controle difuso vigo-rante no Brasil, todo Juiz, ao decidir qualquer processo, vê-se investido nopoder de controlar a constitucionalidade da norma ou ato cujo cumprimentose postula em juízo. Assim, no bojo dos embargos à execução, o Juiz, mesmo semprévio pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, está credenciado a recusarexecução à sentença que contraria preceito constitucional, ainda que o trânsito emjulgado se tenha verificado.

Traz o referido processualista um interessante exemplo, na hipótese deum ato administrativo confiscatório de bens do contribuinte, e, por isso, comafronta ao princípio constitucional do não-confisco, e que acabasseacobertado por sentença trânsita em julgado por falta de adequada defesaem juízo. Veja-se que, aqui, o tema jamais teria precedente no Supremo Tri-

Page 82: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 81

bunal Federal para ser argüido em sede de embargos do devedor, pois o con-trole do referido ato administrativo jamais passaria pelo crivo da SupremaCorte. É evidente, contudo, a invalidade do ato decisório, pois teria ele sefundado em ato eminentemente inconstitucional.

É que aqui, o que se tem, é a autoridade da coisa julgada que deve serrelativizada em face do contido na Carta Política. Se ela (coisa julgada) agridepreceito constitucional, por fundada em lei ou ato normativo contrários a talordem vigente, por evidente não se lhe pode dar guarida e execução, por serinválida, nula. Assim, parece, ainda que não tenha havido expresso pronuncia-mento do Supremo Tribunal Federal a respeito de tal lei ou ato normativo,mas se ele é contrário a ordem constitucional vigente, tenho, para mim, pos-sível a aplicação do ora examinado regramento legal (parágrafo único do art.741), se efetivamente a sentença tiver nele se fundado.

É o que difere das hipóteses clássicas de cabimento da rescisória, onde o que setem é a rescindibilidade (desconstituição) de Sentença Válida. Aqui, nas hipótesesde sentença inconstitucional, o caso é de nulidade ipso iure, e não de merarescindibilidade.

Mas isto não poderá impedir, por evidente, que a questão possa ser en-frentada em sede de ação rescisória se não o foi em sede de embargos.

O processualista acima referido assevera ser tão grave o vício gerado pelaofensa à Constituição Federal que, de preclusão não há falar, devendo ser en-frentada a questão até mesmo de ofício pelos tribunais, que não podem se fur-tar a reconhecer a inconstitucionalidade da coisa julgada, o que pode se dar,conclui ele, a qualquer tempo, seja em sede de ação rescisória (não sujeita a prazocomo refere), em ação declaratória de nulidade ou em embargos à execução.

Estas seriam, forma sucinta e porque maiores indagações necessitariam demaior tempo, algumas considerações sobre as matérias que podem, por pre-visão expressa da lei, serem invocadas em sede de embargos à execução con-tra a Fazenda Pública.

Então, como se vê, e como de início referi, a Lei nº 11.232/05 não alterousignificativamente, substancialmente, para os embargos à execução contra aFazenda, aquilo que o Código anteriormente já disciplinava como regra geralpara os Embargos à Execução Fundada em Sentença. Em linhas gerais, aquiloque já estava disciplinado forma ampla e geral para todos os jurisdicionados,agora ficou com exclusividade para a Fazenda Pública no que diz com a defe-sa pelos embargos a serem por ela manejados, estruturada no art. 741, inci-sos e parágrafo único, com as poucas inovações acima referidas.

Assim, no que diz com os embargos à execução contra a Fazenda Pública eem comparação com o que fez em relação ao jurisdicionado em geral (pois

Page 83: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

82 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

para este, relativamente às sentenças condenatórias, não há mais execução,mas apenas cumprimento da sentença. Por isso, sua defesa não se dá mais pe-los embargos, mas por uma simples impugnação, embutida na fase cognitiva),a Lei nº 11.232/05 praticamente nada inovou, nada alterou forma substancial.Ao contrário, para a Fazenda Pública manteve o privilégio de ser executadaatravés de processo autônomo, com nova citação a inaugurá-lo (art. 730 doCPC). E isto, por certo, em face do entendimento a respeito da supremacia dointeresse público (Fazenda) sobre os demais.

E porque novidade, significativa, para o tema em questão não trouxe omencionado diploma legal, tomo a liberdade, embora acreditando não fugirmuito do proposto, para discorrer, nem que seja brevemente, sobre a execu-ção contra a Fazenda Pública, execução esta cujas peculiaridades poderão edeverão ser examinadas exatamente nos embargos de que antes falamos.

Este sim, ou seja, o processo de execução contra a Fazenda Pública, comprofundas alterações no ordenamento jurídico positivo. Não em face da Leinº 11.232/05, mas em virtude do que passaram a dispor o § 3º do art. 100 daCF/88, introduzido pela EC nº 20/98; o § 4º do mesmo artigo, introduzido pela ECnº 37/02; e o art. 87 do ADCT, introduzido também pela EC nº 37/02, incs. I, II, eparágrafo único.

E mais. Como tema de importância e que tem tudo a ver com a execuçãocontra a Fazenda Pública, pois ligado diretamente à execução especial porRPV (o que mais adiante se verá), tinha-se até agora vigente o Ato, da Presi-dência deste Tribunal, nº 38/04-P, e que revogara o Ato nº 03/03-P. E, peloque sei, apenas em face da notícia veiculada no site informativo EditoraPlenum, p. 01 de 01, com Ação Direta de Inconstitucionalidade que já lhe foiproposta pelo Governador do Estado, ADIn nº 3.718, Relator o Min. Joa-quim Barbosa do STF.

É verdade, foi editado (mais ainda não publicado até esta data de 19 demaio do corrente ano), o Ato da Presidência nº 17/06-P, que revogou o Ato nº38/04-P, aliás já tardiamente, pois, como veremos a final, não pode o paga-mento por RPV ser concentrado no Tribunal. Daí, em face da tal revogação,restará prejudicada a ação direta de inconstitucionalidade acima mencionada.

Creio, assim, pedindo escusas à Direção do Centro de Estudos, que, embo-ra me afastando de certa forma do tema proposto (mas o faço pelas razõesacima elencadas), ainda assim estaríamos, grosso modo, dentro do tema, poisdiz respeito à execução contra a Fazenda Pública, cuja defesa se dará pormeio da vetusta forma legal dos embargos à execução, não alterada substan-cialmente, como já vimos, pela Lei nº 11.232/05. Mas pela absoluta importân-cia do tema, pelas divergências jurisprudenciais a respeito, creio ser interes-

Page 84: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 83

sante breve análise a respeito daquilo que hoje temos como possível em sedede execução contra a Fazenda Pública, pois o reflexo é imediato na formacomo vai se estruturar sua defesa através dos embargos.

Com a inovação constitucional da execução de pequeno valor (o que é peque-no valor veio também mais tarde disciplinado pela própria Constituição Fede-ral no ADCT, incs. I e II, do art. 87, e pela EC nº 37/02), pode-se dizer que te-mos, hoje, duas espécies de execução contra a Fazenda Pública:

a) Uma execução comum, a ser instaurada pelo rito do art. 730 do CPC (pa-gamento por precatório), ou seja, vai citada a Fazenda Pública para embargar.Não o fazendo, ou sendo sua defesa rejeitada, requisita-se o precatório. As-sim, a exigência do precatório é a regra, não se admitindo secçionamentoposterior à sua expedição, ainda quando de valor inferior a 40 SMs para a Fa-zenda Pública Estadual ou de 30 SMs para a Municipal, ou, ainda, se o créditotiver sido constituído anteriormente ao advento da EC nº 37/02. Quanto a talhipótese (execução com expedição de precatório) nada mudou.

b) Uma outra execução (aqui a inovação) que se poderia denominar de especial,com base em matriz eminentemente constitucional, que é a execução de pe-queno valor, ou seja, a denominada requisição de pequeno valor (RPV).

Aqui, sim, profundas inovações. Não pela Lei nº 11.232/05, como já referi,mas pela ordem constitucional posta em face das ECs nos 20/98 e 37/02.

Quanto a esta execução, algumas breves, mas não menos importantes con-siderações, em relação às quais poderíamos ponderar duas situações distin-tas, a saber: b.1) execução do principal e b.2) execução dos acessórios. E aqui éque temos, como é natural no que é de certa forma recente, algumas dúvidase divergências. Embora o tempo decorrido, ainda não completamenteaplacadas, nem mesmo pela posição das Cortes Superiores.

b.1. A execução do principal (b.1), com duas correntes jurisprudenciais.b.1.1. Uma, que não admite a partição de forma alguma para fins de execu-

ção por RPV. Ou seja, deve ser levado em consideração o título executivo, enão o valor do crédito de cada um dos credores que tenham ajuizado o proces-so cognitivo, por exemplo, em litisconsórcio ativo. Por isso, defendem osadeptos desta corrente, que a vedação do art. 100, § 4º, da CF/88 diz respei-to ao título executivo (sentença proferida no processo cognitivo). Este, o títuloexecutivo, na sua dimensão integral, é que não pode ser fracionado.

Sem adentrar, por ora, na questão relativa ao Ato nº 38/04-P, em especial de seuart. 1º, § 2º, consigno apenas que, por esta posição, era ele (foi revogado pelo Atonº 17/06-P) de manifesta e flagrante inconstitucionalidade como adiante se verá.

Assim a redação do § 2º do art. 1º do Ato nº 38/04-P: “Em caso de litis-consórcio será considerado, para efeito da definição da requisição como de

Page 85: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

84 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

pequeno valor, o valor devido a cada litisconsorte, expedindo-se simultanea-mente, se for o caso, requisições de pequeno valor e requisições medianteprecatório.”

Por isso a Ação Direta de Inconstitucionalidade que antes referi, sustentando ainconstitucionalidade da referida disposição que determina seja levada em conside-ração, para a expedição das RPVs e para definição do que seja pequeno valor, o va-lor devido a cada litisconsorte. E por isso, por certo, a revogação do Ato nº 38/04-P.

Mas a inviabilidade de tal matéria, como um todo (não só por força da dis-posição do artigo acima citado) ser tratada por Ato da Presidência deste Tri-bunal é manifesta, pois, como adiante se verá, diz respeito à matéria eminente-mente jurisdicional. Não há gestão do Presidente do Tribunal em relação àsRPVs, como há no precatório, por disposição expressa da Constituição Fede-ral. Mas isto é outra questão, mais adiante, a ser enfrentada.

b.1.2. Outra posição, a respeito ainda da execução do principal pela RPV,mais liberal, é a que defende a idéia de que o que não pode ser fracionado éo valor da execução após deflagrada. Se proposta a execução em conjuntopelo rito do precatório, não pode mais fracionar após, mesmo consideradosos créditos individualmente como de pequeno valor. Mas se cada um doslitisconsortes, individualmente considerados seus créditos, estão no limite do quea Constituição Federal estipula como de pequeno valor (incs. I e II do art. 87do ADCT), então sim, podem, individualmente, deflagrar tantas execuções in-dividuais pelo rito da RPV quantos forem os credores com direito a tais crédi-tos. É exatamente o que hoje dispõe o § 2º do art. 1º do Ato da Presidêncianº 38/04-P antes referido.

Por isso, como acima consignei, a existência de ação direta de inconstitu-cionalidade proposta pelo Sr. Governador contra a referida disposiçãonormativa da Presidência.

b.2. Outra questão divergente e interessante, diz respeito à execução dosacessórios pelo rito da RPV.

Quanto à execução dos acessórios (b.2.) Inicialmente este Tribunal, pelo quesei, através de suas Câmaras integrantes do 1º Grupo Cível admitia a RPVpara a verba honorária, desde que estivesse ela no limite previsto no art. 87do ADCT, independentemente do valor do título em execução, que poderiaser superior. Ou seja, pelo fato de que os honorários são do advogado, pelocaráter autônomo da execução de tal verba, por sua natureza alimentar, edesde que tal valor (da verba honorária), independentemente do valor do tí-tulo em execução, estivesse no limite previsto na Constituição Federal, ADTC,então poderia ser por RPV.

Page 86: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 85

A jurisprudência dos Tribunais Superiores vem-se consolidando, contudo,no sentido de que a vedação de fracionamento (art. 100, § 4º, da CF) diz res-peito ao título executivo como um todo. Isto pelo princípio de que oprecatório é a regra, e a sua dispensa, a exceção. Daí, tal verba honorária,embora seja do advogado, em verdade é ela acessório do principal. E se talprincipal (título executivo) é superior ao limite constitucional, também nãopoderia tal verba ser executada pela RPV, sob pena de violação à regra do art.4º do art. 100 da CF. É discutível tal posição, e, parece-me, ambas as posi-ções até defensáveis, pois fundadas em sólidos argumentos.

Há uma recente posição do Supremo Tribunal Federal, pelo que fiquei sa-bendo na última sessão da 1ª Câmara Cível (17-05-06), conforme referiu oDes. Irineu Mariani, que estaria admitindo a separação da verba honorária dotítulo executivo, para que, em relação a ela, possa a execução ser deflagradapelo rito da RPV, desde que seu valor (da verba honorária, por óbvio) estejadentro do limite constitucionalmente previsto no art. 87 do ADCT.

Mas, em verdade, como uma tendência majoritária, vem-se orientando,forma restritiva, a jurisprudência dos Tribunais Superiores, no sentido de quea vedação contida no § 4º do art. 100 da CF diz respeito ao título executivocomo um todo e não ao valor em execução por credor. Daí, inviável pensar naexecução do acessório (honorários) se o título em execução for superior ao li-mite contido na Constituição Federal (ADCT) para a expedição da RPV, aindaque o valor de tais honorários esteja no referido limite.

Posicionando-me sobre o tema, afirmo a vocês que, inicialmente, entendiapela inviabilidade de fracionamento, tendo em vista o valor do título em execu-ção como um todo, independentemente do fato de que a cada litisconsorte fossedevido valor dentro do limite constitucionalmente definido no art. 87 do ADCT.Daí, por conseqüência, também não admitia o pagamento da verba honorária,embora com valor balizado por tal limite. Depois, passei a considerar possívelque se interpretasse para efeito de definir a expedição da RPV, o valor devido acada litisconsorte. Desde que, por óbvio, ainda não expedido o precatório, pode-ria ser por RPV considerado o valor de cada credor, individualmente.

Mais recentemente, contudo, resolvi voltar ao posicionamento anterior.Ou seja, para definição da requisição de pequeno valor, não se pode conside-rar o valor devido a cada litisconsorte, senão o valor total da execução, ouseja, do título em execução, sob pena de violação à regra do art. 100, § 4º,da CF. Isto porque o precatório é a regra. A RPV é a exceção.

Parece-me, assim, um critério mais lógico sob o ponto de vista processuale muito mais objetivo de enfrentamento da questão, reconhecendo, contudo,que a posição divergente está calcada, por igual, em sólidos argumentos.

Page 87: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

86 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

Trago aqui um voto de minha relatoria sobre o tema, que foi unânime naCâmara a respeito, em acórdão assim ementado, compondo ainda a Câmaraos Des. Irineu Mariani e Roque Joaquim Volkweiss.

“Agravo de instrumento. Execução contra a Fazenda Pública. Precatório.Pequeno valor. Fracionamento por litigante, para fins do limite previsto noADCT da CF, que não pode ser admitido. O limite estabelecido no art. 87,incs. I e II, do ADCT da CF, para pagamento direto, independentemente deprecatório, há de ser considerado relativamente ao valor total em execução,e não ao valor que cada litigante, por força de eventual litisconsórcio ativo,no mesmo processo, tenha por receber. Inteligência da regra inserta no pará-grafo único do mesmo art. 87 do ADCT. Agravo provido”. (AI nº70005154703, 1ª Câmara Cível, julgado em 18-12-02)

E, no que importa, o corpo do voto com a seguinte passagem: “O recursomerece o provimento, exatamente pelos fundamentos alinhados no parecerministerial das fls. 63/67, da lavra da eminente Procuradora de Justiça com as-sento nesta Câmara Dra. Maria Waleska Trindade Cavalheiro.

“No que tange à inscrição do precatório em data anterior à alteração legis-lativa, a qual possibilitou o pagamento direto daqueles créditos consideradosde pequeno valor, no caso em exame não tem relevância, na medida em querestou provado não estar o referido precatório inscrito. Ao contrário, foi atédeterminada sua suspensão como se infere do documento da fl. 61, em faceda desistência expressa dos credores (fl. 58).

“Também não procede o argumento do agravante quanto à violação da re-gra inserta no § 4º do art. 100 da CF. Como se infere dos autos, os agrava-dos/credores renunciaram ao excedente, de forma que não há falar em per-cepção de plano daquele valor permitido pela CF para pagamento direto e deoutra parte via precatório.

“O óbice à pretensão dos agravados, contudo, reside exatamente na regrado art 87 do ADCT, assim redigido: ‘Art. 87. Para efeito do que dispõem o §3º do art. 100 da CF e o art. 78 deste ADCT, serão considerados de pequenovalor, até que se dê publicação oficial das respectivas leis definidoras pelosEntes da Federação, observado o disposto no § 4º do art. 100 da CF, os débi-tos ou obrigações, consignados em precatório judiciário, que tenham valorigual ou inferior a: I – quarenta salários mínimos, perante a Fazenda dos Esta-dos e do Distrito Federal; II – trinta salários mínimos, perante a Fazenda dosMunicípios.’

“Com efeito, há de se considerar que este limite consignado no supramencionadodispositivo legal refere-se ao valor do processo de execução e não ao valor quecada litigante, no mesmo processo, tem por receber. Tal conclusão se retira da re-

Page 88: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 87

gra clara inserta no parágrafo único do mesmo art. 87, que dispõe: ‘Parágrafo úni-co. Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido neste artigo, o pagamen-to far-se-á, sempre, por meio de precatório, sendo facultada à parte a renún-cia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento dosaldo sem o precatório, da forma prevista no § 3º do art. 100.’ (grifei)

“Parece não haver dúvida, assim, que o valor a ser considerado para fins de pa-gamento direto é o valor total da execução, podendo o exeqüente renunciar ao exce-dente. Do contrário, como bem pondera o agravante, fosse o limite de que trata oart. 87 considerado por litigante que eventualmente, em razão de litisconsórcio, in-tegre o pólo ativo da execução, ter-se-ia situação de todo insustentável. Basta aten-tar para o exemplo trazido. Execução posposta por um Sindicato, com 100.000filiados, tendo cada um deles o direito ao quinhão de R$ 3.000,00. Seria absurdopensar que tal crédito em execução pudesse ser pago diretamente, sem precatório.Não há dúvida alguma que o limite de que trata o art. 87 se refere ao valor totalem execução, não havendo de se considerar, pois, eventual crédito individual dosexeqüentes que, por litisconsórcio, integram o pólo ativo do processo de execução.Ademais, como bem pondera a eminente Procuradora de Justiça, fosse o limite deque trata o art. 87 considerado por litigante, por certo a regra legal seria expressaa respeito.

“No caso dos autos, são três os exeqüentes, tendo cada um a receber o va-lor de R$ 8.000,00 (pois renunciaram o excedente) mais os honorários advo-catícios, estes no valor de R$ 545,70. Somado o valor em execução, tem-se aquantia de R$ 24.545,70, que, em muito, supera o valor limite previsto noart. 87, I, do ADTC que é de quarenta salários mínimos, perante a Fazendados Estados e do Distrito Federal.

“Com estas considerações, porque o pagamento, na hipótese dos autos,deve ser feito mediante precatório, dou provimento ao presente agravo deinstrumento, para desconstituir a decisão agravada. É o voto.”

Volto, aqui, à questão da Ação Direta de Inconstitucionalidade propostapelo Governador do Estado, invocando a inconstitucionalidade do § 2º doart. 1º do Ato nº 38/04-P (agora já revogado, é verdade, pelo Ato nº 17/06-P),ao asseverar este Ato nº 38/04-P que, em caso de litisconsórcio, deveria serconsiderado para efeito da definição como de pequeno valor, o valor devidoa cada litisconsorte. Parece, efetivamente, pelo posicionamento que hoje vol-tei a adotar, estava efetivamente ofendida a regra constitucional que veda ofracionamento quando fala em valor da execução.

Mas o que é interessante, é que a Ação Direta de Inconstitucionalidadenão procurava desconstituir todo o referido Ato nº 38-04-P, mas apenas na-quilo que lhe interessava, por óbvio, ou seja, no ponto relativo à definição do

Page 89: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

88 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

que seja pequeno valor, aí considerado o valor que cada litisconsorte, indivi-dualmente, tem por receber. E por que somente neste ponto? Porque lhe in-teressa, por óbvio, que a expedição da RPV seja concentrada no Tribunal,com gestão administrativa do Presidente.

E nisto é que se me afigurava, também, o Ato nº 38/04-P, maxima venia,uma anomalia gritante.

Como disse acima, parece-me, é manifestamente inviável que tal matériaseja tratada por Ato da Presidência deste Tribunal. Trata-se de matéria emi-nentemente jurisdicional. Não pode haver gestão do Presidente do Tribunal emrelação às RPVs, como há no precatório, por disposição expressa da Consti-tuição Federal. É regra expressa, repito, contida no art. 100, § 3º, da CF quediz não ser aplicável o disposto em relação aos precatórios quanto ao pagamen-to das obrigações definidas como de pequeno valor que a Fazenda Pública devafazer em virtude de sentença transitada em julgado.

Então, em julgado também de minha relatoria, utilizando-me de uma ex-pressão do eminente Des. Irineu Mariani, mas que, acredito, revela em suaamplitude o que efetivamente venha a ser o aludido Ato Presidencial, referiser ele (o Ato Presidencial) um verdadeiro Risco n’Água. É verdade, referia-meao Ato da Presidência nº 03/03-P, vigente àquela época. Mas o Ato nº 38/04-P,pelos mesmos motivos, enquanto vigorou, por igual se identificava a um Riscon’Água. E por que? Porque quis avocar para o Presidente do Tribunal umacompetência que é eminentemente jurisdicional.

A RPV não pode passar pela gestão administrativa do Presidente do Tribunal. Édireto ao devedor, expedido pelo Juízo da Execução.

Ou seja, se estamos em sede da, assim denominada, execução especial (comaquelas peculiaridades e divergências unicamente a respeito e no que tange àpossibilidade de fracionamento do principal e acessórios), porque o valorestá dentro do limite estabelecido pelo art. 87 do ADCT, então temos a exe-cução por RPV. Ou seja, cita-se o devedor na forma do art. 730 do CPC, paraembargar. Não havendo defesa pelos embargos, ou rejeitados estes, determi-na o Juiz a expedição da RPV, que é direta ao devedor e para pagamento em ses-senta dias, sob pena de seqüestro da quantia necessária ao pagamento da dívida,seqüestro este determinado, também, e se for o caso, pelo Juiz da Execução.

Por se tratar de matéria jurisdicional, não é possível delegar ao Presidentedo Tribunal. A jurisdição é indelegável.

Quanto ao prazo para pagamento, bem assim quanto ao procedimento aser adotado no caso de não-pagamento no prazo, aplica-se, por analogia, aLei nº 10.259, de 12-07-01 (que dispõe sobre a instituição dos Juizados Espe-ciais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal), cujo art. 17, caput, esta-

Page 90: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 89

belece o prazo de “sessenta dias, contados da entrega da requisição, por or-dem do Juiz, à autoridade citada para a causa [....]”. E o § 2º diz: “Desatendi-da a requisição judicial, o Juiz determinará o seqüestro do numerário sufici-ente ao cumprimento da decisão”.

Tenho voto neste sentido, como referi, no julgamento do AI nº 70 007 207020, com decisão unânime, e composta a Câmara, ainda, pelo Des. IrineuMariani e pelo Dr. Cláudio Luís Martinewski, em data de 10-12-03, assimementado: “Agravo de instrumento. Direito previdenciário. Pensão integral.Pagamento direto. Pequeno valor. Ato nº 03/03-P da Presidência do Tribunalde Justiça. Tratando-se de requisição de pequeno valor (RPV), o pagamento édireto e por determinação do Juízo da Execução, sendo indevida a interferên-cia administrativa que determina a centralização e reunião das requisiçõesjunto à Direção Geral do Tribunal de Justiça. Matéria exclusivamente de or-dem jurisdicional, não se aplicando ao pagamento das obrigações definidaspor lei como de pequeno valor as disposições relativas aos pagamentos porprecatórios. Agravo não provido”.

E, no corpo do voto, no que importa, a seguinte passagem: “Bem e melhoranalisada a matéria, infere-se que o agravo merece o desprovimento. A questãose trata de pagamento de pequeno valor, assim considerada e regrada no art. 87 e in-cisos do ADCT da CF/88. Ou seja, o pagamento da RPV é direto e independe de préviorecebimento e ordenação cronológica em pasta, por devedor, junto à Direção Geral doTribunal. A matéria é de ordem jurisdicional quanto à determinação do pagamento enão pode a Administração do Tribunal querer interferir. Assim, o Ato nº 03/03-P é umverdadeiro risco n'água, ou seja, um nada. O § 3º do art. 100 da CF/88 é claro ao es-tabelecer que as disposições relativas à expedição e pagamento dos precatórios nãotêm qualquer aplicação aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pe-queno valor. Então, não se há de centralizar e reunir os pedidos cronologicamente empastas para que a Direção Geral do Tribunal determine o pagamento, a seu talante,daquilo que é matéria eminentemente jurisdicional. Como se disse, é interferência ad-ministrativa sem qualquer fundamento legal a tanto. Ao contrário, é interferência ad-ministrativa com evidente violação à regra constitucional.

“Transcrevo, no que interessa, a ementa e parte do voto do eminente Des. IrineuMariani, quando do julgamento do AI nº 70 005 534 797, que examinou matériasimilar a ora em debate neste recurso: ‘Processo civil. Execução contra a Fazen-da Pública. Alteração de execução comum (pagamento indireto ou por meio deprecatório) para execução especial (pagamento direto), após a citação.Inadmissibilidade, salvo aceitação do devedor. Agravo provido.

“ ‘Em primeiro lugar, se se trata de pagamento direto, o caso não é de re-quisição por meio do Presidente do Tribunal, pois diz com ato jurisdicional. O

Page 91: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

90 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

Presidente tem competência em relação aos precatórios e de natureza mera-mente administrativa. Transferir, no caso de pagamento direto, a competênciaao Presidente do Tribunal significa delegar jurisdição, o que é inadmissível.

“ ‘Durante certo período, para fins de cumprimento do § 3º do art. 100 daCF, acrescido pela EC nº 20, de 15-12-98, aplicou-se, por analogia, tanto noque respeita ao valor quanto no que respeita à parte processual, o art. 128 daLei nº 8.213/91 (Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social),na redação que lhe deu o art. 1º da Lei nº 10.099, de 19-12-00, o qual estabe-lece o prazo de até sessenta dias para o pagamento. De outra parte, ainda noque tange à parte processual, inexistindo na citada Lei sanção para o caso dedesatendimento, aplicou-se, por analogia, o seqüestro constitucional, confor-me previsto no art. 100, § 2º, da CF, redação da EC nº 30, de 13-09-00. Refi-ro, para exemplificar, o AI nº 70 002 354 801, do qual fui Relator.

“ ‘Atualmente, no que tange ao valor, o art. 87 do ADCT da CF/88, acresci-do pela EC nº 37, de 12-06-02, definiu, para fins de pagamento independen-temente de precatório, até a publicação das respectivas leis, em 40 SMs para aFazenda dos Estados e do Distrito Federal (inc. I), e em 40 SMs para a Fazen-da dos Municípios (inc. II). Para a Fazenda Nacional o valor é de 60 SMs (Leinº 10.259, de 12-07-01, art. 3º c/c o art. 17, § 1º).

“ ‘E no que tange à parte processual, a questão encontra-se resolvida inclu-sive no âmbito infraconstitucional. Sem dúvida, aplica-se, por analogia, amesma Lei nº 10.259, de 12-07-01 (Dispõe sobre a instituição dos JuizadosEspeciais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal), cujo art. 17, caput,estabelece o prazo de ‘sessenta dias, contados da entrega da requisição, porordem do Juiz, à autoridade citada para a causa [....]’. E o § 2º diz: ‘Desaten-dida a requisição judicial, o Juiz determinará o seqüestro do numerário sufici-ente ao cumprimento da decisão’.

“ ‘Noutras palavras: com a instituição do pagamento direto ou independen-temente de precatório, passou a existir uma execução especial, qual seja a emque, já na instauração, o devedor é citado e cientificado de que, não havendoembargos ou sendo estes rejeitados, o pagamento deverá ocorrer, por requi-sição judicial, no prazo máximo de sessenta dias, sob pena de seqüestro daquantia necessária à satisfação do débito’.

“Daí, correta a decisão de primeiro grau quando determinou o pagamento di-reto, independentemente de centralização junto à Direção Geral deste Tribunal.

“Com estas considerações, nego provimento ao presente agravo de instru-mento para confirmar a bem-lançada decisão de primeiro grau e desconstituiraquela lançada ab initio neste agravo (fl. 23v.), através da qual foi concedido oefeito suspensivo. É o voto”.

Page 92: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 91

Por isso, afirmava, uma verdadeira anomalia o fato de a expedição da RPVser concentrada no Tribunal de Justiça, com gestão administrativa de seu Pre-sidente. Portanto, em boa hora, veio a revogação do Ato nº 38/04-P pelo Atonº 17/06-P, a ser publicado no próximo dia 23 de maio do corrente ano, oqual, no que importa, está assim redigido: “Art. 1º – As requisições de peque-no valor – RPVs – expedidas contra as Fazendas Públicas Federal, Estadual eMunicipal, observados os limites estabelecidos no art. 87, I e II, do Ato dasDisposições Constitucionais Transitórias e, quando houver, na respectiva leiinfraconstitucional, serão expedidas e processadas pelo próprio Juízo da Exe-cução, sem remessa à Presidência do Tribunal de Justiça.

“Art. 2º – As requisições de pequeno valor expedidas e remetidas àPresidência até a data de publicação da presente observarão o regramentoadministrativo então em vigor, até seu arquivamento.

“Art. 3º – Revogam-se, a contar da publicação deste Ato e observado o ar-tigo anterior, as disposições em contrário, em especial o Ato nº 38/2004 des-ta Presidência”.

Reafirma-se, pois, há ser saudada a revogação, ainda que tardiamente, domalsinado Ato nº 38/04-P.

Então, pode-se afirmar com absoluta tranqüilidade, temos duas espéciesde execução contra a Fazenda Pública:

a) Uma, a comum, com citação pelo art. 730 do CPC, para pagamento porprecatório, por se tratar de valor superior ao limite para pagamento por RPV,ou porque o crédito foi constituído anteriormente à vigência da EC nº 37/02.Não havendo interposição de embargos, ou sendo estes rejeitados, requisita-se o pagamento por intermédio do precatório, com todo o procedimentoprevisto na Constituição Federal, sendo o Presidente do Tribunal, por dispo-sição constitucional, apenas o seu gestor (ou seja, administrativa a competên-cia), pois a jurisdição continua sendo do juízo de 1º grau, onde se processa aexecução, com recursos de tais decisões ao Tribunal, através das Câmarascompetentes a tanto em razão da matéria.

b) A outra execução, a especial (com aquelas peculiaridades e divergênciasa respeito e no que tange à possibilidade de fracionamento do principal eacessórios), que é a de pagamento por RPV. Cita-se o devedor na forma do art.730 do CPC, para embargar. Não havendo defesa pelos embargos, ou sendoesta rejeitada, determina o juiz a expedição da RPV, que é direta ao devedore para pagamento em sessenta dias, sob pena de seqüestro da quantia neces-sária ao pagamento da dívida. Tudo isto, repita-se, diretamente no juízo aquo, sem qualquer delegação ao Presidente do Tribunal ou interferência des-te, pois não há falar, para a RPV, que o Presidente do Tribunal possa ser o seu

Page 93: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

92 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

gestor, na medida em que tal gestão tem previsão constitucional apenas parao precatório.

E uma vez deflagrada a execução, quer a comum (precatório), quer a especi-al (RPV), a defesa dar-se-á, pelos embargos, com as matérias típicas e especí-ficas, relacionadas no art. 741, e incisos, do CPC, como anteriormente e deinício já vimos.

Por isso consignei, se bem lembramos, ao referir sobre a regra do inc. Vdo art. 741, que deveria ser mantida a expressão “excesso de execução ou nu-lidade desta”, exatamente para abarcar, por exemplo, a hipótese de defesa daexecutada Fazenda Pública, pelo fato de ter sido equivocadamente deflagradaa execução por RPV (execução especial), quando deveria sê-lo por precatório(execução comum), tendo em vista aquelas posições divergentes a respeitode tal tema.

Estas, eminentes Colegas e caros servidores desta Casa, as consideraçõesque resolvi trazer à consideração de todos. São temas que, parecem-me, lon-ge estão de uma pacificação. Muito ainda poderia e deveria ser dito a respei-to. Mas face, em primeiro lugar, às minhas limitações, que são várias, e, porsegundo, ao tempo atribuído, acredito que o que foi dito serviu, ao menos,para início de uma reflexão e posicionamento de todos vocês acerca do tema.Se este desiderato tiver sido atingido, creio ter cumprido, satisfatoriamente,com aquilo a que me propus ao aceitar o convite.

Muito obrigado a todos, em especial à Direção deste Centro de Estudos.

Page 94: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS – Teremos agora a pales-tra do Des. Voltaire de Lima Moraes: Da Competência e OutrasReformas Procedimentais – Lei nº 11.280.

O Des. Voltaire de Lima Moraes atua na 11ª Câmara Cível des-te Tribunal e a preside; foi Promotor de Justiça de 1980 a julhode 1997, Presidente da Confederação Nacional do Ministério Pú-blico no biênio 1991/1993, Procurador-Geral de Justiça do Estadodo Rio Grande do Sul por duas vezes e Presidente do Conselho Na-cional de Procuradores-Gerais; é Professor de Direito ProcessualCivil na Faculdade de Direito da PUC e na Escola Superior da Ma-gistratura, e de Direito do Consumidor no Curso de Pós-Gradua-ção em Direito Empresarial da PUCRS; é pós-graduado em DireitoProcessual Civil em nível de especialização e mestrado pela PUCRS,co-autor da obra Comentários ao Código do Consumidor e autorde vários artigos jurídicos sobre processo civil, Direito do Consu-midor e meio ambiente; tem sido conferencista e painelista emcongressos e simpósios jurídicos, abordando temas relacionadoscom o Direito Processual Civil, o Direito do Consumidor e o meioambiente; é autor da obra Das Preliminares no Processo Civil, co-autor da obra Ministério Público – Direito e Sociedade, co-autorda obra Ação Civil Pública – Lei nº 7.347, Reminiscência e Refle-xões após Dez Anos de Aplicação, entre outras; é doutorando emDireito. Com a palavra, então, o Des. Voltaire de Lima Moraes.

DA COMPETÊNCIA E OUTRAS REFORMASPROCEDIMENTAIS: LEI Nº 11.280/06

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES – Prezado Colega Des. Luiz Felipe BrasilSantos, Coordenador do Centro de Estudos deste Tribunal, quero inicialmenteagradecer o convite que me foi formulado para participar deste evento e, aomesmo tempo, dizer que se trata de um ciclo de estudos extremamente

Page 95: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

94 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

importante. Parabenizo Vossa Excelência por ter tido a iniciativa de realizarum evento dessa dimensão e de transformar o Centro de Estudos num grandelaboratório jurídico. Estendo essa saudação aos ilustres Colegas Coordenado-res-Adjuntos do Centro de Estudos: Desª Rejane de Castro Bins e Des. AlzirSchmitz, Rui Portanova e Ivan Leomar Bruxel. A minha saudação a todos osColegas do 2º grau de jurisdição, Desembargadores e Desembargadoras, Co-legas do 1º grau, Juízes e Juízas de Direito, Assessores, Secretários, Secretári-as, servidores do Poder Judiciário, demais presentes.

O tema que me foi proposto tem a ver com as inovações setoriais trazidaspelas recentes reformas no âmbito do Código de Processo Civil, e devo falarespecialmente sobre a Lei nº 11.280, de 16-02-06, que entrou em vigor on-tem exatamente.

Quero, inicialmente, destacar que a minha exposição não terá uma nature-za teórica, mas, sim, um caráter eminentemente pragmático, casuístico. Parachegar a essas considerações e reflexões, colhi informações daquilo que es-tou vendo atualmente no plano acadêmico e no plano profissional. Solicitei,por exemplo, que os meus Assessores, o meu Secretário e a minha estagiáriacoletassem dúvidas que estão surgindo a respeito dessas questões novas,dessas reformas, e que, por certo, estarão surgindo no âmbito dos vários ga-binetes de Colegas tanto no 2º grau quanto no 1º grau de jurisdição. Aforaisso, procurei também colher conteúdo das perguntas que me foram formula-das mais recentemente, na semana passada, quando proferi palestra a respei-to dessas reformas na UNIVATES e na UNISC, e nas aulas que tenho ministra-do na PUC. Também procurei trazer aqui tudo aquilo que tenho obtido dasreflexões diurnas e noturnas, as chamadas reflexões da madrugada. Sinteti-zando, as questões que vou analisar são de natureza eminentementecasuística, tendo em vista situações que poderão surgir.

A despeito disso, quero fazer um registro inicial: as novas reformassetoriais priorizam o princípio da celeridade. Os princípios, sabidamente, sãodisposições de caráter axiológico superiores às regras; constituem, no dizerdo Prof. Juarez Freitas, linhas-mestras de acordo com as quais se guiará o in-térprete quando se for defrontar com as antinomias jurídicas. Logo, o intér-prete, ao se deparar com essas inovações processuais, ao interpretá-las, develevar em conta o princípio da celeridade da prestação jurisdicional, que cons-titui o princípio regente, razão de ser dessas reformas.

Hoje, o princípio da celeridade não está mais insculpido no Código de Pro-cesso Civil como diretriz de caráter meramente programático, na forma doart. 125, inc. II, do CPC, mas como princípio erigido à dimensão maior de dig-nidade constitucional pela Emenda nº 45, de 2004, que trata da Reforma doJudiciário, constante do catálogo, inclusive, dos direitos fundamentais, ao as-

Page 96: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 95

sim dizer: “A todos, nos âmbitos judicial e administrativo, são assegurados arazoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de suatramitação”. (art. 5º, inc. LXXVIII)

Contudo – é bom que se diga –, o princípio da celeridade não se pode so-brepor aos do contraditório e da mais ampla defesa, conquistas árduas dospovos civilizados, estes também com assento constitucional (art. 5º, LV). Há,portanto, princípios que, pela sua dignidade, estão inseridos não somente nanorma infraconstitucional – no caso, especificamente, o que nos interessa é oCódigo de Processo Civil –, mas, dada a sua importância, foram-no tambémno âmbito da Constituição Federal. Tanto é que o princípio da celeridaderege as novas reformas, especialmente, no caso, a Lei nº 11.280. Vamos veri-ficar isso basicamente pelo que consta da exposição de motivos dessa Lei.Sob a perspectiva das diretrizes estabelecidas para a Reforma da Justiça, faz-se necessária a alteração do sistema processual brasileiro com o escopo deconferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, sem,contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Feita essa observação de caráter preliminar, passemos, então, às modificaçõesque foram feitas pela Lei nº 11.280 no âmbito do Código de Processo Civil.

O parágrafo único do art. 112, que é uma inovação, foi acrescentado parapermitir que o Juiz, doravante, em obediência ao princípio da celeridade ecomo forma de evitar prejuízo ao réu na articulação da sua defesa, possa re-conhecer, de ofício, a nulidade de cláusula de eleição de foro e, em conseqü-ência, declinar da competência para o juízo do domicílio do réu, em regra ocompetente para processar e julgar a causa, na forma do art. 94, caput, doCPC, e não ficar esperando a argüição de incompetência relativa mediante aexceção de foro, na forma dos arts. 112, caput, e 307 a 311 do CPC. O pará-grafo único tem a seguinte redação: “A nulidade da cláusula de eleição deforo, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo Juiz, que de-clinará da competência para o juízo do domicílio do réu”.

É importante observar – todos sabem, mas, a despeito disso, é bom que seregistre – que a incompetência se desdobra em incompetência absoluta e in-competência relativa. A incompetência absoluta, pelo sistema do Código,deve ser argüida como preliminar da contestação, na forma do art. 301, inc.II, mas pode ser conhecida, inclusive de ofício, a qualquer tempo e grau dejurisdição (art. 113, caput, do CPC). Por quê? Porque é uma mácula muito sig-nificativa na prática de ato processual um Juiz proferir uma decisão sendo eleabsolutamente incompetente, tanto é que isso é motivo para o ajuizamentode ação rescisória (art. 485, I, do CPC), o que não ocorre com a de incompe-tência relativa, que se argüi mediante exceção (art. 112 do CPC) nos casos en-volvendo incompetência ratione loci, em razão, portanto, do território ou em

Page 97: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

96 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

razão do valor, uma vez que a incompetência absoluta diz respeito à matériae à questão de hierarquia.

A questão que se coloca agora é a seguinte: pode um Juiz reconhecer deofício a incompetência relativa? O Superior Tribunal de Justiça, pela Súmulanº 33, estabeleceu basicamente que a incompetência relativa não pode serdeclarada de ofício. Alguns autores continuam dizendo a mesma coisa. O fatoé que essa inovação feita ao art. 112, acrescentando agora um parágrafo úni-co, merece algumas reflexões.

Primeiro aspecto: o Juiz, ao fazer o chamado juízo de admissibilidade dapetição inicial, que pode ser positivo, quando ele a recebe, ou negativo,quando ele a indefere, na forma do art. 295 do CPC, ali já tem condições demanifestar-se a esse respeito, mas não pode simplesmente declinar da com-petência, reconhecendo incompetência, no caso relativa. Por quê? Porque,primeiro, ele tem que fazer um juízo de cognição relativo à relação de Direi-to Material. Tanto é que ele tem que examinar primeiramente a cláusula deeleição do foro para verificar se ela é ou não abusiva, se ela prejudica, nocaso, o demandado. Como conseqüência, chegando ao juízo de reconheci-mento de que ela é abusiva e prejudica o demandado, aí, sim, ele declinaráda competência.

Agora, isso somente poderá ser feito quando se tratar, evidentemente, de con-trato de adesão. Como reconhecemos um contrato de adesão? A doutrina nos trazconceitos, mas temos hoje um conceito legal de contrato de adesão, que é o cons-tante do art. 54 do CDC, que diz: “Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas te-nham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmen-te pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutirou modificar substancialmente seu conteúdo”.

Não sei se na prática isso vai funcionar, se o Juiz terá condições de exami-nar, por exemplo, aquele contrato de adesão com o número de processosque há, a não ser que ele utilize o método da “luparoscopia”, que é diferenteda laparoscopia. A laparoscopia, todos sabem, é aquele exame endoscópicofeito por um médico, de caráter invasivo, que se destina a fazer um exame ouuma microcirurgia, enquanto que a “luparoscopia” é aquele exame judicial,portanto feito pelo magistrado, que se destina a analisar uma cláusula abusi-va feita em contrato de adesão, usando lupa, porque as letras são tão peque-nas, muitas vezes, que ele não consegue ler normalmente. Então, não sei seele vai ter tempo para isso, para examinar detidamente um determinado con-trato com letrinhas microscópicas para descobrir se existe cláusula de eleiçãoe onde ela está. Quanto tempo ele vai levar? Então, não sei se na prática issovai funcionar. De qualquer sorte, é uma inovação importante que há hoje àdisposição dos operadores do Direito.

Page 98: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 97

Outra questão que se coloca é que ele somente deverá declinar da compe-tência quando sentir que há prejuízo ao réu quando a demanda for ajuizadano foro de eleição. Sinceramente, não vejo prejuízo num foro de eleição, porexemplo, quando se estabelece que o foro de eleição é Sapucaia, e o réu resi-de em Esteio, dada a proximidade. Agora, já vejo prejuízo quando o foro deeleição, por exemplo, é São Paulo, e o demandado reside em Porto Alegre.Parece-me que essa situação é bastante diferente. Estou trabalhando aqui,num primeiro momento, com posições diametralmente opostas.

Outro aspecto: é importante lembrar que o Superior Tribunal de Justiça jávinha reconhecendo esta possibilidade de ser possível declinar da competên-cia quando envolvesse relação de consumo, e o Juiz poderia até fazê-lo deofício. A norma aqui, no entanto, tem um caráter mais abrangente, porqueum contrato de adesão não é necessariamente um contrato que envolva rela-ção de consumo. Para que a relação de consumo se perfectibilize é precisoque haja, de um lado, uma pessoa na condição de consumidora e, de outro,uma pessoa na condição de fornecedora, na forma dos arts. 2º e 3º do CDC.

Mas pode haver um contrato de adesão sem que haja relação de consumo.Por exemplo: uma montadora tem os seus chamados prestamistas, seus for-necedores, e recebe um determinado produto com algum defeito. O que vaiacontecer? Ela não consegue resolver esse problema no plano extrajudicial, eestabelece-se, digamos assim, a lide, o conflito, que tem que ser dirimido,por óbvio, judicialmente. Ora, no caso, o prestamista é fornecedor, mas amontadora não é considerada consumidora, porque ela está recebendo aque-le bem apenas na condição de um ente que forma um elo na relação de con-sumo, mas não na condição de destinatária final desse bem. Conseqüente-mente, estamos diante de uma situação de contrato de adesão que não envol-ve relação de consumo.

Um outro aspecto que pode surgir é o seguinte: diz o parágrafo único quea nulidade da cláusula de eleição de foro em contratos de adesão pode serdeclarada de ofício pelo Juiz, que declinará da competência para o juízo dodomicílio do réu. A questão aparentemente é fácil, mas ela pode provocar, in-clusive, outros incidentes. Por quê? Qual é o domicílio do réu? O Código Civilcriou o domicílio residencial e o domicílio profissional. Para qual o Juiz vaideclinar de ofício? Se declinar mal, poderá haver, inclusive, conflito de com-petência, gerando mais um incidente. Poderá haver até exceção de incompe-tência posteriormente, e, com isso, o princípio da celeridade poderá estarsendo comprometido.

Então, temos que levar em conta que o art. 70 do CC trata do domicílio dapessoa natural, estabelecendo o residencial, enquanto que o art. 72 trata do pro-fissional. Assim, há que se verificar e diagnosticar a relação de Direito Material

Page 99: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

98 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

controvertida, a causa que está em juízo, qual é a sua natureza. Se envolve,por exemplo, relações concernentes à profissão, o Juiz deverá declinar dacompetência para o juízo do domicílio do réu, no caso, o profissional, e nãoo residencial.

Outra situação que pode surgir ainda: o autor pode ter formulado simplespedidos relacionados apenas com a tutela definitiva, que só vai ocorrer emsentença, mas poderá também se verificar uma outra situação, que ele tenhaformulado um pedido de tutela provisória, por exemplo, tutela antecipada, eo Juiz que vai declinar, o que faz? Como se trata de tutela de urgência, eledeve decidir ali, ainda que se julgue incompetente, porque a incompetência érelativa na sua essência. Apenas se permite agora que o Juiz, analisando a clá-usula de eleição de foro – primeiramente apreciando, portanto, a relação deDireito Material e verificando que a cláusula é abusiva ou ilegal; em conseqü-ência, isso tem um desdobramento no plano processual –, decline da compe-tência para o juízo que julgue competente, que no caso seria o do domicíliodo réu. Ele deverá apreciar, a meu juízo, essa tutela provisória, porque se tra-ta de tutela de urgência, sob pena de provocar um dano irreparável à parte.

Alguém poderá dizer: “Mesmo sendo incompetente, o Juiz deve analisar opedido de tutela antecipada?” A meu ver, sim, até por uma simples razão: so-mente quando se trata de incompetência absoluta é que os atos decisóriossão considerados nulos (art. 113, § 2º, do CPC), que não seria o caso aqui,porque não envolve incompetência absoluta, mas relativa. Diz o art. 114:“Prorrogar-se-á a competência se dela o Juiz não declinar na forma do pará-grafo único do art. 112 desta Lei ou se o réu não opuser exceção declinatórianos casos e prazos legais”. Aqui é a reafirmação do que se trata de incompe-tência relativa.

Outra questão que merece exame em razão deste novo enunciado: atéquando o Juiz pode declinar da competência? Quero agora, em razão disso,examinar uma outra questão conexa a ela. Nós temos que estabelecer qual éo termo inicial para cognição de ofício e qual é o termo final. Pela análise doart. 114, a meu ver, o operador do Direito deve aplicar basicamente essanova Lei como se fosse uma lente bifocal: primeiramente, analisando os prin-cípios que regem as reformas e, depois, aplicando as regras com base numainterpretação sistemática e teleológica, por um princípio de hermenêutica.Basicamente essas duas interpretações devem ser utilizadas. Sendo assim, otermo inicial para conhecer da ilegalidade dessa cláusula, que seria abusiva,e, conseqüentemente, implicaria declinar da competência, seria o momentoem que o Juiz examina a admissibilidade da petição inicial, podendo, inclusi-ve, indeferir a petição inicial quando verificar desde logo a decadência ou aprescrição (art. 295, inc. IV). Então, o termo inicial é quando ele faz o juízo

Page 100: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 99

de admissibilidade, e o termo final, parece-me, é quando termina o prazopara a resposta a ser dada pelo réu.

Pelo sistema do Código, embora a doutrina considere outras, há três mo-dalidades de respostas (art. 297 do CPC): contestação, reconvenção ou exce-ção. Ora, se a contestação, a reconvenção e a exceção devem ser apresenta-das, quando o rito for ordinário, no prazo de 15 dias, parece-me que, decor-rido esse prazo, não deve o Juiz mais se pronunciar de ofício a respeito dodeslocamento dessa causa para outro juízo. Por quê? Primeiro, porque issopoderá comprometer o princípio da celeridade; segundo, porque essa regrafoi concebida como regra de proteção ao demandado, esse poder-agir de ofí-cio do Juiz. E, se decorrido o prazo da resposta, ele não suscitou, não argüiu,no caso, exceção de incompetência, é porque ele não se sente prejudicado.

Eu apenas faria uma ressalva: eu admitiria isso em nível de reflexão sumá-ria, e não exauriente, definitiva, quando ele não fosse revel. Contudo, haven-do revelia, eu admitiria até o momento das chamadas providências prelimina-res a que se referem os arts. 323 a 328 do CPC.

Aliás, a esse respeito, o Prof. Cássio Scarpinella Bueno, da PUC de SãoPaulo, sustenta que o termo final seria até esse estágio processual das pro-vidências preliminares, sem qualquer ressalva. Permito-me fazer a ressalva,ainda, tão-somente em relação ao revel, mas, mais uma vez registro, em ní-vel de cognição sumária, de exame sumário, e não de forma exauriente; derepente, pode surgir uma situação sui generis, especial – e a jurisprudênciaestá aí para tratarmos com a casuística –, e nós teríamos de tratá-la diferen-temente.

O art. 154, parágrafo único, também merece consideração. Antes havia so-mente o caput; agora, há o parágrafo único, com o seguinte enunciado: “Ostribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática ea comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidosos requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica einteroperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP –Brasil”. O acréscimo do parágrafo único ao art. 154 objetiva tanto quantopossível propiciar duas coisas: a prática e a comunicação de atos processuaispela via eletrônica, sem o formalismo do sistema convencional, desde queatendidos os sistemas da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP,que foi criada pela MP nº 2.200/01, de 27-07-01, reeditada pela MP nº 2.202/02, de 24-08-01, e que está em plena vigência.

É importante salientar que é com base nesses sistemas de chaves quehoje nós fizemos a assinatura digital nos acórdãos, nas Câmaras que já osadotam há algum tempo. Quero registrar que atualmente se encontra trami-tando na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 7.316, que mantém

Page 101: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

100 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

com plena eficácia as normas dessa Medida Provisória, tendo já havido votofavorável do Relator para aprovação.

Faço algumas reflexões: a primeira delas de natureza histórica. Já se ten-tou estabelecer o parágrafo único do art. 154 em 2001, mas não com essa re-dação, com redação semelhante, pela Lei nº 10.358, de 27 de dezembro, masfoi vetado, na época, evidentemente pelo Presidente da República. Agora, eleressurge, porque tem uma razão de ser (existem as medidas provisórias), háum outro panorama no cenário jurídico nacional mais flexível, mais receptivoa esse tipo de modificação, porque o novo sempre provoca uma certa resis-tência. A Física inclusive explica isso pelo princípio da inércia, ou seja, nóstendemos a resistir às modificações.

Esse dispositivo, a meu ver, tem natureza jurídica de norma de eficáciacontida. Por quê? Porque entendo que ele deva ser regulamentado pelos tri-bunais, tanto que a sua redação é a seguinte: “Os tribunais, no âmbito da res-pectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dosatos processuais por meios eletrônicos”. Primeira questão que se coloca: éuma faculdade ou não do tribunal? Se entendermos que é uma faculdade dotribunal, já se estabelece a importância da eficácia, quanto à natureza jurídi-ca, de uma norma contida. A minha preocupação é no plano casuístico, que éo que enfrentamos no dia-a-dia; não adianta nada eu vir aqui fazer várias con-siderações de natureza teórica, lendo o Projeto, lendo a Medida Provisória,explicando o sistema de chaves, se o que interessa é o nosso dia-a-dia. Eu atépoderia fazer isso no trabalho que estou escrevendo, mas acho que aqui iriafrustrar os objetivos tão nobres buscados pelo Centro de Estudos. Se enten-dermos que esta é uma norma com eficácia de aplicação plena e imediata,podemos, doravante, receber petições iniciais, contestações e recursos tam-bém via e-mail.

Quando o legislador excepciona, ele estabelece regras para excepcionar.Foi o caso da Lei nº 9.800, que é um embrião desse parágrafo único, que per-mite que as pessoas possam apresentar petições via fax, por exemplo, desdeque no prazo de 05 dias apresente o original, sob pena de não surtir eficáciaaquele ato praticado com base na Lei nº 9.800. Então, esse é o primeiro pro-blema que irá surgir. Já vi advogados sustentando na Internet manifestaçõesno sentido de que, a partir de agora, eles já poderiam apresentar petições viae-mail. Ora, se assim for, não estará comprometido, na prática, o princípio daceleridade? Nós não vamos estar criando mais incidentes? Essa é uma per-gunta que deixo à consideração dos Colegas e de todos os presentes.

Lamentavelmente, apenas vou conseguir fazer uma projeção casuística deuns 50%, mais ou menos, daquilo que pensei, dado o espaço de tempo dispo-nível. Outra inovação foi o § 5º. Essa inovação processual veio a permitir que

Page 102: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 101

o Juiz pronuncie de ofício a prescrição, ao contrário da norma revogada, quesomente autorizava o magistrado a conhecer de ofício a prescrição e decretá-la de imediato em casos de direitos patrimoniais, isso no plano processual.Mas o art. 194 do CC, que foi revogado pela Lei nº 11.280, já estabelecia que“o Juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favore-cer absolutamente incapaz”, independentemente, portanto, de se tratar ounão de direito patrimonial. A doutrina diz que é difícil supor uma situaçãoque envolva prescrição e que não diga respeito a direito patrimonial, mas,evidentemente, não vou divagar por esse caminho.

Então, aqui, temos esta inovação, que mais uma vez visa a atender ao prin-cípio da celeridade na prestação jurisdicional, princípio regente dessas refor-mas setoriais, a fim de que a demanda não se arraste por longo tempo. Antes,o Juiz detectava a prescrição e não podia fazer nada, dependia de manifesta-ção da parte. Só depois que a parte acordasse e suscitasse é que o Juiz se po-deria manifestar. Agora não é mais assim. Creio que nós teremos um campomuito grande de aplicação, que vai evidentemente permitir inclusive desafo-gar os foros e os tribunais, principalmente no campo do Direito Público; ha-verá uma diminuição de processos com essa possibilidade do agir de ofíciodo Juiz, que antes era obrigado a esperar a manifestação da parte para reco-nhecer a existência de prescrição.

Uma questão que surge é a seguinte: o Juiz deve pronunciar a prescrição,de ofício, em qualquer grau de jurisdição, considerando o que dispõe o art.193 do CC? Mas esse grau de jurisdição evidentemente se refere às instânciasordinárias, pois na especial e na extraordinária é inviável conhecer da matériase anteriormente não fora suscitada, considerando aqui a ausência deprequestionamento, porque este é essencial. Então, essa regra do art. 193 doCC, c/c o § 5º do art. 219, com a nova redação, é um comando que tem comodestinatária a instância ordinária. Na 11ª Câmara Cível já admitimos, numaapelação da qual fui Relator, a argüição da prescrição inclusive em contra-ra-zões recursais.

Um outro aspecto diz respeito ao art. 253, e rapidamente farei um comen-tário. O art. 253, com a nova redação dada ao inc. II e o acréscimo do inc. III,ampliou as hipóteses em que as causas são distribuídas por dependência. As-sim, amplia os casos em que se estabelece a prevenção, os casos de juízoprevento. O inc. II do art. 253 assim dispunha: “Quando, tendo havido desis-tência, o pedido for reiterado, mesmo que em litisconsórcio com outros au-tores, também será caso de distribuição por dependência”.

Esse dispositivo na redação anterior já fora objeto de uma reformasetorial. Agora, ele foi modificado. A nova redação tem um alcance maior, de-termina que também será caso de distribuição por dependência não somente

Page 103: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

102 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

nos casos de desistência de ação, mesmo que em litisconsórcio, mas quandoo processo for extinto sem julgamento do mérito. E aqui há uma improprie-dade da Lei. Às vezes, as coisas são feitas de afogadilho. Manteve a mesmanomenclatura anterior: “sem julgamento do mérito”. Aqui, leia-se: “sem reso-lução do mérito”, quer dizer, não fizeram adaptação. Diz o inciso: “Quando,tendo sido extinto o processo, sem julgamento de mérito, for reiterado o pe-dido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcial-mente alterados os réus da demanda”.

Alcança a nova regra, assim, todas as hipóteses do art. 267. Ampliou, signi-ficativamente, os casos de prevenção, e o critério, para a sua fixação, deve le-var em conta a mera distribuição da demanda, evitando, com isso, que umamesma ação seja distribuída tantas vezes quanto necessárias para obter umaliminar. Numa expressão mais popular, é para coibir a malandragem no atode postular. Fecharam-se as portas.

De outro lado, agora também haverá distribuição por dependência quandohouver ajuizamento de ações idênticas, conforme o inc. III do art. 253, que émais uma novidade, já que antes não existia esse comando. O conceito deação idêntica nos é dado pelo § 2º do art. 301 do CPC, ou seja, uma açãoidêntica é aquela que tem os mesmos elementos da outra: as mesmas partes,a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

O art. 305 é uma regra também inovadora e, com uma nova redação, diz:“Na exceção de incompetência (art. 112 desta Lei), a petição pode serprotocolizada no juízo do domicílio do réu, com requerimento de sua imedia-ta remessa ao juízo que determinou a citação”. O parágrafo único desse arti-go, portanto, constitui uma norma que modifica totalmente o nosso panora-ma em termos de processualística. Por quê? Porque antes a exceção de in-competência deveria ser apresentada ao juízo da causa; agora, permite-seque ela seja apresentada ao juízo deprecado, e aqui poderão surgir alguns in-cidentes.

A primeira questão que coloco: se ele pode apresentar essa petição de exce-ção de incompetência ao juízo do domicílio do réu, ou seja, o réu foi citado viaprecatória e pode apresentar agora a exceção lá, qual deve ser o procedimentodo Juiz? O parágrafo único diz: “A petição pode ser protocolizada no juízo dodomicílio do réu, com requerimento de sua imediata remessa ao juízo que de-terminou a citação”. É importante aqui salientar um aspecto que, ao meu ver,desde logo deve ser definido, sob pena de gerarmos vários incidentes.

O juízo do domicílio do réu, que agora está autorizado a receber essa peti-ção de exceção, pratica um ato meramente ordinatório; não cabe a ele emitirum juízo de admissibilidade ou de rejeição da petição da exceção de incom-petência, tanto é assim que, por ser um ato meramente ordinatório, poderá

Page 104: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 103

ser praticado inclusive pelo servidor judicial, na forma do art. 162, § 4º, doCPC, porque se ele fizer um juízo de admissibilidade dessa petição de exce-ção de incompetência, vários incidentes poderão ocorrer. Projeto algumas si-tuações. Ele não a recebe, aí já vem o agravo. Algum advogado pode cons-truir a seguinte tese: se é permitido receber no juízo do domicílio do réu aexceção de incompetência, por que não pode ser também aceita a contesta-ção ou a eventual reconvenção? Logo, sendo assim, o Juiz já tem que analisara contestação e uma eventual reconvenção.

Então, nós podemos criar vários problemas e com uma alegação: como éresposta, e as respostas têm de ser apresentadas no prazo de 15 dias, na for-ma do art. 297, então eu posso apresentar as outras formas de resposta.Acontece que em relação às outras formas de resposta – contestação ereconvenção –, a Lei exige que tão-somente com relação a estas (art. 298) éque devem ser apresentadas simultaneamente, mas no juízo da causa. Então,aqui, o Juiz pratica um ato meramente ordinatório, não emite juízo de admis-sibilidade, a meu sentir, a respeito dessa exceção de incompetência.

Outra modificação é o art. 332, que diz: “Contra o revel que não tenhapatrono nos autos correrão os prazos independentemente de intimação, apartir da publicação de cada ato decisório. Parágrafo único – O revel poderáintervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se en-contrar”. A novidade aqui foi transformar a parte final do caput do art. 332em parágrafo único e modificar a redação na sua primeira parte. Agora, coma nova redação constante do caput desse artigo, o revel que tenha patrononos autos deverá ser necessariamente intimado, sob pena de nulidade doprocesso. O cuidado a esse respeito passa a ser, portanto, redobrado.

Por último, o art. 338 diz: “A carta precatória e a carta rogatória suspende-rão o processo, no caso previsto na alínea b do inc. IV do art. 265 desta Lei,quando, tendo sido requeridas antes da decisão de saneamento, a prova ne-las solicitada apresentar-se imprescindível”. O que é uma prova imprescindí-vel? É difícil! Se uma prova é prescindível, ela não poderia ser deferida, emprincípio. Então, parece-me que irão surgir grandes incidentes nessa discus-são. Qual será o termômetro processual que vou utilizar para avaliar essaquestão?

Então, antes, pela redação do art. 338, a carta precatória e a cartarogatória suspendiam o processo também na hipótese da alínea b do inc. IV,quando requeridas antes do despacho saneador – aliás, essa é a nomenclatu-ra utilizada pelo Código de 1939, pois o Código de 1973 fala em saneamentodo processo –, que ocorre na forma do art. 331, § 3º, do atual Código, porperíodo nunca superior a um ano, considerando o art. 265, § 5º, do CPC. Ago-ra, para que ocorra a suspensão, é preciso que se trate de prova imprescindível

Page 105: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

104 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

a ser produzida perante o juízo deprecado; caso contrário, o processo continuanormalmente.

O problema, portanto, aqui, vai ser este: a não-suspensão do processo e ademora na remessa da precatória, onde a prova deverá ser produzida poresta redação aqui, autorizarão o Juiz a julgar o feito com possíveis alegaçõesde cerceamento de defesa, quer dizer, é um cuidado que se deve ter. É im-portante, portanto, para evitar maiores delongas, que o Juiz fixe o prazo paracumprimento da precatória, levando em conta o disposto, ao meu ver, no art.203 do CPC, tanto para rito ordinário como para rito sumário, porque nadaimpede que ocorra a precatória no rito sumário, embora ali haja maior con-centração dos atos processuais. E aqui, ainda em se tratando de rito sumário,deve ser aplicado o art. 205 do CPC, que permite que a carta seja expedidamediante telegrama, radiograma, enfim, esses meios mais rápidos.

Sei que me alonguei demais. Lamentavelmente, o tempo não me permitetrazer outras reflexões à consideração, acima de tudo, dos Colegas de 1º e de2º graus, que me ajudariam a meditar melhor sobre essa temática processual.Realmente, são questões que irão surgir, e tentei projetar algumas no planoda casuística, pois isso será importante também no âmbito dos nossos gabi-netes, para os nossos Assessores e Secretários. Enfim, de uma coisa tenhoconvicção: o Poder Judiciário não pode titubear na aplicação desses novosdispositivos; se começar a abrir brechas, essas brechas poderão, no futuro,comprometer o princípio regente dessas reformas, que é o da celeridade naprestação jurisdicional. Muito obrigado pela atenção.

Page 106: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

105

SANAÇÃO DAS NULIDADES PELO TRIBUNAL EINADMISSIBILIDADE DA APELAÇÃO CONTRA SENTENÇA

QUE SE CONFORMA COM SÚMULA DO STJ OU STF1

Antonio Janyr Dall’Agnol Junior *

Sumário: 1. Histórico da regra nova. 2. Primeiras aproximações exegéticas.

1. Histórico da regra nova. O dispositivo legal examinado neste trabalho foi inse-rido, como parágrafo – o primeiro, deslocando para o segundo o que antes fora oúnico –, pela Lei nº 11.276, de 07-02-06, no art. 518 do CPC, segundo redaçãoproposta pelo art. 2º daquela Lei, e está vazado nestes exatos termos: “O Juiz nãoreceberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade comsúmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”.

Afora isso, a mesma Lei modificadora introduziu a locução “em cinco dias” naregra prevista pelo então parágrafo único e, agora, segundo, com o que se espe-cificou prazo para ato judicial que, à falta, se teria como pronunciável em dezdias (art. 189, II, do CPC). Releva, portanto, a novidade constante do primeiro dosparágrafos, por isso que inaugura obstáculo de acesso ao recurso de apelação.

A regra parece encontrar origem em sugestão constante do documento Pro-postas para Alteração do Sistema Recursal Civil, de autoria do Min. Ruy Rosado deAguiar Júnior, então ainda em atividade jurisdicional, formuladas a pedido do

* Advogado em Porto Alegre-RS. Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estadodo Rio Grande do Sul. Professor da Escola Superior da Magistratura do Estado do Rio Grande doSul.

1 – O presente texto – elaborado para publicação na Revista do Advogado (nº 85, maio de 2006,pp. 181-187), da Associação dos Advogados de São Paulo – serviu de base para a palestra profe-rida, a 26-05-06, no seminário sobre “As Recentes Reformas Processuais”, realizado por iniciati-va do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Algumas notas,mercê de trabalhos que vieram a público, foram acrescidas.

Page 107: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

106 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

Conselho de Justiça Federal2. Com efeito, a Proposta nº 14 exibe a seguinte reda-ção: “Decisão conforme súmula de jurisprudência do Supremo Tribunal Federalou de Tribunal Superior não admitirá recurso”.

Segue-se justificativa, vazada nestes termos: “A súmula deve ter efeito impedi-tivo de recurso, uma vez que já se sabe qual o resultado do julgamento a ser pro-ferido na instância superior”. Prenunciava-se, aqui, a idéia da “súmula impeditivade recurso”, mas não pela via onde ordinariamente se a trabalhava, senão que,de pronto, pelo julgador do 1º grau, justamente o primeiro instituído do poder-dever do exame dos requisitos de admissibilidade dos recursos.

A sugestão encontrou eco na “Campanha pela Efetividade da Justiça”3, lidera-da pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, encontrando-se, já agorasob o formato de norma jurídica, como proposta de modificação do art. 518 doCPC, “introduzindo a súmula impeditiva de recurso das decisões de 1º grau”, se-gundo a ementa. A redação, naquele documento, é a seguinte: “Art. 518 – [....]. §1º – O Juiz, ao aferir os pressupostos recursais, não receberá o recurso de apela-ção quando a decisão recorrida estiver de acordo com a súmula do respectivotribunal ou dos Tribunais Superiores em sentido igual à decisão recorrida. § 2º –Apresentada a resposta, é facultado ao Juiz o reexame dos pressupostos deadmissibilidade do recurso”.

Finalmente, a proposição veio a integrar o conjunto de “projetos de lei” ane-xos ao denominado “Pacto de Estado em Favor de um Judiciário mais Rápido eRepublicano”, documento assinado pelos Chefes dos Três Poderes em 15-12-044.Nesse documento, a proposta tem a denominação de “Projeto de Lei nº 4.724/04” e exibe a redação que, afinal, veio a ser convertida em lei, motivo pelo qualme dispenso de aqui transcrevê-la.

O texto, a estas alturas, portanto, já não mais exibia a largueza da proposta daAMB, que previa, além da consideração para “com a súmula do respectivo tribu-nal”, genericamente “Tribunais Superiores”, retomada a idéia constante das “Pro-postas” sugeridas ao Conselho de Justiça Federal pelo Min. Ruy Rosado de Agui-ar Júnior. Afora isso, melhorada foi, substancialmente, a redação, extirpando-seo tautológico final e se substituindo pelo termo técnico apropriado – “sentença” –a palavra “decisão”, pois se está a cuidar do recurso cabível contra aquela (art.

2 – Devo, de público, agradecer a gentileza do ilustre magistrado e jurista conterrâneo peloacesso ao documento, cuja leitura demonstra o aproveitamento, pelo legislador da reforma, deoutras sugestões nele consignadas.

3 – O documento, cuja cópia me foi fornecida pelo ilustre Juiz de Direito Ricardo PippiSchmidt, a quem expresso, igualmente, meu agradecimento, tem registrado em seu frontispí-cio: “Brasília, março de 2004”.

4 – O documento tem o seguinte registro em sua capa: “Brasília-DF – 2005”.

Page 108: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 107

513, c/c o art. 162, § 1º, do CPC), e não contra essa (art. 522, c/c o art. 162, § 2º,do CPC).

O Projeto – sob nº 4.724/04, na Câmara, e nº 90/05, no Senado – parece não tersofrido maiores percalços, recebendo apenas uma emenda, para inserção do art.1º, que, curiosamente, mais não faz do que repetir a ementa. A justificativa era ade atenção ao disposto pelo art. 7º da LC nº 95, de 26-02-98, que efetivamente es-tabelece que “o primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âm-bito de aplicação”, determinando a observação de “princípios” que, a seguir, arrola(mas, lamentavelmente, com freqüência ignorados pelo legislador).

Publicação do Instituto Brasileiro de Direito Processual – sempre atento a proje-tos desta natureza – registra que “o IBDP colaborou com a redação do Projeto,mas algumas de suas sugestões não foram aproveitadas”5. O cotejo entre a reda-ção final e a do Projeto, no entanto, permite verificar que, no ponto, não houve amais mínima modificação. A Exposição de Motivos, firmada pelo Ministro da Justi-ça, registra, quanto ao tema, depois de expor a proposta de inserção de parágrafono art. 518: “Trata-se, portanto, de uma adequação salutar que contribuirá para aredução do número excessivo de impugnações sem possibilidade de êxito”.

A consignação singela denuncia, às escâncaras, o intuito pragmático, a que aalusão inicial ao “escopo de conferir racionalidade e celeridade ao serviço deprestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla de-fesa”, não logra ocultar. Não há crítica nisso, assinale-se, mas mera constatação. Épreciso conhecer-se bem os fundamentos, para o fim de melhor construir. O tem-po dirá do acerto ou não da novidade, mas a interpretação se faz de pronto ne-cessária, com os devidos cuidados.

2. Primeiras aproximações exegéticas. No seu lento caminhar, no sentido da for-ça centrífuga das resoluções dos Tribunais Superiores6, o legislador da reforma

5 – Cadernos IBDP – Série Propostas Legislativas, vol. nº 4, setembro de 2005, Reforma Infraconsti-tucional do Processo Civil, organizado por Petrônio Calmon Filho, São Paulo, IBDP, 2005, p. 87.

6 – Nas “Propostas da Comissão para a Efetividade da Justiça”, da AMB, diz a “justificação” queo objetivo seria o de “dar maior efetividade às decisões de 1º grau e impedir os recursos mera-mente protelatórios [....]”. Vá lá que o seja também, mas é inegável que isso se dá apenas se equando ocorrer conformidade da sentença para com enunciados da súmula do Superior Tribu-nal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. No parecer do Relator, na Câmara, consignadoestá: “É preciso atentar para a recente publicação da já mencionada EC nº 45/04 (Reforma doJudiciário), que adotou, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, a chamada súmula vinculante,acrescentado o art. 103-A à Constituição da República. Ademais, na parte que retornou à Câma-ra (PEC nº 358, de 2005), tem-se a previsão da súmula impeditiva de recursos para o SuperiorTribunal de Justiça e para o Tribunal Superior do Trabalho”. E prossegue o Dep. Inaldo Leitão:“Nota-se, pois, que o não-recebimento da apelação contra sentença em consonância com

Page 109: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

108 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

(melhor fora dizer os legisladores, tal o número de entidades e mesmo de pesso-as físicas que têm contribuído para a modificação do Código de Processo Civil),inserindo parágrafo no art. 518 do Código, praticamente impôs novo requisitode admissibilidade ao recurso de apelação7.

Dispenso-me de gastar demasiado tempo com a circunstância de que se inseriua regra – respeitante à admissibilidade – em artigo que cuida(va), fundamental-mente, dos efeitos da apelação, ignorando-se a melhor técnica; tampouco com oestilo um tanto esconso do novo dispositivo legal. Fixo-me, assim, em seu conteú-do, buscando com isso nada mais do que uma primeira aproximação, por eviden-te a ausência de experiência suficiente (o que, para quem não tem do Direitouma visão meramente formal, não é muito fácil).

De rigor, o obstáculo à admissão do recurso de apelação quando a sentençaguarde conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do SupremoTribunal Federal termina por evidenciar não mais do que uma especificada hipóte-se de falta de interesse de recorrer. De outro ângulo examinada a questão, ver-se-áque se cuida de não-conformidade das razões para com enunciado de súmula. A

súmula dos Tribunais Superiores representa, a nosso sentir, uma medida condizente com aadoção da súmula vinculante. Ou seja, se optamos pela súmula vinculante, não há sentido empermitir o processamento de recurso contrário ao entendimento fixado por aquela”. Finalmen-te, arremata: “Ainda que assim não fosse, tal conduta do magistrado apenas anteciparia o pro-vimento que fatalmente viria a ser tomado pelo Relator do recurso, o qual, com base no art.557 do CPC, já está autorizado a negar seguimento a recurso em confronto com súmula ou ju-risprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Su-perior” (in Cadernos IBDP..., cit., pp. 93-94). Barbosa Moreira, em trabalho inserido na obra cole-tiva coordenada por Nelson Nery Júnior e Teresa Arruda Alvim Wambier, Aspectos Polêmicos eAtuais dos Recursos Cíveis de Acordo com a Lei nº 9.756/98, já advertia: “[....] sem precisão deemenda, a vinculação, para fins práticos, em boa medida vai-se insinuando pé ante pé, sorratei-ramente, como quem não quer nada, e não apenas em benefício de teses ‘sumuladas’, senãodas até simplesmente bafejadas pela preferência da maioria dos acórdãos”. (Aspectos Polêmicos eAtuais dos Recursos Cíveis de Acordo com a Lei nº 9.756/98: Algumas Inovações da Lei nº 9.756 em Maté-ria de Recursos Cíveis, São Paulo, RT, 1999, p. 329) Ainda que sem a eficácia vinculativa, o tempodemonstrou o acerto do ilustrado jurista do Rio de Janeiro, como se vê de artigos como o 120,parágrafo, 475, § 3º, 481, parágrafo, e, talvez por todos, o art. 557, caput e § 1º-A, do CPC.

7 – Leituras posteriores à confecção deste trabalho permitiram-me verificar que, de acordo com aconclusão de que se cuida de requisito de admissibilidade, se pronunciou Cassio ScarpinelaBueno (A Nova Etapa da Reforma do Código de Processo Civil, São Paulo, Ed. Saraiva, 2006, vol. nº 2,pp. 34-36); contra, porém, por entenderem cuidar-se de “questão atinente ao juízo de mérito dorecurso”, manifestam-se Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier, José MiguelGarcia Medina (Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil, São Paulo, RT, 2006, p. 226) eFátima Nancy Andrighi, para quem “o Juiz exercerá o verdadeiro juízo de mérito” (Lei nº 11.276/06 –Inadmissibilidade da Apelação Contra Sentença que se Conforma com Súmula do Superior Tribunal de Jus-tiça ou do Supremo Tribunal Federal; palestra proferida em Brasília, no dia 05-04-06, e veiculada emhttp://bdjur.stj.gov.br).

Page 110: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 109

partir da vigência da regra nova, é isto justamente o que ocorre: ao vencido não sereconhece necessidade de recorrer, porquanto a solução apresentada pela senten-ça está de acordo com o assentado jurisprudencialmente. A força dos preceden-tes8, desde que formalmente reconhecida, pelo registro em súmula, retira o pró-prio direito de recorrer9.

De qualquer modo, singelo não será o enquadramento das diferentes espéci-es, ressalvada a lide massificada, afinal, para o que destinada a nova regra. Sãojustamente as lides repetitivas que se haverão de compreender ordinariamenteatingidas, posto não apenas elas.

Na exegese do § 1º do art. 518, é impositivo ter-se presente, desde logo, quea espécie se restringe à consideração para com enunciados da súmula10 de doisdos Tribunais Superiores do País: o Superior Tribunal de Justiça e o SupremoTribunal Federal11. Destarte, não relevam proposições de outros tribunais – afortiori, do tribunal a quem dirigida a apelação –, de um lado, e, de outro, impor-tam apenas os enunciados que já encontrem abrigo na súmula de um ou outrodos Tribunais Superiores mencionados.

Não há como escapar da circunstância: a tese da sentença deve se identificarcom a do enunciado para que a inadmissão possa ser expressa pelo Juiz. Podeque a tese da sentença se encontre integralmente afinada com a jurisprudência amais tranqüila, inclusive dos Tribunais Superiores mencionados pelo parágrafoem exame, mas isso não é suficiente para se fecharem as portas do recurso de

8 – Ainda que inocorrente o efeito vinculante, mas o dito “persuasivo, ou de fato, ou revestidode valor moral”, como regra em sistemas como o nosso (cfe. José Rogério Cruz e Tucci, Prece-dente Judicial como Fonte do Direito, São Paulo, RT, 2004, p. 12), a regra incide.

9 – A circunstância, ainda que se não tenha a hipótese como espécie de interesse de recorrer,enquadra o novo requisito de admissibilidade entre os ditos “intrínsecos”, segundo a acatadaclassificação de Barbosa Moreira (cfe. Comentários ao Código de Processo Civil, 12ª ed., Rio de Ja-neiro, Ed. Forense, 2005, vol. V, p. 266). No mesmo sentido, Araken de Assis (Condições de Ad-missibilidade dos Recursos Cíveis) e Teresa Arruda Alvim Wambier e Nelson Nery Júnior (Aspectos Po-lêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de Acordo com a Lei nº 9.756/98, São Paulo, RT, 1999, pp. 14-15).

10 – A súmula, em realidade, compreende o conjunto de enunciados; a prática, porém, tem ig-norado a circunstância, denominando-se “súmulas” os diferentes enunciados, todos caracteri-zados por um número determinado, na ordem crescente de sua publicação. A “súmula do Su-premo Tribunal Federal” é o compêndio que abriga, nos termos do art. 102 do RISTF, “a juris-prudência assentada pelo Tribunal”. De igual modo dispõe o Regimento Interno do SuperiorTribunal de Justiça, em seu art. 122, que “a jurisprudência firmada pelo Tribunal serácompendiada na súmula do Superior Tribunal de Justiça”.

11 – Não era assim, na origem, pois nas “Propostas da Comissão para a Efetividade da Justiça”,da AMB, incluía-se o tribunal ad quem: “O Juiz, ao aferir os pressupostos recursais, não receberáo recurso de apelação quando a decisão recorrida estiver de acordo com súmula do respectivotribunal ou dos Tribunais Superiores em sentido igual à decisão recorrida”.

Page 111: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

110 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

apelação ao vencido. Apenas e tão-somente a existência de proposição formal-mente compendiada em súmula é capaz de conformar hipótese deinadmissibilidade.

“O Juiz não receberá o recurso de apelação”, registra o dispositivo legal sobexame. Cuida-se, pois, inegavelmente, de requisito de admissibilidade, daquelaespécie que permite um primeiro e provisório exame pelo Juiz prolator da sen-tença, sem prejuízo da análise que venha a se realizar pelo órgão de revisão12.Esse pronunciamento do Juiz, sem dúvida, merece a qualificação de decisão, nostermos do art. 162, § 2º, do CPC.

Na lógica do sistema, tal ato judicial desafia o recurso de agravo (art. 522), im-pondo-se, como regra, o regime do instrumento13, porque, assim não fora, opor-tunidade não se abriria a reexame pelo órgão ad quem. Aliás, na nova redação doart. 522, que situa o regime da retenção como precípuo, prevê como exceção,entre outros casos, justamente o “de inadmissão da apelação”.

De sorte que de duas uma: ou o recorrente se conforma com o juízo deinadmissibilidade, encaminhando-se a própria sentença para o trânsito em julga-do, ou interpõe agravo de instrumento, ao efeito de reexame – que tanto sepode dar por retratação do prolator, como próprio à espécie recursal, não obs-tante o endereçamento se realize diretamente ao tribunal (art. 524 do CPC),quanto por atividade do órgão revisional, julgando o recurso de agravo –, e, comisso, impedindo o trânsito em julgado14.

O eventual sucesso da irresignação implicará o recebimento (= admissão) daapelação, devendo, então, esta seguir seus trâmites procedimentais, com intimaçãoda parte contrária para contra-arrazoá-la, no 1º grau. Naturalmente, sob o pon-to resolvido não se abrirá mais ao Juiz a oportunidade prevista pelo § 2º doart. 518 do CPC. Pode que outro requisito de admissibilidade (que não a es-pécie prevista pelo primeiro parágrafo, de que se cuida), circunstancialmenteignorado em um primeiro momento, venha a ser objeto de reexame, mas, de-finitivamente, aquele pressuposto não. Sobre essa questão haverá preclu-

12 – Conforme lição de Nelson Nery Júnior, “a competência para o juízo de admissibilidade dosrecursos é do órgão ad quem”, ocorrendo diferimento ao juízo a quo apenas “para facilitar ostrâmites procedimentais, em atendimento ao princípio da economia processual” (Teoria Geraldos Recursos, 6ª ed., São Paulo, RT, 2004, p. 255).

13 – Neste sentido, Wambier/Medina, ob. cit., p. 236, e Scarpinela Bueno, ob. cit., p. 40.

14 – É lição conhecida de Barbosa Moreira a de que: “Todos os recursos admissíveis produzem,no Direito pátrio, um efeito constante e comum, que é o de obstar. Uma vez interpostos, aotrânsito em julgado da decisão impugnada (cfe. o art. 467)”. (Comentários ao Código de ProcessoCivil, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2005, vol. V, 12ª ed., p. 257) A lição é repetida em O Novo Pro-cesso Civil Brasileiro, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2005, 23ª ed., p. 122.

Page 112: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 111

são15. Destarte, outra razão de inadmissão não existindo, tão logo respondido orecurso ou decorrido o prazo para resposta, haverá de determinar o Juiz o enca-minhamento dos autos ao tribunal competente para o reexame.

O requisito de admissibilidade que se está a cuidar – conformidade da sen-tença com a súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo TribunalFederal – é próprio e específico do recurso de apelação16. Não há comoestendê-lo a outras espécies recursais. Neste ponto, não há razão de dúvida.Insere-se a nova regra entre as próprias à apelação, e, mais do que isso, opreceito é expresso: “O Juiz não receberá o recurso de apelação [....]”. Dessemodo, é perfeitamente possível que, outra a espécie recursal, as circunstânci-as se identifiquem: por exemplo, a decisão interlocutória expresse tese abso-lutamente afinada com enunciado da súmula do Supremo Tribunal Federal17.Não haverá, aí, espaço para interpretação extensiva ou analógica.

Diz a regra que, ao efeito de inadmissão, a sentença deve estar “em conformi-dade” com a súmula. A primeira e a mais simples das inferências é a de que sehouver absoluta – tanto quanto possível isso, em Direito – concordância,tollitur quaestio: ao recorrente se negará acesso ao grau revisional18. Não tem

15 – E se, supervenientemente, ainda em curso o procedimento recursal, sobrevir enunciadoque dê sustento à inadmissão? Parece-me inegável que o órgão ad quem, a quem afeto o reexa-me – e que, eventualmente, até já se tenha pronunciado, via agravo de instrumento, a respeitodo tema –, deverá levar em conta o “fato novo”, para o fim de verificar a admissibilidade do re-curso de apelação. Barbosa Moreira, a propósito do direito a novo julgamento, assinala que ojuízo positivo exarado no 1º grau não o assegura sem mais, pois, além da ausência de preclu-são para o órgão ad quem sobre a matéria, há sempre a possibilidade de “sobrevir um fato quetorne inadmissível o recurso” (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, 12ª ed., p. 266, Riode Janeiro, Ed. Forense, 2005).

16 – De outro sentir, porém, Scarpinela Bueno, por entender o dispositivo como “pertencenteà teoria geral dos recursos”, posto reconheça a aplicabilidade deva ser “em escala bem reduzi-da”, na medida em que os outros recursos ordinários são interpostos diretamente perante ostribunais, incidindo o previsto pelo art. 557 do CPC (ob. cit., pp. 37-39).

17 – A hipótese, em face do regime a que submetido, atualmente, o agravo de instrumento, re-curso que deve ser “dirigido diretamente ao tribunal” (art. 524 do CPC), parece mais apropriadaao agravo retido (art. 523 do CPC).

18 – Por certo, em razão disso, haverá de reacender-se a discussão sobre um direito constitucio-nal ao duplo grau de jurisdição. Àqueles, porém, entre os quais me situo, que vêem no duplograu não mais do que uma possibilidade assentada pelo sistema, e não propriamente um princí-pio constitucional, problema não existirá. Nelson Nery Júnior, já na primeira edição de seus apre-ciados Princípios do Processo Civil na Constituição Federal (São Paulo, RT, 1992, p. 149), assinalava acircunstância de que o princípio do duplo grau de jurisdição, de rigor, em nosso Direito, só en-controu asseguração na Constituição do Império, limitando-se “as Constituições que lhe segui-ram [....] a apenas mencionar a existência de tribunais, conferindo-lhes competência recursal. Impli-citamente, portanto, havia previsão para a existência de recurso. Mas, frise-se, não garantia absolu-ta ao duplo grau de jurisdição”. Barbosa Moreira, de sua vez, não reconhece o princípio do duplograu de jurisdição como “ínsito ao sistema constitucional” (Comentários..., cit., pp. 237-238).

Page 113: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

112 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

ele necessidade de revisão, porque a matéria já se encontra pacificada. E nãoé o recurso de apelação meio adequado à modificação do precedente.

A questão há de se complicar quando a conformidade não se evidenciar inte-gral. Há que se realizar, aí, distinção. Se a conformidade é apenas parcial paracom a tese do enunciado da súmula, não incide o obstáculo do art. 518, § 1º, doCPC. Apenas a conformidade total haverá de encher o suporte de incidência da re-gra jurídica. Se, porém, a conformidade integral é de parte da sentença, porqueesta se desenvolve em distintos capítulos, é possível que o trânsito ao 2º grau sedê apenas parcialmente19. O juízo a quo, em examinando no primeiro momento aapelação, admitirá apenas em parte o recurso, relegada a em que a identificaçãocom enunciado da súmula ocorra. Nada há de contrário ao sistema, que, com ex-ceção do art. 526, parágrafo único, do CPC – em inovação de duvidosa coerência–, confere ao julgador o poder-dever20 de examinar a presença dos requisitos deadmissibilidade de qualquer ato da parte, incluído o recurso.

Também na hipótese de admissão parcial, por suposto, abre-se oportunidadeao apelante de expressar inconformidade, à semelhança do que se dá com ainadmissão tout court. Poder-se-ia alvitrar, nesse último caso, a possibilidade deutilização do regime de retenção, não vedado pelo art. 522 do CPC, ainda em suanova versão, pois ali se trata de “inadmissão da apelação”, quando aqui se está acuidar de admissão parcial.

A única questão que permanece – além das conseqüências ordinariamente ne-fastas que decorrem de desvios no procedimento – é a de que, na oportunidade decontra-razões à apelação, a parte contrária haverá de cuidar do que admitido, igno-rando o não admitido. E nem se diga que a oportunidade se lhe abre com aintimação para responder ao agravo (art. 523, § 2º, do CPC), porquanto o méritodesse se cingirá à verificação da consonância, ou não, da sentença (de parcela dela)para com determinado enunciado de súmula (do Supremo Tribunal Federal ou doSuperior Tribunal de Justiça). O agravo, por suposto, resolverá sobre a admissibi-lidade, e nada mais do que isso. Positivo o juízo de 2º grau, reformando o do 1º,imperioso se abra ensanchas à parte contrária para contra-arrazoar o recurso deapelação, por seu mérito próprio. De qualquer modo, no 2º grau incide o previstono art. 559 do CPC, impondo-se o exame antecedente do agravo.

Solução que se exibe adequada, a meu ver, é a de se possibilitar – acaso pro-vido o recurso do agravo, com a admissão integral do recurso de apelação –, no

19 – Cfe. Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini, CursoAvançado de Processo Civil, São Paulo, RT, 2006, vol. 1, p. 519.

20 – Araken de Assis, no trabalho já lembrado neste, recorda: “O conjunto dos requisitos dequalquer recurso representa matéria de ordem pública. Por conseguinte, é lícito o seu conheci-mento, ex officio, pelo órgão judiciário, a qualquer tempo”. (ob. cit., p. 13)

Page 114: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 113

próprio tribunal, a intimação da parte contrária para que complete as suas con-tra-razões, ferindo, agora, o tema que ficara de fora por força da admissão ape-nas parcial do julgador de 1º grau. Diferentemente, porém, se a admissão parcialvenha a ser externada em juízo de retratação, segundo faculdade prevista peloart. 518, § 2º, do CPC. Nesta precisa hipótese, a matéria toda da apelação já terásido objeto de debate, pois o pronunciamento do Juiz ocorre depois de “apre-sentada a resposta” pelo apelado.

Sendo assim, parece cabível, nesta hipótese, o regime da retenção – hoje,após o advento da Lei nº 11.187, de 2005, elevado à condição de preferencial –,assegurando-se, conforme previsto (art. 523, § 2º, do CPC), a manifestação daparte contrária. A questão aviada pelo agravo, como já lembrado, há de ser anali-sada precedentemente ao exame da matéria veiculada em apelação; não fora porpróprio ao regime da retenção, porque esta é a regra de procedimento no tribu-nal (art. 559 do CPC). A regra tem em vista, conforme de sua letra, o Juiz, que é,no sistema, quem primeiramente realiza o exame da admissibilidade do recursode apelação.

Sabidamente, na lição de Barbosa Moreira, “em princípio, reconhece-se ao ór-gão perante o qual se interpõe o recurso competência para verificar-lhe a admis-sibilidade”21. Não se pode deixar de observar, porém, na regra nova, certo “des-dobramento” da que abrigada pelo art. 557 do CPC22, precipuamente após a vi-gência da Lei nº 9.756, de 17-11-98. Se ao Relator se reconhece o poder de nãoadmitir recurso “em confronto com súmula [....] do Supremo Tribunal Federal oude Tribunal Superior”, por que não possibilitar a antecipação do juízo, que, emse cuidando de apelação, se efetiva, em um primeiro momento, e ainda que pro-visoriamente, pelo Juiz, no 1º grau?

Deste modo, posto não com a largueza prevista no art. 557 do CPC, prevê-se,agora, que o primeiro examinador dos requisitos de admissibilidade – do recursode apelação – de pronto aborte irresignação fadada ao insucesso. Alcançará oobjetivo expresso – “conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestaçãojurisdicional” – a novidade? Isso é algo que só o tempo dirá, acaso não atropela-da por alguma outra mudança que se possa operar pouco adiante. Em termos te-óricos, a resposta propende a ser positiva, na medida em que se tenha presenteo sentido francamente pragmático de algumas modificações que se têm realiza-do no Código.

À atenção de quem está habituado com as lides forenses, entretanto, não es-capará a via que se abre à discussão a respeito da “conformidade”, ou não, da

21 – Comentários..., cit., p. 263.

22 – Ao Relator, na Câmara, este “liame” não passou despercebido (cfe. nota 5, supra).

Page 115: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

114 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

tese que dá sustento à sentença com o enunciado da súmula de um dos dois Tri-bunais Superiores mencionados no dispositivo legal. E, em cultura em que imperaa visão da sentença como ato pouco passível a cortes23, seguramente alguns per-calços poderão advir de pronunciamento de admissão apenas parcial, que venha aser, em futuro nem sempre muito próximo, modificado, a fortiori, inteiramentereformado.

De qualquer modo, como comum em se cuidando do novo, precipuamentequando implica a novidade eventual possibilidade de cerceamento de faculdadesprocessuais, é de recomendar-se o máximo de cautela, resguardando-se a aplica-ção do requisito àquelas hipóteses claras de concordância da sentença com oenunciado da súmula. Aliás, não é à toa que o advérbio “manifestamente” semprepermaneceu na redação do caput do art. 557 do CPC.

Não há negar, a inclinação pelo cotejo sentença-enunciado (conformidade),em vez de razões-enunciado (desconformidade), exibe-se mais consentânea, namedida em que, contrariamente ao que ocorre com o art. 557 do CPC, denunciainclinação pela harmonia, de submissão a entendimento majoritário consolidadoe formalmente reconhecido, circunstância que contribui para a almejada segu-rança quanto aos pronunciamentos judiciais.

23 – Estudioso do tema alude à circunstância de o Código de Processo Civil mesmo não conter“disposições capazes de oferecer uma disciplina sistemática das sentenças, dos acórdãos oudas decisões suscetíveis de escandir-se em capítulos” (Cândido Rangel Dinamarco, Capítulos deSentença, São Paulo, Ed. Malheiros, 2002, p. 12).

Page 116: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

115

DESª REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS – Teremosagora a palestra do Dr. Ovídio Araújo Baptista da Silva, cujonome dispensaria qualquer apresentação, conhecido que é de to-dos no meio jurídico, de todos os operadores do Direito. Por issoeu me permito fazer uma apresentação mais breve do Dr. Ovídiopara apontar algumas de suas conquistas principais: bacharel emDireito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul,diplomado em 1954, livre docente e doutor em Direito pela Uni-versidade Federal do Rio Grande do Sul, professor titular aposen-tado de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Uni-versidade Federal do Rio Grande do Sul, professor da PontifíciaUniversidade Católica e de outras universidades, cidadão porto-alegrense com várias distinções tanto acadêmicas quanto desteMunicípio, inclusive do Tribunal Superior do Trabalho, com inú-meras obras publicadas, certamente conhecidas de todos nós, umadelas recente, de 2004, Processo e Ideologia, além de todas as ou-tras que já estão em adiantadas edições, além de prêmios, comoLeonardo Macedônia, Medalha Osvaldo Vergara, Medalha do Pro-fessor Insigne.

É com imenso prazer e satisfação, Dr. Ovídio, que o recebe-mos nesta Casa. Hauriremos certamente dos seus conhecimen-tos saber que nos ajudará em nosso mister. Passamos-lhe desdelogo a palavra, acolhendo-o, para que possamos ouvi-lo e apre-ender com o senhor.

DAS ALTERAÇÕES NO PROCEDIMENTO DOS RECURSOS E DAAÇÃO RESCISÓRIA (LEI Nº 11.276/06 E NOVA REDAÇÃO DOS

ARTS. 489 E 555, DADA PELA LEI Nº 11.280/06)

DR. OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA – Ilustre Desembargador Vice-Presi-dente, meu Colega de Universidade, Des. Vasco Della Giustina, senhorasmagistradas, senhores magistrados.

Page 117: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

116 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

Inicialmente, quero registrar a minha satisfação e alegria de estar aqui nes-te convívio com os membros da Magistratura rio-grandense para um diálogoa respeito basicamente das reformas introduzidas no código de processo re-lativas especificamente a recursos.

Devo iniciar dizendo aos senhores que tenho uma opinião – provavelmen-te, quem já leu o que escrevi sabe –, de certo modo divergente da opiniãogeral, na medida em que tenho acusado o nosso sistema de um excesso derecursos. O excesso de recursos acaba, a meu juízo, anulando as vantagenspreconizadas pelo próprio sistema recursal, que é basicamente a busca deuma Justiça mais perfeita e a busca de certeza que o sistema também procuraestabelecer ou perseguir.

O excesso de recurso acaba anulando essas duas vantagens, porque o nos-so Poder Judiciário vive um aspecto da crise global, particularmente da crisedas nossas instituições brasileiras. Todos sabem que as nossas instituiçõesnão estão respondendo às expectativas de um sistema democrático legitima-do. O Poder Judiciário insere-se nesse campo, sofre essas contingências.

A partir disso, eu não tenho grande entusiasmo pelas reformas, por nenhu-ma delas. Certamente, tem-se feito muito. Essas últimas reformas têm aspec-tos que eu reputo significativos, no sentido de exigir que o processo aindacontribua para a redução da crise. Mas eu estou por sugerir que nós precisa-mos não de reformar, mas de transformar.

Creio que o Estado brasileiro não dotou o Poder Judiciário da estruturaque seria necessária para corresponder aos desafios de uma sociedade, quese costuma chamar de mercado, uma sociedade urbana, complexa, de massas,uma sociedade que busca uma democracia participativa, portanto uma demo-cracia necessariamente pluralista. Isso significa conflito de valores, não ape-nas valores éticos, morais, mas também religiosos e filosóficos.

Enfim, o Poder Judiciário, a meu juízo, ainda está sendo pensado pelos cri-térios de uma sociedade, eu diria, da primeira metade do século XX no Brasilde capitalismo ainda incipiente.

Basicamente, a estrutura, o apoio material não acompanhou as exigênciasda nova sociedade brasileira. E o peculiar, o curioso é que o acesso à Justiçaadquiriu uma amplitude de tal magnitude que não se poderia sequer imagi-nar. Estou falando com meus cinqüenta e quatro anos de experiência forense.Quando eu me formei, logo que comecei a trabalhar, não poderia imaginarque a demanda por justiça chegasse ao ponto em que chegou. Tenho exem-plos típicos em que o crescimento da demanda foi exponencial, e a oferta doserviço judiciário caminhou muito lentamente.

Vejo que essas reformas todas estão arriscadas a se tornar, quem sabe, devalor limitado quando nós vemos que a carga de serviço para cada Juiz e para

Page 118: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 117

cada tribunal é uma coisa descomunal. Sempre chamo a atenção para umdado que me parece fora de propósito: nós mandamos a Brasília trezentosmil processos por ano. Numa das turmas do Superior Tribunal de Justiça, emduas horas, foram julgados trezentos e de dez processos, e o mais significati-vo é que a pauta não foi esgotada. Então, existem essas estruturas que po-dem, se não anular, reduzir muito a significação das reformas.

Destaquei aqui alguns aspectos que me parecem mais significativos nas re-formas, um deles, o primeiro, é o problema do agravo retido. Temos umalonga história de agravo retido desde as Ordenações. No Código de 1939, tí-nhamos o agravo no auto do processo, que, no fundo, era um agravo retido.O projeto do Min. Buzaid não o contemplava, mas depois, por uma sugestãodo Prof. Egas Moniz de Aragão, o agravo retido foi introduzido com o senti-do do antigo agravo no auto do processo, que tínhamos em 1939. O que sepoderá dizer dessa solução?

É evidente que a função do agravo retido é não entorpecer, impedir a pa-ralisação, enfim, a marcha do processo principal. Todavia, assim como está,generalizado, encontro uma questão que me parece muito relevante: a uni-versidade nos prepara para compreendermos a jurisdição através do processode conhecimento; mais ainda, através do processo de conhecimento, enquan-to procedimento ordinário ou enquanto procedimento comum. Toda a cons-telação de nossos conceitos é construída para esse tipo de processo. Então,nós concebemos os atos processuais segundo esse modelo.

Um dos exemplos mais notáveis disso foi a opção do constituinte de 1988de colocar na Constituição o princípio da “plenitude de defesa” sob a formade uma “cláusula pétrea”. Pois bem, essa instituição é peculiar, é própria, éexclusiva do procedimento ordinário. Eliminamos, ao constitucionalizar oprincípio, as duas outras formas de contraditório. O singular dessa conduta éque glorificamos a plenitude da defesa prévia. Então, a partir disso, tudo oque vem antes da sentença é interlocução. Todas as decisões antecedentes se-rão, para o sistema interlocutórias.

Nós não admitimos uma sentença liminar, porque a sentença liminar nãoobedeceria ao contraditório prévio, portanto ofenderia a Constituição. A iro-nia desse ingênuo entusiasmo como contraditório prévio, é que convivemoscom o mandado de segurança, por exemplo, que não dá plenitude de defesa.Então, ao mesmo tempo em que elogiamos a Constituição, elogiamos o man-dado de segurança, que são opostos um ao outro, quanto à exigência de con-traditório. Vamos ainda mais longe: elogiamos também o processo de execu-ção jurisdicional. Aqui, a oposição é mais profunda, porque este processo,absolutamente, não tem defesa, a defesa é toda feita por meio de uma açãoincidental.

Page 119: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

118 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

Estou fazendo essas observações porque, quando se dá ao agravo essa for-ma de retenção nos autos, supomos que a decisão agravada seja sempre e ne-cessariamente uma interlocutória. Segundo o meu ponto de vista, nenhumadas antecipações de tutela é interlocução, nenhuma delas é interlocutória,elas são decisões de mérito, ainda que provisórias, ainda que tomadas combase em juízo precário de verossimilhança.

Às vezes, para não ferir o ouvido do interlocutor, não as trato como deci-sões de mérito, prefiro indicá-las como decisão “sobre o mérito”, para aliviarum pouco o contraste com o pensamento corrente. Mas a verdade inquestio-nável é que a própria idéia de antecipar já está dizendo que se antecipa méri-to, tanto que o art. 273 é claro: se o Juiz se convencer da verossimilhança dopedido, antecipa. Então, isso não é uma decisão interlocutória.

O problema é justamente este: o agravo retido atenderá adequadamente aesse grupo imenso de decisões, algumas interlocutórias, outras de mérito?Porque aí ocorre-me outra característica importante do agravo retido. Segun-do a doutrina, a função do agravo no auto do processo e do próprio agravoretido é evitar a preclusão.

Ora, evitar a preclusão é uma exigência processual que pressupõe que o Juiznão tenha produzindo efeitos de fato, executando ou ordenando alguma coisa.

Se a função é só evitar a preclusão, imagina-se que a decisão não tenha in-vadido a esfera jurídica da parte por meio de uma execução, ou através deuma ordem, enfim tenha-se limitado a declarar algo, impedindo o agravo reti-do que sobre esta declaração formasse preclusão. De modo que os agravosretidos que tivemos no passado eram agravos retidos com essa função.

Este é um mal de nossa formação. Usamos o Direito-fórmula, o Direito-conceito. Então, pegamos o conceito e nunca achamos que ele possa envelhe-cer, porque o conceito não envelhece; achamos, por exemplo, que, como oprocedimento monitório funcionou na Idade Média, logo tem de funcionaragora. E acaba não funcionando, porque a situação histórica é outra, porqueas contingências, as expectativas, as exigências, a complexidade das relaçõessociais são diferentes. Na Idade Média, o não-cumprimento da sentença po-deria produzir a excomunhão. Hoje, temos, a muito custo, uma multa.

Esses problemas vão exigir dos Juízes um cuidado especial para que oagravo retido não crie situações de dano sério às partes. Tenho preconizadoque as antecipações de tutela deveriam ser irrecorríveis. Sei que isto é im-possível hoje, porque, de um Juiz, que tem quatro, cinco, seis mil processos,não posso exigir que fundamentem suas decisões como seria desejável. Senão posso exigir-lhe, dado o volume de trabalho que o sobrecarrega, sendoeste mesmo volume de trabalho que justifica a preferência pelo agravo reti-do, então, nós estamos trabalhando num círculo vicioso.

Page 120: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 119

Tenho preconizado que as antecipações de tutela não devem ser atacadascom o mesmo recurso conferido às interlocutórias, porque são decisões demérito, e o processo vai ao tribunal num momento inadequado. O tribunal, àsvezes, compromete-se com a decisão no agravo, vincula-se ao resultado obti-do no agravo numa hora imprópria. Às vezes, as pessoas se surpreendem,principalmente os jovens, quando proponho que não se recorra das liminares.Minha resposta é a seguinte: “Trabalhei mais de vinte anos no Código de1939, e não havia recurso contra as liminares”.

Para não dizer que isso, como disse o Prof. Calmon de Passos, era coisa depaís subdesenvolvido, trago o exemplo da Itália, onde as decisões proferidasem processo cautelar eram irrecorríveis. A irrecorribilidade das cautelares so-breviveu cinqüenta anos na Itália. Seria conveniente que os recursos contraas antecipações de tutela tivessem regime diverso do agravo. Mas a nossa ca-beça luta contra as diferenças, nós trabalhamos com as uniformidades. Umacoisa que serve para A tem que servir de A a Z. Isso é um mal do nosso siste-ma, é um mal da nossa formação universitária.

De qualquer modo, diria o seguinte: o agravo retido é uma boa coisa, eletem de ser administrado adequadamente, com prudência e com cuidado, por-que não trata apenas de interlocutórias.

O segundo tema que eu gostaria de abordar com os senhores é o proble-ma da súmula impeditiva de recursos. Eu sou contra súmulas. Reconheço queessa é uma outra característica própria da nossa contemporaneidade. Temoshoje ações que se dizem multitudinárias, ações idênticas a si mesmas, que semultiplicam como cogumelos, aos milhares.

Penso que devemos descobrir uma fórmula de separar esse tipo de deman-da das ações de jurisdição comum, porque, quando percebemos que o Supe-rior Tribunal de Justiça, por exemplo, julga dois recursos por minuto, eu mepergunto por que esse processo foi até lá, porque isto não é julgamento, écarimbar processo.

Vejam os senhores a ordem de questões que estou colocando, porque es-ses problemas não serão resolvidos com as reformas superficiais do processo.É claro que, para esses tipos de ações, a súmula vinculante é o remédio efi-caz. Mas é preciso saber que a súmula é também uma norma e, como tal,deve ser também interpretada. Ou não? Certamente, sim, como toda norma.Por que a súmula seria um sobredireito, uma lei de nível superior? A interpre-tação é uma exigência da nossa compreensão.

Conto um fato curioso: tenho, na minha biblioteca, uma obra em três volu-mes, que compilou todos os acórdãos que deram origem à súmula. Se nós es-tivéssemos trabalhando na common law, nós usaríamos o meu livro, que pro-vavelmente estaria muito sujo e muito amassado. Acontece que eu nunca o

Page 121: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

120 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

abri, porque não se usa interpretação. “Os acórdãos que deram origem àsúmula foram esses, mas não cabem neste caso!” Isso nós não fazemos, e osJuízes não farão até porque não têm tempo.

Então, aqui há um problema sério de interpretação da súmula. Vejam queisto que estou dizendo decorre dessa avalanche incontida de demanda porjurisdição. Não é que o Juiz seja desidioso ou incompetente; o Juiz não tem écondições pessoais, humanas, de atender a essa avalanche.

Há também outro problema a considerar, sobre o qual não tenho opiniãoformada: a decisão liminar do Juiz que reconhece a existência de uma súmulacontrária à postulação da parte é recorrível ou não? Eu creio que serárecorrível. Se for recorrível, aonde iremos parar? Provavelmente, no Supremo,porque haverá o agravo, o agravo vai ser desprovido ou provido, e terei que fa-zer um recurso especial ou um recurso extraordinário. Essa é outra preocupa-ção que tenho com a súmula impeditiva de recurso. Confesso que não sei comoos tribunais vão se posicionar. Meu temor é mandar arquivar sem recurso, en-cerrar o processo, quem sabe, com base em uma decisão liminar.

Finalmente, gostaria de falar com os senhores a respeito da rescisória e daantecipação de tutela. Quanto a esse problema, parece-me que não há grandenovidade, porque a jurisprudência, mais ou menos, já adotava o critério deconceder, por meio de uma medida que se dizia cautelar, a suspensão dosefeitos da sentença exeqüenda, quando pedida em ação rescisória. No cursode uma rescisória, como medida incidental, já se pedia, sob o nome de caute-lar – que, no meu entendimento, seria uma antecipação de tutela –, a suspen-são da eficácia da sentença rescindenda.

Agora, está consagrado num preceito de lei, cuja redação é a seguinte: “Oajuizamento da ação rescisória não impede o cumprimento da sentença ouacórdão rescindendo, ressalvada a concessão, caso imprescindíveis e sob ospressupostos previstos em lei, de medidas de natureza cautelar ou anteci-patória de tutela”.

Na verdade, eu gostaria de falar sobre rescisória não propriamente quantoa esse ponto, mas, aproveitando a deixa, dizer aos senhores que vinculo oproblema da rescisória à teoria da chamada “relativização da coisa julgada”,que se formou no Brasil. Creio que comungo da orientação dominante, pelosmenos daqueles que têm escrito sobre isso, de que nós precisamos quebrarum pouco o que alguém já chamou de santidade da coisa julgada. Precisamosrepensar a história da rescisória, a história da coisa julgada, precisamenteporque nossa concepção da coisa julgada é do fim do século XIX e começodo século XX.

Os senhores fiquem certos de que, apesar de o Prof. Proto Pisani dizer queas regras de processo aspiram à eternidade, isso não é verdade. As regras do

Page 122: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 121

processo são históricas também. Nós temos na nossa cabeça esta idéia: o Di-reito Material evolui segundo as contingências econômicas, políticas e soci-ais, mas o esquema conceitual do processo é eterno. Não é eterno. A nossaconcepção de coisa julgada foi construída a partir do século XVII e estáexausta. Nós não vivemos mais naquela sociedade homogênea, fechada, daEuropa do século XIX.

No Código de 1939, a rescisória chegou a ser de cinco anos e, hoje, está emdois anos. Fechou-se muito a rescisória. Por quê? Porque o sistema busca segu-rança. Foi a grande batalha do liberalismo europeu do século XVII, aquela mes-ma batalha que proibiu Juízes de interpretarem a lei, porque o legislador teriatransmitido um texto absolutamente indiscutível, claro, transparente.

Hoje sabemos que o cipoal da nossa legislação é tumultuário, malfeito econtraditório. Além disso, as mudanças profundas e constantes impõem quese repense o problema da coisa julgada. E, para evitar que se cometa a impru-dência de estabelecer uma doutrina genérica, o que seria um desastre, de re-lativização da coisa julgada, creio que teremos que trabalhar a açãorescisória e, quem sabe, resgatar alguns outros institutos que a modernidadetentou sepultar, mas que provavelmente nosso século XXI vai fazer renascer.Por exemplo, a diferença entre sentenças rescindendas e sentenças nulas, quefoi uma das contribuições importantes do Direito Medieval, com a concepçãoda querela nullitatis.

Enfim, teríamos que buscar, quem sabe, algumas dessas instituições, mas demodo que ela ficasse limitada, que ela ficasse enquadrada, e não como se vempropondo, em termos genéricos e indefinidos: “A coisa julgada tem que serrelativizada neste caso, porque penso que, neste caso, houve ‘grave injustiça’,ou grave infração à lei; naquele outro, houve também infração da lei, mas estainfração não foi grave, portanto esta coisa julgada sobrevive”. Quer dizer, épreciso ter parâmetros, é preciso ter critérios. Isso poderá ser possível se re-pensarmos o problema da rescisória. Vejam os senhores que, no Direito Medie-val, já no fim do Direito Romano, a sentença injusta era rescindível. Hoje nósnão temos mais sentença injusta, porque o Juiz apenas aplica a lei. Como dizi-am os corifeus do liberalismo europeu, o Juiz não comete injustiça, porque oJuiz apenas pratica a injustiça que o legislador prescreveu.

Então, a questão da justiça não é um problema da nossa quotidianidadeforense, mas a verdade é que hoje nós estamos recuperando o valor justiça,depois de mais de cinqüenta anos de Filosofia do Direito mostrando o com-ponente ético como parte essencial medular do Direito. Cada vez mais,preocupamo-nos com justiça, a Constituição Federal é clara quanto a isso.

Esta realidade exige que trabalhemos essas questões para evitar o abusoda teoria da “coisa julgada relativa”, inominada, indeterminada, para todos

Page 123: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

122 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

os casos, segundo o critério individual de cada magistrado. Isso seria anularcompletamente um instituto da coisa julgada, que, afinal, ainda é uma das ga-rantias fundamentais de qualquer sistema processual.

DESª REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS – Somos nós que agradece-mos, Prof. Ovídio. Aproveitamos tudo aquilo que o senhor falou e que certa-mente será objeto de meditação por todos os que aqui estão.

Eu gostaria de noticiar ao senhor, Dr. Ovídio, que aqui no Tribunal esta-mos trabalhando no projeto de uma Câmara Especial, em que justamente se-rão tratados esses temas repetitivos, vindo ao encontro do que o senhor en-tão apontava. Deveremos estar com isso mais ou menos aprovado em breve.

Nós gostaríamos, então, de abrir um espaço para perguntas dos senhores,para que pudessem manifestar suas dúvidas e contribuições.

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA – Dr. Ovídio, excelente processualis-ta que conhecemos e respeitamos, aproveito a oportunidade para saudá-lo.

Os seus ensinamentos certamente já me serviram para alguma luz a respei-to da tutela antecipada, que não seria, quem sabe, uma decisãointerlocutória, e sim já uma decisão de mérito, se caberia agravo ou não. En-traria também aí o problema do dano moral, como naqueles casos em que seantecipam os efeitos, que já poderiam incorporar o patrimônio para efeitosde sucessão, etc. e tal, e de habilitação no processo. Está havendo uma dis-cussão a respeito disso, se pode haver ou não essa habilitação. Então, achoque essas questões trazidas são muito interessantes por isso.

Hoje, o senhor referiu que os Juízes estão aplicando a súmula sem olhar osprecedentes. É exatamente o que eu estou fazendo no Grupo hoje, e pensoque a maioria dos Juízes têm feito. Aqueles que procuram adaptar a súmula,ainda mais quando passarem a ser vinculantes, devem fazer exatamente esseexame que o senhor falou: pegar os precedentes, examinar a súmula para verse se aplica para aquele caso concreto, para ver se realmente o que motivoua criação da súmula é aquele caso que está sob julgamento.

Hoje, no Grupo, será julgado um acidente de trânsito e será aplicada a inter-pretação da Súmula nº 145 do STJ e da Súmula nº 341 do STF. Após o julgamen-to, remeter-lhe-ei cópia até como subsídio para o senhor usar nas suas palestras.

Na ação rescisória, também é interessante esta matéria, como ficará aquerella nullitatis. Há um certo exagero na interpretação da querella nullitatis,e eu tenho também essa preocupação. Penso que ela não se limita só à nuli-dade da citação; ela também tem que adiantar naqueles casos em que se per-deu o prazo da rescisória, em que houve uma injustiça flagrante. Acho que aquerella nullitatis só pode ser usada nesses casos.

Page 124: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 123

No agravo de instrumento, com relação ao recurso das súmulas vinculantes,se haverá recursos ou não, acho que certamente haverá, mas os tribunais de-les não conhecerão, e eles acabarão arquivados em qualquer grau, talvez aténo Supremo, mas é uma tentativa. Obrigado.

DR. OVÍDO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA – Esse problema do recurso é umacoisa engraçada. Recordo-me de que em livros mais antigos – hoje, não se dizisso – se dizia: “Procure indagar qual o fundamento do recurso”. “Recorre-seporque o ser humano, em geral, não se satisfaz com a derrota, quer oreexame”. Essa coisa toda.

Hoje tenho uma compreensão mais prosaica desse assunto: recorre-se por-que existe recurso. Como advogado, recorro porque há recurso. Não possodizer para o meu cliente: “Olha, há o recurso, mas eu não recomendo quevocê recorra, porque o Tribunal está muito sobrecarregado”. Isso eu não pos-so dizer. Se há o recurso, tenho de recorrer.

O Prof. Buzaid deixou-nos essa herança, que, na verdade, nos incomoda, queé a recorribilidade de tudo. Nós não tínhamos isto no Código de 1939: arecorribilidade das interlocutórias. Dizíamos que éramos filiados ao processooral, mas um dos princípios do processo oral é a irrecorribilidade dasinterlocutórias. O Prof. Buzaid tinha uma preocupação muito grande com o re-curso, que eu, na minha visão, atribuo a um sentido conservador da jurisdição.

Nós temos uma jurisdição desequilibrada. Isso é um outro aspecto em que,por uma questão de prudência, talvez nem devesse falar, porque não possoexpor meu ponto de vista. Nós temos uma jurisdição desequilibrada. A nossajurisdição é contra o autor e a favor do réu. Então, nós priorizamos a tutelado status quo. O réu desfruta do status quo a custo zero. Em última análise,nós praticamos, como sempre fazemos, por metade, e não somos só nós, aItália também pratica por metade. A doutrina de Chiovenda dizia que o pro-cesso deveria dar a quem tem razão tudo o que ele obteria se houvesse ocumprimento voluntário. Mas nós não damos ao autor tudo a que ele teria di-reito, porque o dano marginal do processo não é indenizável. E esse dano, àsvezes, é extraordinariamente significativo, extraordinariamente elevado. Seele acelera, ele indeniza, mas, se o réu retarda, não indeniza.

Falo nesses problemas estruturais nesse livro que a Presidente referiu, Proces-so e Ideologia. Para mim um dos problemas fundamentais é o custo do processo.Nós teríamos que mexer seriamente no problema do custo, porque, assim comoestá, é muito fácil prorrogar indefinidamente o processo. E aí os magistrados di-zem: “Isso é um problema dos advogados, que insistem nos recursos”.

Calamandrei, num célebre estudo e ensaio, refere: “Enquanto pende, ren-de”. Conta-se também aquela história do pai que ficou danado com o filho

Page 125: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

124 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

que extinguiu um processo que ele há vinte ou trinta anos conduzia, sob a ale-gação: “Como é que você vai encerrar esse processo, se foi com base nele queeu te formei?” Essa é uma lenda tola. Processo que demora é um processoonerosíssimo para o advogado, não há o que o pague. Se eu resolvesse o pro-cesso em trinta dias, eu teria dez vezes mais clientes do que tenho hoje. Comosão dez anos, as pessoas fogem, e não há honorários que o retribuam por aten-der dez ou quinze anos a um processo. Eu tenho um processo há vinte anos. Sóo cuidado, só a constante observação, sem petição, já é um desastre!

O advogado lúcido não pode desejar processo que demore, mas os proces-sos demoram em benefício do réu, porque o réu não indeniza, o réu tem porhomenagem o status quo a custo zero.

Nós praticamos por metade a doutrina de Chiovenda. Apenas o autor queacelera indeniza, mas o réu que retarda não. Aí, fica fácil recorrer a custozero. Essas coisas é que teriam que ser mexidas.

Agradeço a intervenção do eminente magistrado.

DESª REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS – Prof. Ovídio, eu aproveitotambém para lhe fazer uma pergunta. O senhor falava justamente desse qua-se-dever, na prática, de o advogado recorrer quando existe o recurso na le-gislação.

O senhor acredita que haverá também um incremento dos pedidos de an-tecipação de tutela na ação rescisória com base no estabelecimento, agora le-gal, da permissão? Que amplitude o senhor daria, se seria assemelhada ou amesma do art. 273, como requisitos para essa concessão?

DR. OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA – Para a antecipação de tutela?

DESª REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS – Na rescisória.

DR. OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA – Observamos que o legislador foimuito prudente na medida em que fez questão de dizer que ela não impede, anão ser em casos imprescindíveis e sob os pressupostos previstos em lei.

Há uma outra curiosidade também, que eu vou aproveitar a oportunidadepara referir. Aqui diz assim: “medidas de natureza cautelar ou antecipatória”.Nós não fazemos diferença entre medida cautelar e antecipatória. O nossoprocesso ensaiou uma tutela cautelar, mas nunca a praticou, porque as fonteseuropéias, basicamente a italiana, não conhecem tutela cautelar. Esta é a mi-nha grande luta para salvar a herança do Pontes de Miranda, que concebeuuma tutela preventiva, autêntica, através do processo cautelar, que não entrano sistema.

Page 126: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 125

Então, aconteceu uma coisa curiosa: sou responsável indiretamente poressa antecipação de tutela, Desembargadora, porque fui eu que propus origi-nariamente, mas qual era a minha intenção? A minha intenção era limpar o Li-vro Terceiro, tirar de lá tudo o que era antecipação de tutela, porque, quan-do antecipo, é evidente que eu não previno, apenas trago para o começo oque estava no fim, mas, se a ação é repressiva, a antecipação é repressiva.Como nós temos raríssimas ações preventivas, as antecipações raríssimas ve-zes são preventivas. Então, o que eu pretendia era expurgar, limpar, mas a ci-rurgia foi tão séria, tão profunda que nós esvaziamos o paciente, deixamossó o esqueleto. Não se concebe uma tutela preventiva, os italianos não traba-lham com tutela preventiva. No entanto, eles são mais astutos do que nós,porque nós nos vangloriamos de dizer que temos uma tutela cautelar inomi-nada, e os italianos não dizem isso, porque isso não existe lá, eles dizem quetêm provimentos de urgência. Em provimentos de urgência, cabe tudo. Nósimportamos esses provimentos de urgência, que são antecipatórios.

Aqui diz em casos imprescindíveis. E os pressupostos? Os pressupostossão os do art. 273 e do art. 461, porque, lá nas cautelares, há uma repetição.Nós praticávamos as cautelares inominadas, com o título de cautelar, em an-tecipação de tutela.

Creio que o Juiz teria que examinar se o risco de dano grave é iminente, averossimilhança e ainda se a concessão dessa medida seria imprescindível.Este é outro problema importante da nossa contemporaneidade: o legisladortransfere ao Juiz conceitos indeterminados cada vez mais. Nós não temosmais leis claras, capazes de serem aplicadas sem que o Juiz elabore uma solu-ção dentre duas ou três possíveis, portanto que use do seu poder dediscricionariedade. E aqui está claro: “imprescindíveis”. É evidente que isso éuma avaliação tópica, do caso. Isso é o que me parece.

DR. CLÁUDIO – Com a sua licença, Presidente, não quero abusar tambémdo tempo de todos. Eminente Dr. Ovídio, rapidamente, é sempre uma satisfa-ção ouvi-lo, jurista emérito, advogado, professor de todos.

Chegando ao agravo de instrumento, pela relevância em função tambémdo ensinamento de Vossa Excelência nesta sala, quando falou no art. 522,quero tocar no art. 527, inc. II, quando a parte opta pelo agravo de instru-mento, e o Relator – acredito tratar-se de Relator no Tribunal – o converteem retido, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte le-são grave e de difícil reparação. Pelo que entendi, em se tratando de anteci-pação de tutela, haverá sempre lesão grave e de difícil reparação, porque équestão de mérito, a quem não foi entregue ou foi indeferido o pedido ou àparte contrária, que vai obter os efeitos do pedido.

Page 127: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

126 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

Então, parece-me que, na hipótese de antecipação de tutela, salvo melhorjuízo, não haveria prudência da Câmara ou do Relator em convertê-lo em reti-do, porque aí não há interlocução, não é processual, é mérito. Não sei se fuibem entendido.

DR. OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA – Eu não entendi bem.

DR. CLÁUDIO – Na consideração, digamos assim, da prestação jurisdicio-nal, em recebendo um agravo de instrumento, cujo objeto se cuide de anteci-pação de tutela, o art. 527, inc. II, permite que, na sua interpretação de lesãograve ou de difícil reparação, o Desembargador diga: “Não, isso não é hipóte-se de lesão grave. Então, eu o converto em retido”. Pergunto ao professor:em se tratando de objeto de antecipação de tutela, não haveria o pressupos-to de que haverá sempre uma lesão grave, e aí não seria interessante que aCâmara prudentemente conhecesse e examinasse a questão?

DR. OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA – Primeiro, eu diria o seguinte:quando fiz alusão ao art. 273 e à exigência de risco iminente de dano grave,não fui fiel ao art. 273, porque o art. 273, inc. II, não exige a existência dedano grave.

Essa é uma das situações interessantes, porque o art. 273 tem dois incisos,que leio da seguinte maneira: o inc. I é aquilo a que Pontes chamava de exe-cução urgente, execução para a segurança, ou seja, “estou executando agora,para segurança, porque não posso esperar”. É o ato executivo antecipado emvirtude da urgência. Mas existe aqui, no inc. II, uma outra forma de antecipa-ção que leio como uma dispensa dessa urgência e fundamentado apenas naverossimilhança, no juízo de plausibilidade, de razoabilidade, porque, quan-do a lei diz “também se concede quando caracterizado o abuso do direito dedefesa ou manifesto propósito protelatório”, o que ela quer dizer é que a de-fesa não abalou a fundamentação e a prova trazida com a petição inicial.

A caracterização de abuso do direito de defesa é a pessoa que contestamanifestamente sem fundamento. A mesma coisa, claro, é o sentidoprotelatório. Também, no fundo, é falta de seriedade, falta de fundamento.Então, aqui valeria a antecipação com base no juízo de verossimilhança.

Não sei se entendi bem, mas o art. 527 diz que converterá o agravo de ins-trumento em agravo retido, salvo quando se tratar de decisão suscetível decausar à parte lesão grave e de difícil reparação. Nesse caso, ele não faria re-tenção do agravo.

Confesso que não percebi bem a dificuldade, porque me parece que aquicairíamos na regra geral do agravo de instrumento.

Page 128: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais – 127

DESª REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS – Creio que o Dr. Cláudio per-gunta se todo agravo que versar antecipação de tutela não deveria ser recebidocomo de instrumento, ou seja, não ser retido, por causa de um risco implícito.

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA – Ele acha que não pode transformarem retido por causa da lesão. Acho que ele tem razão. Se for o caso, porexemplo, de um dano moral, em que se antecipa uma pensão para uma dasvítimas em decorrência de um acidente de trânsito, aquilo é um danoirreparável, foi antecipado, uma lesão que poderá ser irreversível, daí a parteagrava, e o Relator pode pretender transformar em retido.

Eu acho que, nesse caso, não pode transformar em retido e deixar para ojulgamento posterior, porque há uma lesão, e essa lesão não pode ser trans-formada em retido, tem de ser levado para a Câmara. A Câmara é obrigada ase manifestar.

DR. OVÍDIO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA – A observação é interessante,mas o espírito da lei me parece que seria este: ele é retido sempre, a não sernesses casos.

DESª MARA LARSEN CHECHI – Professor, eu o saúdo carinhosamente. O se-nhor vem nos demonstrar mais uma vez que é um curioso que se dedica mes-mo à investigação científica independentemente da sua atuação como advo-gado, um grande jurista, que chega a conhecer os meandros do Judiciário, in-clusive dados numéricos. Isso nos impressiona e conforta. É muito importan-te que esses dados não fiquem interna corporis, não sejam conhecidos só dosmagistrados e que contem com a sensibilidade de juristas do seu porte.

A pergunta que eu faria agora é se o senhor identificou uma diferença en-tre aquele risco de dano que impede a opção pelo regime de retenção noagravo e o risco de dano que impõe a concessão da liminar quando não con-cedido.

Então, desmembro essa pergunta em duas: se identifica a diferença – pensoque há – e sob que ótica situaria e em que dimensão essa diferença.

DR. OVÍDO ARAÚJO BAPTISTA DA SILVA – Tenho evitado quantificar essaavaliação. O Prof. Dinamarco, num pequeno livro sobre reformas, propõe quese estabeleça uma distinção entre probabilidade, possibilidade, previsibilidade,enfim.

Acho que essas são entidades que não toleram, que não suportam essaquantificação. O problema todo será resolvido através de uma fundamenta-ção adequada. Claro que os momentos processuais são diferentes, e isso vai

Page 129: CICLO DE ESTUDOS - tjrs.jus.br · Coordenação Geral: Des. Luiz Felipe Brasil Santos Coordenação Adjunta: Desª Rejane Maria Dias de Castro Bins ... Araken de Assis Desª Elaine

128 – Ciclo de Estudos – As Recentes Reformas Processuais

pesar. No 2º Grau, a prova já está feita, o magistrado de 2º Grau terá maissubsídios, portanto ele poderá fundamentar melhor.

Agora, é difícil eu dizer: aqui é 50%; lá é 70%. Isso não existe. Depende dacompreensão que o Juiz formou e da maneira como ele fundamenta. Escrevium pequeno trabalho sobre esse problema de fundamentação. Cada vez meconvenço mais de que a lei não é unívoca, de que a lei não tem apenas umasolução. A vontade da lei que o Chiovenda nos recomendava que buscassenão é constante, ela varia com o tempo, varia com as circunstâncias, variacom o caso e varia por causa da linguagem.

Nós trabalhamos com uma linguagem, graças a Deus, ambígua, porque alinguagem que não é ambígua é a linguagem da matemática. Aí nós passamosa ser servos do poder, nós só apertamos um botão e temos a solução. Feliz-mente, nós trabalhamos com a linguagem ambígua. Há um autor americanoque diz que “é bom que seja ambígua”. Há um filósofo alemão, Kauffmann,que diz que “tem de ser ambígua”, que é para permitir as novas necessida-des, as novas instâncias sociais.

Então, estou convencido de que a lei traz possibilidades de uma, duas oumais soluções, e, se o Juiz não justifica, se o Juiz não fundamenta, corremoso risco de criar o arbítrio. Esses me parecem ser os critérios.

DESª REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS – Agradeço, mais uma vez, aoProf. Ovídio e a todos que aqui estiveram, encerrando este curso de Reformasdo Direito Processual Civil. Muito obrigada.

(DEGRAVADO E REVISADO PELODEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA

E ESTENOTIPIA DO TJRGS EPELOS PALESTRANTES)