cascavel acp upas 1203 - ministério público do estado do ... · município de cascavel, de que...
TRANSCRIPT
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
EXMO JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE
CASCAVEL/PR:
O MINISTÉRIO PÚBLICO vem, com base nos documentos
contidos nos autos do incluso Inquérito Civil no. 0030.13.000235-2, propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Cumulada com
PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
Contra o
MUNICÍPIO DE CASCAVEL, pessoa jurídica de direito público
interno, representada por seu Prefeito Municipal Edgar Bueno, com sede no
paço municipal, localizado na Av. Brasil, no. 5000, centro, Cascavel/Pr;
Fazendo-o pelos seguintes fatos e fundamentos:
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
1- DOS FATOS
Em 06.02.13 o Executivo Municipal de Cascavel, por seu Prefeito,
exarou o ato normativo – decreto municipal no. 11.135/13, determinou o
fechamento de todas as 24 UBS- Unidades Básicas de Saúde de Cascavel,
a partir das 13:00 hs, reduzindo em 2/3 o horário de funcionamento das
Unidades Básicas de Saúde dos bairros Floresta, Cascavel Velho, Guarujá e
Santa Cruz, que funcionavam até às 22:00 horas e, pela metade as demais
20 UBS, que atendiam até às 18:00 hs., causando grande transtorno e
prejuízo para cerca de 251 mil habitantes de Cascavel, antes servidos por
aqueles serviços de saúde, além de sobrecarregar as Unidades de Pronto
Atendimento de Saúde – UPAS 24 hs, incorrendo na mais absoluta ilicitude.
2- DAS RAZÕES APONTADAS PELO DEMANDADO, PARA
FECHAR AS UBS
Segundo o demandado, o fechamento das UBS decorreu da
necessidade de adequar a folha de pagamento, à Lei de Responsabilidade
Fiscal, LC 101/00, tendo o Tribunal de Contas do Estado alertado o
Município de Cascavel, de que este estava para exceder ao limite prudencial
e, que deveria cessar o pagamento de horas extras.
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
3- DOS FUNDAMENTOS DOS FATOS
3.1) PROVAS DE QUE AS UBS FORAM E ESTÃO FECHADAS DA S 13:00
HS EM DIANTE –
3.1.1) Decreto 11.135/13 juntado a fls. 10/11;
3.1.2) Reportagem de jornal do dia 10.02.13, de fls. 12;
3.1.3) Ofício Explicativo do Município, a fls. 14/15;
3.1.4) Reportagem de jornal, do dia 19.02.13, de fls. 22;
3.1.5) Reportagem de jornal, do dia 27.02.13, de fls. 28;
3.1.6) Ofício no. 10/13 do CMS/Cascavel, dando conta do
fechamento das UBS após às 13:00 horas;
3.1.7) Resolução no. 06/13, de fls. 32 do CMS/Cascavel;
3.1.8) Ata da Reunião do Conselho Municipal de Saúde, de fls.
33/38, que decidiu pela reabertura das UBS;
3.2) PROVA DE QUE A MEDIDA ATINGIU “TODAS” AS UBS D E
CASCAVEL:
Certidão de fls. 24/26, exarada em razão do Cadastro Nacional de
Estabelecimentos de Saúde, dando conta de que Cascavel possui ao todo,
24 Unidades Básicas de Saúde.
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
3.3) PROVA DE QUE OS SERVIÇOS DE ATENÇÃO PRIMÁRIA D E
SAÚDE, EXISTENTES EM CASCAVEL, ESTÃO ABAIXO DO
PRECONIZADO PELO ORDENAMENTO SANITÁRIO:
Documento da 10ª. Regional de Saúde, de fls. 81, dano conta de
que Cascavel deveria ter 73 Equipes de Saúde da Família, mas só tem hoje,
14 Equipes Saúde da família, perfazendo uma cobertura populacional de
16,69%.
3.4) PROVAS DO PREJUÍZO QUE VEM AFETANDO A POPULAÇÃ O
COM O FECHAMENTO DAS UBS:
3.4.1) Reportagem datada de 27.02.13, fls. 28, informando que no
dia 26.02.13, muitos populares esperaram praticamente o dia todo na UPA I,
por atendimento médico. Consta da reportagem que: “Sem estrutura para
atender tantas pessoas, as UPAS permanecem lotadas e com fila de espera
imensa”;
3.4.2) Informe prestado pelo Conselho Local de Saúde do Bairro
Claudete, fls. 35/38, dando conta de que há uma reclamação geral de que
com o fechamento da UBS do Claudete, o atendimento de saúde está
precário, que a comunidade está muito prejudicada, que as UPAS estão
sempre lotadas, que para conseguir uma ficha de atendimento os usuários
tem que, praticamente, dormir nas dependências da Unidade Básica de
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
Saúde, pois só há um médico para atender e são poucos os horários
disponíveis;
3.4.3) Informe prestado pelo Conselho Local de Saúde da Vila
Tolentino, datado de 27.02.13, de fls. 39, dando conta de que “está havendo
prejuízo quanto ao atendimento a idosos, hipertensos e diabéticos devido ao
reduzido horário de atendimento da UBS; (...) as pessoas da região do bairro
Pioneiros Catarinense acrescentaram que se agravou as questões de fichas
de atendimento(...) que agora o tempo de espera é muito maior, sem prazo
de atendimento no momento(...)”;
3.4.4) Informe prestado pelo Conselho Local de Saúde do Bairro
Santa Cruz, datado de 01.03.13, inserido a fls. 40, dando conta de que na
UBS daquele bairro, em 2012, eram realizadas 260 consultas por semana,
52 consultas por dia, com três médicos clínicos, três pediatras e, dois
ginecologistas e, atualmente, são realizadas 112 consultas por semana, 22
por dia; com um médico clínico, um pediatra e, dois ginecologistas, que o
número de funcionários foi reduzido;
3.4.5) Informe prestado pelo Conselho Local de Saúde do Bairro
Cancelli, datado de 25.02.13, de fls. 42, dando conta de que com o
fechamento da UBS no período da tarde, aumentou o no. de pessoas pelo
período da manhã e, a estrutura física não comporta tal demanda;
3.4.6) Informação prestada pela Secretaria Municipal de Saúde,
em 06.03.13, inserida a fls. 85/88, dando conta de que na última semana
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
antes do fechamento das UBS, o no. de consultas foi de 8.798 e, após o
fechamento, passou para 6.283 (na primeira semana), uma diferença de
2.515 consultas a menos, após o fechamento ou, 10.060 consultas em
média, a menos por mês.
3.4.7) Documento denominado “DADOS TERRITORIALIZAÇÃO”,
inserido a fls. 115. Por este documento sabemos que 100.576 domicílios
foram afetados e, 251.440 pessoas, moradoras dos bairros que tiveram suas
UBS fechadas após às 13:00 hs foram manifestamente prejudicadas.
4- DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA PRETENSÃO POSTA
NESTA AÇÃO
4.1) À GUISA DE PRÓLOGO
Este feito não discute a necessidade ou não, do corte de gastos
da folha de pagamento do Município de Cascavel, para fins de adequação à
Lei de Responsabilidade Fiscal, como também não é objeto, qualquer
debate sobre o que o Município de Cascavel, por meio de seu Prefeito
Municipal, poderia fazer, como alternativa à medida adotada, porque não
nos cabe ingressar nesta seara.
O que sustentamos neste feito, é que o ato administrativo de lavra
do Executivo Municipal, Decreto municipal 11.135/13, que determinou o
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
fechamento de todas as 24 UBS- Unidades Básicas de Saúde de Cascavel,
a partir das 13:00 hs, é ilegal, fere interesse difuso de saúde pública e,
inúmeros dispositivos legais, normativos e principiológicos, razão pela qual
precisa cessar, havendo a necessidade de Ordem Cominatória de Obrigação
de Fazer, consistente em mandar que o Município de Cascavel por seu
Prefeito, restaure o pleno funcionamento das 24 UBS referidas no Decreto
11.135/13, art. 7º. P. Ù.
Dito isso, passamos a enumerar os vícios que maculam o ato
administrativo atacado.
4.2) ILEGALIDADE PELA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROI BIÇÃO DE
RETROCESSO SOCIAL
A reestruturação da Atenção Primária prevista desde 2006,
implicou no reconhecimento da necessidade de aumentar o número e de
Unidades Básicas de Saúde e, de Equipes da Saúde da Família e, em 2010
esse anseio foi contemplado no Plano Municipal de Saúde de Cascavel para
o período 2010/13, que listou como metas, reformas e ampliações das
Unidades Básicas de Saúde já existentes e, a construção de outras tantas.
No contramão do processo de estruturação da saúde pública
nacional, o Gestor Municipal de Saúde de Cascavel, além de não ampliar
tais conquistas sociais, ainda diminuiu aquelas já existentes em mais de
50%, determinando a cessação das atividade em todas as Unidades Básicas
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
de Saúde de Cascavel, algumas pela metade, outras em 2/3 do tempo
anteriormente prestado.
Tal comportamento violou de forma gritante, o Princípio da
Proibição de Retrocesso Social, por meio do qual é inadmissível que o
gestor de saúde diminua ou suprima serviços já prestados, porque ao assim
agir, restringe o âmbito de efetividade da proteção do direito fundamental à
saúde.
Veja-se o que diz a doutrina, nesse sentido:
“O princípio da proibição de retrocesso social veda ao legislador subtrair
da norma constitucional de definidora de direitos s ociais o grau de
concretização já alcançado, prejudicando sua exequi bilidade. Vale dizer,
haverá retrocesso social quando o legislador, comissiva e
arbitrariamente, retornar a um estado correlato a u ma primitiva omissão
constitucional ou reduzir o grau de concretização d e uma norma
definidora de direito social.
Por conseguinte, retrocesso social (ou retorno da c oncretização, para
utilizar a expressão de Jorge Miranda) e omissão co nstitucional são
conceitos correlatos, na medida em que significam q ue uma determinada
norma constitucional está concretizada por lei aqué m do seu desiderato –
no entanto, diferem por que, conforme o caso, o leg islador voltou atrás ou
deixou de ir aonde devia.” 1
1Felipe Derbi, A Aplicabilidade do Princípio da Proibição de Retrocesso Social no Direito Brasileiro, in: Direitos
Sociais – Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie, Coord.: Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
No mesmo sentido é o voto do Conselheiro Vital Moreira, do
Tribunal Constitucional português, no Acórdão n.º 39/84, citado pelo Min.
Celso de Mello na Suspensão de Tutela Antecipada 175-Ag. Reg.:
“Em grande medida, os direitos sociais traduzem-se para o Estado em
obrigação de fazer, sobretudo de criar certas insti tuições públicas
(sistema escolar, sistema de segurança social, etc. ). Enquanto elas não
forem criadas, a Constituição só pode fundamentar e xigências para que
se criem; mas após terem sido criadas, a Constituiç ão passa a proteger a
sua existência, como se já existissem à data da Con stituição. As tarefas
constitucionais impostas ao Estado em sede de direi tos fundamentais no
sentido de criar certas instituições ou serviços nã o o obrigam apenas a
criá-los, obrigam-no também a não aboli-los uma vez criados.”
Quer isto dizer que, a partir do momento em que o Estado cumpre
(total ou parcialmente) as tarefas constitucionalmente impostas para realizar
um direito social, o respeito constitucional deste deixa de consistir apenas
numa obrigação positiva, para se transformar também, numa obrigação
negativa. O Estado, que estava obrigado a atuar para dar satisfação ao
direito social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar contra a
realização dada ao direito social.
Na decisão do STF, o Ministro Celso de Mello, informando a
incidência do princípio em questão na esfera do direito à saúde, assevera:
“Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso e m matéria social
traduz, no processo de sua concretização, verdadeir a dimensão negativa
pertinente aos direitos sociais de natureza prestac ional (como o direito à
saúde), impedindo, em conseqüência, que os níveis d e concretização
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a s er reduzidos ou
suprimidos, exceto nas hipóteses — de todo inocorre nte na espécie — em
que políticas compensatórias venham a ser implement adas pelas
instâncias governamentais.”
O eminente Ministro cita ainda o magistério de CANOTILHO:
“O princípio da democracia econômica e social aponta para a proibição de
retrocesso social. A idéia aqui expressa também tem sido designada
como proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘ evolução
reaccionária’. Com isto quer dizer-se que os direit os sociais e
econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à
educação), uma vez obtido um determinado grau de re alização, passam a
constituir, simultaneamente, uma garantia instituci onal e um direito
subjectivo. A ‘proibição de retrocesso social’ nada pode fazer contra as
recessões e crises econômicas (reversibilidade fáct ica), mas o principio
em análise limita a reversibilidade dos direitos ad quiridos (ex.: segurança
social, subsídio de desemprego, prestações de saúde ), em clara violação
do princípio da protecção da confiança e da seguran ça dos cidadãos no
âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo es sencial da existência
mínima inerente ao respeito pela dignidade da pesso a humana. O
reconhecimento desta proteção de direitos prestacio nais de propriedade,
subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurí dico do legislador e, ao
mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma po lítica
congruente com os direitos concretos e as expectati vas subjectivamente
alicerçadas. A violação no núcleo essencial efectiv ado justificará a
sanção de inconstitucionalidade relativamente aniqu iladoras da chamada
justiça social. Assim, por ex., será inconstitucion al uma lei que extinga o
direito a subsídio de desemprego ou pretenda alarga r
desproporcionadamente o tempo de serviço necessário para a aquisição
do direito à reforma (...). De qualquer modo, mesmo que se afirme sem
reservas a liberdade de conformação do legislador n as leis sociais, as
eventuais modificações destas leis devem observar o s princípios do
Estado de direito vinculativos da actividade legisl ativa e o núcleo
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
essencial dos direitos sociais. O princípio da proi bição de retrocesso
social pode formular-se assim: o núcleo essencial d os direitos já
realizado e efectivado através de medidas legislati vas (‘lei da segurança
social’, ‘lei do subsídio de desemprego’, ‘lei do s erviço de saúde’) deve
considerar-se constitucionalmente garantido sendo i nconstitucionais
quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de o utros esquemas
alternativos ou compensatórios, se traduzam na prát ica numa ‘anulação’,
‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura a simples desse n úcleo essencial. A
liberdade de conformação do legislador e inerente a uto-reversibilidade
têm como limite o núcleo essencial já realizado.” 2
Observa-se, portanto, que o âmbito de incidência do princípio da
proibição de retrocesso – pelo menos na acepção mais comum utilizada pela
doutrina nacional – é exatamente o dos direitos sociais, que demandam uma
prestação do Estado para sua realização, dentro os quais se inclui o direito à
saúde. O próprio leading case do direito português diz respeito à declaração
de inconstitucionalidade do ato estatal que revogava garantias já
conquistadas em tema de saúde pública, implicando na suposta “destruição
ou inutilização do Serviço Nacional de Saúde português”.
Ainda nesse sentido, é a preleção de Ingo Wolfgang Sarlet:
“Na doutrina e jurisprudência nacional e estrangeira , constata-se, de
modo geral, uma postura amistosa relativamente ao p rincípio da
proibição de um retrocesso social, muito embora não se possa afirmar a
existência de um consenso a respeito desta problemá tica. No âmbito da
doutrina constitucional portuguesa, que tem exercid o significativa
influência sobre o nosso próprio pensamento jurídic o, o que se percebe é
que, de modo geral, os defensores de uma proibição de retrocesso,
2 J. J. Gomes Canotilho. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 1998, Almedina, p. 320/321, item n. 3
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
dentre os quais merece destaque o nome do nosso ilu stre homenageado,
Professor Gomes Canotilho, sustentam que após sua c oncretização em
nível infraconstitucional, os direitos fundamentais sociais assumem,
simultaneamente, a condição de direitos subjetivos a determinadas
prestações estatais e de uma garantia institucional , de tal sorte que não
se encontram mais na (plena) esfera de disponibilid ade do legislador, no
sentido de que os direitos adquiridos não mais pode m ser reduzidos ou
suprimidos, sob pena de flagrante infração do princ ípio da proteção da
confiança (por sua vez, diretamente deduzido do pri ncípio do Estado de
Direito), que, de sua parte, implica a inconstituci onalidade de todas as
medidas que inequivocamente venham a ameaçar o padr ão de prestações
jáalcançado. Esta proibição de retrocesso, segundo Gomes Canotilho e
Vital Moreira, pode ser considerada uma das conseqü ências da
perspectiva jurídico-subjetiva dos direitos fundame ntais sociais na sua
dimensão prestacional, que, neste contexto, assumem a condição de
verdadeiros direitos de defesa contra medidas de cu nho retrocessivo, que
tenham por objeto a sua destruição ou redução.” 3
Esta mesma concepção encontrou acolhida também na
jurisprudência do Tribunal Constitucional de Portugal , que, já há algum
tempo (Acórdão nº 39, de 1984), declarou a inconstitucionalidade de uma
lei que havia revogado boa parte da Lei do Serviço Nacional de Saúde,
sob o argumento de que com esta revogação estava o legislador
atentando contra o direito fundamental à saúde (art. 64 da CRP), ainda
mais em se levando em conta que este deveria ser realizado justamente
mediante a criação de um serviço nacional, geral e gratuito de saúde (art.
64/2 da CRP), posição esta que, em linhas gerais, restou reafirmada pelo
3Proibição de Retrocesso, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Sociais: manifestação de um
constitucionalismo dirigente possível <http://tex.pro.br/tex/images/stories/PDF_artigos/proibicao_ingo_wlfgang_sarlett.pdf > acesso em 20/02/2013.
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
mesmo Tribunal Constitucional ao reconhecer, recentemente, a
inconstitucionalidade da exclusão – por meio de lei - das pessoas com idade
entre 18 e 25 anos (mesmo com ressalva dos direitos adquiridos) do
benefício do rendimento mínimo de inserção, que havia substituído o
rendimento mínimo garantido, que contemplava esta faixa etária, ainda que
se deva reconhecer a existência de diferenças consideráveis entre ambas as
decisões, seja no concernente às peculiaridades do problema que se
ofereceu à análise do Tribunal Constitucional, seja no que diz respeito ao
contexto social, econômico e acima de tudo político-institucional.
Jorge Miranda4 faz uma análise interessante acerca da aplicação
do princípio em comento especificamente no direito à saúde:
“(...) ainda no contexto da assim denominada dimens ão defensiva do direito à saúde, há que considerar o princípio da p roibição de retrocesso, que, embora ainda não esteja suficientemente difund ido entre nós, tem encontrado crescente acolhida no âmbito da doutrina mais afinada com a concepção do Estado democrático de Direito consagra do pela nossa ordem constitucional.”
Assim sendo, é evidente a ilicitude do ato administrativo atacado
e, a considerar sua aplicação, não é de se espantar que em dado momento,
estando o erário com dificuldades financeiras por qualquer motivo, venha o
Alcaide tirar outros “coelhos da cartola”, deixando de fornecer medicamentos
sob a alegação disso, insumos de saúde, por conta daquilo e etc...
4http://www.panoptica.org/dezembro2006pdf/1Algumasconsideraoesemtornodocontdoeficciaeefetividadedod
ireitosadenaConstituiao.pdf> Acesso em 20/02/2012
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
A única maneira de priorizar a saúde pública é reconhecer, de
forma peremptória, a irrevogabilidade das conquistas sociais neste campo.
4.3) ILEGALIDADE POR VIOLAÇÃO DA REGRA CONSTITUCION AL DE
RELEVÂNCIA PÚBLICA DOS SERVIÇOS DE SAÚDE – ART. 197 CF/88
Quando a Carta Política de 1988 disse expressamente, no seu
art. 197, que os serviços de saúde são de “relevância pública”, ditou uma
regra de proteção especial, gerando prioridade na criação e execução de
novos serviços, tanto quanto, proibindo que aqueles já existentes fossem,
algum dia, desmantelados ou, desfeitos, de sorte que o demandado ao
diminuir pela metade, o tempo de funcionamento de todas as Unidades
Básicas de Saúde de Cascavel, violou esta regra constitucional de
relevância.
4.4) ILEGALIDADE POR VIOLAÇÃO DA DIRETRIZ CONSTITUC IONAL
DE SAÚDE PÚBLICA, CONSISTENTE NA PARTICIPAÇÃO DA
COMUNIDADE – ART. 198, III CF/88
A participação prévia da comunidade, em todas as medidas
sanitárias que a afetam, consiste em diretrizes constitucionais do SUS,
estando expressa no inciso III do art. 198 da CF/88, sendo que o
Demandado agiu ilegalmente, por ter adotado a medida atacada, de grande
importância para a sociedade local, sem ter ouvido a comunidade por meio
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
do Controle Social - Conselho Municipal de Saúde, sendo certo que não o
fez, justamente porque sabia que a população não concordaria com a
imposição de tamanho sacrifício, já que desde muito, elegeu como
prioridade, a saúde pública, como se pode ver da inclusa Ata do CMS.
4.5) ILEGALIDADE POR VIOLAÇÃO DO DEVER DE CUMPRIR O
PLANEJAMENTO DE SAÚDE, CONFORME ART. 18 DA LEI 8080 /90
O art. 18 da lei 8.080/90 determina que a direção municipal do
SUS, está obrigada a executar os serviços públicos de saúde de acordo com
o planejamento prévio, que vem a ser o Plano Municipal de Saúde
regulamentado pelas Portarias GM nº 3.085/06 e, 3.332/06 e que, implica na
adoção de medidas destinadas à manutenção e funcionamento de “toda” a
estrutura das redes de assistência existente no município, em especial,
aquelas da atenção básica e, dentre elas, as Unidades Básicas de Saúde5.
O Plano Municipal de Saúde de Cascavel 2010/136 previu metas
consistentes em ampliar e melhorar o funcionamento das UBS já existentes.
O ato administrativo atacado, não só deixou de ampliar e
aprimorar o funcionamento das UBS de Cascavel, como pelo contrário,
restringiu o funcionamento das mesmas, algumas pela metade, outras em
5 Livro 2 dos Cadernos de Planejamento do PLANEJASUS
6 http://www.cascavel.pr.gov.br/arquivos/01022012_pms_2010-2013.pdf
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
dois terços, já que o funcionamento destas últimas ia até às 22:00 horas,
violando, portanto, o dever legal acima referido.
4.6) ILEGALIDADE POR VIOLAÇÃO DA FUNÇÃO DAS UBS – P ORTA DE
ENTRADA, PREVISTA NO DECRETO FEDERAL 7.508/11
O Decreto 7.508/11, em seu art. 11, define que é papel da
Atenção Primária de Saúde, prestada essencialmente pelas UBS, por
preencherem as características de longitudinalidade do cuidado,
integralidade e coordenação da atenção7, ser a Porta de Entrada do SUS,
assegurando o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de
saúde.
Ocorre, porém, que o ato administrativo atacado, subverteu essa
determinação legal, na medida em que previu que o acesso aos serviços de
saúde, antes realizados pelas UBS de Cascavel, agora serão feitos pelas
três UPAS – Unidades de Pronto Atendimento de Saúde, existentes neste
Município.
Tal transferência de atendimento é manifestamente ilegal, porque
as UPAS não prestam o mesmo atendimento de saúde que as UBS e,
porque suas equipes e serviços não apresentam as mesmas características
e fins das UBS, não podendo cumprir o papel de porta de acesso aos
7 Livro 3 - ATENÇÃO PRIMÁRIA NA SAÚDE- CONASS
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
demais serviços, apenas acessando as outras redes, para os casos de
urgência/emergência.
4.7) ILEGALIDADE POR VIOLAÇÃO DE DIRETRIZ FUNDAMENT AL DA
ATENÇÃO PRIMÁRIA DE SAÚDE - TERRITÓRIO ADSCRITO, PR EVISTO
NA PORTARIA GM 648/06:
Diz a Portaria GM 648/06, que as equipes dos serviços de atenção
primária se caracterizam, por desenvolverem atividades dirigidas a
populações de territórios geograficamente delimitados, pelas quais assumem
a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no
território em que vivem essas populações, a tal ponto que, uma de suas
mais importantes diretrizes, consiste na fixação do território adscrito, de
forma a permitir o planejamento e a programação descentralizada, sendo
esta a razão pela qual as Unidades Básicas de Saúde estão localizadas em
bairros ou, espaços habitacionais determinados.
Na medida em que o Demandado transferiu as populações, antes
atendidas pelas UBS de seus bairros, para as UPAS – Unidades de Pronto
Atendimento de Cascavel, violou diretriz fundamental de territorialidade
(território adscrito) da Política de Atenção Primária de Saúde, contrariando
com isso, tanto preceito público de descentralização dos serviços de atenção
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
primária, quanto de atendimento de usuários com base em divisão territorial
do espaço municipal.
4.8) ILEGALIDADE POR VIOLAÇÃO DE DIRETRIZ FUNDAMENT AL DA
ATENÇÃO PRIMÁRIA DE SAÚDE – SERVIÇO DE BAIXA DENSID ADE
TECNOLÓGICA, PREVISTO NA PORTARIA GM 648/06:
Outra Diretriz Fundamental da Atenção Primária de Saúde,
segundo a Portaria GM 648/06, reside na “baixa densidade tecnológica
empregada”8, já que a maioria esmagadora (85%) dos problemas de saúde
que acometem os indivíduos, não exige alta densidade tecnológica, mas
sim, atendimento prestado de forma organizada, por equipes
multiprofissionais, com acompanhamento periódico e prolongado, o que só
pode ser feitos pelas Unidades Básicas de Saúde, que localizadas próximas
das moradias de seus usuários, monitoram os mesmos por meio de
atividades simples, eficazes e, com foco na promoção e prevenção de
saúde.
Já as Unidades de Pronto Atendimento de Saúde 24 horas –
UPAS, constituem serviços instituídos pela Portaria 2048/02, que organizou
a Política Nacional de Atenção às Urgências, são serviços pré-hospitalares
fixos, de média densidade tecnológica, cuja clientela é formada de indivíduos
com suspeitas de agravos severos de saúde, em condições que induzem a
8 Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Atenção Primária e Promoção da Saúde / Conselho Nacional
de Secretários de Saúde. – Brasília : CONASS, 2011. 197 p. (Coleção Para Entender a Gestão do SUS 2011, 20. ed.
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
pensar em risco iminente à vida, são componentes da rede de atenção
secundária ou intermediária com foco da urgência.
Assim, as UPAS não podem substituir as Unidades Básicas de
Saúde, porque não estão previstas para a mesma clientela, não prestando
serviços com as mesmas características, e sobretudo, com a mesma
densidade tecnológica.
As equipes das UBS devem criar vínculos prolongados com as
populações que atendem; já as UPAS ao contrário, só atendem casos
agudos, onde haja risco à vida ou saúde do indivíduo, não devem gerar
vínculos, se o paciente agravar, deve ir para um serviço hospitalar, se
melhorar, volta para a UBS.
As UBS desenvolvem técnicas de prevenção e promoção de
saúde, métodos simples e de baixo aporte tecnológico; já as UPAS
desenvolvem técnicas de triagem e estabilização de padecentes de agravos
severos, possuem salas de suporte avançado, com emprego de
equipamentos e medicamentos de média e alta densidade tecnológica.
Ao transferir os usuários das 24 UBS, para as UPAS, o
demandado desarticulou o sistema de serviços de saúde organizado pela
Política Nacional de Saúde Básica, gerando um sistema público de saúde
diferenciado daquele preconizado em nível nacional e, violando frontalmente
o sistema de atendimento por serviços de densidade tecnológica.
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
4.9) ILEGALIDADE POR VIOLAÇÃO DO DEVER DE EFICIÊNCI A NA
PROMOÇÃO DO ATENDIMENTO DE SAÚDE:
A CF/88 em seu art. 37 definiu que a administração pública
obedecerá ao princípio da eficiência.
Eficiência, em termos de atendimento de saúde, consiste na
prestação de serviços organizados, rápidos e resolutivos para os fins
propostos.
De um momento para o outro, o Gestor Municipal de Saúde
transferiu uma grande população, que antes era atendida das 13:00 às 18:00
e, em alguns casos, das 13 às 22:00 hs, por 24 UBS, para 02 UPAS-
Unidades de Pronto Atendimento de Saúde – adulto e, 01 UPAS de
pediatria, mas não ampliou na mesma proporção, as equipes e serviços lá
prestados, uma porque o objetivo era diminuir pessoal e, portanto, não faria
sentido algum deslocar as equipes das UBS para as UPAS; outra, porque o
espaço e, as estruturas físicas são limitadas e, finalmente, porque as UBS
atendem 85% da população ao passo que as UPAS, estão equipadas e
preparadas apenas para uma pequena fração, que são os casos urgentes e
mais graves.
O resultado prático desta medida, foi a prestação de serviços
ineficientes de atenção primária, como se pode ver pelas notícias
cotidianamente trazidas pela imprensa local e, pela avaliação do Conselho
Municipal de Saúde, com aumento exagerado do tempo de espera,
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
sobrecarga dos funcionários das UPAS e das UBS pela manhã e, diminuição
da qualidade desse atendimento, tanto para a clientela original das UPAS,
quanto para os pacientes que antes, eram absorvidos pelas UBS, sem falar
no risco de contágio que aumentou tremendamente com a colocação no
mesmo ambiente, de elevado número de pessoas supostamente doentes,
sem qualquer triagem efetiva.
4.10) ILEGALIDADE POR VIOLAÇÃO DO TERMO DE COMPROMI SSO
DE GESTÃO, FIRMADO ENTRE O MUNICÍPIO DE CASCAVEL E O
ESTADO DO PARANÁ:
Em 2007 o Estado do Paraná e o Município de Cascavel firmaram
o chamado “Termo de Compromisso de Gestão”, que no seu “Anexo V”
previu que o gestor municipal responderia pela íntegra da atenção primária,
nos termos do Plano Municipal de Saúde, sendo que este último, fixou duas
grandes metas:
1ª meta: ampliar e adequar as Unidades Básicas de S aúde
existentes – como já vimos, o Demandado não só, não aumentou o número
de UBS, como ainda reduziu o atendimento das já existentes, pela metade;
2ª meta: aumentar o número de Equipes Saúde da Famí lia
atendendo a previsão legal – esta se trata da Portaria 2.027/11/GM, que
no seu item 3.2. define que a implantação das Equipes de Saúde da Família
(ESF) deve observar as seguintes diretrizes: I - equipe multiprofissional
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
formada por, no mínimo, um médico, um enfermeiro, um auxiliar ou técnico
de enfermagem e ACS, com carga populacional máxima de 4.000 (quatro
mil) habitantes por ESF.
Com base neste cálculo, de uma ESF para cada 4 mil habitantes,
Cascavel tendo 285 mil habitantes, deveria dispor de pelo menos 71
unidades de atenção primária, mas tem, segundo o Cadastro Nacional de
Serviços e Estabelecimentos de Saúde, 12 Equipes Saúde da família e, 24
Unidades Básicas de Saúde, totalizando portanto 36 serviços de Atenção
Primária de Saúde, ou seja, metade do mínimo exigido.
Com isso, o Demandado com a medida adotada, descumpre a
obrigação pactuada no Termo de Compromisso de Gestão, porque não só
não ampliou os serviços de atenção primária, como pelo contrário, reduziu-
os de forma drástica.
4.11) ILEGALIDADE POR VIOLAÇÃO DO SISTEMA DE FINANC IAMENTO
DA SAÚDE, DEFINIDO PELA LEI COMPLEMENTAR NO. 141/12
O ato administrativo que determinou o fechamento/diminuição do
atendimento da população, pelas 24 Unidades Básicas de Saúde em
Cascavel, viola o disposto no art. 17 da LC 141/12, isso porque esta Lei
Complementar define que os recursos federais serão repassados para aos
municípios, levando em conta as necessidades de saúde da população e, os
serviços ofertados.
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
Assim, quando um município recebe recurso federal para a
atenção primária, é porque antes, foi reconhecida a necessidade daquela
população, de receber os serviços prestados daquela forma.
Ao fechar/diminuir o atendimento das 24 UBS, o Gestor Municipal
de Saúde de Cascavel, passou a agir como se a necessidade dos serviços
de saúde restringidos, que justificou o aporte federal, nunca tivesse existido.
Antes que alguém diga, que Cascavel não recebe aporte
financeiro federal, para suas UBS, lembremos que, segundo a Política
Nacional de Atenção Básica (PNAB) - Portaria 2.206/11, o financiamento da
Atenção Primária de Saúde se dá em composição tripartite (União-Estados-
Municípios), sendo que a parcela federal é chamada de Piso da Atenção
Básica (PAB), que compõe o chamado “Bloco de Atenção Básica” que é
repassado ao fundo municipal de saúde sendo, portanto este, recurso de
fonte federal, que o Gestor Municipal de Saúde em Cascavel já recebe, para
custear as ações de Atenção Primária de Saúde, descritas nos Planos de
Saúde Municipal, tal como se encontra evidenciado no Anexo III do Termo
de Compromisso de Gestão de Cascavel.
Além do recurso/custeio acima referido, Cascavel está habilitada
no Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção
Básica (PMAQ-AB) - Portaria 1.654/11, por meio do que, recebeu e recebe
recurso federal para ser empregado em suas UBS e ESF.
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
A propósito, na Prestação de Contas da Secretaria Municipal de
Saúde - 3º Quatrimentre - 2012, encontramos o documento chamado
“ANEXO 6 – FINANCEIRO” (fls. 117/118), lá consta no item - Repasses
Federais, que de setembro a dezembro de 2012, o Município de Cascavel
recebeu como repasse federal, fundo a fundo, os seguintes, dentre outros
valores: PAB Fixo – R$2.025.380,00 que como vimos, são destinados
essencialmente às UBS e ESF, lembrando que estas últimas consomem
percentuais bem inferiores, já que são só 12, ao passo que as UBS são 24;
Incentivo Saúde Bucal – R$135.000,00 serviço prestado em algumas das
UBS; PMAQ - Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da
Atenção Básica - R$321.200,00.
Ou seja: se é fato que o Gestor Municipal de Saúde fechou as
UBS, para não incorrer em improbidade, pouco resultado terá, porque está
igualmente infringindo Lei Complementar Federal e, ainda de forma mais
grave, porque a LC 141/12 é mais recente que a LC 101/00.
5- DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
Estão presentes os pressupostos para a concessão de tutela
antecipada, a saber:
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
5.1) PROVA INEQUÍVOCA DOS FATOS
O fechamento de todas as UBS de Cascavel bem como, o
prejuízo que está causando à população, são fatos plenamente
documentados nestes autos, por meio dos documentos já relatados no item
03 desta Inicial;
5.2) FUNDADO RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍC IL
REPARAÇÃO:
Está evidenciado por meio dos jornais e informes juntados nos
autos, além dos documentos que demonstram que em uma semana após o
fechamento das UBS, mais de 2.500 consultas deixaram de ser realizadas,
sem falar em todos os demais serviços de prevenção e promoção de saúde,
o que comprova que a população de Cascavel se encontra sem acesso a
serviço essencial de saúde e, que tal necessidade/direito fundamental, não
está sendo suprida pelas UPAS, que não possuem estrutura de pessoal nem
equipamento para prestação de atenção primária de saúde, de prevenção ou
promoção de saúde e, muito menos, capacidade instalada capaz de exercer
proteção adequada a 285 mil habitantes, colocando diariamente em risco,
não somente, os usuários das UBS, que ficam horas esperando por um
atendimento de baixa qualidade, como também, aqueles que necessitam de
atendimento qualificado de urgência/emergência, dada à sobrecarga das
UPAS.
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
Não fosse suficiente esta situação manifesta de risco, importa
dizer que os programas assistenciais de promoção e prevenção de saúde,
estão sendo paulatinamente interrompidos, já que as equipes das UBS que
atendiam pelos turnos da tarde e, da noite naquelas que funcionavam até às
22:00 horas, não foram transferidas para a manhã, dado ao fato de que
houve corte de pessoal, de tal sorte que as equipes da manhã estão com
manifesta sobrecarga e, não conseguem sequer dar vazão ao atendimento
da população que vai até às UBS, quanto mais, proceder a chamada “busca
direta” ou “rastreamento”, atividades inerentes ao trabalho das equipes das
UBS e, que consiste em ir até a comunidade, cadastrando e atendendo em
casa pacientes crônicos moradores da área territorial adscrita, interrupção
esta que aumenta na medida em que o tempo passa e, cujos prejuízos
sanitários, até pela dificuldade em quantificar, dificilmente poderão ser
recuperados.
5.3) REVERSIBILIDADE DO PROVIMENTO ANTECIPADO:
A reversibilidade é assegurada pela simples existência das UBS.
Quanto ao problema relativo ao limite prudencial, em momento
algum se pretende que este seja descumprido, o que não se admite é a
forma adotada pelo Gestor Municipal de Saúde, que quer escapar de uma
ilicitude, cometendo outra de igual ou maior envergadura, fato que ocorre
com o corte em atividade essencial de saúde e, se o retorno das UBS à
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
atividade original, gera risco de improbidade administrativa por violação à
LC101/00, igual ou maior risco existe, pela violação da LC 141/12.
5.4) TUTELA ANTECIPADA CONTRA O PODER PÚBLICO
Não se aplica a lei 9.494/97 ao caso em apreço, porque a
vedação lá prevista, alcança basicamente a concessão de benefícios a
servidores públicos, já que faz referência ao artigo 5º9, e seu parágrafo
único10, e 7º11 da Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, ao art. 1º12, e seu §
4º13, da Lei nº 5.021, de 9 de junho de 1966, e arts. 1º14, 3º15 e 4º16 da Lei nº
8.437, de 30 de junho de 1992.
Mesmo a vedação prevista no artigo 10 da lei 8.437/92, que se
refere exclusivamente a ações de natureza cautelar, que não é o caso em
tela, tem como exceção o parágrafo 2º do próprio artigo que narra: "O
9 “não será concedida a medida liminar de mandados de segurança impetrados visando à reclassificação ou
equiparação de servidores públicos, ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens.” (grifo nosso) 10
“os mandados de segurança a que se refere este artigo serão executados depois de transitada em julgado a respectiva sentença” (grifo nosso) 11
“o recurso voluntário ou ex officio, interposto de decisão concessiva de mandado se segurança que importe
outorga ou adição de vencimento ou ainda reclassificação funcional, terá efeito suspensivo.” (grifo nosso) 12
“O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias asseguradas, em sentença concessiva de mandado
de segurança, a servidor público federal, da administração direta ou autárquica, e a servidor público estadual
e municipal, somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial” (grifo nosso) 13
“Não se concederá medida liminar para efeitos de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias” 14
“Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer
outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.” (grifo nosso) 15
“O recurso voluntário ou ex officio , interposto contra sentença em processo cautelar, proferida contra pessoa jurídica de direito público ou seus agentes, que importe em outorga ou adição de vencimentos ou de
reclassificação funcional, terá efeito suspensivo.” (grifo nosso) 16
“Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
disposto no parágrafo anterior não se aplica aos processos de ação popular
e de ação civil pública."
Tanto assim, que a decisão do Supremo Tribunal Federal
proferida nos autos de ADC nº 4-DF se refere exclusivamente à concessão
de liminares em favor de servidores públicos nos feitos que envolvam
questões remuneratórias. Não é o caso dos autos. Aqui, discute-se a
obrigação do Município em manter abertas as 24 Unidades Básicas de
Saúde do Município de Cascavel, nos mesmos períodos e condições
anteriores ao Decreto Municipal 11.135/13.
Analisando a extensão da decisão proferida na ADC nº 4-DF, o
próprio Supremo Tribunal Federal decidiu que o efeito vinculante de sua
decisão se restringe aos feitos que envolvam questões remuneratórias de
servidores. É o que se extrai do seguinte julgado:
“EMENTA: ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚB LICA. ALEGADO DESRESPEITO AO DECIDIDO PELO SUPREMO TRIBUN AL FEDERAL NA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE N.º 4. Tratando-se de decisão antecipatória proferida em a ção de cobrança ajuizada por pessoa jurídica privada contra o Estad o do Piauí, evidente não estar caracterizado atentado contra a mencionad a decisão do STF, que, reconhecendo cautelarmente a constitucionalida de do art. 1.º da Lei n.º 9.494/97, se restringiu a vedar a concessão de antecipação de tutela, em favor de servidores, nos feitos que envolvam que stões remuneratórias. Reclamação julgada improcedente. (R cl1073/PE)” 17
Com base neste entendimento, conclui-se que ao magistrado, em
qualquer instância do Poder Judiciário, salvo em se tratando de matéria
17
Rcl1073/PE - Relator: Min. ILMAR GALVÃO; Julgamento: 25/09/2002 Órgão Julgador: Tribunal Pleno; Publicação: DJ 31-10-2002.
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
referente à remuneração de servidores, é dado conferir antecipação da
tutela pretendida pelo autor.
A única ressalva que se pode fazer é em relação à condição
prevista no artigo 2º da lei 8.437/92 que estabelece a audiência prévia do
Poder Público, no prazo de 72 horas. Tal providência, embora não seja
razoável, está sendo respeitada nesta peça.
Com isso, uma vez que estão presentes todos os pressupostos
para a concessão da antecipação de tutela, espera-se que a mesma seja
deferida, para mandamentar este Juízo, que o Município de Cascavel, por
meio de seu Prefeito Municipal, execute a obrigação de fazer consistente na
reabertura das 24 Unidades Básicas de Saúde nos mesmos horários que
funcionavam e, com o mesmo atendimento de saúde que promoviam antes
do dia 06.02.13, quando passaram a ser fechadas após às 13:00, sob pena
de multa diária a ser fixada contra a pessoa do Gestor Municipal de Saúde
ou seja, o Prefeito Municipal de Cascavel, tudo com base no art. 11 da Lei
7347/85 – LACP.
6- DO PEDIDO
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
Em face ao exposto, vem o MINISTÉRIO PÚBLICO por meio de
seu Promotor de Justiça, na busca da proteção do direito difuso à saúde,
requerer que:
6.1) Seja recebida a presente Ação Civil Pública, independente do
depósito de custas judiciais, conforme prevê o artigo 18 da lei 7.347/85;
6.2) seja intimado o Município de Cascavel, através da seu
Prefeito Municipal, em sua unidade sediada no Paço Municipal de Cascavel,
para que, no prazo de 72 horas, conforme artigo 2º da Lei n.º 8.437/92,
manifeste-se acerca da antecipação de tutela ora pretendida;
6.3) seja deferido o Pedido de Antecipação de Tutela com
concessão de Liminar (independente da manifestação em 72 horas),
mandando este Juízo, que o Município de Cascavel, por meio de seu
Prefeito Municipal, cumpra a obrigação de fazer, consistente na reabertura
das 24 Unidades Básicas de Saúde de Cascavel, nos mesmos horários que
funcionavam e, com o mesmo atendimento de saúde que promoviam antes
do dia 06.02.13, quando passaram a ser fechadas após às 13:00, sob pena
de multa diária a ser fixada contra a pessoa do Gestor Municipal de Saúde
ou seja, o Prefeito Municipal de Cascavel, tudo com base no art. 11 da Lei
7347/85 – LACP.
6.4) cite-se o MUNICÍPIO DE CASCAVEL, na pessoa do Prefeito
Municipal para, querendo, contestar no prazo legal a presente ação, sob
pena de suportar os efeitos da revelia;
MINISTÉRIO PÚBLICO
do Estado do Paraná
9ª Promotoria de Justiça Avenida Tancredo Neves - 2320 – Fórum – 1º andar –Cascavel - PR - CEP 85.805-000
Fone/Fax: (45) 3226-5500
6.5) protesta pela oportuna produção geral de prova;18
6.6) que seja ao final, julgada inteiramente procedente a Petição
Inicial, para cominar ao MUNICÍPIO DE CASCAVEL, a obrigação de fazer,
consistente na reabertura das 24 Unidades Básicas de Saúde nos mesmos
horários que funcionavam e, com o mesmo atendimento de saúde que
promoviam antes do dia 06.02.13, quando passaram a ser fechadas após às
13:00, tudo sob pena de multa diária a ser fixada contra o gestor municipal
de saúde ou seja, o Prefeito Municipal;
Considerando que se trata de causa de valor inestimável, dá-se
para fins processuais, o valor de R$1.000,00 (hum mil reais).
Cascavel/Pr, 07 de março de 2013.
ANGELO MAZZUCCHI SANTANA FERREIRA
PROMOTOR DE JUSTIÇA – Saúde Pública