carta psicografada como meio de prova...
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FACULDADE BAIANA DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
MARINA PEREZ BISPO
CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA NO DIREITO PROCESSUAL PENAL: UMA ANÁLISE DA
POSSIBILIDADE DE SUA UTILIZAÇÃO
Salvador 2014
MARINA PEREZ BISPO
CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA NO
DIREITO PROCESSUAL PENAL: UMA ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DE SUA UTILIZAÇÃO
Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito, Faculdade Baiana de Direito, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientador: Prof. Sebástian Borges de Albuquerque Mello
Salvador 2014
TERMO DE APROVAÇÃO
MARINA PEREZ BISPO
CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA NO
DIREITO PROCESSUAL PENAL: UMA ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DE SUA UTILIZAÇÃO
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em
Direito, Faculdade Baiana de Direito, pela seguinte banca examinadora:
Nome:______________________________________________________________
Titulação e instituição:____________________________________________________
Nome:______________________________________________________________
Titulação e instituição: ___________________________________________________
Nome:______________________________________________________________
Titulação e instituição:___________________________________________________
Salvador, ____/_____/ 2015
A minha filha, Anna Beatriz, obra Divina, cheia de graça, que já me faz imensamente feliz, pelo simples fato de existir, ainda no interior do meu ventre. És a beleza incondicional do amor.
AGRADECIMENTOS
Acima de tudo, eu agradeço a Deus pela vida, e por todas as bênçãos derramadas
sobre ela. Agradeço-Te, absolutamente por tudo, Pai.
A meu esposo, Paulo Getúlio, pelo amor, estímulo, compreensão, companheirismo,
parceria e, por ter a certeza de que estaremos juntos, sempre, para o que der e vier.
A minha mãe, Georgina, por ter sido o instrumento que me trouxe a vida, pelo
imenso amor, apoio, atenção, carinho, e pela devoção incondicional.
A Marcos, por toda a dedicação, auxílio e paciência.
A tia Bárbara, pela preocupação e estímulo quanto à execução do trabalho,
mostrando-se sempre interessada, preocupando-se em me apresentar fontes novas.
A minha família, como um todo, pelo incentivo cotidiano.
Ao orientador Sebástian Mello, por ter concordado prontamente, em orientar-me e,
pelos auxílios e orientações.
Ao Sr. Ernesto, pela colaboração com as fontes, e por todos os ensinamentos
passados.
Ao Dr. Oscar Carneiro Calmon Bulcão, por ter se prestado a me ajudar,
disponibilizando sua dissertação, e o livro, sem o qual, seria muito mais complicado
defender a tese lançada.
Aos colegas de curso que acreditaram, estimularam e apoiaram na elaboração do
trabalho monográfico e, especialmente, a amiga Cídia Dayara, que esteve ao meu
lado em todos os momentos, dando-me forças para seguir em frente e vencer os
obstáculos enfrentados. Uma ressalva especial, e não menos importantes, às
amigas Cecília Lopo e Anaile Lima, pelo carinho, apoio e incentivo.
A professora Carolina, pelas palavras de estímulo, as quais renovaram as minhas
forças para concluir o trabalho.
RESUMO
Esta monografia tem por finalidade aferir a possibilidade da carta psicografada constituir-se como meio de prova, no Direito Processual Penal, buscando, para tanto, examinar, primeiramente, os efeitos que as manifestações oriundas dos fenômenos mediúnicos expressam, bem como, a validade que os mesmos possuem, quando inseridos na racionalização do Ordenamento Jurídico Brasileiro. Foi-se necessário, para tanto, a compreensão acerca da Doutrina Espírita e da Teoria Geral da prova, no âmbito do Processo Penal, para que, a partir de então, fosse inserido os fundamentos da primeira, no contexto dos fundamentos da segunda, e verificar a conformidade do documento psicografado, como meio de prova. Como forma de visualizar a sua efetiva aplicabilidade, foram trazidos casos concretos, em que a mensagem psicografada fora aproveitada como forma de influenciar na formação do convencimento do julgador singular, ressalvando-se os casos de submissão ao Tribunal do Júri. Há, ainda, decomposição da pretensão formulada no Projeto de Lei nº. 1.705, de 2007, fazendo-se referência aos entendimentos explanados pelos integrantes da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, os quais ensejaram em seus respectivos votos. Nas razões da sua admissão, foi aferida a compatibilidade da carta psicografada, como meio de prova, em face dos princípios constitucionais da liberdade religiosa, da ampla defesa e do contraditório; acentuando-se para a laicidade estatal, e a busca da verdade real no Processo Penal. Destacou-se, no presente trabalho, o caráter científico do Espiritismo. Por fim, tratou-se da licitude da mensagem psicografada como meio de prova, observando a sua natureza e viabilidade, e o consequente processo de apreciação, para a formação do convencimento do juiz ou componentes do Júri popular. Palavras-chave: Carta Psicografada; Prova Psicográfica; Meio de Prova; Processo Penal.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
art. artigo
CC Código Civil
CF/88 Constituição Federal da República
CPC Código de Processo Civil
CPP Código de Processo Penal
des. desembargador
HC Habeas Corpus
MP Ministério Público
ONU Organização das Nações Unidas
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
TJ Tribunal de Justiça da Bahia
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 11
2 DAS QUESTÕES ATINENTES À ESPIRITUALIDADE 13
2.1 A DOUTRINA ESPÍRITA E SUA GÊNESE 13
2.1.1 O Espiritismo enquanto Ciência 16
2.1.2 O Espiritismo na qualidade de Religião 18
2.2 O FENÔMENO MEDIÚNICO 20
2.2.1 Do Médium 21
2.2.2 Médiuns Escreventes ou Psicógrafos 21
2.2.2.1 Médiuns Mecânicos 21
2.2.2.2 Médiuns Intuitivos 22
2.2.2.3 Médiuns Semi-mecânicos 23
2.2.2.4 Médiuns Inspirados ou Involuntários 23
2.2.2.5 Médiuns de Pressentimentos 24
2.2.2.6 Outras variedades de Médiuns Escreventes 24
2.2.3 Charlatanismo 25
2.3 DA PSICOGRAFIA 25
2.3.1 A Relevância do Exame Grafotécnico 26
3 UMA BREVE ESTRUTURAÇÃO ACERCA DA PROVA 29
3.1 DA TEORIA DA PROVA E SEU ESCOPO 29
3.1.1 Objeto da Prova 32
3.1.2 Natureza Jurídica 34
3.2 CLASSIFICAÇÃO 35
3.3 DOS MEIOS DE PROVA 36
3.4 ÔNUS DA PROVA 40
3.5 SISTEMAS DE VALORAÇÃO DAS PROVAS 44
4 A CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA 49
4.1 CASOS DE PSICOGRAFIA NO JUDICIÁRIO 50
4.1.1 Caso de Goiânia – Goiás 51
4.1.2 Segundo Caso de Goiânia – Goiás 51
4.1.3 Caso de Campos do Jordão - São Paulo 52
4.1.4 Caso de Campo Grande - Mato Grosso do Sul 54
4.1.5 Caso de Mandaguari - Paraná 55
4.1.6 Caso de Gurupi - Tocantins 56
4.1.7 Caso de Ourinhos - São Paulo 57
4.1.8 Caso de Viamão - Rio Grande do Sul 58
4.2 PROJETO DE LEI Nº. 1.705, de 2007 60
5 DAS RAZÕES DA ADMISSÃO DA CARTA PSICOGRAFADA COMO
MEIO DE PROVA 67
5.1 DA COMPATIBILIDADE DA CARTA PSICOGRADA COM OS
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 67
5.1.1 Da Liberdade Religiosa 67
5.1.1.1 A Laicidade Estatal 69
5.1.2 Da Ampla Defesa e do Contraditório 72
5.1.3 Os Limites da Verdade Real no Processo Penal 73
5.2 DO CARÁTER CIENTÍFICO DO ESPIRITISMO 76
5.3 DA LICITUDE DA CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA 77
5.3.1 Natureza e Viabilidade Jurídica 78
5.3.2 A Valoração da Carta Psicografada 80
6 CONCLUSÃO 82
REFERÊNCIAS 88
ANEXOS 92
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1 INTRODUÇÃO
A realização do presente trabalho possui o objetivo de investigar a possibilidade da
aplicação da carta psicografada, como meio de prova, no Direito Processual Penal.
Para tanto, foi-se necessário, primeiramente, investir no conhecimento a respeito do
Espiritismo, o qual perpassa pelo ambiente da Espiritualidade, fazendo uma
remissão à sua origem, aos seus fundamentos, e ao seu objetivo, referindo-se às
distintas vertentes que a Doutrina Espírita possui, quais sejam a ciência e a religião.
Tal desenvolvimento foi elaborado, para que a carta psicografada pudesse ser mais
bem compreendida, como consequência de uma expressão mediúnica, precisando-
se, por isso, das elucidações a respeito do fenômeno mediúnico e seus
desdobramentos; quem é, e qual o papel da pessoa do médium, remetendo-se à
questão do charlatanismo, como o risco e possibilidade de fraude; bem como, a
interpretação acerca do exame grafotécnico, como forma de validação da
autenticidade e veracidade da carta psicografada.
O referido desdobramento tornou-se indispensável, pois sem conhecer devidamente
a sua consistência, seria impossível, ou se possível, incompleta, a conclusão a
respeito da validade que os efeitos das manifestações da carta psicografada
expressam.
Seguidamente, passou-se a analisar a Teoria Geral da Prova, no âmbito do
Processo Penal, decompondo os seus elementos principais, onde, foi examinada a
definição de prova, o seu propósito, isto é, o que se pretende alcançar, através da
mesma; bem como, seus objetos e classificação.
Outrossim, entrou-se no cerne da prova, explanando acerca dos seus meios, de
acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, verificando como se dá a distribuição
do ônus probatório e, como é realizada a sua valoração pelo julgador, através do
estudo de seus sistemas, para este fim.
Por conseguinte, dado o entendimento em referência à carta psicografa e,
igualmente, à prova e sua forma de proceder, uniu-se um ao outro, configurando a
parte essencial da presente dissertação, olhando para ambos, como um elemento
contido no outro: a carta psicografada como meio de prova.
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Neste momento, foi trazido o pouco que se tem acerca do tema, posto que trata-se
de assunto vagamente desenvolvido no ordenamento jurídico brasileiro.
Passou-se, dessa maneira, a explanar acerca dos casos descobertos no Brasil, de
utilização da carta psicografada no Processo Penal, trazendo resumos fáticos, e a
decisão final dos mesmos.
Em seguida, fora analisado, detidamente, o Projeto de Lei nº. 1.705, de 2007, o qual
objetivava alterar o caput, do art. 232, do Código de Processo Penal, para que
fossem excetuados os documentos oriundos da psicografia, dos hábeis a provar;
sendo explicitados os votos emitidos, através de pareceres, dos Deputados Federais
pertencentes à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, da Câmara dos
Deputados, e o desfecho final do projeto em comento.
No quinto capítulo, foram trazidas as razões da admissão da carta psicografada
como meio de prova, no Processo Penal, verificando a sua compatibilidade com os
princípios constitucionais da liberdade religiosa, relacionando-se com a questão da
laicidade estatal; com o princípio, garantido pelo Poder Constituinte, da ampla
defesa e do contraditório; confrontando, ainda, a carta psicografada como meio de
prova com o princípio da verdade real no Processo Penal.
Fora atentado para a cientificidade da Doutrina Espírita, e, consequentemente, da
carta psicografada.
E, por derradeiro, adentrou-se à questão da licitude da carta psicografada,
observando-se a sua natureza e viabilidade, dentro do processo penal e, como se
daria a valoração do documento psicografado, quando da sua utilização no processo
penal, alcançando-se, assim, a conclusão.
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2 DAS QUESTÕES ATINENTES À ESPIRITUALIDADE
Para que seja alcançada tese sólida a respeito do tema lançado como objeto da
presente dissertação, faz-se imprescindível o estudo das questões atinentes ao
Espiritismo, que permeiam o universo da Espiritualidade. A sua compreensão é
necessária, para que a partir da mesma, possa ser discutida, no âmbito jurídico, a
validade que os efeitos das suas manifestações expressam.
2.1 A DOUTRINA ESPÍRITA E SUA GÊNESE
A ligação entre os planos físico e espiritual, através dos fenômenos psíquicos, é
verificada desde as mais remotas épocas, sendo tão antigo quanto o próprio mundo.
Os referidos fenômenos, principalmente os relacionados à mediunidade, estão
fartamente relatados nos livros sagrados das religiões antigas, nas tradições
ocultistas, nos rituais das tribos primitivas, na pretensa magia, bem como no
curandeirismo. Onde se encontrava o homem, apresentava-se o fenômeno, pois
aquele é epicentro deste. Ocorre que, quanto menos instruído, mais o homem
distorcia o fato, transformando-o em lenda e superstição. Porém, a partir do episódio
de Hydesville, o fenômeno mediúnico vem sendo pesquisado séria e cientificamente,
sendo Allan Kardec o maior dos pioneiros no seu estudo e compreensão
(LOEFFLER, 2005, p.259).
O supramencionado episódio de Hydesville, também conhecido como o caso das
irmãs Fox, gerou grande repercussão. O mesmo aconteceu no estado de Nova
Iorque, nos Estados Unidos, em 1848, onde fora constatada a comunicação das
meninas com algo até então desconhecido, através de pancadas. A certeza desta
comunicação se deu, quando a Sra. Fox solicitou ao incógnito, que fossem indicadas
as idades de seus filhos, sucessivamente, sendo que o mesmo respondeu
corretamente ao questionamento, informando a idade dos seus sete descendentes,
inclusive a de seu filho que já havia falecido. Após, foi-se estabelecido um código
para facilitar a interpretação das pancadas, onde fora descoberto tratar-se de
comunicação com um desencarnado, o qual se chamava Charles Rosma, antigo
morador da casa onde a família Fox residia, inclusive sendo desvendado o motivo da
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sua morte, quando ocorrera, e onde os seus restos mortais estavam escondidos.
Com este acontecimento, “obteve-se a primeira evidência de natureza científica da
realidade da vida após a morte e da possibilidade de intercâmbio entre os planos de
vida material e extrafísico” (LOEFFLER, 2005, p.205).
Os fenômenos relatados abriram a porta para uma verdadeira avalanche de
fenômenos psíquicos, hoje com um propósito bem compreendido. A intensidade e
variedade destas manifestações foi em tal grau, que os fenômenos adquiriram
características curiosas, em que levitações de mesas eram apresentadas
publicamente como evento artístico, sendo rotulados como o espetáculo das “mesas
girantes”. Esses eventos marcaram a época e deram origem ao movimento neo-
espiritualista, mesmo sem o devido aprofundamento filosófico e científico
(LOEFFLER, 2005, p.204-205).
Por conseguinte, atribui-se o surgimento da doutrina espírita à investigação científica
das manifestações psíquicas, onde tais ocorrências foram abordadas,
pioneiramente, sob o crivo rigoroso e metodológico da ciência, sendo que tal passo
somente foi possível de ser alcançado devido à maturidade intelectual do homem,
sendo verificado um verdadeiro crescimento racional ao longo do tempo, onde, no
século XIX, o pensamento positivo reclamou provas para crer, não apenas se atendo
a artigos de fé (LOEFFLER, 2005, p.203-204).
Foi Allan Kardec quem enxergou a importância filosófica e transcendente contida
nos fenômenos psíquicos, e elaborou um cuidadoso plano de investigação e
trabalho, que resultaria na extensa e ímpar elaboração doutrinária sobre a realidade
imortal do ser humano e das suas relações com a vida, o seu destino e as leis
universais: o Espiritismo (LOEFFLER, 2005, p.205).
Desta forma, em decorrência das suas investigações, Kardec (2001, p.18) constatou
que através do Espiritismo nos é dado o conhecimento sobre o mundo invisível que
nos envolve no meio pelo qual vivemos sem disso desconfiarmos, as leis que o
regem, suas relações com o mundo visível, assim como a natureza e o estado dos
seres que o habitam. Em consequência, é-nos dado o conhecimento do homem
depois da morte, sendo esta uma verdadeira revelação, na acepção científica da
palavra.
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O Espiritismo, portanto, é conceituado como sendo uma ciência que trata da
natureza, origem e destino dos Espíritos, assim como, das suas relações com o
mundo corporal (KARDEC, 2008, p. 10).
Com efeito, o Espiritismo é considerado como sendo uma revelação, visto que se
trata de uma ciência dada a conhecer os mistérios da Natureza. Significa dizer que
estes mistérios, ao serem revelados, estão saindo da cobertura do véu, em seu
sentido figurado. Em outras palavras, faz-se conhecer uma coisa secreta ou até
então desconhecida, sendo esta coisa ignorada posta à luz. Outrossim, apreende-se
que o ensinamento nada mais é que a revelação de certas verdades científicas ou
morais, físicas ou metafísicas, feitas por homens que as conhecem a outros que a
ignoram. Afirma-se ainda, impreterivelmente, que a maioria dos reveladores são
médiuns inspirados, audientes ou videntes (KARDEC, 2001, p.13-17).
Em decorrência da sua própria natureza, a revelação espírita possui duplo caráter,
resultando, ao mesmo tempo, da revelação divina e da revelação cientifica. A
revelação espírita resulta da revelação divina no sentido de que seu advento foi
providencial, não sendo, desse modo, o resultado da iniciativa ou de um desejo
premeditado do homem, posto que os pontos fundamentais da doutrina são
resultado dos ensinamentos dados pelos Espíritos encarregados por Deus para
esclarecerem os homens sobre as coisas que ignoravam, que não poderiam
aprender por si mesmos, e que lhe convinha conhecerem no momento em que estão
mais amadurecidos para compreendê-los (KARDEC, 2001, p.18-19).
No que tange à revelação científica, resulta da mesma na medida em que os
ensinamentos que lhe são transmitidos não são privilégio de nenhum indivíduo, mas
é dado a todo mundo pelo mesmo meio, sendo que aqueles que os ensinam e os
que recebem não são seres passivos, dispensados do trabalho de observação e de
pesquisa, que não renunciam ao seu juízo e ao seu livre arbítrio, que o controle não
lhes é proibido, sendo completamente recomendado; e, por fim, a doutrina não foi
dita completa, nem imposta à crença cega, sendo que a mesma é deduzida pelo
trabalho do homem, através da observação dos fatos que os Espíritos colocam sob
seus olhos, e das instruções que lhes dão, instruções estas que são estudadas,
comentadas, comparadas, e das quais ele mesmo tira as consequências e
aplicações (KARDEC, 2001, p.18-19).
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Em suma, o que caracteriza a revelação espírita é que sua fonte é divina, que a
iniciativa pertence aos Espíritos, e que a elaboração resulta do trabalho do homem
(KARDEC, 2001, p.18-19).
Salienta-se que o Espiritismo não se coloca como princípio absoluto, senão o que
está sendo demonstrado como evidência, ou que ressalta logicamente da
observação (KARDEC, 2001, p.40).
2.1.1 O Espiritismo enquanto Ciência
O Espiritismo aplica o método experimental, procedendo exatamente do mesmo
modo que as ciências positivas em seu processo de elaboração. A sua estruturação
se dá, segundo a elucidação formulada por Kardec (2001, p.19), quando:
Fatos de uma ordem nova se apresentam e não podem se explicar pelas leis conhecidas; observa-os, compara-os, analisa-os, e, dos efeitos remontando às causas, chega à lei que os rege; depois, deduz suas consequências e procura as suas aplicações úteis. Não estabelece nenhuma teoria preconcebida; assim não colocou como hipótese, nem a existência e intervenção dos Espíritos, nem o períspirito, nem a reencarnação, nem nenhum dos princípios da Doutrina; conclui da existência dos Espíritos quando essa existência se deduziu, com evidência, da observação dos fatos; e assim ou outros princípios. Não foram os fatos que vieram confirmar a teoria, mas a teoria que veio, subsequentemente, explicar e resumir os fatos.
Tem-se, pois, a conclusão precisa de que o Espiritismo é uma ciência da
observação, e não um mero produto da imaginação.
Em verdade, o progresso das ciências se deu depois que seus estudos se basearam
no método experimental; sabendo-se que este método é aplicável tanto à matéria,
quanto às coisas metafísicas. Assim como a ciência propriamente dita tem por objeto
o estudo das leis do princípio material, o Espiritismo possui como objeto especial o
conhecimento das leis do princípio espiritual. Este último princípio consiste em uma
das forças da Natureza que reage, infindavelmente, sobre o princípio material, e
reciprocamente, tendo como resultado que o conhecimento de um não pode estar
completo sem o conhecimento do outro. Conclui-se, portanto, que o Espiritismo e a
ciência se completam um pelo outro (KARDEC, 2001, p.19-20).
A ciência sem o Espiritismo se encontra na impossibilidade de explicar certos
fenômenos unicamente pelas leis da matéria; ao passo que o Espiritismo, sem a
ciência, lhe faltaria apoio e controle. O estudo das leis da matéria foi procedido ao da
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espiritualidade, porque é a matéria que aferi, primeiramente, os sentidos. Caso o
Espiritismo viesse antes das descobertas científicas, teria sido obra abortada, como
tudo o que vem antes de seu tempo. Todas as ciências se encadeiam e se sucedem
numa ordem racional; nascem uma das outras, na medida em que encontram um
ponto de apoio nas ideias e nos conhecimentos anteriores (KARDEC, 2001, p.19-
20).
Nesse diapasão, Kardec (2001, p.21) elucida que:
A ciência moderna mostrou a verdade sobre os elementos primitivos dos Antigos, e de observação em observação, chegou à concepção de um único elemento gerador de todas as transformações da matéria; mas a matéria, por si mesma, é inerte; não tem vida, nem pensamento, nem sentimento; é-lhe necessária a sua união com o princípio espiritual. O Espiritismo não descobriu nem inventou este princípio, mas o principal, o tem demonstrado por provas irrecusáveis; estudo-o, analisou-o e demonstrou a sua ação evidente. Ao elemento material veio juntar o elemento espiritual. Elemento material e elemento espiritual, eis os dois princípios, as duas forças vivas da Natureza. Pela união indissolúvel destes dois elementos, explica-se, sem dificuldade, uma multidão de fatos até agora inexplicáveis.
O Espiritismo experimental analisou as propriedades dos fluidos espirituais e a ação
deles sobre a matéria; demonstrando a existência de períspirito. Sabe-se que este
envoltório é inseparável da alma; que é um dos elementos constitutivos do ser
humano; que é um veículo de transmissão do pensamento, e que, durante a vida do
corpo, serve de laço entre o Espírito e a matéria (KARDEC, 2001, p.30).
Sonia Rinaldi, citada por Fernando Rubin (2011, p.114), concluiu pela existência dos
espíritos, por meio de pesquisas avançadas em Transcomunicação Instrumental. Em
outras palavras, significa dizer que através de gravações de sons demonstrou-se a
sobrevivência da alma.
Há ainda relevante obra de Marcel Souto Maior, citado por Rubin (2011, p.115), que
igualmente comprova a existência de efetivas comunicações entre vivos e mortos,
através da psicografia de um romance de 322 páginas, assinado por Honoré de
Balzac, pelo médium Waldo Vieira. O romance em tela foi analisado rigorosamente
pelo mais importante estudioso da obra de Balzac no Brasil, o Professor Osmar
Ramos Filho, que após sete anos de pesquisa, encontrou em média duas mil
semelhanças da obra psicografada com as obras realizadas em vida pelo mestre, o
que o fez concluir, categoricamente, ser um autêntico romance de Balzac.
Fernando Rubin (2011, p. 115) cita, também, o destaque feito por Miguel Reale Jr.
da trajetória de Cesare Lombroso, famoso criminalista italiano, que após árduo
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estudo e resistência na aceitação do fenômeno espiritual, escreveu um livro em que
faz uma consistente síntese das suas experiências mediúnicas.
Percebe-se, pois, que além das conclusões científicas extraídas dos estudos sério e
aprofundado de Allan Kardec, com a ajuda de seus coadjutores, há, ainda, inúmeros
relatos por todo o mundo, de estudos e comprovações de comunicação com os
Espíritos, não restando dúvidas acerca da manifestação dos fenômenos espirituais.
2.1.2 O Espiritismo na qualidade de Religião
Na concepção Espírita, Deus é a causa primeira de todas as coisas, consistente na
Inteligência Suprema.
O ser objetiva a evolução e a ampliação de sua consciência através da aquisição de
conhecimentos, ao construir a sua trajetória de vida. Assim sendo, o ser inteligente
amplia a sua percepção e compreensão da natureza, das coisas, das pessoas, de si
mesmo, do Cosmo, da estruturação inteligente do Universo e, em consequência, do
seu entendimento sobre Deus (SBEE, s. d., s. p.).
Esta compreensão que o ser vai adquirindo é construída gradativamente, sendo
expressa através de sínteses parciais e limitadas, que lhe são apresentadas.
Algumas dessas sínteses foram denominadas de leis de Deus, e muitas vezes
entendidas como uma ordem, que deveria ser obedecida de forma rígida e sem
discussão. No entanto, com o passar do tempo, passaram a ser vistas como uma
aproximação do entendimento da estrutura inteligente do Universo. A identidade
com Deus se faz, portanto, através de conhecimento, entendimento, sabedoria e
consciência das coisas (SBEE, s. d., s. p.).
No sentido especial da fé religiosa, a revelação espírita, se refere particularmente às
coisas espirituais que o homem não pode saber por si mesmo, não podendo
descobrir por meio dos seus sentidos, cujo conhecimento lhe é dado por Deus ou
por seus mensageiros, sendo por meio da palavra direta ou da inspiração. Neste
caso, a revelação é sempre feita por homens privilegiados, enviados para transmiti-
la aos homens (KARDEC, 2001, p.16).
O Espiritismo, tomando seu ponto de partida das próprias palavras do Cristo, é uma
consequência direta da sua doutrina. Através do mesmo, o homem sabe de onde
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veio, para onde vai, o porquê de estar na Terra, porque sofre temporariamente,
vendo, por toda a parte, a justiça de Deus. Sabe, também, que a alma progride, sem
cessar, através de uma série de existências, até que haja alcançado o grau de
perfeição que pode aproximá-lo à Deus (KARDEC, 2001, p.26).
A Doutrina Espírita entende que o significado de Jesus encontra-se em seu exemplo
de vida, demonstrando a viabilidade de um padrão de comportamento baseado na
unidade da humanidade e na igualdade entre os seres, fundamentando-se, em
decorrência, no amor ao próximo, na solidariedade, na tolerância, na
responsabilidade pessoal, na liberdade de consciência, e na moral como promoção
da vida. Foi a força de seu exemplo que deu significado à sua existência e não a
série de mitos, interpretações e dogmas que foram agregados ao entendimento de
sua mensagem (SBEE, s. d., s. p.).
Desta forma, para o Espiritismo, os valores deixados por Jesus são conceitos
fundamentais, sendo a moral cristã o eixo de sua visão de mundo e interpretação da
realidade (SBEE, s. d., s. p.).
Muito longe de negar ou destruir o Evangelho, a Doutrina Espírita vem, muito pelo
contrário, confirmar, explicar e desenvolver, através das novas leis da Natureza que
revela, tudo o que o Cristo disse e fez; trazendo a luz sobre os pontos obscuros dos
seus ensinamentos, de tal sorte que aqueles para quem certas partes do Evangelho
eram ininteligíveis, havendo dificuldade em sua interpretação, inadmitindo a sua
compreensão, com a ajuda do Espiritismo, sem esforço, as admitem. O Cristo lhes
parece muito maior, não sendo mais simplesmente um filósofo, e sim, um Messias
divino (KARDEC, 2001, p.31).
Isto posto, a Doutrina Espírita, quando observada sob o ângulo da religião, é
considerada como uma verdadeira filosofia de vida, pois, são através dos
ensinamentos que lhes são transmitidos, que os seus adeptos e simpatizantes,
buscam moldar os seus comportamentos perante a si mesmos, para com a família,
pessoas do convívio social, assim como, para com todos que de alguma forma
mantêm contato, posto que amar ao próximo como a ti mesmo, fazendo com o outro,
somente o que se deseja pra si, é ensinamento fundamental do Cristo, e basilar para
a própria Doutrina.
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Através das orientações, que o ser busca evoluir, em seu plano físico, mental, e
consequentemente material, onde a evolução espiritual refere-se à evolução do
Espírito, havendo uma consequente reprogramação mental, em suas formas de
pensar e agir, que interferem diretamente no plano físico e material de cada ser, pois
a vida nada mais é do que o resultado de ações e pensamentos.
Estas orientações são alcançadas através de livros, doutrinas, palestras, e,
igualmente, pela orientação dos Espíritos que cercam todos os indivíduos, mesmo
que a maioria das pessoas não perceba.
Então, tendo como base a moral e comportamento de Jesus Cristo como ser
humano, ligada a todos os outros ensinamentos que se referem de forma ampla aos
planos da vida do ser, este trilha no sentindo do progresso do seu próprio Espírito,
que por estar encarnado, ou seja, vivendo em carne e osso, se confunde com a
alma ligada ao corpo; buscando, dessa forma, estar no caminho da luz emanada do
conhecimento, sabedoria, amor e bondade de Deus, este que é a Inteligência
Suprema, e causa primeira de todas as coisas.
2.2 O FENÔMENO MEDIÚNICO
A mediunidade é uma forma paranormal de comunicação provinda de uma fonte,
que é considerada existente em outro nível ou dimensão além da realidade física
conhecida, e que também não proviria da mente normal de um médium.
O controle dos fenômenos mediúnicos, após seu estudo científico, inaugurou um
canal inédito de comunicação entre os dois mundos, o físico e o além, ampliando os
horizontes filosóficos de toda a humanidade, colocando a existência humana em um
nível superior de entendimento, possuindo, desta forma, importância ímpar na
ciência espírita (LOEFFLER, 2005, p.259).
A existência da mediunidade, assim como de qualquer fenômeno psíquico, é muito
mais antiga do que a ciência e do que o próprio espiritismo, que deles não proclama
sua autoria ou propriedade. Defende-se, por outro lado, a autoridade sobre o
conhecimento de sua gênese e das suas características operacionais, as quais
foram adquiridas através do estudo minucioso, realizado por seus eminentes
pesquisadores (LOEFFLER, 2005, p.259).
21
2.2.1 Do Médium
O médium é conceituado como sendo toda pessoa que sente, em qualquer grau, a
influência dos Espíritos (KARDEC, 2000, p.181).
Esta faculdade não é privilégio exclusivo, visto que a mesma é inerente ao homem,
sendo poucos nos quais não se encontrem alguns rudimentos dela, podendo-se
afirmar, desta maneira, que todo homem é, de alguma forma, médium. Entretanto,
usualmente, qualifica-se como médium àquele no qual a faculdade medianímica está
nitidamente caracterizada, e se traduz por efeitos patentes de certa intensidade, o
que depende, portanto, de um organismo mais ou menos sensível (KARDEC, 2000,
p.181).
Ressalva-se que a referida faculdade não se revela em todos do mesmo modo,
sendo cada médium possuidor de uma aptidão para determinada ordem de
fenômenos, o que se resulta em tantas variedades quantas sejam as espécies de
manifestações (KARDEC, 2000, p.181).
2.2.2 Médiuns Escreventes ou Psicógrafos
Diante da classificação geral dos médiuns, têm-se os escreventes ou psicógrafos,
sendo estes, pessoas aptas a receber a comunicação dos espíritos através da
escrita.
2.2.2.1 Médiuns Mecânicos
O Espírito pode exprimir seu pensamento diretamente, seja pelo movimento de um
objeto do qual a mão do médium é apenas um ponto de apoio, seja por sua ação
direta sobre a mão do médium. Quando o Espírito atua sobre a mão, dá a esta um
impulso completamente independente da vontade; a mesma funciona sem
interrupção, independentemente do médium, enquanto o Espírito tem alguma coisa
a dizer (KARDEC, 2000, p.198).
22
A caracterização do fenômeno, nesta circunstância, se dá pelo fato do médium não
ter a menor consciência do que escreve, ou seja, há uma inconsciência absoluta por
parte do médium. Esta faculdade é valiosa, pois não deixa nenhuma dúvida sobre a
independência do pensamento daquele que escreve (KARDEC, 2000, p.198).
A atuação do Espírito desencarnado se dá sobre gânglios nervosos à altura da
omoplata; ali ele conecta-se e pode atuar facilmente nos nervos motores dos braços
e das mãos do médium, através do chacra Umeral.
Como a ação da mão é independente à vontade do médium, há casos de certos
médiuns mecânicos que trabalham com ambas as mãos ao mesmo tempo e sob a
ação simultânea de duas entidades. E, em condições excepcionais, o médium ainda
pode palestrar com os presentes sobre assunto completamente diferente do que
psicografa.
Anota-se, que neste tipo de manifestação do fenômeno mediúnico, o espírito
comunicante consegue escrever na forma que era peculiar na vida física.
Em suma, segundo Kardec (2000, p.199), “o papel de um médium mecânico é o de
uma máquina”.
2.2.2.2 Médiuns Intuitivos
A transmissão do pensamento do Espírito, igualmente ocorre por intermédio da alma
do médium, agindo sobre a mesma, com a qual se identifica. A alma, sob esse
impulso, dirige a mão, e a mão dirige o lápis, por exemplo. Salienta-se, que o
Espírito estranho não substitui a alma, pois não poderia deslocá-la; ele domina-a
sem que saiba, e lhe imprime sua vontade (KARDEC, 2000, p.198-199).
Nesta situação, o papel da alma do médium não é absolutamente passivo, pois é ela
que recebe o pensamento do Espírito e que o transmite. Desta forma, o médium tem
consciência daquilo que escreve, embora não seja seu próprio pensamento. Com
efeito, em algumas circunstâncias, fica muito difícil se distinguir se o pensamento é
oriundo do Espírito estranho que escreve, ou se é oriundo do Espírito do médium.
Entretanto, pode-se reconhecer que se trata, em verdade, de um pensamento
sugerido pelo Espírito estranho, pelo fato do mesmo não ser preconcebido, ou seja,
ele nasce à medida que se escreve, sendo frequentemente contrário à ideia prévia
23
que se tinha formado, podendo estar até mesmo fora dos conhecimentos e das
capacidades do médium (KARDEC, 2000, p.198-199).
Portanto, o papel do médium intuitivo é o de um intérprete, pois, para transmitir o
pensamento do Espírito, ele deve compreendê-lo, apropriando-se, de alguma forma,
para poder traduzi-lo fielmente. O pensamento expresso não é do médium, o mesmo
apenas atravessa o seu cérebro (KARDEC, 2000, p.198-199).
Salienta-se que nesta forma de manifestação, o médium não perde o controle da
mão, porém sente que ela recebe uma espécie de impulsão.
Estes médiuns são muito comuns, porém, também são muito sujeitos ao erro, pois,
comumente, não podem discernir o que provém dos Espíritos ou de si mesmos
(KARDEC, 2000, p.211).
2.2.2.3 Médiuns Semi-mecânicos
O médium semi-mecânico sente uma impulsão dada à sua mão, independentemente
da sua vontade, e, ao mesmo tempo, tem a consciência do que escreve, à medida
que as palavras se formam. Neste tipo de manifestação, o pensamento acompanha
o ato de escrever (KARDEC, 2000, p.199).
Nota-se, que o médium semi-mecânico participa das duas espécies descritas
anteriormente, quais sejam o médium mecânico e o médium intuitivo.
2.2.2.4 Médiuns Inspirados ou Involuntários
São aqueles que recebem, seja no estado normal, ou em estado de êxtase, pelo
pensamento, comunicações estranhas às suas ideias preconcebidas. Aqui, torna-se
ainda mais difícil distinguir o pensamento próprio, do que é sugerido pelo Espírito.
Pode-se incluir nesta categoria de médiuns, as pessoas que, sem estarem dotadas
de uma inteligência excepcional, e sem saírem do seu estado normal, têm
momentos de uma lucidez intelectual, uma facilidade de concepção e elocução, fora
do costume, e, em certos casos, o pressentimento de coisas futuras. Nesses
24
momentos descritos, que se chamam, justamente, de inspiração, as ideias se
encadeiam por um impulso involuntário (KARDEC, 2000, p.199-201).
2.2.2.5 Médiuns de Pressentimentos
Os médiuns de pressentimentos são aquelas pessoas que possuem a faculdade de
pressentir, ter uma vaga intuição das coisas futuras, de uma forma mais ou menos
desenvolvida, sendo esta faculdade fato de comunicações ocultas (KARDEC, 2000,
p.202).
2.2.2.6 Outras espécies de Médiuns Escreventes
Além das variedades explanadas, os médiuns escreventes, com igualdade, podem
ser catalogados em: Médiuns Poliglotas, sendo estes os que têm a faculdade de
falar ou de escrever em línguas que lhes são estranhas; Médiuns Iletrados, os quais
escrevem como médiuns sem saberem ler, nem escrever, em seu estado normal. E,
ainda, há os Médiuns Polígrafos, sendo aqueles cuja escrita modifica de acordo com
o Espírito que se comunica, ou que estão aptos a reproduzirem a escrita que o
Espírito tinha em vida (KARDEC, 2000, p.211).
Frisa-se que, os casos de identidade de escrita, ou seja, de reprodução da escrita
que o Espírito tinha quando encarnado, assim como de escrita em línguas alheias ao
do médium, e de médiuns que não sabem escrever em seu estado normal, são
muito raros (KARDEC, 2000, p.211).
A título de ilustração, há o conhecimento acerca de uma mensagem psicografada
pelo médium Chico Xavier, em inglês, de trás para frente, sendo a sua leitura apenas
possível com a ajuda de um espelho. A referida mensagem, que vem como anexo
ao presente trabalho, e está esboçada no livro do jornalista Marcel Souto Maior
(2004, p.68), demonstra claramente que os médiuns escreventes, de acordo com a
sua subclassificação, são meros portadores das mensagens que os Espíritos
pretendem expressar, onde o resultado da comunicação, ou seja, a carta
psicografada, pode se resultar de maneira completamente alheia ao conhecimento
do seu intermediário, o médium.
25
2.2.3 Charlatanismo
Não é espantoso que seja vista a exploração dos Espíritos, dada à realidade de que
tudo pode tornar-se objeto de exploração. Os médiuns interesseiros não são aqueles
unicamente que poderiam exigir uma atribuição fixa. O interesse também se traduz
pela ambiciosa intenção de toda a natureza sobre as quais se podem apoiar
esperanças pessoais, e não somente se revela na esperança de um ganho
patrimonial. Alia-se, ainda, aos que se agarram aos Espíritos zombeteiros, os quais
se aproveitam com uma astúcia verdadeiramente notável, embalando com
enganosas ilusões aqueles que assim se colocam sob sua dependência (KARDEC,
2000, p.375).
Com efeito, certas manifestações espíritas são muito fáceis de serem imitadas,
porém, para aquele que estudou e que conhece as condições normais nas quais
elas podem se produzir, é fácil distinguir a imitação da realidade, pois a imitação não
poderia jamais ser completa, e só pode enganar o ignorante incapaz de perceber as
nuances características do verdadeiro fenômeno (KARDEC, 2008, p.99-100).
Aqueles que não conhecem o Espiritismo, geralmente são levados a desconfiar da
boa-fé dos médiuns. Para combater tal desconfiança, o estudo e a experiência lhe
dão os meios de se assegurarem da realidade dos fatos. Além disso, a melhor
garantia que os desconfiados podem encontrar está no desinteresse absoluto e na
honestidade do médium, pois ao passo que a atração pelo ganho pode levar à
fraude, o bom senso demonstra que onde não há o que ganhar, o charlatanismo não
tem nada a fazer (KARDEC, 2008, p.100).
2.3 DA PSICOGRAFIA
A psicografia nada mais é, do que uma expressão da mediunidade, exercida pelos
denominados médiuns escreventes ou psicógrafos, pela qual os espíritos
influenciam a pessoa, levando-a a escrever.
Fernando Rubin (2011, p. 114), em outras palavras, a descreve como sendo uma
manifestação de prova espírita, que representa o ato de escrever, exercido por uma
26
pessoa dotada de determinada capacidade espiritual, ou seja, por um médium, em
face de influência direta recebida de um espírito que dita a mensagem.
De todos os meios de comunicação, a psicografia é o meio mais simples, o mais
cômodo e, sobretudo, o mais completo. Ademais, ela possui a vantagem de não ficar
na dependência da memória ou da interpretação do médium ou das pessoas
presentes no momento da sua manifestação, não podendo, inclusive ser alterada
posteriormente. A mensagem psicografada, portanto, é analisada com maior
facilidade, visto que se é permitido um estudo meticuloso da mesma, quanto ao seu
estilo, conteúdo e idéias explanadas, sendo possível a comparação com outras
mensagens ditadas anteriormente pelo mesmo espírito.
A respeito da psicografia, Kardec (2000, p.233-234) fez uma ressalva de suma
importância para a diretriz que se pretende buscar na presente dissertação,
consistente no seguinte:
Um fenômeno muito comum nos médiuns escreventes é a mudança de caligrafia, segundo os Espíritos que se comunicam. E o que há de mais notável é que a mesma caligrafia se reproduz constantemente com o mesmo Espírito, e às vezes é idêntica com a que tinha em vida; veremos, mais tarde, as conseqüências que disso se podem tirar, quanto à identidade. A mudança de caligrafia não ocorre senão com os médiuns mecânicos e semi-mecânicos, porque neles o movimento da mão é involuntário e dirigido pelo Espírito; não ocorre o mesmo com os médiuns puramente intuitivos, tendo em vista que, nesse caso, o Espírito atua unicamente sobre o pensamento, e a mão é dirigida pela vontade, como nas circunstâncias comuns; mas a uniformidade da caligrafia, mesmo nos médiuns mecânicos, não prova absolutamente nada a faculdade, não sendo a mudança uma condição absoluta na manifestação dos Espíritos; ela se prende a uma aptidão especial da qual os médiuns, os mais mecânicos, não estão sempre dotados. Nós designamos os que têm essa aptidão, sob o nome de médiuns polígrafos.
Tem-se, portanto, que a mudança de caligrafia do médium, para a caligrafia do
Espírito comunicante, é uma característica da psicografia, quando exercida por
médiuns mecânicos e semi-mecânicos. Entretanto, a não ocorrência desta mudança,
não retira a legitimidade da existência da comunicação.
2.3.1 A Relevância do Exame Grafotécnico
Perícia consiste no exame realizado, por pessoa portadora de determinados
conhecimentos técnicos, científicos, ou experiência qualificada a respeito de fatos,
27
condições pessoais ou, ainda, de circunstâncias relevantes para o desate da
questão, com a finalidade de comprová-los (TOURINHO FILHO, 2010, p.568).
A perícia grafotécnica, por sua vez, visa esclarecer dúvidas referentes a
lançamentos gráficos questionados, por meio de estudo e análise profunda, de modo
a comprovar a sua autenticidade e veracidade, sendo, portanto, instrumento de
auxílio na revelação da verdade.
De acordo com Carlos Augusto Perandréa (1991, p.60), perito judiciário em
documentoscopia desde 1965 no Paraná, a grafoscopia consiste no conjunto de
conhecimentos norteadores dos exames gráficos, que verifica as causas geradoras
e modificadoras da escrita, por meio de metodologia apropriada, para a definição de
autenticidade gráfica e da autoria gráfica.
A psicografia, por ser um lançamento gráfico resultante da comunicação com
pessoas desencarnadas, se tornou alvo de questionamentos, havendo dúvidas
acerca da sua veracidade e autenticidade. O perito Carlos Augusto Perandréa
debruçou-se sobre o tema, com o fim de esclarecer estas dúvidas a respeito de
cartas psicografadas pelo médium Chico Xavier, realizando, para tanto, análise
detalhada.
Parandréa, então, revelou, em minuciosa decomposição de uma carta psicografa em
22 de julho de 1978 por Chico Xavier, na língua italiana, a qual era desconhecida
pelo médium, atribuída e firmada por Ilda Mascarro Saullo (falecida em Roma, no dia
20 de dezembro de 1977), que a referida mensagem contém em número e em
qualidade consideráveis e irrefutáveis características de gênese gráfica suficiente
para a revelação e identificação de Ilda como sendo a autora da mensagem
questionável, conferindo ainda maior credibilidade às suas conclusões ao afirmar
que na prática, em mais de 25 anos de perícias, centenas de resultados foram
alcançados em menor quantidade de material do que o coletado para a pesquisa em
comento.
Desta forma, ao pôr a psicografia sob o exame da grafoscopia, de acordo com o
trabalho escrupuloso realizado pelo perito Carlos Parandréa, conclui-se que é
absolutamente possível a análise da autenticidade e veracidade da comunicação
espiritual, pela utilização do exame grafotécnico, conferindo a esta conclusão, o
mesmo valor que seria atribuído a exame de qualquer outro lançamento gráfico.
28
O exame grafotécnico é, portanto, um importante meio de se provar a autenticidade
e veracidade da carta psicografada, quando a mesma for objeto de questionamento,
conferindo uma maior segurança à comunicação expressa em sua manifestação.
O perito Carlos Augusto (1991, p. 71), ao concluir o seu trabalho, afirma que:
(...) Respostas a fatos desconhecidos pela ciência, ou simplesmente sem divulgação. Constitui o propósito básico deste trabalho a apresentação da conclusão, obtida através de princípios, normas e procedimentos técnicos determinados pela Grafoscopia, permitindo a análise e a demonstração dos fatos revelados.
Isto posto, tem-se o exame grafotécnico como um meio de fundamentar a carta
psicografada, quando a mesma é posta à prova; confirmando a sua existência e
veracidade, bem como, conferindo um maior grau de amplitude aos efeitos que a
mesma produz, em decorrência da sua própria validade. É mais uma forma da carta
psicografada ser evidenciada à luz da ciência e sua construção lógica, estruturada
em princípios, regras, e procedimentos técnicos.
29
3 UMA BREVE ESTRUTURAÇÃO ACERCA DA PROVA
Conservados os conhecimentos adquiridos acerca dos estudos pertinentes à
Doutrina Espírita, passa-se a decompor os elementos fundamentais da Teoria Geral
da Prova, no âmbito do Processo Penal, visando compreender em que consiste a
prova, para que se presta, quais meios para alcança-la são admitidos no
ordenamento jurídico brasileiro e, como se dá o processo de valoração da mesma,
na construção do convencimento do julgador.
3.1 DA TEORIA DA PROVA E SEU ESCOPO
O processo penal é uma relação jurídica integrada por um conjunto de atos
complexos, os quais visam à decisão final, sendo necessário, no processo penal
condenatório, o recolhimento de elementos, para que, fundamentando-se nos
mesmos, o juiz chegue ao termo final do processo, alcançando a verdade real e
realizando a justiça (LIMA, 2009, p.371).
Não há dúvida de que, para que tenhamos uma decisão justa, deve ser buscada a
“verdade”, que dentro do contexto de um processo, significa a busca do verdadeiro
conhecimento dos fatos, aproximando-se o máximo possível da certeza, através da
prova (LIMA, 2009, p.371).
Logo, provar é, antes de mais nada, estabelecer a existência da verdade do que se
afirma, do que se pretende, ou seja, a persecução penal do Estado, em face do ato
jurídico socialmente reprovável. (TOURINHO FILHO, 2010, p.553).
Acrescenta-se que, a análise nietzschiana remete que todas as teorias filosóficas
sobre a verdade convergem de um mesmo ponto em comum, ou seja, residem no
anseio de se chegar à verdade pela elucidação do desconhecido (LOPES, 2011, s.
p.).
No âmbito no processo penal, não é diferente, pois, pretende-se alcançar a verdade,
ou, pelo menos, aproximar-se dela, buscando a maior equivalência possível com a
realidade histórica, através da reconstrução do fato delituoso, o qual é desconhecido
pelo juiz.
30
Então, inserido na complexidade do ritual judiciário, o processo penal procura fazer
uma reconstrução aproximativa de um fato passado, onde, através das provas,
sejam criadas condições para que o juiz exerça sua atividade recognitiva, a partir da
qual se produzirá o convencimento externado na sentença (LOPES JUNIOR, 2013,
p.536).
Sendo claramente definido, portanto, o objetivo da prova, a qual se dedica a
reconstruir os fatos investigados no processo, buscando a maior coincidência
possível com a realidade histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como
efetivamente ocorridos no espaço e no tempo, percebe-se que a reconstrução da
verdade se trata de missão das mais difíceis, quando não impossível (OLIVEIRA,
2013, p.325).
Segundo Marcellus Polastri Lima (2009, p.371-372):
No processo dificilmente, ou nunca, se atingirá a certeza absoluta, pois como a instrução probatória equivale à busca do fato histórico, deverá haver uma reconstrução dos fatos com dados do passado, através da prova, para se buscar a verdade e, conseqüentemente, a certeza, e esta forma de reconstrução não permite, em regra, uma certeza absoluta, mas meramente relativa, tendo em vista as próprias deficiências humanas. O que terá o juiz é uma aproximação, ou seja, uma probabilidade, significando que deve buscar algo mais que a simples possibilidade, algo mais próximo da certeza, e isto é que é, em maior ou menor grau, a probabilidade. É o que se chama de certeza possível.
Por mais difícil e improvável que seja a reconstrução do fato delituoso, o mesmo é
um compromisso irrenunciável da atividade estatal jurisdicional, dada à
monopolização da jurisdição, que rejeita qualquer forma de solução privada e
unilateral de conflitos. Desta forma, sempre que exista uma prática de determinada
conduta, por alguém, definida em Lei como crime, por ser suficiente para causar
lesão ou expor a perigo de lesão um bem ou valor juridicamente protegido, impõe-se
a atuação do Direito. Assim, o processo penal deve construir uma verdade judicial,
ainda que imperfeita, para que através do mesmo seja produzida uma certeza
jurídica, que pode ou não corresponder à verdade da realidade histórica, mas cuja
pretensão é a de estabilização das situações possivelmente conflituosas que vêm a
ser objeto da jurisdição penal (OLIVEIRA, 2013, p.326).
Entende-se, pois, como prova, os elementos produzidos pelas partes ou pelo próprio
Magistrado, visando estabelecer, dentro do processo, a existência de certos fatos,
sendo ele o instrumento de verificação do thema probandum (TOURINHO FILHO,
2010, p.553).
31
Consistente a prova na verificação do thema probandum, possui a mesma como
objetivo, igualmente, o convencimento do juiz, tornando os fatos alegados pelas
partes, conhecidos pelo mesmo, convencendo-o de sua veracidade. Por
conseguinte, o principal destinatário da prova é o juiz, contudo, não podemos
desconsiderar que as partes também são interessadas e, consequentemente,
destinatárias indiretas das provas, a fim de que possam aceitar ou não a decisão
judicial final como justa (RANGEL, 2010, p.451).
De acordo com o entendimento de Aury Lopes Junior (2013, p.536), o juiz é, por
essência, um ignorante, visto que desconhece o fato e terá de conhecê-lo através da
prova, sendo, por esta razão, a atividade do mesmo sempre recognitiva.
Por sua vez, “o tema probatório é sempre a afirmação de um fato (passado), não
sendo as normas jurídicas, como regra, tema de prova” (LOPES JUNIOR, 2013,
p.535).
Segundo Mittermaier, citado por Paulo Rangel (2010, p.490):
Os motivos, que guiam o legislador ao traçar as regras da prova, são os mesmos motivos gerais que presidem a toda a organização do processo criminal. São: 1º - o interesse da sociedade, a necessidade da punição de todo o culpado; 2º - a proteção devida às liberdades individuais e civis, que por efeito do processo criminal podem ser gravemente comprometidas; 3º - por último e como consequência, a necessidade de nunca castigar a um inocente.
É o quanto se afirma Franco Cordero, citado por Aury Lopes Junior (2013, p.537),
elucidando que os processos são máquinas retrospectivas, os quais concentram-se
em estabelecer se algo ocorreu e, sendo esta afirmação positiva, quem o realizou,
incumbindo às partes formular hipóteses, e, cabendo ao juiz dar abrigo e proteção à
hipótese mais provável, com estrita observância de determinadas normas,
trabalhando com base em um conhecimento empírico.
Cordero aponta para uma palavra fundamental, nesse estado persuasivo, qual seja a
fé. Isto porque, os locutores objetivam ser acreditados, e tudo o que os mesmos
dizem tem valor enquanto os destinatários crerem. Os resultados, portando,
dependem de variáveis alusivas aos aspectos subjetivos do ato de julgar, que estão
intimamente relacionados às crenças do julgador, ou seja, a sua fé. Ainda em sua
função persuasiva, a prova funcionaria como meio atrativo para tentar realizar uma
captura psíquica de quem está declarando, e, de igual modo, proporcionaria uma
32
maior credibilidade para quem julga, ensejando, desta maneira, numa crença
inabalável de sua parte, isto é, a sua fé (LOPES JUNIOR, 2013, p.537-538).
Além da função persuasiva em referência ao julgador, as provas servem para fazer
crer que o processo penal determina a verdade dos fatos, sendo útil que os cidadãos
pensem desta maneira, ainda que na realidade isto não ocorra, e quiçá
precisamente, pois na realidade, essa tal verdade não pode ser obtida, fazendo-se
necessário, por este motivo, reforçar a referida crença (TARUFFO apud LOPES
JUNIOR 2013, p. 538).
Conclui-se, portanto, que o juiz opta por uma versão, dentre os elementos fáticos
apresentados pelas partes, incluindo-se o significado de justiça contida na norma,
sendo essa eleição realizada com base na valoração da prova, de acordo com a sua
crença, e na própria axiologia, incluindo a sua carga ideológica, que faz da norma
aplicável ao caso (LOPES JUNIOR, 2013, p.538).
3.1.1 Objeto de Prova
O Objeto da prova é a coisa, os fatos, os acontecimentos que versam sobre o caso
penal, e que devem ser conhecidos pelo juiz, para que o mesmo possa emitir um
juízo de valor. Em outras palavras, é o thema probandum que serve de base à
imputação penal feita pelo Ministério Público. É a verdade dos fatos imputados ao
réu com todas as suas circunstâncias (RANGEL, 2010, p.452).
No Direito Processual Penal, o objeto da prova, é o fato e não o direito, visto que se
tem a presunção de que o juiz é conhecedor do direito. Entretanto, esta regra
excepciona-se nas hipóteses de matéria que tratem sobre o direito municipal,
estadual, estrangeiro ou consuetudinário, fazendo-se necessário demonstrar o teor e
a vigência da norma, se assim determinar o juiz, de acordo com o art. 337 do Código
de Processo Civil (RANGEL, 2010, p.452).
Insta destacar, que a palavra fato, em matéria processual, especialmente no campo
probatório, possui um conceito muito amplo, compreendendo os diversos
acontecimentos do mundo exterior, abrangendo as coisas, lugares, pessoas e
documentos (TOURINHO FILHO, 2012, p.233).
33
O mestre Alcalá-Zamora acrescenta que a prova pode recair sobre fatos de natureza
diversa, como, por exemplo, um cadáver, instrumentos, armas, insanidade mental,
substâncias nocivas, entre outras (TOURINHO FILHO, 2010, p.553).
Constituem objeto de prova, somente os fatos que possam dar vazão à dúvida, isto
é, que exijam efetivamente comprovação (TOURINHO FILHO, 2012, p.233).
Portanto, os fatos notórios, ou seja, aqueles que fazem parte da cultura e informação
de um povo não precisam ser provados. Conquanto, não é considerado como fato
notório aquele que é do conhecimento do juiz, visto que o mesmo pode ter a ciência
pessoal do fato, não tendo a generalidade de pessoas o mesmo conhecimento
(LIMA, 2009, p.379).
“Daí a máxima notória vel manifesta non egent probatione (o notório e o evidente
não precisam de prova”, dado que tanto a evidência, quanto a notoriedade,
produzem no Magistrado o sentimento de certeza em torno da existência do fato
(TOURINHO FILHO, 2012, p.233).
“Os fatos axiomáticos (intuitivos ou evidentes), que são aqueles evidentes por si
mesmos, não necessitam ser provados” (LIMA, 2009, p.379).
No que se refere ao fato evidente, o mesmo representa o que é certo, indiscutível,
induvidoso, de forma segura e rápida, sem necessidade de maiores indagações. Já
a notoriedade possui conceito relativo, uma vez que se trata de conhecimento do
cidadão de cultura média, em determinada sociedade, havendo, dessa forma, a
possibilidade de um fato ser notório somente em determinado lugar e para
determinadas pessoas, fazendo-se necessário, por esse motivo, a indicação de lei
estrangeira, como já posto em tela, em momento anterior (TOURINHO FILHO, 2012,
p.234).
A vox publica é o conhecimento de um número indeterminado de pessoas
constituído de boatos vagos e imponderáveis que se espalham pelo povo, visto que
podem os mesmos terem surgido de lendas ou invencionices ou, quando
verdadeiros, podem ser aumentados ou corrompidos, a qual não pode ser
confundida com os fatos notórios (LIMA, 2009, p.379).
No que tange aos fatos presumidos, que são aqueles tomados como verdadeiros
pela regra geral de experiência (casos de situação idêntica), igualmente não
precisam ser provados (LIMA, 2009, p.379).
34
As denominadas máximas de experiências, as quais consistem em noções e
conhecimentos ensinados pela vida prática e pelos costumes sociais, são
verdadeiros juízos formulados pelo que ordinariamente ocorre e que, como tais,
podem ser construídos em abstrato por qualquer pessoa de cultura média, estando,
as mesmas, ao lado dos fatos notórios. Ocorre que, as máximas de experiências não
implicam em proibição de produção de prova em contrário (TOURINHO FILHO,
2012, p.234-235).
Tem-se, ainda, no processo penal, a presunção absoluta e a presunção relativa. A
primeira é a júris ET de jure, não admitindo prova em contrário, e a segunda é júris
tantum, que admite prova que a contrarie (LIMA, 2009, p.380).
Coadunado ao objeto de prova, entende-se como fonte de prova, tudo aquilo que
possa realizar indicações úteis, cujas comprovações sejam necessárias.
Exemplifica-se com a denúncia, que apesar de não ser um elemento ou meio de
prova, é fonte desta, uma vez que contém indicações úteis, exigindo, portanto,
comprovação (TOURINHO FILHO, 2010, p.555).
Os elementos de prova, por sua vez, são compreendidos como todos os fatos ou
situações em que repousa o convencimento do Juiz (MANZINI apud TOURINHO
FILHO, 2012, p.235).
3.1.2 Natureza Jurídica da Prova
A sociedade, através do Ministério Público, exerce a pretensão acusatória e o
acusado exerce o direito de defesa. Nesta esteira, a prova passa a ser um direito
inerente ao direito de ação e de defesa, ou seja, um desdobramento, um aspecto do
referido direito (RANGEL, 2010, p.456).
Nota-se que a produção de provas durante a persecução penal está contida nos
direitos garantidos pela própria Constituição Federal, ao tratar dos direitos das partes
durante o processo, assim como da busca pela verdade dos fatos alegados, e,
levando-se em conta que a grande maioria dos processos discute matérias fáticas, e
não unicamente matéria de direito, são as provas, por este motivo, imprescindíveis
ao deslinde do litígio (FREITAS, s. d., s. p.).
35
À vista disso, a natureza jurídica da prova é de um direito subjetivo de índole
constitucional de estabelecer a verdade dos fatos, o que não pode ser confundido
com o ônus da prova (RANGEL, 2010, p.456-457).
Tem-se, portanto, que a prova é direito fundamental, mesmo não estando
explicitamente disposta na Constituição de 1988. Não obstante a verificação indireta
da prova noutros princípios constitucionais, a mesma concentra-se no princípio do
contraditório e da ampla defesa, posto que ambos os princípios estabelecem a
igualdade entre as partes na atuação do processo criminal, possuindo as partes,
através deles, igualdade de condições de produção das provas que indiquem para
comprovar suas alegações (FREITAS, s. d., s. p.).
3.2 CLASSIFICAÇÃO
As provas classificam-se quanto ao objeto em diretas e indiretas, sendo a primeira a
que se dirige ao próprio fato probando, demonstrando a existência do próprio fato
narrado nos autos; e, sendo a segunda, a prova que não se dirige ao próprio fato
probando, entretanto, pelo raciocínio que se desenvolve, chega-se a ele (RANGEL,
2010, p.454).
Quanto ao sujeito, a prova pode ser pessoal, sendo esta toda afirmativa consciente
destinada a demonstrar a veracidade dos fatos alegados, podendo ser esta, ainda,
direta ou indireta, bem como pode ser real, sendo aquela originada nos vestígios
deixados pelo crime, ou seja, a prova encontrada em qualquer coisa que tenha
vestígios do crime (RANGEL, 2010, p.455).
Fernando da Costa Tourinho Filho (2012, p.236) clarifica que enquanto a prova
pessoal se refere a toda asserção pessoal consciente, destinada a fazer fé dos fatos
afirmados, a prova real é aquela que emerge do próprio fato, podendo ser
exemplificada na mutilação de um membro, na exibição de uma arma, etc.
No que tange à classificação quanto à forma, a prova pode ser testemunhal, sendo
aquela feita através da testemunha, do ofendido ou da confissão do acusado, por
afirmação pessoal oral e, em alguns casos expressamente previstos em lei (§ 1º do
artigo 221 do Código de Processo Penal), por escrito. Pode ser, ainda, documental,
sendo esta a prova produzida por afirmação escrita ou gravada. Há, também, a
36
prova material, sendo aquela consistente em qualquer materialidade que sirva de
elemento de convicção sobre o fato probando (RANGEL, 2010, p.456).
Prova emprestada seria aquela colhida em um processo e transladada para outro,
sendo o seu valor condicionado à passagem pelo crivo do contraditório (TOURINHO
FILHO, 2010, p.556).
3.3 DOS MEIOS DE PROVA
O Direito defrontou-se com o tema da construção da verdade, ao longo de toda a
sua história, experimentando diversos mecanismos e formas jurídicas de obtenção
da mesma, desde as ordálias e juízos dos deuses, na Idade Média, em que o
acusado submetia-se a determinada provação física, de cuja superação, quando
vitorioso, se lhe reconhecia a veracidade de sua pretensão, até a introdução da
racionalidade nos meios de prova (OLIVEIRA, 2013, p.326).
Uma vez estabelecida a racionalidade, para a consecução da reconstrução dos fatos
investigados no processo, tal como efetivamente ocorridos no espaço e no tempo,
buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica, são
disponibilizados diversos meios de prova. Porém, tais meios estão limitados ao
respeito aos direitos e às garantias individuais, do acusado e de terceiros,
previamente definidos na Constituição Federal (OLIVEIRA, 2013, p. 326-327).
Marcellus Polastri (2009, p.380) os define como sendo “os elementos que podem
justificar ou esclarecer os fatos que se apuram, através dos quais se irá adquirir o
conhecimento de um objeto de prova”.
Em outras palavras, meios de provas são todos aqueles utilizados pelo juiz, direta ou
indiretamente, para que o mesmo possa conhecer a verdade dos fatos, estando eles
previstos em lei ou não. Tudo o que o juiz aproveita para atingir uma decisão justa
no processo penal, é considerado como meio de prova (RANGEL, 2010, p.452-453).
Não deve haver, no processo penal, qualquer limitação à prova, sob pena de ser
desvirtuado o interesse do Estado, na justa atuação da lei (TOURINHO FILHO,
2012, p.237).
37
Não há, em verdade, no Código de Processo Penal, nenhum impedimento à
produção de provas diversas daquelas indicadas em seus artigos 158 a 250, sendo
o veto às provas que atentem contra a moralidade e dignidade da pessoa humana,
de modo geral, decorrente de princípios constitucionais (TOURINHO FILHO, 2012,
p.238-239).
Em persuasiva inteligência, o Código de Processo Civil (Lei nº 5.869, de 1973)
disciplina em seu artigo 332 que:
“Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não
especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se
funda a ação ou a defesa”.
Ao lado das provas previstas expressamente no CPP ou em legislação específica,
isto é, das provas nominadas, estão as provas inominadas, ou seja, aquelas não
contempladas em lei (LOPES JUNIOR, 2013, p.581-582).
Isto posto, podem ser especificados em lei os meios de prova ou, podem ser todos
aqueles moralmente legítimos, mesmo que não estejam previstos no ordenamento
jurídico, sendo estes chamados de provas inominadas (RANGEL, 2010, p.453).
Partindo-se do pressuposto de que somente é possível pensar em provas
inominadas, se estas estiverem em estrito respeito aos limites constitucionais e
processuais da prova, o processo penal, extraordinariamente, admitirá outros meios
de demonstração de fatos ou circunstâncias não enumeradas no Código de
Processo Penal (LOPES JUNIOR, p.582).
Poderão, com efeito, ser admitidos no processo penal, os meios de prova que não
sejam indignos, imorais, ilícitos ou ilegais, sendo observado o respeito à ética e ao
valor da pessoa humana (LIMA, 2009, p.381).
Assim, em princípio, não há restrição alguma aos meios de prova, com ressalva
daqueles que repugnam a moralidade ou desrespeitam a dignidade da pessoa
humana, não sendo estes admissíveis em face das limitações impostas por
princípios constitucionais, e até mesmo limitações de Direito Material (TOURINHO
FILHO, 2012, p.239).
De acordo com Marcellus Polastri Lima (2009, p.381):
Estão relacionados no Código de Processo Penal os seguintes meios de prova [...]:
38
1. exame de corpo de delito e outras perícias (arts. 158 a 184); 2. interrogatório do acusado (arts. 185 a 196); 3. perguntas ao ofendido (art. 201); 4. testemunhas (arts. 229 a 230); 5. reconhecimento de pessoas ou coisas (arts. 158 a 184); 6. acareação (arts. 229 a 230); 7. documentos (arts. 231 a 238); 8. busca e apreensão (arts. 240 a 250); 9. indícios (art. 239).
Percebe-se neste ponto, que há um rol exemplificativo de meios de prova
disciplinados no ordenamento jurídico brasileiro, entretanto, este rol não é taxativo,
sendo admitidos tantos quantos forem outros meios de prova, desde que sejam
moralmente legítimos. Em outras palavras, quer dizer que os meios de provas são
ilimitados.
O artigo 155, do Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689, de 1941),
preceitua que:
O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.
A demonstração da não taxatividade dos meios de prova, no sistema processual
penal vigente, pode ser aferida, justamente, pela própria redação do parágrafo único,
do referido artigo 155, do CPP (TOURINHO FILHO, 2012, p.239).
O referido parágrafo único, expressa a existência de limites extrapenais da prova
uma vez que uma vez que exige que sejam observadas as restrições da lei civil em
relação à prova quanto ao estado de pessoas (LOPES JUNIOR, 2013, p.581).
Os limites à atividade probatória surgem em consequência da evolução do processo
penal, uma vez que passa a conduzir à valoração da forma dos atos processuais
como garantia, na medida em que implica limitação ao exercício do poder estatal de
perseguir e punir, a ser respeitada (LOPES JUNIOR, 2013, p.592).
Sintetiza-se a regra da admissibilidade processual no asserto de que uma prova é
admissível, sempre que nenhuma norma a afaste (LOPES JUNIOR, 2013, p.592).
Ocorre que, em tema de prova, mesmo não havendo vedação expressa quanto ao
meio, será preciso indagar ainda acerca do resultado da prova. Ou seja, se os
resultados obtidos configuram ou não violação de direito, e, caso configurarem, se a
violação foi e se poderia ter sido autorizada (OLIVEIRA, 2013, p.344).
39
A Magna Carta (Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988)
estabelece, em seu artigo 5º, inciso LVI, que “são inadmissíveis, no processo, as
provas obtidas por meios ilícitos”.
Desta forma, o legislador constituinte, exigiu que os meios de provas, de maneira
geral, estivessem em concordância e atendimento aos demais direitos e garantias
fundamentais que a Constituição Federal disciplina, determinando a licitude como
critério de exclusão.
A vedação das provas ilícitas opera no controle da regularidade da atividade estatal
persecutória, inibindo e desestimulando a adoção de práticas probatórias ilegais por
parte de quem é o grande responsável pela sua produção, cumprindo, desta forma,
função eminentemente pedagógica, ao mesmo tempo em que tutela determinados
valores reconhecidos pelo ordenamento jurídico (OLIVEIRA, 2013, p.243).
O Código de Processo Penal dispõe, a respeito da prova ilícita, no caput, do artigo
157, que “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas
ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”.
Consiste em prova ilícita, aquela que viola regra de direito material ou que viola a
Constituição, no momento da sua coleta, anterior ou concomitante ao processo, mas
sempre fora deste. Esta preceituação serve de maneira imediata aos interesses
processuais, mas, essencialmente, se presta em função dos direitos que o
ordenamento reconhece aos indivíduos, independentemente do processo, sendo,
em regra, referente à violação da intimidade, privacidade ou dignidade da pessoa
humana (LOPES JUNIOR, 2013, p.593).
A norma assecuratória da inadmissibilidade das provas obtidas em decorrência de
violação de direito, presta-se, a um só tempo, a tutelar direitos e garantias
individuais, como visto, e assim como a própria qualidade do material probatório a
ser introduzido e valorado no processo (OLIVEIRA, 2013, p.343).
Com relação à questão da qualidade da prova, o reconhecimento da ilicitude do
meio de obtenção da prova já impede o aproveitamento de métodos cuja idoneidade
probatória seja previamente questionada. Por outro lado, há repercussão, ainda, no
âmbito da igualdade processual, na medida em que ao impedir a produção
probatória irregular pelos agentes do Estado, equilibra a relação de forças
relativamente à atividade instrutória pela defesa (OLIVEIRA, 2013, p.343).
40
A prova ilegítima é aquela consistente na violação de uma regra de direito
processual penal, no momento da sua produção em juízo, dentro do processo,
sendo a sua proibição de natureza unicamente processual, quando imposta em
função de interesses relativos à lógica e à finalidade do processo (LOPES JUNIOR,
p.593).
Urge salientar que a distinção entre provas ilícitas e provas ilegítimas é utilizada
somente como uma forma de facilitar a compreensão quanto aos momentos de
obtenção, introdução e produção e, ainda, de valoração da prova. Entretanto, quanto
às consequências jurídicas, não há qualquer utilidade na distinção em comento
(OLIVEIRA, 2013, p.368).
Com efeito, há situações reconhecidas pelo ordenamento jurídico, como suficientes
para afastar a ilicitude, onde, as provas, assim produzidas, serão validamente
aproveitadas no processo penal. A exclusão poderá ocorrer em virtude da presença
de fatos e/ou circunstâncias que afastam a ilicitude da ação praticada, bem como em
razão de nem sequer ter-se configurada a hipótese de violação de qualquer direito, e
por isso, não configurada a hipótese da ilicitude (OLIEIRA, 2013, p.369).
3.4 ÔNUS DA PROVA
De acordo com Fernando da Costa Tourinho Filho (2012, p.265), entende-se por
onus como sendo “um imperativo que a lei estabelece em função do próprio
interesse daquele a quem é imposto”.
No que se refere ao ônus da prova, cabe à acusação provar a existência de um fato
penalmente ilícito, a sua realização pelo denunciado e a culpa; cabendo, no entanto,
à defesa competente demonstrar a inexistência de dolo, causas extintivas da
punibilidade, causas excludentes de antijuridicidade e eventuais excluidoras da
culpabilidade (RANGEL, 2010, p.491).
Adalberto José Camargo Aranha, citado por Paulo Rangel (2010, p.491-492), afirma
que a cada uma das partes compete o ônus de providenciar as provas das
alegações que fizeram, sendo a regra de que ao autor compete a prova dos fatos
constitutivos de direito, enquanto que ao réu compete a prova dos fatos extintivos,
impeditivos ou modificativos do direito. Afirma, ainda, que o juiz pode determinar, de
41
ofício, as diligências probatórias que entender necessárias para a apuração da
verdade, fazendo a ressalva de que tal princípio só prevalece desde que a prova
resultante não importe em violação ao princípio da proibição da reformatio inpejus,
quando houver recurso exclusivo da acusação.
Dispõe o artigo 156, do Código de Processo Penal:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) II - determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
No que diz respeito à atual redação do artigo 156, inciso I, do Código de Processo
Penal, observa-se um retrocesso inaceitável, sendo a inconstitucionalidade do
mencionado indubitável. O juiz não tutela e nem deve tutelar a investigação. Sendo
que, a rigor, a jurisdição criminal somente se inicia com a apreciação da peça
acusatória. Dessa forma, nenhuma providência deve ser tomada de ofício pelo
magistrado com a finalidade de preservação de material a ser colhido em fase de
investigação criminal. Acentua-se, que o juiz tampouco levará em consideração as
provas ou elementos indiciários colhidos na fase de investigação, ao formalizar o seu
convencimento na prolação da sentença (OLIVEIRA, 2013, p.334-335).
Quanto à regra contida no inciso II, do supramencionado artigo, o juiz só deve
empreender a pesquisa de ofício, em casos excepcionais. O seu campo de atuação
na área de pesquisa probatória, deve ser por ele mesmo restringido, para que seja
evitada uma sensível quebra de imparcialidade. Então, em casos de exceção,
quando a dúvida pairar no Espírito do julgador, este poderá dirimi-la, determinando a
realização de diligências com tal objetivo; não havendo uma obrigação para ele,
sendo sua atividade meramente supletiva (TOURINHO FILHO, 2012, p.266-267).
As delimitações das funções do Juiz e as atribuições do Ministério Público, inseridas
por meio do sistema acusatório imposto pela Constituição Federal de 1988, devem
funcionar como um controlador da aplicação do dispositivo em análise, reduzindo-o,
em face da imparcialidade que deve nortear a atuação judicial (OLIVEIRA, 2013,
p.335).
42
A mencionada imparcialidade se refere à atuação concreta do Magistrado no
processo, impedindo que o mesmo adote uma postura tipicamente acusatória no
decorrer do procedimento. As forças produtoras da prova no processo não poderão
ser desigualadas pelo Juiz, sob pena de violação dos princípios constitucionais do
contraditório e da ampla defesa, ambos reunidos na exigência de igualdade e
isonomia de oportunidades e faculdades processuais (OLIVEIRA, 2013, p.336).
Há a possibilidade perfeita de construção de uma divisão entre o que seja iniciativa
probatória e iniciativa acusatória do Juiz. A iniciativa acusatória estará sempre
presente quando o juiz, por qualquer que seja o argumento declinado, coloque em
prática atividade probatória de inciativa da acusação. Tal atividade deve ser
supletiva daquela que a lei impõe, como ônus processual, ao Ministério Público.
Entretanto, a recíproca não é verdadeira quanto ao ônus probatório imposto à
defesa, uma vez que provas não requeridas pela mesma, poderão ser demandadas
pelo juiz, quando vislumbrada a possibilidade de demonstração da inocência do réu.
Salienta-se, nesse ponto, que não há desrespeito à igualdade de armas, posto que a
construção da igualdade deve ser material, e não somente formal, ensejando na
necessidade pelo tratamento distinto entre iguais e desiguais (OLIVEIRA, 2013,
p.336)
Com relação à dúvida, conclui-se que a mesma só será admitida quando versar
sobre prova produzida, e não sobre a insuficiência ou a ausência da atividade
persecutória. A dúvida, portanto, deve se dirigir ao questionamento da qualidade ou
idoneidade da prova, não se abrangendo a ausência da mesma (OLIVEIRA, 2013,
p.337).
É por vigorar, no processo penal, o princípio da verdade real, que o juiz dispõe de
faculdades instrutórias para suprir a inércia ou conjurar a astúcia das partes. Por
esse motivo, o onus probandi, no processo penal, possui alcance distinto do que lhe
é concedido na espera civil (FLORIAN apud TOURINHO FILHO, 2012, p.265).
Acentua-se, entretanto, que mesmo na esfera cível, o ônus da prova não expressa
dever jurídico das partes, não havendo a obrigação de provar, até porque nenhuma
sanção poderá ser imposta à parte pelo seu não cumprimento, havendo, tão
somente, um risco, posto que as alegações, quando não provadas, não podem ser
levadas em conta para a decisão (TOURINHO FILHO, 2012, p.266).
43
A acusação possui a incumbência de encontrar hipóteses e provas, e a defesa tem o
direito, e não o dever, de contradizer com contra-hipóteses e contraprovas
(FERRAJOLI apud LOPES JUNIOR, 2013, p.549).
A afirmação de que ninguém poderá ser culpado senão após o trânsito em julgado
da sentença penal condenatória, implica na transferência de todo o ônus probatório
ao órgão da acusação, cabendo ao mesmo provar a existência de um crime, assim
como a sua autoria. Entretanto, não significa dizer que o Ministério Público deve
comprovar a presença de todos os elementos que integram o conceito analítico de
crime, quais sejam a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade, visto que o Direito
Processual Penal lida com presunções legais (OLIVEIRA, 2013, p.333).
No que toca a defesa, a mesma possui uma assunção de riscos, em decorrência da
perda de uma chance probatória. Desta forma, uma vez facultado ao acusado
produzir prova sobre determinado fato por ele alegado, e não havendo o
aproveitamento desta chance, logo há assunção de risco de uma decisão
desfavorável, pois não há obtenção de certeza quanto ao convencimento do juiz da
veracidade de sua tese (LOPES JUNIOR, 2013, p.549-550).
Primeiramente, salienta-se que os exames da tipicidade e da ilicitude do fato não
dizem respeito à matéria de prova, mas sim, a juízo de abstração, ou seja, de
valoração do fato, se o mesmo é existente ou não, em relação à norma penal. Em
referência à prova da existência do dolo, e aos elementos subjetivos do tipo, já
impregnado pela ilicitude, especificamente, a matéria deve ser tratada com cautela,
visto que se localiza no mundo das intenções, onde não é possível uma abordagem
completamente segura. Por esse motivo, as provas do dolo e dos elementos
subjetivos do tipo, são aferidas a partir do exame de todas as circunstancias já
devidamente provadas e utilizando-se como critério de referência as regras da
experiência comum do que normalmente acontece, sendo aferidas, portanto, pela
via do conhecimento dedutivo. Assim, nesses casos, a prova será obtida pelo que o
Código de Processo penal denomina de indícios. Ou seja, circunstância conhecida e
provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a
existência de outra(s) circunstância(s) (OLIVEIRA, 2013 p.333-334).
Quanto à culpabilidade, mais particularmente, no que tange à imputabilidade do
agente, ou seja, sua responsabilidade penal, a questão pode até exigir prova, qual
seja, a de maioridade penal, ou da capacidade mental do autor do fato. Porém, não
44
é exigido que em todas as ações penais, a acusação faça prova de se tratar de
acusado capaz e mentalmente são, partindo-se da presunção legal de que as
pessoas maiores de idade, até que se prove em contrário, são efetivamente capazes
(OLIVEIRA, 2013, p.334).
A única certeza exigida pelo processo penal refere-se à prova da autoria e da
materialidade do fato, necessárias para que prolate uma sentença condenatória. Em
caso de não ser alcançado tal grau de convencimento, a absolvição é imperativa
(LOPES JUNIOR, 2013, p.550).
Ante ao exposto, cabe à acusação, diante do princípio da inocência, a prova quanto
à materialidade do fato e sua autoria, não se impondo o ônus de demonstrar a
inexistência de qualquer situação excludente da ilicitude ou da culpabilidade,
havendo coerência, portanto, com o quanto disposto no caput do artigo 156, do
Código de Processo Penal (OLIVEIRA, 2013, p.334).
Ressalva-se que o sistema probatório baseado na presunção constitucional de
inocência não admite nenhuma exceção procedimental, inversão de ônus probatório,
bem como a frágil construção inquisitorial do estilo in dubio pro societate (LOPES
JUNIOR, 2013, p.554).
3.5 SISTEMAS DE VALORAÇÃO DAS PROVAS
Neste terreno, as atenções são voltadas para a necessidade de se controlar, em
maior ou menor escala, a atividade judicante desempenhada na conjuntura do
julgamento final (OLIVEIRA, 2013, p.337).
Segundo Fernando da Costa (2012, p.268), as atividades alusivas ao procedimento
probatório dividem-se em quatro momentos, quais sejam: a indicação ou proposição,
a admissão, a produção e, por fim, a valoração.
Uma vez produzidas as provas, finda-se a fase probatória da instrução criminal,
dando-se lugar à última etapa da instrução, que é a fase das alegações. Nestas
alegações, as partes podem até auxiliar o Magistrado na valoração das provas,
porém, é certo que somente o Juiz pode valorá-las (TOURINHO FILHO, 2012,
p.269).
45
A valoração é um trabalho esmiuçador, e muito delicado, sendo uma análise crítica
que deve ser construída com o máximo de cuidado. O Juiz, pois, deve afastar da sua
mente determinados pré-julgamentos que possam conduzi-lo a erro (TOURINHO
FILHO, 2012, p.269).
Segundo Manzini, citado por Fernando da Costa (2012, p.269), um espírito presidido
por inexoráveis princípios morais, animado pro quase religiosa ideia do dever, pode
estar sujeito ao perigo da injustiça e da iniquidade, tanto quanto, e talvez até mais do
que um espírito moralmente menos rígido.
Através da história, a apreciação das provas passou por diferentes fases, ajustando-
se às convicções, aos interesses, aos costumes e ao regime político de cada
sociedade (TOURINHO FILHO, 2012, p.270).
O Sistema das Provas Legais suprimia a faculdade de apreciação das provas. O
julgador deveria decidir segundo as provas existentes nos autos, sendo exigido pela
lei que tais ou quais fatos se provassem dessa ou daquela maneira, prevendo-se,
inclusive, o valor dos meios probatórios e seus pressupostos. Há ainda lembranças
do sistema explicitado nos Códigos de Processo Civil e Penal. Exemplifica-se, no
primeiro, a vedação às provas testemunhais nos contratos cujos valores ultrapassem
o décuplo do maior salário-mínimo vigente no País (art. 401 do CPC); e,
respectivamente, no segundo, a exigência contida no art. 62 do CPP, de provar a
morte do indiciado ou do réu, a certidão de óbito (TOURINHO FILHO, 2010, p.567-
568).
Tratava-se, portanto, o sistema de provas legais, de um modelo mais rígido de
apreciação da prova, no qual não só se estabeleciam certos meios de prova para
determinados delitos tipificados, como também se valorava cada prova antes do
julgamento. Era o legislador quem procedia à valoração prévia, dando a cada uma
das provas um valor fixo e imutável (OLIVEIRA, 2013, p.338).
Segundo o entendimento de Carlos Roberto Bacila, citado por Aury Lopes Junior
(2013, p.561), “tabelar significa cercear a capacidade de o julgador fazer uma
análise mais inteligente no caso concreto. É o medo da falha humana que fez com
que este sistema falhasse como um todo”.
Já o Sistema da Íntima Convicção ou Da Prova Livre, o qual demonstra a inteira
confiança do legislador sobre o Juiz, ao contrário do que ocorre no sistema das
46
provas legais, determina que o julgador não está obrigado a exteriorizar os motivos
que o levaram a proferir determinada decisão judicial. Segundo esse sistema, o juiz
pode, inclusive, decidir valendo-se de conhecimento particular a respeito do caso,
mesmo que não haja prova nos autos. Dentro do Estado brasileiro, vigora tal
sistema, nos julgamentos pelo Tribunal do Júri. De fato, os jurados decidem,
sigilosamente, de acordo com a sua íntima convicção, sem fundamentar seu voto, e
mais, sem que se saiba, normalmente, qual teria sido seu voto (TOURINHO FILHO,
2010, p.567).
Percebe-se no sistema da íntima convicção, que houve um rompimento com os
limites estabelecidos pelo sistema anterior, caindo, entretanto, em outro extremo,
pois neste, o julgador está completamente livre para valorar a prova, sem precisar
sequer fundamentar a sua decisão, configurando-se, desta forma, um excesso de
discricionariedade e liberdade de julgamento, onde o juiz decide sem demonstrar os
argumentos e elementos que amparam a decisão legítima (LOPES JUNIOR, 2013,
p.561).
No âmbito do Tribunal do Júri, em decorrência da prevalência do sistema da íntima
convicção, a amplitude do mundo extra-autos de que os jurados podem se valer
fulmina qualquer possibilidade de controle e legitimação desse imenso poder de
julgar, visto que o julgamento pode ser oriundo de qualquer elemento, chegando a
supremacia do poder dos jurados ao extremo, permitindo que eles decidam
completamente fora da prova dos autos e até mesmo decidam contra a prova
(LOPES JUNIOR, 2013, p.562).
O Princípio do Livre Convencimento Motivado ou Livre Convicção ou Persuasão
Racional consiste na liberdade do julgador em valorar as provas de acordo com sua
consciência ou convencimento, desde que motivadamente e não ultrapassando o
que consta do processo, não estando o juiz vinculado a valores previamente fixados
em lei, através do sistema de prova tarifária (LIMA, 2009, p.404).
A liberdade que o julgador terá para formar sua convicção, se refere à não
submissão do juiz a interesses políticos, econômicos, ou mesmo à vontade da
maioria. A legitimidade do juiz não é decorrente do consenso, muito menos da
democracia formal, decorrendo, em verdade, do aspecto substancial da democracia,
que o legitima enquanto guardião da eficácia do sistema de garantias da Magna
Carta na tutela do vulnerável submetido ao processo. Tal liberdade decorre também
47
da própria ausência do sistema tarifário, posto que nenhuma prova terá prestígio em
relação às outras (LOPES JUNIOR, 2013, p.562).
Salienta-se que ainda que o juiz não esteja vinculado à vontade da maioria, o
mesmo não deve se assegurar numa decisão que reflita unicamente a sua opinião.
Daí surge a necessidade de que a decisão seja reconhecida como justa, e portanto,
respeitada. Outrossim, a convicção do julgador deve, ainda, respeito ao tempo do
processo, não podendo o mesmo atropelar a dinâmica da dialeticidade do
procedimento, devendo respeitar o tempo da acusação, da defesa, da prova e da
própria maturação do ato decisório (LOPES JUNIOR, 2013, p.563).
Percebe-se que o livre convencimento motivado é, em verdade, regra de julgamento,
a ser utilizada no momento da decisão final, quando se fará a valoração de todo o
material probatório colhido nos autos. Esta regra de julgamento somente será
aplicada às decisões do juiz singular, não se estendendo aos julgamentos pelo
Tribunal do Júri, onde não se impõe aos jurados o dever de fundamentarem as suas
respostas aos quesitos, como visto anteriormente (OLIVEIRA, 2013, p.339).
O sistema do livre convencimento está, portanto, livre do perigo do despotismo
judicial que o sistema da íntima convicção ensejava, sem limitar os movimentos do
Juiz no sentido de investigar a verdade, como ocorria no sistema das provas legais.
Admitem-se nesse sistema, de um modo geral, todos os meios de prova
(TOURINHO FILHO, 2012, p.272).
Desta forma, como sistema intermediário em alusão ao radicalismo dos dois
anteriores, o livre convencimento motivado é um importante princípio a sustentar a
garantia da fundamentação das decisões judiciais (LOPES JUNIOR, 2013, p.562).
Em decorrência da função da prova, qual seja a reconstrução da realidade histórica,
implicando numa certeza quanto à verdade dos fatos, visando à formação da coisa
julgada, é que há a possibilidade da exigência de meios de provas específicos, para
a constatação de determinados fatos. Trata-se, pois, da regra da especificidade da
prova, cuja consequência não desagua em uma hierarquia de provas (OLIVEIRA,
2013, p.340).
As restrições a determinados meios de prova visam a proteção de valores
reconhecidos e positivados pelo ordenamento jurídico, sendo que as mesmas
podem ocorrer tanto quanto ao meio de obtenção da prova, como, igualmente, ao
48
grau de convencimento resultante do meio de prova utilizado (OLIVEIRA, 2013,
p.340).
Não há, com efeito, incompatibilidade das restrições com o sistema do livre
convencimento motivado, visto que o mesmo possui seu campo de atuação
delimitado em lei, onde o juiz somente é livre na apreciação da prova enquanto esta
seja válida, não podendo superar as restrições expressamente declinadas pelo
legislador, até porque tais restrições ou especificidades conferem verdadeiras
garantias ao acusado, na medida em que estabelecem critérios específicos quanto
ao grau de convencimento e de certeza a ser obtido em relação a determinadas
infrações legais, frisando-se que não há implicação na prevalência de um meio de
prova em relação ao outro, quando ambos forem igualmente admitidos, não
havendo, portanto, hierarquia de provas (OLIVEIRA, 2013, p.340).
Por derradeiro, o princípio do livre convencimento motivado é muito mais limitado, do
que livre. E assim deve sê-lo, pois se trata substancialmente de poder, e todo poder
tende a ser abusivo, no jogo democrático do processo, necessitando, portanto, de
controle. A subjetividade que há no seu convencimento não se é negada, porém o
juiz deve julgar conforme a prova e o sistema jurídico penal e processual penal,
delimitando o espaço decisório pela conformidade constitucional (LOPES JUNIOR,
2013, p.563).
49
4 A CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA
Fora apreendido que a carta psicografada é o documento escrito oriundo da
psicografia, sendo esta uma expressão da mediunidade, exercida pelos
denominados médiuns escreventes ou psicógrafos, pela qual os espíritos
influenciam a pessoa, levando-a a escrever.
A sua utilização, no âmbito do processual penal, como meio de prova, isto é, como
elemento para elucidação da verdade dos fatos, para que, aproveitando-se da
mesma, o juiz possa atingir uma decisão justa, ainda é um tema polêmico e pouco
sedimentado no ordenamento jurídico.
Em verdade, não há, no ordenamento jurídico brasileiro, nenhuma obra literária
clássica discorrendo sobre o tema, bem como, não há jurisprudência consolidada, no
mesmo sentido. O que há, de fato, são trabalhos acadêmicos e posicionamentos
esparsos a respeito do tema, divulgados na internet.
Com efeito, existem muitas posições divergentes acerca do reconhecimento da
psicografia como meio de prova, entre os juristas e doutrinadores brasileiros.
Dentre os diferentes posicionamentos a respeito da possibilidade da utilização da
carta psicografada como meio de prova, exemplificam-se entendimentos
divergentes, para uma maior alusão das alheias opiniões.
O juiz Zalmino Zimmermann, ex-presidente da Associação Brasileira de Magistrados
Espíritas (ABRAME), declarou ser cada vez mais comum casos de juízes que
aceitam cartas psicografas como provas, dependendo, para o mesmo, da qualidade
e da autenticidade da referida prova. Afirma, porém, que os casos nunca foram
catalogados (PAIVA, 2004, s.p.).
Já o jurista Dalmo Dallari entende que não há consistência em provas deste tipo,
não sendo as cartas psicografadas objetos confiáveis. Para ele, essa prova só pode
ser usada como efeito psicológico para impressionar o jurado, não possuindo
validade, do ponto de vista jurídico (PAIVA, 2004, s.p.).
Diferente é o entendimento do advogado criminalista Roberto Podval, o qual
concorda que a psicografia não pode ser utilizada como prova objetiva no direito,
50
não sendo válida, materialmente falando. Porém, ao seu enxergar, a mesma pode
ter um caráter subjetivo e indicar ao juiz algum caminho (PAIVA, 2004, s.p.).
O Promotor Público do Estado de São Paulo, e mestre em Direito Penal, Renato
Marcão, entende que por ser o Estado brasileiro laico, isto é, desvinculado de
qualquer igreja e/ou religião, não há como se normatizar o uso de mensagens
psicografadas como meio de prova, sendo que permiti-las ou proibi-las seria abraçar
uma determinada religião (FURUNO, 2010, s.p.).
Entretanto, o promotor público aponta que, de fato, não há nada na legislação que
proíba a aceitação de material psicografado, sendo que para o ordenamento jurídico
brasileiro, as provas consideradas inadmissíveis são aquelas produzidas ou obtidas
de forma ilícita, como, por exemplo, uma escuta telefônica não-autorizada ou um
documento subtraído, sendo que, de maneira geral, as mensagens psicografadas
não se encaixam em nenhuma dessas categorias (FURUNO, 2010, s.p.).
Ainda segundo Renato Marcão, de acordo com o Código Penal, quaisquer escritos
podem ser considerados documentos, o que, teoricamente, habilitaria as cartas
psicografadas a serem utilizadas como provas documentais, sendo que o problema
consistiria na dificuldade de comprovar sua legitimidade, onde a validade das
mesmas, acaba dependendo das opiniões pessoais do juiz ou dos integrantes do júri
(FURUNO, 2010, s.p.).
Desta forma, percebe-se que a aceitação ou não desse tipo de documento como
prova em um julgamento, varia conforme o caso (FURUNO, 2010, s.p.).
4.1 CASOS DE PSICOGRAFIA NO JUDICIÁRIO
Ante ao exposto, passa-se a analisar casos em que a carta psicografada foi utilizada
como fonte de prova, em processos penais, no Brasil.
Não se tem uma estatística de quantas ações pretenderam utilizar dessas provas,
nem sobre os médiuns que serviram de intermédio para a elaboração das
mensagens mediúnicas, utilizadas em processos penais. Porém, não se pode negar
que a figura de Chico Xavier, e sua legitimidade pela população brasileira, fizeram
com que as cartas psicografadas fossem discutidas como provas que poderiam ser
51
levadas ao judiciário, sendo que algumas das cartas utilizadas em processos,
tiveram o referido médium como instrumento, no momento da sua elaboração
(SALGADO, 2012, s.p.).
Ressalva-se que a maioria dos casos ocorreu em julgamentos no Tribunal do Júri.
Insta salientar que nem todos os casos em que a carta foi apresentada como meio
de prova no processo, tiveram decisão favorável em virtude apreciação da mesma.
Destaca-se a inexistência de jurisprudência no Supremo Tribunal Federal (STF) e,
no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a respeito do tema.
4.1.1 Caso de Goiânia - Goiás
O caso pioneiro a utilizar a carta psicografada em um processo penal foi um
homicídio consumado no Estado Goiás, na cidade de Goiânia, no qual um jovem
chamado Henrique Emmanuel Gregoris faleceu em fevereiro de 1976, tendo como
acusado principal o seu amigo, João Batista França (SOARES, 2010, s.p.).
A vítima morreu com um tiro de revólver, disparado por João, quando os dois
brincavam de roleta russa.
O médium Chico Xavier psicografou uma carta do falecido, que isentava de total
responsabilidade o acusado pela morte do jovem. Com a apresentação desse fato, o
juiz acatou o documento como prova hábil e, ao sentenciar, absolveu sumariamente
o indiciado (SOARES, 2010, s.p.).
A mensagem da vítima, através do documento mediúnico, pedia que fosse avisado à
sua mãe para suspender o processo contra João França. Henrique, então
desencarnado, afirmava que seu amigo era inocente e, que toda essa história o
estava prejudicando em seu crescimento espiritual.
4.1.2 Segundo Caso de Goiânia – Goiás
Outro homicídio ocorrido na cidade de Goiânia, em 08 de maio de 1976, gerou
grande discussão sobre a utilização da psicografia enquanto meio de prova hábil a
instruir processo e influenciar o livre convencimento do magistrado.
52
A fatalidade foi resultante de uma brincadeira com revólver entre José Divino Nunes,
e o seu vizinho e amigo de escola, Maurício Garcez Henrique, sendo que o
disparado foi realizado pelo primeiro, atingindo, casualmente, o segundo, dando
origem ao polêmico homicídio, cujo processo se arrastou até 1980, quando fora
prolatada a sua sentença, que julgou improcedente a denúncia do Ministério Público.
Desde a sua primeira declaração à autoridade policial, José negou que tivesse
intenção de matar Maurício, afirmando ter sido, igualmente, vítima da fatalidade do
próprio ato que cometeu.
O juiz Orimar de Bastos, responsável pelo caso na época, relatou que:
Com base em todas as informações, concluí que não houve dolo, ou seja, intenção de matar. Por isso, usando meu livre convencimento, absolvi o réu. A promotoria recorreu e o caso acabou indo a júri. O advogado de defesa usou a minha sentença e uma carta escrita pelo pai da vítima, que também já havia se convencido da inocência do José Divino e o júri novamente o absolveu (FURUNO, 2010, s.p.).
A carta psicografada foi fornecida pelo próprio pai da vítima, que, em busca de
conforto, havia viajado para Uberaba, em Minas Gerais, onde o médium Chico
Xavier morava. Na ocasião, o famoso médium psicografou a mensagem em que o
espírito de Maurício inocentava José Divino. Segundo o relato contido na
mensagem, ambos brincavam com um revólver, que julgavam estar descarregado,
porém, um disparo acidental acabou acertando Maurício no estômago e ele, apesar
de ter sido socorrido, faleceu (FURUNO, 2010, s.p.).
4.1.3 Caso de Campos do Jordão - São Paulo
No dia 28 de outubro de 1979, na Colônia de férias do Clube dos Oficiais da Polícia
Militar do Estado de São Paulo, na região do Vale da Paraíba em Campos do
Jordão, Gilberto Cuencas Dias, 37 anos, foi esfaqueado por Benedito Martiniano
França (POLÍZIO apud SILVA, 2012, p.45).
O réu, que era conhecido como Bentinho, voltava de um churrasco na localidade de
Gruta dos Crioulos, naquela cidade, acompanhado pela sua esposa e pela vizinha,
queria mostra-lhes as instalações daquela tranquila colônia (POLÍZIO apud SILVA,
2012, p.45).
53
Quando estava se retirando do local, após tomar uma cerveja no bar da instituição,
seu veículo quase bateu em José Militão Lemes Coura Filho, que ali estava
hospedado com o cunhado Gilberto Cuencas, seu filho Gilberto e sua esposa Maria
Salete. Em razão de ser quase atropelado, José Militão, iniciou uma discussão com
o réu “Bentinho” e partiu para a agressão física contra o mesmo que, pegou a faca
no interior do veículo e esfaqueou a vítima que estava em companhia do agressor
(GARCIA apud SILVA, 2012, p.45).
Tudo aconteceu a poucos metros e a vista da esposa e do filho de Gilberto, que foi
atingido no abdômen e foi transferido às pressas para o Hospital da Santa Casa,
onde foi operado, mas não resistiu aos graves ferimentos, e acabou falecendo na
mesa de operação (POLÍZIO apud SILVA, 2012, p.45-46).
Benedito foi denunciado pela justiça pública por homicídio doloso e motivo fútil,
perante o Juízo Criminal de Campos do Jordão. Dois advogados criminalistas foram
contratados pelos familiares da vítima para atuarem como assistentes do Ministério
Público. A instrução do processo transcorreu por muitos anos, com inúmeros
incidentes e diligências processuais (GARCIA apud SILVA, 2012, p.46).
O advogado do réu, Pedro Paulo Filho, relatou que a situação não estava nada
cômoda para o seu cliente, quando em uma noite, a testemunha Ivan Gabriel Covelli
telefonou-lhe para contar que estava recebendo, de presente, o livro Correio do
Além, psicografado pelo médium Francisco Cândido Xavier, sendo que, dentre as
inúmeras mensagens espirituais psicografadas pelo médium de Uberaba, existiam
várias transmitidas pelo espírito de Gilberto, o senhor que havia sido assassinado
pelo Bentinho, na Colônia de Férias (POLÍZIO apud SILVA, 2012, p.46).
Três meses após a morte de Gilberto, Maria Salete, sua esposa, recebeu a primeira
carta. Mas, somente na terceira carta, recebida em 17 de julho de 1982, através do
médium Francisco Cândido Xavier, a vítima trouxe à esposa alento para as suas
inquietações e orientações para os novos rumos na conduta do processo (POLÍZIO
apud SILVA, 2012, p.46).
Oito anos após o ocorrido, em 1987, Bentinho foi submetido ao Tribunal do Júri e já
não havia mais nenhum advogado particular contratado pela família. A condenação
seguiu apenas por parte do promotor de justiça, visto que a família atendeu ao
pedido da vítima de recondução processual. No julgamento, o defensor fez extensos
54
comentários sobre os pedidos de perdão do espírito mensageiro e, por unanimidade,
o réu foi absolvido pelos jurados (GARCIA apud SILVA, 2012, p.46).
4.1.4 Caso de Campo Grande - Mato Grosso do Sul
Caso também interessante, diz respeito à ex-miss Campo Grande, Gleide Dutra de
Deus. A mesma faleceu, em primeiro de março de 1980, devido a um ferimento de
tiro na garganta. O acusado pela morte foi o seu marido João Francisco Marcondes
F. de Deus, o qual alegava que fora um acidente (SOARES, 2010, s.p.).
Na noite em que ocorrera a fatalidade, João de Deus e Gleide, que era um casal
feliz, segunda as testemunhas, voltavam de um jantar, em companhia da mãe de
Gleide e mais dois amigos do casal, e se dirigiam para outra festa, a qual seria
realizada na casa de um colega de trabalho. No caminho, a mãe de Gleide pediu
para ser deixada em casa, sendo que pouco tempo depois, a própria Gleide também
desistiu de ir à festa (FURUNO, 2010, s.p.).
Quando chegaram à residência do casal, ambos entraram, pois João de Deus queria
pegar sua arma, sendo que o mesmo a possuía por ser tesoureiro da agência de
crédito. Depois de alguns minutos, os dois amigos, que tinham ficado no carro,
ouviram um disparo e gritos de socorro. João saiu carregando a mulher e dirigiu-se a
um hospital, onde Gleide permaneceu internada, vindo a falecer posteriormente
(FURUNO, 2010, s.p.).
O advogado de João de Deus, Ricardo Trad, relatou que “o que ocorreu dentro da
casa foi que João pegou a arma e acidentalmente acabou disparando-a enquanto
tentava tirar o plástico que a envolvia. Gleide, que estava sentada na cama, acabou
sendo atingida na base da garganta” (FURUNO, 2010, s.p.).
Foram utilizadas duas cartas psicografas, pela defesa, as quais inocentavam o
indiciado, sendo o mesmo absolvido pelo Tribunal do Júri, mas houve recurso para o
Tribunal competente, sendo, no segundo julgamento, acusado de homicídio culposo,
porém o delito já se encontrava prescrito (SOARES, 2010, s.p.).
Além das mensagens psicografadas, a favor do réu, também favoreceram o mesmo,
os testemunhos de quatro enfermeiros do hospital, os quais afirmaram que a própria
55
Gleide havia defendido a inocência do marido enquanto esteve internada (FURUNO,
2010, s.p.).
No dia 27 de junho de 1985, às 23h45, João Francisco foi absolvido por 7 votos,
mas o promotor e os advogados de acusação impetraram recurso pedindo
cancelamento da decisão do Júri e solicitando novo julgamento. No dia 5 de abril de
1990, quase 5 anos após o primeiro Júri e 10 anos da morte de Gleide, João
Francisco foi condenado a 1 ano de detenção por 6 votos a 1 (POLÌZIO apud SILVA,
2012, p. 42).
Ricardo Trad, o advogado de defesa, disse que:
O caso foi submetido a julgamento e o júri absolveu o réu da acusação de homicídio doloso por sete votos a zero. A promotoria, no entanto, recorreu da decisão, uma vez que o próprio João confessou descuido na hora de manusear a arma. A acusação passou a ser de homicídio culposo (FURUNO, 2010, s.p.).
Entretanto, o réu não chegou a ser preso, em face da prescrição da pena.
4.1.5 Caso de Mandaguari - Paraná
Em 1982, um crime foi perpetrado na cidade de Mandaguari, onde um policial fora
acusado pelo homicídio de um Deputado Federal. Fora juntada aos autos uma
mensagem psicografada por Chico Xavier, inocentando o acusado, em virtude de o
disparo ter sido acidental, contudo, o Tribunal do Júri o condenou, reduzindo, porém,
a sua pena (SOARES, 2010, s.p.).
Heitor Cavalcanti de Alencar, vítima do caso em comento, buscava a reeleição,
viajando pelo interior com Dirceu e Fábio, seu primo. Estavam cansados e
resolveram dormir no carro, estacionado em um posto de gasolina às margens da
rodovia Maringá-Londrina. O posto teria sofrido assalto recentemente, e o policial
Aparecido Andrade Branco, juntamente com dois companheiros, promoviam a
segurança do local (POLÍZIO apud SILVA, 2012, p.44).
Aparecido aproximou-se do automóvel estacionado e disparou um único tiro,
atingindo Heitor no peito, provocando-lhe a morte imediata. Milhares de pessoas
foram ao enterro do parlamentar, transformando este numa das maiores
manifestações políticas registradas no Estado (POLÍZIO apud SILVA, 2012, p.44).
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Em mensagem recebida por Chico Xavier, Heitor relatou que o disparo que o matou
na madrugada de 22 de outubro de 1982, foi, na verdade, um acidente. O Deputado
Federal Freitas Nobre afirmou ser a psicografia autêntica, juntamente com Alencar
Furtado, pai de Heitor, que afirmou ter estado pessoalmente com o médium em
Uberaba-MG (POLÍZIO apud SILVA, 2012, p.45).
O advogado de defesa, Cylleneo Pessoa Pereira, após autorização do juiz, juntou
cópias da carta psicografada de Heitor, contribuindo para que o mesmo atribuísse o
crime de homicídio qualificado para simples. O Tribunal do Júri da cidade de
Madaguari, decidiu por 5 votos a 2, que o tiro disparado contra o Deputado Federal
Heitor Alencar Furtado, feito pelo policial Aparecido de Andrade Branco, foi
acidental, estabelecendo ao réu a pena de 8 anos e 20 dias de reclusão. O promotor
de justiça João Francisco de Assis recorreu da sentença, e o Tribunal de Justiça do
Estado do Paraná, votou pela manutenção da decisão do Júri, confirmando a pena
imposta ao réu (POLÍZIO apud SILVA, 2012, p.45).
4.1.6 Caso de Gurupi - Tocantins
Os irmãos Niol Ney Furtado de Oliveira e Nilo Roland Furtado de Oliveira, ambos
casados, estavam na casa dos pais para confraternizar o ano novo, de 1982/1983, e
também comemorar o aniversário de Niol Ney. No início da madrugada, os irmãos
discutiram e Niol Ney tentava acalmar Nilo, que estava nervoso. Nilo pegou uma
faca de cozinha e feriu Niol no abdômen, sendo este submetido à cirurgia, porém,
não resistiu, vindo a falecer no dia 2 de janeiro de 1983 (POLÍZIO apud SILVA,
2012, p.44).
Após dois meses do falecimento, em 18 de fevereiro, Francisco Cândido Xavier
recebeu mensagem de Niol Ney Furtado de Oliveira, inocentado o irmão Nilo Roland
Furtado de Oliveira e dizendo não estar em paz. Em um trecho da carta, Niol relatou
que há precisamente 18 dias, na data da realização da mensagem mediúnica, não
estava conseguindo harmonizar-me para o repouso de que necessitava, porque
precisava pedir ao querido irmão Nilo, que vivesse tranquilo e sem qualquer
amargura no coração. Niol pediu que o irmão não se concentrasse naquelas horas
fúteis para ambos, em que não se encontravam em si (POLÍZIO apud SILVA, 2012,
p.44).
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A requerimento do advogado de defesa, Mário Antônio Silva Camargo, o juiz de
Gurupi, solicitou que Francisco Cândido Xavier fosse ouvido por meio de precatória
em Uberaba-MG. O médium afirmou que recebia e repassava informações aos
interessados, mesmo sem conhecer as partes. Acrescentou, ainda, que só teve
conhecimento da carta, ao receber a intimação, lendo uma transcrição da mesma
em um jornal. Chico não conhecia a cidade de Gurupi, nem os dois irmãos. Ele
informou que mensagens como aquela, era acontecimento comum para ele, todas
as semanas, acreditasse quem quiser (POLÍZIO apud SILVA, 2012, p.44).
4.1.7 Caso de Ourinhos - São Paulo
Na noite de 22 de abril de 1997, o comerciante de automóveis, Paulo Roberto Pires,
de 50 anos, pai de um casal de filhos, casado com Vera Lúcia Gomes Pires, foi
executado por dois homens desconhecidos, em um bar onde a vítima tomava
cerveja. Segundo depoimentos das testemunhas, verificou-se que os homicidas
desceram de um veículo que estacionou na frente do bar, dirigiram-se diretamente
até a vítima, efetuaram os disparos, e, após o crime, voltaram ao mesmo veículo e
fugiram (POLÍZIO apud SILVA, 2012, p.46-47).
Em outubro de 1997, o processo fora arquivado por falta de autoria. Em 3 de janeiro
de 2000, Valdinei Aparecido Ferreira, em razão de prisão decretada em outro
processo, apresentou-se à polícia e confessou haver contratado Edmilson da Rocha
Pacífico e Jair Felix da Silva para a execução do crime. O mandante e financiador do
crime seria o cunhado da vítima, Milton dos Santos, casado com a irmã de Vera
Lúcia Gomes Pires. Foi decretada a prisão preventiva de todos os envolvidos
(GARCIA apud SILVA, 2012, p.47).
Na pronúncia o juiz mandou os acusados a julgamento pelo Tribunal do Júri. O
processo foi desmembrado em relação à Valdinei Aparecido Ferreira, que foi
condenado a 14 anos e dois meses de prisão e, Jair Félix, a 14 anos. Edmilson
envolveu-se em uma briga na prisão e morreu antes mesmo de sua condenação
(POLÍZIO apud SILVA, 2012, p.47).
O julgamento de Milton pelo Tribunal do Júri foi adiado mais de uma vez. Antes do
último adiamento o advogado de Milton dos Santos requereu a juntada aos autos de
58
uma carta psicografada. O promotor de justiça pleiteou que fosse novamente
decretada a prisão de Milton dos Santos. O juiz não decretou a prisão e determinou
um prazo ao advogado de defesa de Milton, para esclarecer datas e condições em
que foi recebida a carta psicografada. O defensor esclareceu a data, o local e nome
do médium, qual seja Rogério H. Leite (GARCIA apud SILVA, 2012, p.47).
No dia 8 de novembro de 2007, no plenário da primeira Vara Criminal de Ourinhos
em São Paulo, sob a presidência da juíza Raquel Grellet Pereira Bernardi, o
promotor de justiça Silvio da Silva Brandini e os demais envolvidos, reuniram-se para
apreciar o caso. Os advogados de defesa, em ênfase as suas teses afirmaram que a
carta psicografada consistia apenas como mais uma das provas apresentadas. O
Tribunal do Júri decidiu pela absolvição do réu, com 5 votos a 2, foi considerado
inocente da acusação que lhe pesava. O promotor de justiça, conhecendo o teor da
carta psicografada, absteve-se de pleitear um novo julgamento, tornando soberana a
decisão dos jurados e pondo fim neste processo que durou mais de 10 anos
(GARCIA apud SILVA, 2012, p.47).
4.1.8 Caso de Viamão - Rio Grande do Sul
A apelação criminal nº 70016184012, relatada pelo Desembargador Manuel José
Martinez Lucas, processada perante a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, julgada em 11.11.2009, e publicada em
25.11.2009, decidiu ser admissível, juridicamente, a utilização da carta psicografada,
pelo Tribunal do Júri, em seu posicionamento absolutório.
De acordo com a ementa do acórdão absolutório:
JÚRI. DECISÃO ABSOLUTÓRIA. CARTA PSICOGRAFADA NÃO CONSTITUI MEIO ILÍCITO DE PROVA. DECISÃO QUE NÃO SE MOSTRA MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. Carta psicografada não constitui meio ilícito de prova, podendo, portanto, ser utilizada perante o Tribunal do Júri, cujos julgamentos são proferidos por íntima convicção. Havendo apenas frágeis elementos de prova que imputam à pessoa da ré a autoria do homicídio, consistentes sobretudo em declarações policiais do co-réu, que depois delas se retratou, a decisão absolutória não se mostra manifestamente contrária à prova dos autos e, por isso, deve ser mantida, até em respeito ao preceito constitucional que consagra a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri. Apelo improvido.
59
Observa-se, que o sistema de valoração das provas utilizado, foi o da íntima
convicção, por tratar-se de Tribunal do Júri, sento o mesmo objeto da argumentação,
e, ademais, a prova da acusação não era consistente em torno da autoria e
materialidade do fato criminoso.
O Acórdão supramencionado diz respeito ao caso de Iara Marques Barcelos, que
fora acusada de ter sido mandante do homicídio do tabelião Ercy da Silva, no ano de
2003. Fora utilizada uma carta psicografada por Jorge José Santa Maria, juntada aos
autos, que em seu conteúdo eximia a acusada do homicídio do ex-amante. O
Tribunal do Júri absolveu Iara com base no documento psicografado (SOARES,
2010, s.p.).
No dia 1º de julho de 2003, por volta das 21 horas, em Itapuã, município de Viamão,
Rio Grande do Sul, o tabelião Ercy da Silva Cardoso, com 70 anos de idade, foi
encontrado morto em sua residência. O crime causou grande comoção social, pois a
vítima era pessoa conhecida e muito conceituada. Após inquérito policial, Leandro
da Rocha Almeida, foi indiciado como suspeito da autoria do crime e teve sua prisão
decretada. Após a prisão confessou que o crime fora praticado por uma pessoa
conhecida como “Pitoco”, a mando de Iara Marques Barcelos (GARCIA apud SILVA,
2012, p. 42-43).
Embora casada, consta que Iara mantinha relacionamento amoroso com Ercy da
Silva Cardoso, que relacionava-se sexualmente com outras mulheres. Iara estaria
com ciúmes e teria contratado o acusado Leandro, prometendo recompensa em
dinheiro para assustar Ercy. Leandro teria contatado com “Pitoco”, para cumprir a
tarefa, resultando na morte da vítima (GARCIA apud SILVA, 2012, p.43).
Iara esteve presa por vários meses. Foram infrutíferas as tentativas de liberação.
Mesmo Leandro confirmando a participação de Iara, esta sempre negou qualquer
participação no Crime. Leandro foi a julgamento antes, sendo condenado a 15 anos
e 6 meses de prisão. É importante frisar que no Plenário do Júri, Leandro negou o
crime e a participação de Iara no mesmo. Confessou ainda ter apanhado da Polícia
para envolver Iara e negou a existência de “Pitoco”, que teria sido inventado por
sugestão da mesma (GARCIA apud SILVA, 2012, p.43).
Como argumento de defesa no julgamento de Iara, duas cartas psicografadas foram
usadas, inocentando-a por 5 votos a 2, da acusação de mandante de homicídio. O
60
advogado Lúcio Santoro de Constantino, leu, sendo ouvido atentamente pelos 7
jurados, trecho da carta psicografada, a qual dizia que “o que mais me pesa no
coração é ver a Iara acusada desse jeito, por mentes ardilosas como as dos meus
algozes (...). Um abraço fraterno do Ercy” (POLÍZIO apud SILVA, 2012, p.43).
4.2 PROJETO DE LEI Nº. 1.705, de 2007
Em 2007, foi proposto um projeto de lei pelo Deputado Rodovalho, o qual objetivava
alterar o caput do art. 232 do Decreto Lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1941 (Código
de Processo Penal), para que fosse destituído de valor probatório o texto
psicografado no âmbito do processo penal.
O caput, do art. 232, do CPP, segundo a pretensão do projeto de lei em comento,
passaria, então, a possuir a seguinte redação: “Consideram-se documentos
quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares, exceto os
resultantes de psicografia”.
Trazia, em seu bojo, o argumento de que aceitar como prova um documento ditado
ou sugerido por algum espírito desencarnado implicaria em resolver uma questão de
fé, diferenciando-se, pois, da análise de um dado concreto e passível de
contestação.
Segundo o entendimento de Rodovalho, dada à impossibilidade de serem
respondidas variadas perguntas atinentes ao plano espiritual, como poderia o juiz
absolver o réu em razão do princípio in dubio pro reo, decidindo, na dúvida, a favor
do réu?
Alegava-se que, no campo científico, a opinião majoritária era no sentido de não ser
possível contato com quem não participa do mundo físico. Para ele, não se deveria
ser admitido que as partes, sendo-lhes negada a autotutela, ficassem submetidas a
provas que, no mundo sensível, não têm como serem contraditadas de forma
concreta. O jus puniendi, defendia Rodovalho, deveria, necessariamente, ser
motivado por dados da vida real, não permitindo que o livre convencimento do juiz
fosse, essencialmente, fundado meramente na fé religiosa.
61
A proposição foi distribuída à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania
para análise da sua constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e mérito, nos
devidos termos regimentais.
O relator, Deputado Neucimar Fraga, pôs-se a analisar o projeto em comento,
emitindo parecer, votando pela constitucionalidade, juridicidade, e boa técnica
legislativa, e, no mérito pela aprovação do Projeto de Lei n° 1.705, de 2007, em 08
de fevereiro de 2008.
Para Neucimar Fraga, o projeto de lei atendia, em linhas gerais, aos pressupostos
constitucionais formais relativos à competência da União, às atribuições do
Congresso Nacional e à legitimação da iniciativa parlamentar, nos termos dos arts.
22, inciso I, 48 e 61, caput, todos da Constituição Federal. Com referência à técnica
legislativa, a proposição estava perfeita, pois atendia os preceitos da Lei
Complementar 95/98, a qual dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a
consolidação das leis. Ademais, o pressuposto da juridicidade também estava
alcançado pela proposição, sendo que quanto ao mérito, entendia o mesmo que a
reforma legislativa deveria prosperar.
O relator votou positivamente, pois, segundo o seu entendimento, o Estado brasileiro
é laico, e, dessa maneira, os Poderes da República devem ser exercidos
separadamente dos dogmas e conceitos religiosos. A atuação estatal é imune a
qualquer interferência da religião e, desta forma, não poderia ser admitido que
qualquer ato do Poder Judiciário fosse pautado em documento cuja origem seja
atribuída a algo sobrenatural.
Argumentava, ainda, que a prova processual cuja autoria não é da pessoa humana,
sendo o caso da psicografia, afronta a norma insculpida no inciso IV, do Art.5º da
Constituição Federal, a qual permite a manifestação do pensamento, vedando-se,
todavia, o anonimato. Para Neucimar, o documento psicografado é aquele
apresentado por pessoa que não assume a sua autoria, de modo que os abusos
porventura ocorridos no exercício indevido da manifestação do pensamento não
podem ser passíveis de exame e apreciação pelo Poder Judiciário com a
consequente responsabilização civil e penal de seus autores.
O Deputado Neucimar Fraga concluiu a sua fundamentação, explicitando que o
denominado documento psicografado não comporta contraditório, sendo um dogma,
uma prova pressuposta arbitrariamente e, por conseguinte, não se coaduna com o
62
princípio do devido processo legal. Segundo o mesmo, provar é demonstrar,
irrefragavelmente, a verdade absoluta dos fatos e, no processo, as partes devem
demonstrar documentos e fatos que possam representar a verdade real dos fatos
pretéritos, sendo que os documentos psicografados não esclarecem os fatos e estão
longe de traduzirem a verdade real, e, ao contrário, só fazem obscurecer e confundir
os sujeitos processuais.
O Deputado Federal Marcelo Itagiba, apresentou seu parecer em 23 de abril de
2008, em voto separado, deliberando pela inconstitucionalidade, injuridicidade, e, no
mérito, pela rejeição do Projeto de Lei n° 1. 705, de 2007, a despeito da boa técnica
legislativa utilizada.
Assim o fez, argumentando que com relação à adequação constitucional, a matéria
tratada na proposta estava incluída no rol daquelas cuja competência legislativa é da
União, estando, também, presente o requisito da legitimidade para propositura de lei
ordinária, conforme o disposto nos arts. 48 e 61, caput, da Lei Maior. Entretanto,
para o mesmo, a proposta era que, em verdade, feria preceitos constitucionais.
Segundo o seu entendimento, a proposta era injurídica, na medida em que tolhia o
exercício do magistrado no seu direito à livre apreciação das provas que lhe são
trazidas ao conhecimento para sua persuasão racional acerca da matéria que lhe foi
posta, além de inconstitucional, por ofensa à liberdade de pensamento e de credo
(p.ex. do acusado, do advogado, do juiz, do júri), liberdade entendida como direito à
escolha, à opção, o livre arbítrio, o poder de coordenação consciente dos meios
necessários à realização pessoal.
Para Itagiba, a proposta em comento, caso fosse aprovada, ainda feria a Lei
Fundamental, posto que os direitos públicos subjetivos constituem um complexo de
faculdades jurídicas e de poderes que assistem às pessoas, importando, neste
diapasão, no sentido de direito subjetivo de cada um exigível em face do Estado
brasileiro, a igualdade sem distinção de credo religioso.
O Deputado acrescentou que a afirmação de que “o Estado brasileiro é laico”, e da
mesma extrair-se a não possibilidade de “qualquer ato do Poder Judiciário que se
paute em documento cuja origem seja atribuída a algo sobrenatural”, e ainda, de que
essa prova processual não tem autoria humana e que por isso afrontaria a norma
insculpida no inciso IV, do Art.5º da Constituição Federal, que veda o anonimato, é
subverter a ordem constitucional posta com base nas liberdades apontadas: a de
63
pensamento, a de crença religiosa, e a de produção de provas na realização do
devido processo legal.
Marcelo Itagiba salientou que a “prova psicografada, se levada aos autos, será
apenas uma dentre todos os elementos de prova de um conjunto probatório que, de
acordo com o livre convencimento do juiz, por persuasão racional, irá decidir a
questão que lhe foi posta”.
Para ele, não se tratava de anonimato, nem do representante, nem do representado,
ou seja, nem do Espírito, nem do médium.
E, por fim, o Deputado Itagiba aduziu que o resultado da aprovação da proposta era,
em verdade, tirar o regime jurídico posto da condição laica em que está, para, com
ela, colocar o Estado brasileiro em oposição expressa a uma específica crença
religiosa.
O Deputado Regis de Oliveira, também em voto em separado, na data de 06 de
maio de 2008, opinou pela inconstitucionalidade, injuridicidade e boa técnica
legislativa do Projeto de lei 1705/07 e, no mérito, pela rejeição da matéria.
Em síntese, o mesmo argumentou no sentido de que o projeto de lei violava os
dispositivos constitucionais que tratam da liberdade de pensamento, de consciência
e de crença, sendo que estes são os valores primaciais do laicismo. Ademais, a
matéria do projeto também feria o ordenamento jurídico brasileiro, por violar
frontalmente o princípio do livre convencimento do juiz na apreciação do conjunto
probatório, princípio este fundamental para o sistema processual; sendo esta a
questão mais importante a ser discutida, uma vez que a liberdade de que dispõe o
juiz para formar seu convencimento visa legitimar as decisões da Magistratura e
reforçar sua autoridade.
Em sua linha de raciocínio, o Deputado Regis enfatizou no sentido de que a
aplicação do direito não se dá, na grande maioria dos casos, pelo simples enunciar
de uma regra ou de uma fórmula jurídica, visto que o evoluir da sociedade moderna
reivindica por um sistema muito mais dinâmico e atento às peculiaridades do caso
concreto, o que se retrata pela cada vez mais frequente positivação de conceitos
jurídicos abertos e indeterminados. Entretanto, a aplicação da norma não pode se
dar de forma completamente aleatória e, por isso, arbitrária. São os princípios, na
condição de balizadores e elementos estruturantes do sistema jurídico, que irão
64
legitimar a aplicação do direito quando a norma conceder ao seu interprete maior
campo de discricionariedade.
Na data de 28 de agosto de 2008, o Deputado Neucimar emitiu parecer, votando,
mais uma vez, pela constitucionalidade, juridicidade, e boa técnica legislativa, e, no
mérito pela aprovação do Projeto de Lei n° 1.705, de 2007.
Além dos fundamentos já lançados anteriormente, o Deputado Fraga, acrescentou à
sua argumentação, que a prova obtida por intermédio de meios sobrenaturais é
premissa falaciosa, a qual pode confundir o correto raciocínio do julgador. Para o
mesmo, o documento psicografado consiste em prova cujo método de obtenção
perpassa os fundamentos da razão humana e, por isso, jamais pode ser utilizado
como premissa constante do processo lógico de construção de determinado
raciocínio, impedindo a livre formação do convencimento do julgador. Logo, segundo
o Deputado, a reforma legislativa pretendida, ao proibir a inserção desses
documentos em um processo, corrobora, ratifica e preserva o princípio da livre
convicção do juízo, não havendo, portanto, que se cogitar em injuridicidade do
projeto de Lei. Ademais disso, a limitação do uso de provas pelo legislador não
configura obstáculo ao princípio da livre convicção do juízo. O mesmo salientou que
a proibição de prova psicografada se assemelha às normas que impedem o uso de
escutas telefônicas clandestinas, sendo que em ambos os casos, não há que se
cogitar ofensa a qualquer princípio jurídico, inclusive àquele que prevê o livre
convencimento do juiz na apreciação do conjunto probatório.
Em 14 de abril de 2009, foi emitido parecer pelo novo relator, o então designado
Deputado Antônio Carlos Biscaia.
No relatório, o Deputado Antônio fez referência ao Projeto de Lei 3.314, de 2008, de
autoria do Deputado Costa Ferreira, que pretendia acrescentar um parágrafo ao art.
232 do Código de Processo Penal, o qual foi apensado à proposta principal, tendo
por fim inibir o valor probatório do texto psicografado.
O Deputado argumentou que ambos os projetos de lei atendiam, em linhas gerais,
aos pressupostos constitucionais formais relativos à competência da União, às
atribuições do Congresso Nacional e à legitimação da iniciativa parlamentar.
No que tange à técnica legislativa, a proposição principal estava perfeita, pois
atendia aos preceitos da Lei Complementar 95/98, que dispõe sobre a elaboração, a
redação, a alteração e a consolidação das leis. Quanto ao PL 3.314, de 2008,
65
restou, segundo ele, imperioso identificar o artigo modificado por acréscimo com as
letras “NR” maiúsculas, entre parênteses, uma única vez ao seu final, nos termos do
artigo 12, inciso III, alínea “d” da Lei Complementar 95/98.
Para o mesmo, o pressuposto da juridicidade não foi alcançado, uma vez que os
projetos não imprimiam nenhuma inovação ao ordenamento jurídico, pois, segundo
ele, há diversas regras e princípios no Direto brasileiro que inibem o valor probatório
dos denominados textos psicografados.
Aduziu, ainda, que a psicografia seria prova processual cuja autoria não é da pessoa
humana, salientando que o texto psicografado não comporta contraditório e não se
coaduna com o princípio do devido processo legal.
Antônio Carlos Biscaia expôs que o documento psicografado não pode ser
reconhecido como fundamento para qualquer decisão do Poder Judiciário, vez que a
prova obtida por intermédio de meios sobrenaturais é premissa falaciosa que conduz
o intérprete a conclusões irreais, sendo prova cujo método de obtenção perpassa os
fundamentos da razão humana e por isso jamais poder ser utilizada como premissa
constante do processo lógico de construção de determinado raciocínio, impedindo a
livre formação do convencimento do julgador.
Quanto ao mérito, Antônio Biscaia entendeu que ambas as proposições não
mereciam prosperar, pois, sendo o Estado brasileiro laico, não se pode admitir que o
Legislador inserisse no ordenamento jurídico norma de cunho religioso, nem é
tolerável que qualquer ato do Poder Judiciário se paute em texto cuja origem seja
atribuída a algo sobrenatural.
O Deputado, ante ao exposto, votou pela constitucionalidade, injuridicidade, boa
técnica legislativa, e, no mérito pela rejeição do Projeto de Lei n° 1.705, de 2007. No
que tange ao Projeto de Lei n° 3.314, de 2008, o mesmo votou pela
constitucionalidade, injuridicidade, má técnica legislativa, e, no mérito pela rejeição
do mesmo.
Em 31 de janeiro de 2011, o projeto de lei em comento foi arquivado pela Mesa
Diretora da Câmara dos Deputados, nos termos do artigo 105 do Regimento Interno
da Câmara dos Deputados, o qual determina que uma vez acabada a legislatura,
arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à
66
deliberação da Câmara, e que ainda se encontrem em tramitação, assim como as
que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles.
67
5 DAS RAZÕES DA ADMISSÃO DA CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE
PROVA
5.1 DA COMPATIBILIDADE DA CARTA PSICOGRADA COM OS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS
Sendo a Constituição Federal, o parâmetro para validade e coerência do
ordenamento jurídico como um todo, é mister o estudo dos seus princípios
norteadores que se relacionam com a temática em voga, para que à luz dos
mesmos, possa ser concluído se a utilização da carta psicografa como meio de
prova fere os direitos garantidos pelo Poder Constituinte.
5.1.1 Da Liberdade Religiosa
A liberdade religiosa, garantida pela Constituição Federal, consiste no direito
fundamental à liberdade de crença, de aderir a alguma religião, bem como na
liberdade do exercício do culto respectivo. A legislação deve proteger os templos e
não deve interferir nas liturgias, salvo em caso de concorrência com algum valor
constitucional de maior peso. Inclui-se, na liberdade religiosa, a liberdade de
organização religiosa, não podendo o Estado interferir na economia interna das
associações religiosas (MENDES, 2012, p.360-361).
Enquanto direito fundamental, a liberdade religiosa inclui a liberdade: i) de opção em
valores transcendentais, ou não; ii) de crença nesse sistema de valores; iii) de seguir
dogmas baseados na fé e não na realidade estrita; iv) da liturgia, o que pressupõe a
dimensão coletiva da liberdade; v) do culto propriamente dito, o que inclui um
aspecto individual; vi) dos locais de prática de culto; vii) de não ser o indivíduo
prejudicado, de qualquer maneira, nas suas relações com o Estado, em virtude de
sua crença declarada (TAVARES, 2014, p.117).
No tocante a este Princípio Constitucional, tem-se a disciplina normativa do art. 5º,
inciso VI da Constituição Federal de 1988, o qual garante que: “É inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
68
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas
liturgias”.
A Carta Magna ainda garante, no mesmo diploma legal (art. 5º), agora em seu inciso
VIII, que: “Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal
a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.
Com efeito, a liberdade religiosa consiste na liberdade de professar a fé em Deus
(MENDES, 2012, p.365).
O constituinte estabelece no art.150, VI, b, do Texto Magno, a imunidade de
impostos sobre templos de qualquer culto, sendo esta abrangente não somente aos
prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda, e os serviços
relacionados com as finalidades essenciais nas entidades nelas mencionadas
(MENDES, 2012, p.361).
O conceito de religião é coeso à compreensão que o termo propicia, a referi-lo a um
sistema de crenças em um ser divino, em que se professa uma vida após a morte,
que possui um texto sagrado, que possui uma organização e que apresenta rituais
de adoração e de oração (MENDES, 2012, 361).
Apesar de não ser confessional, o Estado brasileiro também não é ateu, como se
depreende do preâmbulo da Constituição, que invoca a proteção de Deus. À vista
disso, é que se admite o ensino religioso em escolas públicas de ensino fundamental
(CF, art. 210, § 1º), permitindo, dessa forma, o ensino da doutrina de uma dada
religião para os alunos interessados, sob a forma de disciplina de matrícula
facultativa. Outrossim, admite-se a produção de efeitos civis, no casamento religioso,
na forma do disposto em lei (CF, art. 226, §§ 1º e 2º). Em relação ao aspecto do
direito a prestação, o art. 5º, VII, da CF, assegura, “nos termos da lei, a prestação de
assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva”. O
respeito à liberdade religiosa, impede que determinadas questões sejam dirimidas
pelo Poder Judiciário (MENDES, 2012, 361-362).
O curandeirismo não se inclui no âmbito de liberdade religiosa, visto que a sua
invocação não pode servir como pretexto para a prática de atos que se caracterizam
como ilícitos penais, de acordo com o entendimento do julgado do RHC 62240, RTJ,
114/1038, Rel. Min. Francisco Rezek.
69
A obediência à Liberdade Religiosa pode ser percebida através da interpretação
feita da determinação contida no artigo 19, inciso I da Constituição Federal, a qual
veda a União, os Estado, o Distrito Federal e os Municípios de: “Estabelecer cultos
religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter
com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada,
na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
Através da proteção dada à liberdade religiosa, é que se infere que a devoção, a fé e
a crença são tidas como bens valiosos em si mesmos; devendo a religiosidade ser
preservada, assegurada, assim como, fomentada pelas normas jurídicas. A religião
é, inclusive, reconhecida como base para formação moral, a qual influencia na
construção de um bom cidadão perante a sociedade.
Há uma dimensão positiva na liberdade de religião, posto que o Estado deve
assegurar a permanência de um espaço para o desenvolvimento adequado de todas
confissões religiosas. É responsabilidade do Estado empreender esforços e zelar
para que haja essa condição estrutural propícia ao desenvolvimento pluralístico das
convicções pessoais sobre religião e fé (TAVARES, 2014, p.118).
5.1.1.1 A Laicidade Estatal
A separação entre Estado e religião é compreendida como um pressuposto à plena
liberdade religiosa, acima desenvolvida (TAVARES, 2014, p.118).
Roberto Blancarte, citado por Joana Zylbersztajn (2012, s.p.), conceitua o Estado
laico como sendo um instrumento jurídico-político pra a gestão das liberdades e
direitos do conjunto de cidadãos.
O princípio da separação do Estado e da religião reforça a liberdade religiosa, tanto
no que se refere à igualdade das religiões, como também à sua autonomia face ao
Estado (VITAL MOREIRA apud ROTHENBRUG, 2014, p.15).
A Constituição Federal de 1988 não declara expressamente que o Brasil é um
Estado laico, mas traz, de forma consolidada, todos os elementos que formam este
entendimento. Depreende-se essa interpretação da caracterização do Estado
democrático garantidor da igualdade e da liberdade, inclusive religiosa, de seus
70
cidadãos. Soma-se a isso, a ordem constitucional de separação institucional entre o
Estado e a religião (ZYLBERSZTAJN, 2012).
No Brasil, a separação entre Estado e religião decorre justamente da proclamação
de uma ampla liberdade religiosa (TAVARES, 2014, p.119).
A separação entre Estado e religião, portanto, não se coloca em oposição à
liberdade, mas sim a seu serviço (ROTHENBRUG, 2014, p.15).
A Magna Carta, no seu artigo 19, inciso I, dispõe a regra consoante a qual ao Estado
é proibido “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes
o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de
dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse
público”.
Exige-se do Estado uma postura de neutralidade axiológica, impedindo-se qualquer
identificação ou preferência por determinada religião, bem como, que seja exercido
qualquer juízo de demérito ou de exclusão (ROTHENBRUG, 2014, p.15).
Pretender que o Estado adote um distanciamento total da religião significa algo não
apenas não desejável, mas também impossível, além de ser um caminho propício
para a diminuição da liberdade religiosa plena (TAVARES, 2014, p.119-120).
Com efeito, o Estado não deve ser um inimigo da religião, seja ela qual for. A
laicidade, sendo entendida como neutralidade, significa que o poder do Estado não
deve ser utilizado para favorecer religiões, bem como não deve ser utilizado para
ceifá-las (TAVARES, 2014, p.120).
A neutralidade em face das religiões não é, porém, a única leitura do princípio da
laicidade, visto que a laicidade pode ser expressa pela pluriconfessionalidade
(ROTHENBRUG, 2014, p.15).
O Poder Judiciário possui o ônus de efetivar a concretização das normas
principiológicas, as quais são dotadas de um alto grau de generalidade textual,
sendo, desta maneira, “compatíveis com vários graus de concretização, consoante
os condicionalismos fácticos e jurídicos”, segundo Canotilho, citado por André
Ramos Tavares (2014, p.124).
71
E, para uma maior compreensão da dimensão de um princípio, a mesma deve ser
obtida a partir da Constituição em sua universalidade, uma vez que os princípios são
normas imbricadas entre si (TAVARES, 2014, p.125).
As normas constitucionais refletem a sociedade e, são refletidas pela sociedade,
pelo concreto e pelos padrões de comportamento construídos e sedimentados ao
longo dos tempos, sendo que com a norma constitucional do Estado laico não é
diferente, sendo que não há nada que imponha sua leitura específica apartada da
teoria geral do Direito Constitucional (TAVARES, 2014, p.126).
Segundo o entendimento de Renato Marcão (2007, s.p.), por ser o Estado brasileiro
laico, o mesmo não pode referir-se normativamente à validade ou não de material
psicografado como meio de prova.
Olhando pelo prisma da religiosidade do Espiritismo, justamente pelo Estado
brasileiro ser laico, é que existe a garantia da liberdade religiosa, sendo então
qualquer manifestação decorrente da Doutrina Espírita, protegida pela laicidade
estatal (SALGADO, 2012, s.p.).
Com efeito, o Estado é laico, mas as pessoas não, e, por este motivo, podem ter
convicções religiosas e as expressar (SALGADO, 2012, s.p.).
Assim sendo, a utilização da carta psicografada como meio de prova no processo
penal, não fere a laicidade estatal, uma vez que sendo esta, uma manifestação
mediúnica, dentre as formas de expressão da Doutrina Espírita, que apesar de ser
entendida essencialmente como uma ciência, é inegável o seu condão religioso.
Nesse plano, a sua manifestação, ao ser utilizada como prova em um processo
penal, estaria sendo abarcada pela laicidade estatal, posto que o mesmo é
instrumento garantidor das convicções religiosas dos cidadãos, sendo que tanto as
partes, como o juiz, possuem o direito de crer na carta psicografada, constituindo a
mesma em solução para determinado problema social, qual seja o do
esclarecimento quanto aos fatos atinentes ao processo criminal.
Então, a laicidade estatal garante que qualquer pessoa pode crer em determinada
manifestação religiosa, inclusive a Espírita, e através dela se expressar.
Logo, tanto a parte, que junta o documento psicografado aos autos, possui o direito
de nele acreditar, e, igualmente, de expressar o seu entendimento a respeito dos
72
fatos que se relacionam com o processo penal, com base do conteúdo do referido
documento; tanto o julgador, pode nele também crer, e através do mesmo, expressar
o seu convencimento a respeito do caso, sendo inclusive, respaldado, para a
formação dessa expressão do seu convencimento, no princípio do livre
convencimento motivado, o qual permite que o juiz possa chegar à uma conclusão,
de acordo com suas convicções, fundamentando-as, devidamente.
5.1.2 Da Ampla Defesa e do Contraditório
Incumbe ao Estado assegurar o direito da ampla defesa e do contraditório, sendo os
mesmos pressupostos constitucionais garantidores do devido processo legal,
havendo a nulidade do processo, na ausência de algum deles.
O art. 5º, LV, da CF, de 1988, preceitua que: “aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
A garantia consagrada no art. 5º, LV, da Constituição Federal, corresponde,
exatamente, a pretensão à tutela jurídica, o qual assegura os direitos de: i)
informação, o qual obriga o órgão julgador a informar às partes do processos os atos
praticados no mesmo, e sobre os elementos dele constantes; ii) manifestação, o qual
certifica a possibilidade de manifestação, oralmente ou por escrito, sobre os
elementos fáticos e jurídicos constantes do processo; e, igualmente, assegura o
direito de iv) ver os seus argumentos contemplados pelo órgão julgador, que
corresponde ao dever do juiz de conferir atenção aos argumentos aduzidos,
envolvendo o dever de tomar conhecimento e de considerar, detidamente, as razões
apresentadas (MENDES, 2012, p.500).
É inerente ao próprio direito de defesa a instrução contraditória, pois não se imagina
um processo legal, buscando a verdade processual dos fatos, sem que se dê ao
acusado a ocasião de desdizer as afirmações feitas pelo Ministério Público (ou seu
substituto processual) em sua peça inicial (RANGEL, 2010, p.17).
A carta psicografada não viola o princípio do contraditório, pois, mesmo não estando
submetido a este princípio quando da sua produção, ou seja, no momento da
73
manifestação psicográfica, o documento psicografado estará exposto ao
contraditório a partir da sua apresentação em Juízo (MARCÂO, 2007, s.p.).
Então, a parte adversária, terá a oportunidade de contradizer as informações
constantes no documento psicografado, exercendo a sua defesa a respeito do
mesmo, sem prejuízo algum.
Até porque, se o contraditório e a ampla defesa, estivessem sendo feridos, em razão
da não participação da parte contrária não estar presente, no momento da
manifestação psicográfica, ou seja, do momento da elaboração da carta
psicografada, os princípios em referência, estariam igualmente lesionados, quando
da elaboração de qualquer outro documento que fosse juntado aos autos, com o fim
de elucidar os fatos que envolvem o processo.
Ademais, de acordo com os casos estudados, em que foram utilizadas psicografias
nos mesmos, como poderia a ampla defesa e o contraditório estar sendo
desrespeitados, em decorrência do devido processo legal, se, justamente, os
acusados dos referidos casos, estavam sendo beneficiados pela juntada aos autos
da carta?
5.1.3 Os Limites da Verdade Real no Processo Penal
Segundo a sapiência de Eugênio Pacelli (2013, p.330), as questões relativas aos
métodos de prova em processo penal atravessam, necessariamente, pelo exame da
espécie do modelo processual adotado, com relação à definição das funções
investigatórias e acusatórias, bem como da fixação e da distribuição dos ônus
processuais às partes. O modelo atual, cujo perfil se consolidou somente a partir da
vigência da ordem constitucional instaurada em 1988, harmoniza-se muito mais de
um sistema de feição que de prevalência inquisitorial.
O conceito de verdade é a solução que se almeja para a exultação da inteligência do
homem, cuja busca eterna perdura de longa data, não havendo ainda uma resposta
definitiva e apta a desfazer a nuvem de mistério que sobre ela ronda. Esta estinge
rondou, inclusive, Pôncio Pilatos no veredicto que culminou na pena de morte do
Messias (LOPES, 2011, s. p.).
74
Segundo Nietzsche (2004, p.71), quem busca a verdade, procura, no fundo, a
metamorfose do mundo nos homens, aspira a uma compreensão do mundo
enquanto coisa e alcança, na melhor das hipóteses, o sentimento de uma
assimilação.
O princípio da verdade real, possuidor da crença inabalável de que a verdade estava
efetivamente ao alcance do Estado, foi responsável pelo enraizamento da ideia
acerca da necessidade inadiável da perseguição da verdade, como meta principal
do processo penal (OLIVEIRA, 2013, p.331).
Ocorre que, de acordo com o entendimento de Eugênio Pacelli (2013, p.331), o
princípio em tela é limitado desde a vigência da ordem constitucional instaurada em
1988, face à igualdade, a paridade de armas, o contraditório e a ampla defesa, bem
como a imparcialidade de convicção e de atuação do juiz. Assim sendo, não é mais
possível a autorização de uma atuação judicial supletiva e substitutiva da atuação da
acusação, não havendo mais justificativa para a ampla iniciativa probatória
reservada ao juiz, perdendo-se, portanto, a legitimação de eventuais desvios das
autoridades públicas.
Com a proibição da admissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, pela
Magna Carta, evidentemente não podem mais serem admitidas as provas obtidas
em afronta à dignidade humana e a outros direitos fundamentais do homem, de que
trata a Lei das Leis. A verdade processual, portanto, está limitada aos valores éticos
e jurídicos do Estado de Direito (TOURINHO FILHO, 2012, p.245).
Há, com efeito, no processo penal, a exigência da materialização da prova, onde,
mesmo que os fatos imputados ao réu não sejam impugnados, ou ainda
confessados, cabe à acusação produzir provas da existência do fato e da respectiva
autoria, tratando-se, por isso, de uma verdade material, diferentemente do que
ocorre no processo civil, onde há a verdade formal, a qual se limita a aceitar uma
certeza absoluta obtida pela simples ausência de impugnação dos fatos articulados
na inicial (OLIVEIRA, 2013, p.332).
A verdade perseguida no processo penal seria na realidade a verdade ética, ou uma
verdade suficiente, pragmaticamente construída mediante argumentação, para pôr
fim a um litígio, a uma tensão originária da pretensão punitiva do Estado, visante a
atingir o imputado, sempre em sua dignidade e, por vezes, em sua liberdade de
75
locomoção. A resolução desse conflito, portanto, deve se dar de tal forma que a
sociedade, e sobretudo a comunidade jurídica, aceite a solução como satisfatória,
ou, no mínimo, consiga compreendê-la, conquanto dela discorde, em razão dos
argumentos de sua fundamentação (BAPTISTA, 2001, p.212-213).
Percebe-se, pois, uma modificação nos critérios para comprovação dos fatos
alegados em juízo, onde a atual configuração do processo penal brasileiro não deve
guardar mais qualquer identidade com o sistema inquisitorial. Entretanto, a verdade
material continua sendo um princípio processual importantíssimo (OLIVEIRA, 2013,
p.332).
“A verdade é incognoscível. Tudo o que se pode conhecer é aparência. Significação
de arte enquanto aparência plausível” (NIETZSCHE, 2004, p.84).
Segundo Francisco das Neves Baptista (2001, p.203-204):
a possibilidade de um critério unívoco para conceituar-se a verdade é inviável, porque dependente do ponto de vista sob o qual seja encarada a relação entre o sujeito que conhece o objeto do conhecimento e o objeto do conhecimento: na raiz do processo investigatório, e para além da resposta positiva à indagação primária sobre a possibilidade do conhecimento, uma outra decisão (aposta, no dizer de Badiou) se há de tomar para prosseguir-se na atividade pensante, qual a de estabelecer, aprioristicamente, se algo se passa num mundo externo ou interno à razão, ou em ambos. A concepção, pois, de uma verdade real já surge dividida, a significar a confusão entre o real e o racional, na esteira de Hegel, ou a convicção da existência, fora da razão, de um universo cognoscível, porque apreensível pela mesma razão. A formulação mesma da idéia de uma verdade real traz, em si, a contradição de implicar uma adesão ideológica prévia, para afirmar a possibilidade da razão não ideológica. O condicionamento, pois, da validade teórica da decisão judicial a essa verdade real põe em risco, de logo, a imparcialidade que a mesma verdade pretende atingir.
O filósofo Pierce faz uma analogia entre a realidade e a verdade, ao expressar a
existência da verdade, como “uma coisa que é como é, independentemente de como
possamos pensar que seja.” Denomina tal fato como realidade, afirmando que temos
de investigar o que é a sua natureza, pois a existência do real subtende uma
resposta última para toda questão. Logo, todos os raciocínios expõem uma alegação
bem edificada do que se percebe por verdadeiro quanto à objetividade do
conhecimento sobre a realidade externa (LOPES, 2011, s. p.).
Baptista (2001, p.209) assinala que “pouquíssimos ângulos do fato delituoso podem
encarar-se como probatoriamente demonstráveis: o mundo da prova é o mundo das
presunções e construções ideais, estranhas ao que se entende, ordinariamente, por
realidade”.
76
A psicografia, no âmbito do processo penal, não deve ser vista sob a ótica de um fim
em si mesmo, mas sim como um meio para se chegar à verdade jurídica mais
próxima à realidade fática. Desta forma, a mesma deve possuir igualdade, quando
comparada à qualquer outra prova, já que a sua finalidade é a reconstrução
histórica, para que através da mesma, o juiz possa chegar à um convencimento
quanto a autoria, bem como quanto à materialidade do fato delituoso, o qual
configura um tipo penal.
A prova por carta psicografada pode auxiliar o julgador a conhecer fatos e apontar
possíveis culpados que não foram levantados até então, possibilitando a construção
da verdade aproximativa da realidade fática (SALGADO, 2012, s.p.).
Desta forma, a carta psicogafada só seria mais um elemento a ser utilizado no
processo, com o intuito de elucidar a realidade fática, procurando aproximar a
verdade, ao máximo possível, da verdade real, a qual é inalcançável por si mesma.
Presta-se, portanto, o documento psicografado, como qualquer outro elemento
utilizado dentro dos autos, visando atingir a verdade aproximativa da reconstrução
histórica dos fatos.
5.2 DO CARÁTER CIENTÍFICO DO ESPIRITISMO
Na discussão sobre a legitimidade das cartas psicográficas como prova no judiciário,
a questão do caráter científico do Espiritismo é um fator que dá respaldo a essas
cartas (SALGADO, 2012, s.p.).
Reivindica-se um status de ciência da carta psicografa, e não mero produto
resultante de manifestação religiosa, podendo, desta forma, a carta psicografada ser
explicada racionalmente (SALGADO, 2012, s.p.).
Entende-se que a admissibilidade da prova psicografada se baseia, antes de
qualquer outro elemento, na cientificidade que envolve o fenômeno espírita (RUBIN,
2011, s.p.).
O Espiritismo é efetivamente uma ciência, a qual tem por objeto a existência de vida
após a morte e a, consequentemente imortalidade da alma, em busca de constante
77
evolução espiritual a ser adquirida ao longo das sucessivas reencarnações que se
procedem (RUBIN, 2011, s.p.).
São inúmeras as obras e experiências, iniciadas no século XVII, como já trazido no
capítulo 2, da presente dissertação, que tratam das relações estabelecidas entre
encarnados e entidades espirituais a estabelecer dados concretos no sentido da
correção das bases científicas nas quais se funda a Doutrina Espírita, devidamente
explicitada por Allan Kardec (RUBIN, 2011, s.p.).
É como entende Gisele Mascarelli Salgado (2012, s.p.), aduzindo que a questão não
está na religião, mas sim na ciência. E, com efeito, é a ciência que tem se colocado
como uma instituição imaginária social amplamente heterônoma, de caráter quase
que divino, pois não se ousa colocar em dúvida seus postulados e, principalmente,
seu status de direcionador da sociedade.
5.3 DA LICITUDE DA CARTA PSICOGRAFADA COMO MEIO DE PROVA
A psicografia não é meio ilícito de prova, visto que, a prova ilícita, de acordo com a
Constituição Federal de 1988, é aquela obtida com violação a um princípio de direito
material, sendo esta ampla e não se restringindo somente à lei (AMORIM, s.d., s.p.).
Com efeito, o espaço probatório no processo penal há de ser mais amplo em razão
da relevância dos interesses que delimitam o seu conteúdo, levando-se em conta
que a vedação da prova ilícita não se limita ao meio escolhido, mas igualmente aos
resultados que poderão advir com a utilização deste mesmo meio de prova e, uma
vez não configurado violação de direito, em decorrência dos seus resultados, a sua
admissão é indubitavelmente possível (AMORIM, s.d., s.p.).
Como explanado anteriormente, a liberdade de produzir prova não é ilimitada, pois
são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, de acordo com
o art. 5º, LVI, da CF, ressalvando-se que, a partir do gênero “prova proibida”,
compreendendo-se as espécies “prova ilícita” e “prova ilegítima”, tem-se que não
são proibidas somente as provas obtidas em violação à lei, como também são
78
proibidas qualquer que seja a natureza da norma, mas também as que violarem os
costumes, a moral e um princípio geral de direito (MARCÂO, 2007, s.p.).
“Considerando o teor do art. 332 do CPC não há como contrariar, prima facie, a
psicografia como meio de prova, uma vez que é hábil, moralmente legítima e não é
ilícita” (RUBIN, 2011, s.p.).
Com efeito, em um mundo pós-moderno é difícil se falar na existência de uma única
moral, defendendo-se, em contra partida, a pluralidade de morais, levando-se a uma
maior aceitação de condutas e valores, mesmo que estas sendo minoritárias
(SALGADO, 2012, s.p.).
Desta forma, não há no ordenamento jurídico vigente qualquer regra que proíba a
apresentação de documento produzido por psicografia, com a finalidade de
valoração do mesmo como prova em processo penal. Não se trata, portanto, de
prova ilícita, mesmo no conceito amplo acima apresentado (MARCÂO, 2007, s.p.).
Outros meios de provas, além daqueles catalogados, são passíveis de utilização no
processo, tendo em vista a necessidade de uma aproximação mais efetiva da
verdade material e, por conseguinte, ao justo no caso concreto. O fundamento
central para tanto, encontrar-se-ia no direito constitucional à prova, que não admitiria
a estipulação de normas que impusessem limitações rígidas e formais para a parte
convencer o julgador das suas versões dos fatos, apresentando-se inviável a
taxatividade dos meios de prova (RUBIN, 2011, s.p.).
5.3.1 Natureza e Viabilidade Jurídica
A carta psicografada, por ser escrita, pode ser anexada ao processo judicial,
permitindo-se, desta forma, que haja formalização de um suposto testemunho
transcendente, em um documento escrito, que pode ser lido por todos e que pode
ser valorado pelo juiz (SALGADO, 2012, s.p.).
Com efeito, não se trata de uma manifestação meramente transcendente, mas sim,
de uma manifestação que é transformada em uma escrita conhecida pelos leitores,
que possui uma concatenação de ideias e informações passíveis de serem
compreendidas. Não são manifestações de símbolos esparsos, ou mesmo que
precisem de um especialista do transcendente para interpretá-los. As cartas
79
psicografadas permitem, naturalmente, que o transcendente seja racionalizado,
buscando uma conformidade com a racionalização do processo judicial e também do
Direito (SALGADO, 2012, s.p).
O artigo 232, do Código de Processo Penal, dispõe que consideram-se documentos,
quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, público ou particulares, e, como prova
documental, submetem-se a todas as restrições impostas pela legislação processual
penal, inclusive quanto ao tempo e forma de produção (MARCÂO, 2007, s.p).
Observa-se que a lei faz referência a quaisquer escritos, de maneira que os escritos
psicografados devem ser considerados como documentos, em sentido amplo
(MARCÂO, 2007, s.p.).
Com efeito, os que não defendem a utilização das cartas psicografadas no judiciário
como prova, levantam argumentos que discutem a dificuldade de se auferir
veracidade das informações contidas nessas cartas (SALGADO, 2012, s.p.).
Ocorre que, o exame grafotécnico é meio hábil a autenticar a autoria das alegações
contidas na carta psicografada, quando posta em dúvida, haja vista a sua
cientificidade.
Cartas psicografadas são assinadas pelos espíritos desencarnados, em uma
caligrafia semelhante à que tinham em vida. Isso leva àqueles que defendem a
utilização dessas cartas no judiciário a garantir a veracidade da identidade do
suposto espírito, pois a assinatura feita pelo médium reflete a assinatura do espírito
(SALGADO, 2012, s.p.).
Ademais, admiti-se a prova psicografada como prova no processo, porque se pode
criticar a utilização desta prova espírita em razão de fraudes ou erros na captação da
mensagem, não é menos acertado se reconhecer que há possibilidade de fraudes e
incorreções em qualquer outro meio de prova, atípico ou típico (RUBIN, 2011, s.p.).
A falibilidade das provas, em razão da imperfeição humana, é fenômeno que
obviamente não se circunscreve exclusivamente à psicografia. Com efeito,
documentos falsos ou imprecisos não são raros nos processos judiciais; como
também fora presenciado, em algumas oportunidades, imprestáveis laudos periciais,
confeccionados sem muitos dados técnicos e/ou em tempo diminuto não suficiente
para abordagem de todas as nuances envolvidas em um complexo caso concreto.
Por outro lado, não se pode olvidar a presença de testemunhas que faltam com a
80
verdade em seus depoimentos ou afirmam, com convicção, terem presenciado
determinada cena que, na verdade, não ocorreu exatamente na forma narrada
(RUBIN, 2011, s.p.).
Derruba-se, dessa forma, o argumento contrário, consistente de que a carta
psicografada seria uma prova imprestável, em face da sua suposta falta de
confiabilidade (RUBIN, 2011, s.p.).
.
5.3.2 A Valoração da Carta Psicografada
Nos processos submetidos a julgamento de Juízo singular, o acolhimento ou não do
documento psicografado como meio de prova, estará dependendo muito mais da
formação religiosa do juiz e das suas experiências adquiridas ao longo da vida,
atuantes na formação de seu livre convencimento motivado, do que qualquer outro
fator (MARCÂO, 2007, s.p.).
Ao juiz é assegurado a livre apreciação da prova e principio da livre convicção,
podendo apreciar qualquer prova, inclusive a carta psicografada (SALGADO, 2012,
s.p.).
Por outro lado, em se tratando de julgamento pelo E. Tribunal do Júri, a aceitação
tende a contar com menor restrição, não apenas em razão de se tratar de
julgamento sem decisão motivada no que tange aos jurados, proveniente de
formações ecléticas e multi-culturais, uma vez que os mesmos estão submetidos ao
sistema da íntima convicção, mas, sobretudo, em razão dos apelos emocionais e
religiosos tantas vezes explorados com maestria na Tribuna da Defesa (MARCÂO,
2007, s.p.).
Há a necessidade de critério, prudência e cautela na aferição do valor probante da
carta psicografada, assim como das demais provas existentes nos autos, conforme o
entendimento de Marcos Vinícius Severo da Silva, citado por Fernando (2011, s.p.).
O julgador ao admitir a prova psicografada, não deve considerá-la como prova
central, fundamental para julgamento da causa. O mesmo deverá utilizar-se da prova
psicografada como meio de prova subsidiário, isto é, como argumento de prova, a
dar respaldo às conclusões obtidas através dos demais meios de prova carreados
aos autos (RUBIN, 2011, s.p.).
81
A psicografia deve ser considerada, portanto, como uma prova atípica que serviria
de instrumento lógico-crítico a auxiliar na valoração das provas típicas componentes
da instrução do processo, adquirindo a psicografia, nesta perspectiva, função
acessória e integrativa do teor das provas típicas (RUBIN, 2011, s.p.).
Conforme o entendimento de Eduardo Valério, as cartas psicografadas devem ser
aceitas como mais um elemento de prova, a serem sopesadas pelo juiz (ou jurados,
se no tribunal do júri), à luz do princípio da livre convicção; jamais como elemento
absoluto e inquestionável que possa levar, por si só, a uma condenação ou a uma
absolvição.
Acrescenta-se que só devem ser utilizadas as psicografias que contenham
informações bastante úteis, ricas e específicas em relação às versões dos
acontecimentos a serem provados (indícios de fidedignidade), o que reforçaria a
convicção do julgador a respeito da sua autenticidade – ainda cabendo a utilização
da grafoscopia, nos casos em que se poderia sustentar que a letra da carta
psicografada é muito próxima da do ente desencarnado quando em vida terrena,
situação essa que é menos comum de acontecer, como reconhecido pela doutrina
espírita especializada (RUBIN, 2011, s.p.).
82
6 CONCLUSÃO
O homem evoluiu racionalmente ao longo do tempo, e, quando alcançado
determinado patamar da sua capacidade de racionalizar, o seu pensamento positivo
reivindicou por provas para crer, não se atendo mais tão somente a artigos de fé.
Então, em decorrência da sua maturidade intelectual, as manifestações psíquicas
tornaram-se objeto de investigação científica, atribuindo-se, dessa forma, o
surgimento da Doutrina Espírita, à investigação das referidas manifestações, sob o
crivo rigoroso e metodológico da ciência.
Resultante das investigações realizadas, constatou-se que através do Espiritismo, é
nos dado o conhecimento sobre o mundo invisível que nos envolve, no meio pelo
qual vivemos, sem disso desconfiarmos, sendo possível, através do mesmo,
conhecer as leis que o regem, suas relações com o mundo visível, bem como, a
natureza e o estado dos seres que o habitam. Em consequência disso, foi possível
conhecer a vida que existe após a morte, sendo esta uma verdadeira revelação, na
acepção científica da palavra.
Foi-se estudado que, por conta da sua própria natureza, a revelação espírita possui
duplo caráter, resultando, ao mesmo tempo, da revelação divina e da revelação
cientifica.
Relaciona-se com a religião, na medida em que é considerada como uma verdadeira
filosofia de vida, pois, são através dos ensinamentos que lhes são transmitidos, que
os seus adeptos e simpatizantes, buscam moldar os seus comportamentos de
acordo com os ensinamentos fundamentais deixados pelo Cristo, basilares da
própria Doutrina, que permitem a constante evolução do ser, para que o mesmo
possa estar em direção da Inteligência Suprema de Deus, causa primeira de todas
as coisas.
Porém, o seu caráter científico é muito mais acentuado, apesar do desconhecimento
de tal fator pela maioria das pessoas, sendo que há a conclusão precisa de que o
Espiritismo é uma ciência da observação, e não um mero produto da imaginação.
Neste contexto, a psicografia nada mais é, do que uma expressão da mediunidade,
isto é, expressão de uma forma paranormal de comunicação provinda de uma fonte
existente em outro nível além da realidade física conhecida, exercida pelos
83
denominados médiuns escreventes ou psicógrafos, pela qual os espíritos
influenciam a pessoa, levando-a a escrever.
Com relação à possibilidade de fraude, não é espantoso que o Espiritismo também
possa ser objeto de charlatanismo, dada à realidade de que tudo pode tornar-se
objeto de exploração.
Contudo, soluciona-se a desconfiança que é dirigida à boa-fé dos médiuns, através
de estudos e experiência, meios estes adequados para assegurarem a realidade dos
fatos.
Quando posta em dúvida a autenticidade e a veracidade da comunicação espiritual,
foi-se verificado que é absolutamente possível da psicografia ser posta sob o exame
da grafoscopia, de acordo com o trabalho escrupuloso e minucioso realizado pelo
perito judiciário Carlos Augusto Parandréa.
Confere-se, através do exame grafotécnico, vertente da perícia, uma maior
segurança à comunicação expressa em sua manifestação, sendo mais uma forma
de validar a sua cientificidade e os efeitos que suas manifestações externam.
A complexidade do ritual judiciário do processo penal, por sua vez, visa fazer uma
reconstrução aproximativa de um fato passado, através das provas, para que o juiz
possa exercer sua atividade recognitiva, para que possa atingir um convencimento a
respeito do dos fatos, sendo o mesmo externado na sentença.
Com efeito, no processo penal condenatório, o recolhimento de elementos, torna-se
fundamental para que a verdade acerca dos fatos possa ser alcançada e a justiça
possa ser realizada, sendo que, por mais difícil que seja a reconstrução do fato
delituoso, o mesmo é um compromisso irrenunciável da atividade estatal
jurisdicional.
Sendo o ato de provar, consistente no estabelecimento da existência da verdade do
que se afirma, entende-se, pois, como prova, os elementos produzidos visando
estabelecer, dentro do processo, a existência de certos fatos, sendo que os objetos
de prova são justamente os acontecimentos que versam sobre o caso penal.
Então, por que a carta psicografa não estaria inserida neste rol de elementos,
visando reconstruir a verdade aproximativa dos fatos, uma vez que a produção de
84
provas, durante a persecução penal, está contida nos direitos garantidos pela
própria Constituição Federal?
Com efeito, os meios de provas são todos aqueles utilizados pelo juiz, direta ou
indiretamente, para que o mesmo possa conhecer a verdade dos fatos, estando eles
previstos em lei ou não.
Não deve haver, no processo penal, qualquer limitação à prova, sob pena de ser
desvirtuado o interesse do Estado, na justa atuação da lei. Desta forma, podem ser
especificados em lei os meios de prova ou, podem ser todos aqueles moralmente
legítimos, mesmo que não estejam previstos no ordenamento jurídico, sendo estes
chamados de provas inominadas, não havendo, portanto, um rol taxativo de provas,
e sim meramente exemplificativo.
Uma prova é admissível, sempre que nenhuma norma a afaste. E, não há no
processo penal, nenhuma norma que afaste a utilização de documentos
psicografados.
Neste diapasão, houve a proposição do Projeto de Lei nº. 1.705, de 2007, pelo
Deputado Rodovalho, pretendendo alterar o caput, do art. 232, do Código de
Processo Penal, para que fossem considerados documentos quaisquer escritos,
instrumentos ou papéis, públicos ou particulares, exceto os resultantes de
psicografia.
O projeto em comento acabou sendo arquivado pela Mesa Diretora da Câmara dos
Deputados, nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados, uma vez que a legislatura findou-se, e a proposição ainda se encontrava
em tramitação.
Dentre os votos proferidos pelos Deputados integrantes da Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania, destaca-se o argumento utilizado pelo
Deputado Federal Marcelo Itagiba, o qual aduziu que tal pretensão era injurídica,
pois tolhia o exercício do magistrado no seu direito à livre apreciação das provas que
lhe são trazidas ao conhecimento para sua persuasão racional, além de
inconstitucional, por ofensa à liberdade de pensamento e de credo, bem como, por
pretender tirar o regime jurídico da laicidade do Estado brasileiro, para colocar o
mesmo em oposição expressa a uma específica crença religiosa.
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Retomando, dentro da classificação da prova, tem-se a prova documental, sendo
que a carta psicografada pode ser aqui enquadrada por analogia, como um
documento escrito, inominado, uma vez que não está catalogado dentre os meios
explícitos de prova.
No que tange ao ônus da prova, a única certeza exigida pelo processo penal refere-
se à prova da autoria e da materialidade do fato, necessárias para que prolate uma
sentença condenatória, sendo esta incumbida à acusação, possuindo, o réu, em
contra partida, a possibilidade de uma assunção de riscos, em decorrência da perda
de uma chance probatória, e não o ônus efetivamente de provar, em razão do
princípio da inocência.
A valoração das provas trazidas aos autos, é uma análise crítica que deve ser
construída com o máximo de cuidado.
O princípio do livre convencimento motivado confere ao julgador a liberdade em
valorar as provas de acordo com sua consciência, desde que motivadamente e não
ultrapassando o que consta do processo. A liberdade que o julgador terá para formar
sua convicção se refere a não submissão do juiz a interesses políticos, econômicos,
ou mesmo à vontade da maioria.
Com efeito, vigora no Tribunal do Júri, o sistema da íntima convicção pois, de fato,
os jurados decidem, sigilosamente, de acordo com a sua íntima convicção, sem
fundamentar seu voto, e mais, sem que se saiba, normalmente, qual teria sido seu
voto.
Foram trazidos, no corpo do presente trabalho, casos que envolveram a utilização da
carta psicografada, para que fosse visualizado, na conjuntura concreta, a sua
aplicação.
Ante a todo o exposto, da análise da possibilidade de utilização da carta
psicografada como meio de prova no processo penal, passou-se a defender a sua
admissão, uma vez que a sua aplicação no âmbito processual, não fere a laicidade
estatal, posto que o mesmo é instrumento garantidor das convicções religiosas dos
cidadãos, direito este efetivado pela liberdade religiosa, consagrada pelo Poder
Constituinte, sendo que tanto as partes, como o juiz, possuem o direito de crer na
carta psicografada, e, através da sua convicção, se expressar. Neste momento, o
Espiritismo foi visto com base em sua religiosidade.
86
Porém, passando a olhar o mesmo sob a sua condição científica, fora identificado
que a carta psicografada não viola o princípio do contraditório, pois, mesmo não
estando submetida a este princípio quando da sua produção, a referida estará
exposta ao contraditório a partir da sua apresentação em Juízo.
Com efeito, o fundamento da Doutrina Espírita, enquanto ciência é o cerne de toda a
questão.
No que tange ao princípio da verdade real do processo penal, o qual está limitado à
verdade aproximativa, a carta psicogafada só seria mais um elemento a ser utilizado
no processo, com o intuito de elucidar a realidade fática, procurando aproximar a
verdade, ao máximo possível, da verdade real, a qual é inalcançável por si mesma.
Então, como apreendido que a carta psicografada é admissível no processo penal,
visto que não constitui meio ilícito de prova, não havendo, norma que a proíba,
sendo que a mesma estaria sendo juntada aos autos como documento escrito,
sendo prova inominada, por não estar taxada no rol daquelas elencadas no Código
de Processo Penal, ressalvando-se que o exame grafotécnico é meio hábil a
autenticar a autoria das alegações contidas na carta psicografada. Ademais, o
argumento da falibilidade desta prova, não prosperou, em virtude de este fator
circundar por qualquer outro meio de prova existente.
Assim sendo, assegurado ao juiz a livre apreciação da prova, o mesmo pode valorar
qualquer uma, inclusive a carta psicografada, sendo que a apreciação desta estará
dependendo da formação religiosa do magistrado e das suas experiências
adquiridas ao longo da vida.
Salienta-se que há a necessidade de critério, prudência e cautela na aferição do
valor probante da carta psicografada, assim como das demais provas existentes nos
autos.
O julgador ao admitir a prova psicografada, não deve considerá-la como prova
central, fundamental para julgamento da causa. O mesmo deverá utilizar-se da prova
psicografada como meio de prova subsidiário, dando respaldo às conclusões obtidas
através dos demais meios de prova carreados aos autos.
Acrescenta-se que só devem ser utilizadas as psicografias que contenham
informações bastante úteis, ricas e específicas em relação às versões dos
87
acontecimentos a serem provados, o que reforçaria a convicção do julgador a
respeito da sua autenticidade.
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