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    GeoTextos, vol. 8, n. 1, jul. 2012.K. Bessa. 147-165 .147

    Kelly BessaGegrafa, Professora Doutora dos Cursos de Geograa e do Programa dePs-Graduao em Geograa da Universidade Federal do Tocantins (UFT)[email protected]

    Estudos sobre a rede urbana:os precursores da teoria daslocalidades centrais

    Resumo

    Dentre os estudos sobre redes urbanas, destacam-se aqueles que dizem respeito hierarquia de seus centros. Uma das bases tericas mais ricas e conhecidas a teoria das localidades centrais, formulada por Walter Christaller e publicadaem 1933. Nesse contexto, o presente trabalho tem por nalidade apresentar as

    contribuies dos estudos sobre a hierarquia dos centros urbanos que antecederama obra clssica do citado autor. Ressalta-se que tais estudos foram, posteriormente,aprofundados por Christaller, por meio de extensa compilao bibliogrca, queresultou na plena sistematizao da temtica da organizao espacial dos centrosurbanos, ainda nos anos de 1930, segundo sua hierarquia.

    Palavras-chave: Rede urbana, Hierarquia dos centros urbanos, Teoria das locali-dades centrais.

    Abstract

    STUDY CONCERNING URBAN NETWORK: PIONEERS OF THE THEORY OF CENTRALPLACE

    Within studies concerning urban networks those that refer to hierarchies of theircenters stand out most. One of the richest and best known bases is the theoryof central place formulated by Walter Christaller and published in 1933. In thiscontext this study aims at presenting contributions to the study of hierarchies inurban centers which antecede the classic above mentioned study. It is noteworthy

    that these studies were, later, more profoundly examines by Christaller through

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    a extensive bibliographic collection, which resulted in full systemization of the

    theme of space organization of urban centers, already in the 1930s, according tohis hierarchy.

    Key-words: Urban network, Hierarchy of urban centers, Theory of central place.

    1. Introduo

    Recentemente, em funo da complexidade do longo processo de

    urbanizao e, tambm, do prprio processo de globalizao, vm ocor-

    rendo profundas reestruturaes na rede urbana, conceituada, segundo

    Corra (2006, p. 7), como o conjunto funcionalmente articulado de centrosurbanos e suas hinterlndias [...]. Como sugere Sposito (2011, p. 126), no

    perodo atual, h que se reconhecer uma notria [...] reestruturao das

    relaes entre as cidades, e ainda entre as prprias redes urbanas, como

    resultado da redefinio dos papis exercidos pelos distintos centros e

    pelos, igualmente, distintos segmentos de redes urbanas. Nesse contexto

    de reestruturao, nota-se profunda discusso a respeito da natureza hie-

    rrquica dessas relaes, seja entre os centros, seja entre as redes urbanas,

    apontando para a necessidade de desvendamento dos contedos e sentidosdessas transformaes.

    Os estudos sobre hierarquia dos centros na rede urbana tm-se cons-

    titudo em uma importante tradio no mbito da Geografia. Dentre os

    estudos, destaca-se, como base terica, a teoria das localidades centrais,

    formulada pelo gegrafo alemo Walter Christaller, cujo original foi publi-

    cado em 1933 e traduzido para o ingls em 1966 (CHRISTALLER, 1966).

    No entanto, estudos acerca da interao entre os centros urbanos e

    da natureza hierrquica dessas relaes j haviam sido realizados, ante-riormente a Christaller (1966), pois o interesse pela hierarquia dos centros

    urbanos remonta ao sculo XVIII, quando se ampliou, sobremaneira, a

    interdependncia e a diferenciao entre esses. A articulao crescente

    entre cidades e lugares, tanto no perodo que a precedeu, como aps a

    Revoluo Industrial, reflexo e, ao mesmo tempo, condio para as

    mudanas estruturais desse momento. Essas mudanas consubstanciaram

    a constituio efetiva de redes urbanas hierarquizadas, amparadas numa

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    diviso social, tcnica e territorial do trabalho que se ampliava, pois tais

    redes organizaram-se de modo que parte dos centros urbanos encontrava-

    -se subordinada a outros centros, quer dizer, a interdependncia entre os

    centros urbanos passou a ocorrer por meio da crescente subordinao de

    uma cidade a outra, num sistemtico processo de hierarquizao.

    De fato, os centros urbanos passaram a desempenhar papis crescen-

    temente diferenciados, com base nas funes centrais e na magnitude

    de suas relaes econmicas e polticas, bem como na condio, maior

    ou menor, como centro de deciso e de comando do prprio processo em

    curso, como resultado da ao de capitalistas, industriais e instituies

    polticas. Essas aes implicaram o estabelecimento de interaes espa-

    ciais assimtricas tambm entre as cidades, e no apenas entre estas e o

    campo, de modo a constituir uma diviso territorial do trabalho em escala

    interurbana.

    Essa interdependncia de natureza hierrquica entre centros urbanos,

    a partir desse momento, passou a merecer ateno por parte de gegrafos

    e tambm de no-gegrafos, sendo assim, foram produzidos estudos que

    antecederam a tese clssica de Walter Christaller, marco de referncia para

    os estudos sobre redes urbanas. Dentre os principais precursores, esto

    Richard Cantillon, Jeann Louis Reynaud e Len Lalanne, que colocaram

    em evidencia a natureza hierrquica da relao entre os centros urbanos

    e propuseram uma formulao de hierarquia urbana semelhante de

    Christaller (1966). Dentre outros antecessores esto tambm um gru-

    po de socilogos rurais estadunidenses, no qual sobressaem os estudos

    de Charles J. Galpin e J. H. Kolb; e um grupo de planejadores urbanos

    ingleses, com destaque para Charles B. Fawcett. Esses so trabalhos de

    no-gegrafos, que, via de regra, tinham um sentido prtico-administrativo

    em um momento de transformao da rede urbana, por isto a discusso

    sobre a rea de mercado ou, na concepo de Christaller (1966), sobre o

    alcance espacial (range e threshold) dos centros urbanos, quando ocorre

    um esforo de geografizao da anlise. O interesse dos gegrafos pela

    temtica da hierarquia urbana foi despertado, sobretudo, a partir das

    dcadas de 1920 e 1930, a exemplo dos estudos de Robert Dickinson, Hans

    Bobek, Vaino Auer e do prprio Christaller (1966).

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    Nessa perspectiva, o presente trabalho tem por finalidade apresentar

    as contribuies dos estudos relativos temtica da hierarquia dos centros

    urbanos que antecederam tese de Christaller (1966), apontando o que

    foi produzido e os contextos que nortearam a produo desses estudos. Tal

    temtica foi, em seguida, aprofundada por Christaller (1966), por meio de

    extensa compilao bibliogrfica, que resultou na plena sistematizao da

    organizao espacial dos lugares centrais no sul da Alemanha, ainda nos

    anos de 1930.

    A teoria das localidades centrais, por fim, representa [...] um qua-

    dro terico sobre a diferenciao dos ncleos urbanos de povoamento

    [...]. Tal diferenciao revela-se por meio de [...] uma ntida hierarquia

    definida simultaneamente pelo conjunto de bens e servios oferecidos

    pelos estabelecimentos do setor tercirio e pela atuao espacial dos mes-

    mos. Essa hierarquia, por sua vez, [...] caracteriza-se pela existncia de

    nveis estratificados de localidades centrais, nos quais os centros de um

    mesmo nvel hierrquico oferecem um conjunto semelhante de bens e

    servios e atuam sobre reas semelhantes no que diz respeito dimenso

    territorial e ao volume de populao, como aponta Corra (1988, p. 61).

    Nesse sentido, os centros urbanos capazes de exercer centralidade so

    denominados lugares centrais. Enquanto que a centralidade de que

    dispem proveniente de seus papis como centros distribuidores de bens

    e servios, quer dizer, resultante das funes centrais que tais centros

    so capazes de desempenhar em sua hinterlndia ou rea de influncia

    (CHRISTALLER, 1966), gerando, consequentemente, uma diferenciao

    de carter hierrquico, determinada a partir do alcance espacial.

    Na gnese desse processo de diferenciao e de hierarquizao dos

    centros urbanos, atuam, portanto, os mecanismos de alcance espacial

    mximo (maximum range) e alcance espacial mnimo (minimum range).

    Ressalta-se que da combinao desses recortes espaciais define-se a rea

    de influncia ou rea de mercado de um determinado centro, por meio

    de uma hierarquizao entre as localidades centrais (CHRISTALLER, 1966).

    Desse modo, Christaller (1966) desenvolveu a tese de que os centros

    urbanos, em decorrncia dos mecanismos de alcance espacial mximo

    e mnimo, das vantagens locacionaise das economias de aglomerao,

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    passam a apresentar uma diferenciao de carter hierrquico, na qual

    os centros de nvel hierrquico mais elevado so dotados de uma rea

    de influncia mais ampla, onde estariam contidos os centros com nveis

    hierrquicos inferiores e, portanto, subordinados pelos primeiros centros,

    de modo a configurar uma rede hierrquica. Cumpre salientar que esse

    processo de diferenciao foi acentuado com o avano do capitalismo,

    sobretudo, a partir do sculo XVIII, estando, desse modo, associado a uma

    fase desse sistema.

    Nos dias atuais, contudo, com o avano da globalizao econmica e

    do prprio processo de urbanizao da sociedade, notam-se novas trans-

    formaes na configurao das redes urbanas, incluindo-se a natureza

    hierrquica das relaes. Pesquisadores dessa temtica vm alertando para

    a redefinio e a complexificao dos papis dos centros urbanos e, por

    conseguinte, da prpria rede, sugerindo, at mesmo, a existncia de redes

    de redes e de sistemas urbanos, nos quais haveria um novo carter na

    interao entre os centros urbanos e entre suas respectivas redes.

    Santos (1994), tomando como referncia a realidade brasileira, alerta

    que o esquema tradicional e piramidal da relao entre os centros, em

    uma rede urbana, fora rompido ainda na dcada de 1970, quando uma

    nova hierarquia urbana se configurou como resposta s novas redes de

    relaes impostas, levando a um [...] desmantelamento da rede urbana

    em sua concepo tradicional (SANTOS, 1979, p. 262). Veltz (2002), de

    modo semelhante, porm adotando a Frana como referncia, destaca

    que, a partir do final do sculo XX, no se pode mais explicar a relao

    entre os centros urbanos pelo paradigma hierrquico, tambm percebido

    como piramidal. Corra (2006), indicando a diversidade de redes urbanas

    existentes, alerta para a necessidade de se discutir as estruturas desse

    tipo particular de rede geogrfica, bem como a natureza da complexa dife-

    renciao entre elas, com base em observaes empricas sobre o fato no

    territrio brasileiro. Sposito (2011, p.130), por sua vez, chama ateno para

    a redefinio do [...] escopo das redes urbanas [...], que se tornam mais

    complexas, porm, [...] no estritamente hierrquicas, primordialmente,

    pela [...] conformao de novas redes estruturadas por relaes horizontais,

    entre centros urbanos complementares, similares ou no.

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    Nesse contexto, visando a contribuir com o debate, o presente artigo

    trata dos estudos pioneiros acerca da hierarquia dos centros urbanos. A

    aproximao de tais estudos com o debate atual possibilita um mergulho

    na verificao e na reflexo sobre a natureza da rede urbana, segundo um

    ngulo especfico que o da hierarquia, que baliza a articulao entre os

    centros e entre as redes urbanas, expressando diferenciaes quantitativas

    e qualitativas.

    2. Os precursores da teoria das localidades centrais

    A constituio de uma efetiva rede de centros de distribuio de bens

    e servios hierarquizados, mesmo que em condies embrionrias, deu-

    -se a partir do sculo XVI, com a expanso do capitalismo na Europa. De

    acordo com Corra (2001, p. 17), a emergncia de uma rede hierarquizada

    e integrada [...] de centros de distribuio varejista e de servios, isto ,

    de localidades centrais, se verifica com o capitalismo, com o domnio

    de um modo de produo onde o capital penetra na esfera da produo.

    Ressalta-se, contudo, que tal processo no se iniciou com o capitalismo,

    pois existiram redes urbanas antes do feudalismo, a exemplo da rede de

    cidades sob domnio do Imprio Romano, na Antiguidade.

    A emergncia de novas estruturas econmicas e tambm polticas foi

    marcada por novas configuraes espaciais, especialmente com relao

    a uma progressiva diviso social e territorial do trabalho, que implicou a

    articulao entre os lugares fosse um centro urbano, uma regio, um

    pas. Essa articulao, entretanto, ocorreu de modo espacialmente desi-

    gual, sustentada no poder centralizado do Estado Moderno, resultando em

    processos de diferenciao e de hierarquizao.

    No que tange rede urbana, o capitalismo recriou as condies de sua

    existncia, como acontecera com a formao do Imprio Romano, visto

    que, alm de pontos fixos, os centros urbanos, no territrio, exige-se, para

    a efetiva constituio de uma rede urbana, a existncia de uma economia

    de mercado e de um mnimo de articulao entre esses referidos pontos.

    Dessa forma, a cidade torna-se o lugar da diviso social e territorial do

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    trabalho. Neste ltimo caso, os centros urbanos passam a ser os elos de

    ligao na totalidade do espao, seja em nvel regional, nacional ou mesmo

    internacional.

    Com o avano do capitalismo, a atividade comercial ganhou, gra-

    dativamente, um novo significado, ampliando o territrio de atuao e

    estabelecendo, entre a dimenso da produo e do consumo, a circulao

    (distribuio e troca de mercadorias produzidas), cujo carter, na obten-

    o do lucro, passou a desempenhar papel fundamental na sociedade e

    na organizao espacial.Nota-se, contudo, que a problemtica tanto da

    localizao como da circulao s aparece como uma questo crucial, aos

    olhos da classe dominante e do Estado, com o capitalismo. As articulaes,

    provenientes da circulao de mercadorias, esto no cerne dos processos

    de diferenciao e de hierarquizao entre os centros urbanos, pois, em

    uma economia de mercado, a oferta e o consumo de mercadorias e servios

    realizam-se de forma desigual e estratificada, gerando, por conseguinte,

    uma hierarquia entre os pontos. Isso define uma maior diferenciao entre

    os ncleos urbanos, o que inclui, tambm, um maior aprofundamento do

    processo de hierarquizao. Nesse contexto, a localizao das atividades e

    da populao assume uma importncia crucial, tanto para os capitalistas

    quanto para o Estado. Dessa importncia, emerge, mesmo que implici-

    tamente, o interesse em compreender a natureza e o significado da rede

    urbana.

    Mesmo em tempos remotos, a organizao espacial da circulao,

    fundamentada na crescente diviso social e territorial do trabalho, tinha os

    centros urbanos como locais que se interligavam por meio do comrcio e

    da prestao de servios, implicando uma configurao espacial particular,

    na qual os centros ganharam novos e distintos contedos, diferenciando-se,

    tendo em vista as especializaes produtivas e a consequente comple-

    mentaridade entre as reas especializadas, gerando, portanto, interaes

    espaciais dspares.

    O processo de diferenciao e de hierarquizao dos centros urbanos

    foi, primeiramente, percebido pelo francs Richard Cantillon, ainda no

    sculo XVIII, em um contexto pr-industrial (PONSARD, 1958; CORRA,

    1986). Nesse contexto, o capitalismo mercantil, apoiado no fim dos mono-

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    plios feudais sobre a produo do campo e dos monoplios corporativos

    sobre a produo artesanal e manufatureira, promoveu, via comerciantes

    e banqueiros, a ampliao dos territrios de atuao do capital comercial,

    transformando os centros urbanos em locais de acumulao da riqueza

    gerada nessa fase do capitalismo.

    Cantillon, que era banqueiro, foi pioneiro na tentativa de elaborao

    de uma teoria a respeito da hierarquizao urbana, visto que seu esquema,

    publicado em 1755, consistia em uma das primeiras experincias de es-

    quematizao dos processos de diferenciao entre os centros urbanos em

    termos de hierarquia em territrio francs. De fato, como sugere Corra

    (1986), Cantillon elaborou um esboo da teoria das localidades centrais

    cerca de 180 anos antes de Christaller (1966).

    O interesse de Cantillon pela organizao espacial dos centros ur-

    banos foi despertado em razo da necessidade de uma racionalizao de

    tempo e de espao em seus negcios bancrios, ou seja, foi a necessi-

    dade de racionalizao no campo monetrio que despertou o interesse de

    Cantillon para o entendimento da articulao entre os centros urbanos,

    visto que suas preocupaes estavam centradas em questes referentes

    ao mundo dos negcios.

    No entanto, h que se reconhecer que as contribuies de Cantillon

    com relao anlise econmica do espao, considerando a organiza-

    o espacial das atividades econmicas, especialmente do comrcio e da

    circulao de capital, esto situadas no cerne da discusso do enfoque

    locacional, que, com a emergncia do capitalismo, ganhou importncia

    fundamental (PONSARD, 1958).

    Assim, buscando maximizar a circulao de capital por meio de uma

    possvel economia de tempo e de espao, Cantillon demonstrou um

    esquema de diferenciao entre os centros urbanos, no qual estabeleceu,

    inclusive, nveis hierrquicos distintos. Isto , Cantillon percebeu que a

    diferenciao entre os centros urbanos era de natureza hierrquica, base

    fundamental do esquema da rede de localidades centrais de Christaller

    (1966). Na concepo desse esquema, Cantillon analisou a sociedade por

    meio de duas dimenses interdependentes, sendo uma vertical, oriun-

    da de circuitos de capital, criadas, sobretudo, a partir dos pagamentos

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    bancrios, quer dizer, em razo da circulao de capital; e outra hori-

    zontal, proveniente de circuitos envolvendo as relaes cidade-campo

    (PONSARD, 1958). A noo de circuitos remete ideia de movimento em

    um determinado espao, o que denota que Cantillon considerou, em suas

    anlises, um conjunto de centros de uma dada regio e tambm o papel

    desempenhado por esse conjunto na economia e no estabelecimento de

    interaes, principalmente nas relaes interurbanas e entre a cidade e

    o campo.

    Assim, a partir de relaes verticais e horizontais, Cantillon ad-

    mitiu um esquema de diferenciao entre os centros urbanos de natureza

    hierrquica, definido pelas economias de transporte, pela densidade da

    populao, pela drenagem da renda fundiria e pela presena do poder

    poltico. O esquema proposto estabeleceu a existncia de quatro nveis

    hierrquicos, com a seguinte tipologia: aldeias, pequenas cidades, grandes

    cidades e capitais (PONSARD, 1958).

    Para Cantillon, o aparecimento de aldeias decorre da necessidade de

    economias de tempo e economias de transporte, que foram a populao

    a permanecer junto s terras que cultiva e tambm determinam o conse-

    quente surgimento de novas aldeias quando as economias de transporte

    forem afetadas por grandes deslocamentos, implicando maior gasto de

    tempo (PONSARD, 1958). No caso das aldeias, a rea de influncia era

    espacialmente restrita em funo do nmero de habitantes necessrios ao

    trabalho no campo e tambm em razo da natureza das culturas cultiva-

    das. Cantilon notou que algumas dessas aldeias foram, progressivamente,

    transformadas em burgos, ou seja, passaram a desempenhar papis de

    mercado por meio de economias de transporte. O raio desses mercados

    definia a extenso da rea de influncia dessas aglomeraes, cuja dimen-

    so era dada pela densidade da populao (PONSARD, 1958).

    As pequenas cidades eram, na verdade, espaos com certo grau de

    centralidade, uma vez que dispunham de uma rea de mercado a partir

    da qual seriam capazes de abastecer uma populao exterior, bem como

    de controlar a renda fundiria proveniente das aldeias.

    A aglomerao de grandes proprietrios fundirios deu origem s

    grandes cidades. Esses proprietrios perceberam que a concentrao de

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    seus negcios e da produo de suas terras em um grande centro seria

    capaz de proporcionar uma reduo nos custos com transporte e com

    impostos (PONSARD, 1958). As grandes cidades possuam reas de influ-

    ncia maiores, incluindo as pequenas cidades e suas respectivas reas de

    influncia, assim como tinham o controle da renda fundiria de grandes,

    mdios e pequenos proprietrios rurais. A concentrao simultnea de

    grandes proprietrios fundirios e do poder poltico deu origem s capitais.

    A capital era capaz de desempenhar mltiplos papis, dentre os quais as

    funes de administrao pblica, visto que era sede do poder poltico

    (PONSARD, 1958). Destarte, possua alcance espacial e mercados mais

    amplos, o que inclua o atendimento de uma populao residente em toda

    uma regio ou pas e, tambm, a capacidade de maior controle da renda

    fundiria.

    Cantillon estruturou um esquema hierrquico com padres sistem-

    ticos, tanto no que se refere s funes exercidas pelos ncleos, quanto

    no que tange s regies de influncia, pois o acmulo das funes foi

    percebido em cada um dos nveis hierrquicos, sendo que a capital, centro

    de nvel hierrquico mais elevado, abarcava ampla regio de influncia,

    na qual estavam contidas as reas de influncia das grandes cidades, das

    pequenas cidades e das aldeias.

    Como demonstrado, Cantillon foi capaz de perceber a existncia

    de processos de diferenciao de natureza hierrquica entre os centros

    urbanos a partir da circulao de capital. Nas palavras de Corra (1989,

    p.20), Cantillon,[...] tentando racionalizar em termos de tempo e espao

    seus negcios bancrios, ressalta a natureza hierrquica das cidades. O

    referido autor foi tambm capaz de identificar categorias no intento de

    explicar a relao entre os centros urbanos, dentre elas: custos de trans-

    porte, densidade demogrfica e rea de mercado, que, nesse perodo, eram

    eminentemente locais ou regionais.

    No final do sculo XVIII, a Revoluo Industrial conferiu ao capitalis-

    mo um estgio mais avanado, implicando um aprofundamento da diviso

    social e territorial do trabalho. Nesse contexto, a dinmica capitalista

    afetou de forma acentuada a rede urbana, pois medida que se expandia

    a economia de mercado, com a interligao de um nmero crescente de

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    reas e com a expanso desigual da oferta de bens e servios, ampliava-

    -se o processo de diferenciao entre os centros urbanos, implicando o

    aprofundamento do processo de hierarquizao.

    Nesse contexto, o tambm francs Jean Louis Reynaud, um engenhei-

    ro de minas, cujos interesses sociais e acadmicos levaram co-organizao

    de uma enciclopdia e criao de uma Escola de Administrao, de-

    monstrou especial interesse pelas questes espaciais, estando convencido

    da necessidade de interveno do Estado para garantir uma organizao

    racional da sociedade no espao. Com relao aos estudos urbanos, cum-

    pre registrar que a contribuio de Reynaud estende-se de estudos acerca

    da organizao interna das cidades a estudos sobre a rede urbana (ROBIC,

    1982; CORRA, 1986; PUMAIN, 1994; PUMAIN, 2004).

    No que tange organizao espacial dos centros urbanos, Reynaud

    elaborou, por volta do ano de 1841, um sistema geral de cidades, no

    qual props uma estrutura hierrquica de centros urbanos com trs ou

    quatro nveis funcionais, que, com suas reas de influncia, constituam

    um conjunto de hexgonos embutidos (ROBIC, 1982; CORRA, 1986,

    PUMAIN, 1994; PUMAIN, 2004). Tal concepo foi, posteriormente, uti-1994; PUMAIN, 2004). Tal concepo foi, posteriormente, uti-PUMAIN, 2004). Tal concepo foi, posteriormente, uti-

    lizada por Christaller (1966), que conferiu padres de redes hexagonais

    organizao espacial dos diferentes nveis de localidades centrais e de

    suas reas de influncia.

    A base de anlise do sistema de centros urbanos de Reynaud foi a

    distribuio da populao agrcola, naquilo que considerou sistema geo-

    grfico de agregaes agrcolas. Tal sistema est fundamentado em trs

    princpios interdependentes sociabilidade, fator econmico e adminis-

    trao (ROBIC, 1982; CORRA, 1986). O princpio da sociabilidade dado

    por uma fora centrpeta, cuja tendncia agregar a populao agrcola,

    promovendo a formao de aldeias agrcolas capazes de reunir certo

    nmero de pessoas, cujo limite determinado por custos de transporte,

    pois, alm de certa distncia, os agricultores so obrigados a construir

    outras aldeias, para, assim, equacionar o problema da elevao dos custos

    com transporte (ROBIC, 1982; CORRA, 1986). O fator econmico, de

    um lado, ope-se ao princpio da sociabilidade, e, de outro, o refora, pois,

    em oposio ao processo de disperso da populao agrcola, gerada pelos

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    custos de transporte, esse princpio promove a concentrao do comrcio

    e dos servios em determinados centros. Assim, enquanto a populao

    agrcola se dispersa espacialmente, ocorre a coeso do comrcio e dos

    servios, gerando, consequentemente, diferenciaes entre os centros

    urbanos, que, por sua vez, so de natureza hierrquica (ROBIC, 1982;

    CORRA, 1986). O princpio da administrao refora o fator econmico,

    medida que acrescenta ao processo de coeso do comrcio e dos servios

    o fator poltico-administrativo, ampliando, consequentemente, o grau de

    diferenciao entre os centros e tambm reforando, imensamente, a

    hierarquia entre eles (ROBIC, 1982; CORRA, 1986).

    Reynaud reconhece, tambm, que a realidade pode apresentar fatores

    capazes de gerar distores quanto localizao dos centros, dentre eles:

    a presena de cidades industriais, que possuem lgica locacional prpria,

    fundamentada na presena de matria-prima ou de mercado consumidor;

    nos custos de transporte, especialmente por meio da presena de vias

    frreas, que garantem aos centros posio de superioridade; no papel de

    funo militar e de vigilncia desempenhada por um ou outro centro;

    nos efeitos das densidades desiguais de populao e tambm de renda,

    principalmente junto s capitais; e na questo do crescimento desigual, o

    que geraria situaes de instabilidade (ROBIC, 1982).

    Dessa maneira, Reynaud, na explicitao desses trs princpios, an-

    tecipou cerca de 100 anos o mecanismo de alcance espacial mnimo e

    alcance espacial mximo desenvolvido por Christaller (1966), com base

    nos princpios de mercado, transporte e administrativo; assim como

    a ideia de esquema terico centrado em uma situao homognea para a

    constituio de uma rede hexagonal, haja vista que o hexagrama a forma

    ideal para representar espacialmente a rede de localidades centrais.

    Nesse contexto de expanso do capitalismo industrial, tm-se, ainda,

    as contribuies do engenheiro ferrovirio Len Lalanne, que tambm

    conferiu aos centros urbanos franceses padres hierrquicos distintos

    (CORRA, 1986; KANSKY KARL, 1989; DUPUY; CREWS, 1993; PUMAIN,

    1994; PUMAIN, 2004). A Revoluo industrial exigiu e promoveu a am-PUMAIN, 2004). A Revoluo industrial exigiu e promoveu a am-

    pliao dos mercados, com o fortalecimento das articulaes entre os

    lugares, particularmente, entre os centros urbanos, possibilitadas pela

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    melhoria das comunicaes e dos transportes, sobretudo, com os avanos

    das estradas de ferro.

    Lalanne observou que o desenvolvimento ferrovirio poderia alterar

    os padres locacionais das atividades produtivas e ainda era capaz de

    modificar a importncia absoluta e relativa dos centros urbanos (CORRA,

    1986; KANSKY KARL, 1989). Nesse sentido, a partir do modelo de orga-

    nizao espacial das linhas ferrovirias, Lalanne elaborou, por volta de

    1863, um esquema de rede urbana, no qual os centros, notoriamente os

    entroncamentos ferrovirios, estruturavam-se de modo hierrquico. De

    fato, Lalanne apresentou um dos primeiros ensaios no sentido de [...]

    pensar a organizao espacial resultante da expanso ferroviria, como

    aponta Corra (1986, p.63), na qual [...] ele observou relaes regulares

    da rede ferroviria e sugeriu uma relao hierrquica entre a rede e as

    divises polticas na Frana (KANSKY KARL, 1989, p. 95).

    Assim, por meio de um modelo ideal, semelhante ao de Reynaud,

    Lalanne orientou um esquema em que a organizao espacial dos centros e

    de suas reas de influncia tambm adquiria padres de redes hexagonais,

    com os ncleos localizados centralmente em relao s respectivas reas

    de influncia (CORRA, 1986; DUPUY; CREWS,1993). Nesse sentido, seu

    esquema considerava que uma rede ferroviria adensava-se, preferen-

    cialmente, forma triangular. Tais tringulos tenderiam, por sua vez, a

    agruparem-se de seis em seis em torno de um mesmo ponto central, que

    se tornaria, simultaneamente, o centro de um hexgono, com seis raios

    iguais dirigidos, em paralelo, rumo aos ngulos do hexagrama (CORRA,

    1986). Cumpre registrar que, nesse esquema, o nmero mdio de linhas

    (o conjunto de linhas) que parte de um ponto central seis, mas, em

    centros excepcionalmente importantes, via de regra capitais nacionais,

    esse nmero pode ser elevado para 12 linhas. Em regies onde a rede

    ferroviria incompleta, o nmero de linhas que parte ou chega de um

    centro no seria mais que trs (CORRA, 1986).

    Dessa forma, cumpre registrar que Lalanne admitia a lei da equi-

    lateralidade, pela qual se percebia um espaamento regular dos centros

    ferrovirios situados nos ngulos de tringulos equilteros, o que implicava

    padres sistemticos de distncia entre os centros, que se estruturavam

    de modo hierrquico.

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    O capitalismo foi, de fato, o principal impulsionador do processo de

    hierarquizao entre os centros urbanos, pois, medida que esse sistema

    produtivo se instalava plenamente, emergia uma rede cada vez mais

    diferenciada de centros, com processos crescentes de estratificaes hie-

    rrquicas, haja vista as desigualdades na oferta de produtos industriais

    e de servios, bem como no acesso s infraestruturas de comunicao e

    transporte. De acordo com Corra (2001, p. 20), [...] a rede hierarquizada de

    localidades centrais constitui-se em uma forma de organizao do espao

    vinculada ao capitalismo, quer dizer, os centros hierarquizam-se entre si

    em razo das desigualdades espaciais imposta pelo capitalismo.

    A temtica da hierarquia urbana foi tambm estudada nas primeiras

    dcadas do sculo XX. Dentre os trabalhos, destacam-se os de um grupo

    de socilogos rurais estadunidenses, especialmente de Charles. J. Galpin

    e John H. Kolb (BRUSH, 1953; BERRY; GARRISON, 1958; CORRA, 1989;

    BANTJES, 1997). Esses socilogos rurais buscavam, a partir de 1915, uma

    base funcional para a reorganizao dos condados de Wisconsin, que re-

    sultasse em uma organizao fiscal do referido condado, visto que suas in-

    tenes eram poltico-administrativas. Para tanto, partiram da delimitao

    das reas de influncia dos centros urbanos, com base nos deslocamentos

    dos agricultores do meio-norte para a aquisio de bens e servios em

    pequenos centros. Nessa perspectiva, Charles. J. Galpin, em 1915, props

    a delimitao das reas funcionais dos centros a partir da determinao

    das reas de comrcio de cada um, isto , em razo da distncia percorrida

    pelos lavradores para a obteno de bens e servios em um centro (alcance

    espacial mximo). Isso implicava a determinao da rea de mercado de

    cada um dos centros do condado. Kolb, por sua vez, pesquisou as relaes

    a partir dos servios prestados por povoados aos residentes de fazendas,

    em 1923 (BRUSH, 1953; BERRY; GARRISON, 1958; BANTJES, 1997).

    A necessidade de compreenso da rede urbana foi tambm suscitada

    na esfera do planejamento urbano e regional, especificamente no proces-

    so de reconstruo do ps Primeira Guerra Mundial. Nessa perspectiva,

    colocam-se os estudos de um grupo de planejadores urbanos ingleses,

    dentre eles, gegrafos e administradores, que, entre os anos de 1918 e

    1919, preocuparam-se com a organizao espacial da rede de centros ur-

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    banos, subsidiando, inclusive, a reestruturao poltico-administrativa da

    Inglaterra (FAWCETT, 1932; CORRA, 1986). Em 1918, Charles B. Fawcett

    props uma nova diviso territorial para a Inglaterra, pela qual seriam

    criadas provncias a partir das reas de influncia dos grandes centros ur-

    banos, dentre eles: Londres, Manchester, Birminghan, Bristol, Nottingham

    e Leeds (FAWCETT, 1932). A ideia de provncias estava, portanto, apoiada

    na rea de influncia dos grandes centros ingleses, cuja delimitao estaria

    amparada no comportamento espacial das pessoas, na acessibilidade aos

    referidos centros e tambm na concepo de um limite mnimo de popu-

    lao para que uma provncia fosse criada (FAWCETT, 1932).

    Outros estudos, ainda anteriores obra de Christaller (1966), foram

    tambm realizados, dentre eles, destacam-se as pesquisas dos gegrafos

    Robert Dickinson, na Inglaterra, Hans Bobek, na ustria, em 1927, e Vaino

    Auer, na Finlndia (DICKINSON, 1947; CORRA, 1986; HOFMEISTER,

    2004). Os estudos de Dickinson privilegiaram, entre os anos de 1929 e

    1934, a definio das reas de influncia das metrpoles e outros centros

    ingleses, alemes e estadunidenses, por meio das funes comerciais e

    de servios que esses desempenhavam (DICKINSON, 1947). Tais estudos

    aproximam-se ainda mais da teoria das localidades centrais, haja vista que

    consideraram, em uma regio homognea, o jogo particular das condies

    associadas densidade da populao, capacidade funcional, competio

    entre os centros, dinmica regional, distncia entre os centros, zonas/

    esferas de influncia, acessibilidade/facilidade de circulao, dentre outras,

    prprias de um esquema hierrquico, no qual os centros com populao

    e centralidade maiores tinham os centros menores como tributrios, em

    sua hinterlndia (DICKINSON, 1947).

    3. Consideraes fnais

    Os estudiosos aqui mencionados foram capazes de perceber, a partir

    do sculo XVIII, a importncia da rede de centros urbanos e a complexifi-

    cao desta fundamentada nas transformaes do capitalismo, apesar do

    contexto positivista. Assim, esses estudiosos tiveram a habilidade de notar

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    o momento em que a realidade urbana mostrou-se problematizada por

    meio da existncia de diferenas entre os ncleos de povoamento, inclu-

    sive, diferenas de carter hierrquico. Desse modo, h que se ressaltar a

    historicidade de tal processo, sendo que, a esse respeito, Corra (2001, p.

    20) afirma que [...] a rede hierarquizada de localidades centrais constitui-se

    em uma forma de organizao do espao vinculada ao capitalismo, sendo,

    portanto, de natureza histrica. Destarte, cabe a esses estudiosos o mrito

    de tornar inteligvel a realidade no momento de sua gnese, bem como no

    percurso das primeiras transformaes.

    Em virtude de tal situao, esses precursores desenvolveram ideias

    autnomas e independentes de qualquer outra teoria, sendo, portanto,

    pioneiros nos estudos sobre o significado da diferenciao de natureza

    hierrquica entre os centros urbanos. Tais estudos foram, posteriormente,

    sistematizados e adensados por Christaller (1966), cerca de 180 anos aps

    os primeiros esforos de compreenso da natureza hierrquica das rela-

    es interurbanas. De modo semelhante, os antecessores de Christaller

    (1966) perceberam o processo de diferenciao entre os centros e aponta-

    ram estratificaes de carter hierrquico na rede urbana, colocando em

    destaque os mecanismos econmicos e espaciais capazes de gerar essas

    relaes hierrquicas. Tais mecanismos foram aprofundados por Christaller

    (1966), excepcionalmente no que diz respeito ao alcance espacial (mnimo

    e mximo) e ao padro hexagonal da rede de localidades centrais, que

    definiria padronizaes sistemticas de distncia entre os centros de um

    dado segmento de rede.

    Cumpre registrar que os pioneiros dos estudos sobre rede urbana no

    se dedicavam gerao de conhecimentos acadmicos. Na verdade, eram

    homens de negcios ou homens da administrao, que, em razo de

    suas prticas econmicas e administrativas, levantaram questionamentos

    sobre a organizao espacial dos centros urbanos. Tais questionamentos

    foram formulados tambm por Christaller (1966), que, j na introduo de

    seu trabalho, questionava a possibilidade de haver leis que determinassem

    o tamanho, o nmero e a distribuio dos centros urbanos no territrio.

    A descoberta ou redescoberta dos precursores de Christaller (1966)

    propicia o reconhecimento contribuio desses estudiosos. O resgate da

    produo intelectual desses antecessores permite a valorizao do esforo

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    empreendido na construo pioneira do conhecimento e auxilia a ver os

    fatos do presente, assim como revela que, em determinados momentos,

    fazem-se necessrias a sistematizao e a ordenao de conhecimentos

    dispersos. No caso especfico, cumpre registrar que a teoria elaborada por

    Christaller (1966) encontra-se apoiada nas ideias originais de vrios estudos

    empricos, que arriscaram definir a hierarquia urbana e as tipologias que

    classificassem os centros, ainda no sculo XVIII, quando uma rede de

    centros urbanos comeava a emergir de uma economia de mercado, que,

    gradativamente, interligava e diferenava de forma desigual e estratificada

    os ncleos urbanos, as regies e os prprios pases.

    A importncia desse debate est vinculada aos rumos que as discus-

    ses sobre rede urbana e hierarquia tomam no presente, especialmente,

    por conterem e estarem contidas num movimento mais amplo de urbani-

    zao da sociedade, explicitado em sua dimenso espacial. A compreenso

    dos contextos histrico-geogrficos apresenta-se paralela compreenso

    dos prprios conceitos, no sentido de articular o passado ao presente. Rede

    urbana e hierarquia esto no debate atual, pois envolvem relaes entre

    questes econmicas, polticas e sociais e suas relaes globais e sistmicas,

    notadamente, determinadas por um mundo em constante mutao, que

    representa um desafio permanente.

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