castelo branco

Upload: joao-felipe-goncalves

Post on 09-Oct-2015

50 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Pol. ext. Castello Branco

TRANSCRIPT

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    1/95

    GUSTAVO DA FROTA SIMES

    TURBULNCIA POLTICA INTERNA E POLTICA

    EXTERNA DURANTE O GOVERNO CASTELLO

    BRANCO (1964-1967)

    BRASLIA

    2010

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    2/95

    UNIVERSIDADE DE BRASLIA

    INSTITUTO DE RELAES INTERNACIONAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAOEM RELAES INTERNACIONAIS

    TURBULNCIA POLTICA INTERNA E POLTICA

    EXTERNA DURANTE O GOVERNO CASTELLO

    BRANCO (1964-1967)

    Dissertao de Mestrado apresentada comorequisito parcial para a obteno do ttulode Mestre em Relaes Internacionais, reade concentrao Histria das RelaesInternacionais, pelo Instituto de RelaesInternacionais da Universidade de Braslia,elaborada por Gustavo da Frota Simes, sob

    orientao do Professor-Doutor EstevoChaves de Rezende Martins.

    BRASLIA

    2010

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    3/95

    GUSTAVO DA FROTA SIMES

    Comisso Examinadora

    ___________________________________________________

    Prof. Dr. Estevo Chaves de Rezende Martins

    (IREL-UnB Orientador)

    ___________________________________________________

    Prof. Dra. Elizabete Sanches Rocha (Unesp)

    ___________________________________________________

    Prof. Dr. Antnio Jos Barbosa (IH-UnB)

    ___________________________________________________

    Prof. Dr. Antonio Carlos Lessa (IREL-UnB Suplente)

    Braslia, 11 de Maro de 2010.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    4/95

    O historiador e o poeta no se distinguem um do outro pelo

    fato de o primeiro escrever em prosa e o segundo em verso.

    Diferem entre si porque um escreveu o que aconteceu e o outro

    o que poderia ter acontecido.

    Aristteles

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    5/95

    DEDICATRIA

    A minha me pelo incentivo e carinho demonstrados por

    toda a minha vida. A Bernardo Simes pelo apoio nosmomentos difceis e por me ensinar o valor da palavra

    irmo, e ao meu pai, que nunca poupou esforos no

    sentido de me conceder a melhor educao possvel.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    6/95

    AGRADECIMENTOS

    Ao meu orientador, Estevo Chaves de Rezende Martins, cujos comentrios e correes

    permitiram que este trabalho pudesse ser concludo da melhor forma possvel. Sempre

    gentil e atencioso em nossos encontros, permitiu-me trabalhar da maneira que desejei.

    Ademais, agradeo a presteza com que sempre devolveu o trabalho corrigido e

    comentado, nos mnimos detalhes, de maneira rpida e eficiente. Minha escolha de

    orientador no poderia ter sido melhor.

    Aos professores e funcionrios do Instituto de Relaes Internacionais, que sempre me

    trataram de forma cordial e deram inmeros conselhos para que este trabalho fosse

    realizado de forma exemplar. Em especial, agradeo a Odalva, funcionria da Ps-

    Graduao de Relaes Internacionais, pelo excelente trabalho e simpatia com que

    sempre me tratou.

    Aos funcionrios da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, pela presteza nas

    informaes e cordial atendimento durante minha pesquisa. Aos funcionrios da

    Biblioteca do Senado, pelo eficiente atendimento.

    Aos amigos que tive a oportunidade de fazer desde a chegada a Braslia. Em especial,

    aos colegas da Ps-Graduao Juliano Cortinhas, Tas Julio, Leandro Couto, Diego

    Trindade, Helio Maciel, Vicente Costa e Renata Humann pelos comentrios acerca de

    trabalhos acadmicos ou pela participao sempre entusiasmada nos churrascos da

    turma.

    A meu colega de casa Eduardo Pareja, companheiro nas tardes futebolsticas pelo Brasil

    afora; mais que um simples roommate, foi um amigo. Agradeo por seus conselhos

    sempre carregados de maturidade.

    A meus amigos do Rio de Janeiro Eduardo Morais, Marcus Roriz, Gabriel Areal,

    Ricardo Treu, Pedro Derbli, Joo Rua, Paulo Mostardeiro e Rafael Feijo, pela

    oportunidade de a cada dois meses reencontr-los. Nossas sadas me deram o nimo

    necessrio para continuar nesta rdua jornada.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    7/95

    RESUMO

    O objetivo desta dissertao compreender a poltica externa exercida pelo governoCastello Branco nos anos de 1964-1967. Ainda muito pouco estudado no campo das

    relaes internacionais, o perodo importante por se tratar do primeiro governo militar

    aps o golpe de 1964. So poucas as pesquisas que abordam de forma imparcial e sem

    preconceitos esse perodo. Foi analisada a poltica interna do pas para compreender de

    que modo ela repercutiu na esfera externa. Nesse sentido, adotou-se o modelo terico de

    Robert Putnam, que estuda a conexo entre poltica domstica e poltica externa. Foi

    realizada uma pesquisa em peridicos da poca, assim como na documentao

    encontrada no acervo histrico do Itamaraty em Braslia.

    Palavras-chave: Relaes Internacionais do Brasil. Governo Castello Branco. Histria

    da Poltica Externa Brasileira.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    8/95

    ABSTRACT

    The objective of this thesis is to understand the foreign policy adopted by the CastelloBrancos Administration during the years 1964-1967. This period is scarcely studied in

    the field of international relations and it is important because it is the first government

    after the military coup. There are only a few researches that characterizes this

    government in a neutral and impartially way. The domestic politics were analyzed in

    order to see how it affected the foreign policy. Therefore, was adopted the theoretical

    model created by Robert Putnam, that analyzes how domestic politics affects the foreign

    policy. A research was made in the periodicals of that period, as well as the

    documentation found in the Itamaraty Palace (Ministry of Foreign Affairs) historical

    collection in Braslia.

    Keywords: Brazilian international relations; Castello Brancos administration; history

    of Brazilian foreign policy.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    9/95

    8

    LISTA DE SIGLAS

    ADEP Ao Democrtica Popular

    AG Assemblia-Geral (AG)CGT Central Geral de Trabalhadores

    CIE Conferncia Interamericana Extraordinria

    CPDOC Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea (CPDOC)

    CPI Comisso Parlamentar de Inqurito

    ESG Escola Superior de Guerra

    FIP Fora Interamericana de Paz Permanente

    IBAD Instituto Brasileiro de Ao Democrtica

    IPES Instituto de Pesquisas e Estudos SociaisJK Juscelino Kubitscheck

    MRE Ministrio das Relaes Exteriores

    OEA Organizao dos Estados Americanos

    OIC Organizao Internacional do Comrcio

    ONU Organizao das Naes Unidas

    PSD Partido Social Democrtico

    PLE Partido Liberal Evolucionista

    PEI Poltica Externa Independente

    PR Partido da RepblicaPRP Partido Republicano Progressista

    RFA Repblica Federal da Alemanha

    RPC Repblica Popular da China

    SNI Servio Nacional de Inteligncia

    SUPRA Superintendncia para a Reforma Agrria

    UCN Partido da Unio Cvica Nacional

    UDN Unio Democrtica Nacional

    UnB Universidade de BrasliaUNCTAD Conferncia da ONU sobre Comrcio e Desenvolvimento

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    10/95

    9

    SUMRIO

    Resumo

    Abstract

    Lista de Siglas

    INTRODUO 11

    CAP TULO I. TURBUL NCIA POL TICA INTERNA 15

    1.1. Introduo 15

    1.2. Um Pas Beira do Caos 17

    1.3. A Aliana Civil-Militar 24

    1.4. A Queda de Goulart 29

    CAPTULO II. A POLTICA EXTERNA DO GOVERNO CASTELLO

    BRANCO NO CONTINENTE AMERICANO

    36

    2.1. Introduo 36

    2.2. EUA: de Aliado Entusiasmado a Parceiro Cauteloso 37

    2.3. Amrica do Sul: Anos turbulentos 47

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    11/95

    10

    2.4. Amrica Latina e OEA: Preocupao com o Comunismo 55

    2.5. A Misso na Repblica Dominicana: Preocupao com o Comunismo ou

    Busca por Prestgio Poltico?

    62

    CAPTULO III. A POLTICA EXTERNA EXTRACONTINENTAL 69

    3.1. Europa: a Cordialidade Distante 69

    3.2. sia: o Distanciamento 75

    3.3. frica: o Retrocesso 78

    3.4. ONU: Preferncia pelo Comrcio 81

    CONCLUSO 86

    REFERNCIAS 88

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    12/95

    11

    INTRODUO

    O objetivo desta dissertao compreender a poltica externa exercida pelo governo

    Castello Branco nos anos de 1964-1967. Para tanto, analisou-se a poltica interna do perodo

    que compreende o primeiro governo militar.

    O Brasil acabara de sofrer um golpe, e os praticantes desse ato o justificaram, alm de

    motivos de ordem interna, pela m atuao, de seu ponto de vista, da chamada Poltica Externa

    Independente (PEI) durante o governo de Joo Goulart, que assume aps a renncia de JnioQuadros. Alguns fatos importantes contriburam para isso, tanto do ponto de vista dos militares

    como dos civis que praticaram a troca de governo.

    Alm do detrimento em relao aos EUA, os militares da Escola Superior de Guerra

    viam na PEI uma quebra na tradio diplomtica, por privilegiar Estados e governos que no

    tinham as mesmas orientaes que o Brasil, como pases comunistas e do Terceiro Mundo. De

    fato, Castello Branco criticou a PEI por consider-la neutralista e terceiro-mundista.

    Ainda muito pouco estudado no campo das Relaes Internacionais, o perodo importante por se tratar do primeiro governo militar proveniente de um golpe de Estado. So

    poucos os estudos que abordam de forma imparcial e sem preconceitos esse perodo.

    Foi analisada a poltica interna do pas no perodo para compreender de que modo ela

    repercutiu na esfera externa. Nesse sentido, adotou-se o modelo terico de Robert Putnam, que

    estuda a conexo entre poltica domstica e poltica externa. Foi realizada uma pesquisa em

    peridicos da poca, assim como na documentao encontrada no acervo histrico do

    Itamaraty, sede do Ministrio das Relaes Exteriores, em Braslia.

    Com base na documentao e nos dados obtidos, que foram o esteio deste estudo, serviu

    de guia para a elaborao da dissertao a Teoria Crtica, que de fundamental importncia

    para o perodo, justamente por procurar desvincular-se dos estudos da poca, marcados pelo

    antagonismo mundial LesteOeste, a chamada Guerra Fria.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    13/95

    12

    A Teoria Crtica uma abordagem metodolgica proveniente do pensamento marxista, e

    alguns autores a classificam como neomarxista1

    A Teoria Crtica rejeita os trs postulados bsicos do positivismo, ou seja: uma realidade

    externa objetiva; a distino entre sujeito e objeto; e a cincia social como cincia livre de

    valores. De acordo com os tericos crticos, no existe uma poltica mundial ou uma economia

    global operando segundo leis imutveis. Para eles, o mundo social uma construo de tempo e

    espao e, nesse sentido, o sistema internacional uma construo feita pelos Estados mais

    poderosos. Tudo o que social, inclusive as Relaes Internacionais, varivel, por isso

    histrico. Cox afirma que no existe teoria pura e propriamente dita, no existe teoria em si,

    enfim, tudo conectado com a histria

    . Foi elaborada por um seleto grupo de

    pensadores alemes, muitos dos quais exilados nos Estados Unidos. Na rea de Relaes

    Internacionais, a Teoria Crtica est muito ligada Economia Poltica Internacional marxista.

    Entre os fundadores da Teoria Crtica esto autores conhecidos Robert Cox e Andrew Linklater.

    2

    Essa vertente da Teoria Crtica ficou conhecida pelo nome de Escola de Frankfurt. Em

    verdade, esse termo surgiu posteriormente aos trabalhos de Horkheimer, Adorno, Marcuse,

    Benjamin e Habermas, sugerindo uma unidade local que no mais existia. Segundo Barbara

    Freitag, com o termo Escola de Frankfurt, procura-se designar a institucionalizao dos

    trabalhos de um grupo de intelectuais marxistas, no-ortodoxos, que na dcada de 20

    .

    A Teoria Crtica no analisa apenas os Estados e o sistema de Estados, mas enfoca de

    forma mais geral o poder e a dominao no mundo. Esse, outro aspecto de importncia capital

    para o campo de Relaes Internacionais. No o tema em si, j que amplamente estudado, mas

    a maneira como os tericos crticos analisam tais questes.

    Tericos crticos buscam o conhecimento com uma finalidade poltica clara: liberar a

    humanidade da estrutura da poltica e da economia mundial, que so controladas por poderes

    hegemnicos, em particular pelos Estados Unidos capitalista. Assim como os acadmicos

    marxistas, os seguidores da Teoria Crtica buscavam desmascarar a dominao global do Norte

    rico sobre o Sul pobre.

    1JACKSON, Robert, SORENSEN, Georg.Introduo s Relaes Internacionais.Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

    2COX, Robert.International political economy understanding global disorder. Canada: Fernwood Books, 1995.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    14/95

    13

    permaneceram margem de um marxismo-leninismo clssico, seja em sua verso terico-

    ideolgica, seja em sua linha militante e partidria.3

    Alguns desses grupos so formados com o objetivo formal de estudar o governo, porm

    com o objetivo obscuro de tomar o poder. O complexo Ipes/Ibad, formado pelo Instituto de

    Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e pelo Instituto Brasileiro de Ao Democrtica (Ibad) um

    dos atores mais influentes do perodo, e o estudo de sua atuao se torna imprescindvel para

    avaliar como foi arquitetado o golpe. No se procura no captulo fazer uma anlise acerca dos

    motivos que levaram ao golpe, mas sim analisar a esfera domstica (tensa e turbulenta) e

    apontar os atores importantes que foram pea-chave para a execuo do mesmo. Alguns deles

    configuraro elementos importantes nas decises de poltica externa aps a tomada do poder.

    Ao utilizar esse marco terico amplo, procura-se manter distncia segura de discursos

    polticos dominantes na poca. Assim, a maior contribuio da Teoria Crtica para estadissertao afastar quaisquer teorias que visem amarrar as concluses aqui alcanadas. A

    pesquisa em Histria deve se apoiar em teoria, mas nunca a teoria deve ser um fim em si

    mesma. No se pode partir para a pesquisa com as respostas para as perguntas j devidamente

    prontas, e muitos dos marcos tericos em Relaes Internacionais poderiam limitar as

    concluses.

    Por isso, a escolha da Teoria Crtica, que basicamente rejeita as demais teorias. Para um

    instrumental terico de anlise, ser usada a Teoria de Putnam acerca dos jogos de dois nveis.

    O autor est completamente compatvel com o marco terico da Teoria Crtica, simplesmente

    por levar em conta diversos fatores exgenos na formulao da poltica externa. Putnam no se

    resume a enfocar uma poltica de poder, como muitos analistas realistas o fazem.

    A dissertao est dividida em trs captulos, alm desta Introduo e da Concluso. O

    primeiro captulo versar sobre a ordem poltica interna. Buscar-se- fazer uma anlise da

    poltica domstica do Brasil no perodo. Desde os meses finais do governo Joo Goulart at o

    Golpe de 31 de maro de 1964, em que a situao brasileira era bastante turbulenta, tendo em

    vista os diversos grupos que desejavam exercer maior influncia nas decises do governo.

    3 FREITAG, Barbara.A Teoria Crtica ontem e hoje.4 ed. Braslia: Ed. Brasiliense, 1993. P. 10.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    15/95

    14

    O segundo captulo discutir a poltica externa exercida dentro do continente americano:

    o mais importante na viso dos formuladores de poltica externa do perodo. Alm do fato de

    ser regio vizinha do Brasil, o conceito de fronteiras ideolgicas 4

    4Castello Branco alterou o conceito de soberania, que deixava de fundar-se sobre os limites e as fronteirasgeogrficas dos Estados e passava a fundar-se no carter poltico e ideolgico dos regimes, a partir do conceitoconhecido com fronteiras ideolgicas. Foi aplicado, sobretudo, na tentativa brasileira de criao de uma ForaInteramericana de Paz Permanente (FIP).

    aplicado aqui por

    polticos e diplomatas brasileiros. Ser estudada a relao brasileira com os EUA, alm da que o

    Brasil manteve com os pases vizinhos. Ponto importante para o continente como um todo foi a

    interveno na Repblica Dominicana, na qual o Brasil exerceu liderana militar e contribuiu

    consideravelmente com tropas e apoio poltico.

    O terceiro captulo versar sobre a poltica externa exercida extracontinente, ou seja,

    com aqueles blocos de pases que no fazem parte das Amricas. Afastados do Brasil, portanto

    de pequena importncia para a segurana do pas, Europa, sia e frica foram os locais em que

    o Brasil mais teve continuidade na poltica externa se comparada ao governo anterior. O foco

    nessas regies foi sobretudo comercial e econmico.

    Essa outra face da poltica externa brasileira parece ser pouco lembrada quando tericos

    de Relaes Internacionais classificam o governo Castello Branco de totalmente alinhado aos

    interesses dos EUA e como sendo um governo de ruptura da tradio diplomtica, to cara

    aos seguidores do Baro do Rio Branco.

    Por fim, a Concluso tenta explorar as possveis conexes entre o grupo que chegou ao

    poder e a poltica externa adotada. Se, por um lado, houve grande diferena nas questes

    hemisfricas, por outro o Brasil pareceu dar continuidade s relaes com os pases fora do

    continente americano.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    16/95

    15

    CAPTULO I TURBULNCIA POLTICA INTERNA

    1.1. Introduo

    Do final de 1963 at maro de 1964, diversos fatores polticos internos levaram o pas a

    entrar em uma poca de forte turbulncia poltica. Alm de inmeras manifestaes contrrias

    ao regime, o pas encontrava-se fortemente endividado5

    Robert Putnam, no artigo Diplomacy and domestic politics: the logic of two-level

    games,

    e com problemas no balano de

    pagamentos. Referir esses condicionantes internos torna-se essencial para analisar a poltica

    externa do perodo. O exame da situao interna crucial para a compreenso do modelo

    terico conforme proposto por Robert Putnam.

    6apresenta a teoria de como a poltica domstica est relacionada poltica externa. O

    autor diz que estudos anteriores j buscavam essa conexo, sem entretanto caracteriz-la numa

    teoria propriamente dita7

    5Apesar de o foco deste captulo ser a turbulncia poltica, inegvel a associao entre crise econmica e crisepoltica. Ver: DULLES, John W. F. Castelo Branco:o presidente reformador.Braslia: UnB, 1983.6 A teoria dos jogos de dois nveis utilizada ser baseada inteiramente no artigo de PUTNAM, Robert D.Diplomacy and domestic politics: the logic of two-level games, in EVANS, Peter B., HAROLD K. Jacobson,PUTNAM, Robert D. Double-edged diplomacy: international bargaining and domestic politics. Los Angeles:

    University of California Press, 1993. H outros trabalhos acerca de como a poltica interna influencia a polticaexterna, tais como a obra de MILZA, Pierre. Poltica interna e poltica externa. RMOND, Ren (Org.). Por umahistria poltica.Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 1996.7 ROSEMAU, James. Toward the study of national-international linkages. Linkage Politics: Essays on theConvergence of National and International Systems (New York: Free Press, 1969), assim como Theorizing acrosssystems: linkage politics revisited. In WILKENFELD, Jonathan, Conflict behavior and linkage politics (NewYork: David McKay, 1973), p. 49. DEUTSCH, Karl W. et al., Political community in the North Atlantic area:international organization in the light of historical experience (Princeton: Princeton University Press, 1957); eHAAS, Ernst B. The uniting of Europe: political, social, and economic forces, 1950-1957 (Stanford: StanfordUniversity Press, 1958).

    . Para iniciar a reflexo, Putnam cita as negociaes da Cpula de

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    17/95

    16

    Bonn em 19788

    A poltica externa e especialmente as negociaes internacionais podem ser descritas

    como um jogo de dois nveis. Essa metfora a que guia o trabalho de Putnam. Ressalta o

    autor, entretanto, que uma metfora no uma teoria, logo, sua descrio se dar nos mnimos

    detalhes. Putnam cita Max Black: toda cincia deveria comear com uma metfora, para passar

    para a lgebra, e, sem essa fase de metfora, nenhuma chegaria a lgebra.

    , que tinha como objetivo principal a recuperao econmica das potncias

    ocidentais aps o primeiro choque do petrleo. Durante a conferncia, os pases tinham

    objetivos diversos, porm puderam chegar a um acordo. ao examinar como se deu esse

    acordo que Putnam comea a desenhar a teoria.

    9

    O perodo estudado do agravamento da atmosfera poltica, quando de fato o Brasil

    vivia forte tenso, em que ambos os lados se acusavam de golpes e contragolpes

    Nenhum dos dois

    nveis (interno e externo) pode ser ignorado pelos decisores enquanto seus pases sejam

    interdependentes, embora soberanos. Os lderes polticos aparecem nos dois nveis do jogo,

    embora a retrica possa ser diferente em cada um deles. Algumas vezes para conseguir apoio

    domstico, o discurso do lder poltico diferente daquele adotado no plano externo.

    O papel desse lder fazer um pacote que seja aceito tanto interna quanto externamente,

    por isso, ele deve levar em conta os grupos de presso domsticos e os internacionais. As

    discusses se do em dois planos. No nvel I, o que corresponde ao das negociaes externas,

    elas no necessariamente se do antes das discusses do nvel II, o que seria a deciso interna

    de ratificar ou no determinado acordo internacional. Para conseguir viabilizar o acordo, o lder

    poltico deve consultar as bases no nvel II e ver at que ponto uma negociao vivel.

    Munido de tais informaes, o negociador vai ao nvel I e discute com os congneres o acordo

    internacional, para ento voltar ao nvel II mais seguro e conseguir a ratificao de tal acordo.

    10

    8A Cpula de Bonn de 1978 foi realizada por iniciativa dos EUA para recuperao da economia mundial aps ochoque do petrleo. Para Putnam, ela um modelo de como diplomacia e poltica interna podem se misturar, pois,na cpula, diversos interesses internos prevaleceram sobre o interesse externo dos pases.9BLACK, Max. Models and metaphors. ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1962, p.242, in SNIDAL, Duncan.The game theory of international politics,World Politics, 38, 1985, p. 36.

    10Ver SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Getlio a Castelo. 13 edio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. Almdisso, tambm SILVA, Hlio. 1964: golpe ou contragolpe? Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1995.

    . O perodo

    de agravamento da situao interna do Governo Joo Goulart vai do final de 1963 at as

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    18/95

    17

    vsperas do golpe militar de 31 de maro de 196411

    A conspirao contra Joo Goulart comeou ainda antes da posse

    . A discusso do plano interno crucial em

    um primeiro momento para avaliar quais os grupos tomaram o poder e com quais perspectivas,

    para, em um momento posterior, analisar como esse grupo agiu ao tomar decises no nvel I

    (externo, de Putnam).

    1.2. Um Pas Beira do Caos

    12

    Desconfiana que s fez aumentar quando, aps o plebiscito de 6 de Janeiro de 1963, o

    Ato Adicional n 4, o foi revogado, restituindo a Jango os poderes plenos de presidente da

    Repblica em regime presidencialista. Com isso, Jango recebeu, em mos, a autoridade e as

    competncias que haviam sido consideradas como fatores de risco em 1961. A soluo

    parlamentarista durou pouco tempo, porm pode ser percebida como tendo, na prtica,

    produzido apenas o que se no passou de uma espcie de adiamento do golpe militar.

    . De fato, desde a

    renncia, em 25 de agosto de 1961, de Jnio Quadros que fora eleito por voto popular ,

    diversos crculos militares e civis ficaram descontentes com a posse automtica do vice-

    presidente. A soluo adotada foi a aprovao em 02 de setembro de 1961 do Ato Adicional n

    4, que criava um parlamentarismo que diminuiria, aos olhos dos descontentes, os riscos de

    eventual ditadura sindicalista ao mesmo tempo em que uma aparncia de legalidade seria

    mantida. A soluo parlamentarista acalmou os nimos poca, porm no afastou de completoa desconfiana desses setores da sociedade.

    13

    11Em 31 de Maro de 1964 tem incio a movimentao de tropas do general Olympio Mouro Filho, comandanteda IV Regio Militar, que partia de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro na chamada Operao Popeye, nome dado

    pelo fato de o general sempre andar com cachimbo.12SILVA, Hlio. 1964: golpe ou contragolpe? Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1995, p. 199.13Idem, p. 91.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    19/95

    18

    Tendo recobrado os poderes amplos, Jango procedeu nomeao de um novo

    ministrio, empossado em 25 de janeiro do mesmo ano. O presidente agora estava investido do

    que queria, ou seja: o que entendia como capacidade para governar o pas, j que considerava o

    Parlamentarismo como regime instvel.14Pode-se dizer que, apesar de problemas, ele governou

    efetivamente durante pouco mais um ano, embora houvesse resistncias e reclamaes de certos

    setores que no viam as demandas ser atendidas. Empresrios e capitalistas haviam feito uma

    unio com a gesto de Juscelino Kubitschek, ao compartilhar o poder com o governo que

    atendia s demandas populares. No perodo iniciado j com a eleio de Jnio Quadros e do

    subsequente agravamento da crise, essa unio desparecera 15

    Para a Teoria Crtica, isso ia de encontro ao Estado capitalista, por um simples motivo:

    A interveno do Estado em todos os nveis desde o econmico at o superestrutural no se

    d no interesse de um certo grupo de capitalistas nacionais ou estrangeiros, mas sim no

    interesse do capital global

    .

    16

    Em janeiro de 1964, Jango regulamenta a Lei n 1.131, que dispe sobre o capital

    estrangeiro

    . Isto , o Estado capitalista no diferenciava bom capital e mau

    capital, apenas dava importncia ao capital, em seu estado puro.

    17. Buscando assim distinguir o que chamava de bom capital estrangeiro, ou seja

    aquele que deitou razes em nosso pas, e o mau capital, definido por ele como aquele que

    busca o lucro incessantemente e deixa nossa nao estagnada e atrasada18

    Pode-se perceber que, alm do tom defensivo do presidente na necessidade de

    justificar as polticas, a proposta de Goulart era alterar diversas estruturas de poder no Brasil.

    Jango tinha por objetivo, nas reformas de base, a realizao de reforma agrria, alm de

    resolver problemas de infraestrutura e de refinarias ineficientes, que provocavam escassez

    . Goulart salientava

    que no haveria golpe de sua parte e que medidas como a adotada eram necessrias e justas.

    14SKIDMORE, op. cit., p. 270.15

    DREIFUSS, Ren Armand. 1964: a conquista do Estado ao poltica e golpe de classe. 2 ed. Petrpolis:Vozes, 1981. Ren Armand Dreifuss uruguaio, formado em Cincias Polticas e Histria pela Universidade deHaifa, Israel, obteve em 1974 o mestrado em Poltica na Leeds University, Gr-Bretanha. Em 1980, obteve PhDem Cincia Poltica na Universidade de Glasgow, tambm Gr-Bretanha. Desta pesquisa resultou o livro. NoBrasil, realizou estudos sobre Foras Armadas, empresariado, formao de diretrizes e sistema de poder no Brasil.

    Na data de publicao do livro tinha 36 anos. A edio brasileira teve traduo pelo Laboratrio de Traduo daFaculdade de Letras da UFMG, p. 125

    16FREITAG, op. cit. p. 126.17JORNAL DO BRASIL. Goulart assina a Lei de Remessa e elogia o capital estrangeiro. 18.01.1964, 1 cad., p. 3.

    18Idem.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    20/95

    19

    energtica em diversas cidades do pas. H ainda que lembrar do papel cada vez maior dos

    sindicatos, alm da indisciplina incitada por Jango e aliados em relao aos membros do

    Exrcito. Esses fatores, aqui apenas lembrados, apontam para a turbulncia poltica que vive o

    Brasil, internamente, na fase que se seguiu ao plebiscito de janeiro de 1963 at o golpe civil-

    militar de maro de 1964, que deps Joo Goulart.

    Alm de graves preocupaes com a ordem econmica e a restrio imposta ao capital

    estrangeiro evidenciada pela regulamentao da lei acima comentada, o pas vivia forte escassez

    de abastecimento. Funcionrios da Companhia Energtica da Guanabara (Light) entraram em

    greve em janeiro de 1964 e provocaram um caos no abastecimento de combustveis, em geral,

    entre eles o gs. O governo federal precisou ameaar com interveno para que o abastecimento

    fosse normalizado19

    Outro problema grave que abalava o pas era a reforma agrria. Segundo o compromisso

    de Jango com relao s reformas de base, a reforma agrria tornara-se uma das mais

    importantes

    . A escassez tambm foi sentida em outros produtos, como carvo e

    querosene. Para conseguir quaisquer desses produtos, o cidado da Guanabara enfrentava

    enormes filas e sofria com o racionamento. Essa escassez de insumos bsicos o que Habermas

    chama de crise econmica do Estado. O autor destaca que o Estado Moderno poderia sofrer de

    quatro crises: econmica, de racionalidade, de legitimao e de motivao.

    O ento governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, ferrenho adversrio de

    Goulart, aproveitou-se dos recorrentes racionamentos e disse temer que um golpe fosse

    realizado. Lacerda atribuiu a greve aos comunistas e disse que esse seria o primeiro passo na

    tentativa de um golpe a ser executado no pas. A greve foi solucionada com intermediao do

    governo federal e promessas de reajustes aos funcionrios. Alm da crise no abastecimento,

    moradores da antiga capital federal (Rio de Janeiro) conviviam com seguidos apages de luz, e

    por meses o racionamento de gua fora adotado como mal necessrio.

    20

    19JORNAL DO BRASIL Governo Federal ameaa intervir no gs. 17.01.1964, p. 3.20SKIDMORE, op. cit., p. 300.

    . Em maro de 1963, Jango apresentou ao Congresso um projeto de lei de reforma

    agrria que propunha a indenizao em aplices do governo e no em moeda corrente.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    21/95

    20

    Esse projeto foi amplamente criticado por parlamentares de centro e de direita,

    especialmente membros da Unio Democrtica Nacional (UDN) e do Partido Social

    Democrtico (PSD). Jango foi acusado de praticar gestos demagogos destinados a suscitar a

    opinio em apoio de um projeto insuficientemente estruturado. O que h de novo aqui que o

    PSD se alia UDN, de modo que Jango conseguiu criar desconfianas no s na direita, mas

    tambm no centro.

    Tal projeto provocou estremecimentos dentro dos dois partidos, que formavam uma

    antiga aliana: PSD-PTB. De olho na sucesso presidencial, at mesmo o antigo presidente

    Juscelino Kubitschek se ops lei. As eleies presidenciais estavam marcadas para 1965,

    embora a expectativa que viessem a ocorrer normalmente fosse duvidosa.21

    A crise somente arrefeceu um pouco quando o governo prometeu que as

    desapropriaes seriam feitas sob superviso do Exrcito

    JK estava em plena campanha desde o incio de 1964 e preparava para breve um

    pronunciamento acerca das principais propostas e o lanamento oficial da candidatura. O clima

    poltico estava substancialmente dividido e tenso. Alm do antagonismo ferrenho da direita

    conservadora, opositora de Joo Goulart desde a posse, agora o PSD com candidato

    praticamente oficializado tambm procurava afastar-se do PTB a fim de concorrer com o antigo

    aliado em situao mais forte.

    22

    Apesar dessa atitude mediadora, Goulart assinara em 13 de maro de 1964 um decreto

    que segundo ele seria o primeiro passo para a reforma agrria completa.

    . O PSD emitiu nota oficial dizendo

    que se encontrava mais tranquilo com a medida adotada pelo presidente Joo Goulart. O

    convnio foi assinado entre a Superintendncia para a Reforma Agrria (Supra), criada em 1962

    com o objetivo de elaborar uma poltica agrria e planejar, regional e nacionalmente, sua

    execuo e o Exrcito. A cooperao se daria nas terras s margens de rodovias federais. Os

    crculos agrrios dentro do PSD viram com bons olhos a ao do governo, que consideravam

    como medida conciliadora.

    23

    21JORNAL DO BRASIL. Ningum acredita que eleies de 1965 sejam com tranqilidade. 21.01.1964, p.522JORNAL DO BRASIL. Reforma Agrria com militares tranqiliza PSD. 29.01.1964, p. 1.23JORNAL DO BRASIL. JG surpreende o pas: refinarias encampadas. 14.03. 1964, p. 1.

    O anncio foi feito

    no comcio Central do Brasil, que reuniu multides e contou com um esquema de segurana

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    22/95

    21

    nunca antes visto. Alm de assinar o decreto da Supra, como ficou conhecido o decreto da

    reforma agrria, Goulart tambm anunciou que encamparia as refinarias particulares de

    petrleo. Uma das refinarias encampadas foi ocupada por tropas militares no mesmo momento

    em que discursava o presidente da Repblica. Jango tambm pediu nova Constituio.

    Isso se deve ao fato de a crise da reforma agrria ter chegado a um impasse e que

    somente poderia ser solucionada com a modificao constitucional24

    Para os opositores dentro da UDN, a tentativa de criar uma Constituinte ou de apenas

    modificar a Constituio vigente era sinal claro de que Goulart estava procurando atropelar o

    Congresso e com isso modificar as regras para a sucesso presidencial

    . O principal problema era,

    entretanto, a diviso definitiva entre PSD e PTB. A ciso inviabilizava a possibilidade de que

    qualquer projeto de lei fosse aprovado no Congresso, pois o governo perdia a base de apoio

    principal. A maioria pessedista era contrria a Goulart, o que impedia a realizao de qualquer

    plano de modificao constitucional no Parlamento.

    25

    Goulart carecia de apoio parlamentar e poltico, mas ainda tentava influenciar as

    chamadas massas populares, e esse era o principal receio das elites civis e militares do pas

    . Para os golpistas de

    1964, Goulart pretendia dar um golpe nas instituies democrticas e implantar uma ditadura de

    cunho sindicalista, sua maior base de apoio. A justificativa da UDN para apoiar o golpe militar

    de 1964 seria, portanto, reprimir um possvel golpe iniciado pelo presidente em exerccio.

    26

    Um dos maiores colunistas da poca, Carlos Castello Branco, publicava diariamente a

    Coluna do Castello no Jornal do Brasil.Apesar do nome, no havia parentesco entre ele e o

    futuro presidente do Brasil. Os artigos refletiam bem o que se passava nos bastidores da

    poltica. No dia 08 de maro de 1964, o colunista escrevia que Goulart procurava uma ditadura

    consentida

    .

    Jango procurava, desse modo, influenciar os crculos baixos do Exrcito, os sargentos, e a

    massa de trabalhadores, os sindicatos.

    27

    24SILVA, op. cit., p. 178.25GASPARI, Elio.A ditadura envergonhada. So Paulo: Cia. das Letras, 2002, p. 49.26DREIFUSS, Ren Armand. op cit, p. 135.27JORNAL DO BRASIL. Goulart iria para uma ditadura consentida. 08.03.1964, p. 4.

    .

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    23/95

    22

    Castello Branco descreve no jornal como o presidente procurava influenciar a populao

    com chamadas emocionais e que caminharia para uma ditadura ao estilo de Sukarno na

    Indonsia. Tais preocupaes aumentavam pelo fato de que decises importantes seriam

    anunciadas e o comcio na Central do Brasil se aproximava.

    No comcio, Goulart discursou para milhares de brasileiros. Ao lado estavam Leonel

    Brizola e Miguel Arraes. O primeiro sugeriu a criao de uma constituinte popular, onde se

    achariam membros do povo, trabalhadores e camponeses, muitos sargentos e oficiais

    nacionalistas28

    O discurso foi ouvido em todo o pas, retransmitido pela rdio Mayrink Veiga, e ocorria

    no mesmo momento em que os ofendidos por Brizola jantavam no palcio do governo do Rio

    Grande do Norte. No mesmo discurso, o deputado gacho conclamava os soldados a se rebelar

    e defender as reformas de base. O general Muricy voltou a sua residncia e ps-se de

    sobreaviso, comunicando o fato a todos os quartis da regio. A situao porm correu sem

    . Traduo clara do que buscava Goulart na poca. Em reao ao discurso

    inflamado, lderes oposicionistas como Pedro Aleixo e Bilac Pinto queixaram-se do tom

    subversivo e violador da lei. Lamentaram tambm que os lderes militares presentes ao

    comcio no houvessem prendido o ex-governador do Rio Grande do Sul e ento deputado

    federal pelo Rio de Janeiro em flagrante, em razo de um discurso considerado ofensivo que

    Brizola proferira no Nordeste do pas.

    Cada vez mais isolado, Goulart buscava apoio em determinados polticos de expresso

    nacional, como os j citados Brizola, e Arraes, ento governador do Estado de Pernambuco.

    Estes, todavia, provocavam reao da oposio, ainda mais fortes que as trazidas pelo

    presidente da Repblica.

    Em maio de 1963, Brizola havia estado em Natal, no Rio Grande do Norte, para um

    comcio poltico em que defendeu as reformas de base. Discursou por mais de uma hora e

    ofendeu o ento embaixador americano Lincoln Gordon, a quem chamou de autntico inspetor

    de colnias. Alm disso, Brizola hostilizou o comandante da guarnio local, o general

    Antnio Carlos Muricy, chamando-o de gorila.

    28JORNAL DO BRASIL. Constituinte. 14.03.1964., p. 1.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    24/95

    23

    maiores transtornos, e Brizola partiu para o Recife com o objetivo de continuar a peregrinao

    poltica pelo Nordeste.

    Por outro lado, o comandante da guarnio de Natal tambm foi a Recife com outros

    objetivos. Sua inteno era conferenciar com o general Humberto Castello Branco, comandantedo IV Exrcito. O general Muricy fez um relatrio verbal dos acontecimentos.29

    notrio o esforo desse deputado para dividir o Exrcito, agora em brizolistas egorilas, em desmoralizar seus chefes, generais e coronis, e voltar- se para ossargentos como seus adeptos. J se vislumbra que tal processo de difamao e insdiasse reproduz no meio de estudantes, sindicatos e na imprensa, ofendendo as instituies

    militares numa quadra dificlima da nao. Primeiramente, desejei responder aodeputado Leonel Brizola para mostrar ao acusador intempestivo que a sua injria

    parece fazer parte de um propsito de solapamento das instituies armadas do pas. SeVossa Excelncia, no entanto, achar que se trata de uma questo local e restrita aelementos do IV Exrcito, estou pronto, para, dentro da disciplina, revidar os

    provocantes ataques do deputado Leonel Brizola ao general Muricy.

    Castello enviou

    as reclamaes ao ministro da Guerra, general Amaury Kruel:

    30

    A situao poltica e econmica do pas era instvel e turbulenta. A seguir se ver como

    essa instabilidade tornou as elites civis e militares mais prximas e como se deu a aproximao.

    Para Dreifuss, o golpe somente foi possvel com a juno desses grupos

    31

    29SILVA, Hlio.Histria da repblica brasileira.O golpe de 64. So Paulo: Trs, 1998, p. 75.30SILVA, op. cit., p. 77.31Idem, p. 485.

    .

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    25/95

    24

    1.3. A Aliana Civil-Militar

    O golpe de 31 de maro de 1964, embora chamado de militar, foi um golpe civil-

    militar32. Futuro ministro do Interior do governo de Castello Branco, o general Cordeiro de

    Farias reconheceu que o golpe foi altamente poltico e civil em sua formao e execuo.

    Procura-se aqui identificar quem eram esses dois grupos e quais os seus anseios aps a tomada

    do poder. Para o modelo terico de Putnam, a avaliao da composio dos grupos de presso

    internos um dos fatores que explicam a poltica externa adotada 33

    O 31 de maro foi um movimento de tropas que se iniciou com atividades secretas

    muito antes do desfecho

    .

    34. As atividades conspiratrias se intensificaram nos idos de maro e

    envolviam oficiais militares, empresrios e polticos. Muitos deles vinham participando de

    prolongada campanha de desestabilizao do governo Joo Goulart, sobretudo por meio de

    atividades de propaganda poltica variada, capitaneadas pelo Instituto de Pesquisas e Estudos

    Sociais (Ipes) e pelo Instituto Brasileiro de Ao Democrtica (Ibad) 35

    Chamado por Dreifuss de complexo poltico-militar, o Ipes/Ibad tinha por objetivo agir

    contra o governo nacional-reformista de Joo Goulart e contra o alinhamento de foras sociais

    que lhe apoiavam a administrao

    , que afirmavam a

    incompetncia do governo e sua tendncia esquerdista.

    36

    As sementes do Ipes, como tambm do Ibad, foram lanadas ao final da administrao

    de JK e durante a presidncia de Jnio Quadros, em cujo zelo moralista os dois institutos

    depositavam grandes esperanas. Os fundadores do Ipes do Rio de Janeiro e de So Paulo, o

    ncleo duro do que se tornaria uma rede nacional de grupos de ao, vieram de diferentes

    passados ideolgicos. O que os unificava, no entanto, eram relaes econmicas multinacionais

    .

    32Ibidem, p. 397.33PUTNAM, op. cit., p. 432.34FICO, Carlos. Alm do golpe.Verses e controvrsias sobre 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Record,2004, p. 15.35O complexo Ipes/Ibad representava a fase poltica dos interesses empresariais, embora houvesse se disseminadoentre os militares. A evoluo do Ipes/Ibad mostra como se passou de um grupo de presso para uma organizaode classe capaz de uma ao poltica sofisticada.36DREIFUSS, op. cit., p. 161.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    26/95

    25

    e associadas, o posicionamento anticomunista e a ambio de readequar e reformular o

    Estado37

    O Ipes passou a existir oficialmente no dia 29 de novembro de 1961. Antes, faziam-se

    reunies informais em residncias de empresrios de destaque do Rio de Janeiro e So Paulo,como Antnio Galotti, Glycon de Paiva e Jos Garrido Torres. Alm de recrutar outros

    empresrios, buscou-se a insero de diversos oficiais da reserva, como o coronel Golbery do

    Couto e Silva e o general Heitor Herrera. O lanamento do Ipes foi recebido favoravelmente

    por diversos peridicos, tais como oJornal do Brasil, O Globo eo Correio da Manh

    .

    38

    Alm disso, os membros concordavam em fazer operaes encobertas, tendo chegado a

    se cogitar dentro do grupo a atuao inteiramente clandestina

    . Desde

    a criao, o instituto desenvolveu dupla vida poltica.

    De um lado, os simpatizantes e defensores encaravam-no como uma organizao de

    respeitveis homens de negcio e intelectuais, com um nmero de tcnicos de destaque, que

    advogavam participao nos acontecimentos polticos e sociais e que apoiavam a reforma

    moderada das instituies polticas e econmicas existentes. O objetivo declarado do Ipes era

    estudar as reformas liberais e a esquerda durante o governo de Joo Goulart do ponto de vista

    do empresariado.

    O lado encoberto coordenava uma sofisticada e multifacetada campanha poltica,

    ideolgica e militar. Os fundadores do Ipes, avidamente dedicados manipulao de opinies e

    guerra psicolgica, organizavam e recrutavam membros por meio de um esquema estilo

    pirmide. Cada novo membro era obrigado a trazer mais cinco novos membros, at que a

    organizao aumentasse satisfatoriamente.

    39

    37Idem, p. 163.38Edies respectivamente de 02.02, 04.02 e 05.02.39DREIFUSS, op. cit., p. 164.

    . As operaes secretas e

    discretas da burguesia insurrecional eram executadas por foras-tarefa especializadas e com

    grupos com codinomes e outros mtodos usados pela clandestinidade. justamente a que entra

    o Ibad. O instituto agia como unidade ttica; e o Ipes operava como centro estratgico, sendo

    que o Ibad e outras subsidirias clamavam para si a maior parte do insucesso (ou glria) das

    atividades secretas, expondo-se bem mais que a contraparte, o Ipes.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    27/95

    26

    O Ibad foi fundado em maio de 1959, por Ivan Hasslocher, recebendo contribuies de

    empresrios brasileiros e estrangeiros que, descontentes com a disparada da inflao e o estilo

    populista de JK, julgaram necessrio organizarem-se com o objetivo de combater o comunismo

    no Brasil e influir nos rumos do debate econmico, poltico e social do pas. O papel designado

    para o Ibad era a ao poltica. Dessa forma, Hasslocher fundou mais ou menos no mesmo

    perodo a agncia de propaganda Incrementadora de Vendas Promotion, subsidiria daquele

    instituto.

    A posse de Joo Goulart na Presidncia da Repblica, em setembro de 1961, acirrou os

    nimos dos ibadianos. O pice da atuao do instituto foi na campanha eleitoral de 1962. Para

    isso, foi criada, com fins explicitamente eleitorais, a Ao Democrtica Popular (Adep). Sua

    funo era canalizar recursos para os candidatos contrrios a Goulart que concorreriam s

    eleies legislativas e para o governo de onze Estados. Ao mesmo tempo, o Ibad engendrou

    ferrenha campanha contra o governo Goulart e os candidatos ao Legislativo identificados como

    comunistas. Alm disso, produziu e difundiu grande nmero de programas de rdio e de

    televiso e matrias em jornais com contedo anticomunista.

    A medida de maior impacto do Ibad foi o aluguel, durante a campanha eleitoral, do

    vespertino carioca A Noite. Por noventa dias, a linha poltica do jornal foi radicalmente

    modificada passando de defensora de candidatos do PTB e de posies nacionalistas

    promoo dos candidatos apoiados pela Adep e identificados ao anticomunismo. Outra

    iniciativa do Instituto foi a traduo e a divulgao do livroAssalto aoParlamento, do escritor

    tcheco Jan Kosak. A obra, publicada pelo jornal OGlobo, descrevia a tomada do poder pelos

    comunistas na Checoslovquia e o papel central que o controle do Congresso desempenhara

    nesse processo.

    A participao do Ibad-Adep na campanha eleitoral de 1962 foi to ostensiva que levou

    parte considervel do Congresso a suspeitar da origem dos recursos utilizados. Assim, ainda em

    1962, foi sugerida a criao de uma Comisso Parlamentar de Inqurito (CPI) para investigar as

    atividades do Ibad e subsidirias. A iniciativa no prosperou em virtude de mudanas dos

    mandatrios da Cmara dos Deputados.

    Com o incio da nova legislatura em fevereiro de 1963, foi renovada a proposta de

    investigar o instituto e suas subsidirias. Em maio, a CPI foi instalada. Foi eleito presidente da

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    28/95

    27

    Comisso o deputado Ulysses Guimares, e foram ouvidas inmeras pessoas apurando a

    participao de empresas no emprstimo ao Ibad, tais como: Texaco, Coca-Cola, Esso, Bayer e

    IBM40. Os trabalhos da CPI resultaram em centenas de depoimentos, denncias e comprovantes

    de despesas e de doaes.Um dos pontos que a CPI conseguiu apurar foi que os papis do Ibad

    haviam sido queimados quando suas atividades comearam a ser investigadas. Mesmo assim,

    foi possvel reconstruir parte da histria do Ibad e demonstrar com base em abundante

    documentao que o dinheiro do instituto provinha de vrias firmas estrangeiras, na maioria

    norte-americanas41

    Finalmente, em 20 de dezembro, o IBAD e a Adep foram dissolvidos por determinao

    do Poder Judicirio por ser considerado culpado de corrupo poltica nas eleies legislativas

    de 1962

    .

    Baseado parcialmente em informaes reveladas pela CPI, no final de agosto, o

    presidente Joo Goulart determinou a suspenso por trs meses das atividades do Ibad e da

    Adep. O decreto presidencial previa que os rgos do Poder Judicirio examinassem a atuao

    da entidade e tomassem as medidas cabveis. No final de novembro, Goulart prorrogou por

    mais trs meses a suspenso, levando em conta o fato de que as investigaes sobre as

    atividades ilcitas das duas organizaes ainda se encontravam em curso.

    42

    Segundo Dreifuss

    .

    43

    Essa desestabilizao, a exemplo do que ocorreu no Chile em 1973, empreendeu, noBrasil, uma campanha ideolgica e poltico-militar em frentes diversas. Atravs docomplexo Ipes/Ibad (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais/Instituto Brasileiro deAo Democrtica) liderada pelo bloco de poder multinacional e associado que

    penetrou com eficcia entre os militares, entre os membros das burocracias polticas,entre os sindicalistas pelegos (como o MSD e o MSR). A estratgia era acirrar a luta

    , o golpe de 19664 foi resultado de interesses classistas articulado

    por foras multinacionais e associados que agiram no sentido de desestabilizar o governo

    nacional reformista de Joo Goulart. Defensor da tese de conspirao internacional e/ou

    direitista, ele escreve:

    40Disponvel em . Acesso em 14.12.2009.41DREIFUSS, op. cit., p. 166.42Idem, p. 207.43Ibidem, p. 483.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    29/95

    28

    poltica das classes dominantes e elevar a luta de classes ao estgio de confrontomilitar, para o qual as classes trabalhadoras e seus aliados no estavam preparados?

    A conexo entre a poltica exterior do Brasil de 1964 e do Chile de 1973 analisada

    tambm por Fernandes44. A autora compara os dois regimes polticos e como os golpes em cada

    pas afetaram a poltica externa de governos autoritrios. No Brasil, Fernandes cita que a

    poltica externa adotada pelo governo de Castello Branco a busca da implantao do

    liberalismo econmico e a associao ao bloco ocidental 45

    A influncia dos militares no perodo evidenciada tambm j antes de Dreifuss, pela

    obra de Stepan, para quem a instituio militar no um fator autnomo, mas deve ser

    pensada como um subsistema que reage a mudanas no conjunto do sistema poltico

    .

    46

    Segundo o autor, as razes principais do que ele chama de revoluo derivavam da

    incapacidade de Goulart em reequilibrar

    .

    47o sistema poltico. At 1964, teria havido no Brasil

    um padro de relacionamento entre militares e civis caracterizado como moderador, isto , os

    militares somente eram chamados para depor um governo e transferi-lo para outro grupo de

    polticos civis, no assumindo efetivamente o poder48

    44FERNANDES, Fernanda de Moura. De golpe a golpe:poltica externa e o regime poltico no Brasil e no Chile(1964-1973).Dissertao (Mestrado em Relaes Internacionais), Universidade de Braslia, 2007.45Idem,p. 120.

    46STEPAN, A.C. Os militares na poltica:as mudanas de padres na vida brasileira. Rio de Janeiro: Artenova,1975, p. 140.47 Ibidem.

    48Idem, p. 50.

    .

    A diferena principal de 1964 estaria na capacidade que teve de transformar tal

    padro, pois, alm da percepo de que as instituies civis estavam falhando, os militares

    tambm se sentiram diretamente ameaados em funo da propalada quebra da disciplina e da

    hierarquia, suposto passo inicial para a dissoluo das prprias Foras Armadas, j que Goulart

    poderia dar um golpe com o apoio dos comunistas e, depois, no control-los mais.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    30/95

    29

    Alm disso, critrios polticos para promoes no Exrcito sugeriam aos militares que

    Goulart teria a inteno de constituir, para fins golpistas, uma fora militar que lhe prestasse

    lealdade. Goulart e aliados estariam incitando sargentos soldados, vistos como os proletrios

    do Exrcito, a se rebelar.

    Pode-se perceber que a insatisfao de setores civis e militares concorreu para a queda

    do governo de Joo Goulart. Os militares insatisfeitos com a suposta quebra de hierarquia e as

    constantes incitaes de Goulart aos sargentos e soldados e o empresariado descontente com as

    novas regras econmicas e os rumos da economia se aliaram, sobretudo no complexo Ipes/Ibad,

    e articularam a queda do presidente em exerccio. A seo seguinte expe como os eventos

    foram se desdobrando no ms de maro de 1964 e culminaram com o golpe impetrado no dia 31.

    1.4. A Queda de Goulart

    Cada vez mais isolado, Joo Goulart tentou prosseguir com o governo e sobretudolanar as reformas de base por meio de intimidao 49

    O Globopublicou no dia 12 de maro de 1964, isto , vspera do dito comcio, uma

    reportagem classificando o ato como comunista

    . Para o dia 13 de maro de 1964, Goulart

    marcou um comcio destinado aos trabalhadores e preparava-se para lanar s reformas e dizer

    que estava disposto a permanecer no poder, independentemente do custo poltico. Assinou dois

    decretos, o da reforma agrria e o da encampao de duas refinarias de petrleo privadas.

    50

    49GASPARI, op. cit., p. 48.50O GLOBO. Milhes de cruzeiros para levar operrios ao Comcio da Central.12.03.1964, p. 14.

    . Segundo o jornal, Goulart teria gasto uma

    quantia considervel para levar Central do Brasil inmeros partidrios e defensores, a maioriaprovenientes de centrais sindicais. Ainda na mesma reportagem, o jornal entrevistou

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    31/95

    30

    sindicalistas que diziam que Goulart poderia ser denominado revolucionrio na terminologia

    marxista, j que incutiu aos latifundirios um enorme medo.

    O comcio levou a discursos contrrios muito violentos. O deputado fluminense Freire

    de Morais do Partido da Repblica (PR) classificou como comcio comunista disposto atransformar o Brasil em um satlite de Cuba e Moscou51

    O deputado da UDN Adolfo de Oliveira criticou o modo como Goulart iria se dirigir

    nao: comcio arma de agitador ou candidato, e o presidente da Repblica, que eu saiba, no

    uma coisa nem outra.

    . De fato, o comcio mexeu com o

    imaginrio dos opositores, que encaravam o comcio como incio de uma revoluo orquestrada

    por Goulart.

    52Alm dos polticos oposicionistas, tambm o Exrcito se encontrava

    em prontido para eventuais tumultos. Responsvel pela segurana do presidente e pelo bem

    caminhar do comcio, o comandante da Polcia do Exrcito, coronel Domingos Ventura, pediu

    ao pblico que no reagisse a quaisquer provocaes no dia, pois o Exrcito iria manter a ordem

    e prender quem causasse tumulto. Temia-se que partidrios contrrios a Goulart pudessem ir

    Central do Brasil para protestar contra o discurso presidencial53

    O evento gerou forte preocupao com segurana. Composta por 3.000 homens da

    Polcia do Exrcito, contava com quatro tipos de segurana: aproximada, afastada, perifrica e

    vertical. A segurana vertical era um dispositivo novo que visava patrulhar os prdios

    circunvizinhos, criado aps o assassinato do presidente norte-americano John F. Kennedy, em

    1963

    .

    54

    Alm da chamada aliana civil-militar, composta por membros da elite civil, do

    empresariado e militares da reserva no complexo Ipes/Ibad segundo Dreifuss

    .

    55

    51O GLOBO. Comcio comunista. 12.03.1964, p. 14.52JORNAL DO BRASIL. Meio para agitao. 03.03.1964, p. 3.53JORNAL DO BRASIL. Exrcito reagir a provocaes. 03.03.1964, p. 3.54JORNAL DO BRASIL. Segurana de Goulart dia 13 ter o que faltou a Kennedy. 05.03.1964, p. 355DREIFUSS, op. cit., p. 162.

    , contrria ao

    presidente Joo Goulart, alguns jornais publicaram em editorial e colunas teor contrrio ao

    comcio. No Jornal do Brasil saiu dias antes um editorial intitulado Sexta-Feira 13 que

    condenava o comcio e a iniciativa de Goulart. Tal editorial foi inclusive lido por deputados

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    32/95

    31

    oposicionistas em plenrio da Cmara dos Deputados, provavelmente para que constasse nos

    Anais do Congresso.

    Tambm noJornal do Brasil,o colunista Carlos Castello Branco afirmou na coluna de

    29 de fevereiro de 1964 que o comcio e a assinatura do decreto da Supra estariam sendo vistospor membros opositores ao governo e at mesmo por governistas como senha para invaso de

    terras pelos camponeses.

    Horas antes do comcio, foi realizada a assinatura de dois decretos importantes para a

    poltica nacional. O ato gerou um sentimento de que o presidente, para conservar o poder,

    estaria arregimentando partidrios para dar um golpe. Setores que se sentiram ameaados

    procuraram demonstrar toda a insatisfao por meio de passeatas contra o governo e

    manifestando adeso ao modo capitalista e maneira como Jango conduzia os rumos da poltica

    nacional.

    As passeatas foram chamadas de Marcha da Famlia, com Deus, pela Liberdade56. A

    primeira aconteceu menos de uma semana depois do comcio da Central do Brasil, isto , no dia

    13 de maro de 1964, na cidade de So Paulo 57

    Famlia porque era composta por pessoas da classe mdia, havia inclusive muitasmulheres de respeito. As marchas mostravam que o aparato da legalidade estava pronto

    para quaisquer tentativas do presidente Joo Goulart de reformar a Carta Constitucional. As

    marchas foram uma clara resposta ao comcio e logo se espalharam pelo Brasil. Grupos da elite

    da sociedade, como as senhoras do Jardim Botnico no Rio de Janeiro, angariavam fundos e se

    reuniam em grupos para pedir que o pas fosse afastado do comunismo

    . Apelidada de maior manifestao popular j

    ocorrida na capital paulista, tinha como objetivo defender a Constituio e mostrar o repdio

    ao comunismo.

    58

    O nome Deus nas marchas tambm no foi por acaso. A participao de setores

    conservadores catlicos de classe mdia foi considervel, alm de amplo apoio da hierarquia da

    .

    56FICO, op. cit., p. 208.57JORNAL DO BRASIL. 20.03. 1964. Passeata de 500 mil em So Paulo defende o regime, p. 1. Apesar de essenmero ser a manchete da capa do jornal no dia seguinte passeata, Elio Gaspari em seu livro relata que foram200.000 que marcharam em So Paulo, op. cit., p. 49.58O GLOBO. Senhoras do Jardim Botnico pedem ao Exrcito que salve o pas do perigo vermelho, 19.03.1964, p.3.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    33/95

    32

    Igreja Catlica. Era comum nas manifestaes padres e bispos importantes fazer discursos

    criticando o rumo que o governo tomava e que, na viso deles, descambaria para o comunismo.

    O cardeal do Rio de Janeiro, D. Jaime de Barros Cmara, chegou a benzer a marcha da vitria

    realizada na capital aps o golpe militar. Todas as marchas contavam, tal qual uma escola de

    samba, com alas separadas por categorias. Havia a ala dos artistas, a dos padres, a dos

    deputados.

    Alm disso, nas marchas entoavam-se oraes catlicas como o Pai-nosso,

    primeiramente em So Paulo. L houve tambm a orao da mulher paulista ao Padre Jos de

    Anchieta. Ainda em maro, antes da queda de Goulart, as marchas ocorreram em diversas

    cidades do interior paulista, tais como: Araraquara (21/03), Assis (21/03), Santos (25/03),

    Itapetininga (28/03), Atibaia (29/03), Ipauu (29/03) e Tatu (29/03). Posteriormente elas foram

    feitas no interior do Paran e na cidade do Rio de Janeiro, j aps o golpe, em 2 de abril.

    Uma semana aps o golpe, as marchas constituram uma espcie de legitimao do

    mesmo e foram realizadas em diversas cidades de So Paulo, Rio de Janeiro, Paran e Minas

    Gerais. Ocorreram tambm em Teresina, Recife, Goinia e Braslia. Passaram ento a ser

    chamadas de marchas da vitria.

    Alm da classe mdia e do setor conservador da Igreja Catlica, o Exrcito brasileiro

    tambm se preparava. O chefe do Estado-Maior, general Castello Branco, divulga no dia 20 de

    maro circular destinada aos subordinados contra Joo Goulart 59. Na circular, o general

    lembrava que os meios militares no so para defender programas de governo, muito menos a

    sua propaganda, mas para garantir os poderes constitucionais, o seu funcionamento e a

    aplicao da lei.60

    59FICO, op. cit., p. 208.60NETO, Lira. Castelo: a marcha para a ditadura. So Paulo: Contexto, 2004, p. 238.

    A mensagem foi lida no auditrio da Escola de Comando do Estado-Maior do Exrcito

    pelo comandante, o coronel Jurandir Bizarria Mamede. O tom adotado por Castello seguia uma

    estratgia traada h muito: defender a legalidade, conferindo aos defensores das reformas de

    base e de Goulart o rtulo de antidemocrticos. Era claramente um comandante convocando

    soldados, conforme reza o trecho a seguir:

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    34/95

    33

    preciso perseverar, sempre dentro dos limites da lei. Estar pronto para a defesa dalegalidade, a saber, pelo funcionamento integral dos trs poderes constitucionais e pelaaplicao das leis, inclusive as que asseguram o processo eleitoral, e contra a revoluo

    para a ditadura e a Constituinte, contra a calamidade pblica a ser promovida pelo CGT

    e contra o desvirtuamento do papel histrico das Foras Armadas.

    Todos os grupos contrrios ao governo de Joo Goulart estavam inquietos e prontos para

    desferir o golpe final. Faltava-lhes, entretanto, um pretexto maior do que os discursos do

    presidente e aliados. O que veio com a insubordinao na Marinha.61

    Goulart s aumentou a sensao de quebra de hierarquia ao conceder perdo aos

    revoltosos e nomear o almirante reformado Paulo Rodrigues para o Ministrio da Marinha. Os

    revoltosos fizeram uma passeata na Candelria dias depois de ter sidos soltos. Solidrio a Mota

    e Marinha, o Exrcito se colocou ao lado daqueles que defendiam maior seriedade na

    hierarquia

    Em um grupo de

    marinheiros, Anselmo, conhecido e promovido a cabo pela imprensa, afirmou que, aps o

    suicdio de um presidente, a renncia de outro, os subversivos da ordem no conseguiriam fazer

    o mesmo com Goulart. Comeava assim a Revolta dos Marinheiros. Pressionado pelos outrosministros militares, Silvio Mota, ento ministro da Marinha, enviou um destacamento de

    fuzileiros navais ao local para pr fim rebelio.

    Os fuzileiros se juntaram aos rebelados, aumentando ainda mais o impasse. Foram

    incentivados pelo vice-almirante Cndido Arago, comandante-geral do corpos de fuzileiros e

    conhecidamente janguista. Tinha inclusive o apelido de almirante vermelho. Dias depois, a

    foto de Arago nos braos de marinheiros era o pretexto necessrio para que o golpe fosse

    iniciado. A quebra da hierarquia prosseguia dentro das Foras Armadas. Silvio Mota afrontado

    por Arago e sem o apoio de Joo Goulart apresentou carta de renncia do Ministrio.

    62

    Pouco adiantou a exonerao do almirante Arago alguns dias depois da inusitada foto.Os militares, assim como a sociedade civil, parte da hierarquia da Igreja, setores do

    .

    61Idem, p. 242.62JORNAL DO BRASIL. Clube militar d apoio ao Clube Naval, 31.03.1964, p. 1.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    35/95

    34

    empresariado, sobretudo ligados ao capital multinacional e associado63, estavam em ritmo de

    golpe h alguns meses e o pretexto estava lanado. Para Putnam, o Estado no unificado, e a

    poltica domstica no s enquadra um Executivo com diferentes opinies sobre o interesse

    nacional, mas tambm o Poder Legislativo, a opinio pblica, eleies e grupos de interesse.

    Em mbito nacional, grupos de presso domsticos buscam interesses pressionando o governo a

    adotar polticas favorveis e polticos buscam poder construindo coalizes com tais grupos64

    Em 31 de maro, o dispositivo golpista foi colocado em marcha. Tropas ligadas ao

    general Olympio Mouro Filho saram do quartel em Juiz de Fora e dispositivos estrangeiros

    foram colocados em prontido, conforme demonstram as obras de Marcos S Crrea e Carlos

    Fico

    .

    No caso do Brasil de 1964, os grupos de presso no mais se sentiam representados pelo

    governo em questo, e a soluo adotada foi o golpe militar.

    65

    Ao saber da movimentao das tropas do general Olympio Mouro, Castello teria

    reagido dizendo que no era possvel, ainda no era a hora. Castello telefonou para alguns

    generais e para o governador de Minas Gerais, Magalhes Pinto, para que as tropas voltassem

    ao quartel, mas as iniciativas foram infrutferas. Os militares acreditavam que a hora era aquela,

    e o governador mineiro achava que as reticncias de Castello eram para impedir que Minas

    estivesse na vanguarda do movimento

    por meio de documentos nunca antes utilizados. A operao Brother Sam, que no

    chegou a ser lanada, foi preparada com os dois lados: americano e brasileiro.

    66

    Apesar de ter sido saudada como uma revoluo sem tiros, houve incidentes como o

    da Base Area de Canoas, no Rio Grande do Sul. Logo aps o afastamento de Goulart, o

    brigadeiro Nlson Freire Lavanre-Wanderley tomou o comando da 5 Zona Area das mos do

    ento comandante, o tenente-coronel Alfeu de Alcntara Monteiro. Dias depois, ao oficializar a

    situao de fato, Wanderley desferiu tiros em Alcntara Monteiro, em um episdio que contou

    . Goulart ainda se encontrava em territrio nacional,

    mas j voltava para a casa no Rio Grande do Sul para se reunir com polticos e aliados e

    orquestrar uma possvel reao.

    63DREIFUSS, op. cit., p. 49.64PUTNAM, op. cit.65FICO, Carlos, op. cit., CRREA, Marcos S. 1964 visto e comentado pela Casa Branca. Os documentosliberados pela biblioteca Lindon Johnson. Universidade do Texas. Porto Alegre: L&PM, 1977.66NETO, Lira, op. cit., p. 247.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    36/95

    35

    com a ajuda do coronel Roberto Hiplito da Costa, sobrinho de Castello Branco. O tenente-

    coronel no resistiu aos ferimentos e faleceu alguns dias depois. O caso foi abafado pelo novo

    presidente da Repblica67. O enterro de Alcntara Monteiro teve nota curta no jornal gacho

    Correio do Povo, e a causa da morte no fora mencionada 68

    No dia 1 de Abril, em editorial claramente escrito por golpistas, o Jornal do Brasil

    anunciava que Goulart estava fora da lei e que a nova legalidade chegara ao pas desde

    ontem

    .

    Ainda em solo brasileiro, o presidente Joo Goulart foi afastado do poder. O presidente

    do Congresso, Senador Auro de Moura Andrade, declarou a vacncia do cargo; e o presidente

    da Cmara, deputado Ranieri Mazzilli, assumiu, interinamente, a Presidncia da Repblica, at

    a eleio indireta de Castello Branco pelo Congresso Nacional.

    69

    67. Idem, p. 255.68Ibidem.

    69JORNAL DO BRASIL.Fora da lei. 01.04.1964.

    . Goulart viajara para o Rio Grande do Sul, e um dia aps sua deposio disse que

    dispensava o sacrifcio gacho numa clara tentativa de no incitar contragolpes.

    O golpe foi saudado por outro jornal carioca, O Globo,na capa do dia 02 de abril, em

    que diz que ressurge a democracia ao anunciar Mazzilli empossado como novo presidente da

    Repblica. Em 04 de abril, o nome do general Castello Branco indicado para a Presidncia da

    Repblica. No dia 15 do mesmo ms, Castello assume como o primeiro presidente-general da

    ditadura militar.

    Os prximos captulos analisaro a poltica externa do novo governo e as medidastomadas por Castello Branco para satisfazer os grupos de presso que o levaram ao poder, a

    saber: os militares, o empresariado e a sociedade civil, sobretudo a de classe mdia e

    conservadora. Esse foi o meio encontrado pelo novo governo para solucionar as duas crises que

    sofria o Estado brasileiro: a saber, a econmica, tendo em vista que no garantia os insumos

    bsicos para a populao e para o setor industrial e a de legitimidade, j que Joo Goulart havia

    perdido apoio de grande parte da populao brasileira.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    37/95

    36

    CAPTULO II A POLTICA EXTERNA DO GOVERNO CASTELLO

    BRANCO NO CONTINENTE AMERICANO

    2.1. Introduo

    Meses aps o golpe de 31 de maro, Castello Branco dirigiu-se aos formandos do

    Instituto Rio Branco, futuros diplomatas, em discurso que pode ser considerado o primeiro

    resumo do que a poltica externa viria a ser. Castello faz crticas fortes PEI e diz que o Brasil

    adotaria agora uma poltica externa in(ter)dependente70

    Essas regies correspondem s que Golbery do Couto e Silva, no livro Geopoltica doBrasil

    . O presidente da Repblica apresenta

    a teoria dos crculos concntricos, dividindo o mundo em trs regies: Amrica Latina,

    hemisfrio americano e mundo alm-mar.

    71, criou. Fica claro que a preocupao brasileira na duas primeiras reas com a

    segurana continental e consequentemente em afastar o fantasma do comunismo na nossa

    regio. Castello Branco em outro discurso alguns anos mais tarde confia que somente os laos

    que se pautarem por meio da ao multilateral vo evitar ideologias estranhas formao crist

    do continente72

    As regies mais afastadas do Brasil e que no ameaavam a segurana nacional

    poderiam ser tratadas com mais pragmatismo, evitando a o discurso maniquesta da Guerra

    .

    70CASTELLO BRANCO, Humberto de Alencar.Discursos. Secretaria de Imprensa. 1964, p. 107.71COUTO E SILVA, Golbery do. Geopoltica do Brasil.Rio de Janeiro: J. Olympio, 1967.72Idem, p. 109.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    38/95

    37

    Fria73

    No comeo da dcada de 1960, o mundo assistia a uma verdadeira escalada do conflito

    bipolar. A Guerra Fria entre as superpotncias e respectivos blocos constitui o marco de

    referncia obrigatrio para o estudo e a compreenso das relaes econmicas e polticas

    internacionais da poca

    . Foi o caso das relaes Brasil-URSS e outros pases do bloco socialista. A lgica das

    trocas comerciais prevaleceu aqui.

    No entanto, a segurana continental era vista como preocupao da poltica externa do

    governo militar no perodo. Num primeiro momento, a atuao brasileira na regio se mostroudifcil, e os primeiros meses do novo governo foram de tentativas de reconhecimento da nova

    situao poltica interna. Alguns pases, como a Venezuela, por exemplo, romperam relaes

    diplomticas com o Brasil; e muitos outros viam com desconfiana o discurso brasileiro de

    aliado preferencial dos EUA.

    2.2. EUA: de Aliado Entusiasmado a Parceiro Cauteloso

    As relaes do Brasil com os Estados Unidos suscitam interesse especial, tanto pela

    importncia econmica e militar dos EUA no mundo, como pela forma como esta nao trata a

    Amrica Latina, considerada rea de influncia natural. No perodo da Guerra Fria, os EUA

    procuraram estreitar os laos com os pases latino-americanos, sobretudo aps a Revoluo

    Cubana de 1959.

    74

    73SILVA, Andr.A diplomacia brasileira entre a segurana e o desenvolvimento: a poltica externa do governoCastelo Branco (1964-1967). Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004, p. 107.74RAPPOPORT, Mario & LAUFER, Ruben. Os Estados Unidos diante do Brasil e da Argentina: os golpesmilitares da dcada de 1960. In Revista Brasileira de Poltica Internacional, n. 43, p. 69-98.

    .

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    39/95

    38

    Com a generalizao do conflito LesteOeste, nenhum lugar do mundo estava fora da

    disputa pela primazia mundial, que opunha Washington e Moscou. Manteve-se a poltica de

    blocos rivais, particularmente pela interveno militar norte-americana no Sudeste Asitico e

    pelo processo de profundas mudanas ocorridas a partir da morte de Stlin na URSS; processo

    que, desembocando no golpe de estado que em 1964 substituiu o premi Khruchov pela troika

    Brezhnev-Kosygyn-Podgorny, resultaria em acelerado movimento expansionista do gigante

    sovitico. Debaixo da cobertura retrica da dissuaso por um lado, e da competio

    pacfica por outro, ambos os pases deram impulso corrida armamentista e nuclear. Durante

    as duas dcadas seguintes, o mundo seria posto vrias vezes na extremidade de nova guerra

    mundial, cujo ponto mais alto se manifestou na crise dos msseis cubanos, em 1962 75

    A Amrica Latina constitua campo particular da rivalidade bipolar. A persistncia de

    estruturas econmicas atrasadas e a assimetria das relaes econmicas com as grandes

    potncias explicam a emergncia em vrios pases da regio, j durante a dcada anterior, de

    vasta mobilizao social e propostas polticas contendo maior ou menor vis nacionalista e

    populista que questionavam o atraso e a dependncia e ofereciam caminhos alternativos na

    procura do desenvolvimento econmico e social

    .

    Outras tendncias favoreceram essa caracterstica decisiva do mundo bipolar. Por um

    lado, verificava-se o crescente papel dos pases do Terceiro Mundo por meio do vasto

    movimento anticolonialista e anti-imperialista e pela conformao do Movimento dos Pases

    No-Alinhados. Por outro, ambos os blocos estavam experimentando fissuras srias. A China se

    separou do bloco sovitico. Europa e Japo, completada a reconstruo da economia dos

    estragos da Segunda Guerra Mundial, transformavam-se aceleradamente em novos centros

    mundiais do poder econmico e financeiro, dependentes ainda do guarda-chuva militar dos

    Estados Unidos e, ao mesmo tempo, aspirantes a uma margem cada vez maior de autonomia

    poltica. Os pases da Europa Ocidental consolidavam a fora econmica pela integraocomunitria.

    76

    75HOBSBAWM, Eric. Aera dos extremos: o breve sculo XX. 2 ed. So Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.227.

    76idem, p. 344.

    .

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    40/95

    39

    O triunfo da Revoluo Cubana de 1959 causou comoo profunda em todo o ambiente

    latino-americano. A preocupao principal de Washington na regio passou a ser impedir que

    novos movimentos como o cubano surgissem em outros lugares do continente. O tema das

    ameaas extracontinentais dominou, em agosto de 1960, a conferncia da Organizao dos

    Estados Americanos (OEA) na Costa Rica.

    A dimenso continental da poltica norte-americanas para os pases do Cone Sul se

    traduziu em generalizada adoo de suas Foras Armadas da doutrina militar propugnada a

    partir do National War College, centrada no combate ao inimigo interno77

    A nova estratgia norte-americana procurava impedir que qualquer potncia estrangeira

    (isto , a URSS) pudesse colocar militarmente o p no Hemisfrio e buscava combater tanto o

    estado de crescente insatisfao das massas populares como as tendncias nacionalistas e

    antiamericanas latentes em setores que gravitavam em torno das classes dirigentes e das Foras

    Armadas. Esse clima poderia abrir uma brecha favorvel ao que a poltica externa norte-

    americana entendia como explorao comunista da crise econmica e do descontentamento

    social.

    Esse era o ambiente externo da poca, e preciso conhec-lo para compreender o

    porqu de o interesse norte-americano no Brasil ter sido to alto. sabido hoje que a

    participao americana no golpe foi intensa.

    .

    Desde o final da dcada de 1970, com o livro do jornalista Marcos S Crrea78

    Alm do livro de Crrea, as obras de Carlos Fico apresentam mais documentos inditos

    que comprovam que a chamada operao Brother Sam foi realizada com ampla participao dogoverno americano, sobretudo na figura do embaixador Lincoln Gordon. claro que um

    governo no pode ser resumido figura de uma s pessoa e que o prprio Gordon sofreu

    , a tese de

    que o golpe militar fora 100% brasileiro veio por terra. O embaixador americano Lincoln

    Gordon chegou a declarar textualmente isso ao afirmar que o governo dos EUA no teve

    nenhuma participao no acontecido. Tais declaraes no se sustentaram quando a

    documentao veio tona.

    77RAPPOPORT, op. cit., p. 73.78CRREA, op. cit.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    41/95

    40

    inmeras crticas dentro dos EUA, pois havia setores da sociedade e do governo americano que

    foram contrrios ao golpe e protestaram durante todos os anos contra a ditadura militar

    brasileira79

    No s permaneciam inalteradas como foi comemorada nos EUA, sobretudo pelo

    Executivo norte-americano, a derrubada de Joo Goulart. Por insistente recomendao do

    embaixador, o presidente Johnson confirmou prontamente que reconhecia o novo governo

    brasileiro, mesmo que outros pases ainda tivessem dificuldade em compreender o que

    acontecia no pas

    .

    Com extensa documentao e densas obras, prova-se que se encontra ultrapassada taldiscusso; e incorpora-se neste texto a tese de que o governo norte-americano no s sabia,

    como participou ativamente do golpe militar de 1964. De fato, os EUA foram os primeiros a

    reconhecer o novo governo militar recm-instalado no Brasil.

    Em 03 de abril de 1964, apenas trs dias aps o golpe, um porta-voz do Departamento

    de Estado norte-americano declarou que as relaes diplomticas com o Brasil permaneciam

    inalteradas. Ao ser perguntado se os EUA iriam chamar o embaixador Gordon para consultas, o

    mesmo porta-voz rechaou a medida prontamente, dizendo que os canais diplomticos com o

    Brasil operavam dentro da normalidade e que Washington recebia informaes regulares da

    Embaixada no Brasil.

    80. O ministro das Relaes Exteriores do Peru era um desses e afirmou que

    no entendia o que se passava no Brasil, mas que, se havia o apoio dos EUA na operao,

    porque deveria haver um bom motivo para tanto.81

    No mesmo dia 03, o presidente norte-americano Lyndon Johnson garantiu ao presidente

    da Cmara, deputado Ranieri Mazzilli, que aumentaria a ajuda econmica ao Brasil. Johnson

    parabeniza Mazzilli pela posse como presidente do Brasil e oferece amplo apoio financeiro na

    79Lanado no Brasil em 2009, o livroApesar de vocs: oposio ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985, do professor de histria e estudos brasileiros na Brown University James N. Green, descreve como algunssetores da sociedade e mesmo do governo norte-americano foram desde o princpio, seja por motivos religiosos,filosficos, polticos, seja de foro ntimo, contrrios ditadura militar brasileira e que, apesar da poucarepercusso, quer l, quer c, se fizeram ouvir e inspiraram anos mais tarde a poltica condenatria dos direitoshumanos orquestrada pelo presidente Jimmy Carter.

    80FICO, op. cit., p. 12881Idem, p. 127.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    42/95

    41

    busca pelo desenvolvimento econmico e social do pas. E afirma ainda que o Brasil um

    grande aliado na busca pela paz e segurana do continente americano.

    Complementando a ajuda econmica, os EUA aumentam tambm o envio de recursos

    para gastos militares a todos os pases da Amrica Latina, incluindo como grande aliado agora oBrasil82

    opinies do Embaixador esto fadadas a ampla repercusso na opinio pblica norte-americana e, contrastando com a reserva at agora mantida pelo governo deste pas,representaro pesado golpe de crdito de compreenso para com a orientao dogoverno brasileiro, a qual, como tenho informado Vossa Excelncia vem sendodestorcida (sic) na imprensa deste pas

    .

    Embora houvesse grande alegria e at mesmo pressa em reconhecer o governo brasileiro

    que acabara de dar o golpe, os americanos se dividiam quanto aos rumos que poderia o Brasil

    tomar se o novo governo continuasse recebendo apoio irrestrito dos EUA.

    O New York Times publicou uma matria criticando o embaixador Gordon aps uma

    palestra que este havia dado na Escola Superior de Guerra. Segundo telegrama enviado pela

    embaixada brasileira em Washington, as

    83

    No mesmo telegrama, a Embaixada do Brasil em Washington busca orientao do

    presidente brasileiro no sentido de enviar a jornais e revistas um comunicado relatando o ponto

    .

    Gordon havia proferido dias antes um discurso na Escola Superior de Guerra em que

    exaltava o novo governo brasileiro e concedia amplo apoio dos EUA s polticas brasileiras de

    estabilizao econmica. Afirmou tambm que a ao do Exrcito no Brasil poder tomar seu

    lugar como um dos pontos crticos de mudana da Histria no meado do sculo XX, ao lado do

    incio do Plano Marshall, do fim do bloqueio de Berlim, da derrota da agresso comunista na

    Cor ia e da soluo da crise da base de msseis em Cuba.

    82O GLOBO. Maior ajuda dos EUA s Foras Armadas da Amrica Latina. 15.04.1964, p. 8.83Telegrama confidencial da Embaixada em Washington. SG/DAS/DI/500. 06.05.1964.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    43/95

    42

    de vista do governo acerca da situao no Brasil, evitando assim reportagens crticas como a do

    New York Timese a do Washington Post, esta intitulada Military dictatorship grips Brazil,

    endereadas nova ditadura e discutindo o rumo que o Brasil poderia tomar com o apoio

    irrestrito do governo norte-americano na figura do embaixador Lincoln Gordon.

    Alguns setores dos EUA aumentaram ainda mais as reticncias com relao ditadura

    brasileira aps a promulgao de um Ato Institucional. Redigido por Francisco Campos, foi

    editado em 09 de abril de 1964 pela junta militar e passou a ser designado como Ato

    Institucional n 1 (ou AI-1, mas somente aps a divulgao do AI-2). Com onze artigos, o AI-1

    dava ao governo militar o poder de alterar a Constituio, cassar mandatos legislativos,

    suspender direitos polticos por dez anos e demitir, colocar em disponibilidade ou aposentar

    compulsoriamente qualquer pessoa que tivesse atentado contra a segurana do pas, o regime

    democrtico e a probidade da administrao pblica.

    Marcavam-se eleies indiretas para a Presidncia da Repblica no dia 11 de abril de

    1964, mantida a previso de trmino do mandato presidencial em 31 de janeiro de 1966, quando

    expiraria a vigncia do ato. De fato, os principais temores de parte dos americanos se

    concretizavam: cassao de direitos polticos, eleies indiretas e prises arbitrrias. A situao

    se agravou com a edio do Ato Institucional n 2, de 27 de outubro de 1965.

    Em 1965, com a vigncia do AI-1 prestes a vencer, o poder estabelecido com o golpe

    militar procurou uma maneira de continuar no poder sem as eleies que estavam marcadas

    para janeiro do ano seguinte. Com o AI-2, postergou-se a data para 3 de outubro de 1966. Nesta

    eleio, no poderia o presidente Castello Branco reeleger-se.

    Castello mostrava-se em dvida com relao a tais medidas, porm precisava abrandar a

    chamada linha dura do Exrcito84. Por conter prorrogao de mandato presidencial, alm da

    cassao de inmeros polticos, as relaes do Brasil com os EUA sofreram um primeiro abalo

    com a edio do segundo Ato Institucional, e Castello e os moderados pareciam saber disso 85

    84VIANA FILHO, Lus. O governo Castelo Branco. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1976, p. 335.85GREEN, op. cit., p. 10.

    ,

    da a resistncia ao documento. Os americanos, sobretudo do Poder Legislativo, pareciam

    demonstrar preocupao com o nmero de prises e cassaes de mandatos no Brasil.

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    44/95

    43

    Alm da manuteno no poder e de eleies indiretas, o AI-2 dissolveu todos os partidos

    polticos, fato que desagradou enormemente alguns polticos em Washington86

    Embora houvesse problemas e desconfianas de ambos os lados, EUA e Brasil, sem

    dvida alguma, melhoraram as relaes desde os dias finais do governo Joo Goulart. Visto

    com desconfiana pelos americanos, Goulart foi perdendo apoio considervel do pas do Norte.

    Ao chegar ao poder, uma das primeiras declaraes dadas por Castello Branco foi de total

    solidariedade com o sistema ocidental e americano

    . Wayne Morse,

    senador democrata pelo Estado de Oregon, criticou duramente o governo brasileiro aps a

    edio do AI-2.

    Green mostra que, embora o Executivo norte-americano tenha sempre prestigiado o

    regime militar e endossado a represso, parte do Congresso no partilhava essa avaliao. A

    reao comeou com o senador Robert Kennedy e ganhou mais consistncia com outro senador,

    W. Morse, que j se destacara pela oposio Guerra do Vietn.

    Em um primeiro momento, Morse foi quase uma voz solitria, contestando as sucessivas

    rupturas constitucionais. Criticou em especial a represso na Universidade de Braslia (UnB).

    S dois outros senadores o respaldaram. Mais tarde, porm, ganharia mais apoio. Morse foi

    inicialmente favorvel ao governo brasileiro, mas se desiludiu quando da edio do Ato

    Institucional n. 2. Para alguns setores norte-americanos, o Ato foi o fim do que consideravam

    como um governo a ser seguido. O pragmatismo de evitar nova revoluo comunista na

    Amrica Latina no valeria a pena, aos olhos desses setores, se fosse implementada uma

    ditadura militar nos pases abaixo do Rio Grande.

    87

    Por essas declaraes e aes no campo hemisfrico, alguns autores classificaram o

    perodo do primeiro governo militar como sendo de alinhamento automtico com os EUA. A

    literatura especializada conceituou o conceito de interregno

    .

    88

    86Idem, p.117.87CASTELLO BRANCO, op. cit, p. 109.88CERVO, Amado. Luiz; BUENO, Clodoaldo.. Histria da poltica exterior do Brasil.3. ed. Braslia: EdUnB,2008. Os autores nomeiam o captulo que trata da poltica externa do governo Castello Branco como O Interregnode Castello Branco.

    para classificar o perodo.

    Interregno porque a tendncia natural da diplomacia brasileira seria de busca por mltiplos

    parceiros, em detrimento do alinhamento com um s. A poltica externa independente teria sido

  • 5/19/2018 Castelo Branco

    45/95

    44

    a expresso maior dessa tendncia. Outro ponto de crtica seriam as enormes ajudas

    econmicas recebidas pelo pas dos EUA.

    Esses emprstimos vieram para salvaguardar o novo governo. Em junho de 1964, os

    EUA enviaram 50 milhes de dlares (cerca de 60 bilhes de cruzeiros) para que o pasestabilizasse as contas. O embaixador Lincoln Gordon, presente assinatura do emprstimo,

    afirmou que novos auxlios estariam previstos para o Brasil por meio da Aliana para o

    Progresso89

    Meu caro Senhor presidente. Recebi, por intermdio de seu Embaixador, a mensagem de VossaExcelncia relativa aos ataques armados do Vietname do Norte contra navios de guerra norte-americanos em alto-mar. Vossa Excelncia tem razo ao imaginar que sua profunda preocupaoante esse ataque por mim compartilhada. Considero esse recurso a fora contrria a Carta das

    Naes Unidas. Entendo que ele justifica plenamente o exerccio do direito de legtima defesa,como praticado pelos Estados Unidos da Amrica. Dei instrues ao representante do Brasil noConselho de Segurana para que ali atue de acordo com o que precede, manifestando nossaesperana de que as autoridades do Vietname do Norte modifiquem sua atitude e de que todos osgovernos se esforcem no sentido de impedir o agravamento das tenses no Sudeste da sia. Aomanifestar a Vossa Excelncia minha solidariedade, fao-o no mesmo desejo de paz e no mesmo

    . De fato, a ajuda chegou alguns meses mais tarde, em setembro do mesmo ano.

    A ajuda econmica era apenas o pretexto para o Brasil se aliar de fato com os EUA em

    assuntos considerados prioritrios para o governo norte-americano. Entre os quais o combate ao

    comunismo no continente e no mundo, alm da disposio do Brasil em ajudar com tropas em

    alguns conflitos. De fato, a liderana brasileira na Misso de Paz na Repblica Dominicana,

    ocorrida no mbito da OEA, vem nesse sentido, assim como a proposta de criao de uma

    Fora Internacional Permanente no continente americano, frustrada pelos pases latino-

    americanos.

    Durante todo o governo Castello Branco, os Estados Unidos colocaram em pauta a

    participao do Brasil na Guerra do Vietn. Diferentemente da Repblica Dominicana, pas no

    qual o Brasil tinha interesse, o Vietn parecia extremamente distante e longe dos interesses

    brasileiros. O Brasil, no entanto, sempre se comportou de forma solidria aos EUA, conforme

    atesta carta de agosto de 1964 do presidente Castello Branco enviada aps ataques a lanchas

    americanas no Vietn:

    89JORNAL DO BRASIL. EUA do Cr$ 60 bilhes para estabilizar o Brasil. 25.06.1964, p. 1.