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Rosemberg 70

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  • Rosemberg 70

    cinema de afeto

    Rosemberg 70

    cinema de afeto

    PatrocnioProduo Coproduo

    Orgs. Leonardo Esteves e Renato Coelho

    Onde o cinema me inicia e onde comea nossa amizade confundem-se como recordaes de quase infncia, como que

    de irmandade, embora tenha sido bem mais tarde quando, j

    maiores de idade, nos encontramos pela primeira vez. Como

    se j nos conhecssemos h muito tempo. Sinto como se a pa-

    ternidade dessa irmandade afetiva tenha sido obra tramada

    pela vidncia do velho anarquista Novais Teixeira. O conheci-

    mento secreto que o Luiz tinha da condio humana e a abran-

    gncia da sua anlise e reflexo foram se tornando orientao

    no meu aprendizado da responsabilidade que a materiali-

    zao do pensamento, do olhar, da arte, e do cinema, essa

    responsabilidade humana que pensar, refletir e moldar o

    mundo, da necessidade do aprendizado em liberdade para

    ousar falar dela e represent-la, do cinema como vivncia e

    percurso desse conhecimento de vida e revelao. A$suntina,

    Crnica e Dois casamentos so para mim uma trilogia para a li-

    bertao do condicionamento desumano, sua srie intermin-

    vel de curtas, o ponto a ponto da desmontagem necessria da

    opresso, do poder, da violncia do capital, das ideologias,

    das crenas, suas colagens sentimentos reunidos de uma hu-

    manidade despedaada, fragmentos de seus sentimentos e

    desejos, sua vida uma lio tica e poltica da responsabilida-

    de de ser um homem que assume publicamente expor os meca-

    nismos da manipulao da condio humana. Quando homem

    e obra uma coisa s. Como um Bergman, um Benjamin, um

    Bla Tarr, um Rossellini, JLG, Antonioni, Ray, Rosi,..., ele perten-

    ce a essa turma de mestres. Devo a ele rumos do meu cami-

    nho, so dele muitas as direes que segui, intuies anteci-

    patrias, parte em mim ele, sentimento de gratido, como

    quando a cada livro com que ao longo de anos tem me pre-

    senteado constato sua sintonia visionria com o imaginrio a

    que nossas longas conversas me conduzem.

    A importncia de uma mostra completa do trabalho do Luiz

    Rosemberg Filho vai revelar 50 anos de dedicao de um apai-

    xonado ativismo cinematogrfico e de um humanismo libertrio

    que nenhuma ideologia censora conseguiu frear, s esconder, e

    com isso dar-lhe mais lenha para botar fogo no circo das vaida-

    des, das arrogncias e podres poderes.

    Andrea Tonacci

  • Rosemberg 70 Cinema de Afeto

    Esteves, Leonardo; Coelho, Renato (orgs.)

    1. Edio

    Junho de 2015

    ISBN 978-85-65564-09-0

    Reviso de textos Rachel Ades

    Projeto grfico Guilherme Lopes Moura

    Todos os direitos reservados.

    proibida a reproduo deste livro ou de parte de seu

    contedo sem prvia autorizao dos organizadores.

  • Organizao Leonardo Esteves e Renato CoelhoRio de Janeiro, 2015

  • A CAIXA uma das principais patrocinadoras da cultura brasileira, e des-tina, anualmente, mais de R$ 60 milhes de seu oramento para patrocnio a projetos culturais em seus espaos, com o foco atualmente voltado para expo-sies de artes visuais, peas de teatro, espetculos de dana, shows musicais, festivais de teatro e dana em todo o territrio nacional, e artesanato brasileiro.

    Os eventos patrocinados so selecionados via Programa Seleo Pblica de Projetos, uma opo da CAIXA para tornar mais democrtica e acessvel a participao de produtores e artistas de todas as unidades da federao, e mais transparente para a sociedade o investimento dos recursos da empresa em patrocnio.

    A mostra Rosemberg 70 Cinema de Afeto traz ao pblico as obras do cineasta Luiz Rosemberg Filho. Seus filmes autorais e de baixo-oramento, so marcados pela construo de uma linguagem crtica, e verborrgica sobre arte. Com seu Cinema de Inveno dotado de um radicalismo e uma mania de no se entregar as mesmices devoradas pelo consumismo, Rosemberg teve todos os seus longa-metragens censurados nas dcadas de 1960 e 1970. Seus filmes foram excludos da mdia e pouqussimas vezes exibidos.

    Desta maneira, a CAIXA contribui para promover e difundir a cultura nacio-nal e retribui sociedade brasileira a confiana e o apoio recebidos ao longo de seus 154 anos de atuao no pas, e de efetiva parceira no desenvolvimento das nossas cidades. Para a CAIXA, a vida pede mais que um banco. Pede inves-timento e participao efetiva no presente, compromisso com o futuro do pas, e criatividade para conquistar os melhores resultados para o povo brasileiro.

    CAIXA ECONMICA FEDERAL

  • H dcadas, o diretor Luiz Rosemberg Filho teve seus filmes censurados, boi-cotados e perdidos. Um realizador criativo e atuante que no se adaptou s regras de mercado e nem s costumeiras burocracias governamentais.

    Um grande artista e pensador do cinema e da vida que, apesar de tudo, se-guiu com suas ideias e convices acerca do cinema que acreditava, e acabou pagando alto por isso.

    Mas a vida d voltas... e seus filmes comearam a encontrar espao em ci-neclubes, na internet, em festivais e mostras de cinema. Uma nova gerao em busca de algo realmente diferente e instigante abraa suas ideias e seu cinema, e descobre nele um cineasta moderno e afiado. A tecnologia digital e o m-todo de produo/distribuio/exibio livre auxilia muito nisso tudo tambm.

    Hoje, essa nova gerao de cinfilos e cineastas abraa o grande mestre, injeta fora e o estimula em sua volta triunfal: RETROSPECTIVAS, HOMENA-GENS, NOVO LONGA-METRAGEM, FILMES PERDIDOS RECUPERADOS, LI-VROS, DVD, DIREO TEATRAL, EXPOSIES, DOCUMENTRIO, CIRCUITO DE CINEMAS COMERCIAIS (nem to comerciais assim...).

    O fato que Luiz Rosemberg Filho est de volta!!! Mais criativo do que nunca!!! Sorte para todos ns durante essa jornada!!!

    Cavi Borges e Renato Coelho, curadores

  • introduo11 Por uma obra incessante e libertria, por Leonardo Esteves e Renato Coelho

    Prefcio/ dePoimento15 Luiz Rosemberg Filho um cinema pelo afeto, por Joel Yamaji

    reflexes21 Notas sobre a trajetria de Luiz Rosemberg Filho, por Renato Coelho35 Propostas para uma identidade fragmentria de um operrio do cinema, por Leonardo Esteves

    fortunA criticA57 Amrica do Sexo, por Rubens Maia61 O jardim das espumas, por Eduardo Escorel63 Telhados de vidro, por Srgio Santeiro97 O jardim das espumas, por Fernando Ferreira99 Release do filme Imagens103 A$suntina das Amrikas, s pra estrangeiros, por Jairo Ferreira105 Um filme corsrio, por Sylvio Back107 O nico industrial censurado, por Srgio Augusto111 Como matar um cineasta brasileiro, por Jean-Claude Bernardet115 Crnica de um industral, por David E. Neves119 Movimentos da Agonia poltica, por Andr Setaro

    sumrio

  • 123 O santo e a vedete, por Joo Ricardo Moderno127 Paisagens da utopia, por Joel Yamaji131 Cinema profano , cinema de naufrgio: ensaio sobre o filme Dois Casamentos, por Duda Castro

    139 Orculo de cinema, por Jos Sette

    AutoriA textos de Luiz Rosemberg Filho143 Fazer cinema fazer revoluo149 O jardim das espumas153 O prazer como histria, como luta, como vida159 Testamento dos 30 anos ou retrato de um artista quando jovem169 Por um discurso aberto da afetividade179 Veias da conscincia183 A-B-C do exibidor187 1964191 Elogio aos marginais197 Ser um diretor de cinema brasileiro

    202 filmogrAfiA

    205 sobre os orgAnizAdores

    206 AgrAdecimentos

    207 crditos

  • Luiz Rosemberg Filho atravessou as ltimas dcadas sob um ritmo de traba-lho constante. Seja pela produo de filmes, de vdeos, textos e colagens ou pe-las fartas correspondncias e ligaes telefnicas endereadas a tantos amigos e afetos. Durante todos esses anos, em que uma obra se avolumava conforme as condies de produo que mais limitavam do que inspiravam sua feitura, pouco se celebrou desse artista to ativo. A mostra Rosemberg 70 cinema de afeto uma boa oportunidade para ver ou rever uma obra to vasta e, ao mes-mo tempo, to pouco vista fora do circuito afetuoso que circunda o cineasta.

    A presente publicao pretende expandir essa visibilidade. No apenas funcionar como um apndice da retrospectiva, mas ampliar seu campo de re-flexo, libertando-se de sua condicionalidade e preenchendo uma lacuna cor-respondente a outras facetas do diretor, fora de sua produo flmica, visada de forma prioritria pela mostra. Em parte se revela um nmero de imagens criadas por Rosemberg e sobre ele. Em parte se elenca uma sequncia de tex-tos que propem reflexes sobre sua obra. E ainda se compila outra poro, na qual o diretor exibe seu repertrio crtico e destrincha suas manobras contra o espetculo e a favor de um Cinema (a maiscula aqui est em consonncia com sua forma de se exprimir).

    Na seo Reflexes, Renato Coelho faz um detalhado apanhado sobre o percurso do diretor em Notas sobre a trajetria de Luiz Rosemberg Filho, com-pondo um ponto de partida para o leitor percorrer vida e obra de Rosemberg.

    Por umA obrA incessAnte e libertriA

  • Em Propostas para uma identidade fragmentria, Leonardo Esteves aborda a questo da identidade na obra cinematogrfica de Rosemberg, contextualizan-do-a no perodo de seu surgimento, no final dos anos 1960.

    Em Fortuna crtica, houve o trabalho de reunir um material disperso, de veculos por vezes extintos, composto por impresses deixadas ao longo do tempo por crticos, articulistas e cineastas sobre a filmografia de Rosemberg. Em alguns casos filmes que permaneceram praticamente inditos, fora do al-cance da crtica , essa seo revela-se um tanto problemtica. Logo, h nessa compilao um sentido crtico, em textos que buscaram relacionar os filmes em seus momentos. E h tambm um sentido documental, em relatos que priori-zaram informar (caso do texto de Rubens Maia, escrito j nos anos 90 sobre o ento indito Amrica do sexo [1969]), e em materiais raros, como uma espcie de dossi de imprensa, no idioma francs, de Imagens (1972).

    J em Autoria, optou-se por reunir uma frao da significativa e extensa obra escrita de Rosemberg, j que desde meados dos anos 60 at os dias de hoje o autor vem escrevendo sobre cinema para diversos jornais, revistas e sites independentes. A coletnea de textos se inicia com Fazer cinema fazer revoluo, artigo publicado em 1966 no extinto jornal carioca O Metropolitano, no qual o autor se mostra alinhado s principais ideias e proposies do grupo cinemanovista. Dos anos 70, constam aqui ensaios acerca de seus prprios fil-mes alis, uma prtica corrente por parte do cineasta , como a apresentao sobre O jardim das espumas para um folheto da Cinemateca do MAM, quando da pr-estreia do filme, em outubro de 1970. Constam ainda ensaios de Ro-semberg, como o emblemtico O prazer como histria, como luta, como vida, publicado no primeiro nmero da revista Cine-Olho, em junho de 1977, entre outros artigos. Da dcada de 1980, uma amostra da fundamental colaborao de Rosemberg para o jornal Cine Imaginrio, bem como o artigo Elogio aos marginais, publicado em O Pasquim, compe o apanhado. Essa coletnea da longa obra escrita de Rosemberg, embora apenas uma frao, visa adentrar e mostrar as principais preocupaes, ideais, bem como a conhecida verve in-

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  • quieta do autor, ao longo desses quarenta anos de trajetria. H entre essas sees dois cadernos encartados. Um deles composto

    por fotografias do cineasta, que obedecem a quatro naturezas: fotografias de cena dos filmes (stills); fotos de set, onde se v o diretor dirigindo atores ou interagindo com a equipe; imagens do diretor e retratos dedicados a seus la-os afetuosos (sua famlia e seus amigos mais prximos). J o outro caderno dedicado ao seu trabalho de colagens. Como Rosemberg as produz em ritmo intenso e sem registros que permitam contextualiz-las (uma parte expressiva das colagens sequer possuem ttulos), optou-se por reproduzi-las sem informa-es complementares, apostando apenas na potncia de sua visualidade.

    O leitor que atravessar essas pginas com o mpeto criativo e demolidor impregnado na obra de Rosemberg vai se encontrar diante de um processo muito singular e fiel a si mesmo ao longo do tempo. Descobrir esse lado multi-facetado e repleto de conexes voltar-se tambm para um processo incans-vel de batalhas que perduram por dcadas e por outras ainda persistiro.

    Leonardo Esteves e Renato Coelho, Rio de Janeiro/ So Paulo, junho de 2015.

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    Prefcio / dePoimento

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    No Brasil, minha gerao no cinema (como, alis, quase todas nessa rea) co-meou sob o signo da paixo e do afeto. Existe alguma outra forma de sobre-vivncia nesse pas to marcado pelo senso da fatalidade, do cumprimento de um destino marcado pela dominao pelo outro, pela impotncia e servido? Nos pases dominados, sabemos, s se pode vislumbrar o infinito atravs da perspiccia, da perseverana e infinita pacincia, que podem se tornar insupor-tveis sem o cultivo da devida dose do senso de humor.

    Eu vim do interior para estudar e aprender a fazer cinema e foi nas aulas de Paulo Emlio Sales Gomes, na Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo, que pude conhecer os filmes brasileiros que marcariam para sem-pre meu modo de olhar e sentir: falo dos filmes do Cinema Novo, de Glauber Rocha, Leon Hirszman, Paulo Csar Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade, Ruy Guerra, do que lhes servira de base, Nelson Pereira dos Santos; em So Paulo, Roberto Santos, Luis Srgio Person, entre outros. Tambm, numa outra verten-te, marcada por uma postura de ruptura esttica mais radical, incorporando elementos do cinema popular como a chanchada e a esttica do mau gosto, alm do cinema de gnero como o policial noir, o musical e at a fico cien-tfica, o que se chamou de Cinema Marginal: filmes de Rogrio Sganzerla, Julio Bressane, Jos Agripino, Joo Silvrio Trevisan, Joo Callegaro, Carlos

    luiz rosemberg filHo um cinemA Pelo AfetoJoel Yamaji1

    1 Joel Yamaji professor de cinema e dirigiu Assembleias (1977), As mesmas perguntas (1981), Cafund (1986), O espectador que o cinema esqueceu (1991), entre outros.

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    Reichenbach, Jairo Ferreira, Elyseu Visconti, Andrea Tonacci, Luiz Rosemberg Filho. Na obra desses dois ltimos realizadores, Tonacci e Rosemberg, no vira muitos pontos em comum com o movimento ao qual foram associados: havia, neles, acuidade esttica, cuidado plstico com as imagens, no uso do som, alm obviamente da irreverncia prpria a todos. Foi nessas aulas de Paulo Emlio que tive meu primeiro contato com ambos, esses que se tornariam, imprevi-sivelmente, meus amigos de sempre: Tonacci e Rosemberg. Primeiro, pelos filmes, depois, pelas pessoas que so: Olho por olho (1966), Bl bl bl (1968) e Bang bang (1970), de Tonacci; O jardim das espumas (1970), A$$untina das Amrikas (1975) e Crnica de um industrial (1978), de Rosemberg. Para falar de Rosemberg, foi a luminosidade que emanava das imagens de A$suntina das Amrikas o que me atraiu: gritadas, explosivas, de cores fortes, com um sentido visceral da poltica e da sexualidade emanando flor da pele no cotidiano da cidade (sons estridentes, vertiginosos, conduzindo quadros onde se expressa-va, na trajetria de uma mulher de subrbio do Rio de Janeiro, a imagem do pas enquanto um continente, uma nao. Plasticamente, o filme conseguia nos dar uma viso totalizante do Brasil como civilizao. E o expressava com fria e coragem para o confronto que s vira at ento em Terra em transe (1967), de Glauber, ou Bl Bl Bl (1968), de Tonacci. Havia o receio de que, talvez, o filme no chegasse a ser exibido, dado o perodo em que se vivia, ainda sob a ditadura militar. Paulo Emlio, corajosamente, comprou a briga: Em aula mi-nha, passam os filmes que eu quero. Como se no bastasse, Luiz Rosemberg (R para os amigos), entrou pelo auditrio distribuindo um texto que se asse-melhava a um manifesto: que sua personagem no era politizada como a Sara, de Terra em transe, mas uma mulher comum, do povo, sem conscincia poltica como a maioria, mas com a qual se cumpliciava para, atravs dela, expressar sua viso de mundo. Sempre foi assim: por trs da aparente radicalidade (ser radical pegar as coisas pela raiz, costumava dizer Glauber), da ira e rebeldia exacerbadas, uma generosidade desmedida, sem sentido de defesa algum, uma entrega total ao afeto pelas pessoas, independentemente de credo, ideo-

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    logia, formao, classe social ou econmica, passando por entre os petardos que lhe endeream com o riso matreiro de quem est sempre aprontando arte.

    Culto, refinado, estudioso (como, alis, todo diretor do cinema brasileiro da atualidade deveria ser), com um senso de humor e irreverncia inatos (como em Martins Pena), capaz de extrair piadas de situaes mais terrveis, nunca foi pre-sunoso, metido a besta, mistificador de coisa alguma. O que no suporta a mediocridade, a brutalidade em que se tem transformado uma cinematografia que sempre pautou pela generosidade e riqueza esttica nos seus tempos me-lhores, e hoje se confunde e se perde nas intenes programadas, de puro jogo poltico (no mau sentido da expresso), de projeo de vaidades mesquinhas que s nos afastam do cinema. Paulo Emlio costumava dizer que quando se voltar a fazer filmes to bons quanto se fez num determinado perodo do pas, o pblico leal voltar a ver o cinema brasileiro. Por enquanto, o que consegui-mos regredir ao parnasianismo no melhor estilo Olavo Bilac e Rui Barbosa. Lima Barreto treme em sua tumba.

    Quando esboava meus primeiros passos na funo do cinema, sentia-me, no plano esttico, intimidado e sem interlocutores, exceo bvia do professor generoso que era Paulo Emlio e os poucos amigos que, como numa ddiva, sempre me acompanham. Entre os grandes, Rosemberg foi o primeiro a quem procurei sem me sentir tolhido. No Rio, chegando pela primeira vez, alojado em casa de colegas, telefonei para ele, sem que me conhecesse, eu, ainda estudante, desconfortvel no mundo como, alis, at hoje, para lhe pedir uma entrevista sobre Rogrio Sganzerla. Do outro lado, a voz cordial, exuberante, receptiva. Marcamos um encontro. Era para ser uma conversa de uma ou duas horas. Conversamos a tarde toda e, no final, olhando-me nos olhos, me disse: Agora, voc vai l onde est, pegue sua mala e venha para minha casa. Voc fica aqui comigo. Assim, ele .

    Em minha estante (mas sei que com muitos se passa o mesmo), tenho uma biblioteca parte, de livros e DVD com que me presenteou e me formou. Livros que guardo e releio at hoje nos momentos em que me sinto esvaziado. Gosto

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    de dizer com certo orgulho que, atravs desses livros, foi o irmo mais velho que se ocupou de parte de minha formao. Alm das camisas, pois achava que, na juventude, eu deveria me vestir com cores mais quentes, como tambm fazer comdias ao lado dos filmes de temticas pesadas, que acabei e acabo, por vezes, cometendo. O fato que, com ele, tambm aprendi a ver o lado cmico da vida e o prazer de boas gargalhadas que compartilhamos quando estamos juntos.

    Uma vez ele me disse: Quero que voc conhea um grande amigo meu, que um grande irmo para mim. Juntos, ainda poderemos fazer grandes coi-sas. Esse segundo irmo Andrea Tonacci.

    Acho a vida entre os homens, na maioria das vezes, dura e cruel, e sei que estou sendo bvio. Tambm acho o homem capaz de ser o mais injusto e perverso que existe no planeta, um ser predatrio e no confivel. Ao mesmo tempo, em minha misria, sinto-me por vezes afortunado. Sa do interior de So Paulo atrs do cinema que me fez enquanto pessoa desde os cinco anos, graas aos meus pais e ao amor que minha me devotava aos filmes que me mostrava. No mundo do cine-ma no Brasil, de dura sobrevivncia, a vida me presenteou, no entanto, com meus melhores amigos (ao lado dos de infncia, de juventude e de meus irmos, obvia-mente). Entre eles, dois com os quais aprendo at os dias de hoje sobre genero-sidade, lealdade, companheirismo, honestidade para consigo mesmo e os outros, busca pelo sentido prprio de se existir, carter, dignidade, coerncia na escolha das coisas, tica, respeito para com a vida. Afeto, amor. So eles: Tonacci e Rosem-berg. Luiz Rosemberg Filho foi quem primeiro me falou sobre a cumplicidade entre os amigos. Quero morrer com o cinema em que aprendi e com o qual cresci, que me ensinou sobre tantas coisas boas, sobre as possibilidades do homem no senti-do da construo: amor sua terra, sua gente, ao seu pas enquanto nao. No Brasil, Glauber, Rogrio, Carlos Reichenbach, Leon, Joaquim Pedro, Paulo Emlio, Saraceni, Fernando Coni Campos fazem muita falta. No sou saudosista, trago em mim a conscincia de antepassados longnquos que ensinam sobre a transitorie-dade da vida e das coisas. Meus irmos vivos no cinema continuam e continuaro para sempre. Comigo e com os poucos jovens alunos com quem convivo.

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    reflexes

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    O cineasta Luiz Rosemberg Filho nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 27 de setembro de 1943. Filho primognito de Luiz Rosemberg, jornalista e fundador da agncia de notcias APLA1, e de Mercedes Rosemberg, tem dois irmos, Tito e Sonia.2

    Autor de uma vasta filmografia que soma ao todo mais de cinquenta ttulos entre curtas, mdias e longas-metragens, Rosemberg comeou a empreender sua trajetria em meados dos anos 1960 e continua ativo at os dias de hoje.

    notAs sobre A trAjetriA de luiz rosemberg filHoRenato Coelho

    1 Agncia Periodista Latino-Americana, fundada em 1946.2 Tito Rosemberg fotgrafo e um dos precursores do surfe no Brasil, entre outras ativida-des. Sonia Ro artista plstica.

    A famlia Rosemberg

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    Paralelamente sua atividade como cineasta, Luiz Rosemberg Filho autor de um considervel nmero de colagens. So imagens que dialogam intrinsecamente com seus filmes, constituindo um universo nico de sua obra e pensamento. So-ma-se a isso, ainda, uma prolfica e extensa atividade como ensasta, escrevendo constantemente sobre cinema para diversos jornais e revistas, j h vrias dcadas.

    Realizador geralmente associado ao cinema de cunho experimental pro-duzido no Brasil, Luiz Rosemberg Filho sempre manteve uma postura indepen-dente, nunca se filiando a grupos, ao Cinema Novo ou ao Cinema Marginal, mesmo que constantemente associado ao segundo perodo. Sua filmografia in-clui longas-metragens importantes no panorama do cinema brasileiro dos anos 1960/1970, filmes radicais e viscerais, muitas vezes interditados pela censura durante o regime militar e raramente exibidos em circuito comercial.

    Rosemberg inicia sua trajetria artstica com a pintura3 e passa a se interes-sar pelo fazer cinematogrfico no comeo dos anos 1960, quando frequenta reunies do CPC, o Centro Popular de Cultura da UNE. No CPC se aproxima de figuras como Oduvaldo Vianna Filho, Joel Barcelos, Leon Hirszman, Eduar-do Coutinho, entre outros. Esse ambiente, bem como a recente realizao do longa-metragem coletivo Cinco vezes favela (1962), influenciou Rosemberg a iniciar a realizao de Levante4, curta-metragem de fico que fica inacabado.

    Posteriormente, a convite do crtico de cinema Antonio Moniz Vianna, Ro-semberg trabalha como seu assessor no Instituto Nacional de Cinema, o INC, durante a segunda metade dos anos 1960.

    Luiz Rosemberg Filho inicia sua carreira cinematogrfica de fato em 1968,

    3 Rosemberg se dedicou pintura dos 16 aos 19 anos, aproximadamente. quando passa a frequentar as reunies do CPC e se aproxima do teatro, logo se interessando pelo cinema. Poucas pinturas suas restaram, mas acerca de seu trabalho como pintor, nunca exposto, pode-se constatar a influncia do Expressionismo Abstrato. 4 Segundo Rosemberg, Levante abordava o universo de operrios durante uma greve.

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    ano em que roda Balada da pgina 3, finalizado no ano seguinte. Inicialmente um projeto de mdia-metragem para um filme de episdios5, com argumento de Ruy Guerra e Mario Carneiro como diretor de fotografia, o projeto acabou por se tornar um longa. O filme no teve grande repercusso crtica, tampouco distribuio comercial e hoje considerado perdido.

    Em Balada da pgina 3, um jovem do subrbio carioca furta um carro do ano em um posto de gasolina, um Mustang, e vai para a Zona Sul, para Copa-cabana, com a namorada. Os jovens perambulam de carro pelo Rio de Janeiro, fazem um pacto de amor eterno e ao final do filme se suicidam.6

    Em 1969, Rosemberg participa do longa-metragem de episdico Amrica do sexo, no qual dirige o primeiro episdio, intitulado Colagem. O filme con-tm mais trs mdias-metragens, dirigidos respectivamente por Flvio Moreira da Costa e Rubens Maia (que no seguiram carreira no cinema), e pelo cinema-novista Leon Hirszman.

    Filme de realizao rpida7, como geralmente eram feitos os longas de episdio na poca, foi uma coproduo entre Rubens Maia e Antnio Polo Ga-lante8. tala Nandi interpretou o papel principal nos quatro episdios e o filme contou com atores como Renato Borghi e Jos Celso Martinez Corra, numa parceria com o Teatro Oficina. Com 29 minutos de durao, o episdio Cola-gem serviu, segundo o prprio Rosemberg, como aprendizado para realizao de seu filme seguinte, O jardim das espumas. Amrica do sexo acabou retido e posteriormente liberado pela censura, mas seguiu indito por dcadas.

    Em 1970, Luiz Rosemberg Filho roda seu segundo longa-metragem, O jar-

    5 O filme se chamaria Cidade sem sol, com episdios dirigidos por Rosemberg, Flvio Morei-ra da Costa e Luiz Carlos Maciel. 6 Segundo depoimento de Rosemberg e texto no publicado de Sindoval Aguiar, ator no filme.7 Amrica do sexo foi rodado entre os meses de julho e agosto de 1969, em 16 mm.8 A Servicine, empresa de A. P. Galante e Alfredo Palcios, foi responsvel pela ampliao do filme para 35 mm. Porm, aps constatar o resultado final, se desinteressou pelo filme diante das dificuldades que encontraria com a censura.

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    dim das espumas, filme geralmente associado ao perodo do Cinema Marginal, embora menos voltado para a curtio e mais marcado por algumas preocu-paes sociais e polticas do Cinema Novo.9 Embora interditado pela censu-ra federal, que probe sua exibio comercial, O jardim tem boa repercusso crtica. Posteriormente liberado pela censura, tem estreia acanhada no circuito comercial em agosto de 1973.

    Filme de cunho alegrico e que alude situao poltica do pas no mo-mento, ainda que camuflado como uma incurso ao gnero da fico cientfica, o longa marcou o comeo da parceria de Rosemberg com o diretor de foto-grafia francs radicado no Brasil Renaud Leenhardt, seu amigo e parceiro at os dias de hoje, com quem j realizou mais de quarenta trabalhos. At pouco tempo considerado perdido, recentemente se descobriu uma cpia do filme no acervo do Collectif Jeune Cinma10, em Paris.

    Aps a realizao do filme e sua interdio pela censura federal, Luiz Ro-semberg Filho deixa o Brasil e se transfere para Paris, onde mora por aproxima-damente quatro anos. Na Frana, se aproxima de Glauber Rocha, para quem dedica o experimental Imagens (1972). Acerca da amizade com Glauber, trans-crevo trecho do belo verbete escrito pelo cinemanovista sobre Rosemberg no livro Revoluo do Cinema Novo, de 1981:

    Homem gigantesco, Luiz Rosemberg Filho um produto barroco do judaysmo multi-

    brazyleyro, um Michelangelo de Moyses.

    [O] jardim das espumas (68-69-70) um APOKALYPZE TALENTRIO QUE ME PRO-

    VOCOU FANTSTICAS LIBERAES.

    Intelectual militante, capitalista e marginal, revolucionrio pela RAYZ Rosemberg

    o mais consequente artista underground made 1968. (...)

    Seus projetos so todos possudos de ambies totalizantes eis um cineasta&artis-

    ta&ser vibrante como a FORJA DE WAGNER NA BIGORNA DA ESPADA DE SIEGFRIED.11

    9 RAMOS, 1987, p. 105.10 Fundado em 1971, o CJC uma cooperativa de cineastas dedicada aos cinemas diferen-tes e experimentais, como consta em seu site: http://www.cjcinema.org/.

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    Durante passagem pelo Brasil, Luiz Rosemberg Filho realiza Imagens, em 1972, longa-metragem silencioso, filmado em 16 mm e em preto e branco. Todo rodado com elenco no profissional, formado por amigos de Rosemberg e pelo prprio diretor, o filme foi exibido no Brasil apenas em sesses restritas. Durante dcadas pensou-se que Imagens12 estivesse definitivamente perdido, mas recen-temente foi localizada uma cpia tambm no Collectif Jeune Cinma, em Paris.

    Segundo o diretor, Imagens foi levado por Rosemberg na sua volta para a Frana de maneira clandestina, no fundo falso de uma mala. Exibido em alguns cineclubes, centros culturais, mostras e festivais de cinema, Imagens venceu o Prmio Especial do Jri no Festival Internacional de Cinema Jovem de Toulon13, em junho de 1973. Naquele ano concorreram no Festival obras de cineastas como Werner Schroeter e Chantal Akerman, entre outros.

    Quando Rosemberg retorna definitivamente ao Brasil, deixa as cpias de O jardim das espumas e Imagens com integrantes do Collectif Jeune Cinma. Essa cpias, em 16 mm, se encontram hoje no acervo francs, mas recentemen-te foram digitalizadas e exibidas por aqui, em festivais e mostras de cinema.

    De volta ao Rio de Janeiro, Luiz Rosemberg Filho realiza A$suntina das Amrikas, rodado em 1974 e finalizado um ano mais tarde. Trata-se de seu primeiro filme colorido, filmado em 16 mm, novamente produzido de forma independente, no qual retoma a parceria com o fotgrafo Renaud Leenhardt14. Em seu elenco, A$-suntina conta com a atriz Analu Prestes no papel principal, o de uma prostituta

    11 ROCHA, 2004, p. 495.12 Ou Imagens do silncio (Images de souffrance), como foi intitulado em francs. O filme possui durao de 68 minutos.13 O Festival International du Jeune Cinma de Hyres existiu entre os anos de 1965 e 1983. Entre 1971 e 1977 ocorreu na cidade de Toulon. A partir de 1971, o Collectif Jeune Cinma participou de sua realizao.14 o primeiro filme que Rosemberg realiza com sua prpria cmera, uma Eclair Cameflex, que filmava tanto em 16 mm como em 35 mm.

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    e com atores do porte de Nelson Dantas e Jos Celso Martinez Corra. Obra anrquica e de vis antropofgico, A$suntina das Amrikas um

    filme explosivo, um antimusical sobre as influncias de Hollywood na realidade brasileira15. O filme, ainda associado ao chamado cinema udigrudi, foi defini-do poca por Rosemberg como:

    Hollywood na mitologia ocidental do passado sempre presente. O cinema tupini-

    quim, na fantasia das massas domadas pela ideologia do consumo, do confor-

    to, da tranquilidade, da americanizao da vida brasileira, o verdadeiro milagre

    do modelo. O filme uma pera, um musical, uma comdia, um gesto colorido de

    liberdade criativa.16

    Apesar de conseguir financiamento da Embrafilme para finalizao, A$-suntina das Amrikas interditado integralmente pela censura federal, sendo liberado apenas para exibies em festivais de cinema fora do Brasil17. A nica cpia do filme existe na Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro, mas no pos-sui condies para projeo. O filme existe hoje digitalizado.

    Seu longa-metragem seguinte, o contundente Crnica de um industrial, de 1978, filme pelo qual Rosemberg talvez seja mais lembrado, difere-se conside-ravelmente de sua produo anterior. Com tom mais srio, Crnica se distncia da esttica do Cinema Marginal, e de certa maneira pode ser considerado uma obra de mais maturidade, segundo define o realizador.

    Mesmo com financiamento para distribuio concedido pela Embrafilme, o filme esbarra outra vez na censura, e nem para exibies em festivais no exterior liberado. No perodo, tal fato causa certa revolta em Rosemberg, bem como a manifestao de crticos como Jairo Ferreira, ento na Folha de S. Paulo, e Jean-Claude Bernardet, ento no ltima Hora. Selecionado para a Quinzena dos Realizadores de Cannes em 1978, o filme foi impedido de sair do

    15 FERREIRA, Jairo. A$suntina das Amrikas s para estrangeiros. In Folha de S. Paulo, 28/6/1978.16 Idem 12. Manifesto de Luiz Rosemberg Filho publicado junto ao artigo de Jairo Ferreira.17 Entre outros festival, A$suntina foi exibido no Festival Internacional de Cinema de Edim-burgo, na Esccia, em agosto de 1978.

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    dos anos 1970, e confirmando certa filiao glauberiana por parte do diretor. Com o ator Renato Coutinho no papel principal, o filme aborda a crise e o vazio existencial vivido por um empresrio bem-sucedido.

    Ainda em pelcula 35 mm, o cineasta realiza curtas como Ideologia (1979) e Auschwitz (1980), documentrios de carter ensastico que so espcies de precursores de sua produo posterior em vdeo, j contendo fortes crticas aos meios de comunicao. Realizou, ainda, Um filme familiar (1977), curta-metra-gem de temtica infantil e educativa.

    O ltimo longa-metragem de produo convencional realizado por Luiz Ro-semberg Filho O santo e a vedete, de 1982. Trata-se de uma comdia ertica,

    pas para ser exibido no festival. Acabou liberado apenas em 1979, ano em que representou o Brasil na Quinzena.

    Talvez o mais belo filme de Luiz Rosemberg Filho, Crnica de um industrial pode ser visto como uma dolorosa reflexo sobre o fracasso da burguezya brazyleyra18, sendo considerado por muitos uma espcie de Terra em transe

    Luiz Rosemberg Filho recebe o Prmio Especial do Jri por Imagens, no Festival de Toulon

    18 ROCHA, 2004, p. 495.

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    com o intento de satirizar e dialogar com a produo da chamada pornochan-chada brasileira. Trabalhando como diretor contratado pelo produtor J. Bor-ges, tambm argumentista do filme , Rosemberg roda boa parte de O santo e a vedete nos estdios da Cindia, que coproduz o longa.

    Rosemberg tem liberdade para reformular a ideia do roteiro e escolher ato-res e equipe para trabalhar, mesmo que dentro de um esquema de produo simples e com vis ertico. O resultado final algo como uma combinao entre estranhamento brechtiano e comdia ertica. Por fim, o produtor acaba-da por desistir de exibir comercialmente o filme, que contou com trilha sonora original composta por Jards Macal.

    Aps a realizao de O santo e a vedete, Luiz Rosemberg Filho passa para a produo de filmes em vdeo, quase sempre realizando curtas ou mdias-me-tragens, em busca da liberdade criativa e esttica propiciada pelo menor custo de produo no uso do novo suporte. Outra questo fundamental para passar ao vdeo a no dependncia de produtores ou financiamentos estatais.

    Os primeiros vdeos de Rosemberg so os mdias-metragens Alice e Video-trip, ambos de 1984. Com quarenta minutos de durao cada, realizados de ma-neira rpida e com parcos recursos, o primeiro foi gravado em VHS e o segundo em U-matic. Ambos conservam, ainda, caractersticas de filmes de fico, mas nos quais o autor claramente j procura explorar as especificidades da esttica do vdeo, com certo teor ensastico.

    Empolgado com as possibilidades do trabalho com o novo suporte e a indepen-dncia propiciada pelo vdeo, Rosemberg escreve ao amigo Jairo Ferreira, em 1984:

    Por fim passei para o vdeo. , queiram ou no, a continuao dos nossos primeiros

    sonhos de um CINEMA INDEPENDENTE. Como o cinema t nas mos da incompe-

    tncia, estudemos o vdeo, via Brecht, W. Benjamin. E vamos chegar l. (...)

    Finalmente chego ao vdeo. Se o que estou fazendo televiso ou no, isso pouco

    me importa. Acho que .19

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    Luiz Rosemberg Filho realiza, em 1988, o mdia-metragem O vampiro, tam-bm com durao de quarenta minutos. Ainda nos anos 1980, escreve os roteiros dos mdias-metragens Adys, general (1986) e Viva a morte (1986), ambos dirigi-dos por Omar L. de Barros Filho, o Matico, jornalista gacho e seu amigo de longa data, com quem colaborou nos anos 70, quando escreveu para o jornal Versus.20

    Seu ltimo filme em pelcula foi o curta documentrio Desobedincia, roda-do em 35 mm no ano de 1989. Em 1991, Rosemberg realiza Cinema Novo, curta-metragem em vdeo no qual aborda de forma livre o movimento cinematogrfi-co, com depoimentos de seu mentor Mario Carneiro e do amigo Srgio Santeiro.

    Podemos aferir que, de fato, a partir do incio da dcada de 1990, Luiz Rosem-berg Filho se aprofunda nas especificidades da linguagem do vdeo, criando uma obra de vertente ensastica, em forma de videocolagem, que s poderia ser empreendida no suporte vdeo, e que se difere consideravelmente de sua produo anterior em pelcula, composta, sobretudo, por filmes de fico.

    Rosemberg adentra a dcada de 1990 realizando vrias obras em vdeo. No binio 1993/1994 realiza oito curtas-metragens, com duraes que variam entre sete e treze minutos, aos quais chama posteriormente de Experimentais, uma espcie de srie informal. Alguns desses ttulos so Barbrie e Pornogra-fia, de 1993, As sereias e Imagens e imagens de 1994.

    Os oito vdeos foram coproduzidos pela Luz Produes, produtora de Ro-semberg na poca, e pela Nave Me, ento produtora de seu irmo Tito Ro-semberg; sempre realizados com a mesma equipe, que contava com a fotogra-fia de Renaud Leenhardt e edio de Tito.

    certo que essa srie de filmes j agrega os atributos basais que iro mar-

    19 FERREIRA, 1986, 2000, p. 180. Trechos de cartas enviadas por Rosemberg a Jairo Ferreira. 20 Jornal alternativo, marcado pela resistncia ao regime militar. Foi publicado entre os anos de 1975 e 1979.

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    car o trabalho de Rosemberg em seus vdeos-ensaios, como a utilizao de co-lagens, que se sucedem na imagem enquanto um texto de autoria do cineasta lido em registro de voz over. Citaes literrias em cartelas de autores como Brecht, Benjamin, Godard surgem em maior profuso, embora j existissem em seus filmes anteriores.

    Luiz Rosemberg Filho inicia sua produo em vdeo digital a todo vapor a partir do incio dos anos 2000, realizando curtas em digital para no enlouquecer, como costuma afirmar. Essa sua filmografia recente j ultrapassa mais de trinta filmes, entre curtas e mdias-metragens, todos feitos de maneira artesanal e to-talmente independente, sem contar com qualquer tipo de financiamento estatal.

    Destacam-se, dentro do panorama dessa grande quantidade de trabalhos, ttulos como Guerra$ (2005), Nossas imagen$ (2009), O discurso das imagen$ (2009), e ainda os incisivos Trabalho e Desertos, ambos de 2011.

    Realizados sempre com inmeros e diferentes colaboradores, que com-pem o elenco e a equipe tcnica dos filmes, todos os curtas em vdeo de Rosemberg conservam, afora suas caractersticas estticas, algo em comum: a direo de fotografia do parceiro Renaud Leenhardt.

    Atributos gerais da obra de Rosemberg so a radicalidade e visceralidade es-tticas, a transfigurao e subverso de signos o que Jairo Ferreira designaria como inveno: R chupa e transfigura o que o influencia, atingindo a ori-ginalidade21 , a busca pela poesia, o trabalho com o texto, que muitas vezes por si s j possui considervel valor literrio/potico. So trabalhos sempre imbudos de certo escopo totalizante, como designou Glauber Rocha.

    Totalizante no sentido de ser um cinema que se vale de outras artes, seja na

    21 FERREIRA, 2000, p. 179.

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    utilizao, citaes ou aluses, que abarcam a fotografia, pintura, msica, teatro, poesia, a literatura e filosofia, bem como e principalmente o prprio cinema.

    Acima de tudo um criador de imagens, Rosemberg discute e reflete o pr-prio universo e estatuto das imagens, por vezes se utilizando de signos da cul-tura de massa e transfigurando-os de maneira antropofgica, seja na forma de crticas ao domnio do capital, ao mundo do trabalho, explorao do homem pelo homem, espetacularizao apelativa e sensacionalista de imagens; mas sempre conjecturando a falta de afeto e de prazer soberana no mundo em que vivemos. Seu cinema est continuamente em busca de certo sentido de prazer ou do gozo, como costumeiramente diz e do sublime.

    Diferentemente de seus longas-metragens rodados em pelcula, filmes que certamente possuam atributos experimentais, mas que tencionavam, sobretu-do, narrar histrias com personagens, trama, etc., os vdeos de Rosemberg so mais prximos do filme-ensaio e da esttica de colagem. Tendo sempre como fio condutor a narrao, o autor por vezes insurge nos filmes, seja por sua pre-sena fsica ou por sua voz em leituras de textos.

    Espcies de colagens em movimento, os vdeos de Rosemberg dialogam intrinsecamente com sua obra em artes plsticas suas colagens que produz de maneira artesanal desde os anos 1970 at os dias de hoje. Podemos ponderar que as colagens tambm dialogam com os filmes em pelcula do autor (obras sobretudo antropofgicas), num mbito geral de significados, compondo um universo singular e nico do artista. Autor de um extenso nmero de colagens, Luiz Rosemberg Filho utiliza geral-mente como matria-prima recortes de revistas e de materiais de publicidade signos da cultura de massa , transfigurando-os de forma potica, e criando sempre novos e originais sentidos e proposies, em composies imagticas que por vezes aludem a movimentos artsticos como o Construtivismo, o Sur-realismo e a Pop Art. comum ao artista, ainda, a reutilizao/reciclagem de imagens de obras de arte, de diferentes perodos histricos; bem como o uso

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    de fotografias, num misto de colagem e fotomontagem. Nessas imagens, qua-se sempre, esto presentes referncias ao imaginrio do cinema.

    Podemos conjeturar que suas colagens se assemelham a espcies de fil-mes, nos quais os elementos, discursos e significados se encontram compacta-dos e congelados em uma nica imagem fixa. De fato, a colagem e sua esttica sempre integraram o imaginrio de Rosemberg, vide o ttulo de seu episdio no longa Amrica do sexo, o segmento Colagem, ou mesmo sua fotomonta-gem para o pster de A$suntina das Amrikas.

    Luiz Rosemberg Filho , ainda, autor de um extenso nmero de ensaios

    sobre cinema e artes em geral, desde os anos 1970, tendo publicado textos em peridicos como Cine Imaginrio, Cine-Olho e Versus, e em revistas como Vozes e Cisco, entre inmeras outras publicaes.

    Em livro, organizou Godard, Jean-Luc22, em 1986, uma coletnea com de-poimentos e textos do cineasta francs. Hoje em dia continua a escrever in-cessantemente, tendo colaborado mais recentemente com peridicos virtuais independentes como Via Poltica, Jornal Telescpio e Revista Moviola.

    Hoje, nos anos 2010, Luiz Rosemberg Filho continua realizando filmes, cola-

    gens e escrevendo de maneira contnua, num fluxo de trabalho ininterrupto, que parece nunca parar. Em 2014, o diretor voltou enfim ao formato de longa-me-tragem, aps um hiato de 32 anos, se reinventando com Dois casamento$, filme produzido por Cavi Borges e que se difere admiravelmente de sua obra anterior. Para 2015, alm dos costumeiros ensaios em vdeo, esto previstas as filmagens de Guerra do Paraguai, um novo/antigo projeto de longa-metragem de fico.

    22 ROSEMBERG FILHO, Luiz (org.). Godard, Jean-Luc. So Paulo: Taurus, 1986

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    AGUIAR, Sindoval. O pensamento, a esttica e a linguagem no cinema de Luiz Rosemberg Filho. No publicado, 1994.BERNARDET, Jean-Claude. Como matar um cineasta brasileiro. In ltima Hora, 1./6/1978.

    FERREIRA, Jairo. Cinema de inveno. So Paulo: Max Limoad / Embrafilme, 1986.______. Cinema de inveno. So Paulo: Limiar, 2000.______. A Crnica proibida de Rosemberg. In Folha de S. Paulo, 2/6/1978.______. A$suntina das Amerikas s para estrangeiros. In Folha de S. Paulo, 28/6/1978.

    MAIA, Rubens. Amrica do sexo. Folheto Cine Arte, 5/9/1997.RAMOS, Ferno. Cinema Marginal (1968/1973) a representao em seu limi-te. So Paulo: Brasiliense, 1987.ROCHA, Glauber. Revoluo do Cinema Novo. So Paulo: Cosac Naify, 2003.ROSEMBERG FILHO, Luiz (org.). Godard, Jean-Luc. So Paulo: Taurus, 1986.

    Outras fontes:

    Entrevistas com Luiz Rosemberg Filho, julho de 2013. Entrevista com Luiz Rosemberg Filho, abril de 2015.Livro autobiogrfico de Luiz Rosemberg Filho, no publicado. Site Memria da censura no cinema brasileiro. Disponvel em:

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    Porque a arte sempre conflito:

    (1) de acordo com sua misso social,

    (2) de acordo com sua natureza,

    (3) de acordo com sua metodologia.

    Sergei Eisenstein1

    dcada de 60, preserva-se ainda em muitas revises a reputao de com-preender um dos perodos mais inspiradores e frteis da histria do cinema brasileiro. Passados quase 50 anos desde sua concluso, a poca contm em si uma expressiva filmografia, revelando um nmero abrangente de cineastas e reflexes que se dividem, muito resumidamente, em duas inspiraes. Essas duas fontes, de onde se pode discorrer sobre princpios estticos, ideolgi-cos e polticos, marcam um contnuo expediente de reflexo, que vai assegurar tantas dcadas depois seu lugar privilegiado nos debates e estudos sobre a histria do cinema brasileiro. Se ainda que, genericamente, se mencione duas inspiraes ou fontes, a identificao destas, ao contextualiz-las nos anos 60, se d inequivocamente. Fala-se sobre o Cinema Novo, sua expressividade, que vai atualizar o cinema brasileiro e inseri-lo literalmente no mapa, em notvel participao em festivais internacionais de cinema e publicaes de grande

    ProPostAs PArA umA identidAde frAgmentriA de um oPerrio do cinemALeonardo Esteves

    1 EISENSTEIN, Sergei. A forma do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p. 50.

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    representatividade. E fala-se tambm, no outro extremo da dcada, sobre o Cinema Marginal, uma aglutinao de filmes e cineastas sem a coeso, a visibi-lidade internacional e a repercusso crtica conquistadas pelos cinemanovistas.

    Em uma simplificao objetiva, confere-se um programa oposto entre os dois momentos. H uma movimentao de construo levada a cabo pelo Ci-nema Novo desde suas origens. Construo de um cinema brasileiro, da ima-gem de seu povo, do espectador, etc. o discurso de ampliao proferido pela frao mais politicamente atuante (e prspera) do Cinema Novo que vai realizar sua movimentao mais expressiva no mbito burocrtico com a criao da Embrafilme. H, por outro lado, a partir de 1968, um expediente contr-rio, o da desconstruo, notabilizada pelos ataques de Rogrio Sganzerla na imprensa; e, sobretudo, pela radicalidade vista em filmes de diretores como Ozualdo Candeias, Julio Bressane, Andrea Tonacci, alm do prprio Sganzerla, entre outros. a produo do Cinema Novo vista nos ltimos anos da dcada de 60 aquela da incorporao do filme colorido, da retomada de temas mais populares e da adoo de uma poltica de ampliao de seu pblico (conquista do mercado) que vai chocar-se com os filmes ditos marginais. As imagens em preto e branco, sem preciosismos focais, produzidas com baixo oramento, montadas por vezes em sua integralidade (incluindo a claquetes e sobras), so parte de uma esttica que vai liberar o cinema brasileiro de todo o juzo adquirido pelos diretores do Cinema Novo.

    Logo, pensar sobre cinema brasileiro nos anos 60 em seu vrtice autoral pensar em duas vias. E tambm em duas safras, duas cotas geracionais, duas formas de pensar e fazer cinema. De forma que falar em Glauber Rocha, Paulo Csar Saraceni, Ruy Guerra, Carlos Diegues, Walter Lima Jr., Leon Hirszman, entre outros, falar em Cinema Novo (pode-se discorrer tambm sobre ge-raes dentro do movimento, como j feito em algumas anlises). Falar em Bressane, Sganzerla, Tonacci, Elyseu Visconti, Andr Luis Oliveira, Neville DAl-meida, entre outros, falar em Cinema Marginal. Nesse sentido dicotmico, como pensar Luiz Rosemberg Filho e sua obra? Onde enquadr-la?

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    Rosemberg um filho dos anos 60 em uma acepo bem abrangente do termo. No s iniciou seu trabalho como diretor de cinema no perodo como tambm parece ter ecoado o esprito da poca em toda sua obra, aproximando-a da ideia de um debate infindvel. Tornou indissocivel em sua filmografia ao longo do tempo o tom combativo contra uma sociedade do espetculo nunca derrotada. Discorrer sobre a identidade desse incansvel realizador tambm recorrer a um repertrio muito prprio aos anos 60. voltar-se para uma equao notabilizada por Godard em seus anos de operrio do cinema, inspirado pelo Maio francs e por uma cultura do terceiro mundo assimilada com algumas defa-sagens e distores: fazer filmes polticos ou fazer filmes politicamente?

    Contenda geracional Boa parte dos realizadores que estreou no longa-metragem no final dos anos 60 ou no incio da dcada seguinte deu seu pontap inicial no extinto Festival de Cinema Amador JB Mesbla. Inaugurado em 1965, no cinema Paissandu, revelou curtas-metragens de estreantes como David Neves, Antnio Calmon, Andrea Tonacci, Neville DAlmeida, Rogrio Sganzerla, Andr Luis Oliveira, Xa-vier de Oliveira, Haroldo Marinho Barbosa, Oswaldo Caldeira, etc. As sesses no Paissandu promoveram flagrantes dessa tentativa de renovao do cinema brasileiro jovem e explosivo que tomou de assalto localmente uma tendncia muito maior e global, a da construo de um cinema autoral ( nessa poca inclusive que se propagam com maior consistncia os projetos de cinema de arte no Brasil, espaos de exibio exclusivos para o consumo de uma filmo-grafia realizada com oramentos modestos e que dificilmente resultava lucrativa em suas ambies libertrias2). Nos encontros do JB Mesbla, afetos e desafetos escreveram uma parcela expressiva do cinema a ser erguido nos anos seguin-

    2 Segundo Ely Azeredo, o primeiro cinema de arte surge no Brasil em janeiro de 1959, no Rio de Janeiro. Em novembro de 1966 ocorre o Primeiro Encontro Nacional de Cinemas de Arte, onde relacionado o nmero de 16 salas em todo o pas que se dedicam inteira ou parcialmente a uma programao dita alternativa (1967, p. 51).

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    tes. Correndo por fora desse foco, alguns esforos solitrios tambm buscavam uma expresso pessoal em imagens em movimento. O surgimento do cineasta Luiz Rosemberg Filho fora da extenso JB Mesbla um desses exemplos de uma identidade marcadamente pessoal e um tanto fora das perspectivas ofi-ciais. Um surgimento no to bvio e tampouco favorecido por um esquema que rapidamente tornou-se tradicional na revelao de talentos (o festival no Paissandu tinha alcance nacional, passando filmes de vrios estados uma re-flexo contundente sobre esse episdio est ainda a ser feita).

    O Rosemberg que aparece por trs de sua obra inaugural, o obscuro Ba-lada da pgina 3 (1969), inicialmente noticiado como parte de um filme epis-dico, um estreante fortalecido por nomes do Cinema Novo: o argumento de Ruy Guerra e a fotografia de Mario Carneiro o situam fora do alcance da ruptura vista em algumas equipes do Cinema Marginal. difcil falar sobre esse filme to pouco visto e aparentemente fora do campo de viso para algumas gera-es de cinfilos e pesquisadores.

    A obra seguinte, o episdico Amrica do sexo (1969), torna a abrigar o dilo-go com a gerao do Cinema Novo ao incorporar a participao de Leon Hirsz-man (em um trabalho divergente dentro da filmografia do diretor de A falecida). Esse filme, embarreirado pela censura e exibido apenas dcadas mais tarde, tambm um esforo dissonante, pouco conhecido e marginalizado pelas foras da poca. Em seu episdio, Colagem, Rosemberg promove uma espcie de en-saio para o que ir realizar em seu filme seguinte, trabalhando o tema do seques-tro e uma mise en scne performtica, alocada em planos de longa durao.

    O jardim das espumas (1970), seu primeiro longa-metragem a ganhar rela-tiva visibilidade e a ser distribudo comercialmente de forma pouco expressiva, torna aparente as tenses entre o Cinema Marginal e o Cinema Novo. Uma iconografia suja, agregada em planos longos e planos-sequncias, insere em termos visuais um debate esttico aparentemente esquecido pelos artfices do Cinema Novo e retomado com flego pelas produes marginais. Com os re-sultados conferidos em O jardim das espumas, Rosemberg se insere em uma

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    parcela pouco visvel de cineastas com pretenses autorais que passa a produzir uma filmografia que combina propostas mais radicais (e jovens) sem alardear um discurso furioso contra o Cinema Novo. Ao contrrio, joga com ele. O Rosemberg que aparece em cena em um dado momento do filme faz o seguinte comentrio: O cineasta brasileiro um cara que quer fazer pesquisa, quer procurar coisas, quer ver como vive esse povo, esse continente, essa misria, essa loucura. Ora, essa a descrio de um perfil muito prximo ao de um realizador do Cinema Novo. Poderia ser atribudo a um Glauber Rocha ou a um Carlos Diegues. Ainda na mesma cena, Rosemberg vai aproximar-se do discurso cinemanovista ao co-mentar sobre a abrangncia de um filme: Mostrar que um filme mais do que um filme, no uma simples histria, e sim uma reflexo sobre a nossa histria. Esse um lema facilmente adaptvel a obras como Os herdeiros (1969), de Car-los Diegues, ou Brasil ano 2000 (1969), de Walter Lima Jr.

    O jardim das espumas faz parte do mesmo fenmeno (ainda que guardadas suas grandes diferenas) que contempla a estreia de Antnio Calmon, O capi-to Bandeira contra o Dr. Moura Brasil, e as primeiras obras de Miguel Farias Jr. Ou seja, so filmes de uma gerao emergente que empregam alguma experi-mentao sem, contudo, banir o Cinema Novo em seus editoriais.

    O longa-metragem de Rosemberg tambm incorpora um espao que tran-sitou de forma muito especfica no voo mais experimental do cinema brasileiro produzido na dcada. na simbologia da estrada em seu vis mais declarada-mente potico que Rosemberg vai retomar um dilogo introduzido em Os cafa-jestes (Ruy Guerra, 1962), ampliado em Terra em transe (Glauber Rocha, 1967) e problematizado em O anjo nasceu (Julio Bressane, 1969). Ainda em O jardim das espumas, o prprio diretor em cena, junto parte da equipe, no esconde certa expectativa em seu discurso para com O drago da maldade contra o san-to guerreiro (1969), primeiro filme em cores de Glauber Rocha. A amizade com Glauber, de quem Rosemberg nunca poupou entusiasmo em seus fartos mos-trurios de afetividade, rendeu-lhe um igualmente afetuoso verbete em sua enciclopdica Revoluo do Cinema Novo, e o rtulo de o mais consequente

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    artista underground made 19683. Devido a tais relaes, to improvveis para a gerao emergente do grupo carioca do Cinema Marginal, Rosemberg seria rotulado como o espio do Cinema Novo (o apelido teria sido dado por Ro-grio Sganzerla, como informa o cineasta Jos Sette de Barros).

    Mas se havia dilogo entre Rosemberg e os cinemanovistas em um plano pessoal, afetivo, a produo rodada pelo diretor mencionada acima no con-seguiu se alinhar a outra seno a do Cinema Marginal. As poucas projees da filmografia inicial de Rosemberg estiveram sempre atreladas filmografia mar-ginal. O jardim das espumas no conseguiu expandir seu alcance para fora do restrito circuito alternativo composto pela Cinemateca do MAM e pelo Paissan-du em sesses solenes (pr-estreia meia-noite, etc.). S entrou em cartaz em agosto de 1973, no cinema Joia, em programao feita em parceria com a Cinemateca do MAM. Logo, fez o caminho tpico de muitos filmes realizados no perodo e arrolados sob a denominao de marginal e suas variantes.

    De toda a produo rodada pelo cineasta durante o perodo atribudo ao Cinema Marginal (1968-73, na perspectiva proposta por Ferno Ramos4), in-cluindo o silencioso Imagens (1972), O jardim das espumas foi o nico a ser dis-tribudo comercialmente e a acumular uma considervel fortuna crtica, com textos de Jos Carlos Avellar, Fernando Ferreira, Eduardo Escorel, entre outros. Em um dos exemplos que comprovam sua situao excepcional, o longa de Rosemberg, quando da data de seu lanamento, foi privado da tradicional ava-liao visual do bonequinho na crtica do jornal O Globo5. O crtico Fernando Ferreira assim justificou: No cabe julg-lo dentro do critrio mais popular que identifica as posies do bonequinho, inclusive porque o filme desafia, de

    3 Em seu verbete sobre Rosemberg, Glauber tambm chama ateno para O jardim das espumas, que teria lhe provocado fantsticas liberaes (ROCHA, 2004, p. 495). 4 Em seu livro, Cinema marginal (1968-1973) a representao em seu limite, o autor con-centra o perodo de maior representatividade de um cinema marginal durante esses anos.5 importante observar que o prprio diretor em cena do filme se posiciona verbalmente contra o bonequinho de O Globo e demais mtodos de avaliao crtica empregados na imprensa.

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    propsito, os condicionamentos habituais do espectador de cinema6.

    Os anos 80 vo associar com certa nfase a filmografia de Rosemberg ao Cine-ma Marginal. Em seu pioneiro artigo Por uma arqueologia do outro cinema, uma das primeiras investidas visando inventariar o Cinema Marginal, Geraldo Veloso faz duas menes a Rosemberg. A primeira menciona-o como uma das figuras que se mantiveram numa linha de independncia mas bem prxi-mos; e outra mencionando O jardim das espumas como fazendo parte de outros filmes da poca, que vo completar o painel7. A citada linha de inde-pendncia possivelmente o fator indicativo da limitada participao de Ro-semberg na rotina dos cineastas marginais, o relegando a tmidas menes em um panorama relacionando parcerias e simpatias. Uma tal independncia que o insere em um campo hbrido: de um lado como o amigo de Glauber este, possivelmente o maior defensor da preservao do Cinema Novo ao longo do tempo e um crtico atuante da produo udigrudi (rtulo criado por ele); e de outro lado, como o diretor de filmes marginalizados e indissocivel da produ-o experimental (O jardim das espumas, Imagens, A$suntina das Amrikas).

    Alguns anos depois da publicao do texto de Veloso, Jairo Ferreira dedica um captulo a Rosemberg em seu Cinema de inveno (1986). O livro uma ambiciosa tentativa (sem dvida a mais potica) de relacionar um grupo to heterogneo que comeava a adquirir um status de cult em seu lacunar obscu-recimento. Jairo compunha seu repertrio a partir do amplo vis da inveno, o que lhe fizera rever suas escolhas em uma reedio posterior (um captulo sobre Walter Hugo Khouri, sem dvida um estranho entre os experimentais, foi suprimido da segunda edio).

    6 FERREIRA, Fernando. O jardim das espumas. O Globo, Rio de Janeiro, 15.8.1973. 7 Publicado originalmente no jornal Estado de Minas em cinco edies entre maio e junho de 1983. Disponvel em: . ltimo acesso em: 4.6.2015.

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    Finalizando os anos 80, o trabalho de Ferno Ramos sobre o Cinema Mar-ginal (at hoje a nica reflexo acadmica extensa sobre o tema) volta a situar Rosemberg entre nesta filmografia com certo destaque. Nos anos seguintes ao boom marginal, o autor assim observa: Sganzerla, Bressane e Rosemberg so os que continuam mais prximos esteticamente da produo marginal, mas j sem o mpeto inicial e dentro de propostas pessoais de trabalho8. Novamente, seguindo caminhos similares ao de realizadores ditos marginais, Rosemberg vai obter apoio da Embrafilme em seus filmes A$suntina das Amrikas (1975) e Crnica de um industrial (1978) em momento similar ao de Abismu (1977), de Rogrio Sganzerla e O gigante da Amrica (1978), de Julio Bressane, todos contemplados de alguma forma com algum apoio da estatal.

    Apesar de inseridos em um mesmo recorte, as afinidades entre Rosem-berg, Sganzerla e Bressane nunca foram muito alm do plano superficial. O diretor no chegou a ter uma convivncia rotineira com a dupla criadora da Be-lair, muito embora houvesse certa proximidade atravs de amizades em comum (Elyseu Visconti, Jos Sette, Andrea Tonacci). No panorama afetivo e movedio de Rosemberg, certa vez foi declarado: O Julio [Bressane] se permite um tipo de discurso onde a liberdade mais importante do que a proposta. Acho que da turma do cinema independente ele o nico que se salva9. O depoimento foi dado pelo diretor em 1978, quando da divulgao de Crnica de um indus-trial (e o momento de maior visibilidade de Rosemberg na imprensa).

    O mais consequente artista made 1968Se a apario de Rosemberg no furaco do final dos anos 60 no embate entre um Cinema Novo conservador e um Cinema Marginal emergente e disposto a

    8 ERAMOS, 1987, p. 100. 9 No mesmo depoimento, Rosemberg destaca positivamente, ao lado de Bressane, o filme Tudo bem (1978), de Arnaldo Jabor (COURI, 1978, p. 9). Mais um mostrurio que insere o di-retor em um programa aparentemente simptico a duas propostas to distintas e to marcada-mente antagnicas (escolhendo um cineasta do Cinema Novo e outro do Cinema Marginal).

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    tudo lhe confere uma identidade fragmentria, dividida entre dois polos, seus filmes vo ainda ampliar essa faceta. Se foi afirmado acima que o diretor um filho dos anos 60 em uma acepo bem abrangente do termo, o comentrio de Glauber que mais afina e torna precisa tal influncia: O mais consequente artista underground made 1968.

    o Maio de 68 mais especificamente na movimentao de Godard a partir desse episdio que notabiliza uma srie de prticas , que parece repercutir na filmografia de Rosemberg ao longo do tempo. no Maio francs que um con-junto de medidas vigora com maior expressividade um outro estado de esprito, contestatrio, verborrgico e militante. Na paradoxal juno de estudantes e operrios e as anomias que passam a formular um editorial por vezes mono-grfico e coletivo, o cinema passa tambm a ser uma arma, uma ferramenta e, sobretudo, um dispositivo anti-Hollywood.

    Algumas anlises empreendidas concomitantemente primeira ecloso de manifestaes nas ruas, fbricas e universidades francesas do um tom pico para o acontecimento, esquivando-se, contudo, de concluses apressadas e definitivas. As reflexes de Cornelius Castoriadis, Raymond Aron, Edgar Morin, entre outros, mostram cautela em seus relatos feitos no calor do momento. Michel de Certeau e sua expresso, a tomada da palavra (prise de parole), que vai melhor ilustrar a relao de foras em pauta no Maio francs. Se era ela, a palavra, o tesouro a ser resgatado, nada parece mais libertador do que os muros e paredes, onde a efemeridade da palavra vocalizada rompe a eficcia restrita do ato de oralizar e ganha a imanncia de um registro em sua forma manuscrita. O Maio de 68, evento insurgente em um perodo em que a produo de imagens em escala global comea a tornar aparente seu carter banal e excessivo, parece promover tal inverso na ordem das coisas. A dcada de 60 vai legar avanos inquestionveis no registro de imagens. Exemplos no-tveis, como a morte do presidente americano captado em Super-8, uma bitola domstica, e as imagens eletrnicas produzidas na lua e transmitidas ao vivo via satlite vo caracterizar a expresso a civilizao das imagens, cunhada

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    poca. Maio de 68 vai em parte promover uma temporria subverso desse ex-pediente marcadamente imagtico. No que no fossem produzidos milhares de metros em celulide sobre as manifestaes originadas em maio; muitos filmes foram de fato rodados, chegando a originar um novo formato, os cintracts. Mas, estranhamente, as imagens no tiveram a repercusso obtida pela forte manifes-tao grfica apontada nas revises formuladas ao longo das dcadas seguintes. Maio de 68 parece ento ter realizado uma operao aparentemente impensvel na ordem das prioridades em andamento no contexto miditico: colocou o diz-vel na frente do visvel. E, no campo do cinema, do audiovisual, da produo de imagens, essa transformao torna-se algo, no mnimo, revolucionrio.

    Colocadas essas rpidas observaes, o exemplo mais expressivo para ob-servar mudanas to notveis se d no novo Godard, o integrante do Grupo Dziga Vertov, o operrio do cinema. Seu primeiro filme ps-Maio, Um filme como os outros (1968), um flagrante dessa operao de relegar a imagem a um segundo plano, e tambm de outras propostas deflagradas no perodo. O Godard que assimilou o Maio como uma inevitvel continuidade de um pro-cesso j anterior (seu filme Weekend [1967] se encerra com as palavras fim do cinema) vai dar declaraes que iro ilustrar muito bem sua ruptura. Entre elas, destacam-se:

    Eu era um cineasta burgus, depois um cineasta progressista, e depois no mais

    um cineasta, mas um trabalhador de cinema. (...) e quando falamos de Hollywood,

    entendemos Hollywood como todo mundo: seja o Newsreel, ou os cubanos, ou os

    iugoslavos, ou o Festival de Nova Iorque, ou o Festival de Cannes, ou a Cinemateca

    Francesa, ou o Cahiers du Cinma. Hollywood quer dizer tudo relacionado com o ci-

    nema. Assim, cada vez que a gente diz Hollywood est dizendo o imperialismo deste

    produto ideolgico que o cinema.10

    E ainda: Durante a projeo de um filme militante, a tela simplesmente um

    10 Essa entrevista a K. E. Carrol foi publicada no Brasil em 1970 e includa dois anos mais tarde na coletnea Focus on Godard (CARROL, 1970, p. 6-7).

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    quadro negro ou a parede de uma escola, que oferece a anlise concreta de uma situao concreta11. O companheiro de Godard frente ao Grupo Dziga Vertov, Jean-Pierre Gorin acrescenta: O primeiro conceito a destruir o conceito de au-tor12. Colocados esses depoimentos, todos mais ou menos do mesmo perodo, observa-se essa dupla inverso: a de abdicar de sua individualidade reconhecida (no mais um filme de Jean-Luc Godard, crdito j suprimido em produes imediatamente anteriores), e a de alocar a tela de cinema no lugar do quadro negro, um espao prioritariamente de escrita. Em Um filme como os outros, a palavra parece exercer sua primazia sobre imagens que j no mostram muito (no importante mostrar, no mais do que falar: os rostos daqueles que falam no filme de Godard aparecem quase em todos os momentos fora do alcance da cmera, impossibilitando um reconhecimento pleno). Os longos e por vezes can-sativos planos do encontro entre operrios e estudantes debatendo sobre a relva so tambm um reflexo da discusso que se embrenhou em diversos segmentos a partir do ms de maio. Essa discusso, coletiva, annima e verborrgica , em uma simplificao objetiva, possivelmente a dimenso mais aparente dessa r-volution sans visage (a expresso de Morin).

    Esse filme de Godard, indito no Brasil at 2005, quando apresentado em uma retrospectiva do Grupo Dziga Vertov, em um paradoxo tpico do Maio, so-breviveu a partir do tempo mais expressivamente atravs de menes (ou seja, atravs de palavras) do que de projees de fato. Um desses efeitos, que trans-bordam as imagens propriamente ditas do filme e baseiam-se nas imprecises do relato, culminou em uma interessante sequncia de O jardim das espumas. Flagrante dessa estranha visibilidade que se d a partir de palavras, Rosemberg se inspirou nos planos que ele poca no viu de Um filme como os outros e fil-mou uma cena para seu filme13. As diferenas, claro, so grandes ( uma espcie

    11 AVELLAR, Jos Carlos. Vento, barravento (Glauber e Godard na porta da usina Lumire). In: ALMEIDA, Jane de (Org.). Grupo Dziga Vertov. So Paulo: Witz, 2005. p. 85.12 CARROL, K. E., op. cit., p. 6-7.13 A informao dada pelo prprio diretor.

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    de reconstituio de uma imagem no vista, mas assimilada a partir de comen-trios de terceiros). No entanto, assistir hoje ao plano em que a equipe de O jar-dim das espumas (incluindo o prprio Rosemberg) debate sobre a relva assuntos como o espectador, os caminhos do cinema brasileiro, etc., remete a nada mais do que ao filme de Godard. Rosemberg, em movimentao relativamente similar a do diretor franco-suo, entra em cena e se junta equipe ao longo do plano. Participa do debate com o tcnico de som (Walter Goulart) e atores: no parece haver a hierarquia que isolou o diretor em discursos autorais do resto da equipe, to cara gerao dos Cahiers du Cinma. Prximo ao fim do plano (pouco me-nos de nove minutos de durao), Rosemberg dispara: O filme de amanh no ter nem diretor, ser um filme coletivo, ser uma anlise coletiva, onde voc vai situar gente dele... eu acho que esse um pequeno trailer do cinema de amanh, um esboo. Ou seja, o Rosemberg de fins dos anos 60 e incio dos anos 70 est em plena sintonia com o Godard ps-Maio. Tal semelhana, que se expande a muitos outros sentidos, possivelmente gerou o afetuoso apelido de Godard do subrbio, como dizia o falecido cineasta Elyseu Visconti.

    Mas essa curiosidade entre planos no filme de Godard e O jardim das espu-mas ainda pouco expressiva em relao a grande confluncia de procedimen-tos que iro se alastrar por toda a filmografia de Rosemberg. Primeiro, preciso observar que os filmes dirigidos por ele (longas e, sobretudo, os curtas e vdeos realizados a partir dos anos 80) so significativamente falados. Ou ainda, so pla-nejados a partir de discursos, palavras. A prtica de longas epgrafes e cartelas reproduzindo textos variados (de Nietzsche, Schopenhauer, Benjamin, Grotowski em O jardim das espumas, entre muitos outros), recorrente em toda a obra de Rosemberg. Tal a intensidade do procedimento de leitura de textos em off que ocorre, frequentemente, a ideia de uma inverso: as imagens servem como uma ilustrao ao texto, como um comentrio visual s palavras que vo sendo lidas. Literalmente lidas. Em muitos curtas se confere modelos (nem sempre atores, e quando tanto, tal informao irrelevante) lendo textos; o registro da leitura talvez seja mais significativo do que a encenao do texto a partir de mtodos

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    dramatrgicos. Ou seja, observa-se na obra do diretor a indelvel operao em-pregada no Maio de 68 e a forte influncia da palavra sobre a imagem.

    Em Sobre o conceito de espetculo (2013) o ttulo j evoca o Debord to apropriado pelo Maio de 68 , abre-se com citaes de Camus e Godard. Em seguida, revela-se que o filme dedicado a um livro (Godard e a educao) e a seus autores. Adiante, uma menina l um longo texto, repleto de palavras complexas, que obviamente no condizem com o repertrio de uma criana. Ela l com dificuldade e chega a ser amparada pelo diretor, que por vezes a corrige (sua voz ouvida em off). Nesse sentido, Sobre o conceito de espet-culo se aproxima mais de um texto a ser lido do que de um filme a ser visto. Os depoimentos lidos pela menina e em seguida por uma mulher parecem em parte limitar o potencial visual do registro colhido pelo diretor: os planos so quase sempre fechados, permitido apenas ver seus rostos e, eventualmente, um pouco mais. Mesmo o material que serve de leitura est fora de quadro. As imagens enxertadas sobre os depoimentos (anncio da Esso, fotografias, imagens de televiso) perdem sua primazia visual e passam a ter um novo sig-nificado, esse a partir das palavras que esto sendo lidas pelos modelos. Mais ou menos na metade do filme, um plano, a partir de uma panormica, revela o diretor (tambm em plano fechado). Ele est de culos escuros, mas olha de frente para a cmera (ou seja, para o espectador). Para um filme to falado, ele limita-se ao silncio, pois tudo o que teria para dizer j havia sido dito, e o con-tinuar sendo, por outras pessoas. A panormica ento tira o diretor do campo de viso e em seguida retorna a ele, sem cortes: agora ele veste uma mscara. Prximo ao fim, um plano agrega o rosto do diretor e suas mscaras, incluindo a as duas modelos-leitoras, a partir de mltiplas fuses. So todos a face de um mesmo rosto. Ou ainda, so a coletividade de uma mesma fonte discursiva. Ao trmino, recorre-se novamente a citaes, voltando a um trecho de Camus.

    A relao de foras entre imagem e texto colocada de forma muito ilus-trativa em Afeto (2009). O curta-metragem inicia seu repertrio com uma ci-tao de Freud. O texto lido por uma modelo (Denise Solot). Sua imagem,

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    enquanto est lendo, vista a partir de letras, palavras. Aqui fica claro: so as palavras (moventes) que permitem ver; a primazia do dizvel em relao ao vis-vel ganha uma ilustrao muito adequada na imagem (cmera parada) revelada no interior das letras que atravessam o quadro.

    Ainda sobre a relao de foras entre palavras e imagens: preciso ob-servar a assiduidade da imagem do livro e de sua manipulao recorrente ao longo de toda a obra de Rosemberg. importante filmar o livro, ainda que este devolva em suas pginas outras imagens (em Afeto o folhear revela obras de Francis Bacon) expande-se aqui a equao j invertida, entre o filme que se faz ler e o livro que se faz ver. O fim de um trecho de Afeto encontra a ima-gem silenciosa de Rosemberg no ofcio incansvel da leitura, sempre amparado pelas palavras em off de sua modelo. Em seguida ele rompe seu silncio e faz o mesmo expediente de seus modelos, verbaliza a leitura que faz diante da cmera. Sai de cena conforme uma frase de Drummond atravessa o plano e se encerra na imagem vazia.

    Agit-prop (1992-93) tambm um trabalho que expressa muito bem a pr-tica da inscrio do livro em cena, seu manuseio e suas transfiguraes. Trata-se do registro do lanamento do livro Balaio incomum, de Moacy Cirne. No am-biente so colhidos depoimentos e presenas de lvaro de S, Suzana Vargas e Clara Ges, alm de flagrantes do autor na noite de autgrafos e de sua famlia. Os depoimentos e mesmo as imagens dos membros da famlia e do autor cap-

    Cenas dos filmes Afeto (2009) e Agit-Prop (1992-93)

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    tados por Rosemberg se do em torno dos livros. O livro o objeto de cena fundamental. Seu manuseio a ao comum. A repetio obsessiva do gesto, ao longo do curta, torna-o uma espcie de leitmotiv.

    Fora dos filmes e de sua obra artstica, sabe-se que o objeto livro tambm um elemento importante na construo de afetos do diretor. Suas amizades mais longevas acumularam um grande nmero de livros enviados por Rosemberg ao longo do tempo. Os depoimentos de Andrea Tonacci e Joel Yamaji inseridos nessa edio confirmam o hbito e atestam sua relevncia.

    Um operrio do cinemaPoucos cineastas associados ao dito Cinema Marginal foram capazes de man-ter uma filmografia contnua ao longo dos anos. Nesse sentido, a dcada de 80 foi um perodo difcil para uns e uma p de cal para outros. Ainda que as primeiras prospeces sobre esse outro cinema foram surgindo e o dotando de uma certa legitimidade, o que se viu foi uma grande dificuldade para os cineastas tocarem suas produes. Rosemberg roda apenas um longa, O santo e a vedete (1982), no qual se nota o esforo em apreender uma via mais ampla, flertando com a pornochanchada (sem, contudo, afastar-se de um hermetismo que vai justificar o percurso obscuro do filme). nesse perodo, no qual uma Embrafilme j moribunda se arrastava atravs da dcada em estado terminal, paralelamente economia e ao regime militar, que o ofcio de cineasta passou a diluir-se no campo videogrfico.

    Essa transio, da imagem fotoqumica imagem eletrnica, se d de forma muito expressiva na obra de Rosemberg. a partir do vdeo que o diretor passa a realizar uma sucesso de ttulos e a se aproximar de uma prtica constante de produo. Em filmes de menor durao (mdias e curtas) e com oramentos muito modestos, Rosemberg exerce seu ofcio de forma rotineira, habilitando comparaes com a imagem do trabalhador incansvel, que tem seu trabalho vinculado prtica cotidiana. O vdeo passa a ser sua linha de montagem, en-quanto o cinema sumia quase completamente do mapa, sobretudo a partir do

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    governo Collor e da seguinte supresso da Embrafilme. Se h na identidade de Rosemberg um misto conflituoso que abriga em

    diferentes estratos duas fraes visivelmente distintas (o Cinema Novo e Margi-nal), incorporar nesse debate as aproximaes entre o trabalhador e o cineasta outra forma de deter-se em um aspecto fragmentrio. Relacionar a identida-de do trabalhador/operrio com a figura de Rosemberg, cineasta, uma tarefa um tanto paradoxal. H a sentidos contraditrios no prprio discurso do dire-tor que problematizam tal aproximao. Em um primeiro momento, preciso novamente remeter ao cardpio de atividades colocadas em prtica no Maio de 68 e sua influncia imediata para toda uma gerao. na produo dos gru-pos Medvedkine14 que notadamente o operrio e o cinema se encontram de forma muito especfica, originando uma filmografia pessoal e de alcance muito restrito. J o caminho oposto, o do desejo de transformao do cineasta em operrio, muito bem ilustrado por Godard, como visto acima. Logo, o Maio de 68 um espao no qual a aproximao entre o cinema e o mbito operrio ganha certa representatividade. Para a gerao de Rosemberg, essa influncia no pode ser desprezada. Nesse sentido, o cineasta , em sua safra, possivel-mente o que mais se deixou contaminar pela influncia de Maio. Sobretudo pela participao de Godard e seus filmes. Pode-se partir da assimilao um tanto desajeitada da experincia-Maio presente em O jardim das espumas para fixar um ponto de partida para o processo de identificao de Rosemberg em relao ao episdio francs e operao aproximativa entre cineastas e operrios.

    Em um depoimento relativamente recente (2008), Rosemberg d a seguin-te declarao: Fazer cinema deveria ser uma coisa como ir fbrica trabalhar. Voc trabalha de nove s seis da tarde15. O operrio um indivduo que, na

    14 Coletivos atuantes em duas regies, Beanson e Souchaux, a partir de 1968. Foram cria-dos em torno de Chris Marker a partir do filme bientot, jespre (1967), e eram compostos por operrios que se viram mal retratados na obra de Marker e sentiram a necessidade de produzir suas prprias imagens. O nome da iniciativa remete a um cineasta sovitico dos anos 20, Aleksandr Medvedkine.

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    fbrica, exerce uma ocupao manual. As mos so seus instrumentos e fazem um trabalho que geralmente no financeira e socialmente valorizado. O ope-rrio mantm-se no anonimato e pouco ou nada agrega de sua individualidade ao produto que manipula na linha de montagem. Nesse sentido, como compa-rar as mos de um operrio s de um cineasta? Primeiro, pode-se propor que um cineasta no v praticar a manipulao de peas e compostos, mas de ima-gens. Nesse manuseio, a forma mais barata de empregar a montagem e des-montagem de elementos para um fazedor de imagens a bricolagem. Tal ativi-dade indissocivel da obra de Rosemberg, que tem incorporada sua rotina a prtica constante de produzir colagens. Esse hbito rene diversos materiais (fotografias de revistas, gravuras, radiografias, etc.). Uma parte das montagens tem destino similar aos livros: so peas de construo de afeto, enviadas por Ro-semberg a pessoas com quem busca manter algum convvio. Outra parcela em-pregada em seus prprios vdeos. muito difcil precisar em nmeros um acervo to disperso, montado ao longo de muitos anos e com finalidades variadas. Mas inegvel observar que as colagens, como os livros, as cartas e os filmes, esto inseridas em um mesmo sentido afetuoso de se relacionar com as coisas e com as pessoas. No caso das colagens, os temas Godard, Welles, o cinema, o erotismo, a pornografia, a averso s grandes corporaes miditicas, entre outros, so re-correntes. A repetio de imagens e sentidos solidifica um discurso intocado com o passar do tempo, trabalhado tambm em seus vdeos e filmes. A aplicao de imagens de guerra, do nazismo e do King Kong hollywoodiano dos anos 30 em O jardim das espumas j introduzia a obsesso para a bricolagem de materiais dispersos, de diversas origens, e seu sentido antiespetculo.

    A prtica da colagem tampouco se restringe ao campo visual na obra de Ro-semberg. As epgrafes e trechos de obras e depoimentos escritos inseridos nas imagens em movimento expandem o exerccio de compor sentidos, retirando a tcnica da colagem da exclusividade imagtica. Logo, a obra de Rosemberg ,

    15 O depoimento faz parte do filme Bricolage (2008), de Ricardo Miranda.

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    sobretudo, o extenso expediente de um bricoleur, ultrapassando o sentido visual.O ato da bricolagem, para Jacques Aumont, engendra uma contradio:

    enquanto criao representaria um ideal modesto e ao mesmo tempo ambicio-so. tambm um exerccio terico e simultaneamente manual (no sentido da organizao, orientao de trechos e detritos). Visual e ao mesmo tempo lite-ral no sentido sintagmtico de ordenao de cenas e imagens. A metfora da bricolagem aqui quase literal, o cineasta colocando-se na atitude de um colecionador de coisas insignificantes, que depois decide fazer algo com elas (uma obra, mas no forosamente)16.

    O bricoleur e o operrio mantm dessemelhanas to aparentes quanto o cineasta e o operrio. O ambiente domstico do primeiro o oposto do recinto industrial indissocivel do segundo; o carter de passatempo inofensivo e me-nor tambm a anttese da ocupao essencial e maior do operrio; o distan-ciamento do capital e de operaes econmicas afasta o bricoleur em sua prti-ca artesanal e amadora da funo obrigatoriamente remunerada do operrio; a liberdade do primeiro em criar o que quiser choca-se com a clausura e a repeti-o sistemtica de procedimentos impessoais que orientam o ofcio do segundo. O ponto de semelhana entre ambos fundamentalmente a operao manual.

    No parece fortuita a esttica da bricolagem to presente na obra de Ro-semberg. em sua prtica recorrente que talvez melhor aproxime o cineasta da figura de um operrio do cinema, sempre realizando montagens manuais com imagens. tambm o carter fragmentrio da esttica da bricolagem que vai se adequar to bem identidade fragmentria do prprio Rosem-berg. E ainda: a natureza contraditria da bricolagem, como aponta Au-mont, que tambm parece orientar o discurso do diretor. O comentrio fazer cinema deveria ser uma coisa como ir fbrica trabalhar parece aproximar o fazer cinema do fazer televiso. Esse sim, no campo da produo de imagens, se configura em uma atividade industrial no Brasil; por sua vez, amplamente

    16 AUMONT, 2012, p. 156.

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    combatido pelo cineasta em seu editorial. Luiz Rosemberg Filho , sobretudo, um artista explorador do fragmentrio, que expandiu sua obra por vrios caminhos e seu cinema por diversas fontes. Nesse sentido, o diretor certa vez declarou (sobre O jardim das espumas): O nosso filme lento, longo, teatral, barulhento... Muito mais que um filme, o nosso trabalho se volta mais para o laboratrio total da arte de interpretar...17. Em Dois casamento$ (2014), seu retorno ao longa-metragem aps mais de duas dcadas, a influncia teatral mantm-se viva, tornando atual o tal laborat-rio total da arte de interpretar. Os limites de seu cinema esto nos termos contraditrios de um conflito-construtivo com outras expresses artsticas; suas imagens esto em conflito com as palavras; e suas colagens simbolizam ainda mais o potencial conflituoso que anuncia em seus fragmentos.

    Pensar a obra de Rosemberg constatar que o diretor est em conflito permanente. Talvez sempre o tenha estado, o que torna o conflito sua natureza indelvel e a marca inconfundvel de seu trabalho. Sua apario no efervescen-te panorama do cinema brasileiro de fins dos anos 60 j indicava sua natureza conflitante, oscilando entre duas geraes que pareciam naquele momento pouco dialogar. O espio do Cinema Novo, o Godard do subrbio e o operrio do cinema so fragmentos da mesma persona, como que excertos constituintes de uma mesma colagem. Certa vez, em uma entrevista para um livro de homenagens, quando este autor primeiramente teve contato com Ro-semberg, o diretor assim definiu: Meu cinema nem o Cinema Novo, embora muitas pessoas achem que ele se aproxima muito do Cinema Novo... outras dizem que do Cinema Marginal. Eu fico no meio.

    17 Texto sobre O jardim das espumas originalmente publicado no programa n. 234 da Cine-mateca do MAM, em 16.10.1970. Disponvel nesta edio na pgina 149.

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    AUMONT, Jacques. As teorias dos cineastas. Campinas, SP: Papirus, 2012.AVELLAR, Jos Carlos. Vento, barravento (Glauber e Godard na porta da usina Lumire). In: ALMEIDA, Jane de (Org.). Grupo Dziga Vertov. So Paulo: Witz, 2005.

    AZEREDO, Ely. Situao dos cinemas de arte. Filme Cultura, Rio de Janeiro, n. 3, p. 51, jan./fev. 67. CARROL, K. E. Godard. O Pasquim, Rio de Janeiro, n. 77, p. 6-7, 9 a 15.12.1970. CERTEAU, Michel de. Pour une nouvelle culture: prendre la parole. tudes, jun./jul. 1968.

    COURI, Norma. Crnica de um industrial a censura probe o filme que mostra a ascenso e queda da burguesia nacional. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 9, 14 de maio de 1978. FERREIRA, Fernando. O jardim das espumas. O Globo, Rio de Janeiro, 15.8.1973.FERREIRA, Jairo. Cinema de inveno. So Paulo: Limiar, 2000. RAMOS, Ferno. Cinema marginal (1968-1973) a representao em seu limite. So Paulo: Brasiliense, 1987.ROCHA, Glauber. Revoluo do Cinema Novo. So Paulo: Cosac Naify, 2004.ROSEMBERG FILHO, Luiz. O jardim das espumas. Programa n. 234. Rio de Ja-neiro: Cinemateca do MAM, 16.10.1970. VELOSO, Geraldo. Por uma arqueologia do outro cinema. Belo Horizonte/MG, 1983. Disponvel em: ltimo acesso em: 4.6.2015.

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    fortunAcrticA

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    HISTRICORealizado entre julho e agosto de 1969, na bitola de 16 mm e P&B, com produo independente de Rubens Maia, autor de um dos episdios, sendo os outros de Luiz Rosemberg Filho, Flvio Moreira da Costa e Leon Hirszman.

    tala Nandi faz sua estreia em cinema, protagonizando os quatro mdias-metragens que compem o filme. Nildo Parente, Maria Pompeu, Ecchio Reis, Jos Celso Martinez, Renato Borghi, Andr Faria e outros completam o elenco do filme, que conta ainda com a participao especial de Mireille Dark e Fritz Lang por ocasio do 1. FIC-RIO, na prgula do Copacabana Palace.

    Em outubro de mesmo ano, foi assinado contrato com a Servicine, produ-tora de SP que se responsabilizou pela ampliao de 16 mm para 35 mm at a sua concluso, e mais, o direito de distribuio. Porm, ao ver o resultado final, a coprodutora se desinteressou pelo filme, diante das dificuldades que iria ter junto censura de Braslia, e, tambm, estavam decepcionados, ao acredita-rem terem produzido um filme de sacanagem, como havamos dito.

    Com o auxlio da CN Promoes, na pessoa de Dulce, uma loura bonita e de fcil acesso entre os militares, o filme foi levado para a censura de Braslia, para tentar se obter o certificado de censura, sem o qual o filme no poderia

    AmricA do sexoRubens Maia1

    1 Rubens Maia foi produtor de Amrica do sexo (1969), no qual dirigiu o episdio Bandeira zero. Publicado originalmente em folheto do Cine Arte UFF, quando da primeira sesso do filme, em 5.9.1997.

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    ser exibido. A reao dos censores foi de repdio e estupefao diante do que assistiam. No por que ou pelo que o filme mostrava ou dizia, mas o que irritara mesmo foi a questo da linguagem.

    Eles no entenderam nada do que viam e ouviam, e suspeitavam de tudo que no se encaixasse na lgica deles. Quer dizer, o filme todo. Foi decretada ali mesmo a sua interdio, com recolhimento dos negativos etc. etc. etc.

    Acontece que um dos censores caiu nos encantos da nossa Mata Hari, que no s conseguiu destruir os protocolos que legitimava o filme como interditado, como tambm conseguiu convenc-los a virem ao Rio com a cpia, para nos mostrar os cortes que deveriam ser feitos, que eram tantos, que no iria sobrar nada.

    Com o auxlio cauteloso do Cosme Neto, diretor da Cinemateca do MAM, a cpia no foi devolvida para Braslia; por via das dvidas o filme nem existe e o tempo se encarregou do resto.

    Trinta anos j se passaram e a segunda vez que ele exibido em sesso aberta, mas considero essa exibio na UFF a sua estreia.

    A primeira vez (pr-estreia) foi no CCBB por ocasio da Mostra Leon de Ouro. Ocasio em que tala assistiu pela primeira vez o filme e para sua surpresa adorou. Suas expectativas no eram grandes, primeiro porque ela no se lem-brava mais do que tinha feito. Depois teve um romance entre tala e Andr que resultou em casamento, e de certa forma tambm a sua sada do grupo Oficina. Sobre isto, quem poder falar alguma coisa tala, mas posso assegurar que o que mais contribuiu para isso foi seu encanto de juventude. ramos jovens, auda-ciosos, destemidos, numa poca em que todo cuidado era pouco. O filme, que aos olhos dos censores de Braslia era imoral, anrquico e subversivo, se visto pelos olhos de agora poderemos verificar e concluir o disparate da intolerncia.

    Hoje Amrica do Sexo no mais surpreende pelas cenas de nus e sexo (que no existe explcito) nem pelo que possa ter de poltico (se que tem), mas certamente alguma coisa me faz acreditar que Amrica do Sexo guarda alguns elementos de surpresa, alguma carta na manga, que s o publico e a crtica podem identificar e nos dar. Pode ser tambm que no tenha carta al-

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    guma na manga e que ao contrrio do bom vinho: em vez do tempo melhorar tenha avinagrado. Se isto aconteceu, no o despreze, use-o como tempero em suas saladas culturais. Agora, se amargou muito, mas muito mesmo, timo. Era nosso propsito h trinta anos, o de fazer filmes amargos (contra as guas com acar oficiais). Amargos, porm, sem perder a doura.

    P.S. Agradecemos por antecipao os aplausos ou tomates.

    Cena de Bandeira zero, episdio dirigido por Rubens Maia em Amrica do sexo (1969)

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    A exibio (improvvel, alis) desse filme no resolveria grande coisa, mes-mo exibido seria certamente relegado a um ou dois pequenos cinemas, ignora-do pela crtica, visto apenas por uns poucos e atentos abnegados. O mercado exibidor admite cada vez menos produtos do gnero e para subst