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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE - UNIBH
JEFFERSON FRANÇA GORDIANO
OS PRINCÍPIOS DA RESPONSABILIDADE DE PROTEGER COMO JUSTIFICATIVA PARA A INTERVENÇÃO MILITAR EM PROL DOS DIREITOS HUMANOS: UMA DISCUSSÃO SOBRE OS CASOS DA
LÍBIA E DA SÍRIA.
Belo Horizonte
2014
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JEFFERSON FRANÇA GORDIANO
OS PRINCÍPIOS DA RESPONSABILIDADE DE PROTEGER COMO JUSTIFICATIVA PARA A INTERVENÇÃO MILITAR EM PROL DOS DIREITOS HUMANOS: UMA DISCUSSÃO SOBRE OS CASOS DA
LÍBIA E DA SÍRIA.
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário de Belo Horizonte – UniBh como requisito parcial para a obtenção de título de bacharel em Relações Internacionais.
Orientadora: Prof. Marinana Andrade e Barros
Belo Horizonte
2014
2
Meus sinceros agradecimentos à minha orientadora, Marinana
Andrade e Barros. Sua competência, dedicação e alto grau de
conhecimento, somados a seu carinho com os alunos, seu jeito
tão calmo e doce, e ao mesmo tempo sua firmeza ao se
expressar certamente nos faz interessar cada vez mais pelos
assuntos que você discute. Isso certamente teve grande
influência na escolha do tema abordado neste trabalho e creio
que não foi apenas no meu caso. Obrigado pelo seu
direcionamento. Agradeço também à todos os meus
professorespela paciência, especialmente comigo. Muito
obrigado por compartilharem muito mais que seus
conhecimentos sobre as Relações Internacionais, que tanto
aprendi a amar, mas também suas experiências e
conhecimentos sobre a vida. Não foram poucas as vezes em
que quis ser igual a cada um de vocês. Eu certamente sentirei
muita falta desta convivência.
3 Resumo:
O presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise dos critérios de ação da
Responsabilidade de Proteger (R2P)à luz dos conflitos da Líbia e da Síria. Para tal
discutem-se questões sobre o desenvolvimento histórico dos Direitos Humanos e da
ideia de soberania, que neste caso é o maior empecilho para a aplicação dos
princípios do R2P. Enxergando os Direitos Humanos como um Regime
Internacional, assim como o conceito do R2P, busca-se entender porque no primeiro
caso houve uma intervenção, e no segundo ela não ocorreu. Conclui-se que
questões geopolíticas ainda se encontram como uma barreira para uma aplicação
satisfatória do R2P, e que ainda é cedo para discutir sobre a efetividade de seus
critérios.
Palavras Chave:
Responsabilidade de Proteger; Responsabilidade de Reagir; Direitos Humanos;
Regimes Internacionais; Soberania; Intervenção; Manutenção de Paz; Geopolítica;
Síria; Líbia.
Abstract:
The dissertation presented here aims to analyze the criteria of action of the
Responsibility to Protect (R2P) in light of the conflicts in Libya and Syria. For that, it
discusses matters about the historical development of Human Rights and the Idea of
Sovereignty, which, in this case, is the biggest threat to the application of the R2P
principles. Looking at the Human Rights as an International Regime as well as the
R2P concept, the essay tries to understand why in the first case there was an
intervention and in the second one, it did not. The conclusion is that geopolitics
matters are still a barrier to a satisfactory application of R2P, and it’s still early to
discuss about the effectiveness if it’s criteria.
Key words:
Responsibility to Protect; Responsibility to React; Human Rights; International
Regimes; Sovereignty; Intervention; Peacekeeping; Geopolitics; Syria; Libya.
4 Lista de Tabelas
Tabela 1: Critérios para a justificação da intervenção de acordo
com o relatório do ICISS. 31
Tabela 2: A intervenção na Líbia com base nos critérios da
Responsabilidade de Reagir. 35
Tabela 3: Os critérios da responsabilidade de reagir e o caso da
Síria. 38
5 Lista de Siglas
R2P – Responsabilidade de Proteger
ONU – Organização Das Nações Unidas
CSNU – Conselho de Segurança das Nações Unidas
ICISS– Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estatal (International
Comissiono on Intervention and State Sovereignty)
UNOCHA-Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos
Humanitários (United Nations Office for the Coordination of Humanitarian Affairs)
6 Sumário
1. Introdução 7
2.Os Direitos Humanos 8
2.1.Os Direitos Humanos como um Regime Internacional
12
3.Intervenção Humanitária e o dilema da Soberania no Sistema internacional
15
3.1. A Evolução do Conceito de Soberania
16
3.2. Intervenção Humanitária
19
3.3. Das Intervenções Humanitárias e Implicações Sobre a Soberania: a
Responsabilidade do Estado.
22
4.A Responsabilidade de Proteger como a Institucionalização de um Regime
em Prol da Proteção Humana e a Efetividade de Suas Normas.
26
4.1.Os Critérios da Responsabilidade de Reagir e Sua Aplicação Vistos de
Uma Forma Prática – Os Conflitos da Líbia e Síria.
33
4.1.1. A intervenção na Líbia 33
4.1.2. O conflito da Síria 36
4.1.3. Líbia e Síria – Incerteza sobre a aplicabilidade da norma frente à
não intervenção
39
5. Conclusão 43
7 1. Introdução
Discutir os princípios da Responsabilidade de Proteger (R2P) significa tratarde uma
grande mudança de concepções políticas na sociedade internacional. Isto
porquêaborda-se a questão da intervenção estrangeira em prol da proteção humana
em situações de graves violações dos Direitos Humanos.Em primeiro lugar é preciso
tratar dos Direitos Humanos, entendendo o conceito e seus ideais abordando o
desenvolvimento das dimensões do mesmo.Estudando as duas primeiras
dimensões, pode-se ver como estas trataram os direitos e concepções de dignidade
humana de formas diferentes, não pela abordagem em si, mas pelo contexto e pelas
necessidades discutidas. Assim podem ser vistas como complementares uma a
outra, não sendo analisadas a nível de comparação.Cada uma busca compreender
os direitos do homem através de uma visão, seja ao discutir direitos civis e políticos,
ou econômicos e sociais.
Após tal análise discute-se a aplicação dos Direitos Humanos como um regime. Para
isso o trabalho propõe-se a analisar as concepções de regimes internacionais
definidas por Krasner (1982), para então compreender se os Direitos Humanos,
como são entendidos hoje, se encaixam nas concepções de regimes internacionais.
E a partir de então, trabalhar a aplicação e efetividade dos princípios do R2P, que
também são entendidos como um regime.
Porém, antes de estabelecer tal análise, discute-se questões a respeito da soberania
e a intervenção militar.Este é o maior dilema quando se fala da efetividade dos
princípios do R2P. Falar de soberania é falar do princípio ordenador das relações
internacionais, sobre o qual os Estados garantem sua autonomia de ação, seja em
seu território, ou internacionalmente. Discutir a intervenção, neste caso, é
exatamente contrariar tal princípio, portanto é necessário que se entenda a evolução
e a relação entre estes dois conceitos.A partir da análise desta questão, pode-se
chegar a uma maior harmonia entre o Regime Internacional dos Direitos Humanos, a
Soberania e a intervenção para compreender o surgimento dos princípios da
Responsabilidade de Proteger.
Após tal análise, busca-se entender como funciona um dos importantes princípios do
R2P, a responsabilidade de reagir. Este trata diretamente da decisão em intervir, ou
não, em uma situação de conflito com o objetivo de garantir a proteção de civis em
8 outros Estados. Para discutir a efetividade da responsabilidade de reagir o presente
trabalho apresenta os seis critérios nos quais se pautam este princípio e busca
entende-lo de uma forma prática. São escolhidos dois casos de análise nos quais
primeiramente é abordada a intervenção na Líbia, a qual foi pautada nos princípios
do R2P, e depois é discutida a não intervenção no conflito da Síria.
Com maior ênfase neste último caso, busca-seentender porque não houve uma
intervenção naquele local, como foi no caso da Líbia, chegando à conclusão de que
um dos maiores fatores que influenciaram nesta decisão foram as questões de
interesse geopolíticos dos Estados envolvidos no processo decisório. Conclui-se que
assim como os demais princípios estudados neste trabalho, o R2P ainda precisa
passar por um desenvolvimento histórico para que possa ser discutido se ele terá,
ou não, algum tipo de efetividade que supere tais questões geopolíticas. Assim
pode-se dizer que ainda é cedo para discutir se a norma é de fato efetiva ou não.
2. Os Direitos Humanos
Discutir direitos humanos hoje é pensar em concepções modernas originadas no
ocidente com base nas mudanças políticas e econômicas que aconteceram no
século XX, principalmente após o período das grandes guerras. É a partir dos
sofrimentos causados pelas mesmas, e pensando em evita-los, que se iniciam os
grandes esforços em prol da proteção humana. Historicamente, os direitos
fundamentais começavam a ser discutidos dentro de uma perspectiva ocidental-
europeia em duas diferentes dimensões, sendo que a primeira discutiadireitos civis e
políticos, e a segunda direitos sociais e econômicos1. Segundo Bobbio(2004), os
direitos humanos são direitos históricos, e seu desenvolvimento se deu ao longo de
1 Vale notar que existem outras dimensões de Direitos Humanos provenientes de discussões mais modernas. São elas: a terceira dimensão, que contempla os princípios da Solidariedade e fraternidade e que não se destina à um indivíduo ou grupo de indivíduos, mas ao coletivo como um todo frisando questões a respeito de qualidade de vida, paz, auto determinação dos povos e desenvolvimento; a quarta dimensão, proveniente de discussões sobre os avanços científicos e sociais, ainda que não reconhecida por muitos, discute sobre problemas novos que surgem com estes avanços, como a manipulação genética, mudança de sexo e outros; a quinta dimensão, assim como a quarta, traz uma discussão mais moderna a respeito da dignidade humana em relação ao avanço do mundo da informática e os problemas que ocorrem na internet. Novamente, assim como a quarta dimensão, esta última não é totalmente reconhecida pela doutrina do direito (DIÓGENES JÚNIOR, 2012).
9 vários acontecimentos. Tais acontecimentos não podem ser isolados entre si, assim,
é necessário um entendimento destes como um todo para que se compreenda a
evolução do conceito e suas dimensões.
Na primeira dimensão, os direitos humanos são pensadosprincipalmente a partir da
independência dos Estados Unidos da América (EUA) em 1787, que resultou na
constituição dos EUA no mesmo ano, e daRevolução Francesa que levou a
assinatura da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão na França em 1789.
A partir de então, as ideias dos direitos fundamentais começaram a ser positivadas
com base na igualdade e liberdade,sendo o direito inerente à condição humana.
Reconhecem-se então os direitos civis sendo as liberdades individuais, e os direitos
políticos, que discutem a liberdade do ser humano em participar da formação do
Estado e na formulação política do mesmo. Estas ideias ficaram conhecidas como
liberdades negativas, pois para que existissem era necessário que ninguém as
impedisse de existir. Assim, estes direitos requeriam um Estado mínimo, ou seja,
que não interferisse tanto na vida do cidadão. Este pensamento é baseado nas
ideias de Locke e Rousseau, e parte dos ideais do liberalismo advindos das
revoluções inglesas que resultaram na Carta dos Direitos (Bill ofRights) de 1689, e
dos eventos e documentos já citados, dos EUA e da França. (ISHAY, 2004).
Porém havia um problema ao se tratar dos direitos de primeira dimensão.Sendo eles
voltados ao indivíduo, e requerendo um Estado mínimo, nem todosconseguiam a
garantia dos mesmos. Pensando, é claro, no fato de que os indivíduos não teriam as
mesmas condições de garantir seus próprios direitos devido a situação social na
qual se encontravam, e que lhes fora imposta historicamente. Assim começam-se os
esforços para o desenvolvimento do que hoje é conhecido como os direitos de
segunda dimensão, ou seja os direitos econômicos e sociais. Tais discussões
tinham como intuito buscar maneiras de auxiliar tais cidadãos a garantirem seus
direitos de primeira dimensão, além de incentivar a participação na vida pública, o
que demonstra um certo interesse político daqueles que lutavam por esses direitos.
A segunda dimensão discutia exatamente a necessidade de um ente político que
proporcionasse aos indivíduos condições de garantir seus direitos civis e políticos
provenientes da primeira dimensão. Em uma visão mais socialista, buscava-se um
Estado ampliado que fosse este ente político garantidor dos direitos, um Estado
maior, que permitisse que todos tivessem condições necessárias para a manutenção
10 dos padrões de vida idealizados na primeira dimensão. Nota-se aqui que ossegunda
dimensão, neste caso, era voltada à coletividade, uma vez que sua visão era a de
tentar garantir os direitos discutidosna primeira dimensão àqueles que não
conseguiam obtê-los por conta própria. Então, caberia ao estado interferirna vida do
cidadão.
Um dos fatores cruciais para o desenvolvimento destas vertentes foram movimentos
de expansão econômica e de colonização. Isso trouxe para o mundo ocidental um
acelerado crescimento, não somente econômico, mas também político. Estes
acabaram por trazer demandas ainda maiores em relação a essa luta por
direitos.Épor causa destas demandas que eventos como a independência dos EUA,
a revolução francesa e as revoluções inglesas aconteceram. Estas revoluções são
resultado da luta de povos cada vez mais fortalecidos e politizadoscontra seus
respectivos governos, e foi através destes movimentos que os países ocidentais do
norte se destacaram historicamente. Como resultado deste processo, hoje estes
mesmos países conseguem impor regras,até mesmo no que diz respeito aos direitos
humanos, ditos, universais. Ao discutir os direitos do homem, estes Estados
possuem mais força para impor suas opiniões e valores, o que é facilmente visto nas
concepções predominantes no sistema internacional hoje. (ISHAY, 2004).
Mas é somente a partir do século XX que os Direitos Humanos começaram a ser
tratados de forma internacional mais abrangente. Primeiramente com a Liga das
Nações, no fim da Primeira Guerra Mundial, na preocupação em que não
acontecesse outra guerra de proporções tão grandes eliminando tantas vidas. Esta
tentativa, porém, foi frustrada. Mais tarde, com o surgimento e o fim dos conflitos da
Segunda Guerra Mundial, a situação dos Direitos Humanos começou a se
desenvolver mais aceleradamenteatravés da criação da Organização Das Nações
Unidas (ONU) em 1945, e da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948.
Após o fim da Segunda Guerra, estabelece-se um novo cenário baseado em uma
busca pelo equilíbrio no sistema internacional a fim de proporcionar maior segurança
para a população mundial. As relações entre os Estados e os assuntos relacionados
aos direitos protetivos do ser humano começam a ganhar outro formato. Surgem
novas formas de ação e relacionamento entre os Estados, e também novos
atorescom altíssimo poder de influência sobre os mesmos. Um destes atores foi a
ONU, que visava exatamente a cooperação entre os Estados em prol da
11 manutenção da paz. Porém, nesta tentativa podem surgir conflitos de interesses,
principalmente no que diz respeito à proteção humana, abrindo espaço para um dos
assuntos mais conflitantes nas relações internacionais, o regime internacional de
proteção aos Direitos Humanos.
Identificado como um dos principais objetivos da instituição pela Carta da ONU, em
1945, os Direitos Humanos podem conflitar diretamente com os interesses dos
Estados, uma vez que ao aderir aos tratados em torno dos mesmos o Estado, que é
soberano, cria limites em suas ações internas e externas.2É a partir a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, em 1948, que surge no cenário internacional uma
nova perspectiva de relacionamentos entre os Estados no que diz respeito a
proteção humana, que passam então a seguir um conjunto de regras e valores
ocidentais. Porém o debate sobre os direitos humanos demora ainda alguns anos
para, de fato, a conquistar sua universalização.
Os padrões estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é
composta por trinta artigos, expressam o que se entende como os direitos e a
dignidade humana. Segundo a visão universalista, estes padrões devem ser
seguidos por todos os Estados, sem exceções. O universalismo afirma que estes
direitos são indivisíveis3 e universais, ou seja um direito não pode se sobrepor ao
outro, valem para todos os seres humanos em qualquer lugar.4
2Estes limites existem a partir de tratados que criam mecanismos de enforcement. No caso dos Direitos humanos, são tratados que historicamente foram desenvolvidos para a garantia da proteção e dos direitos dos cidadãos. Estes tratados são: O pacto internacional sobre direitos civis e políticos, 1966; pacto internacional sobre direitos econômicos, sociais e culturais, 1966; convenção internacional pela eliminação de todas as formas de discriminação racial, 1966; convenção internacional pela eliminação de qualquer discriminação contra a mulher, 1980; convenção internacional contra a tortura e outras formas de punição degradante, desumano e cruel, 1984; convenção internacional sobre os direitos da criança, 1989 (DUTTON, 2013). 3Também existem discussões à respeito desta indivisibilidade, uma vez que em determinadas situações, até mesmo para garantir o direito à vida seria necessário, de fato, dar preferências a uns direitos em detrimento de outros. Por exemplo, em casos onde um Estado pobre, que possui recursos limitados, muitas vezes cuidar da saúde e saciar a fome da população seria, a curto prazo, uma necessidade preferencial em relação à educação ou outros direitos. 4É necessário ressaltar que existe outra corrente que trabalha os Direitos Humanos de forma diferente. Esta corrente é o Relativismo, que busca uma maior compreensão de diferentes contextos culturais e como os Direitos Humanos poderiam ser entendidos dentro destas culturas, levando em consideração suas particularidades. É claro que esta corrente, assim como o universalismo, apresenta sérios problemas. Se por um lado, segundo a corrente relativista, deve-se ter a consciência de que a sociedade internacional deve respeitar as diversidades culturais, por outro deve-se pensar no problema que, tentando relativizar a concepção dos Direitos Humanos, não se estaria permitindo muitas atrocidades, como a mutilação genital feminina e outras. Para um maior entendimento do assunto pesquisar:SANTOS, Boa Ventura de Souza. Por Uma concepção multicultural dos direitos humanos. Revista Crítica de Ciências Sociais. Nº 48. Coimbra, junho 1997.
12 Uma vez que governos, no poder dos Estados, são os responsáveis pela
manutenção da ordem e da justiça social dentro de seu território, são eles o principal
alvo dos indivíduos na hora de reclamar seus direitos fundamentais. Por exemplo,
tendo os indivíduos direitos como a integridade física pela ausência de tortura, os
governos são obrigados a responder garantindo que tais torturas não aconteçam. O
mesmo acontece com direitos como o da saúde, no qual os governos devem se
certificar que os mesmos estão sendo providos, especialmente para aqueles que
não podem pagar por eles5. (WEISS; FORSYTHE; COATE, 2004).
Assim pode-se dizer que, antes de qualquer ordem ou instituição internacional, o
principal responsável pela garantia dos direitos humanos é o Estado. Porém, nem
sempre os Direitos Humanos são respeitados por ele. Seja por falha deste ou não,
ainda existem no cenário internacional situações nas quais não se vê o cumprimento
daquilo que fora anteriormente acordado entre os Estados. Isso quer dizer que ainda
há um problema, a questão da real aceitação, ou pelo menos da aplicação destes
princípios por parte destes Estados.
2.1 - Os Direitos Humanos como um Regime Internacional
Por mais que encontrem barreiras no que diz respeito à sua aplicação interna, os
Direitos Humanos hoje estão entre os principais assuntos nas pautas de discussões
dos Estados, principalmente na agenda das Nações Unidas. Hoje, tais concepções
possuem um aspecto direcionador nas ações dos Estados e podem fazer com que
os Direitos Humanos sejam vistos como um Regime Internacional, uma vez que são
um conjunto de princípios que levam os Estados a agir de determinada maneira
dentro e fora de seus territórios.
Segundo Krasner (1982, v. 36, p.186, tradução nossa), “Regimes podem ser
definidos como um conjunto implícito ou explícito de princípios, normas, regras e
processos de tomada de decisão em torno dos quais convergem as expectativas dos
5Vale notar que nem todos os Estados trabalham nesta mesma lógica, dando prioridade a umas áreas em detrimento de outras. Por exemplo, nem todos trabalham o direito à saúde como no caso dos Estados Unidos, aonde eles investem em capacitar o cidadão para que este trabalhe e pague por sua própria saúde, assim não caberia ao Estado fazê-lo.
13 atores em uma determinada área das relações internacionais6”. Na discussão aqui
apresentada, a partir desta definição de Regimes Internacionais,enxerga-se os
Direitos Humanos como um regime uma vez que, em suma, seus princípios se
encaixam perfeitamente com as definições apresentadas pelo autor. Pode-se ver
que os Direitos Humanos possuem os quatro elementos por ele mencionados que
definem os Regimes Internacionais.
Primeiramente, são princípios, que segundo Krasner (1982), representam
afirmações teóricas coerentes sobre o mundo e seu funcionamento. Estes princípios
são adotados pelos Estados, e mesmo que provenientes de uma corrente ocidental,
o fato de os outros Estados, sendo membros da ONU, os terem reconhecido como
importantes para a manutenção da ordem, como será discutido posteriormente, os
tornam seus próprios princípios. Ou seja, concordaram em compactuar com os
mesmos. Estes princípios podem ser exemplificados nas próprias concepções
destes Estados a respeito dos padrões mínimos de dignidade humana.
Em segundo lugar, deve-se enxergar os Direitos Humanos como normas, porque
podem ser definidos como padrões de comportamento geral e apontam claramente
os direitos e obrigações dos Estados em torno de uma agenda. Estas são
exatamente as concepções de Krasner a respeito das normas, e se encaixam nas
concepções universalistas dos Direitos humanos. Os Estados precisam seguir os
padrões estabelecidos pela carta da ONU, uma vez que ela diz que os mesmos
devem buscar a cooperação para proteção da figura humana e a manutenção da
paz, sendo este último, de fato, o principal objetivo da própria ONU. E como é
reconhecido pela carta da ONU, a não garantia dos Direitos Humanos representa
uma ameaça à segurança da ordem internacional.
Em terceiro lugar, são regras, que para Krasner (1982), operam em um menor grau
de generalidade porém são designadas para reconciliar os conflitos existentes entre
os princípios e as normas. Uma vez que os Estados assumem a responsabilidade
em segui-las, e as colocam nas bases do direito internacional, elas passam a ter
valor de lei dentro do deste. Um dos exemplos destas regras pode ser encontrado
no Direito Humanitário, que é partedo guarda-chuva no qualse encontram todas as
6 Regimes can be defined as sets of implicit or explicit principles, norms, rules and decision-making producers around which actors expectations converge in a given area of international relations (Krasner, 1982, v. 36, p.186).
14 concepções sobre osDireitos Humanos, e são respeitados pelos Estados como
normas do direito internacional7.
Por último, são também processos de tomadas de decisão em torno dos quais
convergem as expectativas dos atores em uma determinada área. Processos de
tomadas de decisão são receitas de ações, é aquilo que se espera de um Estado em
relação a um determinado assunto. Muitas vezes estes processos são redigidos pelo
costume ou por tratados formais. No caso dos Direitos Humanos, como um conjunto
de regras formalizadas das quais os Estados decidem participar, fala-se de um
determinado comportamento esperado por eles em relação aos princípios
estabelecidos. Os Estados, neste caso, esperam a reciprocidade no comportamento
por parte de seus semelhantes, o que indica que estes estariam propensos a
prosseguir mantendo suas ações de acordo com as receitas estabelecidas pelos
processos de tomada de decisão.
Seja por uma questão de valores, ou pela própria sobrevivência como ente
soberano, o fato é que as expectativas dos Estados passam a convergir, no cenário
internacional, em torno destes conjuntos de regras e princípios. Sendo assim, é
possível afirmar que os Direitos Humanos são, de fato, um Regime Internacional
que, segundo Richard Little (2011), pode ser considerado como aspirações de
atores racionais que têm um conjunto de interesses próprios, dos quais o maior é a
própria sobrevivência.
Ao falar de Direitos Humanos, Donnely (2011) afirma que um de seus problemas se
encontra exatamente em sua aplicação de forma global. Sabe-se que o princípio
ordenador da sociedade internacional é a soberania. O respeito a este princípio, não
somente é o responsável pela configuração desta sociedade, mas pela própria
manutenção da paz no sistema internacional. Portanto isso faz com que nem
sempre os Direitos Humanos sejam aplicados como prega a doutrina universalista.
Segundo Donnely (2011, p. 496,tradução nossa) “os direitos humanos possuem
princípios amplamente aceitos, porém são fracos em termos de mecanismos de
7Vale lembrar que o Direito Humanitário já existe anteriormente ao que entende-se hoje como Direitos Humanos e na verdade ajudou a dar origem à este. Porém, ainda assim, é visto como um braço dos Direitos Humanos.
15 implementação, o que resulta em sistemas nacionais de implementação de direitos
humanos internacionais8”.
Portanto, muitas vezes o Estado não consegue manter alguns padrões mínimos de
dignidade humana, seja por motivos econômicos, políticos ou por causas naturais.
Outras vezes, é ele o próprio violador destes direitos, seja, por conflitos internos, que
podem até mesmo causar a fraqueza ou a falência do Estado, ou por perseguições
políticas, étnicas ou ideológicas. O fato é que quando o Estado falha na garantia dos
Direitos Humanos em sua essência, é necessário pensar em um meio de garantir a
proteção destes direitos. Porém, isso muitas vezes ferirá a autonomia de ação do
mesmo, e consequentemente sua soberania, pois caberia a sociedade internacional
se preocupar com a manutenção das condições preestabelecidas pelas concepções
dos Direitos Humanos. Reus-Smit (2001) afirma que quanto mais fortes são os
princípios dos Direitos Humanos, mais fraco será o da soberania, e vice versa.
Tendo em mente que manter tais condições mínimas de dignidade humana seria
exatamente manter a ordem, uma vez que situações de violação de direitos
humanos podem resultar em insurgências e conflitos. Outro assunto que entra em
pauta de discussão é a questão do envolvimento internacional e do compromisso
dos estados em torno de tais concepções. E tal discussão abre caminho para um
ponto muito delicado das Relações Internacionais, a questão da intervenção
estrangeira para fins humanitários e manutenção de paz.
3. Intervenção Humanitária e o dilema da Soberania no Sistema internacional
Tratar de Intervenção humanitária é discutir um assunto muito delicado, pois se
discute exatamente a intervenção em determinado território pertencente a um
Estado soberano. E sabe-se que o conceito de soberania indica a autonomia do
Estado sobre seu território além de autonomia de ações no sistema internacional.
Sendo assim nenhum outro Estado ou organização internacional teria autoridade
para intervir dentro de um Estado sem o consentimento deste, o que é acordado e
8The Global Human Rights Regime is basedon Strong and widely accepted principles and norms but very weak in mechanisms of international implementation. The result is a system of national implementation of international human rights (DONNELY, 2011, p 496.)
16 positivado até mesmo pela carta das nações unidas. Neste momento, faz-se
necessária uma breve reflexão sobre este embate que tem, de um lado a soberania,
e do outro a intervenção.
3.1 A Evolução do Conceito de Soberania
O conceito de soberania se encontra diretamente atrelado ao Estado moderno e
suas origens como atores autônomos dentro e fora de seu território. É também a
partir deste conceito que, juridicamente, nenhum Estado pode se sobrepor a outro.
Ou seja são princípios que garantem, internacionalmente, que todos os Estados
sejam juridicamente iguais, tendo os mesmos direitos, e a mesma autonomia de
ação entre si. Para mais, o conceito de soberania também mostra que no cenário
internacional nenhuma autoridade está acima do Estado, o que demonstra a
complexidade deste sistema anárquico, uma vez que todos os Estados são
igualmente soberanos.
Matteucci (1986), define a soberania como o poder de mando de última instância
numa sociedade política sendo pois, a Soberania, a racionalização jurídica do poder
que traz com sigo a legitimação do uso da força. Segundo o autor, este poder
legitimado surge juntamente com o conceito de Estado, no final do sec. XVI,
definindo o monopólio do uso da força em um determinado território. Pode-se
observar que a partir de então surgem as ideias de que não haveria nenhum poder
acima do Estado nos limites de seu território. Assim este conseguiria controlar,
internamente, as ações de seu povo. Porém esta ideia vinha acompanhada da
obrigação da manutenção da paz neste mesmo território. Esta paz seria necessária
para a organização e a união dos grupos internos na defesa contra o inimigo externo
(MATTEUCCI, 1986).
O soberano teria pretensão de ser exclusivo, sendo o único autorizado a intervir em
qualquer questão sem que ninguém tomasse decisões por este. O soberano seria
definido Internamente como o mediador político entre o povo e o Estado. Assim
surge a ideia do monopólio do uso da força pelo Estado, sendo ele o único com
competência legal para agir em seu território. Qualquer força armada dentro dos
limites territoriais do Estado deveria ser submetida a ele a fim de eliminar conflitos
17 internos, reprimindo e acabando com toda e qualquer guerra privada. Externamente,
caberia ao soberano qualquer decisão a respeito da guerra e da paz. Assim não se
justificaria a existência de nenhuma autoridade acima dos Estados, e o equilíbrio nas
relações entre eles deveria se dar por meio de tratados e convenções através do
direito internacional gerido por eles, e não mais pelas mãos de um imperador ou de
uma instituição como fora a igreja e o papado (MATTEUCCI, 1986).
Rousseau (1762) traz a ideia do ente soberano como o corpo político, no qual os
membros se associam tendo obrigações uns para com os outros, e para com o
Estado. Para ele soberania não é somente o poder de força, mas também o poder
de legislar, poisparte da vontade geral. Aqui percebe-se uma questão conhecida
como soberania popular, na qual a nação é concebida como a organização do
próprio povo. Rousseautraz a concepção de que é ao povo que pertence a
titularidade do Estado, dizendo que o poder soberano é absoluto sobre seus
membros, e é dirigido pela vontade geral em qualquer competência relacionada ao
Estado, seja de natureza legal, econômica ou qualquer outra relacionada a
elesdentro e fora de seu território.
Entretanto este poder não pode ser visto como ilimitado. Justamente por partir do
povo como um todo, o mesmo deve ser compartilhado internamente, e a partir disto
é que surgem as leis, o que limita o poder de ação do Estado, servindo como
mediador entre este e aqueles que dele fazem parte.Este compartilhamento do
poder é entendido na divisão política, onde não apenas o chefe do Estado teria
supremacia, mas há também um poder legislador que trabalharia junto a este para
limitar suas próprias ações (Dallari, 2011).
Segundo Matteucci (1986), esta ideia surge como herança dos tempos medievais
quando o rei não poderia fazer leis como quisesse, mas deveria governar a partir de
um conjunto de regras já existentes, ou seja as leis fundamentais do reino. Esta
revisão do conceito de soberania se estendeu até os dias de hoje, pois o Estado tem
sim o poder soberano, mas porém limitado pela lei e pelas divisões internas deste
poder, onde o executivo toma as decisões a respeito do Estado, porém o legislativo
é que fará o trabalho de formular as leis que regerão o mesmo. Ainda pode-se levar
em consideração o poder jurídico, ou judiciário, uma vez que este é quem faz
cumprir as determinações do legislativo.Cabe ao judiciário o poder de fazer valer as
18 sanções dentro do Estado, ou seja, se encontra abarcado na concepção do
monopólio do uso da força dentro do poder soberano, sendo parte do mesmo.
Rousseau(1762), afirma que a soberania, como representaçãoda vontade geral de
um povo, é um poder inalienável e indivisível. Sendo inalienável, pois representa a
vontade deste povo e somente assim tem a possibilidade de dirigir as forças do
estado; e indivisível, porque para que seja de fato a representação da vontade geral,
deve contar com a participação de todos, mesmo na divisão dos poderes. Dallari
(2013), prossegue neste raciocínio afirmando que a soberania é una, pois não se
pode haver duas soberanias ao mesmo tempo em um mesmo território; indivisível,
pois se aplica à todos os fatores concernentes ao Estado e suas decisões como um
todo; inalienável, pois quem a possui deixaria de existir caso a perdesse;
imprescritível, pois não pode ter prazo de validade, e desapareceria no momento em
que fosse forçada a uma vontade superior. Além disso seria um poder originário,
pois nasce com o Estado e não se desvencilha dele; exclusivo, pois pertence
somente a ele; incondicionado, pois somente ele lhe impõe limites; ecoativo, pois o
Estado ordena e dispõe de meios para fazer cumprir tais ordens.
Ainda que, como afirmouRusseau (1762, p. 46), “o poder soberano, todo absoluto,
todo sagrado, todo inviolável que é, não passa nem pode passar além dos limites
das convenções gerais”, aceitar os limites das leis já significa exercer a soberania
em última instância para o Estado.É de sua decisão se submeter a qualquer lei, seja
interna ou externa a ele, e também limitar sua própria autonomia uma vez que
internamente não há autoridade acima deste, pois se houvesse o mesmo já não
seria soberano.
O Estado, soberano assim comoos demais, não sendo obrigado a se submeter a
nenhuma norma, ou costume, decide por assim fazê-lo pois há uma percepção de
que a regularização das relações entre os iguais, supostamente, traz maior garantia
de paz. Isso significaria maior possibilidade de sobrevivência dos mesmos,
mantendo-se a igualdade externa e a supremacia interna. Krasner (2001) reforça
este pensamento dizendo que a soberania, atualmente, tem significado que as
autoridades políticas podem entrar em acordos internacionais e são livres para
participar de qualquer contrato que achem atrativo. Para o autor, a alteração do
escopo da autoridade do Estado tem sido o impacto mais importante da globalização
19 e das normas transnacionais. Isso significa uma relativização nas concepções sobre
os direitos da soberania, e não a perda do poder do Estado.
Jack Donnelly (2004) afirma que a soberania tem se tornado menos absoluta,
mesmo para os mais poderosos. O autor afirma que nenhum Estado soberano, ou
todos juntos, tem conseguido resolver os problemas da humanidade atualmente.
Para ele, a autoridade soberana não significa garantia da capacidade de resolver
tais problemas e por isso não se encontra acima do direito internacional. A evolução
desta corrente, ainda que não reduza da soberania, mostra que seus direitos são, e
sempre foram, variáveis nunca se colocando acima de tudo.Isso confirma o que foi
dito por Krasner, pois enxerga-se aqui a sobrevivência do Estado como ente
soberano, porém assumindo que este está sujeito a regras que variam de acordo
com o contexto e as necessidades.
É importante pensar nestes conceitos sobre a soberania antes de discutir a
intervenção, pois nota-se que não seria tão simples intervir em um território
soberano. Porém, em um momento de globalização e de tantas mudanças no
cenário internacional, há uma grande necessidade de interação e cooperação entre
os Estados, seja para a manutenção da paz, ou em prol do desenvolvimento. O fato
é que, para que isso aconteça, mecanismos de regulamentação de ações foram
criados pelos próprios Estados, e acabaram por limitar e direcionar as ações destes,
reduzindo sua autonomia não somente no cenário internacional, mas no âmbito
doméstico. Isso reforça a ideia de que o Estado possui a responsabilidade em
protegerseus cidadãos, consequentemente, não podendo tratar os mesmos da
maneira que bem entender em prol de seus interesses políticos.
3.2 Intervenção Humanitária
As ideias mencionadas no tópico anterior ajudaram no desenvolvimento das
questões previamente vistas sobre os Direitos Humanos. Na verdade houve uma
influência mútua, poisos documentos internacionais a respeito destes direitos foram
se desenvolvendo ao longo do tempo e, obviamente, flexibilizandoa visãodos
Estados sobre o exercício da soberania. Esta mudança não faz com que o Estado
abra mão da soberania, mas este passa a entender que a limitação e
20 regulamentação do poder era necessária para o desenvolvimento da sociedade e
sua própria sobrevivência como ente soberano. Com o desenvolver destas vertentes
e também com o desenrolar da história, o cenário internacional sofreu muitas
alterações. Matteucci (1986), afirma que:
O movimento por uma colaboração internacional cada vez mais estreita começou a desgastar os poderes tradicionais dos Estados soberanos. O golpe maior veio das chamadas comunidades supranacionais, cujo objetivo é limitar fortemente a soberania interna e externa dos Estados-membros; as autoridades “supranacionais” tem a possibilidade de conseguir que adequadas Cortes de Justiça definam e confirmem a maneira pela qual o direito “supranacional” deve ser aplicado pelos Estados em casos concretos (MATTEUCCI, 1986, p.187).
Destes movimentos surgiramas concepções sobre intervenção humanitária que se
desenvolveram da ideia de que cada Estado deveria respeitar as convenções
estabelecidas. Os Estados concordam, a partir de então, em respeitar as regras
internacionais que partem do estabelecimento dos padrões mínimos de dignidade
humana e regulam a ação do Estado em seu próprio território. Assim surgem
princípios que estimularam alguns Estados a querer intervir nos demais que não
respeitassem os acordos sobre os Direitos Humanos.
Apesar destes estímulos para as intervenções de determinados Estados no território
de outros, sabe-se que muitas vezes estes estados possuem outras motivações
além da defesa da integridade humana. Porém, neste trabalho, discute-se a
manutenção da paz como o motivo principal para a intervenção, a fim de garantir,
além de um ambiente pacífico, os direitos dos povos ondeesta se faz necessária.
Assim, então, surge a ideia de intervenção em conjunto, por meio de um órgão supra
estatal, neste caso a ONU, materializado pelo Conselho de Segurança das Nações
Unidas (CSNU), regulamentado para garantir que as intervenções pudessem ser
realizadas com um único propósito. Em teoria, a manutenção da paz.
Entende-se aqui a Intervenção Humanitária como consequência do processo de
securitização dos Direitos Humanos,pelos quais o uso da força militar se faz
necessária. Segundo Kratochvil (2006), este uso é necessário pois as violações são
causadas por situações de conflito, e para lidar com elas é necessário o uso de força
militar. Ainda segundo o autor, as intervenções humanitárias são atos de força
armada dos Estados para prevenir ou acabar com graves violações dos direitos
humanos em defesa de estrangeiros sem o consentimento do governo do Estado no
21 qual a mesma acontecerá, com ou sem autorização do Conselho de Segurança da
ONU.
Os movimentos de intervenções humanitárias da ONU, também conhecidos como
movimentos de Peacekeeping(manutenção de paz), surgiram como uma alternativa
para situações específicas. O primeiro movimento foi a Força de Emergência das
Nações Unidas (The UN Emergency Force), no qual as tropas foram enviadas ao
Sinai em 1956 para monitorar o cessar fogo e se certificar que as partes envolvidas
no conflito deixariam o local. Porém as forças da ONU não tinham autonomia para
intervir, sua função ficou restrita ao monitoramento exceto em casos de auto
proteção. E assim aconteceu a maioria das intervenções da ONU até os anos 90,
como forças de monitoramento e também uma espécie de barreira entre as tropas
(SHEERAN, 2011).
Essa caracterização, referida como Peacekeeping tradicional,não obteve sucesso
emmanter a paz durante o período da Guerra Fria. Estas falhas, fizeram com que
Estados adotassem sistemas de defesa coletiva através de alianças, como a OTAN.
Por um determinado período algumas missões de Peacekeeping foram realizadas
fora do sistema ONU, como as Forças Observadoras Multinacionais (FOM) no Sinai,
e a Força de Peacekeeping Indiana no Siri Lanka. Porém, o fim da Guerra Fria fez
com que os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU se
reaproximassem nos assuntosreferentes a manutenção da paz e a intervenção.
Neste período pós Guerra Fria a ONU precisou usar a força em algumas de suas
operações de manutenção e paz, porém buscava evitar tal prática (GHONIEM,
2003).
Nota-se que as intervenções, no período da Guerra Fria, não conseguiram se
estabelecer como uma regra, e sim viraram uma exceção, uma vez que foram
realizadas fora do sistema ONU. É a partir de então surge uma maior aceitação
pelos estados ocidentais sobre normas relacionadas à proteção humana. Com o fim
da guerra fria, aparentemente, fortalece-se a ideia de intervenção em conjunto, o
que traria maior legitimidade para a mesma. É desde então que o processo de
securitização dos Direitos Humanos dá um impulso às possibilidades de realização
de intervenções, com ou sem autorização do Conselho de Segurança. Assim pode-
se perceber que, atualmente, são os movimentos de cooperação que dão mais
22 forças aos movimentos de proteção a figura humana, e consequentemente, a
intervenção humanitária de modo geral.
Segundo Robert Jervis (1982), princípios, regras e normas permitem que os Estados
consigam conter seu comportamento na crença de que os outros irão fazer o
mesmo. Este conceito apenas implica normas que facilitem a cooperação, mas uma
forma de cooperação que vai além do auto interesse. Partindo desse pressuposto, a
intervenção humanitária pode ser vista como um meio de cooperação no qual os
Estados estão na busca de um bem comum, a manutenção da paz, seja por acordos
ou até mesmo por meio de intervenções, militares ou não.
Mas deve-se manter em mente, como já fora dito anteriormente, que este interesse
na manutenção da paz é uma busca por um bem comum não porque todos os
Estados buscam o bem estar de uns para com os outros. Seria ingênuo pensar que
a cooperação se dá em torno do altruísmo internacional. Quando se fala em
cooperação para um bem comum, neste caso, fala-se na busca pela própria
sobrevivência, e este sim é um valor compartilhado pelos Estados, que reconhecem
que esta seria mais facilmente assegurada em uma situação de paz. Assim buscam
regular suas próprias ações criando limites à sua própria soberania, limites estes
que até mesmo abririam espaço para uma possível intervenção, caso houvesse
ameaça à paz.
3.3 Das Intervenções Humanitárias e Implicações Sobre a Soberania: a Responsabilidade do Estado.
A questão da soberania éentendida como a maior implicação ao se falar de
intervenções humanitárias. Existem no sistema internacional mecanismos que
proíbem a ameaça ou o próprio emprego da força pelo Estado contra os outros
Estados.Na Carta das Nações Unidas encontra-se uma concepção conhecida como
o princípio da não intervenção. Ainda que as mudanças no sistema tenham causado
uma relativização no princípio da soberania e nas questões sobre intervenção, tal
princípio é altamente resguardado pelos Estados e é visto por muitos como uma das
maiores garantias da manutenção da paz no cenário internacional. No cap. I, art. II,
par. IV,o texto dispõe que:
23
Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer estado, ou qualquer outra ação incompatível com os propósitos das Nações Unidas (ONU, 1945, p. 6).
Existe uma grande dificuldade ao se tratar do termo intervenção, pois os Estados
sempre podemalegar o princípio da não intervenção, combinado também com o
sétimo parágrafo do mesmo artigo. Nele, o texto diz que nenhum dispositivo da carta
autorizaria as Nações unidas a intervirem em assuntos domésticos dos Estados
(ONU, 1945).
Pode-se ver claramente que o princípio da não intervenção está resguardado, não
podendo a ONU, ou quaisquer de seus membros, intervir em assuntos que afetem a
soberania de um Estado. Ainda que, segundo o embaixador português Antônio
Costa Lobo (2009), os assuntos referentes aos direitos humanos em determinado
país não sejam puramente assuntos domésticos do mesmo, os Estados com certeza
usariam o princípio da não intervenção para não sofrer interferências externas em
seu território. Isso torna cada vez mais difícil a discussão sobre intervenções
humanitárias no cenário internacional atual.
Entretanto, há uma ressalva neste mesmo parágrafo quando, no último ponto, o
texto diz que “este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas
coercitivas constantes no capítulo VII” (ONU, 1945, p. 7). Nota-se, que, mesmo com
os princípios da não intervenção e todas as demais recomendações e proibições à
respeito do uso da força, acarta das Nações Unidas abre uma exceção, que pode
ser usada no caso dos Direitos Humanos.
No capítulo VII a carta se refere a “ações relativas a ameaças à paz, ruptura da paz
e atos de agressão” (ONU, 1945, p. 25), onde, segundo o art. 39, cabe apenas ao
Conselho de Segurança a determinação sobre a existência a qualquer ameaça à
paz. E ainda, no mesmo artigo, é determinado que qualquer medida deverá ser
tomada de acordo com outros dois artigos posteriores, sendo o 41 e 42 do mesmo
capítulo, para fins de manutenção e estabelecimento da paz. Este primeirotrata do
poder de decisão do Conselho de Segurança sobre a tomada de medidas pacíficas
em prol da manutenção da paz com o apoio dos demais membros da ONU. Porém
no artigo 42 fica claro que, caso tais medidas não sejam eficazes o mesmo poderá
usar dos meios que julgar necessário para a manutenção ou reestabelecimento da
paz, mesmo que isso implique no uso da força (ONU, 1945).
24 Com desenvolvimento histórico que resultou na securitização dos Direitos Humanos,
hoje já se tem a concepção de que graves violações dos mesmos podem significar,
de fato, uma ameaça à paz. Nota-se, então, uma abertura para a justificação da
intervenção e uma maior flexibilidade do próprio Conselho de Segurança em relação
ao assunto, uma vez que este é o responsável por decidir o que caracteriza, ou não,
tal ameaça. Mesmo com todos os problemas no processo decisório do Conselho, os
passos em direção a isto tem sido dados, principalmente ao se observar Estados
que já usam em seus discursos princípios humanitários para justificar suas ações
em relação a outros Estados.
Existem linhas de pensamento contra e a favor da intervenção.Conhecidos como
restricionistas, aqueles que vão contra, segundo Bellamy e Wheeler (2011), afirmam
que os Estados nunca intervêm por princípios puramente humanitários. Para estes,
o direito sobre a intervenção humanitária pode ser vulnerável ao abuso por parte
daqueles Estados fortes que na verdade estão atrás de interesses próprios. Ou seja,
cada Estado intervirá naquilo que lhe convém, baseado em suas preferências
políticas e culturais. Ainda existe o argumento de que há falta de consenso sobre
quais princípios a serem usados na intervenção humanitária, o que causaria uma
ameaça à ordem internacional. É claro que em prol da defesa da soberania alguns
Estados, principalmente os mais fracos, poderiam usar estas alegações dos
restricionistas, dando ênfase nesta falta de consenso.
Com alegações que ponderamos valores universalistas, há aqueles que dizem que
existe uma responsabilidade moral em intervir para a proteção de civis contra graves
violações dos Direitos humanos. Segundo Bellamy e Wheeler (2011), estes levam
em conta a argumentação de que a soberania deriva da responsabilidade do Estado
em proteger seus cidadãos. Neste caso, se o mesmo falha em cumprir este dever,
perderia seu direito soberano. Porém estas são discussões morais
Segundo Bellamy e Wheeler (2011) Existe uma linha de pensamento a favor da
intervenção, os chamados contra restricionistas, que afirmam que a carta da ONU
prioriza os Direitos Humanos tanto quanto a manutenção da paz. Estes
enxergamestes princípios como complementares e acreditam que a Intervenção
Humanitária não fere o artigo 2 da Carta da ONU, uma vez que este proíbe o uso da
força contra a independência política ou a integridade territorial de um país.
25 Pensando nesse debate, Reisman (1985), afirma que é necessário criar uma
alteração no que diz respeito ao uso da força para fins humanitários.
Deve-se tomar cuidado,ao se tratar da questão da intervenção, em buscar uma
direção pautada no que diz a Carta das Nações Unidas a respeito da manutenção e
construção da paz. E para isso, é necessário ter em vista os princípios da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, pois é a partir dos mesmos que se
iniciam tais discussões. É muito importante também, neste caso, abordar os Direitos
Humanos como uma instituição, ou um regime internacional como já fora dito
anteriormente. Assim, a partir desta visão, analisar a pertinência ou não das
intervenções humanitárias no cenário internacional.
Segundo David Rubio (2004), a comunidade internacional tem o direito de reagir
frente a situações que ameacem a paz e atentem contra a dignidade humana, e a
tratar violações graves dos direitos humanos fundamentais sobre seus cuidados.
Assim, é possível começar a pensar em intervenções humanitárias a partir de uma
lógica de cooperação na qual os Estados buscam, não apenas levantar uma
bandeira ocidental dos direitos humanos universais, mas a manutenção da paz. Isto,
é claro, partindo da suposição de que em muitas situações um problema interno de
violação de direitos fundamentais podem gerar conflitos. Estes conflitos se
aproximarão das fronteiras daquele estado e rapidamente ganhando proporções
regionais internacionais.
Ainda que Estados aleguem que possam ser problemas de ordem interna, sobre as
implicações dos Direitos Humanos na soberania do Estado, Cançado Trindade
afirma que:
Como em outros campos do direito internacional, no domínio da proteção internacional dos Direitos Humanos, os Estados contraem obrigações internacionais no livre exercício de sua soberania, e uma vez que o tenham feito não podem invocar dificuldades de ordem interna ou constitucional de modo a tentar justificar o não cumprimento destas obrigações (TRINDADE, 1991, p. 47).
Assim, os Direitos Humanos se tornam assunto de preocupação geral. Não somente
pelos valores que carregam, que sem dúvida alguns Estados de fato compartilham,
mas pela manutenção daquilo que se entende como paz e pela sobrevivência do
próprio sistema de Estados. Nota-se que os Direitos Humanos foram historicamente
e racionalmente securitizados, neste caso, seria então pertinente a criação de um
26 conjunto de regras dentro do qual as ações e expectativas dos estados poderiam
convergir em torno da proteção humana. Assim surgiu o que hoje é conhecido como
os princípios da Responsabilidade de Proteger.
4. A Responsabilidade de Proteger como a Institucionalização de um Regime em Prol da Proteção Humana e a Efetividade de Suas Normas.
É pensando nesse dilema da intervenção em prol da proteção humana e suas
implicações sobre a soberania que em 2001 foi criado o conceito da
Responsabilidade de Proteger (R2P). Este conceito surgiu de um relatório elaborado
pela “Comissão Internacional Sobre Intervenção e Soberania” (ICISS) no qual é
tratado o direito a intervenção humanitária, cujo próprio título é a Responsabilidade
de proteger. Segundo o texto do relatórioa ideia de soberania traz a
responsabilidade primária para o próprio Estado em proteger seus cidadãos
dequalquer tipo de catástrofe evitável, mas quando estes não estão dispostos, ou
não são capazes de garantir tal proteção, caberia então à comunidade internacional
de Estados agir em prol da proteção daqueles que estão em risco.
Segundo Thomas Weiss (2011), nenhuma ideia se moveu de forma mais acelerada
na arena normativa internacional que o conceito do R2P.Indo além da intervenção
militar, o princípio trata de outras responsabilidades com as quais os Estados se
comprometeriam em prol da proteção humana. É claro que a concordância com tais
princípios não implicaria em mero altruísmo dos Estados, mas também um interesse
em manter a paz.
Segundo o relatório, a intervenção tem sido controversaquando acontece e quando
falha em acontecer, como foi em Ruanda, em 19949. Este foi um caso que
demonstrou as graves consequências da não reação frente a grandes atrocidades, e
causou espanto naqueles que defendem os Direitos Humanos. Isso aconteceu pela
recusa do Conselho de Segurança em agir, o que mostrou uma grande falha em tal
instituição. Como consequência disso, o que aconteceu não foi apenas uma
catástrofe em Ruanda, mas também o surgimento dos questionamentos sobre a 9Em 1994 aproximadamente 800.000 pessoas morreram no conflito político/étnico em Ruanda, Africa (BBC, 2014).
27 eficácia do Conselho de Segurança e sobre as prioridades da comunidade
internacional em torno dos Direitos Humanos (ICISS, 2001).
Outra ocorrência que levantou sérios questionamentos sobre a intervenção foi o
caso do Kosovo. No Kosovo houve uma intervenção que deixou dúvidas sobre a
legitimidade da mesma. Foram levantadas questões a respeito da gravidade da
situação, se os abusos aos Direitos Humanos de fato justificariam uma intervenção,
ou seja, se a causa era justa. Outro questionamento foi a respeito do uso de meios
pacíficos para a contenção do conflito. Neste caso não havia ficado claro se todos
estes meios pacíficos haviam sido explorados de forma adequada e também não
estava explícito se a permissão para a intervenção havia sido concedida por
autoridade competente. Além disso houveram dúvidas a respeito da efetividade da
ação, se esta não havia piorado a situação da crise humanitária no Kosovo (ICISS,
2001).
Segundo David Chandler (2010), após o que houve no Kosovo, os que advogam em
prol da intervenção alegavam que a sociedade enfrentava um dilema no qual intervir
ou não intervir seria uma maldição. Ao mesmo tempo que a intervenção significava
desobedecer a carta da ONU, ou seja, uma violação do direito internacional, não
intervir significaria ser cumplice de atrocidades e graves violações dos Direitos
Humanos. O que se nota é que trava-se uma briga entre respeito a valores morais e
a manutenção do status quo do sistema jurídico internacional.
Estes casos aconteceram em uma época em que as expectativas eram altas em
torno da ação coletiva dos Estados, no período do pós Guerra Fria, e tiveram um
grande impacto na maneira com a qual o problema da intervenção seria tratado,
causando uma flexibilidade do mesmo. Pelos vários questionamentos levantados, e
pela grade preocupação com as falhas do Conselho de Segurança, o secretário
geral da ONU, Kofi Annan, levantou em seu discurso na Assembleia Geral em 1999
alguns pontos a respeito da intervenção. Segundo ele, era necessário que a
comunidade internacional encontrasse uma maneira comum para defender os
princípios da carta da ONU. Os questionamentos levantados buscavam refletir
exatamente sobre a implicação da intervenção na soberania e como a comunidade
internacional deveria responder frente a atrocidades em massa (ICISS, 2001).
28 Em resposta a estes questionamentos o governo do Canadá anunciou, em setembro
de 2000, a criação desta comissão independente, autora do relatório mencionado: a
Comissão Internacional Sobre Intervenção e Soberania Estatal - International
Comission on Intervention and State Sovereignty (ICISS).Essa comissão não
envolvia apenas o governo do Canadá, e foi criada de forma homogênea com o
intuito de aprimorar o entendimento geral sobre o assunto e reconciliar as
discussões sobre intervenção humanitária e soberania. A comissão foi instaurada
em uma tentativa de prevenir crises humanitárias e aumentar a efetividade e ação
das intervenções, tirando o assunto da paralisia e polêmica através de um órgão
internacional competente, neste caso, a ONU (ICISS, 2009).
O que pode ser notado é que a falta de concordância nas regras para o tratamento
de casos como o de Ruanda e Kosovo faz com que surja a necessidade de algum
tipo de regulamentação. Estas discordâncias eram claras na época destes
acontecimentos e continuam a existir atualmente. O relatório sobre a
Responsabilidade de proteger (R2P), criado pelo ICISS, deixa claro que qualquer
abordagem nova para a intervenção humanitária precisa vir de encontro a quatro
objetivos. São eles: o estabelecimento de regras, processos e critérios mais claros
para determinar quando e como intervir; estabelecer a legitimidade da intervenção
militar quando necessário e quando todos os outros meios falharem; assegurar que
a intervenção humanitária, quando ocorrer, seja direcionada apenas pelo propósito
estabelecido, seja efetiva e levada pela preocupação em minimizar os custos
humanos e os danos institucionais que causarão; e ajudar a eliminar, onde possível,
as causas do conflito enquanto aumenta a possibilidade de uma paz sustentável e
duradoura(ICISS, 2001; MASSINGHAM, 2009).
Este relatório traz algumas propostas de mudança de conceitos, por exemplo, a
questão da soberania que seria então vista como uma responsabilidade, e não como
controle. Este é um dos pontos chave, pois traz a soberania como uma via de mão
dupla onde o Estado tem a responsabilidade externa, a de respeitar a soberania do
outro, e interna, pois precisa respeitar o direito daqueles que dele fazem parte.Mudar
também o termo intervenção para proteção foi um outro avanço do relatório. Tratar a
responsabilidade de proteger ao invés do direito de intervir traria outras vantagens.
Por exemplo, permitiria que se avaliasse o problema a partir do ponto de vista
29 daqueles que precisam de ajuda, e não daqueles que consideram a intervenção
(EVANS; SAHNOUN, 2002).
Nota-se que o R2P é um conceito guarda-chuva, ou seja, não abarcaria apenas a
responsabilidade de reação, mas também a responsabilidade de prevenção e
reconstrução. Isto, segundo Evans e Sahnoun (2002), é de suma importância pois
estas duas últimas dimensões, a de prevenir e a de reconstruir têm sido
negligenciadas no debate sobre a intervenção humanitária. A responsabilidade em
prevenir, segundo o relatório do ICISS, é também uma responsabilidade dos
Estados, comunidades e instituições pertencentes a eles. A comissão reconhece
que a falha em prevenir um conflito pode ter altas consequências internacionais, e
por isso trata-a não como uma questão interna apenas.É preciso um forte apoio da
comunidade internacional que poderiam vir de várias formas, como assistência em
prol do desenvolvimento de uma região ou na resolução de algum problema que
possa afetar diretamente a raiz de um conflito. Para tal, seria necessária uma
análise profunda reconhecendo os pontos de fragilidade da situação e os riscos
associados a ela, o que seria conhecido como um mecanismo de Early Warning
(aviso prévio). Então seria necessário analisar quais medidas poderiam ser tomadas
efetivamente, e é claro, contar com a disposição dos Estados (ICISS, 2001).
Por outro lado, encontra-se a responsabilidade de reconstruir, vista como as
obrigações pós intervenção. Se uma operação militar for realizada, caberia àqueles
que interviram a responsabilidade em ajudar na reconstrução de uma paz
duradoura, promovendo uma boa governança e o desenvolvimento sustentável. O
relatório menciona que a ordem e segurança pública deve ser restaurada pelos
agentes internacionais em parceria com as autoridades locais. Tais discussões são
uma extensão do que já se conhecia como peacebuilding operations- operações de
construção de paz. (ICISS, 2001).
Porém não é do intuito deste trabalhodiscutir estas duas dimensões, a prevenção e
a reconstrução, mas sim os princípios da responsabilidade de reação.Segundo o
relatório do ICISS (2001), os princípios do R2P implicam, acima de tudo, uma
responsabilidade de reação em situações onde a proteção humana se faz
necessária. Na falha de meios de prevenção, ou quando um Estado não consegue,
ou não se dispõe a garantir a proteção de seus civis contra grandes atrocidades, a
intervenção se faz necessária por membros da comunidade internacional.
30 A responsabilidade de reagir inclui, antes de tudo, questões não militares, pois ainda
nestas situações, crê-se que outras medidas seriam mais apropriadas do que a
intervenção na soberania de um Estado. Existem as medidas por eles denominadas
como medidas com poucas ou sem ações militares (Measures Short of Military
Action), que basicamente se constituem de sanções políticas, econômicas e
militares. Estes seriam: embargos de armas ea não cooperação militar; sanções
financeiras e restrições em atividades e acessos a produtos geradores de energia,
como petróleo e seus derivados; restrições sobre representações diplomáticas,
viagens e suspensão de atividades ou até mesmo da filiação a instituições regionais
ou internacionais, ou recusa em admitir um país em algum acordo (ICISS, 2001).
Porém o foco desta discussão tratará, dentro do escopo da responsabilidade de
reagir, das questões que estão diretamente ligadas à decisão em utilizar, ou não, o
recurso da intervenção militar. Neste caso, o relatório discute casos extremos, nos
quais as ações militares seriam necessárias. Para a análise de tais casos é
necessário começar a discussão à partir do princípio da não intervenção, pois é uma
das principais normas do sistema internacional e uma decisão contrária a ela só
pode ser tomada em circunstâncias excepcionais, ou seja, quando o interesse de
todos os Estados, o de manter a ordem, corre algum perigo.Assim, para aceitar a
intervenção, seria necessária uma boa justificativa embasada principalmente nos
princípios da carta da ONU (MURRAY; MCKAY, 2014).
Odocumento do ICISS (2001) aponta de forma bem clara quais seriam os critérios
estabelecidos pela comissão e queseriam utilizados no processo de tomada de
decisões sobre as intervenções. Mesmo sabendo que seria difícil chegar a um
acordo sobre a aceitação destes critérios,uma vez que estes mesmos atuarão
sempre priorizando seus interesses, que muitas vezes não são compatíveis com a
visão de dignidade humana do R2P, estes são os que chegariam o mais próximo da
aceitação segundo os autores do relatório. Ainda foi pensada a possibilidade de
Estados interventores abusarem da justificativa humanitária a fim de buscar outros
interesses, assim a comissão conseguiu estabelecer os seis critérios10que se
seguem:
10 Estes critérios foram amplamente discutidos na Assembleia Geral das Nações Unidas em 2005, porém um deles, o da Autoridade Competente, não foi aceito exatamente da forma estabelecida pelo relatório do ICISS. Como poderá ser visto na Tabela 1.
31
Tabela 1 Critérios para a justificação da intervenção de acordo com o relatório do ICISS.
Critérios
Autoridade
Competente
Em primeira instânciaa autonomia para tal decisão seriado Conselho de Segurança. Porém a comissão reconhece que, além das falhas deste no passado, o mesmo, muitas vezes é incapaz ou desinteressado no cumprimento de seu papel. Em tais situações a intervenção autorizada pela assembleia geral ou por organizações regionais teriam alto grau de legitimidade. Porém na resolução60/12005 World Summit Outcome, onde o R2P foi de fato aceito pela Assembleia Geral, e amplamente discutido, ficou acordado que a decisão caberia apenas ao Conselho de Segurança, em conformidade com os capítulos VII e VIII da carta, contando com o apoio das organizações regionais (ONU, 2005).
Causa Justa A intervenção militar deve estar limitada a situações onde existam: a) Perda de vida em larga escala, perda real ou a ameaça desta, com ou
sem a intenção de genocídio, sendo o produto de ação deliberada do Estado, negligência ou inabilidade do mesmo. Ou em situações de Estado falido.
b) Limpeza étnica em larga escala, seja real ou a ameaça da mesma, realizada por assassinatos, expulsões forçadas, atos de terror ou estupro.
Intenção
Correta
Neste caso as intervenções devem ter o foco em deter ou evitar o sofrimento humano. De acordo com o próprio relatório do ICISS Derrotar um regime não seria razão para invocar a doutrina do R2P.
Último
Recurso
A força deve ser o último recurso, o que não significa que a comunidade internacional deve, de fato, tentar todas as medidas antes da intervenção. Significa que se a comunidade internacional entender que em todas as circunstancias, as medidas tomadas não teriam sucesso, assim a intervenção seria justificável.
Meios
Proporcionais
A escala, duração e intensidade deve ser feita da forma mínima necessária para o sucesso da missão, ou seja, para assegurar a proteção. Porém, sabe-se que nem sempre esta possibilidade é real, e este tópico ainda é objeto de discussões tendo em vista que a intervenção não pode causar mais danos que o problema em foco. Isto leva também pensar as ações de acordo com o próximo tópico, que serve como complementar a este, a Prospecção Razoável.
Prospecção
Razoável
A ação militar é apenas justificável se tem chances reais de sucesso, ou seja, ela não aconteceria se a proteção não puder ser claramente alcançada, ou ainda, se existir as chances de as coisas piorarem. Se existir uma chance de as coisas piorarem, então esta intervenção não deveria acontecer
Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base no relatório do ICISS (2001), MASSINGHAN (2009) e na resolução 60/12005 World Summit Outcome (2005).
O que pode-se notar aqui é que o R2P é trabalhado como uma tentativa de
formulação, ou de institucionalização de um regime. Com o objetivo de proteger civis
na tentativa de eliminar ameaças a paz, o conceito pode se encaixar na moderna
concepção dos regimes de segurança. Segundo Robert Jervis (1982), Regimes de
Segurança ocorrem quando um grupo de Estados cooperam para administrar suas
disputas e evitar guerras escapando do dilema da segurança através de suas
32 próprias ações e pelo que esperam do comportamento dos demais. Segundo
Krasner:
Princípios são vistos como a crença nos fatos, causas e retidão; Normas são vistas como padrões de comportamento definidos em termos de direitos e obrigações; Regras são prescrições ou sanções para as ações; e Processos de Tomada de Decisão são as práticas de se fazer e implementar escolhas coletivas e prevalecentes11.” (Krasner, 1983. p. 186. Tradução nossa).
Nota-se que o R2P se encaixa nas concepções de Jervis, assim como nas de
Krasner como princípios, pois traz como seu principal objetivo a proteção e
manutenção da paz; como normas pois estabelecem comportamentos e obrigações
para os Estados; como regras, pois prescreve uma ação no caso de Estados que
não conseguem garantir a proteção como acordado; e por último, como processos
de tomadas de decisão, pois mostra como seria tomada a decisão de intervir através
dos critérios da responsabilidade de reagir.
No que diz respeito a estes critérios, há ainda a necessidade de se discutir algumas
questões. Um dos principais pontos seria o critério da intenção correta, pois seria
muito difícil saber qual é a real intenção de um Estado por trás de uma intervenção.
Não se pode ser ingênuo ao ponto de acreditar que um Estado seria altruísta e
investiria tantos esforços apenas para proteger cidadãos estrangeiros que estão em
situação de risco. Usar o discurso humanitário é muitas vezes um mero disfarce para
outro objetivo geopolítico. Porém não é uma prioridade do R2P trazer à tona tal
discussão, uma vez que busca trabalhar meios que garantam a proteção de civis
como seu objetivo principal. Na falta de evidencias sobre intenções contrárias ao
que diz o princípio, o que se entende é que o mesmo aceitaria a justificativa
humanitária em casos de causa justa, ou seja, quando a proteção se faz necessária.
Tendo em mente as questões apresentadas, resta então discutir sobre a efetividade
deste regime.Existem dúvidassobre a força das normas e a influência das mesmas
na ação dos Estados. Por isso é necessário entender o que levaria os Estados a
serem, ou não influenciados e o que os levaria a intervir ou deixar de fazê-lo.Para
isso, uma breve análise destes critérios em uma situação real se faz relevante para
11Principles are seen as beliefs of fact, causation or rectitude; Norms are seen as standards of behavior defined in terms of rights and obligations; Rules are specific prescriptions or proscriptions for actions; and Decision-MakingProcedures are the prevailing practices for making and implementing collective choices” (Krasner, 1983. p. 186)
33 checar a efetividade dos mesmos frente a uma situação de atrocidades em massa e
onde vidas são ameaçadas. Para tal foram escolhidos dois casos: o conflito da Líbia,
onde houve uma intervenção justificada nos princípios do R2P, e o conflito da Síria,
onde tal intervenção não foi realizada.
4.1 Os Critérios da Responsabilidade de Reagir e Sua Aplicação Vistos de Uma Forma Prática – Os Conflitos da Líbia e Síria.
4.1.1 – Aintervenção na Líbia
O conflito na Líbia aconteceu em 2011 e ainda no mesmo ano a intervenção foi
realizada. As tensões explodiram no início do mesmo ano após alguns protestos
que, em poucos dias, escalaram para uma enorme onda de violência. Insatisfeitos
com o ditador Gadhafi, manifestantes foram às ruas para clamar por mais
representatividade política, pois o ditador tratava de forma preferencial a sua tribo de
origem. Após a prisão de alguns ativistas dos Direitos Humanos, começaram-se as
manifestações, que também tiveram uma influência externa. Neste caso, os
protestos seguiam a onda dos levantes populares no mundo árabe, como a
insurreição na Tunísia e a rebelião no Egito.Na Líbia em poucos dias os que iam às
ruas começaram a usar bombas contra a polícia, que por sua vez os reprimia de
forma violenta. Este conflito rapidamente tomou grandes proporções e Gadhafi
ordenou que os protestos fossem esmagados, o que foi feito com o uso de
artilhariapesada e até mesmo exércitos mercenários estrangeiros (VIRA,
CORDESMAN e BURKE, 2011).
Devido às altas proporções do conflitoo Conselho de Segurança da ONU aprovou a
Resolução 1970 (2011) no mês seguinte ao seu início. A resolução condenava as
atrocidades cometidas pelo regime de Gadhafi e autorizava o uso de qualquer meio
necessário para a proteção de civis baseado nos princípios do R2P. Todos os
membros do Conselho de Segurança autorizaram a intervenção, com exceção da
Rússia e China, que se abstiveram de votar mas não bloquearam a ação.
34 A intervenção foi então executada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN). Mesmo após o início das operações, Gadhafi continuou com resistência
violenta, e ainda após sua retirada alguns de seus antigos aliados continuaram com
ataques.Porém a OTAN conseguiu conter o conflito e tomou o poder, passando-o
para o Conselho Nacional de Transição, órgão criado pelos rebeldes e reconhecido
como representante legítimo do povo. Ao final do conflito aproximadamente 30.000
pessoas morreram em ambos os lados da luta, outras 4.000 estavam desaparecidas
e cerca de 50.000 foram feridas. Além disso, outras 100.000 pessoas deixaram o
país para se abrigar em países vizinhos (VIRAet al, 2011).
Sobre a intervenção, Luke Glanville (2014), afirma que a disposição de todos os
membros do conselho de segurança em autorizar a proteção dos civis na Líbia
constituiu um marco na consolidação da norma do R2P. Segundo o autor:
Ficou claro que a resolução foi adotada pelos Estados primeiramente por causa do poder da ideia de que a comunidade internacional não poderia ficar parada enquanto um tirano matava civis como se fossem baratas, da maneira que Gadhafi disse que faria.É verdade que, como muitos autores já notaram, Estados tendem a não invocar explicitamente que a comunidade internacional tem a responsabilidade de proteger ao justificar a decisão de intervir. Entretanto, Estados foram certamente movidos a intervir, ou a não bloquear a intervenção, em grande parte pelo poder das ideias e normas de proteção humana relacionadas ao R2P, e é estranho que muitos acadêmicos não estão dispostos a reconhecer este fato mesmo que ainda não tenham oferecido uma alternativa plausível para a motivação dos Estados interventores12 (GLANVILLE, 2014, p. 45,tradução nossa).
Sabe-se que não foram apenas os princípiosdo R2P que moveram os Estados a agir
no caso da Líbia. Por mais que muitos autores afirmem que esta intervenção foi
pautada nos princípios do R2P e significou um grande marco para a afirmação dos
mesmos, Glanville deixa claro que os Estados foram “em grandeparte” influenciados
por tais princípios, o que significa que não foram totalmente levados à esta decisão
pelos mesmos. O autor afirma que vários fatores possibilitaram essa intervenção, e
um deles foi a Geopolítica, pois haviam interesses na derrubada do regime de
Gadhafi. Este fator, com certeza causaria questionamentos sobre esta intervenção,
12 It seems clear that this resolution was adopted by states primarily because of the power of the idea that the international community should not stand by while a tyrant kills civilians as though they are cockroaches, as Gadhaffi claimed he intended to do. It is true that, as many commentators have noted, states tended to explicitly invoke the idea that the international community has a “responsibility to protect” (R2P) when justifying the decision to intervene. Nevertheless, states were surely moved to intervene, or not to block intervention, in large part because of the power of ideas and norms of human protection related to R2P, and it is odd that so many scholars have been unwilling to acknowledge this even though they have suggested no plausible alternative motivation for intervening states (GLANVILLE, 2014, P. 45).
35 pois vai contra parte do critério da intenção correta dentro dos princípios do R2P,
mas vale lembrar que este não foi o principal interesse. Tendo em mente tais
discussões, seria interessante uma análise de cada ponto concernente à
responsabilidade de reagir para que se possa compreender se, de fato, a
intervenção na Líbia se encaixa nos princípios do R2P.
Tabela 2 A intervenção na Líbia com base nos critérios da Responsabilidade de Reagir.
Os critérios da Responsabilidade de Reagir e a intervenção na Líbia
Autoridade
Competente
Conflito autorizado pelo Conselho de Segurança da ONU com o apoio de organizações regionais imortantes, neste caso o Conselho de Cooperação do Golfo, Organização da Conferência Islâmica e da liga dos Estados Árabes (CARMENT e LANDRY, 2014; SISKIND, 2011; ZIFCAK, 2011).
Causa Justa Houveram ataques sistemáticos por parte do governo contra a população matando um grande número de pessoas o que caracterizava crime contra a humanidade, além dos ataques dos rebeldes que causou várias baixas (ZIFCAK, 2011).
Intenção
Correta
Pela aplicação da resolução 1970 nota-se que a intenção era a proteção de civis. Porém, muitos autores questionam essa posição e afirmam que a principal intenção da intervenção foi a derrubada do regime de Gadhafi, o que faria com que a intervenção perdesse sua legitimidade. Entretanto, a alegação dos Estados foi a proteção com base na resolução 1970, tornando-a plausível de acordo com o princípio da intenção correta.
Último
Recurso
Segundo Marry O’Connell (2011) não houve tentativas de meios pacíficos para a proteção de civis, por exemplo, tentativas de oferecer refúgio aos cidadãos fora das áreas conflituosas. Porém isso não significa que a intervenção não foi o último recurso. Por um lado Gadhafi afirmou que queria esmagar os rebeldes como se fossem baratas, e por outro, O’Connell afirma que os rebeldes não queriam qualquer tipo de negociação que levasse Gadhafi a abrir mão de seu governo em troca de anistia ou algum abrigo seguro em outro país.
Meios
Proporcionais
Segundo Gareth Evans (2012), este foi um dos mais controversos pontos neste caso, porém este afirma que o critério foi seguido, pois a força usada, por maior que fosse, derrotou as tropas de Gadhafi resultando em menos mortes. De acordo com a resolução 1970, foi aprovado o uso de qualquer meio necessário, o que inclui o uso da força, para acabar com as atrocidades.
Prospecção
Razoável
Neste caso, a missão conseguiu atingir seus objetivos na Líbia, o que, de acordo com Gareth Evans (2011) foi um grande avanço para o fortalecimento do conceito do R2P.
Fonte:Tabela elaborada pelo autor
O que se pode notar, no caso da Líbia, é que os critérios para a responsabilidade de
reagir foram seguidos. Ainda que possam ser criticados, principalmente quando se
fala da intenção daqueles que interviram, ou da proporcionalidade dos meios
usados, em última instância a aprovação da resolução 1970 significa que o objetivo
principal da intervenção foi o de acabar com as atrocidades em massa, dando menor
importância a qualquer objetivo secundário que pudesse estar por trás deste.
36 4.1.2 – O conflito da Síria
O conflito na Síria se iniciou nos primeiros meses 2011com as manifestações contra
o regime de Bashar Al Assad, que governao país há 14 anos. Os manifestantes
começaram a ser reprimidos com atos de violência, o que acarretou na escalada do
conflito que dura até os dias atuais com registros de graves violações dos direitos
humanos, tal como crimes de guerra, genocídio, deslocamento forçado de
população e outros. Segundo dados do Escritório das Nações Unidas para a
Coordenação de Assuntos Humanitários - United Nations Office for the Coordination
of Humanitarian Affairs (UNOCHA), mais 150.000 pessoas foram mortas desde
março de 2011 até maio de 2014. Além deste alto número de mortes há mais de
10.8 milhões de pessoas precisando de assistência humanitária. Destes, 6.45
milhões foram deslocados internamente pela violência e 4.6 milhões de pessoas em
necessidade de assistência vivem em áreas de conflito e de difícil acesso
(UNOCHA, 2014).
O ápice do conflito ocorreu em agosto de 2013, quando armas químicas foram
usadas contra civis em Ghouta, subúrbio de Damasco, matando mais de 1.400
pessoas segundo dados da ONU. Este episódio chocou a comunidade internacional
e causou ainda mais alertas quanto a gravidade da situação. Principalmente após os
vídeos que circularam na internet mostrando as vítimas, das quais grande parte
eram crianças. Os grupos da oposição disseram que tais ataques vieram por parte
do governo, este, por outro lado, negou o uso destas armas (CNN, 2013).
O apelo moral deste episódio trouxe à tona a dúvida sobre a necessidade de
intervenção naquele conflito e quem, de fato, seria o responsável pelo uso de tais
armas. Muitos se perguntaram porque a sociedade internacional não havia feito
nada para deter o regime, culpando o mesmo, outros atribuíramos ataques aos
rebeldes, dizendo que os mesmos queriam atrair atenção internacional para
conseguir apoio e envio de armas. O fato é que as armas foram usadas, o que
chegou a ser confirmado por um relatório da ONU13.Mais tarde, após várias
13Este relatório, além de comentado em vários sites de notícias internacionais,é resumido no site do Global Researsh (www.globalreseash.ca) e diz que o governo Sírio não tinha motivos para o uso de armas químicas e atribui a culpa aos rebeldes da oposição, dizendo que estes tinham capacidade e motivos para usar armas químicas, uma vez que queriam atrair atenção e simpatia internacional,
37 negociações entre os membros do Conselho de Segurança, a Síria e outros
membros da sociedade internacional, o governo Sírio abriu mão de tal armamento
químico.
Outro fator que chocou a comunidade internacional, causando grandes apelos para
a intervenção na Síria foram os números de crianças e adolescentes envolvidos no
conflito. De acordo com o relatório do Grupo de Pesquisas de Oxford (Oxford
Research Group) liberado no final de agosto de 2013, grande parte das baixas no
conflito são de crianças e adolescentes de até 18 anos. Até então haviam morrido
113.735 pessoas das quais 11.420, tinham até 18 anos, o que totaliza 10% das
mortes(DARDAGAN; SALAMA, 2013).
De acordo com o relatório, as principais causas das mortes infantis foram
explosivos, matando 7.557 (71% do total de crianças mortas); bombardeios aéreos
foram responsáveis pela morte de 2.008 crianças; armas menores totalizaram 2.806
mortes das quais 764 foram casos de execução sumária, e 389 mortas por
atiradores de elite. Dentro deste número encontram-se também 128 crianças que
morreram no ataque com armas químicas em Ghouta, além de 112 casos de
crianças de várias idades sendo torturadas. Estes casos com certeza causaram
preocupação na comunidade internacional(DARDAGAN; SALAMA, 2013).
Além do que já fora citado, existe o problema do conflito regional. Há um medo a
respeito do transbordamento deste conflito, uma vez que o fluxo migratório para fora
do país é alto. Segundo dados da ONU cerca de 3.2 milhões de pessoas deixaram a
Síria, e foram para países vizinhos. Além disso, vários ataques acontecem em
cidades muito próximas às fronteiras, o que causa preocupação nos mesmos
(UNOCHA, 2014).
Os princípios do R2P afirmam que em primeira instância é o Estado quem deveria
garantir a proteção aos civis. Porém, tendo em mente o que fora citado sobre o
conflito, pode-se dizer que esta não é uma das possibilidadesneste caso. Então,
caberia a sociedade internacional intervir a fim de deter as graves violações ao
direitos humanos que ali acontecem. Esta seria a situação ideal para aqueles que
prezam a defesa dos direitos humanos, porém a intervenção não aconteceu e a
além de tirar o foco de outras investigações prévias sobre o uso de armas químicas (DARDAGAN e SALAMA, 2013).
38 situação na Síria continua grave. Então surge uma dúvida a respeito desta falha em
agir, pois não se sabe ao certo o porquê desta possível negligência. Caberia então
analisar, dentro dos critérios da responsabilidade de reagir, se a intervenção na Síria
seria justificável ou não, e então tentar descobrir o porquê da não intervenção
naquele local.
Tabela 3 Os critérios da responsabilidade de reagir e o caso da Síria.
Os critérios da Responsabilidade de reagir e o caso da Síria
Autoridade
Competente
O Conselho de segurança não tomou nenhuma ação de intervenção baseada em princípio algum, a não ser na questão diplomática em persuadir a Síria a abrir mão das armas químicas, liderada pelos EUA. Mas claramente este seria o responsável. Porém este não age pois enfrenta problemas internos devido ao uso do poder de veto por parte de um grande aliado da Síria, a Rússia (AARONSON, 2014).
Causa Justa No caso da Síria esta não seria uma análise difícil de ser feita, pois em pouco mais de três anos um número de mais de 150.000 pessoas mortas em um conflito poderia ser considerado uma perda em larga escala. Além disso pode ser levada em conta a expulsão de civis devido ao conflito, que já somam 6.45 milhões internamente e os 3.2 milhões que deixaram o país e agora são refugiados em territórios vizinhos. Quando se fala em genocídio e limpeza étnica, a questão da larga escala não é quantificada, porém a possibilidade de ação para evita-la é real quando há evidências de que isso posa ocorrer, pois sem este mecanismo seria sempre necessário esperar que um genocídio acontecesse antes de tomar qualquer ação(EVANS e SAHNOUN, 2002).
Intenção
Correta
Se a questão a ser colocada em jogo fosse a proteção aos civis, ou seja, a questão moral, a intervenção seria justificável, pois o propósito inicial de uma intervenção, segundo o relatório, deve ser o de evitar ou eliminar o sofrimento humano. Porém pode-se criticar esta posição, pois sabe-se que aqueles que apoiam a intervenção também apoiam a retirada de Assad do poder, o que neste caso descaracterizaria a intenção correta. No entanto, em última instância, os Estados alegariam a proteção como o principal motivo para a intervenção, ou seja, ela seria justificável.
Último
Recurso
Neste caso a intervenção não foi realizada. Segundo James Pattinson (2014), O documento do ICISSdeixa claro que a força deve ser usada quando os meios pacíficos se mostram inadequados, assim como foi enfatizado no documento2005 World Summit a necessidade de desenvolver opções de interferências não violentas e a prevenção. Porém, o que se entende aqui é que nenhum destes casos tem sido aplicados à Síria. Porém, visto que a possibilidade de algum meio pacífico funcionar nesta situação é remota, assim seria mais fácil justificar uma intervenção.
Meios
Proporcionais
O que pode ser notado aqui é que no caso da Síria este princípio não serve como base de análise, pois não houve a intervenção militar e o conflito continua a acontecer. Quantificar a força que poderia ser usada não faz parte dos objetivos do presente trabalho.
Prospecção
Razoável
E este é um dilema quando se fala da intervenção na Síria e poderia ser um dos motivos pelos quais alguns estados não se esforçaram em intervir, uma vez que poderia causar ainda mais problemas.
Fonte: Tabela elaborada pelo autor
O que se nota a partir do que foi apresentado na tabela 3 é que a intervenção na
síria, se justificada pela responsabilidade de reagir, poderia ter acontecido. É claro
39 que não se pode tomar os dois últimos critérios como forte base de análise, uma vez
que a intervenção não chegou a acontecer, e estes são critérios de ação. Entretanto
pode-se dizer que seria uma causa justa, devido ao altonúmero de civis mortos,
deslocados ou que estão em situação de risco.
Assumindo que uma intervenção fosse acontecer com o intuito de proteger estas
pessoas, a mesma se encaixaria no princípio da intenção correta. Assim caberia
apenas ao Conselho de Segurança, diante desta clara ameaça à paz, usar de
qualquer meio necessário para eliminar o problema. Caso nenhuma solução pacífica
fosse alcançada, o que tem se provado realidade devido ao longo tempo de duração
do conflito, o Conselho de Segurança deveria analisar o critério da prospecção
razoável para ver se uma ação deste seria de fato efetiva. Então, idealmente, a
próxima ação seria buscar aplicar os meios proporcionais a fim de acabar com o
conflito e as atrocidades em massa.
4.1.3 – Líbia e Síria – Incerteza sobre a aplicabilidade da norma frente à não intervenção.
Os conflitos da Líbia e da Síria levantam alguns questionamentos a respeito da
intervenção, mais precisamente, sobreos princípios do R2P. O fato de a interferência
ter acontecido na Líbia deu forças ao conceito, porém dúvidasquanto a sua
efetividadesurgiram pela falta de ação do Conselho de Segurança no caso da Síria.
Este conflito tem proporções muito maiores que o da Líbia, e traz em seu histórico
casos de crimes contra a humanidade comprovados, como o uso de armas
químicas, e ainda assim nada foi feito. É preciso entender o que levaria os Estados a
decidir intervir ou não, uma vez que na Líbia essa decisão foi tomada de forma tão
rápida e logo posta em prática, e no caso da Síria, o Conselho de Segurança não
consegue chegar a um acordo. Este empasse demonstra que há algum problema,
seja com as normas existentes e sua capacidade de moldar as ações dos Estados,
ou simplesmente a questão do interesse destes Estados, uma vez que as normas se
demonstram claras e as evidencias sobre as quais poderiam ser aplicadas são de
conhecimento dos membros do Conselho e da comunidade internacional em geral.
40 Sobre as normas, uma das dúvidas se encontra na questão da intenção correta.
Segundo Michael Aaronson (2014), os países aliados na intervenção da Líbia
estavam preparados para irem à guerra para derrubar o regime de Gadhafi. Esta,
como se pode notar, é uma das controvérsias sobre o uso do R2P como justificativa
para a intervenção, pois a própria norma dizque a derrubada de um regime não se
encaixaria no parâmetro da intenção correta. Porém, para sanar esta dúvida,pode-se
dizer que,exceto este problema todos os outros critérios se faziam cumprir.As
atrocidades estavam sendo cometidas e precisavam ter um fim, e este foi o principal
argumento da intervenção.
Como já fora discutido, não se pode saber exatamente quaissão as intenções dos
Estados ao intervirem, e é claro que o altruísmo puro não seria uma delas. Siskind
(2011), ao falar sobre a vontade dos países aliados em derrubar o regime de
Gadhafi, questionou se a intervenção obteria algum sucesso significativo caso o
regime não fosse derrubado. O que pode ser entendido aqui é que seria quase
impossível para a coalisão sairda Líbia após a campanha se Gadhafi continuasse no
poder, pois não haveria garantia de que os civis continuariam sendo protegidos, o
que faria com que a intervenção perdesse sua efetividade.
Esta é uma das grandes diferenças entre o conflito da Líbia e da Síria. Aaronson
(2014) afirma que os Estados não estão preparados para fazer na Síria o que
fizeram na Líbia, pois Gadhafi não tinha aliados, o que é o oposto de Assad, que tem
vários, inclusive a Rússia. Uma intervenção na Síria provavelmente faria com que
fosse necessária a derrubada do regime, ainda que isso fosse contra o critério da
intenção correta, não haveria como garantir que os sírios fossem protegidos se
Assad continuasse no poder. Assim, Rússia, com seu poder de veto, e aliada de
Assad, faz com que exista um empasse no conselho de segurança e conta com o
apoio da China, que neste momento se encontra na posição de forte aliado russo.
Thomas Weiss afirma que “Não foram as normas do R2P, mas a Geopolítica e a
covardia coletiva que explica a ação na Líbia e Não ação na Síria14” (WEISS, 2014,
p. 35, tradução nossa).
Percebe-se que as questões geopolíticas tiveram uma interferência direta nestes
dois casos. Outro fator, ligado ao critério da autoridade competente, é o apoio de 14“It was not R2P norm, but rather Geopolitics and collective spinelessness that explain action in Libya and inaction in Syria” (WEISS, 2014, p. 35).
41 organizações regionais. O órgão responsável por esta decisão seria o Conselho de
Segurança,em acordo com os capítulos VII e VIII da carta, e com o apoio de
organizações regionais. Porém, segundo Carment e Landry (2014), para que ação
seja tomada em tal crise, instituições multilaterais como a ONU requerem suporte de
organizações regionais e, particularmente, dos membros permanentes do Conselho
para legitimar e colocar em prática resoluções fortes.No caso da Líbia esta ajuda de
fato aconteceu, pois, ainda segundo a intervenção no conflito da Líbia teve apoio de
organizações regionais muito relevantes na região. Sem o suporte destes atores
importantes a intervenção da OTAN na Líbia provavelmente não teria acontecido.
Em contra partida, no caso da Síria, devido aos muitos interesses envolvidos, este
apoio tem sido muito mais difícil, e apenas uma organização, a Liga dos estados
Árabes, tem dado algum apoio com a suspensão da filiação da Síria e o
reconhecimento da legitimidade da Coalisão Nacional da Oposição Síria.Esta
coalisão também foi reconhecida pelo Conselho de Cooperação do Golfo (GCC).
Ainda assim nota-se que este apoio não tem sido suficiente, pois não teve forças
para incentivar uma intervenção. Novamente percebe-se os objetivos Geopolíticos
envolvidos, pois a falta de apoio destas organizações significa que muitos interesses
estariam em jogo, principalmente quando são levados em consideração os aliados
da Síria. Assim os valores morais dos princípios d R2P dão lugar a outros interesses
dos estados (CARMENT; LANDRY, 2014).
Outro fator a ser levado em contaé a questão dos problemas ao intervir. Segundo
Glanville (2014), os problemas na intervenção da Líbia certamente influenciaram nas
decisões sobre a Síria. Houveram vários questionamentos sobre a forma na qual a
OTAN interveio na Líbia, e isso certamente influenciou na resposta do Conselho de
Segurança em relação à Síria. Muitos argumentam que a intervenção na Líbia
causou mais malefícios que benefícios, porém o que deve ser levado em
consideração é que ainda assim o conflito foi parado, e assim o regime de Gadhafi
não causaria maiores danos como já vinha fazendo. Em última instancia, isto
cumpre o objetivo de usar todos os meios necessários para a proteção.
Segundo Marry O’Connell (2011), a intervenção na Líbia não foi claramente o último
recurso a ser aplicado. Segundo a autora não houve tentativas de meios pacíficos
para a proteção de civis, por exemplo, tentativas de oferecer refúgio aos cidadãos
fora das áreas conflituosas. Além disso, a autora afirma que a coalizão atuou como o
42 exército da rebelião pela instauração de um novo regime.Este fato, porém, não quer
dizer que o caso da Líbia não se aplica aos princípios do R2P. Deve-se lembrar que
este parâmetro do último recurso não significa que todos os meios diplomáticos para
se evitar um conflito devem ser tomados um a um, uma vez que pode não haver
tempo para tal, ou pode-se chegar à conclusão de que nenhum deles seria, de fato,
efetivo.
Estes questionamentos sobre a intervenção na Líbia podem ser uma das causas
que levaram os membros do Conselho de Segurança a não atuarem com mais
firmeza em prol da intervenção na Síria. Porém, por mais que outros meios pacíficos
não tenham sido aplicados, o que foi motivo de condenação por alguns atores, sabe-
se que estes meios não seriam eficazes. Se por um lado, Gadhafi afirmou que
queria esmagar os rebeldes como se fossem baratas e não estaria aberto a
discussões. Por outro, O’Connell (2011), afirma que os rebeldes não queriam
qualquer tipo de negociação que levasse Gadhafi a abrir mão de seu governo em
troca de anistia ou algum abrigo seguro em outro país. Assim pode-se dizer que, ao
contrário do que afirmou O’Connell, a intervenção na Líbia foi, de fato, o último
recurso, o que traria crédito à norma do R2P.
Segundo James Pattinson (2014), o relatório 2005 World Summit deixou claro que a
força deve ser usada quando os meios pacíficos se mostram inadequados. Ficou
clara também a ênfase em desenvolver as opções de interferências não violentas
assim como a prevenção. Porém, o que se entende aqui é que nenhum destes
casos tem sido aplicados à Síria. Segundo Aaronson (2014), Colocando de lado o
fato de que a comunidade internacional, mais precisamente os Estados Unidos,
conseguiu tomar atitudes que fizessem a Síria abrir mão dos programas de armas
químicas, ainda não se vê um esforço tão grande por parte dos Estados em acabar
com o conflito, a não ser de algumas organizações internacionais de viés
humanitário.
O fato é que se no caso da Líbia o Conselho de Segurança pode dar atenção às
questões morais e decidiu agir rapidamente pela falta de interesse geopolítico, e no
caso da Síria acontece exatamente o contrário, pois um dos membros permanentes
do Conselho, a Rússia, é um forte aliado de Assad e possui grandes interesses
geopolíticos naquela região e continuará usando seu poder de veto. Assim, um
acordo dentro do conselho de segurança sobre a intervenção na Síria se torna algo
43 difícil. Então, provavelmente, ainda é cedo para julgar a efetividade das normas do
R2P, pelo menos com base neste caso. Não apenas isso, mas também deve-se
levar em conta que, como afirmou Philip Cunliffe (2014), o relatório do ICISS sugere
que se existir a probabilidade de uma intervenção causar ainda mais destruição,
esta deverá ser evitada. E com certeza, esta possibilidade não pode ser ignorada
por quem defende uma intervenção na Síria.
5 – Conclusão
Nota-se que o que as concepções a respeito da proteção e dos Direitos Humanos se
desenvolvem historicamente como consequência de lutas contra o próprio
sofrimento e degradação humana, e são também a causa de grandes avanços
sociais. Da mesma forma, o conceito de soberania foi historicamente se
desenvolvendo até chegarao ponto que se conhece hoje, com uma maior
relativização do mesmo, altamente influenciada pelos Direitos Humanos.Assim
também aconteceu com o princípio da não intervenção, principalmente no período
pós guerra fria. Após este período fortalece-se a ideia de intervenção em conjunto, e
olhando para as intervenções realizadas, pode-se perceber que até mesmo o
desenvolvimentodestas discussões se deu de forma histórica, baseada em
acontecimentos como Ruanda, Kosovo e outros. E assim, como parte deste
desenvolvimento histórico, surgiram as questões a respeito da responsabilidade do
Estado frente à sua população e a comunidade internacional, e também desta última
frente a questões que configuram ameaça à paz.
Na tentativa de estabelecimento de um regime internacional regulamentáriopara a
intervenção, a Comissão Internacional Sobre Intervenção e Soberania Estatal
(ICISS) buscou criar, com seu relatório em 2001, um conjunto de princípios, normas,
regras e um processo de tomada de decisões em torno da intervenção
humanitária,conhecidos como a Responsabilidade de Proteger (R2P).Nota-se,
então, que o R2P se encaixa dentro da visão de regimes de Krasner, ainda que
desacreditado por muitos como tal devido à falta de influênciano caso da Síria, pode-
se perceber que em sua definição, Krasner (1982, p.185), além de mencionar os
pontos citados acima, diz que são processos em torno dos quais “convergem as
44 expectativas dos atores em uma determinada área das relações internacionais”.
Olhando para esta última parte, percebe-se que o fato não ter ocorrido uma
intervenção na Síria, ou seja, a expectativa não foi cumprida, não significa que o
R2P não possa ser visto como um regime. Fica claro, nesta parte específica da
definição, que as expectativas dos Estados convergemem torno de uma
determinada área, mas não está explícito que elas serão de fato cumpridas, afinal
são expectativas, o que não significa que são vias de regras que os estados
seguirão em todas as situações. Afinal quando o Interesse de um Estado está em
jogo, como um ente soberano, ainda não há nada no sistema internacional que o
obrigue a agir de uma determinada maneira, mesmo que este esteja ciente das
consequências de seus atos.
Ainda, vendo de forma mais ampla, pode-se notar que os princípios do R2P, podem
ser vistos como parte de um regime ainda maior, o Regime Internacional dos
Direitos Humanos. Como já fora analisado anteriormente, os Direitos Humanos são
de fato um regime internacional, possuindo até mesmo mecanismos de enforcement,
sobre os quais as expectativas dos Estados não apenas convergem, mas de fato
são cumpridas, salvo algumas exceções. Assim o R2P pode ser visto como uma
tentativa ampla da formulação de mecanismos de enforcement que regulamentam a
intervenção dentro do regime de Direitos Humanos. O R2P seria então um tipo de
regime específico em baixo do guarda-chuvas dos Direitos Humanos, funcionando
como um braço deste.
Sobre a efetividade deste regime, provavelmente ainda é cedo demais para uma
discussão. Assim como o desenvolvimento da noção de soberania, das discussões
sobre intervenção e Direitos Humanos se deu de forma histórica, o mesmo
acontecerá com o R2P, podendo este obter êxito em suas premissas ou
simplesmente ser obsoletado e substituídopor outra discussão. O fato é que analisar
esta efetividade segundo o caso da Síria não seria a melhor opção devido aos
muitos interesses envolvidos em torno da decisão de não intervir e, em grande parte,
a ineficácia do Conselho de Segurança da ONU em cumprir seu papel.
Esteproblemaéresultado da inabilidade dos membros permanentes em seguir
normas deixando de lado seus interesses geopolíticos, o que leva a discussão de
volta ao realismo deixando o peso moral, não apenas afastado, mas possivelmentea
serviço dos interesses destes estados. Este fatofica comprovado pela prontidão do
45 Conselho de Segurança em agir no caso da Líbia, onde os interesses geopolíticos
de membros permanentes não eram tão relevantes como são na Síria. Neste caso a
Rússia, e em parte, a China por ser forte aliado deste último. Vale notar que estes se
abstiveram de votar no caso da Líbia, o que demonstra uma posição clara, a de que
mesmo se não quisessem intervir, não tinham interesses geopolíticos naquela
região, portanto mantiveram a harmonia com os demais membros do conselho, o
que é visto como um interesse. Por outro lado pode-se ver os outros membros
permanentes do Conselho de Segurança tentando levantar a bandeira do
universalismo ocidental às custas da derrubada de regimes.
É fato que a cooperação é o instrumento que dá mais forças aos movimentos de
proteção aos Direitos Humanos, e consequentemente, a intervenção humanitária de
modo geral. Estes movimentos deveriam seguir os parâmetros da Carta da ONU
onde o Conselho de Segurança determinaria sobre qualquer ameaça à paz e agiria
em conjunto com outras organizações regionais. Porém uma reforma no processo
decisório do conselho se faz necessária, e é neste sentido que o R2P poderia ser
extremamente útil. Olhando para os princípios do R2P como uma tentativa
elaborada por acadêmicos para regulamentar a intervenção, trabalhar os critérios
para a realização da mesma estabelecidos por estes princípios poderia ser um bom
parâmetro para o processo de tomada de decisão dentro do Conselho de
Segurança, o que poderia trazer um maior grau de efetividade, facilitando a
cooperação e dando mais forças ao sistema internacional de proteção aos Direitos
Humanos.
46
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