cartas iluministas - voltaire

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  • Durante sua longa vida, Voltaire correspondeu-se compulsivamente com uma ampla e variada rede de pessoas. Alm da obra filosfica, literria e cientfica, deixou cerca de 17 mil cartas. Mais de 150 destas esto reunidas agora nesse volume. Alm de descobrir detalhes sobre os pensamentos e a vida de Voltaire, ler estes relatos uma forma tambm de acompanhar a grande revoluo iluminista, da qual o autor foi um dos mais lcidos articuladores.Cartas iluministas inclui ainda a clebre resposta de Rousseau e a trplica de Voltaire sobre os benefcios e o valor da civilizao e da literatura.

  • APRESENTAO

    H obras muito superiores aos autores que as escreveram e h autoresque emprestam brilho pessoal a obras que no lhes sobrevivem.Mas htambmobraseautoresquesealiamemutuamentesecompletam.Nesteltimocaso,claro,autoreobraexistemporcontaprpria,independentesumdooutro.

    O Voltaire apresentado nesta edio junta personagem e obra, poistraz tona o inveterado missivista, polivalente e moderno, de cartasconcisasebrilhantementeeicienteseelaschegamacercadedezessetemil,somandotrezevolumesdaedioBibliothquedelaPliade.

    OslivrosdeVoltairequesepublicamevendematosdiasdehojesosobretudoosdasnovelasecontos,quenoperderamofrescor,etambmumpoucodosseusescritosilosicos.Nadamaisdosescritoscienticos,queeletantoprezava,nemdoseuteatrodetodososgneros,oquelhedava maior prazer, no qual investia suas maiores ambies e que lheangariouemvidamuitoslouros.Dopersonagememsi,doissculosemeiodepois, nos familiar sua silhueta esqulida e pontuda, esparramadanumapoltrona,depernascruzadasechinelopendentedop,assimcomoseusorrisosibilino,esculpidoporHoudon, famosocomooquese imaginaemScrates,ouodogatodeCheshire.

    Voltaire,queescreveutambmvolumosostrabalhosemhistria,entreelesO sculodeLusXIV, viveuplenamenteo seu sculo, depois chamadodas Luzes, do Iluminismo, dos dspotas esclarecidos etc. No foicertamente um revolucionrio muito lhe teriam desagradado osacontecimentosde1789, a comearpeladerrubadadaBastilha, ondeeleprprio esteve preso duas vezes sem que nem por isso se sentisseinjustiado.Eraumhomemda corte e acreditavano reidamesma formacomo, sem dvida, acreditava em Deus: julgando merecer umacomunicao privilegiada, livre e direta, sem a intermediao deinstituiesmonrquicasoucatlicas.

    Vindo dapetite noblesse, ele aspirava aristocracia no s a de

  • sangue, mas tambm aquela que ele, extraordinariamente para a poca,adquiriu:pelaculturaepelacivilidade(paranodizermundanidade).Masfoi traumatizante a lio sofrida aos 31 anos, quando pensou poder, porsua nobreza adquirida, responder em p de igualdade nobreza desangue.Paraseresguardar,eraprecisodinheiro,eemsuascartasvemostambmcomoelesetornaumformidvelhomemdenegcios.

    Voltaire cedo havia abandonado seu nome demasiado plebeu,Franois-Marie Arouet, e buscado aproximao com a corte pelo teatro epelahistoriograia,acreditando,semdvida, viraocuparo lugarqueforao de Corneille e de Racine. Brilhou nos sales mundanos e iniciou umamenosconhecida,masnomenosbrilhante,carreirafinanceira.Nofinaldavida,elehaviaascendidonobrezanobilirquica,Academiae fortuna.Comomostram as cartasmais tardias, tornou-se um senhor, umdono deterras e de muitasalmas, na pura acepo feudal, como a mais antigaaristocracia. Seu sucesso em todos os planos foi total e seu funeral, emParis,teveproporesinditas,igualadotalvezapenaspelodeVictorHugo,umsculodepois.

    As cartas aqui selecionadas abrangem o perodo de 1718 a 1778 eapresentam umpanorama do que foi a carreira intelectual e humana deVoltaire.Elasacompanhamtambmseupriplogeogrico,traadoporumtemperamentoirrequietoepelotemordaprisoedacensura;temorqueolevou a frequentemente escrever sob pseudnimos (alm do oicial), arenegarseusescritosque, ironicamente, lhegarantemorenome(ingesesurpreender que lhe atribuamCndido, segundo ele uma obra decolegial)eapreferiravizinhanadasfronteiras.

    Paramelhororientaro leitor, inclumosnestaedioumcatlogodosdestinatrios das cartas, janelas entre elas, procurando situar fatos epersonagens atuantes, e tambm uma cronologia. Como exceo,introduzimos a famosa resposta de Jean-Jacques Rousseau a umaigualmentefamosacartadeVoltaire.

    A obra desse autor-personagem que sobreviveu ao tempo estnaturalmente divulgada e disponvel em edies comerciais. EstasCartasiluministas, em nmero muito abreviado em razo de sua abundnciaoriginal e algumasemverso reduzida tentamapontaropersonagemnem sempremuito politicamente correto, porm o mais representativodo seu sculo luminoso, que assistiu ascenso da burguesia. Um sculovoltairiano:revolucionriomalgrsoi.

    JORGEBASTOS

  • SOBREOSDESTINATRIOS

    Alembert, Jean le Rond d (1717-1783): Matemtico, ilsofo eenciclopedista francs, foi um dos protagonistas, ao lado de seus amigosVoltaireeDiderot,dalutacontraoabsolutismoreligiosoepoltico,queeledenuncia nos incontveis verbetes que escreveu para aEnciclopdia. SeuDiscurso preliminar, objeto de algumas cartas includas aqui econsideradoumverdadeiromanifestodailosoiadoIluminismo,proclamaa existncia de um elo direto entre o progresso do conhecimento e oprogressosocial.

    AmelotdeChaillou, Jean-Jacques (1689-1749):Poltico francs,membrodaAcademiadeLetrasedaAcademiadeCincias.

    Argens, Jean-Baptiste de Boyer (marqus d) (1703-1771): Nobre devida licenciosa,e tendopreferidoacarreiradasarmasmagistratura, foideserdado pelo pai. Ferido em batalha, dedicou-se literatura e suasdiatribes contra o cristianismo atraram a ateno de Frederico II, que oconvidou para integrar sua corte. Escreveu Cartas judias, chinesas ecabalsticas e provavelmente tambmTeresa ilsofa , romance ilosico-pornogrfico.

    Argenson, Ren-Louis de Voyer (marqus d) (1694-1757): Colega decolgiodeVoltaire,ministrodoExterioreconselheirodorei.VoltairediziaqueelenasceramaisparasersecretriodeEstadonaRepblicadePlatodoquenoreinodaFrana.

    Argental, Charles-Augustin de Ferriol (conde de) (1700-1788):Conselheiro no Parlamento de Paris, era conhecido por sua entusisticaamizade com Voltaire, que o consultar incessantemente sobre as obrasque destina ao palco, sempre referindo-se a ele e esposa como meusdivinosanjos.

  • Arnaud,Baculardd (1718-1805):Poetaprecoce,protegidodeVoltaireefavorito de Frederico II, que nele via o sol nascente, em oposio aVoltaire, o sol poente. Relegado ao ostracismo, permaneceu apenas umanoemBerlim.

    Bagieux,Jacques(?-1775):Cirurgiodorei.

    Beaumarchais, Pierre-Augustin Carron de (1732-1799): Escritor edramaturgo francs, autor das clebres comdias As bodas de Fgaro eObarbeirodeSevilha , escapouguilhotinaeacabouse tornandooprimeiroeditordasobrascompletasdeVoltaire.

    BentoXIV (1675-1758):ProsperoLambertini, eleitopapaem1740 (apsseismesesde conclioe233escrutnios), foiumpontice liberal, patronodasarteseamigodosiluministas.

    Berger(?):InformanteliterriodeVoltaire;amantedasletrasedasartes,foi secretriodoprncipedeCarignan,depoisdiretordo fornecimentodeforragemparaoExrcito.Voltaireescreveu-lhecomregularidadede1733a1741.Conservaram-secercadesessentacartas.

    Bernires,Marguerite-MadeleineduMoutier(marquesade,presidentade): Amiga de Voltaire, casou-se com um presidente do parlamento deRouen. Voltaire hospedou-se em diversas ocasies em seu castelo naNormandiaeerafrequentadorassduodesuaresidnciaemParis,nocaisdosThatins,nosanosde1722a1726.Foinos cochesdamarquesaqueosprimeirosexemplaresdaHenriadeentraramemParis.

    Bournonville,Antoine-CharlesEsmangartde(1728-1777):Secretriodoministro da Guerra, encarregado dos assuntos suos, responsvel, entreoutrascoisas,pelaemissodepassaportes.

    Brenles, Jacques Clavel de (1717-1771): Suo protestante, amigo deVoltaire.

    Breteuil,Louis-NicolasLeTonnelier(marqusde) (1686-1743): Antigoprotetor de Voltaire, o qual ir apaixonar-se por sua ilha, milie duChtelet.

    Brossette,Claude (1671-1743):CofundadordaAcademiadeLyon.Amigo

  • de Boileau, com quem manteve importante correspondncia, de 1699 a1710, editou em 1716 as obras do satirista, com comentrios eesclarecimentos.

    Calmet, Antoine (1672-1757): Erudito beneditino, abade de Snonesdesde1728,escreveuvastascompilaes,sobretudooComentrioliteraleo Dicionrio histrico da Bblia, nos quais Voltaire pesquisar paraestabelecer seus prprios comentrios crticos. Ocupou-se tambm dahistriadaLorenaefoigenealogistadafamliaduChtelet.

    Catarina II, Catarina a Grande (1729-1796): Imperatriz de todas asRssias, apresentou-se como mecenas das artes, da ilosoia e daliteratura. Incentivadorada Enciclopdia (dispsse inclusivea terminardeeditar a obra na Rssia), manteve abundante correspondncia comdAlembert, Diderot, a quem recebeu em So Petersburgo, e Voltaire, dequemcompravarelgiose cujabiblioteca iradquirir (como izeracomadeDiderot),apssuamorte.

    Chtelet,miliedu(marquesade)(1706-1749):Pororientaodopai,omarqus de Breteuil, recebeu uma educao fora do comum para umameninadapoca,aprendendolatim,grego,alemo, italianoeingls,assimcomomsica,danaeteatro.Nemporissodeixavadecolecionarvestidosesapatos,paranomencionarasjoias.Tevevriosamantes,pormVoltaireveioasersuamaiorinluncia,incentivando-aaseaprofundaremsicaeemmatemtica, disciplinas nas quais ele a consideravasuperior. Possuaumlaboratrioparaexperimentosprticosinstaladoemsuaresidncia,nocastelodeCirey,etraduziuNewtonparaofrancs.

    Chesterield, Philip Dormer (lorde) (1694-1773): Nobre e mecenasingls,admiradoporPope,SwifteVoltaire.

    Cideville, Pierre-Robert Le Cornier de (1693-1776):Magistrado francsemRouen, colega de Voltaire no liceu Louis-Le-Grand e amigo to sbioquantoessencial.

    Condamine, Charles-Marie de la (1701-1774): Fsico, qumico earquelogo,grandeviajanteeexploradorfrancs,foioprimeirocientistaadescer o Amazonas. Eramembro da Academia de Cincias, da AcademiaFrancesa,daAcademiaRealdeLondres,Berlim,Petersburgo,entreoutras.

  • Damilaville, tienne-Nol (1723-1768): Escritor francs, amigo deVoltaireeDiderot,ferozadversriodaIgreja.

    Deffand,MariedeVichydeChamrond(marquesadu) (1697-1780): Defamlianobre,mas remediada, casou-se cedo comomarqusduDeffand,bem mais velho. Dotada de grande beleza, cercou-se de admiradores elevou uma vida bastante livre. Suas reunies atraam os nomes maisprestigiososdacorte,damagistraturaeda literatura.Nunca renegousuaamizadeporVoltaire,masno toleravamilieduChtelet. Ficou cegaem1754, passando a viver no convento Saint-Joseph emantendo abundantecorrespondncia. Pelo estilo de suas cartas,Saint-Beuve considerou-a,juntocomVoltairenaprosa,oclssicomaispurodaquelapoca.

    Denis, Marie-Louise Mignot (1712-1790): Sobrinha e companheira deVoltaire, aps as mortes de seu marido e da sra. du Chtelet,respectivamenteem1744e1749.Compoucosrecursos,pormdinmicaealegre, tevegrandeascendnciasobreotio.DeBerlim,Voltaireescreveu-lhecercadecinquentacartascomsuasmaissinceras impressessobreoperodo na corte de Frederico II. Tornou-se a legatria universal deVoltaire.Escreveuumacomdia,Acoquetecastigada.

    Desforges-Maillard,Paul(1699-1772):Poetafrancs.

    Devaux, Franois-Antoine (1712-1796): Poeta, xod das senhoras dacortedeLorena,ondeeraconhecidocomoPanpan.

    Diderot,Denis (1713-1784):Escritor, ilsofoeenciclopedista francs,aolado de dAlembert foi um dos grandes idealizadores e editores daEnciclopdia, qualdedicouvinteanosdesuavida.Emboramisantropoeavesso vida social, visitou So Petersburgo a convite de Catarina II emanteve intensa correspondncia com Voltaire, o qual o consola e apoiapor ocasio das tentativas de censura impetradas contra a Enciclopdia.Seus romances e peas teatrais s vieram a ser redescobertos no im dosculoXIX.

    Dubos, Jean-Baptiste (padre) (1670-1742): Historiador, crtico ediplomata francs, nomeado secretrio perptuo da Academia Francesa,autor deRelexes crticas sobre a poesia e a pintura , livro que exerceugrandeinfluncianapoca.

  • Dupleix de Bacquencourt, Guillaume-Joseph (1727-1794): ConselheirodeEstado,foiguilhotinadosoboTerror.

    pinay,Louised (1726-1783):Escritora francesa, amigados iluministas,manteveumimportantesaloliterrio.AutoradeContraconfisses,livronoqualdesancaJean-JacquesRousseau.

    Fleury, Andr-Hercule (cardeal de) (1653-1743): Preceptor de Lus XV,tornou-seumaespciedeprimeiro-ministrodoEstado.

    Fontaine, Marie-Elisabeth de Dompierre de (1715-1771): Sobrinha deVoltaire.

    Formont, Jean-Baptiste Nicolas de (1700-1758): Poeta francs, maisconhecido por suas relaes com Voltaire, que o chamava de o maisindiferentedossbios.

    Francisco I (1729-1737): Imperador do Sacro Imprio Romano-Germnico, a quem Voltaire recorre aps ter sido banido da corte deFredericoII.

    FredericoIIoGrande(1717-1786):TerceiroreidaPrssia,consideradoomodeloidealdoprncipeiluministaedodspotaesclarecido.Atraiusuacorte diversos luminares das artes e das cincias, o mais famoso delessendoindubitavelmenteVoltaire.Eleprprioautordeversos(emfrancs),entrou em rota de coliso com o ilsofo francs, no campo literrio epessoal,ecomcartasmordazeseelegantesqueVoltairelhedotroco.

    Helvtius, Claude Adrien (1715-1771): Filsofo inluenciado por Locke,anticristo,quedeiniaDeuscomocausaaindadesconhecidadaordemedo movimento. Seu livro Do esprito escandalizou o mundo e a Igreja,fazendo-odesistirdepublicaroutrasobrasemvida.

    Hnault, Charles-Jean Franois (1685-1770): Presidente do Parlamentode Paris, teve uma vida social agitada e promoveu jantares reunindopolticos e letrados, mas que acabaram sendo proibidos pelo rei. Teveincontveis casos amorosos (foi apaixonado por Marie du Deffand),escreveu canes de grande sucesso e poemas apreciados na sociedade.Converteu-se ao catolicismo em 1765, o que lhe valeu zombarias deVoltaireedeMarieduDeffand.

  • Hervey, John (lorde) (1696-1743): Poeta, ilsofo e tambm poltico.VoltaireoconheceuemsuatemporadanaInglaterra.

    Joly de Fleury, Jean-Franois (1718-1802): Poltico francs, nomeadoadministradorgeraldasfinanasporLusXIV.

    Lally-Tollendal, Grard de (1751-1830): Filho de um oicial francs deorigem irlandesa considerado culpado pela derrota da Frana emPondichry e condenado e executado pelo Parlamento de Paris. Voltaireassumiusuadefesa.

    Lanoue,Jean-BaptisteSauvde(1701-1761):Atoredramaturgofrancs,integrou a trupe da Comdie-Franaise de 1742 a 1757 e escreveu umapea,MaomII.

    Lutzelbourg,Marie-UrsuledeKlingin(condessade)

    (1683-1765):Nobrefrancesa,casadacomValterdeLutzelbourg,tenente-coroneldecavalariadoRegimentodaAlscia.

    Maine, Anne de Bourbon-Cond (duquesa du) (1676-1753): Neta dograndeCond,tornouocastelodeScauxumcentrodevidamundanaeliterria. Bem jovem, Voltaire frequentou Scaux, onde recitou seusprimeiros versos. Mais tarde, l apresentou a pea Zare e dedicouRomesauveduquesa.

    Maupertuis, Pierre Louis Moreau de (1698-1759): Matemtico eastrnomo, propagador das ideias de Newton na Frana, empreendeuexpedioaoPoloNortea imde comprovara teorianewtoniana sobreaformadaTerra(contraDescartes,defendidopor JacquesCassini).DirigiuaAcademiadeCinciasdaPrssia,chocando-secomVoltaireemdisputaspalacianas.

    Olivet,Pierre-JosephThoulier(abaded)(1682-1768):AmigodeBoileaueprofessordeVoltaire,aquemrecebeunaAcademia.Excelentegramtico,consagrou-se ao estudo de Ccero e publicou comentrios sobre Racine.Voltairemantevecomeleumaamizaderespeitosa.

    Orlans, Philipe d (1674-1723): Neto de Lus XIII e regente naminoridadedeLusXV,promoveureformasinovadorasebuscouapazna

  • Europa.Autordeperas, suavidaamorosa foipermeadaporescndalos.Exilou Voltaire em Sully, em 1716, e aprisionou-o, por onze meses, naBastilha,em1717-18.

    Polier de Bottens, Antoine-No de (1713-1783): Telogo protestantesuoeamigodeVoltaire,colaboroucomverbetesparaaEnciclopdia.

    Richelieu, Louis Franois Armand (duque de) (1696-1788): Diplomata,generalemecenas.Autodidata,precariamentealfabetizado, foieleitoparaaAcademiadeLetras.Conhecidopelavidagalante (foiamantedasra.duChtelet e da marquesa du Deffand), tambm obteve grandes sucessosmilitares. Voltaire, que o conhecera na juventude, chamava-o de meuherieconservou-lheaamizadeapesardediversasafrontas.

    Rousseau,Jean-Jacques (1712-1778):Escritore ilsofo francs, conedoIluminismo e um dos inspiradores da Revoluo Francesa. Autor de Ocontratosocial ,Discursosobreaorigemdadesigualdade eConfisses, entreoutros,redigiutambmamaiorpartedosverbetesnareademsicaparaa Enciclopdia. Por ironia, seus restos mortais, trasladados para oPanthon,repousamemfrentesepulturadeVoltaire,seudesafeto.

    Saint-Cyr, Joseph Giry de (1699-1761): Padre francs, que acabar sevoltandocontraosenciclopedistasem1757.

    Thibouville, Henri Lambert dHerbigny (marqus de) (1710-1784):Autordealgunsromancesetragdias,docrculodosr.dArgental.

    Thieriot, Nicolas-Claude (1696-1772): Conidente, correspondente (naverdade, informante, pois erapagopara isso) e facttum deVoltaire, quelhe legou os direitos sobreCartas inglesas , e de Frederico II (a quemVoltairerecomendou-ocomohistorigrafodoscafsdeParis).

    Tronchin,Thodore (1709-1781):Mdicosuo,umdosmaisrespeitadosnapoca,eraconsultadopor todaaEuropa, teveemVoltaireumdeseuspacientesmaisilustres.EscreveuverbetesdemedicinaparaaEnciclopdia.

    Valori,Charlesde(1658-1734):Generaleengenheiromilitarfrancs.

    Vauvenargues, Luc de Clapiers (marqus de) (1715-1747): Escritor,moralista e ensasta, inscreveu um livro no cnone das letras francesas,

  • Reflexesemximas.

    Virotte, Louis Anne La (1725-1759): Mdico, colaborou com algunsverbetesparaaEnciclopdia.

    Voisenon,Claude-HenrideFuse (vigriode) (1708-1775):Exemplodoeclesisticomundano,verstileindependente.EscreveuparaoteatroefoieleitoparaaAcademiadeLetrascomoapoiodeVoltaire.

  • CRONOLOGIADEVIDAEOBRA

    1694. Voltaire nasce em Paris, com o nome de Franois-Marie Arouet. Ame morre-lhe cedo; o pai, tabelio, mora gratuitamente no Palcio edesejaqueofilhoestudedireito,fazendo-seadvogadodorei.

    1702.GuerradeSucessonaEspanha.

    1704. Voltaire ingressa no colgio jesuta Louis-le-Grand, o melhor dapoca, onde teve bons professores.Puer ingeniosus sed insignis nebulo:rapaz de talento, mas patife notvel, dizia um relatrio de professores.Aproxima-se de futuros ministros e de ilhos dos que tinham acesso eposio na corte. Quando adolescente, o padre de Chateauneuf o levar,nosdiasdefolga,casadajidosaNinondeLenclosefrequentaodelibertinosmilitantes,epicuristasvoluptuososepoetasgalantes.Essaduplainlunciasermarcante:noofarcristo, leva-lo-aoprazereaolivre-pensamento, mas arraigando-lhe dio ao jansenismo,assim como umaconcepotrgicadocristianismoeumaobsessopelopecadooriginal.

    1713.PazdeUtrecht.TemporadadeVoltaireemHaiacomosecretriodoembaixador da Frana, o mesmo padre e marqus de Chateauneuf.Apaixona-se por uma moa, Pimpette, que se traveste de homem paraencontraronamorado.Franois-Marie,comdezenoveanos,mandadodevoltaaParis.ProcuraobispodeEvreuxcomaintenodetrazerPimpettepara a cidade e subtra-la da inluncia protestante daHolanda,mas noobtmsucesso.

    1715. Escreve versos. Compe uma ode sobre Lus XIII que no premiadapelaAcademia.Vinga-secomumastiracontraovencedor,osr.deLaMotte, ev-seobrigadoadeixarParis.MorreLusXIV;oduquedeOrlans,regente,tomaopoder.

    1717. J se assinando Voltaire, preso por onze meses na Bastilha por

  • escritos, cuja autoria nega, contra o Regente. Dedica dipo, primeirosucessoteatral,sra.duquesadeOrlans.

    1719. Perodode turbulncia econmica e forte inlaomonetria. Inciodo sistema inanceiro Law. Voltaire frequenta os corretores e agiotas;commuitosucesso,especula.

    1722.Morte dopai deVoltaire. ViagemHolanda em companhia da sra.de Rupelmonde. Encanta-se com a tolerncia e a prosperidade comercialdopas.PolmicacomopoetaJean-BaptisteRousseau.

    1723. PublicaLa Ligue (futuraA Henriade), primeira verso do poemapico sobre as guerras de religio e Henrique IV. L trechos nos sales,ondeadmiramoescritoracaminhodaglria.Temvarola.

    1725.Cainasboasgraasdapoderosasra.dePrie.AssisteaocasamentodeLusXV,quandosoapresentadastrspeasdeVoltaire.

    1726. Entrevero com o Cavaleiro de Rohan, que inge ter esquecido onome do escritor (Arouet ou Voltaire?), no foyer da Comdie Franaise.Voltaire responde acerbamente. Dias depois, em 4 de fevereiro, lacaiossurram-noportadopalciododuquedeSully,enquantoRohan,emsuacarruagem,assiste.Voltairequerbater-seemduelo,masumnobrenoserebaixa cruzando ferros com um simples literato. Voltaire desespera-se,apela aos amigos da nobreza,mas todos se riem. Em 17 de abril, volta Bastilha.libertadoemmaioparaexilar-senaInglaterra.Jumhomemrico,protegidopeloembaixadoringlsemParisepeloministrodaFranaemLondres.Mortedasra.deMignot,irmdeVoltaire.

    1727. Em janeiro apresentado ao rei Jorge I. Trava relaes com osescritoresYoung,Pope,SwiftecomosilsofosBerkeleyeClarke.Em8deabril,assisteaosfuneraisdeNewton.Falainglsbastantemal(pormtodaa intelectualidade da Europa fala o francs), mas em dezembro publicadoisopsculosnessalngua.

    1728.Publica,emLondres,AHenriade,quededicarainhadaInglaterra.EmnovembrovoltaFrana.

    1729. PreparaHistriadeCarlosXII,Brutus eCartas ilosicas. JuntocomLaCondamine,tentaexplorarasfalhasdedeterminadaloteria.

  • 1730. Morte da grande atriz Adrienne Lecouvreur. A Igreja recusa-lhesepultura, e Voltaire, indignado, escreve o poema A morte da senhoritaLecouvreur. Encena Brutus, tragdia ao estilo de Shakespeare, comenormesucesso.

    1731. PublicaHistria de Carlos XII, sua primeira obra histrica,apaixonantecomoumromancemassolidamentedocumentada.umnovoaspecto de Voltaire, que namora a ideia de candidatar-se a um possvelcargodehistorigrafodorei.

    1732. Em agosto, triunfa no teatro com a tragdia Zare. Em seu prefciofazumelogioaLusXIV,descortsparacomseusucessor.

    1733. PublicaO templo do gosto, cuja repercusso obriga-o novamente adeixar Paris. Refugia-se emCirey, no castelo da sra. du Chtelet: solidoapavorante.Inciodarelaoamorosaentreeles.

    1734. Comeam a aparecer em Paris asCartas ilosicas, escritas emLondres. Longe de serem cartas pitorescas de um viajante, o que lheimportanaInglaterradapocasuamodernidadenascincias,napoltica,nocomrcioenaliteratura.Posteriormente soanexadasasObservaessobre Pascal, que resumem o que ser a militncia ilosica da vidainteiradeVoltairecontraa religio institucional, representadapela Igrejacatlica.Poroutro lado, inspira-oa ideianovadeuma felicidade terrestrecompatvel com o gosto burgus pelo conforto e a vida social; umcristianismoesvaziadodetodocontedosobrenaturaledetodomistrio.Oexemplo idealizado da Inglaterra mostra ser possvel uma vida emsociedade em que cada um goza seu quinho de felicidade, cabvel enatural natureza humana. Montesquieu publicaConsideraes sobre ascausasdagrandezadosromanos

    1735. Trabalha naVirgem de Orlans e noSculo de Lus XIV. ObtmautorizaoparavoltaraParis.

    1736.A sra.duChtelet aprende ingls.Voltairepublica Omundano e serefugianaHolanda.

    1737.PublicaElementosdafilosofiadeNewton,naHolanda.

    1738. Marie-Louise Mignot, uma das sobrinhas de Voltaire, casa-se com

  • NicolasCharlesDenis,passandoa sra.Denis.VisitaCirey comomaridoeficahorrorizadacomasolidodolocal.

    1740. Frederico II sobre ao trono da Prssia; Voltaire encontra-o pelaprimeiravezemClves.

    1742. Maom, tragdia de Voltaire, proibida em Paris, aps grandesucesso emLille.AFrana tomapartena guerrada Sucessodaustria.Junto com dArgenson, Voltaire dirige seus interesses econmicos paraabastecimento de carne e muniespara o Exrcito. Frederico II divulgaemParis carta emqueVoltaire felicita-o por ter abandonado sua alianacomaFrana.Escndalonosmeiospatriticos.

    1743.VoltaireencenaatragdiaMropeeaclamado.ViajaHolandaeaBerlimemmissodiplomtica.

    1745. Vitria de Lus XV em Fontenoy. A sra. de Pompadour, amiga deVoltaire,torna-seamanteoicialdorei.Voltaireescreveuma comdie-balletparaocasamentododelimeospoemasFontenoyeOtemplodaglria,emhomenagemaLusXV.nomeadoidalgoehistorigrafodorei.FazaspazescomosjesutasededicaMaom,umapeacontraareligio,aopapa!

    1746.IngressanaAcademiaFrancesaenadeSoPetersburgo.

    1747.Zadig impresso na Holanda. Rusgas na corte; hostilidade de LusXV.

    1748. Em Nancy, Lunville e Commercy, frequenta a corte do reiEstanislau, sogro de Lus XV. Montesquieu publica O esprito das leis.Voltaire surpreende a sra. du Chtelet nos braos do amante Saint-Lambert,capitodaguardadoreiEstanislau.

    1749. Morte da sra. du Chtelet, cinco dias aps dar luz uma menina,ilhadosr.deSaint-Lambert(Voltaireajudaaconvencerosr.duChteletde que vai ser pai). Voltaire parece sinceramente comovido (nos ltimosanoseramapenasamigos),masnadao impedeagoradeaceitaroconvitedoreidaPrssia,FredericoII.

    1750.ParteparaPotsdam tendogarantidoopagamentodasdespesasdeviagem, o ttulode camareirode SuaMajestade, a grande cruzdaOrdem

  • do Mrito, hospedagem e uma polpuda subveno anual. Jean-JacquesRousseaupublicaoDiscursosobreacinciaeartes.

    1751. Publicao do tomo I daEnciclopdia. Voltaire publicaO sculo deLus XIV, que alguns crticos consideram sua obra-prima. Seu secretriorouba-lhe,emParis,vriosmanuscritos.

    1752. Querela Koenig-Maupertuis. Voltaire intervm a favor do primeiro.Frederico II manda queimarA diatribe do doutor Akaki, em que VoltaireridicularizaMaupertuis.

    1753. Rompimento comFrederico II (reatam, posteriormente, com trocasde cartas onde se dirigem elogios e ironias). Lus XV probe Voltaire deretornar a Paris. Desloca-se para a Alscia, para o exlio na corte do reiEstanislaudaPolnia.

    1755. Instala-se perto de Genebra, na propriedade de Les Dlices, queadquire.No longe da Frana, fala-se o francs e uma terra livre emregioprotestante, que lhe parecemenos sectria.MorreMontesquieu, eRousseau publica oDiscurso sobre a desigualdade. Terremoto em Lisboa.SopublicadasduasediesdaHistriadaguerrade1741, apartirdeummanuscritoroubado.VoltairefazcomqueotipgrafoGrasset,deGenebra,sejapreso.DAlembertbuscacolaboradoresparaa Enciclopdia,eovelhoilsofo naturalmente lembrado. Voltaire sente-se em segurana emGenebra e, julgando que a razo est com os recm-chegados, aceitacolaborar. Encena Zare em Genebra, gerando inquietao nos pastoresprotestantes,e,quandocogitarepresentaroutrapea,censurado.Fimdeseu idlio com a tolerncia calvinista. Incio tambm das desavenas comJean-Jacques Rousseau, que escreve umaCarta sobre os espetculos,apontandoumaescoladecorruponacomdia.

    1756. Incio da Guerra dos Sete Anos: a Inglaterra declara guerra Frana.

    1757. Derrota do Exrcito francs. Perseguies contra os ilsofos. ApublicaodaEnciclopdiainterrompida.

    1758.Voltairecompra,no ladofrancsda fronteiracomaSua,ocastelode Ferney e arrenda o condado de Tourney. Sente-se deinitivamenteseguro,comquatropsemvezdedois,umemLausannenumabelssima

  • residncia de inverno, outro p emLesDlices, onde os bons amigosmevm visitar: so os ps da frente. Os traseiros esto em Ferney e nocondadodeTourney.Torna-seenimumidalgorural;assinacartascomoconde de Tourney; tem dois curas sob suas ordens: Estou bastantesatisfeito.Arrunoumedouesmolaaooutro.

    1759. PublicaCndido, envolve-se em inmeros processos, retaliaes eoutrasquestinculasemdefesadeseuscolonos:ummarcodeslocado,umamulherviolentadanaestradaetc.

    1761. Rousseau publicaA nova Helosa. Voltaire prepara uma ediocomentadadeCorneille,paracomoslucrosdotarafilhadoescritor.

    1762.InciodocasoCalas,emqueVoltaireserevoltacontraacondenaoemorte sob torturadeumpaique teriaassassinadoo ilhoporquestesreligiosas.OTribunaldeApelaorevoprocessoeexpedeumasentenade reabilitao. Voltaire extrai da o seu Tratado sobre a tolerncia.CatarinaIIsobeaotronodaRssia.RousseaupublicaoContratosocialeoEmlio.

    1763.OhistoriadoringlsEdwardGibbonvisitaFerney.

    1764. Publica oDicionrio ilosico porttil. Estreia em Paris, com poucosucesso,Olympie.

    1766.OCavaleirode laBarreacusadodeatesmoesupliciado.Voltaireescreve um relato de suamorte para instigar a opinio pblica contra aintolerncia religiosa. Foge para o lado suo de sua propriedade (haviaantes proposto a Choiseul que a Frana anexasse Genebraamigavelmente).

    1767.PublicaOingnuo.

    1768.Apsviolentaaltercao,expulsaasra.DenisdeFerney.Perododeproduointensa.VoltairefestejasuaPscoanasua igrejaepregaeleprpriocontraospatifesqueroubamsemparar.

    1769. Voltaire envia a Catarina II, da Rssia, um projeto de carros decombate.Asra.DenisretornaaFerney.

  • 1770. D incio aQuestes sobre a Enciclopdia , seu ltimo trabalho deflego. Instalam-se em Ferney trabalhadores de Genebra destitudos dedireitospolticos,sobretudofabricantesderelgiosemeiasdeseda.

    1772.MortedeThieriot.

    1774.LusXVIsobeaotrono.EstreiaemParisde Sophonisbe,entrerisoseapupos.Voltairetemasadeabalada.

    1775.EdiodassuasObrascompletas.

    1778. Voltaire vai a Paris para a apresentao da tragdia Irene. homenageado como o apstolo do progresso humano. Em 30 demaro aAcademia recebe-o com pompas nunca antes concedidas. Na Comdie-Franaiseopblicoaclama-oruidosamenteporvinteminutos,enquantonopalcoosatorescercamumbustodeVoltaireemcomoventeshomenagens.Voltairemorre,aindaemParis,em30demaio.

  • Cartas1718-1778

  • Desde1713,Voltaireescreveversos.AocomporumaodeaLusXIII,nopremiadapelaAcademia,vinga-secomumastiraaovencedore v-se obrigado a deixar Paris. Escreve dipo e comea o poemapico LHenriade. Com a morte de Lus XIV, o duque de Orlansassume a regncia e, em 1717, Voltaire encarcerado por onzemeses na Bastilha, acusado de escrever stiras cuja autoria elenegacontraoRegente.

    AOSR.DUQUEDEORLANS,REGENTE

    [novembrode1718?]

    Monsenhor,serpossvelopobreVoltairenovosdeveroutrofavorsenoodeporvstersidocorrigidocomumanodeBastilha?Despachadoparaopurgatrio, jactava-sedequedelerecordareisquandoatodosabrsseiso paraso. Toma ele, ento, a liberdade de vos suplicar trs graas: aprimeira,quetolereisdar-lheahonradevosdedicaratragdiaqueacabadecompor;1asegunda,queaquiesais,algumdia,ouvirfragmentosdeumpoema pico sobre aquele de vossos ancestrais que mais se vosassemelha;2 e a terceira,ponderarque temahonradevosescreverumamissivaemquenoapareceotermosubscrio.

    Comprofundorespeito,meuSenhor,destemuihumildeemuipobresecretrioemparvocesdeVossaAltezareal,Voltaire

    Sendo j autor em ascenso em Paris, com intensa vida social,Voltaire adota deinitivamente o pseudnimo com que passar posteridade. Dedica-se tambm com sucesso a especulaesinanceiras, aproveitando o perodo de grande turbulnciaeconmica e forte inlao. Comea a construir uma slidasituao.Em1722,viajaBlgicaeHolandaemcompanhiadasra.deRupelmonde.Emdezembrode1823,morreoRegente,duquedeOrlans.

  • SRA.DEBERNIRES

    Haia,7deoutubro[de1722]

    SuacartadeunovosaborvidaquelevoemHaia.Dosprazeresdomundo,no conheo mais lisonjeiro que o concedido por sua amizade.Permanecerei ainda alguns dias aqui, a imde tomar as medidasnecessriasimpressodemeupoema,3epartireiassimqueosbelosdiasse forem. Nada mais agradvel que Haia quando o sol mostra-sebenevolenteedoardesuagraa.Sseveempastagens,canaiservoresviosas; um paraso terrestre que se estende de Haia a Amsterdam.Admirei com respeito esta cidade, que o grandemercado do universo.Haviamaisdemilembarcaesnoporto.NosquinhentosmilhabitantesdeAmsterdam, no h um ocioso, um pobre, ningum com ares de senhor,nenhum insolente. Encontramos o Grande Pensionrio 4 a p, sem lacaios,misturado gente do povo. Ningum preocupado em cortejar. Ningumperilado para ver passar um poderoso. Apenas trabalho emodstia. EmHaia, veem-se j mais magniicncia e vida de sociedade, por conta dosembaixadores. Como passo meus dias entre o trabalho e o prazer, vivomeio holandesa emeio francesa. A pera em cartaz detestvel; emcontrapartida, vejo pastores calvinistas, arminianos, socinianos, rabinos,anabatistas, todos falando maravilhosamente bem, e, na verdade, tm,todoseles,razo.Habituo-meaprescindirtotalmentedeParis,masnodevocs.Reitero igualmentemeucompromissode irencontr-losnaRivirese ainda estiverempor l noms de novembro.No permaneam l pormim,apenasalmejemqueeulhesfaacompanhiacasodecidamaproveitarmaisatemporadacampestre.Permita-meapresentarmeusrespeitosaosr.de Bernirese a todos de sua casa. Com uma dedicao respeitosa, seumuihumildeeobedienteservidorVolt.

    AOSR.DEBRETEUIL

    [c.5dedezembrode1723]

    Descreverei ielmente, senhor, como pediu, a varola, de que acabo deescapar,amaneiraespantosacomofuitratadoe,inalmente,oacidenteemMaisons,5queirmeimpedir,pormuitotempo,deencararmeuretornovidacomoumafelicidade.

    O sr. presidente [do Parlamento de Paris] e eu nos sentimos

  • indispostos no 4 de novembro ltimo. Felizmente, porm, todo o perigorecaiu sobre mim. Submetemo-nos a uma sangria no mesmo dia. Ele sesaiubem, eu contra a varola.Adoena surgiu apsdoisdiasde febre eanunciou-se por uma ligeira erupo cutnea. Fiz-me sangrar umasegunda vez, por conta prpria, apesar do preconceito popular. O sr. deMaisons teve a bondade deme enviar, no dia seguinte, o sr. de Gervasi,mdico do sr. cardeal de Rohan, que veio muito a contragosto. Temiacomprometer-se inutilmente, tratando, num corpo delicado e frgil, umavarola j no segundo dia de erupo, e cujas sequelas s haviam sidoamenizadasporduaslevessangrias,sempurgativoalgum.

    Emtodocaso,veioemeencontroutomadoporumafebremaligna.Aprincpio, teve pssima opinio acerca da enfermidade: os criados queestavam por perto perceberam sua reao e no tentaram ocult-la demim.Aomesmotempo,anunciaram-mequeopadrelocal,preocupadocomaminhasadeesemtemeravarola, solicitavaumavisita, seporventurano fosseme incomodar. Fiz comque entrasse imediatamente, confessei-me e ditei meu testamento que, como pode imaginar, no foi longo. Emseguida,pus-mea esperar amorte com tranquilidade,no sem lamentar,contudo, a falta de uma ltima demo em meu poema e emMariamne,assim como tambm um pouco aborrecido por deixar meus amigos tocedo.Osr.deGervasi,entretanto,nomeabandonouporumsmomento,estudandoatentamenteemmimosmovimentosdanatureza.Nadamedeupara tomar sem que dissesse o motivo. Deixava-me entrever o perigo efalavadoremdiocomclareza.Seusargumentosinfundiam-meconvicoeconiana, revelando-se isto um mtodo bastante eicaz para um mdicojuntoaodoente,umavezqueaesperanadacuraconsiste jemmetadedeseusucesso.Foiobrigadoafazer-meingeriroitovezesoemticoe,emvez dos cordiais comumente ministrados no caso dessa doena, fez-mebeber duzentas pintas de limonada. Esse procedimento, que pode lheparecerextraordinrio,revelou-seonicocapazdemesalvaravida,poisqualquer outro teria infalivelmente provocado a minha morte. Estouconvencido de que amaioria dos que sucumbiram dessa temvel doenaviveriaainda,casohouvessesidotratadacomofui.

    Avarolaemsi, isoladade todacircunstnciaestranha,nada senoumalimpezabenignadosangue,aqualexpurgaasimpurezasdocorpoemprol de uma sade vigorosa. Seja qual for o tratamento, com cordiais oupurgao,acuracerta,nessetipodevarola.

    Porm, quando acompanhada de febre maligna, com o aumento do

  • volume de sangue nos vasos, a ponto de quase estour-los, podendoformarumdepsitosedimentarnocrebro,propagandopelocorpoblisesubstncias estranhas, cuja fermentao gera devastaes mortferas namquina corporal, a razo prescreve a sangria como indispensvel. Eladepura o sangue, distende os vasos, torna o jogo das engrenagens maislexvel e fcil, desobstrui as glndulas da pele e facilita a erupo.Provocandograndesevacuaes,osmdicosemseguidaeliminama fontedomal, impedindo que a varola se torne conluente, fazendo-nos expelirpartedalevedura.

    Humnicocasoemqueoscordiais, inclusiveosmaisviolentos,soindispensavelmente necessrios: quando um sangue preguioso,afrouxadoaindapelaleveduraqueobstruitodasasibras,notemforasparaexpulsarovenenocomqueestcarregado.

    Noestadoemqueeumeencontrava,essescordiaisseriammortferos.Issonosfazconstatar,demonstrativamente,quetodosessescharlatesemque Paris abunda, que receitam sempre os mesmos remdios (no digopara todas as doenas, mas sempre para a mesma), so envenenadoresqueconviriapunir.

    Volta e meia ouo um soisma assaz funesto: aquela pessoa, dizem,curou-sedetalmaneira;tenhoamesmadoena,logo,devotomaromesmoremdio. Quantos no morreram de um raciocnio desse gnero! Noquerem enxergar que osmales que nos aligem so to dessemelhantesquantoaslinhasdorosto.

    Aguardava, impaciente, o momento em que pudesse escapulir doscuidados que me dispensavam no castelo e cessar o transtornoinvoluntariamente ocasionado: quanto mais se desmanchavam emgentilezas,mais eume empenhava emno abusar da situao pormuitotempo.Estava,finalmente,emcondiesdesertransportadoparaParisem1dedezembro.Foiumadatabemfunesta.Malmeencontravaaduzentospassos do castelo, parte do assoalho do quarto que eu ocupava ruiu emchamas. Os quartos vizinhos, os apartamentos embaixo, os preciososmveisqueosdecoravam,tudofoiconsumidopelofogo.Oprejuzochegaaquase duas mil libras. Sem a ajuda das bombas dgua que mandarambuscaremParis,umdosmaisbelosprdiosdoreinoestaria inteiramentedestrudo.Sonegaram-meessaestranhanotciaquandocheguei,estomeiconhecimentoaoacordar.Noimaginaomeudesespero.Osr.deMaisonsdispensou-me todas as atenes, cuidando demim como de um irmo, esua recompensa foi o incndio do castelo. Eu no atinava como o fogo

  • irrompera to bruscamente nomeu quarto, onde eu deixara apenas umtio, quase apagado. Soube que a causa do sinistro foi uma viga demadeira que passava justo sob a lareira. uma falha de construo, jcorrigidanosprdiosatuais. Inclusive,devido sua frequncia, recorreu-se s leis para impedir essa perigosamaneira de construir. A viga a queme reiro inlamou-se pouco a pouco com o calor da lareira, situadaimediatamente acima e, destino singular que no compartilhei, o fogo, aligerminandohdoisdias,rebentoulogodepoisqueparti.

    Nofuipropriamenteacausadoacidente,masseuinfelizensejo.Sentiadorcomosentimosaculpa:a febrevoltouepossoassegurarque,nestemomento,nosounadagratoaosr.deGervasipormehaverpreservadoavida.

    A sra. e o sr. deMaisons receberam a notciamais serenamente doqueeu,sendoagenerosidadedeambostograndequantoosomatriodoprejuzomaterial e daminhador.O sr. deMaisons levou ao extremo suagenerosidade,obsequiando-mecomcartasqueprimamtantopelocoraocomo pelo esprito. Preocupou-se em me consolar parecia ter sido euquem ardera no incndio do castelo ,mas sua generosidade s faz comqueeusintaaindamaisprofundamenteaperdaquelhecauseie,portodaavida,conservareiessador,assimcomominhaadmiraoporele.

    SRA.DEBERNIRES

    Paris,20dejulho[de1724]

    GostariamuitoquenadasoubessedanotciaquenosvemdaEspanha.Euteriaentooprazerdelheinformarqueoreide Espanhaacabadetornarprisioneiraaprpriaesposa, ilhado inadosr.duquedeOrlans, aqual,noobstanteonarizpontudoeorostocomprido,nemporissodeixavadeseguir os grandes exemplos das senhoras suas irms. Disseram-me quevoltaemeiaelasepunhatotalmentenuacomsuasmaisbelasaias,e,comesse chamativo, atraa os idalgos mais formosos do reino. Sua casa foitotalmentedepredadaenocasteloemqueestaprisionadadeixaram-lheapenasumavelhacarolacomodamadecompanhia.Garantiram-meaindaque, ao se ver trancaiada com essa igura monstruosa, a pobre rainhatomouacorajosaresoluodeempurr-lapela janela,e levariaacabotalintento,casonochegassesocorro.Creioqueessaaventura farcomquenosdevolvammaiscedonossapequenainfanta.

  • AOSR.THIERIOT

    Fontainebleau,17deoutubro[de1725]

    SoumaismerecedordesuascrticasdoqueMariamne,meucaroThieriot.Umhomemque permanece na corte, podendo viver a seu lado, omaiscondenvel dos humanos, ou melhor, o mais lastimvel. Fiz a tolice detrocarmeustalentosemeusamigosporelviosdacorte,poresperanasimaginrias.Apropsito,acabodeescrever todauma jeremiadasra.deBernires. No deveria ter esperado tanto para me dar notcias sobre asade dela. Corrija isso escrevendo-me com mais frequncia e,principalmente,impedindo-adeexagerarnacomida.

    A gula fez seus males, a sobriedade ir cur-los. Procurei Gervasiontem o dia inteiro sem encontr-lo. Continuarei atrs dele sem muitacertezadealcan-lo,paradisp-loavirparaaRivire,maspresumoqueelenopossa.

    Naverdade,meucaroThieriot,casoasra.deBerniresdisponha-seaseguirumadietargida,estoucertodequeicarboa.Metaissonacabeadela,equeelarenunciegulaemedicina.Abandoneiemdeinitivoestaltima e vou indo otimamente. Se eu mantiver o compromisso deprescindir de frituras e doces, como prescindo de Gervasi, Helvtius eSilva,6logoestareitogordoquantoosenhor.

    FuiaquimuitobemrecebidopelarainhaMarieLeczinska.ElachoroucomMariamne, riu comO indiscreto , dirige-se a mim constantemente,chama-memeupobreVoltaire.Umtolo j icariasatisfeitocomisso,masinfelizmente reletimuito e sei que lisonjas sobagatelas, queopapel deum poeta na corte traz sempre embutido algum ridculo, e que no aconselhvel viver neste pas sem uma posio social. Todos os dias dome esperanas, que no acalento.No pode imaginar, querido Thieriot, oquanto estou cansadoda vidade corteso.HenriqueIV foi estupidamentesacriicada na corte de Lus XV. Lamento os trechos desperdiados. Apobre criana j deveria estar publicada in-quarto, em belo papel, belamargem,bela tipologia. Issosedarcertamenteneste inverno,aconteaoque acontecer. 7 O amigo achar, creio, a obra bastante diferente deMariamne. O pico minha essncia, se no estou completamenteenganado.Emtodocaso,parece-mebemmaisseguroseguirumacarreiraemquese temcomorivalumChapelain,umLaMotteeumSaint-Didier, 8doqueoutraemqueprecisolutarparaseigualaraRacineeaCorneille.

    Tenho a impresso de que todos os poetas do mundo marcaram

  • encontro em Fontainebleau. Saint-Didier trouxe Clovis para a rainha, comumaepstolaemversosnomesmoestilo.Roy9seofereceuparaosbals.Arainhadiariamentemassacradaporodespindricas,sonetos,epstolaseepitlamos. Imagino que confunde os poetas com bobos da corte; nessecaso, tem toda razo,poisumagrande toliceumhomemde letrasestaraqui.Noproporcionamnemrecebemnenhumprazer.

    Despeo-me. Sabia que o sr. duque de Nevers bateu-se com o sr.conde de Brancas na sala dos guardas da rainha de Espanha? So asnicasnotciasdequedisponho.Tudooque acontece aqui to simples,touniforme,tomaante,quenohcomotecercomentrios.Adeus.Umabraoeminhaestima.Vale.10

    A carreira de Voltaire ganha impulso, e ele passa a receber umanova penso por parte da rainha. Entra em desavena com oCavaleiro de Rohan, que no aceita bater-se em duelo com umsimples literato e, em fevereiro de 1726, manda lacaios seussurraremVoltairenomeiodarua.Voltairehumilhadoemaisumavez preso na Bastilha, recebendo em seguida autorizao para seexilarnaInglaterra.

    AOSR.THIERIOT

    12deagostode1726

    Recebicommuitoatraso,meucaroThieriot,umacartasuade11demaioltimo.Comoviu,estavamuitoinfelizemParis.Amesmasinamepersegueportodaparte.Seairmezadecarterdosherisdemeupoemaestiveraltura da que o destino exige demim, a obra decerto termais xito doque eu. Em sua carta, deu-me provas to comoventes de amizade, que justo que eu responda com toda a franqueza. Confesso, ento, meu caroThieriot,quehpoucotempoestiverapidamenteemParis.Comonoovi,pode-se concluir com seguranaquenovimaisningum.Procuravaumnicoindivduo,11aquemoinstintodepoltromanteveescondido,comoseme adivinhasse em seu encalo. Mas o receio de ser descoberto fez-mepartirdeformaprecipitada.Eisoquesepassou,meucaroThieriot,etudoindica que no o verei novamente em minha vida. Estou ainda bastanteindecisoquantoaminhaidaparaLondres.Seiqueumpasemquetodasas artes so prestigiadas e recompensadas, em que a diferena de

  • condies entre os homens existe, mas respeitando-se o mrito de cadaum. um pas onde se pensa livre e nobremente, sem o entrave dequalquer temorservil.Casoseguisseminhas inclinaes,deveriame ixaraqui, com o intuito apenas de aprender a pensar. Mas no sei se minhareduzida fortuna, bastante abalada por tantas viagens, minha sadeprecria, mais debilitada que nunca, e meu gosto pelo mais profundoisolamento permitiro que me lance no turbilho de Whitehall e deLondres.Tenhotimas recomendaesnopas e esperam-mecom todaaboa vontade, mas no posso airmar se continuarei a viagem.12 Almejoapenasduas coisasnavida: aprimeira seriaarrisc-la,pelahonra, assimque estiver em condies; a outra, encerr-la na obscuridade de umsossego condizente comminhamaneira de pensar, meus infortnios e oconhecimentoquetenhodaspessoas.

    Espontaneamenterenunciosminhaspenses,adoreieadarainha;lamento apenas no ter conseguido que as compartilhasse; seria umconsolo,emminhasolido,acharqueconsegui,umaveznavida,ser-lhedealguma utilidade;mas estou fadado a ser infeliz de todas asmaneiras. Omaior prazer que um homem de bem pode sentir, o de proporcionarprazer a seus amigos, foi-me recusado.No sei oque a sra. deBernirespensaameurespeito.

    Prendrait-ellelesoinderassurermoncoeurContreladfianceattacheaumalheur?13Lembrarei por toda a vida a amizade que ela me demonstrou e

    conservarei aque tenhopor ela.Desejo a ela sade, fortuna consolidada,muita alegria e amigos comoo senhor. Fale comelademim, semprequepuder. Se algum amigo referir-se ao meu nome perante o senhor,responda com sobriedade, alimentando a lembrana que se queiraguardardemim.

    No mais, escreva-me sempre, sem se importar se respondoprontamente ou no. Espere mais do meu corao do que de minhascartas.

    Adeus,meu caroThieriot; gostedemimapesardeminhaausncia emsorte.

    Em 1728 Voltaire retorna a Paris. Dois anos depois, escreve umpoema indignado contra a Igreja, que recusara sepultura crist atrizAdrienneLecouvreur.Em1731publica HistriadeCarlosXII,solidamente documentada. No ano seguinte, triunfa com Zaree

  • depoisnovamenteobrigadoadeixaracidade.Refugia-seemCirey,no castelo da sra. du Chtelet, descrito como de uma solidoapavorante,ondeosdoissededicamaexperimentoscientficos.

    AOSR.THIERIOT

    1dejunhode1731

    Escrevo-lhecomumadasmospelafebredebilitadaComocartersemprefirme,edesdenhandoamorte,

    Livredepreconceitos,semlaos,semptria,Semrespeitopelosgrandes,esemmedododestino,

    Pacientecommeusmalesealegrecomminhastiradas,ZombandodetodoorgulhotoloComumpsemprenotmulo,

    Eooutroesperneando.

    o estado emqueme encontro,moribundo e tranquilo. Se alguma coisa,porm,alteraacalmademeuesprito,podendoagravarossofrimentosdemeu corpo, que com certeza continuam intensos, a nova injustia quevenho sofrendo na Frana, segundo me disseram. Como se lembra, hcerca de um ms mandei-lhe alguns versos sobre a morte da srta.Lecouvreur, carregados da justa dor que ainda sinto por sua perda e deuma indignao talvez viva demais, aps seu enterro, mas indignaodesculpvel em algumque foi seu admirador, amigo, amante e, almdetudo, poeta. Soumuito grato pela sensata discrio que demonstrou aono distribuir cpias,mas dizem que foi levado a comentar com pessoascuja indiscrio o traiu, que censuraram principalmente os trechos maisfortes,queessestrechosforamenvenenados,quechegaramaoMinistrio,equenoseriaseguroeuvoltarFrana,ondenoentantoosnegciosmechamam.

    AOSR.BROSSETTE

    Paris,14deabrilde1732

    Sinto-melisonjeadoporagradaraumhomemcomoosenhor,pormaindamaispelabondadequeteveemfazercorreestocriteriosasnaHistria

  • deCarlosXII.Noseidenadatohonrosoparaasobrasdosr.Despraux[Boileau]

    quantoofatodeteremsidocomentadaspelosenhorelidasporCarlosXII.Temrazoemdizerqueotemperodesuasstirasnopoderiasersentidoporumherivndalo,bemmaisocupadocomahumilhaodoczaredoreidaPolniaquecomadeChapelainedeCottin.14

    Quantoamim,quandodissequeasstirasdeBoileaunoeramsuasmelhorespeas,nopretendicom issoque fossemruins!Aprimeira fasedesse grande autor bem inferior, na verdade, segunda; mas muitosuperiordetodososseuscontemporneos,exceodosr.Racine.Vejoesses grandes homens como os nicos que descreveram corretamente oseu tempo, empregando sempre cores vivas e copiando ielmente o queviam.Oquesempremeencantounoestilodeambosquedisseramoquepretendiam,semnuncaprejudicar,comseuspensamentos,aharmoniaouapurezadalinguagem.Ofalecidosr.deLaMotte,queescreviaprosabem,deixavade se exprimir em francsquandoproduzia versos.As tragdiasdetodososnossosautores,desdeosr.Racine,soescritasnumestilofrioe brbaro; domesmomodoLaMotte e seus consortesfaziam tudoo quepodiamparadenegrirDespraux,aoqualnopodiamseigualar.

    Aindarestam,peloqueouodizer,alguns belsespritssubalternosquepassamavidanoscafse tratamamemriadosr.Desprauxdomesmomodo que Chapelain, em vida, tratava seus prprios escritos. Criticam ostextosdosr.Desprauxporquesentemque,seeleostivesseconhecido,osteria desprezado, como bem merecem. E muito me desagradaria essessenhores acharemquepenso comoeles, pois fao grandedistino entresuasprimeirasstiraseseusoutrostrabalhos.Concordoplenamentecomo senhor com relao nona stira, que uma obra-prima e da qual aEpstola s musas do sr. Rousseau 15 mera imitao. Ser-lhe-eiimensamente grato se me enviar a nova edio dos trabalhos do nossogrande homem, que bemmerecem um comentador como o senhor. Casotambmaceitedar-meoprazerdeenviar-meaediodeLyondaHistriadeCarlosXII , icareimuitofelizdepossuirumexemplarenodeixareidemandarcorrigirnaprimeiraediooqueosenhorhouverporbemmudarnesta. Gabo-me sobretudo de que no deixaram de seguir exatamente altima errata tornada pblica e que pedi para inserirem noMercure defevereiro.Tenhoahonradeser, comtodaaestimaqueosenhormerece,seumuitohumildeetc.

  • AOSR.DEFORMONT

    Paris[6dedezembrode1732?]

    Hmilanos,meucaroFormont,no lheescrevo;e issomeaborrecemaisdoqueaosenhor.Emsualtimacarta,deu-meexcelentesconselhossobreZare. Sou ingrato sob todos os aspectos. Passei dois meses sem lheagradecer e no usufru de sua bondade. Deveria ter empregado umaparte do tempo escrevendo-lhe e a outra corrigindo Zare. Mas perdi-ototalmente de vista em Fontainebleau, promovendo disputas entre asatrizes para os papis principais e entre a rainha e as princesas, naencenao de comdias. Formaram-se grandes faces por bagatelas eintrigas por ninharias. Nos intervalos entre as frivolidades, me distralendo Newton, em vez de retocar nossaZare. Estou ainal decidido apublicarCartas inglesas ; por isso fui obrigado a reler Newton, pois noposso me permitir falar de to grande homem sem conhec-lo bem.Reestruturei inteiramente as cartas em que o citava e ousei fazer umpequeno resumo de toda a sua ilosoia.16 Escrevo sua histria e a deDescartes. Abordo, em poucas palavras, as belas descobertas e osinumerveisenganosdonossoRen.OuseisustentarosistemadeIsaac,eacho que o demonstrei, em quatro ou cinco cartas, que trato de tornaragradveiseinteressantes,namedidaemqueoassuntopermite.

    Fui obrigado amudar tudo que escrevera com relao ao sr. Locke,porque,ainaldecontas,pretendomorarnaFrana,ondenosepodeserto ilsofo quanto um ingls. Preciso, em Paris, sussurrar o que, emLondres, s no se pode dizer alto demais. Essa maldita prudncia,necessria,me fez riscar nopoucaspassagensdeque gostava, sobre osquakers e os presbiterianos. Meu corao sangra, Thieriot sofrer comisso,17eosenhorhdelamentaressaspassagens.Eutambm,mas

    NonmefatameispatiunturscriberenugasAuspiciisetspontemeacomponerecartas.18Li para o cardeal de Fleuryduas cartas sobre os quakers, das quais

    tive o grande cuidado de eliminar tudo o que pudesse constranger suadevotaesbiaEminncia.Achoubastanteinteressanteoquerestou,masocoitado no sabe tudo que perdeu. Espero enviar ao senhor meumanuscrito assim que tiver explicado Newton e obscurecido Locke. Osenhor me parece desejar tambm certas peas fugidias, das quais oabade de Sade lhe falou. Vou lhe enviar todo omeu estoque e ao sr. deCideville, comopresentedeano-novo.Masno ser semesperaralgoem

  • troca. Seimuitobem, seubandido, que escreveu srta. de Launay 19 umadessas encantadoras cartas em que alia graa e razo, e que cobrir derosas sua reputao de ilsofo. Caso partilhasse conosco tais privilgios,estariafazendoumaboacoisaeeumeveriapago,comusura,peloquelhedestino.Nossabaronesa20 lhemandalembranas.Todosoqueremosaqui.Deveria,defato,reassumirseuapartamentonacasadossrs.desAlleurs,epassar o inverno emParis. Talvezme izesse criar algumanova tragdia.Adeus,suplicoaosr.deCidevillequelhedigaoquantooestimoerogoaosr.deFormontqueconvenaosr.deCidevilledeminhaternaamizade.

    Adeus: nome sentirei feliz enquanto no puder passarminha vidacomambos.Milcumprimentosaossrs.deBourgtrouldeeBrevedent.

    AOSR.DEFORMONT

    [c.1dejunhode1733]

    Pormaisquedigamqueestesculophilosophe,nosevenderamnemduzentosexemplaresdolivrinhodosr.deMaupertuis,cujotemaaforagravitacional; e se h tanto descaso por um trabalho escrito pormo demestre,oquedizerdostbiosensaiosdeumaprendizcomoeu?Felizmentetratei de amenizar a aridez dessasmatrias e de adapt-las ao gosto danao. Aconselhar-me-ia o senhor acrescentar ainda algumas pequenasrelexes extradas dos Pensamentos dePascal?Hmuito tenhoganasdecombater esse gigante. No h guerreiro, por mais armado, que noapresentealgumafalhadacouraa;econfessoqueseeupuder,comtodaaminhafraqueza,daralgumaspancadasemquemvenceutantosrivais,eabalarojugocomqueeleosesmagou,ousariadizercomLucrcio:

    Quaresuperstitiopedibussubjectavicissimobteritur,nosexaequatvictoriacoelo.21De resto, agirei com precauo, criticando apenas as passagens no

    muito ligadasnossasantareligio,umavezquenosepodedilacerarapenadePascalsemsangrarocristianismo.

    AOSR.DECIDEVILLE

    [1dejulhode1733]

    Acabo,queridoamigo,deenviaraodiligente,pormbastanteausente,Jore,

  • umavigsimaquintaCarta, contendoumapequenadiscussoque tomoaliberdadedetravarcontraPascal.Oprojetoousado,masessemisantropocristo, pormais sublime que seja, quando est errado no passa de umhomemcomooutroqualquer;emuitoamideachoqueesterrado.Nocontra o autor dasProvinciales que escrevo; contra o autor dosPensamentos, onde me parece que ataca a humanidade muito maiscruelmente do que atacou os jesutas. Se todos os homens seassemelhassemaosenhor,meucaroCideville,osr.Pascalnoteriafaladoto mal da natureza humana. A meuver, o senhor a torna respeitvel eamvel, tanto quanto ele a imagina odiosa. Estou bem aborrecido contraesse carola satricoqueme impedede retocarMademoiselleduGuesclin ede terminarminhapera.No sei semais vale a pena escreverumaboapera,bem-musicada,outerrazocontraPascal.

    AOSR.DECIDEVILLE

    [26dejulhode1733]

    H momentos em que podemos impunemente fazer as coisas maisousadas; existem outros em que o que h de mais simples e de maisinocentesetornaperigosoeatcriminoso.ExistealgomaisfortedoqueasCartaspersas?Algumlivroemquesetenhatratadoogovernoeareligiocom menos deferncia? No entanto, no produziu outra coisa a no serabrirasportasparaoautordatrupeintituladaAcademiaFrancesa.Saint-vremondpassouavidanoexlioporumacartaquenopassavademerabrincadeira. La Fontaine viveu tranquilamente sob um governo carola.Morreu,naverdade,comoumtolo,mas,pelomenos,nosbraosdeamigos.Ovdiofoiexiladoemorreunaterradoscitas.Nohsenosorteedesditaneste mundo. Tratarei de viver em Paris como La Fontaine, de morrermenostolamentequeele,edenoserexiladocomoOvdio.

    AOSR.DEFORMONT

    [c.15deagostode1733]

    Amvel ilsofo, a quem se permite ser preguioso, abandone um poucosuadocenobrezaenodaocapeloLinantoperigosoexemplodeumaociosidadequeno foi feitaparaele.Euo invejo,mashde convirqueoquevirtudenumhomemtorna-sevcionoutro.

  • Reli as explanaes de Clarke, Malebranche e Locke. Quanto maisreleio,maisconirmominhaopiniodequeClarkeomelhorsoistaquejhouve,Malebranche omais sutil e Locke omais sbio. O que este ltimonoviucomclareza,receiojamaisver.onico,acho,quenadapressupesobre o que est em questo. Malebranche comea por estabelecer opecadooriginal,edeondepartemetadedesuaobra.Emseguida,supequeossentidossosempreenganadores,edaparteaoutrametade.

    Clarke,emseusegundocaptulosobreaexistnciadeDeus,acreditater demonstrado que amatria no existe necessariamente, e isso sob oraciocnio nico de que, se o todo existisse por necessidade, cada parteexistiria pelamesma necessidade. Ele nega a premissamenor e, fazendoisso, acredita ter tudo provado. Desafortunadamente, porm, depois de oler com ateno, permaneo sem convico neste ponto. Conirme, porfavor,setaisprovaslhecausarammaisefeitodoqueemmim.

    Lembroquemeescreveu,halgumtempo,queLockefoioprimeiroaousar dizer que Deus pode comunicar pensamento matria. Hobbes odisseraantes,eimaginoquehaja,noDenaturadeorum,algosimilar.

    Quantomaisviroe reviroessa ideia,mais elamepareceverdadeira.Seria absurdoasseverarqueamatriapensa,mas igualmenteabsurdoasseverar ser isto impossvel. Pois, para sustentar uma ou outra dessasasseres,serianecessrioconheceraessnciadamatria,eestamosbemlongedepoder imaginarsuasverdadeiraspropriedades.Almdisso,essaideia est to de acordo como qualquer outra com o sistema docristianismo,poisaimortalidadepodeestarligadatantomatria,quenoconhecemos,quantoaoesprito,queconhecemosmenosainda.

    AOSR.DECIDEVILLE

    [26desetembrode1733]

    Gosto muito de Linant, pelo senhor e por ele prprio. Porm, falandoseriamente, nada garante que ele tenha um desses talentos marcantes,semoqueapoesiaumociobastantecruel.Elesermuito infeliz, casopossua apenas um pouco de talento e toda essa indolncia. Exorte-o atrabalhar e a se instruir com coisas teis, seja qual for o partido queabrace. Ele quer ser preceptor emal sabe latim. Se o aprecia tanto,meucaroCideville, evite estragar, comexcessode elogios e lisonjas, um rapazque, dentre suas necessidades, deve incluir a de trabalhar muito e

  • permanentemente, pois o tempo perdido no volta mais. Se ele contassecom algum patrimnio, meus conselhos seriam outros;ou melhor, nodaria absolutamente nenhum. Mas h uma diferena to imensa entrequemtemfortunaprpriaequemprecisaaindafaz-la,quedevemambossertratadoscomocriaturasdeespciesdiferentes.Valeamice.

    AOSR.DECIDEVILLE

    [2deoutubrode1733]

    O padre Linant, ou melhor, Linant, que no mais padre, acaba dechegar, sempre a falar do senhor. Precisar de tempo para recobrar ohbito da vida inquieta e tumultuosa de Paris, depois de gozar da docetranquilidade da sua casa. Est bem desconfortavelmente alojado aqui,mas no culpa minha, foi o que ele quis. Ao chegar, encontrou umcompanheiro que lhe apresentei e com o qual, creio, estar bem. umrapaz chamado Lefebvre, que tambm faz versos harmoniosos e quenasceu, como Linant, poeta e pobre. Gostaria que minha fortuna fossehonesta o bastante para lhes tornar a vida mais agradvel, mas nopossuindo riqueza alguma a compartilhar, conceder-me-o quecompartilhemos a pobreza. No sou como a maioria dos parisienses:preferiamigosemvezdosuprluoeumhomemdeletrasnolugardeumbomcozinheirooudoiscavalosdecarruagem.Mashsempreonecessrioparaosoutros,quandosesabeeconomizarconsigomesmo.

    AOSR.DECIDEVILLE

    Paris,27deoutubrode1733

    AindanoseiquefrutoLinanttercolhidodesuacompanhiaedeseusconselhos,novipororaqualquermostradisso.Hdoisanos iniciei-onacomdia,apretextodequeproduziriaumapea.FornecitambmumtemanolugardeseuSabinus,quenoeraabsolutamenteteatral.Eleselimitouatranscrever o plano que lhe dei. Lamento por ele se no trabalha; poissendo,aoquemeparece,algoorgulhosoepauprrimo,seaindaporcimafor preguioso e ignorante, s pode esperar um futuro bem miservel.Teveainabilidadedebrigarcomtodosemminhacasa;oqueacarretaseiporcontaprpriamuitacontrariedadenavida.Oadministradordemeusbensesuamulherqueixaram-semuitodele.Reconciliei-os,masjestode

  • novo brigados e, aparentemente, em deinitivo. O que me aborrecebastante, visto que Linant sofre com isso. Apesar de todos os meuscuidados, noposso impedir asmil rixazinhasque algumaspessoas, nemsempre meus empregados, provocam minha revelia. Conto-lhe essespequenosdetalhesporque gostodele, assim comodo senhor. Estou certodequepoderlhedarconselhosproveitosos,poisreceioque,atagora,slhetenhaproporcionadoamor-prprio.

    AOSR.DECIDEVILLE

    [27dedezembrode1733]

    Ainteligncia,quandoporumbomtemposubmetidasletras,aelasserende semcustoe semesforo, assimcomo luentemente se fala a lnguacomque se convive e comoamodomsicopasseia infatigvel sobre asteclasdeumcravo.comtinoebomgostoqueLinantse torna intilaosoutros e a si mesmo. Sua vista no lhe permite, diz ele, escrever, e agagueiraoimpededelerparaosoutros.Qualaserventiadele,ento,eoque fazer por ele, se ele prprio nada faz? Seu infortnio consiste empossuirumaintelignciasuperiorquesuasituaopressupe.

    O senhor responsvel, peranteDeus, por pretender fazer dele umhomemmundano; lanou-onumritmoqueelenoconseguemanter,deu-lheumavaidadequenosejustiicaesersuaperdio.Eleteriarazosecontassecomdezmillibrasderendamas,nadatendo,esterrado.

    AOSR.DELACONDAMINE

    22dejunhode1734

    SeaGrandeCmarafossecompostadeilsofosexcelentes,euicariabemaborrecidocomacondenao,22maspensoqueosvenerveismagistradosentendemmuitomediocrementedeNewtonedeLocke.Nempor issosomenosrespeitveisparamim.

    Minha carta sobre Locke resume-se no seguinte: a razo humana incapazdedemonstraraimpossibilidadedeDeusacrescentarpensamentomatria.Essaproposio,creio, toverdadeiraquantoesta: tringulosdemesmabaseemesmaalturasoiguais.

    No que se refere a Pascal, o ponto central da questo visivelmentepassapeloproblemadea razohumanabastarounoparaprovarduas

  • naturezas no homem. Sei que Plato teve essa ideia e que uma ideiailosica. Posso acreditar no pecado original revelado pela religio, masnonosandrginoscitadosporPlato.Asmisriasdavida,ilosoicamentefalando, no provam a queda do homem, assim como asmisrias de umcavalode iacrenoprovamqueoscavalosde iacre fossemantigamentetodosgrandesegordos,equejamaisrecebessemchibatadas.

    Embreveverasra.duChtelet;aamizadecomqueelamehonrasemantmsemfalhasemqualquersituao.Temumaintelignciadignadasdosenhoredosr.deMaupertuiseseucoraodignodasuainteligncia.Eelaajudaosamigoscomamesmavivacidadecomqueaprendeulnguase geometria: depois de prestar todos os servios imaginveis, acha nadater feito; e com a percepo e esclarecimento que tem, acha nada saber,ignorandoinclusivepossuirtantapercepo.

    AOSR.DEFORMONT

    13defevereiro[de1735]

    Se Carlos XII no fosse extremamente grande, desgraado e louco, euno falaria dele. Sempre tive vontade de fazer umahistria do sculo deLusXIV,masadorei,semoseusculo,parece-memuitoinspida.

    O padre La Bletterie, escrevendo a vida de Juliano [o Apstata], fezdesse grande homem um supersticioso. No cabvel um padreescrever sua histria; cumpre ser algum desprendido em tudo e umpadrenooemnada.

    Chegoquaseapreferirahistriadasborboletasedaslagartasqueosr. de Raumur nos proporcionou histria dos homens com que nosaborrecem todos os dias. Alis, estou num pas em que h bem menoshomens do que lagartas. Hmuito tempo nada vejo que se assemelhe espcie humana e comeo a esquecer esses animais. Com rarssimasexcees, encabeando as quais se encontra o senhor, no fao grandecasodemeusconfradeshumanos.

    AOSR.DECIDEVILLE

    12[deabrilde1735]

    AnicasadaparaLinanttornar-sepreceptor,oquetambmdicil,considerando sua gagueira, vista fraca e tambmapouca intimidadeque

  • temcoma lngualatina.Espero,noentanto,coloc-lo juntoaoilhodasra.du Chtelet, mas ser necessrio que se comporte um poucomelhor emsua casa do que em minha cabana. E, sobretudo, que no se ache toextraordinriopelapeadeteatroquepensouterescrito.

    AOSR.DECIDEVILLE

    [16deabrilde1735]

    verdade,meucaroamigo,nolheagradeciaindapelaadorvelcoletneaque me deu. Acabo de l-la com um prazer renovado. Como aprecio aingenuidade de suas descries! E o que espalha sobre tudo isso umencanto inexprimvel o fato de tudo ser conduzido pelo corao. sempre amor ou amizade o que o senhor inspira. uma espcie deprofanaoque faocomigono lheescreversenoemprosa,depoisdosbelosexemplosquemedeu.Porm,caroamigo,

    Carminasecessumscribentisetotiaquaerunt.23Noconsigoterpazdeesprito;vivodistradodesdequevolteiaParis:

    tendunt extorquere poemata ;24 minhas ideias poticas escapam-me. Osnegcios eosdeveresmealigem; serprecisoumpasseio aRouenparaquemereanime.

    Os versos saram da moda em Paris. Toda gente se arvora emgemetra e sico. Todos so cientistas. O sentimento, a imaginao e agraa forambanidos.UmhomemquevivessesobLusXIVequevoltasseaomundonoreconheceriamaisosfranceses,acreditariaqueosalemestomaram este pas. As letras perecem a olhos vistos. No que o culto dailosoiameaborrea,masnogostariaquesetornassetirnicaeexclussetodo o resto. Na Frana, asmodas se sucedem e todas passam. Mas artealguma, cincia alguma deve se resumir moda. Todas precisam searticularentreelaseseremtodasincessantementecultuadas.

    Longedemimquererpagar tributo moda;procuropassardeumaexperincia em sica a uma pera ou a uma comdia, e que meu gostojamais seja embotado pelo estudo. So as suas maneiras, meu caroCideville,quesempresustentaroasminhas;masseriaprecisov-lomais,passar alguns meses em sua companhia; e nosso destino nos separa,quandotudodeverianosreunir.

    AOSR.DECIDEVILLE

  • [29deabrilde1735]

    PororaLinantcontaapenascomapalavradasra.duChtelet.Emtodocaso, vai aprendendo a escrever. J sabia improvisar bons versos, mas,paracomear,cumpresaberescrev-los.

    Sermuito vantajoso para ele passar pelomenos um ano no campocomasra.duChtelet,ocupando-sedeumacrianaquenoexigegrandeassiduidade. Ter tempo para trabalhar e se instruir. Uma coisa bemengraadaqueameconhecemelhorolatimdoqueLinant,eserelaasupervisoradopreceptor.

    AOSR.DESFORGES-MAILLARD

    [c.junhode1735?]

    Caso me seja permitido, senhor, ousar acrescentar alguns conselhos aosagradecimentos que lhe devo, tomarei a liberdade de pedir que veja apoesia como um entretenimento que no deveria desvi-lo de ocupaesmais teis. O senhor parece possuir um esprito capacitado tanto paratarefas consistentes quanto para aquelas prazerosas. Caso ocupe suajuventude apenas com o estudo dos poetas, esteja certo de que searrependeremidademaisavanada.Seporventurapossuirumafortunaalturadeseumrito,meuconselhoqueaaproveitedeformadigna;e,nesse caso, a poesia, a eloquncia, a histria e a ilosoia sero suasdistraes.Casosuafortunaestejaabaixodoquemereceedoquealmeja,procure melhor-la; primo vivere, deinde philosophari 25. O senhor sesurpreender que um poeta lhe escreva assim, mas estimo a poesiaapenasnamedidaemqueelaoornamentodarazo.

    AOSR.DEFORMONT

    Vassy-en-Champagne,25dejunho[de1735]

    Pois , meu ilsofo, faz tempo que no nos vemos. Estive na corte deLorena26 e, como decerto imagina, no banquei o corteso. Existe ali umestabelecimento admirvel para as cincias, pouco conhecido e menosainda frequentado. uma grande sala toda equipada com as recentesexperincias da sica e, particularmente, com tudo que comprova osistema newtoniano. Deve haver por volta de dez mil escudos em

  • mquinasdetodaespcie.Umsimplesserralheiro,agorailsofoeenviado Inglaterra pelo falecido rei Leopoldo, fabricou manualmente a maioriadas mquinas e as domina com toda facilidade. Nada na Frana secompara a esse estabelecimento, sendo o nico ponto em comum aneglignciacomqueencaradopelapequenacortedeLorena.Odestinodos prncipes e dos cortesos ter junto a si o que h demelhor e nosaber reconhecer.Socegosemplenagaleriadearte.Emqualquercortequesevencontra-seVersalhes.preciso,noentanto,dizerqueasra.deRichelieu criou um curso de sica nessa sala dasmquinas. Tornando-seumanewtonianaassazcompetente,deixoupoucovontade,publicamente,certojesutaquenosabiasenopalavraseteveodesplantedetagarelarcontra os fatos e contra a inteligncia. Ele e toda a sua eloquncia foramvaiados, sendoasra.deRichelieuaindamaisadmirada,porsermulhereporserduquesa.

    AOSR.THIERIOT,EMPARIS

    [c.15dejulhode1735]

    QuandolhepedihistorietassobreosculodeLusXIV,eramenossobrea pessoa do rei do que sobre as artes que loresceram naquela poca.Apreciaria detalhes sobre Racine e Despraux, sobre Quinault, Lully,Molire, Lebrun, Bossuet, Poussin, Descartes etc. mais do que sobre abatalha de Steinkerque.Nada mais resta seno os nomes daqueles queconduziram batalhes e esquadras; em nada contribuem com o gnerohumano cembatalhas travadas;mas os grandeshomens a queme reiroprepararamprazerespuroseduradouros,mesmoparaosquenemaindanasceram. Uma eclusa do canal que une os dois mares, um quadro dePoussin, uma bela tragdia, uma verdadeira descoberta so coisas milvezesmais preciosas que todos os anais cortesos, todos os relatrios decampanhasde guerra.O senhor sabeque, paramim,os grandeshomensso os que se distinguiram no til ou no agradvel. Os saqueadores deprovncias no passam de heris. Nesse sentido, lhe envio a carta dealgumquemeioheriemeiograndehomem,equeiqueiespantadodereceber. Sabe que no pretendi a gratido de ningum ao escrever aHistriadeCarlosII,masreconheo-metosensvelaosagradecimentosdocardealAlberoniquantoeleprpriodiantedomerecidoafagoquelhefaono livro. Aparentemente ele leu a traduo italiana que se publicou emVeneza. No icarei aborrecido se o sr. ministro da Justia tiver

  • conhecimento dessa carta, e saiba que, embora perseguido em minhaptria, gozode certa consideraonospases estrangeiros. Ele faz tudooquepodeparaqueeunosejaprofetaemminhaterra.

    Continue, por favor, a cortejar-me junto s pessoas de bem queporventura se lembrem de mim. Gostaria muito que Pollion de laPopelinire,27mevisse comoosestrangeirosmeveem,maisdoque comoosfranceses.

    Disseram-mequeRetratofoiimpresso.Estoucertodequeascalniasdequeestrepleto terocrditoporalgumtempo,emaiscertoaindadequeotempoasdestruir.

    Adeus, abrao-o com carinho. O tempo jamais destruir minhaamizadepelosenhor.

    AOSR.THIERIOT

    [c.15deagostode1735]

    Envio-lhe, caro amigo, minha resposta ao cardeal Alberoni; faa de suacarta edaminhaousoque lheparecermais convenienteadmajoremreilitterariaegloriam.28ProvavelmentenoouviufalardeumcertoJlioCsar,que foi muito bem apresentado, dizem, no colgio dHarcourt.29 umatragdiademinha lavra, cujomanuscritono sei sepossui. Comov, nopassodeumpoetade colgio.Abandonei dois teatros que esto tomadospor cabalas: o da Comdie-Franaise e o do mundo. Vivo feliz em umrefgio encantador, aborrecido apenas por estar longe do senhor. Pensoque ambos estamos satisfeitos com nossos destinos. Enquanto bebechampanhe com Pollion de la Popelinire, assiste a belos concertositalianos, v novas peas e est no turbilho domundo, das letras e dosprazeres, eu saboreio, na mais pura paz e no mais atarefado cio, asdourasdaamizadeedoestudocomumamulhernicaemsuaespcie:lOvdio e Euclides, tendo a imaginao de um e a exatido do outro.Diariamente dou uma pincelada nesse belo sculo de Lus XIV, do qualpretendoseropintorenoohistoriador.Apoesiaea ilosoiadivertem-menosintervalos.CorrigiessaMortedeJlioCsar egostariamuitoqueavisse.

    Envaidece-me achar que encontrar nela alguns versos semelhantesaosquefazamoshsessentaanos.

    Lembre-se de me comunicar, caso desavisadamente esbarre em

  • alguma boa anedota sobre a histria das artes. Tudo que caracteriza osculodeLusXIVmeinteressaedignodesuaateno.

    Que histria essa de um novoRetrato que fazem de mim? TodosatribuemoprimeiroaojovemcondedeCharost.Noconsigoacreditarqueumjovemsenhorquejamaismeviutenhapodidofazeraquelastira;masonomedosr.deCharost, colocadonoaltodessepequeno texto, conirmaminhasuspeitadeotrabalhoserdeumjovempadredeLaMar,quedevefrequentarosr.deCharost.umjovempoetamuitovivoepoucosensato.Fiz-lhe todas as gentilezas a meu alcance, recebi-o o melhor que pude,chegueiaencarregarDemoulindelheprestarosserviosmaisessenciais.Sefoiquemmecaluniou,devepertencerlinhagemdosletradosingratos.Essa espcie abunda, desonrando a literatura e o esprito;mas paro poraqui, pois no se deve acusar ningum sem prova. Alm do mais, nafelicidade em queme encontro,minha primeira satisfao esquecer asinjrias.

    Envie-menotcias,caroamigo,seforemdignasdeseremconhecidas.ObaldeRameauseapresenta?Asrta.Salldana?HnovosprazeresemParis? Acima de tudo, como vai sua sade?Recebi uma bela espstola doseuamigo.Realmente

    AOSR.BERGER

    Cirey,24deagostode1735

    Diga-me ento se o grande msico Rameau tambmmaximus inminimus,30 pois da sublimidade de sua grande msica ele desce comsucesso ingnua graa do bal. Gosto das pessoas que conseguemabandonar o sublime para se divertir. Se pudesse dizer que Newtonescreveuvaudevilles,gostariaaindamaisdele.Quempossuiumstalentopode ser um grande gnio; quem possui vrios mais agradvel. Tudoindica que foi por humildemente ir de uma extremidade a outra quemegravaramaoladodosr.deFontenelle.31

    AOSR.DEFORMONT

    Cirey,15denovembro[de1735]

    Seiquedaessnciadeumjesutasermauilsofo;sopessoasaquemseditam,quandotmquinzeouvinteanosdeidade,palavrasqueelesem

  • seguidatomamporideias.NoseiseLocketemrazo,masoqueparece.Por mais que se procure, no vejo como se possa um dia provar que amatria no pode pensar;mas, ainal de contas, o que importa, uma vezquepensemosbem, isto , quepensemosdemaneira anos fazer felizes?Sintomebem,sendomatria,comsensaeseideiasagradveis.

    AOSR.ABADEDOLIVET

    Cirey,30denovembrode1735

    Osenhorsabequehvinteanoslhedissequejamaispertenceriaaumaacademia.Nadaqueronestemundoanoseroprazere,almdisso,vejoquetaisacademiasoprimemotalentoaoinvsdeincentiv-lo.Nosurgiuum s grande pintor desde que temos uma academia de pintura; um sgrande ilsofo formado pela Academia das Cincias. Sem falar da deLetras. A razo da esterilidade nesses terrenos to cultivados, acho eu, que todo acadmico, considerando seus confrades e por mais que estestenham razo, acha-os muito pequenos, julgando-se muito grande emcomparao, por menos exagerado que seja seu amor-prprio. Danchetacha-sesuperioraMallet,e issolhebastaparaquesejulgueocmulodaperfeio. O pequenoCoypel pensa valer mais que Detroy o jovem, e seimagina um Rafael. Homero e Plato no pertenciam, creio, a nenhumaacademia. Ccero de modo algum e tampouco Virglio. Adeus, padrequerido; embora seja acadmico, gosto do senhor e o estimo de todo ocorao.Seriadignodenos-lo.Vale,etmeama.32

    AOSR.THIERIOT

    28dedezembro[de1735]

    Nunca falei, meu caro amigo, do abade Prvost seno para lastimar suatonsura,suasobrigaesdemonge,vergonhosasparaahumanidade,eporfaltar-lhe fortuna. Se acrescentei algo ao que dele li, certamente foi pordesejarquetivesseescritotragdias,poisparece-mequealinguagemdaspaixes a sua lnguanatural. Faograndedistinoentre ele e opadreDesfontaines,33quessabe falarde livros,apenasumautor,e inclusivebastantemedocre; o outro um homem. V-se pelos textos de ambos adiversidadedeseuscoraes;epode-seapostar,lendo-os,queumstevecasos commeninos, e que o outro um homem feito para o amor. Caso

  • possaprestarumservioaoabadePrvost,dofundodemeurefgio,noh oque no izesse, e se, por felicidade, eu conseguir voltar a Cirey emsegurana,tentareiatra-loparal.

    Encontro-me atualmente na fronteira da Frana, com um carro deposta,cavalosdeselaeamigos,prestesaganharocaminhoda liberdade,casonomesejamaispermitidoretomarodafelicidade.

    AOSR.CONDEDEARGENTAL

    4dejaneirode1736

    Sehumladorespeitvelesurpreendenteemnossareligio,operdodasinjrias,quealissempreheroico,nosendosimplesefeitodomedo.Umhomemque tem a vingana em suasmos e perdoa passa por heriemtodaparte;equandoesseherosmoconsagradopela religio,ele setornaumheriveneradopelopovo,quevnessasaesdeclemnciaalgodedivino.Brincadeirasparte,estoupersuadidodequeareligiotocaas pessoasmais no teatro, quando escorada em belos versos, do que naigreja, amparada num mau latim. As pessoas de bem para as quais li apeachamaramobomevelhoLusignandecapuchinho,eagrandemaioriaderramou-se em lgrimas durante a encenao. Em suma, o ladocomoventesempreprevalecersobreorestante,noespritodamassa.

    Apesar disso, no pode imaginar o quanto a proximidade do perigoaumentaminha covardia. verdade que estou a cinquenta lguas,mas osomdasvaiasavanaamaisdedezlguasporminuto.

    Seapeafracassar,fareioquepuderparanomorrerdedesgosto.Pois tal a injustia dos homens: punem como crime a vontade de

    agradar,quandoessavontadenotemxito.

    AOSR.ABADEDOLIVET

    Cirey,6dejaneirode1736

    Com que diabos teve a coragem de elogiar as frases hiperblicas e osversospompososdeBalzac34?TodososdiasVoiture 35vaiaocho,enoselevantar de jeito algum; no existem seno trs ou quatro pecinhas emversos que ainda o sustentam.A prosa digna do cavaleiro deHer 36 e osenhor elogia o charme do estilo que o mais afetado e ridiculamente

  • rebuscado! Deixe de lado essas asneiras; so enfeites e maquiagem norosto de uma boneca. Fale-me dasLettres provinciales. O qu! O senhorelogia Fnelon por ter variedade? Se houve algum homem com um sestilo, este homem ele: Telmaco sempre. A suavidade, a harmonia, apinturaingnuaesorridentedascoisascomuns,eissuacaracterstica;eleprodigaliza as lores da Antiguidade, que jamais fenecem em suas mos;masasloressosempreasmesmas.Conheopoucosgnioseclticos,taiscomoPope,Addison,Maquiavel,Leibniz,Fontenelle.

    Peo encarecidamente, ao senhor e aos seus, que nunca se sirvamdestafrase:nulstyle,nulgotdanslaplupart,37semdignarseacolocarumverbo. Essa licena s perdovel na pressa das paixes, que ignoram amarcha natural de uma lngua; porm, num discurso meditado, esseestrangulamento me revolta. Nossos advogados que puseram frasesassimnamoda.

    Aindaumapalavrinha,por favor, sobreoestilomoderno.Estejabemcerto de que esses senhores no buscam frases novas seno por lhesfaltarem ideias. Perdoe-ospor sempredanarem,porqueno conseguemandar em linha reta. Adeus, se acontecer alguma coisa de nova naliteratura,sacudasuainfamepreguiaeescrevaaseuamigoV.

    AOSR.BERGER

    Cirey[c.fevereirode1736]

    Arespeitodosr.deMarivaux,euicariabastantecontrariadodecontarentre meus inimigos um homem de seu carter, e cuja inteligncia eprobidade estimo. Satisfeito, identiico o carter ilosico, humano eindependente de seus livros commeus prprios sentimentos. verdadeque preferiria que usasse um estilo menos rebuscado, aplicado a temasmais nobres, masest longe de ser a ele que aludi, ao mencionar ascomdiasmetafsicas.38Nessaexpresso,euincluaapenasaquelasemqueatuam personagens alegricos, mais apropriados ao poema pico e queicamdeslocadosnopalco,ondetudodeveserretratadononatural.Eesteno um defeito do sr. de Marivaux. Pelo contrrio, minha crtica a eleseriaporesmiuaremdemasiadoaspaixeseerrar,svezes,ocaminhodo corao, tomando desvios um tanto sinuosos. Aprecio tanto suainteligncia que gostaria que a desperdiasse menos. No preciso, demodoalgum,queumpersonagemde comdiapense ter inteligncia,masquesejaagradvelmalgradoelemesmoesemjulgars-lo.

  • AOSR.THIERIOT

    Cirey,26defevereiro[de1736]

    Que ataquemminhas obras, nada tenho a responder; cabe a elas medefenderem, bemoumal;mas que ataquempublicamenteminha pessoa,minhahonra,meushbitos, emvinte libelos,dequeaFranaeospasesestrangeiros esto inundados, e eu permanea em silncio signiicaassumirminha vergonha. preciso opor fatos calnia. Meus hbitossodiretamenteopostossinfamesimputaesdemeusinimigos.Fiztodoobemquepudeenuncatodoomalquepoderiacausar.Osquecumuleidebondadesedefavorespermaneceramcaladoseahonradez,portanto,meobrigaa falar(ouentoqueapareaalgumjustoobastante,egeneroso,para falar emmeu lugar). Por que seria permitido imprimir que enganeium livreiro e desviei subscries, sem que eu demonstre a falsidadedessasacusaes?Porquecalaraquelesqueaconhecem?

    AFREDERICO,PRNCIPEREALDAPRSSIA

    [c.1desetembrode1736]39

    Monsenhor, seria preciso ser insensvel para no icar ininitamentecomovido com a carta com que Vossa Alteza real se dignou me honrar.Muito lisonjeoumeuamor-prprio,maso amorpelognerohumano,quetenho no corao e, ouso dizer, forja o meu carter, proporcionou-meprazermilvezesmaispuro,constatandohavernomundoumprncipequepensacomohomem,umprncipe-filsofoquefaraspessoasfelizes.

    Concedei-medizerquenohumhomemsobreaterraquenodevadar graas ao cuidado comque cultivais, atravs da s ilosoia, sua almanascida para comandar. Vossa Alteza cr no existirem verdadeiramentebons reis seno aqueles que, para se instruir, comearam, como vs, porconheceroshomens,poramaraverdade,porabominaraperseguioeasuperstio. Pensando desse modo, no h prncipe que no possaressuscitar a idade de ouro em seus Estados. Por que to poucos reisbuscam tal prazer? Vs o percebeis, monsenhor: porque quase todossonham mais com a realeza do que com a humanidade; e fazeisprecisamente o oposto. Assegurai-vos que, se um dia o tumulto dosnegcioseamaldadedoshomensnoalteraremtodivinocarter,sereisadorado por vossos povos e amado nomundo inteiro. Os ilsofos dignos

  • desse nome acorrero a vossos Estados e, como os artesos clebres seprecipitam em massa ao pas onde a arte mais favorecida, todos oshomensquepensamrodearovossotrono.

    A ilustre rainha Cristina trocou seu reinado pelas artes; reinai,monsenhor,equeasartesvosarrebatem.

    Possai jamais enfastiar-vos das cincias em funo das querelas doscientistas!40

    Vede,monsenhor,pelascoisasquevosdignastesmeinformar,queoshomensde cincia so comoosprprios cortesos, podendo ser vidos etambmintrigantes,tambmfalsos,tambmcruis.Noqueserefereataispragas,amaiordiferenaentreacorteeaEscolaque,nestaltima,elassomaisridculas.

    bem triste para a humanidade que aqueles que se dizemdepositrios dos mandamentos celestes e intrpretes da Divindade, emsuma, os telogos, sejam muitas vezes os mais perigosos de todos, toperniciosos sociedade quanto obscuros em suas ideias, com a alma seinlando de fel e de orgulho namesma proporo em que se esvazia deverdades.Gostariamdeabalaraterracomumsoismaedeincitarosreisa vingarema ferro e fogo a dignidadede algumargumento in ferio ouinbarbara.41

    Qualquerumquepenseenocompartilhedesuaopinioumateueos reis que lhes so favorveis no sero condenados. Sabei,monsenhor,que o melhor a fazer abandonar prpria sorte esses pretensospreceptoresereaisinimigosdognerohumano.Suaspalavrasseperdemno ar como a brisa,mas quando o peso da autoridade intervm, formamumvendavalcapazdederrubarumtrono.

    Vejo com o jbilo de um corao cheio de amor pelo bem pblico,monsenhor, a imensadistnciaqueestabeleceisentreoshomensqueempaz buscam a verdade e os que pretendem a guerra emnome de coisasquenoentendem.VejoqueNewton, Leibniz,Bayle eLocke, essas almastoelevadas,esclarecidasesensveis,nutremvossoespritoequerejeitaisoutrospretensosalimentos,envenenadosousemsubstncia.

    NosaberiasergratoobastanteaVossaAltezarealpelabondadedoenvio do livrinho sobre o sr. Wolf. Suas ideias metasicas gloriicam oespritohumano.Sorelmpagosemmeionoiteprofunda,mas tudooquepossoesperardametasica.42Nadaindicaqueosprincpiosprimeirosdas coisas sejam, algum dia, de fato conhecidos. Os camundongos quehabitam pequenas tocas num imenso edicio no sabem se ele eterno,

  • nem qual a sua arquitetura e tampouco por que foi construdo. Tratamapenasdeconservarsuavida,povoarsuastocaseexpulsarospredadoresque os perseguem. Somos como camundongos e o divino arquiteto queconstruiu o universo ainda no revelou, que eu saiba, seu segredo anenhumdens.Massealgumpodeconjeturarcorretamente,estealgumosr.Wolf.Podemoscombat-lo,masdevemosestim-lo:suailosoiaestlongedeserperniciosa.Haveriaalgomaisbeloeverdadeirodoquedizer,como ele, que os homens devem ser justos,mesmo que, por infelicidade,sejamateus?

    Aproteoquepareceisconceder,monsenhor,aestesbiohomem,prova da correo de vosso esprito e da humanidade de vossossentimentos.

    AOSR.BERGER

    Cirey,10desetembrode1736

    Meucaroamigo,osenhorohomemmaisexatoeessencialqueconheo;eis um elogio que jamais convm omitir. Sou sensvel tanto s suaspreocupaesquantosuaexatido.

    Recebi uma carta deveras singular do prncipe real da Prssia.Enviar-lhe-ei uma cpia. Escreve-me como Juliano a Libnio.43 umprncipe, um ilsofo e um homem, ou seja, coisa bem rara. Tem apenasvinteequatroanos;desprezaotronoeosprazeres,dedicando-secinciae virtude. Convida-me para visit-lo, acrescentando que no se devemtrocaramigosporprncipes,eeu,ento,permaneoemCirey.CasoGressetvaBerlim,tudoindicaquegostamenosdeseusamigosdoqueeu.EnvieiaThieriotarespostadeLibnioaJuliano,eeledeverepass-laaosenhor.Terembreveoprefcio,oumelhor,aapresentaodeLinant,jquenemo senhor nem Thieriot quiseram prefaciar aHenriade. Continue, caroamigo,aescrever-meessascartasencantadorasquevalembemmaisqueprefcios. Abrace por mim os Crbillon, os Bernard e os La Bruyre.Adeus.

    AOSR.THIERIOT

    Cirey,27denovembrode1736

    Asperseguiesdeumlado,eumnovoconvitedoprncipedaPrssiae

  • doduquedeHolstein,deoutro,inalmentemeobrigamapartir.EmbreveestareiemBerlim.PlatofoiaoencontrodeDionsio,queseguramentenovaliaoprncipedaPrssia. IstovemacalhareosenhorseroagentedoprncipeemParis,oquetornaraindamaisvivonossocomrcio.QueiraDeus que o frio no me mate em Berlim como matou Descartes emEstocolmo. No deixe de dizer a todos os seus amigos que h muitominha viagem vinha sendo meditada. Ficaria bem contrariado seacreditassem haver repulsa por meu pas nessa viagem que empreendoapenasparasatisfazerumajustssimacuriosidade.

    Apsapublicaodanotciadesuaviagem,VoltairejulganoestaremseguranaemCireyeparteparaaHolanda.

    GAZETADEAMSTERDAM

    Haia,20dejaneirode1737

    O sr. de Voltaire, informado de que andam a distribuir, na Frana e emoutros pases, falsas edies de obras, peas rpidas, escritos ilosicosetc.desuaautoria,declaradiscordarde tudoqueaparececomseunomesemaprovaoouautorizaorealestampada.44

    AOSR.THIERIOT

    Leyde,28dejaneirode1737

    Apsoconsolodaamizadeedailosoia,omaislisonjeiroquereceboodas inexprimveis bondades do prncipe real da Prssia. Fiquei muitocontrariado com o fato de terem noticiado minha ida Prssia e de oprncipemehaverenviadoseuretratoetc.Vejosuasatenescomoasdeumamulher bonita; devem ser saboreadas e caladas. Faa-o saber, meucaro amigo, que sou discreto e jamais me gabo dos carinhos de umaamante

    AOSR.DECIDEVILLE

    [Amsterdam]18defevereiro[de1737]

  • Meu caro Cideville, recebi suas cartas, em que faz o corao se exprimircom tanta inteligncia. Perdo, amigo, se demorei muito a responder.Passareiaodiarailosoia,pormeroubaraprestezaqueexigeaamizade.OqueganhoconhecendoatrajetriadaluzeagravidadedeSaturno?Soverdadesestreis;umsentimentoestmilvezesacimadisso.Esteja certodequeesseestudo,que temmeabsorvidoultimamente,noempederniumeu corao, e de que os instrumentos de clculo no me izeramabandonar os da singela melodia. Bem melhor seria recitar em suacompanhia,

    Lentusinumbra,FormosamresoraredocensAmaryllidasylvas,45

    do que viajar pelo pas das demonstraes. Porm, caro amigo, precisoabrir a alma a todas as possibilidades. Foi uma chama que Deus nosconiouedevemosaliment-lacomoquedemaispreciosoencontrarmos.preciso fazerpenetraremnossoser todasas formas imaginveis, abrirtodas as portas da alma a todas as cincias e a todos os sentimentos;contanto que no entrem atropeladamente demais, haver sempre lugar.Quero instruir-me e t-lo como amigo; quero que seja newtoniano ecompreendatalfilosofiacomosabeestimar-me.

    NoseioquesepensaemRoueneemParis,eignoroarazoporqueinsisteemfalardeRousseau.46algumquedesprezoininitamentecomohomem e que jamais apreciei como poeta. Sabe apenas rimar, sem nadaapresentar de grandioso nem de delicado. Tem talento para o detalhe: umoperrio,ondeseesperaumgnio.Osenhorspodeterseenganado,me aconselhando a elogi-lo e a fazer agrados a pessoas a quemdeveriamendigaroapoio.Tenhasentimentosmaiselevadosedignoscomrelaohumanidade.Nopense,alis,seraFranaonico lugaremquesepodeviver;umpas feitoparamulheres jovensepessoasvoluptuosas,opasdosmadrigais e dospompons. Encontramos emoutros lugares a razo, otalento etc. Considereo exemplodeBayle, quenopodia viver seno emum pas livre. A seiva de sua rvore, to auspiciosamente transplantada,teriasetornadoestrilemseupasnatal.

    AOSR.HELVTIUS

    [c.junhode1738]

    Parece-me que, em todos os sistemas, Deus pode ter concedido ao

  • homemafaculdadedeescolherentrediferentesideias,qualquerquesejaanaturezadessas ideias.Confessoque, inalmente,apsmuitodeambularportaislabirintos,meuiotendomilvezesserompido,voltoadizerqueobem-estar da sociedade exige que o homem se julgue livre. Todos nosconduzimos segundo este princpio; e acho um tanto estranho admitir naprtica o que rejeitamos especulativamente. Comeo, caro amigo, a mepreocuparmais com a felicidade na vida do que comuma verdade; e se,porinfortnio,averdadeforofatalismo,noqueroverdadetocruel.Porque o Ser supremo, queme deu um entendimento incompreensvel, nomedariatambmalgumaliberdade?Todosnossentimoslivres.TeriaDeusenganado a todos? So argumentos de comadres. Voltei ao sentimento,depoisdemeperdernarazo.

    AOSR.ABADEDOLIVET

    Cirey,20deoutubrode1738

    EmboraemcontatocomNewton-MaupertuisecomDescartes-Mairan,issono impede que Quintiliano-dOlivet47 moreno meu corao.Multae suntmansionesindomopatrismei,48epossoinclusivedizer, indomomea.Passoa vida, padre querido, com uma dama que proporciona trabalho atrezentosoperrios,conheceNewton,VirglioeTasso,enodesdenhaumcarteado. o exemplo que tento seguir, embora distante. Confesso, caromestre,noverporqueoestudodasicaesmagariaolorilgiodapoesia.Seraverdadetodesgraadaquenopossasuportarosornamentos?Aartedebempensar,defalarcomeloquncia,desentirvigorosamenteedeassim se exprimir, seria tudo isso inimigo da ilosoia? No, sem dvidaesta uma forma brbara de se pensar. Malebranche, dizem, e Pascalpossuam o esprito aferrolhado contra os versos, coitados. Vejo-os, alis,comopessoasdeboa formao,maspadecendodamisria deno teremalgumdoscincosentidos.

    Sei que causei estranhamento e at dio por me lanar atravs dapoesia, passando a gostar de histria, para acabar chegando ilosoia.Mas, faa-me o favor, o que fazia eu no colgio, quando o senhor teve abondade de formar meu esprito? O que o senhor nos dava a ler e adecorar,amimeaosoutros?Poetas,historiadoreseilsofos.engraadonoexigiremmaisdeumespritomadurooqueexigiamnocolgio,equeno ousem esperar de um esprito maduro as mesmas coisas que elecultivounainfncia.

  • Sei muito bem, e mais ainda pressinto, que a inteligncia humana bastante limitada, mas justamente por essa razo devemos estender asfronteirasdessepequenoEstado,combatendoocioeaignorncianaturalcomquenascemos.Novou,umdia,fazerumatragdiaeexperinciasdesica,sed omnia tempus habent ,49 e depois de passar trs meses nosespinhosdamatemtica,ficovontadepararedescobrirasflores.

    Considero inclusive muito ruim que o padre Castel tenha dito, numcomentrio aosElementosda ilosoiadeNewton , quepassei do frvolo aoslido. Se ele soubesse o trabalho que demanda uma tragdia