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Racionalidades e Práticas na Gestão Pedagógica: O Caso do Director de Turma 1 RACIONALIDADES E PRÁTICAS NA GESTÃO PEDAGÓGICA O CASO DO DIRECTOR DE TURMA Autor: Virgínio Sá. ISBN: 972-8353-29-4 Edição: Instituto de Inovação Educacional Colecção Ciências da Educação 1ª edição (Novembro de 1997) Índice AGRADECIMENTOS ............................................................................................................................... 3 PREFÁCIO ............................................................................................................................................... 4 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................... 7 1. Razões de uma escolha ............................................................................................................... 7 2. Definição de uma pergunta de partida ....................................................................................... 8 3. Formulação de um corpo de hipóteses ...................................................................................... 9 4. Breves considerações em torno das teorias organizacionais ............................................... 10 5. Uma focalização plural ............................................................................................................... 13 6. Algumas considerações metodológicas .................................................................................. 14 6.1 As entrevistas ........................................................................................................................ 16 6.2 O inquérito por questionário .................................................................................................. 18 6.3 A análise de documentos ...................................................................................................... 20 6.4 Observação não participante ................................................................................................. 21 7. Os limites do trabalho ................................................................................................................ 22 8. Organização do trabalho ............................................................................................................ 23 CAPÍTULO I - DO DIRECTOR DE CLASSE AO DIRECTOR DE TURMA: CONTINUIDADES E RUPTURAS ...................................................................................................................................... 24 1. A emergência do cargo de director de classe ......................................................................... 24 2. A reforma de Carneiro Pacheco e a criação do cargo de director de ciclo .......................... 37 3. A emergência da escola de massas e a criação do cargo de director de turma .................. 44 3.1 O Director de turma e a «gestão democrática» ..................................................................... 50 3.2 A direcção de turma nos documentos da Comissão de Reforma do Sistema Educativo (CRSE) ................................................................................................................... 54 3.3 A direcção de turma no novo regime jurídico de direcção, administração e gestão escolar (Dec- lei nº 172/91) .................................................................................................... 55

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    RACIONALIDADES E PRTICAS NA GESTO PEDAGGICA O CASO DO DIRECTOR DE TURMA Autor: Virgnio S. ISBN: 972-8353-29-4 Edio: Instituto de Inovao Educacional Coleco Cincias da Educao 1 edio (Novembro de 1997)

    ndice

    AGRADECIMENTOS...............................................................................................................................3

    PREFCIO...............................................................................................................................................4

    INTRODUO.........................................................................................................................................7

    1. Razes de uma escolha ...............................................................................................................7

    2. Definio de uma pergunta de partida .......................................................................................8

    3. Formulao de um corpo de hipteses......................................................................................9

    4. Breves consideraes em torno das teorias organizacionais...............................................10

    5. Uma focalizao plural ...............................................................................................................13

    6. Algumas consideraes metodolgicas ..................................................................................14

    6.1 As entrevistas ........................................................................................................................16 6.2 O inqurito por questionrio ..................................................................................................18 6.3 A anlise de documentos ......................................................................................................20 6.4 Observao no participante.................................................................................................21

    7. Os limites do trabalho ................................................................................................................22

    8. Organizao do trabalho............................................................................................................23

    CAPTULO I - DO DIRECTOR DE CLASSE AO DIRECTOR DE TURMA: CONTINUIDADES E RUPTURAS ......................................................................................................................................24

    1. A emergncia do cargo de director de classe .........................................................................24

    2. A reforma de Carneiro Pacheco e a criao do cargo de director de ciclo ..........................37

    3. A emergncia da escola de massas e a criao do cargo de director de turma..................44

    3.1 O Director de turma e a gesto democrtica.....................................................................50 3.2 A direco de turma nos documentos da Comisso de Reforma do Sistema

    Educativo (CRSE)...................................................................................................................54 3.3 A direco de turma no novo regime jurdico de direco, administrao e gesto

    escolar (Dec- lei n 172/91) ....................................................................................................55

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    CAPTULO II - A ESCOLA COMO ORGANIZAO............................................................................59

    1. A escola como organizao.......................................................................................................59

    1.1 Diferentes acepes de organizao ....................................................................................60

    2. Algumas consideraes sobre a estrutura das organizaes educativas ...........................63

    2.1 A estrutura luz dos modelos formais ..................................................................................63 2.2 A estrutura luz dos modelos democrticos.........................................................................72 2.3 A estrutura luz do modelo poltico ......................................................................................76 2.4 A estrutura luz dos modelos subjectivos ............................................................................82 2.5 A estrutura luz dos modelos da ambiguidade.....................................................................85 2.6 A estrutura luz do modelo institucional ...............................................................................87

    CAPTULO III - A DIRECO DE TURMA NA ESCOLA ALFA...........................................................96

    1. Caracterizao geral da escola Alfa: Uma liderana marcante numa histria breve. .........96

    2. A direco de turma na escola ALFA........................................................................................98

    2.1 O director de turma de "importncia vital" ..........................................................................98 2.2 A direco de turma: uma estrutura "centrada no aluno"....................................................100 2.3 A direco de turma: o exerccio de tarefas burocrtico-administrativas............................103 2.4 O director de turma: "Um amigo/confidente"? .....................................................................108 2.5 A aco do director de turma: Uma prtica orientada para o "cliente"?..............................109 2.6 Ser designado director de turma- prmio ou castigo?.........................................................111 2.7 Para alm dos discursos: a face oculta do director de turma. ............................................122 2.8 O director de turma como coordenador dos professores da turma: do mito realidade....129 2.9 A importncia do director de turma e a "ideologia do handicap sociocultural" ....................133

    CONCLUSO......................................................................................................................................141

    BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................148

    ANEXOS ..............................................................................................................................................160

    NDICE DE QUADROS........................................................................................................................171

    NDICE DOS GRFICOS ....................................................................................................................172

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    AGRADECIMENTOS

    Manifesto a minha profunda gratido ao Professor Doutor Licnio Lima, na sua dupla qualidade de docente e orientador, no apenas pelos conselhos e crticas oportunas, mas tambm pelo estmulo e disponibilidade que sempre me dispensou.

    Agradeo igualmente a todos os restantes docentes do mestrado pela oportunidade que me proporcionaram de participar em debates estimulantes e enriquecedores, permitindo-me aceder a territrios para mim antes completamente desconhecidos.

    Agradeo a todos os colegas do Mestrado com quem tive a oportunidade de viver algumas experincias particularmente gratificantes pautadas por uma convivialidade saudvel e por um grande esprito de cooperao.

    Agradeo aos meus colegas do grupo disciplinar de Sociologia da Educao e Administrao Educacional que, das formas mais diversas (e foram muitas), me ajudaram a estruturar um percurso de investigao e, simultaneamente, numa manifestao de um esprito de solidariedade notvel, me libertaram, no momento mais exigente da investigao, de parte das minhas obrigaes lectivas.

    Quero tambm agradecer ao conselho directivo e a todos os restantes docentes da escola em que desenvolvi o trabalho de campo. Durante vrios meses aceitaram a minha presena na escola e dispensaram-me muito do seu tempo compartilhando comigo algumas das suas experincias profissionais mais intensamente vividas. A todos eles estou reconhecidamente grato.

    Termino agradecendo e dedicando este trabalho aos meus Pais, por razes que me dispenso de explicitar; Olivia, que durante meses a fio assumiu s o que de direito tarefa e responsabilidade de dois; e Ana Cludia, perante quem me penitencio pelas muitas "histrias" que ficaram por contar.

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    PREFCIO

    Num contexto tradicionalmente marcado por uma administrao centralizada do sistema de ensino, a excessiva normativizao e a hiper-regulamentao que se abatem praticamente sobre todas as matrias de carcter organizacional, administrativo e pedaggico, tm pelo menos a vantagem de assinalarem, aos olhos do investigador, a maior ou menor centralidade e a relevncia poltica e administrativa que, historicamente, foi sendo conferida a certas reas.

    Congruentemente, e luz desta tradio normativista e tcnico-burocrtica, certas questes revelam-se tanto mais importantes quanto mais cedo, de forma mais constante e recorrente, ou detalhada em termos normativos e regulamentares, podem ser identificadas.

    A institucionalizao de modos de organizao administrativa e pedaggica das escolas, ocorrendo atravs da longa durao, por aces de produo e de reproduo, propicia de certa forma o esbatimento e a naturalizao dos momentos e das fases, dos actores e dos processos de construo, dos projectos e das razes, que num dado momento podemos encontrar associados a determinadas configuraes e solues organizacionais concretas.

    H coisas que so o que so no por no poderem ter sido, ou virem a ser, coisas diferentes, mas antes por que nos parecem inquestionveis ou pelo menos aceitveis (e so-no exactamente por que parecem s-lo), tanto mais quanto desconhecemos a sua gnese e genealogia, esquecemos o seu carcter construdo e arbitrrio, as representamos como constitutivas e estruturais, como pr-requisitos ou solues a priori absolutamente indispensveis ao curso da aco pedaggica organizada. E, no entanto, havia certamente solues alternativas, como de resto ocorre sempre na aco, tambm de cada vez que reproduzimos, ou no, as regras e as solues normativamente disponveis.

    O carcter construdo e convencional das estruturas organizacionais e das solues administrativas chega a ser de tal forma esbatido, por fora da sua institucionalizao e normativizao, que no s a prpria ideia de soluo contingente, de deciso ou escolha alternativa que sai diluda, mas tambm a possibilidade de articular, retrospectivamente, uma dada soluo com um dado problema. Conhecemos a soluo, mas (j) ignoramos o problema a que essa soluo foi outrora ligada, ou articulmo-la com novos problemas emergentes.

    Frequentemente, torna-se mais fcil associar problemas a uma dada soluo, isto , identificar problemas decorrentes de uma dada escolha ou preferncia normativamente produzida e reproduzida, ou mesmo por ela engendrados, do que o inverso, ou seja, identificar e reconstituir os problemas originais, passados, que estiveram na base, ou serviram como legitimao, de uma dada deciso/soluo.

    E para o admitirmos, no plano terico, no sequer necessrio adoptarmos a perspectiva radical que nos proposta pela metfora, insinuante mas perturbante, dos modelos de deciso do tipo "garbage can", formulada por Cohen, March e Olsen em 1972. De facto, outras focalizaes dos processos de tomada de deciso destacaram, a seu tempo, o carcter construdo dos problemas e das solues e, posteriormente, a possvel articulao dbil entre uns e outros, ou at mesmo o carcter retrospectivo e de legitimao a posteriori dos primeiros face aos segundos (por exemplo a partir dos trabalhos de Karl Weick).

    As crticas formuladas s teorias de deciso tcnico-racional, pretensamente neutras e superiores em termos instrumentais, assim legitimando a criao de certas estruturas com base na sua eficcia ou eficincia e por essa via explicando a sua eventual manuteno, saram reforadas no s pelos modelos da ambiguidade, mas tambm pelas abordagens tericas de tipo poltico e estratgico, cultural e subjectivo, e pelas perspectivas analticas (neo)institucionais.

    Estas abordagens contriburam, atravs de variados processos e argumentaes, para a superao dos limites evidenciados pelas crticas baseadas nas dificuldades de clculo e de antecipao, expressos no conceito de "racionalidade limitada" proposto por Herbert Simon, cruzando-se preferencialmente com o, tambm seu, conceito de "racionalidade de satisfao" mas sobretudo alargando o seu mbito e explorando as dimenses polticas, estratgicas, culturais e institucionais, valorizando distintos modos de racionalidade e o estudo dos choques entre racionalidades distintamente ancoradas.

    Na anlise dos fenmenos organizacionais este movimento conceder, compreensivelmente,

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    um renovado protagonismo ao estudo da aco, sobretudo a partir dos anos 70, destacando-se entre outros os trabalhos de Charles Perrow e de David Silverman, e actualmente um vasto conjunto de abordagens em que visvel um tambm renovado interesse pela obra de Max Weber, bem como a influncia dos trabalhos de Anthony Giddens, com destaque para a sua teoria da estruturao ( a propsito destas influncias veja-se, entre ns, a recente tese de doutoramento de Manuel Sarmento). Tambm as perspectivas de anlise (neo)institucionais tm participado deste movimento, no obstante a grande diversidade de pontos de vista que possvel reconhecer sob aquela designao e a sua procura, intencional, de novas articulaes e confluncias entre distintas abordagens tericas.

    Estes factos fazem das anlises (neo)institucionais, e particularmente no caso das organizaes educativas, referncias incontornveis no estudo da aco pedaggica organizada, ainda quando se revelam difceis e exigentes em termos de convocao, face aludida diversidade e ao carcter recente de uma produo terica nem sempre fcil de reconhecer, e de reconstituir, em termos de identidade e at de unidade terica e conceptual. Trata-se, em todo o caso, de dificuldades muito estimulantes e potencialmente produtivas, especialmente quando os exclusivismos de orientao terica so substitudos por tentativas de cotejo e de dilogo entre distintas perspectivas e focalizaes, como sucede no caso do trabalho de Virgnio S agora publicado.

    Com efeito, este exerccio de procura de interseces tericas, simultaneamente arriscado e ponderado, revela-se suficientemente compensador, seja em termos de auto-formao do investigador, seja tambm pelas novas formas de interrogar as realidades educativas de um ponto de vista organizacional, de que o estudo das estruturas das organizaes educativas empreendido neste trabalho elucidativo.

    Neste sentido, a investigao levada a cabo por Virgnio S no mbito do Mestrado em Educao, especialidade de Administrao Escolar, que submeteu como tese Universidade do Minho em finais de 1995, particularmente devedora de um certo pluralismo teortico, mas que de facto concede um relativo protagonismo s abordagens de tipo (neo)institucional. Diria mesmo que a originalidade que lhe reconheo na forma como aborda a direco de turma, como constri o seu problema de investigao, questiona as prticas e procura concluses, sem dvida beneficiria de um modo de pensar e de questionar a organizao escolar de tipo institucionalista. Desde logo a partir da pergunta inicial com que se confronta e da hiptese de trabalho que formula.

    Ao admitir, e mesmo ao explorar, um conjunto de inconsistncias entre os objectivos formais prescritos para a interveno do director de turma e as prticas efectivamente actualizadas em contexto organizacional, o autor no se limita a constatar tais inconsistncias nem se orienta no sentido, que entre ns tem sido to frequente, de propor qualquer redefinio normativa, ou, ao contrrio, de propor uma adequao das prticas aos textos, mas antes questiona as racionalidades e os sentidos das orientaes e das aces e parte em busca das razes no oficiais da importncia formalmente e no formalmente atribuda ao director de turma.

    esta postura que lhe permite o enunciado de uma hiptese nuclear muito interessante, desvinculando-se da orientao mais comum que tem insistido no facto de o director de turma desempenhar funes que, na prtica, ficam muito aqum das atribuies formais-legais estabelecidas nos normativos. Embora sem deixar de estudar aquele facto, Virgnio S explora no entanto outra perspectiva, s aparentemente inversa, que a de admitir que o director de turma desempenha funes que estaro muito para alm das suas atribuies formais, avanando consequentemente com vrias sub-hipteses de trabalho, de que se destaca a criao daquele cargo inserida numa estratgia de legitimao da organizao escolar, a adopo de uma postura de proteco da organizao e dos professores e o desempenho de um papel de amortecedor de certas exigncias do pblico sobre a escola.

    Focalizando a turma como unidade organizacional bsica, constituda por um grupo de alunos tendencialmente constante num dado ano lectivo, a investigao realizada centra-se no facto de a cada turma (de alunos) estar necessariamente associado um grupo de professores, destacando os problemas de coordenao do seu trabalho pedaggico e a interveno daquele que, de entre os professores de uma dada turma, exerce o cargo de director de turma.

    No existe, talvez, estrutura escolar mais elementar, e mais naturalizada, ao longo do processo de construo social da organizao-escola, ainda quando, historicamente, a introduo do regime de classes se revelou difcil e contestada, desde logo por via das dificuldades que arrastava em termos de coordenao dos professores, e tambm pelas mudanas introduzidas na organizao do trabalho pedaggico e pelas formas de controlo que esta configurao organizacional-pedaggica propiciava (questo entre ns estudada em profundidade na tese de doutoramento de Joo Barroso). As

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    dificuldades de coordenao do trabalho docente e as resistncias dos professores face a um protagonismo do director de classe, ou mais tarde do director de turma, associado a um acrscimo de controlo sobre a actividade docente, representam elementos constantes e tpicos recorrentes nos textos jurdicos e nos discursos pedaggicos. No caso da avaliao dos alunos em conselho (de professores) de turma, o legislador criticava com veemncia, h j mais de um sculo, o individualismo, as resistncias oferecidas a uma avaliao colegialmente realizada, a fragmentao do processo avaliativo.

    O processo de institucionalizao da organizao-escola acompanhou de certa forma as tendncias de formalizao, hierarquizao, diviso do trabalho, racionalizao, mais tpicas da modernidade industrial e organizacional. A criao da classe e, depois, da turma, enquanto dispositivo aglutinador de alunos, de disciplinas curriculares, de professores de disciplinas, de aulas localizadas em espaos concretos e ocorrendo em tempos pr-determinados, de actos de avaliao e de categorizao e gesto de comportamentos, ou at mesmo enquanto contexto primeiro de referncia na relao entre a organizao escolar e as famlias dos alunos, representam elementos caractersticos daquele movimento de formalizao e racionalizao.

    Com efeito, a fragmentao do currculo e a especializao disciplinar, com a respectiva itinerncia de cada professor, de cada disciplina, por vrias turmas e at anos e ciclos de escolaridade, configuram um modelo organizacional tpico da decomposio do processo de trabalho, da especializao e da grande escala (que de resto no escapou observao atenta, e interessada, de Frederick Taylor). Este processo de decomposio assentou no agrupamento dos alunos em turmas pretensamente homogneas, as quais transitam de disciplina para disciplina, de aula para aula e de professor para professor, ao longo do dia e da semana lectivos, a ritmos precisos e constantes, sinalizados por toques de campainha com intervalos de cinquenta minutos. Aparentemente, a turma mantm-se estvel, enquanto agrupamento de alunos, sendo que cada aula, de cada disciplina, exige a reunio presencial, no mesmo espao e no mesmo tempo, desse grupo de alunos com um determinado professor. Do ponto de vista da organizao curricular e da docncia, a turma A, ou B, uma turma de Portugus, ou de Histria, consoante o horrio estabelecido e o professor da disciplina nele convocado. No termo de uma jornada escolar, uma turma passou por vrios professores de diferentes disciplinas, e cada um dos professores passou por diferentes turmas, leccionando a mesma disciplina.

    Esta decomposio, considerada racional luz do quadro de referncia a que antes aludi, arrasta irracionalidades vrias por referncia a projectos educativos globalizantes e a aces pedaggicas articuladas. O director de turma, e o conselho de turma, enquanto estruturas pedaggicas de gesto intermdia, surgem em boa parte legitimados como esforos de recomposio e como tentativas de estabelecimento de uma certa coordenao e conexo no interior de processos relativamente desarticulados.

    Perante as dificuldades, as resistncias, e at mesmo os fracassos, que de h muito tempo vm sendo apontados a esta configurao/soluo organizacional, poderia supor-se que a sua manuteno sairia prejudicada. Mas o inverso aquilo que se constata, o que permitir concluir do valor intrnseco de certas estruturas organizacionais pedaggicas, para alm do seu valor instrumental e mesmo da sua eficcia, enquanto formas de legitimao institucional e de reproduo de um determinado modelo organizacional de escola.

    Atravs das anlises tericas e empricas a que procede, Virgnio S acaba por concluir que, de facto, o director de turma desempenha um papel muito relevante, "mas no apenas (nem sobretudo) por aquilo que faz, mas sim pelo que representa", correspondendo a requisitos institucionais, a crenas e mitos, a cerimoniais e rituais de envolvimento, inscritos num processo de legitimao da organizao escolar. Concluso provisria, ou "sntese hipottica", como lhe chama o autor, seguramente a exigir estudos mais aprofundados e sistemticos, mas sem dvida suficientemente atractiva e razoavelmente convincente para os justificar e, nesta fase, para merecer a ateno do leitor e para este se deixar desafiar por uma interpretao pouco comum e pouco convencional.

    Licnio C. Lima

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    INTRODUO

    1. Razes de uma escolha

    A opo pela rea da gesto pedaggica intermdia1, e mais especificamente pela funo particular do director de turma enquanto coordenador de uma equipa de professores, tem subjacente motivaes de natureza pessoal, relevncia organizacional e de actualidade da temtica.

    A nossa experincia profissional como professor do ensino secundrio, durante 9 anos, permitiu-nos um contacto estreito com esta figura de gesto intermdia. Essa proximidade resultou quer do exerccio regular do cargo durante 7 anos, quer do exerccio de responsabilidades ao nvel da sua atribuio2. Esta circunstncia aguou em ns a curiosidade de saber porque razo sendo este cargo de gesto escolar intermdia reconhecido, ao nvel da produo discursiva dos vrios actores, como muito importante, como a "pedra de toque" do sistema escolar, o estatuto scio-profissional dos titulares do cargo no tem sido congruente com essa importncia que se lhe reconhece. Alm disso, e no obstante os normativos legais darem indicaes precisas quanto s prioridades e aos critrios a seguir na designao do director de turma3, declarando o cargo de aceitao obrigatria, com frequncia impera uma racionalidade instrumental4 na sua atribuio, dado que, como afirma Licnio Lima, "geralmente, no so os directores de turma que so distribudos pela turmas, mas os horrios das turmas onde so j registadas as directorias de turma, que so atribudas ao docente"5. Acresce ainda que, por vezes, o atribuio do cargo objecto de negociao e alguns professores movem influncias no sentido de este no lhes ser includo no horrio6.

    Quanto relevncia pedaggica e organizacional da funo de coordenao do director de turma ela releva do facto de a turma ser, como igualmente defende Licnio Lima , "um rgo elementar da organizao do processo de ensino" e " constituir um nvel privilegiado para a necessria coordenao pedaggica e interdisciplinar, para a soluo de problemas disciplinares, para o contacto entre a escola e os pais e encarregados de educao dos alunos, e para muitos outros aspectos relacionados com as implicaes pedaggicas da seleco e gesto de espaos, elaborao de horrios, etc."7 Apesar da relevncia estratgica deste gestor pedaggico e da pluralidade de papis que lhe tm sido cometidos, no se tem cuidado, ao nvel normativo, de o dotar das condies organizacionais e das competncias profissionais que o desempenho dessas tarefas implica. De facto, apesar da grandiloquncia da designao, uma anlise s potenciais bases de poder do director de turma na sua relao com os outros professores da turma, tomando por referncia o enquadramento jurdico-normativo, configura-nos um coordenador dos professores da turma que dificilmente pode ancorar as suas normas coordenadoras nas bases tradicionais de poder.

    1 As estruturas pedaggicas de gesto intermdia compreendem a coordenao das actividades dos

    professores da mesma disciplina (coordenao intra-disciplinar vertical) e a coordenao das actividades dos professores do mesmo agrupamento de alunos (coordenao interdisciplinar horizontal). No nosso estudo apenas contemplmos o 2 tipo. A designao intermdia decorre do facto de se situar entre a gesto geral ou de topo (conselho directivo e conselho pedaggico) e o nvel de ensino em contacto, os alunos e os pais- Cf FORMOSINHO, Joo, "A Formao de Professores e Gestores Pedaggicos Para a Escola de Massas", Comunicao ao Encontro de Delegados Profissionalizao de Cincias da Educao do Ensino Preparatrio, Porto, 17-18 de Abril de 1985.

    2 Durante os anos lectivos de 1987/88 e 1988/89 exercemos as funes de vice-presidente da comisso instaladora de uma escola C+S e, nessa qualidade, integrmos a comisso de horrios cabendo-nos, por isso, responsabilidades na atribuio das direces de turma.

    3 Curiosamente o ministrio da educao primeiro define esses critrios e prioridades e depois considera essa definio uma competncia do conselho pedaggico.

    4 Consideramos que existe uma racionalidade instrumental quando a atribuio do cargo utilizada como uma forma pragmtica de completar um horrio e no com base na avaliao da adequao do professor ao perfil exigvel para o seu desempenho.

    5 LIMA, Licnio C., O Conselho de Turma, Universidade do Minho, Braga, 1985, p. 9. 6 Tambm se reconhece que alguns professores movam influncias no sentido de lhes serem atribudas

    direces de turma. o caso, por exemplo, dos professores que, tendo sido colocados no "mini-concurso", tm horrios incompletos e, por isso, tudo o que possa contribuir para lhes completar o horrio poder ser benvindo.

    7 Ibidem, p. 1

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    Na verdade, a este gestor pedaggico intermdio no lhe reconhecida superioridade hierrquica, o que o inibe de convocar o poder do cargo; no lhe exigida preparao profissional especfica, o que desautoriza o recurso ao poder de especialista; o seu cargo tambm no confere a possibilidade de distribuir recompensas materiais, pelo que tambm no pode socorrer-se do poder remunerativo; o seu baixo status organizacional desvaloriza o recurso distribuio de recompensas simblicas. Resta-lhe, eventualmente, a possibilidade de recorrer ao seu "patrimnio pessoal", composto por uma imagem de professor dedicado e responsvel, construda ao longo de anos de experincia.8 Uma contradio emerge desta anlise: por um lado, de acordo com o enquadramento jurdico-normativo, o director de turma no tem, necessariamente, de ser um profissional mas, por outro lado, luz do mesmo enquadramento, espera-se que os conselhos directivos seleccionem para o exerccio do cargo candidatos cujo perfil se aproxima do modelo de "superprofessor"9.

    O problema da coordenao e da articulao dos professores e do ensino ao nvel do conselho de turma uma temtica actualssima, sem que isto signifique que seja um problema novo. De facto, j em finais do sculo passado os problemas fundamentais do conselho de turma (ou da conferncia de professores como ento se chamava) em relao coordenao dos professores e do ensino estavam diagnosticados. Num ofcio de 4 de Maro de 1886, emanado da Secretaria de Estado dos Negcios do Reino e dirigido aos reitores dos liceus de Portalegre e Castelo Branco, a resistncia dos professores em articular as seus desempenhos era denunciada nos seguintes termos: "[...] mais de uma vez se tem recomendado que as notas do aproveitamento escolar no devem ser lanadas por cada professor isoladamente, mas sim em conferncia, porque sendo o ensino concatenado, devem os professores harmonizar-se por um critrio comum, apreciando as provas e a aplicao dos seus discpulos, no como resultado nico do estatuto de uma s disciplina, mas sim do conjunto de exerccios feitos em todas as disciplinas da classe"10. A preocupao de no espartilhar o aluno est aqui bem evidente, apelando-se para a colegialidade da deciso e para a globalizao dos saberes. Mais de cem anos volvidos, esta mesma preocupao continua hoje a ser objecto de discusso dentro e fora da escola, sem que ao nvel das prticas os progressos sejam muito visveis.

    2. Definio de uma pergunta de partida

    A direco de turma constitui uma estrutura de coordenao pedaggica intermdia (coordenao interdisciplinar horizontal) cuja importncia, ao nvel do contexto do educador11, consensualmente reconhecida. No obstante isso, o facto de um docente ser nomeado director de turma raramente percebido pelo prprio, ou pelos pares, como um factor de distino (reconhecimento), e mais frequentemente sentido como uma penalizao ou, no mnimo, como "um mal necessrio". Por outro lado, apesar de o enquadramento normativo lhe conferir responsabilidades especficas na coordenao dos professores da turma, verifica-se uma inconsistncia entre essa atribuio e as bases de poder que o director de turma pode convocar para a operacionalizar. Acresce ainda que as representaes tradicionais em torno da direco de turma nos apresentam esta estrutura pedaggica de gesto intermdia como uma componente organizacional particularmente centrada nos alunos e nos seus problemas. So os alunos com dificuldades (de aprendizagem, de integrao, etc.) aqueles que, nesta perspectiva, verdadeiramente justificam a existncia do director de turma. Contudo, o director de turma no dispe de nenhum contexto espcio-temporal especfico

    8 Para uma anlise das bases de poder aplicada ao contexto docente ver, por exemplo, FORMOSINHO,

    Joo, "As Bases de Poder do Professor", in separata da Revista Portuguesa de Pedagogia, XIV, pp. 301-328. 9 As expectativas em relo ao director de turma como um "superprofessor" no decorrem apenas dos

    normativos. A generalidade dos discursos pedaggicos transportam imagens e expectativas em relao ao director de turma que configuram um perfil profissional que pressupe um professor que, alm de permanentemente disponvel, dever ser simultaneamente professor em contacto, psiclogo, assistente social, orientador vocacional, relaes pblicas, conselheiro pessoal, missionrio, pai/me, dinamizador de projectos, coordenador de uma equipa de trabalho e, naturalmente, amanuense.

    10 Citado por LIMA, Licnio C., A Escola Como Organizao e a Participao na Organizao Escolar, Braga, Universidade do Minho (IE), 1992, p. 328 (nota 125).

    11 Utilizamos aqui a expresso contexto do educador na acepo que lhe atribui Nell Keddie- o domnio do dever ser, distinguindo-o do contexto do professor - contexto da aco quotidiana. Cf. KEDDIE, Nell, "O saber na Sala de Aulas", in GRCIO, Srgio & STOER, Stephen (eds), Sociologia da Educao II: A Construo Social das Prticas Educativas, Lisboa, Livros Horizonte, 1982, p. 208 e ss.

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    para atender os alunos12. Finalmente, o director de turma surge tambm como o "elo de ligao escola-meio", competindo-lhe promover o envolvimento dos encarregados de educao na vida escolar. No entanto, existe um "divrcio assumido" entre a escola e a famlia13, com os directores de turma frequentemente acusando os pais de no se interessarem pela educao dos filhos, configurando aquilo que alguns autores designam de "culpabilizao da vtima"14.

    O cenrio que acabmos de traar pe em destaque um conjunto de inconsistncias entre os objectivos formalmente prescritos para a interveno do director de turma, que so tambm as razes oficiais para a instituio do cargo, e as prticas pedaggicas actualizadas no quotidiano da escola. Este quadro global leva-nos a formular a nossa pergunta de partida nos seguintes termos:

    Por que razo, apesar de existirem indcios claros que apontam no sentido de um desempenho profissional do director de turma bastante aqum daquilo que prescreve o "plano das orientaes formais-legais para a aco organizacional", o papel deste gestor pedaggico intermdio continua a ser reconhecido como muito importante por uma grande pluralidade de discursos (polticos, normativos e pedaggicos)?

    3. Formulao de um corpo de hipteses

    Tentar responder a esta questo implica romper com os pressupostos implcitos na racionalidade tradicional e admitir que as estruturas possam cumprir outras finalidades para alm da sua funo instrumental. Transpondo este raciocnio para a anlise da direco de turma, isto significa contemplar a possibilidade de as funes manifestas do director de turma no representarem mais do que uma das faces do seu papel, podendo mesmo no ser a mais expressiva. Estas breves consideraes prefiguram a nossa hiptese nuclear de investigao que expomos de seguida, complementada com algumas sub-hipteses que a operacionalizam:

    Hiptese nuclear:

    - O director de turma desempenha funes que esto bastante para alm (e eventualmente em contradio) das atribuies formais-legais determinadas pelo enquadramento jurdico-normativo dos sucessivos diplomas legais.

    Sub-hipteses

    H1 - A criao do cargo de director de turma insere-se dentro de uma estratgia de legitimao da organizao escolar;

    H2 - O director de turma, perante uma situao de conflito entre os professores e os pais/encarregados de educao, adopta uma postura de proteco da organizao, nomeadamente dos professores;

    H3 - O discurso sobre a pedagogia centrada no aluno serve funes de legitimao da organizao perante o seu pblico;

    H4 - O director de turma desempenha o papel de amortecedor/filtro das exigncias do pblico sobre a organizao, mantendo-as a um nvel gervel;

    12 Apesar de a Comisso de Reforma do Sistema Educativo ter sugerido que uma das quatro horas da

    reduo da componente lectiva que propunha para o director de turma fosse dedicada ao atendimento dos alunos, hora essa que deveria ser inscrita no horrio do director de turma e no horrio dos alunos, o poder poltico no contemplou tal proposta, o que objectivamente significa que no a considerou prioritria. Cf. Comisso de Reforma do Sistema Educativo- Proposta Global de Reforma. Lisboa, GEP, Ministrio da Educao, 1988, art 70 a 83.

    13 Cf. DIOGO, Jos Manuel de Lemos, "O Envolvimento das Famlias na Escola: Ser o Dilogo Possvel?", Comunicao apresentada ao V Colquio "A Escola Um Objecto de Estudo" promovido pela Association Francophone de Reccherches en Sciences de L'ducation (AIPELF/AFIRSE), Lisboa Faculdade de Psicologia e Cincias da Educao, 17, 18 e 19 de Novembro de 1994.

    14 Denunciando o facto de a escolas estarem orientadas para as famlias da classe mdia, afirma Ramiro Marques: "Os pais em desvantagem so vtimas e no culpados, mas a escola mascara-se de vtima e trata-os como culpados"- MARQUES, Ramiro, A Escola e os pais: Como Colaborar?, Lisboa, Texto Editora, 1990, p. 12.

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    H5 - A valorizao da figura do director de turma foi reforada pela difuso da ideologia do handicap scio-cultural.

    4. Breves consideraes em torno das teorias organizacionais

    A anlise organizacional da escola pode ser perspectivada a partir de diferentes teorias organizacionais, cada uma delas com as suas foras e as suas fraquezas. No entanto, o carcter complexo da organizao escolar torna pouco pertinente o recurso a modelos "puros" pois nenhum nos proporciona uma "leitura" suficientemente abrangente desta organizao. Actualmente h uma tendncia para se privilegiarem abordagens mais eclticas que procuram, atravs de uma sntese de modelos, compensar as limitaes e potenciar os pontos fortes de cada teoria15.

    O modelo burocrtico o que tem mais tradio no estudo da escola como organizao. Para esta perspectiva terica os objectivos organizacionais apresentam-se como consensuais e os processos e as tecnologias como claros e estveis. A racionalidade caracteriza os procedimentos e traduz-se por uma estreita articulao entre meios e fins. A tomada de decises precedida por uma ponderao de todas as alternativas e das respectivas implicaes, admitindo-se, portanto, uma racionalidade absoluta. A impessoalidade e o formalismo caracterizam o relacionamento interno na organizao bem como as relaes com os clientes. Reala-se a hierarquia dos cargos, apresentando-se a autoridade dos lderes como uma decorrncia da sua posio na estrutura formal.

    Embora o recurso ao modelo burocrtico se possa revelar pertinente para a compreenso de algumas faces da organizao escolar, a sua aplicao anlise da direco de turma e, nomeadamente, ao estudo da coordenao pedaggica ao nvel do conselho de turma, evidencia diversas fragilidades e limitaes. Pressupondo uma organizao fortemente articulada, dificilmente d conta do isolamento e individualismo que caracteriza a prtica docente; postulando uma estrutura hierarquizada, confronta-se com uma cultura igualitarista e uma resistncia traduo da diversificao horizontal da funo docente numa diferenciao vertical16; advogando a clareza e consensualidade dos objectivos e a certeza da tecnologia, choca com a ambiguidade desses mesmos objectivos e com a pluralidade de ideologias pedaggicas; defendendo um modelo de sistema fechado, depara-se com o discurso da abertura da escola ao meio.

    Vrios autores se tm questionado sobre a adequao do modelo burocrtico para explicar o funcionamento da escola enquanto organizao, sobretudo ao nvel da aco organizacional, denunciando "que o modelo burocrtico concentra-se quase exclusivamente no estudo das 'verses oficiais da realidade'"17 , ignorando que os actores raramente fazem aquilo que se espera que faam e que com frequncia reinterpretam as normas, ou criam normas alternativas, transformando a escola num locus de produo normativa. Desta forma a racionalidade burocrtica surge como uma forma de legitimao das prticas, um processo de, a posteriori, tentar demonstrar a articulao entre as intenes e as aces quando as aces, com frequncia , parecem preceder as intenes.

    O modelo de sistema social, ao colocar a nfase no consenso e na estabilidade, valorizando a cultura organizacional e o clima organizacional como elementos condicionantes dos desempenhos,

    15 Para exemplos de investigaes conduzidas na base de modelos "plurifaciais" ver, por exemplo, ELLSTROM, P-E, Rationality, Anarchy, and the Planning of Change in Educational Organizations. A study of Problem Solving and Planning of Change in Small Work Groups, Linkoping, Linkoping University, 1984; LIMA, L. C. A Escola como Organizao e a Participao na Organizao Escolar, op. cit. Dando conta da evoluo dos estudos no domnio da administrao educacional e da diversidade terica que os sustenta, afima Licnio Lima: "A dcada de oitenta revelou-se, a este nvel, particularmente importante na crtica aos modelos racionalistas de anlise, atravs da emergncia de novos paradigmas e configurando uma situao de pluralismo teortico sem precedentes"- LIMA, L. C. "Organizaes Educativas e Administrao Educacional em Editorial", in Revista Portuguesa de Educao, 5 (3), 1992, p. 6.

    16 Cf. FORMOSINHO, Joo. "O Dilema Organizacional da Escola de Massas", in Revista Portuguesa de Educao, 5 (3) (1992). Para este autor a recusa em traduzir a diversificao horizontal da actividade docente em diversificao vertical, ou seja, criar diferentes patamares na carreira, constitui uma forte limitao eficcia da aco coordenadora dos gestores intermdios. A este propsito afirma: "O nvel de coordenao, para ser eficaz, tem de se situar acima do nvel de ensino em contacto"- Ibidem, p. 38.

    17 Cf. LIMA, Licnio Lima, A Escola Como Organizao ... op. cit. p. 70.

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    pode revelar alguma pertinncia para a explicao das prticas docentes ao nvel do conselho de turma. Como afirma Domingues "a avaliao do trabalho dos colegas degrada o clima de trabalho e perturba as relaes profissionais"18. Assim, por exemplo, o no questionar das classificaes propostas por cada professor no conselho de turma, mesmo dos que no tm habilitao prpria, pode explicar-se com base na preocupao de manuteno desse bom ambiente de trabalho. No entanto, este modelo, ao conferir grande centralidade integrao, articulao e interdependncia entre as partes, retrata um quadro que no tem paralelo no modo de funcionamento da escola. Ao realar o consenso e a coerncia, tende a secundarizar os conflitos e as assimetrias de poder entre os diferentes actores escolares. Colocando a nfase na interdependncia das partes componentes do sistema e defendendo o princpio de que uma alterao numa das partes implica alteraes no todo, este modelo mostra-se particularmente inadequado para captar algumas dimenses da organizao escolar, com especial destaque para a relativa independncia com que cada docente desenvolve a sua actividade e para a facilidade com que todos os anos a organizao renova uma parcela substancial dos seus membros sem aparentes sequelas no todo.

    O modelo poltico apresenta como traos dominantes a nfase na diversidade de interesses e objectivos, dando grande visibilidade s questes do poder e do conflito. Nesta perspectiva terica a tecnologia percepcionada como clara e os actores dotados de uma racionalidade poltica. Para Crozier e Friedberg os actores sociais esto sempre dotados de um mnimo de poder e porque no so apenas mos e corao, mas tambm crebro, esto aptos a tomar decises e a aproveitar as suas margens de autonomia19.

    A aplicabilidade do modelo poltico anlise das prticas de gesto pedaggica, nomeadamente ao nvel do conselho de turma, reveste-se de alguma pertinncia20. Tendo em conta que os professores que integram um determinado conselho de turma tm formaes bastante diversificadas e fortes identidades disciplinares , por isso, plausvel que percepcionem a funo da escola de formas bastante diversificadas o que aliado aos seus interesses particulares ou de grupo poder constituir um forte obstculo aco de coordenao do director de turma. Ao defender que a estrutura emerge mais para responder aos interesses de grupos particulares do que para cumprir os objectivos formais, o modelo poltico proporciona-nos alguns insights produtivos na compreenso da

    18 Cf. DOMINGUES, Ivo, "O Controlo Disciplinar: Prticas e Paradoxos", in O Professor, n 22 (3 srie), Novembro de 1991, p. 25.

    19 Embora contestando as perspectivas que imputam ao actor social e/ou organizacional uma liberdade e racionalidade ilimitadas, Crozier e Friedberg consideram que todo o comportamento social estratgico, no sentido em que no determinado de forma absoluta, sendo, por isso, sempre o resultado de uma opo. Afirmam estes autores que "mme la passivit est toujours d'une certaine manire le rsultat d'un choix" e logo de seguida acrecentam: "Il n'y a donc plus, la limite, de comportement irrationnel"- CROZIER, Michel & FRIEDBERG, Erhard, L'acteur et le Systme. Les Contraintes de L'action Collective, Paris, Editions du Seuil, 1977, p. 56. A racionalidade assume para estes autores uma acepo distinta da perspectiva weberiana: "Au lieu dtre rationnel par rapport des objectifs, il [le comportement] est rationnel, d'une part, par rapport des opportunits et travers ces opportunits au contexte qui les dfinit et d'autre part, par rapport au comportement des autres acteurs, au parti que ceux-ci prennnent et au jeu quil s'est tabli entre eux."- Ibidem. Esta perspectiva voluntarista, ou neo-racionalista como tambm designada, criticada por Licnio Lima, nomeadamente pelas implicaes que pode ter na anlise da problemtica da participao. A este propsito afirma este autor: "Em ltima anlise, e se a participao um dado, um pressuposto em qualquer domnio do social, o prprio valor da participao que posto em causa" e mais adiante acrescenta: "[...] parece-nos prefervel recusar o seu carcter imanentista, porque ele esconde mais do que esclarece"- LIMA, Licnio Lima, A Escola Como Organizao ... op. cit., pp. 126-7.

    20 Entre ns, um exemplo de aplicao da abordagem poltica analise da escola como organizao pode encontrar-se numa recente investigao conduzida por Natrcio Afonso numa escola secundria. Nesse estudo, o autor identifica cinco clientelas nucleares: a burocracia ministerial, os professores, os pais/encarregados de educao, os alunos e as autoridades locais. Essas clientelas so apresentadas como dotadas de objectivos prprios e de estratgias especficas que mobilizam em defesa dos seus interesses corporativos. Um dos objectivos desta investigao consistiu em identificar as principais exigncias de cada uma das clientelas. Assim, por exemplo, a centralizao e regulamentao ao pormenor do governo da escola que se comea a manifestar logo depois do 25 de Abril explicada por este autor com base no seguinte argumento: "Em suma, a burocracia ministerial respondeu ao modelo de autogesto dominado pelos professores com uma super-regulamentao concebida para compensar a falta de conhecimento profissional dos novos gestores eleitos, e a sua esperada e natural abertura s exigncias da clientela dos professores"- AFONSO, Natrcio, A Reforma da Administrao Escolar. A Abordagem Poltica em Anlise Organizacional, Lisboa, Instituto de Inovao Educacional, 1994, p. 235.

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    direco de turma, sugerindo-nos, por exemplo, a possibilidade de esta estrutura estar mais ao servio dos professores do que dos alunos. Em qualquer dos casos no se questiona a articulao entre estrutura e actividade e, consequentemente, nem o princpio da instrumentalidade da organizao, ou seja, "the view that organizational structures and activities are deliberately designed instruments for realizing certain goals and intentions"21.

    A metfora da "anarquia organizada"22 constitui um modelo de anlise organizacional, surgido no incio da dcada de setenta, e d corpo a um conjunto de conceitos e de outras metforas. Os "pais" da anarquia organizada, Cohen, March e Olsen, procuram atravs deste modelo analisar uma srie de factos sociais e prticas decisionais que ocorrem nas organizaes e que escapam racionalidade absoluta do modelo burocrtico ou mesmo "racionalidade limitada"23 dos modelos poltico e de sistema social.

    As principais caractersticas do modelo anrquico assentam na ambiguidade dos objectivos, na incerteza da tecnologia e na participao fluda. A dbil articulao entre intenes e aces, entre superiores e subordinados e entre determinadas estruturas da organizao no significa que no haja domnios caracterizados pela conexo entre as partes e pela intencionalidade na deciso.

    Esta metfora parece particularmente vocacionada para analisar o modo de funcionamento da organizao escolar, nomeadamente as prticas de gesto ao nvel do conselho de turma. De resto a sua construo parece ter-se inspirado na investigao emprica das escolas. Com efeito a relativa independncia entre os diferentes professores da turma24, o carcter pouco fundamentado das decises e a fraca percepo das implicaes destas e sobretudo a discrepncia de critrios entre os diferentes professores, desafiando a uniformidade de procedimentos caracterstica do modelo burocrtico, mostram-nos que o modelo da anarquia organizada tem um forte potencial explicativo, tanto mais que se admite que a debilidade da articulao num determinado sector da organizao pode coexistir com uma forte estruturao e articulao noutros segmentos da organizao. No entanto, este modelo no nos explica por que razo determinados sectores da organizao se apresentam fortemente articulados e sujeitos a um rigoroso controlo, enquanto outras reas, aparentemente as mais estreitamente ligadas actividade essencial da organizao, escapam a uma inspeco regular. Admitindo-se a ambiguidade dos objectivos e a incerteza da tecnologia, fica igualmente por esclarecer por que razo as organizaes escolares possuem uma determinada estrutura e porque parecem todas iguais.

    Mais recentemente, assistimos progressiva afirmao de uma nova perspectiva terica, o modelo (neo)institucional25, que procura combinar contributos muito diversificados, com particular

    21 ELLSTROM, Per-Erik, "Understanding Educational Organizations: An Institutional Perspective", in Revista Portuguesa de Educao, 5 (3), 1992, p. 9.

    22 Esclarecendo o conceito de "anarquia organizada", afirma Bell: "The anarchic organisation is not, as its name imply, a formless or unpredictable collection of individuals. Rather it is an organisation with a structure of its own which is partly determined by external pressures and partly a product of the nature of the organisation itself. It is anarchic in the sense that the relationship between goals, members and technology is not as clearly functional as convencional organisation theory indicates that it will be"- BELL, L. A. "The School as an Organization: A Reappraisal", in WESTOBY, Adam (Ed.). Culture and Power in Educational Organizations. Milton Keynes, Open University Press, 1988, p. 8.

    23 Para uma anlise do conceito de "racionalidade limitada" ou "racionalidade da satisfao" ver, por exemplo, MARCH, J. G. & SIMON, Herbert, Les Organizations. Problmes Psycho-sociologiques, Paris, Bordas, 1979. Como afirmam estes dois autores, "La plupart des prises de dcisions humaines, individuelles ou organizationelles, se rapportent la dcouverte et la slection de choix satisfaisants; ce n'est que dans des cas excepcionnels qu'elle se rapporte la dcouverte et la slection de choix optimaux."- Ibidem, p. 138.

    24 Segundo nos declararam alguns professores, em certos casos, no final do 2 perodo os docentes que leccionam numa mesma turma ainda no se conhecem.

    25 A designao de neoinstitucional parece ter sido utilizada pela primeira vez por James March e Johan Olsen em 1984 para se referirem perspectiva terica desenvolvida a partir de meados dos anos setenta, sobretudo na sequncia da publicao de dois artigos fundamentais para a reemegncia dos argumentos institucionais. Referimo-nos ao frequentemente citado artigo de Meyer e Rowan intitulado Institutionalized Organizations: Formal Structure as Myth and Ceremony, publicado em 1977 no n 83 do American Journal of Sociology, bem como ao artigo de L. Zucker, publicado nesse mesmo ano no n 42 da American Sociological Review sob o ttulo The Role of Institutionalization in Cultural Persistance. (Cf. MARCH, J. G. & OLSEN, J. P.

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    destaque para as aportaes da teoria da contingncia, da teoria poltica e das teorias da ambiguidade. Encontrando-se ainda numa fase de construo, a teoria institucional no constitui ainda um corpo unitrio de conceitos26 o que se reflecte na existncia de algumas "variantes" que, embora partilhando ideias gerais, diferem relativamente a aspectos especficos.

    Ellstrom sintetiza os pressupostos essenciais desta perspectiva terica em torno de trs argumentos nucleares: a "tese da institucionalizao"; a "tese da racionalidade contextual" e a "tese da legitimidade institucional". Estas trs teses podem ser resumidas nos seguintes princpios: as estruturas no so meros instrumentos tcnicos, podendo assumir um valor intrnseco que as autojustifica, independentemente da sua adequao em relao aos objectivos formais; as aces organizacionais no so necessariamente o produto de decises marcadas pela intencionalidade; as estruturas, os processos e as culturas organizacionais tendem a tornar-se isomrficas em relao ao seu ambiente institucional27. Conferindo um sentido eminentemente simblico s estruturas, esta perspectiva pode ajudar-nos a introduzir ordem e sentido na realidade organizacional que envolve a direco de turma, iluminando faces que outras perspectivas tm ignorado ou deixado na penumbra.

    5. Uma focalizao plural

    Na nossa anlise, na esteira de Licnio Lima, recorreremos a diferentes planos analticos, procurando distinguir o "plano das orientaes para a aco" do "plano da aco organizacional", de modo a poder captar diferentes estruturas e regras organizacionais. Trata-se, portanto, de procurar articular diferentes enquadramentos ou, ainda nas palavras do mesmo autor, de adoptar uma tripla focalizao: "uma focalizao normativa (estruturas e regras formais), uma focalizao interpretativa (estruturas ocultas e regras no formais e informais) e uma focalizao descritiva (estruturas manifestas e regras efectivamente actualizadas)"28. De modo coerente com as consideraes anteriores, privilegiaremos uma abordagem que permita integrar o contributo de diversas perspectivas tericas, embora conferindo maior centralidade ao modelo institucional. Esta opo decorre da focalizao especfica proporcionada por esta perspectiva, nomeadamente pela nfase colocada na vertente simblica das estruturas, dos processos e dos discursos. De resto, vrios autores tm realado a pertinncia e potencial heurstico do modelo institucional no estudo sociolgico das organizaes29. O recurso a esta abordagem apresentado por esses autores como particularmente pertinente no estudo das organizaes que, alm de se caracterizarem pela incerteza da tecnologia e pela ambiguidade dos objectivos, desenvolvem a sua actividade em ambientes institucionais muito estruturados, conjunto em que incluem as organizaes educativas.

    "The New Institutionalism: Organizational Factors in Political Life". American Political Science Review, 78, 1984, pp. 734-749. Contudo, de acordo com R. Scott, os primeiros argumentos institucionais desenvolveram-se entre finais do sc. XIX e meados do sc. XX, destacando-se nesse perodo os contributos de Cooley, Park, Weber, Durkheim, Parsons, Selznick, Berger e Luckman, entre outros (Cf. SCOTT, Richard. Institutons and Organizations. Thousand Oaks, Sage Publications, 1995, pp. 1-15. Segundo o mesmo autor, a abordagem neoinstitucional difere das suas primeiras verses em dois aspectos essenciais: "(1) It shifts attention from a primarly normative to a cognitive focus, and, more important, (2) it embraces a social constructionist rather than a social realist perspective"- ibidem, p. xv. A generalidade dos autores, quando se referem perspectiva neoinstitucional identificam-na simplesmente como teoria institucional. tambm o que faremos ao longo do texto.

    26 Cf. SCOTT, W. Richard, "The adolescence of Institutional Theory", in Administrative Science Quarterly, 32 (1987).

    27 Cf. ELLSTROM, Per-Erik, "Understanding Educational Organizations: An Institutional Perspective", op. cit., pp. 11-12. Por ambiente institucional entende-se aqui o conjunto de crenas, normas e ideologias socialmente construdas e partilhadas que, por isso, so tomadas como dados adquiridos (taken for granted) definindo a forma correcta de fazer as coisas.

    28 LIMA, Licnio Lima, A Escola Como Organizao ... op. cit., p. 164. Uma anlise exaustiva dos diferentes planos, estruturas e regras organizacionais contemplados por este autor apresentada nas pp. 148-164.

    29 Referimos, a ttulo meramente ilustrativo, Brian Rowan, John W. Meyer, Lynne Zucker, Nils Brunsson, Paul J. DiMaggio, Per-Erik Ellstrom, Terrence E. Deal, W. Richard Scott. Entre ns so bem mais raras as investigaes que privilegiaram esta perspectiva terica. Podemos, no entanto referir, entre outros, um recente artigo da autoria de Carlos V. Estvo em que o modelo institucional explicitamente assumido como quadro terico de referncia- Cf. ESTVO, Carlos Vilar, "O Novo Modelo de Direco e Gesto das Escolas Portuguesas Numa Perspectiva Institucional", in IGE Informao, n 2 (1994).

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    O estudo que desenvolvemos, e de que agora apresentamos o relatrio, apenas muito parcialmente pode colher as vantagens que o confronto com investigaes no mesmo domnio nos poderia proporcionar. A direco de turma, e particularmente a coordenao do conselho de turma, no tem merecido da parte dos investigadores portugueses grande ateno30. A hegemonia das investigaes centradas na gesto de topo tem relegado para plano secundrio os estudos sobre a gesto pedaggica intermdia. Alm disso, os poucos trabalhos que tomaram a direco de turma como objecto de investigao, salvo raras excepes, adoptaram uma perspectiva normativo/prescritiva com o inevitvel fechamento do campo analtico. Ora, como j notmos acima, embora no desprezemos os contributos deste tipo de focalizao, os nossos propsitos orientam-se predominantemente para uma abordagem analtica/interpretativa, a nica que julgamos capaz de superar as "verses oficiais" da realidade organizacional.

    Apesar de a direco de turma raramente ter constitudo uma temtica de investigao autnoma, como j referimos, com frequncia os trabalhos que tomam por objecto de estudo a administrao escolar incluem reflexes e dados empricos sobre esta estrutura pedaggica que ao longo do nosso trabalho procurmos confrontar com os nossos prprios dados. Em alguns casos reconhecemo-nos fortemente tributrios desses contributos. Sem eles dificilmente teramos tido acesso a informaes que foram para ns essenciais na estruturao do nosso percurso de indagao. Admitimos mesmo que, de outra forma e para certos casos, ter-nos-ia sido praticamente impossvel aceder a esses elementos31.

    6. Algumas consideraes metodolgicas

    Para tentarmos responder s questes que formulmos anteriormente optmos por um estudo de caso de tipo descritivo32, conscientes das vantagens e fraquezas que tal opo representa. As razes desta escolha prendem-se com o nosso desejo de empreender um estudo em profundidade de uma estrutura especfica- a direco de turma- integrada na gesto pedaggica intermdia33 da organizao escolar. Este objectivo dificilmente poderia ser alcanado num estudo mais amplo, que embora pudesse ser mais facilmente generalizvel, teria de se ficar por uma anlise mais superficial. Uma outra razo para esta opo decorre da nossa qualidade de investigador individual, sendo o

    30 Como excepo regra podemos referir um estudo de Licnio Lima integrado nas suas provas de aptido

    pedaggica e capacidade cientfica, apresentadas Universidade do Minho, em 1985- Cf. LIMA, Licnio C. O Conselho de Turma, Braga, Universidade do Minho, 1985. Muito recentemente foi tambm apresentada na Universidade do Minho uma dissertao de mestrado que tomou a direco de turma como objecto de estudo- Cf. CASTRO, Engrcia, O Director de Turma nos 2 e 3 Ciclos do Ensino Bsico. Em Busca da Imagem Dominante, Braga, Universidade do Minho, 1994.

    31 o caso, por exemplo, dos dados relativos coordenao dos professores e do ensino que pudemos recolher da anlise de cerca de oitenta extractos de relatrios anuais dos reitores transcritos por Joo Barroso, correspondentes ao perodo compreendido entre 1935 e 1960. As partes dos relatrios transcritas (relativas aos processos de coordenao dos professores e do ensino), foram organizadas pelo autor de acordo com uma determinada codificao que contempla "conceitos, estratgias e processos"- Cf. BARROSO, J. Joo, A Organizao Pedaggica e a Administrao dos Liceus (1836-1960), Vol. 2- Anexos, Lisboa, Universidade de Lisboa (FPCE), 1993. Foi para ns tambm de grande utilidade o levantamento da legislao relativa organizao pedaggica e administrativa dos liceus (1836-1957) feita por este autor- ibidem, pp. 1-18.

    32 R. Yin distingue entre estudos de caso de tipo exploratrio, descritivo e explanatrio: "An exploratory case study (whether based on single or multiples cases) is aimed at defining the questions and hypotheses of a subsequent (not necessarily case) study or at determining the feasibility of the desired research procedures. A descriptive case study presents a complete description of a phenomenon within its context. An explanatory case study presents data bearing on cause-effect relationships- explaining which causes produced which effects"- YIN, Robert K. Applications of Case Study Research Methods, Newbury Park, Sage Publications, p. 5.

    33 Segundo Formosinho destacam-se "dois tipos principais de gestores intermdios- os directores de departamento, que coordenam e dirigem os professores da mesma disciplina ou de vrias disciplinas da mesma rea do saber e os orientadores educativos, que dirigem as actividades de apoio ao aluno e coordenam a actividade dos professores de um grupo de alunos (turma, grupo de turmas, ano ou ciclo)."- FORMOSINHO, Joo, "O Papel do Gestor Pedaggico Intermdio Na Escola Portuguesa: Monitor ou Lder, Coordenador ou Director?", Comunicao apresentada ao Seminrio: A Aco Educativa: Anlise Psico-Social, Leiria, 7, 8 e 9 de Fevereito de 1991. O nosso estudo centra-se apenas sobre o 2 tipo de gestor pedaggico intermdio.

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    estudo de caso mais compatvel com esta situao institucional34. Quanto s "fraquezas" destacam-se as limitaes generalizao dos resultados, a no ser por um procedimento intuitivo de que "este caso idntico a outros casos"35; difcil determinar em que medida as percepes do investigador condicionam os resultados finais sendo, por isso, maiores os riscos de enviesamento; o investigador tem de fazer opes, seleccionar fontes nem sempre determinadas pelos critrios de rigor dos mtodos quantitativos; este estilo de investigao pressupe que o investigador possua determinadas competncias sociais, nomeadamente a capacidade para estabelecer relaes de empatia com os investigados, etc..

    A seleco da escola onde desenvolvemos o nosso estudo, que por razes de tica profissional convencionmos designar de escola Alfa, foi o resultado da combinao de diversos factores, alguns deles meramente acidentais. Uma primeira aproximao a esta escola ocorreu cerca de dois anos antes de iniciarmos esta investigao, embora num contexto que lhe estranho. Procedamos na altura recolha de regulamentos internos e esse pretexto proporcionou-nos a possibilidade de um breve dilogo com o presidente do conselho directivo que, em largas pinceladas, nos traou um retrato da escola que dirigia. Desse quadro ressaltaram alguns traos que desde logo suscitaram em ns a vontade de saber mais sobre aquela escola36. Alm disso, a forma como fomos recebidos deixou-nos boas expectativas quanto possibilidade de a desenvolvermos um trabalho mais sistemtico37. O facto de a escola Alfa ser do tipo C+S contribuiu tambm para o conjunto dos critrio que determinaram a sua seleco. Esta caracterstica permitia-nos estudar uma organizao que reunia simultaneamente os 2 e 3 ciclos do ensino bsico e ainda, neste caso, os 10 e 11 anos do ensino secundrio. Por ltimo, como pretendamos fazer um acompanhamento o mais prximo que nos fosse possvel das actividades desenvolvidas pelos directores de turma, impunha-se a escolha de uma escola cuja localizao geogrfica no fosse impeditiva do cumprimento desse objectivo, condio que a escola Alfa tambm satisfazia. Alis, o facto de a escola Alfa se situar numa rea suburbana confere-lhe algumas caractersticas ao nvel da mobilidade do corpo docente que reputmos de pertinentes no quadro do nosso estudo. No pretendemos com isto sugerir que se trata de um caso "exemplar", ou seja, que rene todas as caractersticas consideradas pertinentes do fenmeno em anlise38. Admite-se a singularidade da unidade social em que desenvolvemos o nosso estudo mas simultaneamente pressupe-se que esta partilha um conjunto de caractersticas com o conjunto das escolas que ocupam o mesmo "sector societal"39, aspecto reforado pelo facto de, no caso portugus, o estado dispor da prerrogativa de definir a configurao estrutural da escola pblica e de essa configurao se basear no "modelo nico". O facto de a organizao escolar onde

    34 esta a posio defendida por J. Nisbett & J. Watt quando afirmam, referindo-se ao estudo de caso, "It is

    a style of inquiry which is particularly suited to the individual researcher, in contrast to other styles which require a researche team."- NISBETT, J. & WATT, J. "Case Study", in BELL, Judith et al. (eds), Conducting Small-scale Investigations in Educational Management, London, Harper & Row, 1984, p. 76.

    35 Como afirma Licno Lima, a propsito do estudo concreto e aprofundado das prticas no contexto do estudo de caso, "Nestas circunstncias, porm, o que est em jogo no a capacidade de generalizao (e nunca de um ponto de vista estatstico-inferencial) mas sim a tranferibilidade a partir do caso analisado, e sujeita obviamente a diferentes critrios, dos quais a avaliao/comparao entre o caso estudado e outros casos fica, em boa parte, nas mos de terceiros detentores de ambas as informaes"- LIMA, Licnio C. A Escola Como Organizao e a Participao na Organizao Escola, op. cit., p. 397, nota 109.

    36 Comentando a "qualidade" do regulamento interno que ento nos disponobilizava, afirmou-nos o presidente do conselho directivo: "Temos aqui um documento exemplar que foi cuidadosamente elaborado. Creio mesmo que bom demais. Alis j foi designada uma comisso para proceder sua reviso porque, embora o documento esteja muito completo, quase ningum o segue. A sua extenso dificulta a sua divulgao e, por isso, j dei instrues para que fosse resumido a duas ou trs pginas".

    37 Na altura procedamos elaborao do primeiro esboo do projecto de investigao cujo relatrio agora apresentmos.

    38 Para uma anlise das caractersticas do "caso exemplar" (exemplary case) e dos passos essenciais na seleco do caso a ser estudado ver YIN, Robert K. Applications of Case Study Research Methods, ed. cit., pp. 8-15.

    39 O conceito de "sector societal" aqui tomada na acepo que lhe atribuem Scott e Meyer: "all organizations within a society supplying a given type of product or service together with their associated organization sets: suppliers, financiers, regulators and the like"- SCOTT, W. Richard & MEYER, John W. "The organization of Societal Sectors", in MEYER, John & SCOTT, W. Richard, Organizational Environments. Ritual and Rationality, Newbury Park, Sage Publications, 1992, p. 129. A tese fundamental defendida pelos autores sintetizada nos seguintes termos: "the structure of a sector is taken to be an important aspect of the environment of a constituent organization"- ibidem.

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    desenvolvemos a nossa investigao no ser considerada um "caso tpico" no retira pertinncia ao nosso estudo, embora condicione o tipo de generalizaes que possvel fazer from the case40. Na verdade, como afirma M. Bassey, "the merit of study of single events lies not in the extent to which it can be generalized, but in the extent to which a teacher reading it can relate it to his own teaching"41. Cabe, portanto, ao leitor avaliar o alcance e validade das concluses deste estudo para alm do contexto especfico a que originariamente se reportam.

    No sendo o estudo de caso um mtodo mas um "guarda chuva"42 sob o qual se abriga uma famlia de mtodos de investigao, explicitamos de seguida as nossa opes metodolgicas. Seguimos uma metodologia predominantemente qualitativa e privilegimos o recurso a formas diversificadas de recolha de dados de modo a podermos fundamentar as nossas concluses em "mltiplas fontes de evidncia"43. Assim, recorremos aos seguintes instrumentos de recolha de dados: entrevistas centradas e em profundidade com posterior anlise de contedo, a observao directa no participante desenvolvida sobretudo na sala de professores, utilizmos tambm o inqurito por questionrio estruturado que foi objecto de posterior anlise estatstica e consultmos legislao especfica, dossiers de turma, o livro de sumrios do director de turma. Para a sntese da informao recolhida nos dois ltimos documentos elabormos grelhas de anlise especficas. Consultmos ainda outros documentos escritos, nomeadamente as relaes dos directores de turma entre 1992/93 e 1994/95.

    6.1 As entrevistas

    Como afirma E. Wragg, "Interviewing is the oldest and yet sometimes the most ill-used research technique in the world"44. A dificuldade na utilizao desta tcnica de recolha de dados tanto mais elevada quanto menos programado se apresentar o seu guio, mas tambm a entrevista menos estruturada aquela que nos pode proporcionar informaes que de outro modo dificilmente seriam captadas. Wragg distingue trs tipos essenciais de entrevistas: estruturadas, semi-estruturadas e no estruturadas45. As primeiras identificam-se com o inqurito por questionrio e baseiam-se num guio que prescreve o tipo de perguntas e a ordem por que devem ser feitas, e as respostas so frequentemente do tipo sim/no. A entrevista semi-estruturada confere maior latitude na resposta ao entrevistado, embora todos os inquiridos sejam sujeitos s mesmas questes. Na entrevista no

    40 A propsito do problema da generalizao no estudo de caso, afirmam Adelman, Jenkins e Kemmis: "the

    generalizations produced in case study are no less legitimate when about the instance, rather than about the class from which the instance is drawn (i. e. generalizing about the case, rather than from it)"- ADELMAN, Glen, JENKINS, David & KEMMIS, Stephen, "Rethinkimg Case Study", in BELL, Judith et al. (eds), op. cit. p. 94. As generalizaes from the case so possveis quando o caso estudado representativo de uma determinada classe; quando o caso se caracteriza pela sua singularidade torna-se possvel uma generalizao about the case. Neste ltimo tipo, a generalizao procede de "caso para caso" na base de eventuais semelhanas entre eles e corresponde ao que alguns autores designam de "generalizao naturalstica". Consideram, no entanto, os autores que esta distino corresponde mais s intenes do que s prticas e que "The truths contained in a successful case study report, like those in literature, are 'guaranteed' by 'the shock of recognition' "- ibidem, p. 96

    41 BASSEY, Michael, "Pedagogic Research: On the Relative Merits of Search for Generalization and Study of Single Events", in BELL, Judith et al. (eds), op. cit. p. 104. Neste texto o autor faz uma distino entre generalizaes "abertas" e "fechadas", defendendo a tese segundo a qual "The relatability of a case study is more important than its generalizability"- ibidem, p. 119.

    42 Segundo a definio adoptada pela Conferncia de Cambridge, em 1976, "case study is a umbrella term for a family of research methods having in common the decision to focus an inquiry round an instance"- ADELMAN, Glen, JENKINS, David & KEMMIS, op. cit. p. 94.

    43 Como observa Robert Yin, "The important aspect of case study data collection is the use of multiple sources of evidence converging on the same set of issues"- ibidem, p. 32

    44 WRAGG, E. C. "Conducting and Analysing Interviews", in BELL et al. (eds), op. cit. p. 177. 45 Por seu lado, Marins Pires de Lima identifica cinco tipos de entrevista: clnica, em profundidade,

    centrada, de questes abertas, de questes fechadas. Este autor considera ainda que possvel descriminar um sexto tipo- entrevista de "questes de resposta prevista, em que o entrevistado tem de se subordinar lista de respostas, mas uma delas livre ('outra resposta eventual')"- LIMA, Marins Pires, Inqurito Sociolgico: Problemas de Metodologia, Lisboa, Editorial Presena, 1987, pp. 27-28.

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    estruturada, tambm designada entrevista em profundidade, o entrevistador usa uma tcnica no directiva. Depois de um estmulo inicial, confere uma grande liberdade de aco ao entrevistado, deixando-o estruturar livremente a sua resposta. Durante o curso da entrevista, o entrevistador limita-se a reforar e "refrasear" as declaraes do inquirido. Este ltimo tipo de entrevista, dado o seu carcter no estruturado, repousa essencialmente nas competncias profissionais do entrevistador e, por isso, afirma Wragg, "it is not something which can be undertaken lightly or by anyone not well informed about procedures and hazards"46.

    No nosso estudo entrevistmos 15 professores que constituem uma amostra de oportunidade (opportunity sample)47, uma vez que os participantes foram seleccionados com base numa combinao de vrios critrios: cargos ocupados, sugestes feitas pelo coordenador dos directores de turma, dados que fomos recolhendo em conversas informais na sala de professores, disponibilidade para participar, etc. No nosso caso tentar constituir uma amostra "representativa" da populao no tem qualquer sentido, uma vez que no se pretende fazer inferncias globais. A nossa seleco foi antes pautada pela preocupao de assegurar uma variedade das pessoas inquiridas, integrando docentes com diferentes experincias e responsabilidades no domnio especfico da direco de turma. Assim, a nossa amostra composta por professores sem experincia de direco de turma, professores com experincia de direco de turma, professores com experincia de coordenao dos directores de turma, elementos do conselho directivo, elementos do conselho pedaggico, ex-elementos do conselho directivo, o coordenador dos directores de turma, elementos da comisso de horrios e delegados de grupo. Na generalidade dos casos, a integrao de cada um dos professores na amostra foi precedida de conversas informais na sala de professores que nos proporcionaram a possibilidade de aquilatar da pertinncia dessa integrao ao mesmo tempo que nos permitiram saber da disponibilidade do professor para participar na entrevista.

    As entrevistas decorreram durante o ms de Julho de 199448, j depois de terem sido aplicados, recolhidos e sumariamente tratados, os inquritos por questionrio. As entrevistas foram realizadas em diferentes espaos, com predominncia da sala de professores e da sala de reunies do conselho pedaggico. O elemento do conselho directivo foi entrevistado no seu gabinete. Apenas uma entrevista teve lugar fora da escola e isto porque o docente, no momento em que o entrevistamos, no se encontrava a exercer funes lectivas.49 Na organizao da sequncia das entrevistas deixmos para prximo do fim os entrevistados que considermos informantes privilegiados dado a seu envolvimento directo na tomada de deciso em questes relevantes para o objecto do nosso estudo. Deste modo, os ltimos professores que entrevistmos foram o elemento do conselho directivo responsvel pelas direces de turma e o coordenador dos directores de turma50.

    46 Ibidem, p. 185. 47 E. Wragg considera que no momento de escolher uma amostra "the choice is between a random sample

    and an opportunity sample", acrescenta ainda o autor que "An opportunity sample consists of those whom it is convenient to interview, either because they are willing to talk or because they come over your way"- ibidem, p. 179. Na amostra aleatria todos os membros da populao tm a mesma oportunidade de ser seleccionados. Se se pretende uma amostra que reflicta proporcionalmente os sub-grupos da populao teremos de optar por uma amostra aleatria estratificada.

    48 Admite-se que o facto de as entrevistas terem ocorrido durante um perodo caracterizado por um certo boom no trabalho do director de turma (fase das avaliaes dos alunos) possa constituir um factor de algum enviesamento dos resultados, aspecto que procuramos minimizar confrontando as respostas com outros dados recolhidos noutros momentos atravs de outros procedimentos. O facto de termos protelado as entrevistas para um perodo coincidente com o final do ano lectivo foi condicionado pela necessidade de dispormos, no momento das entrevistas, dos dados relativos ao questionrio previamente aplicado. As entrevistas constituiriam assim uma oportunidade para confrontar os entrevistados com esses dados e aclarar eventuais dvidas suscitadas por esses dados. Convm, no entanto, notar que esta opo tambm nos permitiu entrevistar os professores no fim de um percurso e, por isso, pudemos confronta-los com a sua experincia de um ciclo completo. Se os tivssemos entrevistado mais cedo, dificilmente se poderiam reportar ao conjunto do ano lectivo, sobretudo nos casos em que a direco de turma estava a ser exercida pela primeira vez. Pensamos que as vantagens justificaram os riscos.

    49 Referimo-nos ao ex-presidente do conselho directivo que, apesar de no se encontrar a exercer servio docente no momento em que procedemos s entrevistas, consideramos pertinente entrevistar pois tinha sido durante o seu mandato que o corpo de directores de turma em servio quando efectuamos o nosso trabalho de campo (ano lectivo 1993/94) tinha sido nomeado. Esta entrevista teve lugar numa autarquia da regio onde o docente se encontrava em servio.

    50 Seguimos aqui a sugesto de Nisbet & Watt que aconselham: When studying an institution as a school or an administrative unit, it may be wise to leave the senior persons- those personally involved in decision making-

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    Apenas em dois casos no obtivemos autorizao para o registo magntico das entrevistas51. Nos restantes os docentes aceitaram sem qualquer hesitao o nosso pedido para utilizarmos gravador e o facto de termos recorrido a um aparelho de pequenas dimenses, que facilmente se dilua entre os objectos sobre a mesa, contribuiu para que este no se revelasse to obstrutivo. No pretendemos com isto dizer que exclumos a influncia dos factores contextuais, assegurando assim a objectividade dos discursos. Uma situao de entrevista, como qualquer relao face a face, sempre uma situao de interaco social particular sujeita a diferentes leituras e avaliaes de parte a parte, susceptveis de introduzir enviesamentos na anlise dos dados. Como afirmam Ghiglione & Matalon, "Conscientemente ou no, ela [a pessoa inquirida] diz-nos apenas o que pode e quer dizer-nos, facto que determinado pela representao que faz da situao e pelos seus prprios objectivos, que no coincidem necessariamente com os do investigador."52

    Embora alguns autores considerem que no se justifica a transcrio das entrevistas e aconselharem vivamente a no recorrer a esse procedimento53, no nosso caso, apesar de as entrevistas terem uma durao mdia de cerca de 50 minutos, optmos pela sua transcrio, por se nos afigurar que o tempo investido nesta tarefa poderia facilmente ser recuperado no momento de proceder sua anlise e de convocar os aspectos julgados pertinentes. No sentido de facilitar a identificao das entrevistas, cada cassete foi devidamente etiquetada e numerada, complementada com um breve comentrio pessoal relativo pertinncia do seu contedo54.

    6.2 O inqurito por questionrio

    O inqurito por questionrio constituiu, como referimos acima, uma das tcnicas de recolha de dados integrada na desejvel triangulao das informaes.

    Na sua elaborao procurmos respeitar o prudente conselho de Marins Pires de Lima, segundo o qual, "o tempo gasto no planeamento tempo ganho nas fases finais em que se apuram e se expem os resultados"55. O inqurito que aplicmos constitudo por duas partes: uma destinada a toda a populao alvo do nosso estudo- o conjunto dos professores da escola; a outra orientada apenas para os professores que tm experincia de direco de turma (que so ou j foram directores de turma). Na sua construo privilegimos o recurso a questes fechadas, apresentando a lista das respostas previstas de entre as quais, consoante os casos, os inquiridos foram convidados a indicar a resposta mais adequada; seleccionar um nmero determinado de respostas consideradas mais adequadas; escolher e ordenar um determinado nmero de respostas que considerassem mais adequadas de acordo com o critrio apresentado; escolher e ordenar a totalidade das respostas propostas56. Procurando minimizar o efeito de enviesamento que a questo fechada pode induzir

    until near the end, so that you can make the best use of your time with them."- NISBET, J. & WATT, J. "Case Study", in BELL, Judith et al. (eds), op. cit., p. 83.

    51 Na verdade no fomos muito insistentes pois consideramos que qualquer autorizao que no resultasse de uma disponibilidade imediata poderia criar algum constrangimento no entrevistado, enfraquecendo a riqueza e a profundidade das suas respostas.

    52 GHIGLIONE, Rodolphe & MATALON, Benjamin, O Inqurito: Teoria e Prtica, Oeiras, Celta Editora, 1992, p. 2. Mais adiante no ponto intitulado "Esboo de uma psicosociologia da situao de inqurito" -pp. 168-176- os autores analisam de uma forma pormenorizada alguns dos factores que podem introduzir enviesamentos na anlise dos dados.

    53 A este propsito afirmam Nisbet & Watt: "Do not transcribe interviews [...]. One hour of interviewing becomes ten hours' work when transcribed; and the mass of words and paper interferes with one of the main tasks, which is to identify key statements and graphic illustrations. This is best done from notes, suplemented by a recorder."- ibidem, p. 83. Tambm E. Wragg defende um ponto de vista semelhante ao considerar que cada hora de entrevista implica entre 7 a 10 horas de transcrio, concluindo que "It is not essencial to transcribe interviews, and many interviewers rely on handwritten notes assembled during the interview."- ibidem, p. 191.

    54 Quando durante o texto recorremos transcrio de um trecho de uma entrevista utilizamos a identificao constante dessa etiqueta. Assim, "E5, Julho/94", significa que o extrato foi retirado da entrevista n5 (que ocorreu em 5 lugar) e que foi realizada em Julho de 1994. Habitualmente acrescentmos outros elementos de contextualizao, nomeadamente a situao profissional e institucional do entrevistado.

    55 Ibidem, p. 44. 56 A opo pelo tipo de questes em que o inquirido escolhe e ordena um determinado nmero ou a

    totalidade das respostas foi tomada no pressuposto de que dessa forma se obtinha uma informao mais rica. Reconhecemos , no entanto, que no pondermos devidamente o tipo de utilizao que faramos da informao

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    contemplmos para cada questo um nmero relativamente amplo de alternativas de resposta e inserimos a opo "outra(s)" deixando espao no questionrio para que fossem discriminadas. Aqui, como de resto na generalidade dos questionrios, raramente o inquirido aproveitou essa oportunidade, preferindo optar pelas alternativas expressas. Inserimos tambm questes abertas embora em nmero bastante reduzido. Num nmero relativamente elevado de casos estas questes ficaram sem resposta e naqueles em que os inquiridos se manifestaram foram bastante lacnicos e sincrticos57. Independentemente de outros aspectos, alguns autores consideram que a introduo de questes abertas, intercalando um conjunto de questes fechadas, tem a vantagem de tornar o preenchimento do questionrio numa actividade menos montona e fastidiosa, ao mesmo tempo que proporciona ao inquirido a oportunidade de expressar de uma forma mais livre as suas opinies58.

    Antes de aplicarmos o questionrio populao definitiva procedemos a um pr-teste desenvolvido em dois momentos distintos. Primeiramente solicitmos a um docente que exerce a sua actividade profissional numa escola de tipo C+S que, na nossa presena, preenchesse o questionrio e nos fosse relatando as suas impresses e sentido(s) que ia dando a cada uma das questes, ao mesmo tempo que medimos o tempo necessrio ao seu preenchimento. Num segundo momento aplicmos o questionrio a uma amostra seleccionada numa escola com caractersticas idnticas quela em que pretendamos fazer o nosso estudo. Deste processo resultou a excluso de algumas questes que no foram respondidas pela maioria dos inquiridos59 e a alterao na redaco de assim obtida. No momento de tratar os dados deparmo-nos com o problema de determinar o valor absoluto e relativo de cada resposta. Tratando-se de variveis ordinais no podiam ser directamente convertidas em variveis numricas. A soluo que adoptmos consistiu em apresentar quadros em que para cada varivel indicmos o nmero de indivduos que a colocou em 1 lugar, 2 lugar, 3 lugar, etc.. De forma complementar, e conscientes do salto (i)lgico em causa, determinmos o peso "ponderado" de cada resposta multiplicando a sua frequncia pelo valor que lhe foi atribudo e adicionmos de seguida os produtos. Exemplificmos com uma questo hipottica:

    1= valor mnimo

    Questo X Valor 1 Valor 2 Valor 3 Resposta 1 25 8 4 Resposta 2 11 13 45 Resposta 3 9 5 12 Resposta 4 15 10 7

    O valor "ponderado" da Resposta 2 =11x1+13x2+45x3 (=172). Esta operao leva a tomar os valores como variveis numricas, ou seja, a pressupor que, quer a nvel individual quer a nvel colectivo, a distncia entre o trs valores igual, o que de facto no podemos provar. As concluses obtidas a partir destes clculos so, por isso, muito precrias e necessitam sempre de ser confrontadas com os dados obtidos por outros procedimentos.

    57 Esta situao, segundo Ghiglione & Matalon, parece ser comum quando as questes abertas surgem na sequncia de um conjunto de questes fechadas: "as respostas a uma questo aberta, que se sucede a uma longa srie de questes fechadas, so geralmente muito pobres, quer porque, por um lado, as pessoas se habituaram a dar respostas curtas, ou, por outro, a ordenar e a escolher sobre um material j pronto"- ibidem, p. 117.

    58 A opo entre questes abertas e questes fechadas no uma questo simples. Se por um lado as questes fechadas limitam as possibilidades de resposta do i