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CAPÍTULO 5 O PÚBLICO Esta obra não faria sentido se dela estivesse ausente o público, razão de qualquer projeto na área de informação. O estudo do público das instituições culturais começou a ser objeto de preocupação desde o final dos anos 60, firmando-se a partir de 1969, quando BOURDIEU (1969) desenvolveu e publicou a pesquisa sobre o público dos museus na França. Naturalmente, essa preocupação decorre em grande parte da necessidade dessas instituições - sobretudo daquelas mantidas pelo poder público, mas também das que dependem de financiamentos externos e patrocínios - de justificarem sua existência e seu alto custo de manutenção. Alguns anos antes, já se havia iniciado, na biblioteca, um movimento pela melhoria de seu desempenho, entendido como o atendimento satisfatório às necessidades do usuário. Na ocasião, foram desenvolvidos os primeiros estudos que tinham como objetivo traçar o perfil do usuário de determinado serviço de informação. Foram, a partir de então, propostas as primeiras metodologias voltadas à pesquisa de público de bibliotecas e serviços de informação e a Biblioteconomia, que era fundamentalmente centrada no acervo, sua guarda e preservação, passou a

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CAPÍTULO 5

O P Ú B L I C O Esta obra não faria sentido se dela estivesse ausente o público,

razão de qualquer projeto na área de informação. O estudo do público das instituições culturais começou a ser

objeto de preocupação desde o final dos anos 60, firmando-se a partir de

1969, quando BOURDIEU (1969) desenvolveu e publicou a pesquisa sobre o público dos museus na França.

Naturalmente, essa preocupação decorre em grande parte da

necessidade dessas instituições - sobretudo daquelas mantidas pelo poder

público, mas também das que dependem de financiamentos externos e

patrocínios - de justificarem sua existência e seu alto custo de manutenção. Alguns anos antes, já se havia iniciado, na biblioteca, um

movimento pela melhoria de seu desempenho, entendido como o atendimento satisfatório às necessidades do usuário. Na ocasião, foram desenvolvidos os primeiros estudos que tinham como objetivo traçar o perfil do usuário de determinado serviço de informação. Foram, a partir de então, propostas as primeiras metodologias voltadas à pesquisa de público de bibliotecas e serviços de informação e a Biblioteconomia, que era fundamentalmente centrada no acervo, sua guarda e preservação, passou a

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focalizar prioritariamente o usuário e adequar o acervo e os serviços das bibliotecas e centros de documentação de forma a atender às necessidades daquele.

Nessa linha, começaram a surgir os primeiros serviços de disseminação de informação, serviços personalizados desenvolvidos com base no perfil de interesse do usuário.

Como decorrência e numa segunda etapa, surgiu a preocupação

com o não-público, ou seja, com aqueles que não freqüentam os equipamentos culturais. A idéia era descobrir quem ficava de fora e por que

razão. Nas bibliotecas, além da preocupação com o não-público, os

profissionais começaram a se preocupar com as questões não respondidas e as pesquisas não atendidas.

Até então - e isso, infelizmente, ainda prevalece hoje em dia - os

relatórios e dados estatísticos coletados apontavam apenas quem freqüentava os serviços de informação, que pesquisas fazia e os materiais que utilizava. Dificilmente se registravam as obras procuradas, mas inexistentes no acervo, as pesquisas não resolvidas, a informação não fornecida. Mais raro ainda era encontrar profissionais que se preocupassem com os que não freqüentam seus serviços, que passaram a ser denominados usuários potenciais, ou seja, aqueles que, potencialmente, deveriam estar utilizando os acervos e os

serviços daquelas unidades de informação, por fazerem parte do público-alvo

da instituição. Hoje, a preocupação vai mais longe: como ampliar o público e

aumentar o uso dos serviços existentes. Na área de arte, dada a crônica escassez de recursos humanos e

a carência de recursos materiais e informacionais de algumas bibliotecas, foram poucas as iniciativas nesse sentido. As bibliotecas de arte ainda são

subutilizadas e muitos profissionais da área não têm o hábito de freqüentá-las.

Por outro lado, a questão do público da informação de arte ficou ainda mais complexa com a entrada em cena das redes de informação, como

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a Internet. É mais um registro de público que se deve monitorar, embora isso possa ser feito com certa facilidade, pois os provedores geralmente podem

fornecer esse serviço a seus clientes - não apenas o número de consultas

(avaliado pelo número de clicks para entrada nos diversos sites), como também o tempo de visita e, se se desejar, a identificação do visitante. Além disso, muitos desses sites oferecem a possibilidade imediata de contato com a instituição, por meio de um endereço eletrônico, o que é uma forma simples e eficaz de se ter um retorno em relação à satisfação do visitante com o site, e uma forma de abrir um canal de comunicação dos visitantes com a instituição. O interessado poderá tirar dúvidas, complementar informações, solicitar pesquisas, ou, apenas, emitir opiniões.

O número de visitantes a alguns sites de museus de arte de São Paulo é surpreendente. O MASP, por exemplo, com a exposição de Monet, chegou a apresentar, num domingo, 5.000 consultas. Embora não tenhamos dados para afirmar que a Internet esteja formando público para a arte, não podemos negar que ela esteja expondo milhares de pessoas à arte, principalmente por meio das exposições virtuais. Esse contato pode levar ou não o indivíduo ao museu, para ver a obra, ou à biblioteca para ter informações sobre a obra ou sobre o artista, mas, sem dúvida, é um ponto de referência para alguém que talvez, sem o fascínio das novas tecnologias, jamais tivesse despertado para a arte. Evidentemente não se pode ignorar que, especialmente no caso da exposição de Monet, há outros fatores que podem ter interferido no número de visitantes do site, sobretudo a mídia montada em torno da exposição e o elevado número de pessoas que foram ver a exposição, responsável por intermináveis filas de pessoas e por engarrafamentos de trânsito na Avenida Paulista. No entanto, outros sites de museus de arte também são muito visitados, principalmente quando apresentam imagens do acervo ou de exposições temporárias.

Um aspecto que me pareceu muito relevante foi a possibilidade de ‘conversa’ com o museu, que a Internet acabou inaugurando. A rede

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aparece, assim, como um canal informal de comunicação que tem um papel importante na aproximação do museu a seu público. O indivíduo fala à instituição, dispensando a hierarquia, o conhecimento de qualquer pessoa no museu, horários ou formalidades. Dessa forma, a rede pode gerar uma familiaridade interessante entre o indivíduo e a instituição e seu acervo, fundamentada em uma ‘intimidade’ anônima.

A Internet criou, assim, um novo público para a cultura, que não é o público real (o que está presente, no caso, na biblioteca, no centro de documentação e no museu), nem o público potencial (o que deveria estar presente), mas o público virtual (cuja presença é intermediada pela informática). É preciso que se desenvolva uma metodologia para análise desse público, que não pode ser ignorado pelos pesquisadores da área de cultura, porquanto seu conhecimento será fundamental na definição dos conteúdos a serem veiculados, bem como nos recursos a serem investidos

nesse setor. E tal análise torna-se essencial, pois dela decorrerá a

possibilidade de, a partir de agora e crescentemente, construir a articulada sintonia de todas as políticas de manutenção, aquisição, catalogação e ocupação de espaços físicos de acervos, e as decorrentes definições de ordem

financeiro-administrativa que conformarão os futuros espaços museológicos

e seus conteúdos – trata-se, em suma, de antecipar o museu do futuro,

moldando-o à medida que novas demandas surjam e possam ser atendidas.

Ao lado do público de arte das redes eletrônicas, verificamos que

também está-se ampliando, dia a dia, o número de consumidores de CD-ROMs de arte. Bill Gates, já no final dos anos 80, contactou museus em todo o mundo para conseguir cessão de direitos, no início, com exclusividade, para a digitalização de obras de arte. Na verdade, o que Gates desejava é que os museus desistissem, a seu favor, da liberdade de vender imagens digitalizadas de obras de seu acervo a qualquer outra companhia ou de desenvolver produtos comerciais por sua própria conta. Dada a indignação de muitos diretores de museus contra o que consideravam uma forma de

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“imperialismo cultural”, Gates mudou a proposta, aceitando direitos sem exclusividade, passando a assinar contratos com vários museus com o objetivo de estocar imagens de obras de arte que poderiam ser colocadas à disposição do público tanto por meio de CDs quanto de redes eletrônicas. Em janeiro de 1995, a Continuum Productions1 contava com 200.000 imagens de obras pertencentes a acervos de museus em sua coleção, das quais 25.000

referem-se a obras de arte. Para se ter uma idéia do consumo desses produtos, basta citarmos o CD da Micro Gallery de Londres, comercializado pela Microsoft, que, até janeiro de 1995, havia vendido 100.000 cópias, ou o CD do Louvre, comercializado pela Réunion des Musées Nationaux, da França, que, como vimos no capítulo 4, já vendeu mais de 220.000 exemplares.

Esse sucesso comercial das publicações eletrônicas confirma a existência de um público consumidor de informação sobre arte, cujo perfil ainda não foi suficientemente pesquisado, mas que certamente inclui pessoas que não têm o hábito de freqüentar museus, ou seja, novos públicos que podem vir a se interessar pela obra original, e ir ao museu.

5.1 A informação e o especialista

Quanto ao público real das bibliotecas e centros de documentação em arte, consiste este, em sua grande maioria, de estudantes e pesquisadores. Essa categoria, além de formar o público sistemático das bibliotecas universitárias, ocupa também as poucas mesas das bibliotecas de museus de arte, dos centros de documentação e dos arquivos da cidade de São Paulo, além dos setores especializados em arte das bibliotecas públicas. São, principalmente, estudantes de graduação de cursos de arte ou de áreas afins,

1 Continuum Productions é o nome da empresa de Bill Gates destinada especificamente à digitalização de obras de arte pertencentes a museus. A empresa anterior - Interactive Home

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que têm arte em seu curriculum. Os alunos de primeiro e segundo graus geralmente não freqüentam as bibliotecas de arte, com exceção, para os mais

velhos, das bibliotecas públicas, incluindo-se aqui o setor especializado das

grandes bibliotecas, como a Mário de Andrade ou a Alfredo Volpi, do Centro Cultural São Paulo, como também as bibliotecas de museus públicos, como a Pinacoteca do Estado, por exemplo, de que tratamos no Capítulo 3. O

interesse desses alunos, muitas vezes, gira mais em torno do tema - sobre o

qual desejam texto e imagens - do que da própria arte. Assim, é comum irem

à Biblioteca da Casa da Fotografia Fuji para fazerem pesquisas sobre a Amazônia, por exemplo. Constituem exceção os estudantes que desenvolvem alguma atividade artística e procuram a biblioteca para fruição ou em busca de informações técnicas ou teóricas, ou mesmo didáticas, voltadas a seu aprimoramento técnico e artístico.

Verifica-se que, pela ausência de boas bibliotecas em muitas

faculdades particulares, a busca dos espaços públicos por parte de alunos dessas faculdades é indispensável para que possam dar conta dos trabalhos dos cursos que freqüentam. Esses alunos, geralmente, desconhecem fontes de informação e metodologia de pesquisa, elementos indispensáveis para um trabalho sério em qualquer área.

Sobre os alunos de graduação do curso de Artes Plásticas da USP, obtivemos a informação, de parte de alguns de seus professores, de que, em geral, não estão habituados à pesquisa e, o que é mais grave, não têm interesse por essa atividade, por estarem mais voltados às práticas artísticas. No entanto, esses professores consideram o trabalho de pesquisa, o contato com o conhecimento acumulado sobre as teorias, a crítica e a história da arte, bem como o estudo de técnicas e materiais, indispensáveis aos estudantes de arte.

É evidente que todo esse conhecimento seria absolutamente

imprescindível se tivéssemos cursos específicos de história da arte. Verifica-se, tanto a partir da observação das bibliotecas analisadas, quanto a partir da

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literatura, que, geralmente, os alunos de graduação procuram a biblioteca para trabalhos das disciplinas de história da arte. São os professores dessas disciplinas que mais exigem pesquisa na literatura específica. No entanto, ao menos no curso de Artes Plásticas da USP, professores que ministram disciplinas práticas voltadas às várias linguagens artísticas, declararam recomendar aos alunos o uso de bibliotecas e fontes de informação, paralelamente ao contato com a própria obra de arte, em museus e galerias.

Falta, tanto aos alunos de graduação, quanto aos de pós-graduação, seja da USP, seja de outras faculdades, conhecimentos mínimos sobre as fontes de informação na área, que incluam desde bibliotecas, serviços de documentação e arquivos, até obras de referência e fontes de informação em meios eletrônicos. A ausência dessa orientação é muito grave em nosso país, onde a informação ainda não está adequadamente organizada e acessível, onde os projetos são freqüentemente descontinuados, sobrando deles alguns fragmentos que, muitas vezes, são importantes fontes de pesquisa, mas, salvo raras exceções, de difícil acesso. Como já observamos em capítulo anterior, a literatura e a documentação existentes na área

caracterizam-se pela dispersão e, sem um mapa dos ‘tesouros escondidos’, o

trabalho de pesquisa se torna muito árduo e desanimador.

Essas dificuldades fazem-se notar especialmente entre os pós-graduandos, que perdem muito tempo atrás de informação e que acabam na dependência de pistas fornecidas por seus orientadores ou por colegas. Sem canais livres de circulação de informação, esses pesquisadores correm o risco de fazerem levantamentos já elaborados por outros ou de deixarem de consultar fontes relevantes, em prejuízo da qualidade de seus trabalhos.

Por outro lado, conforme depoimento de Regina Silveira, artista plástica e professora da ECA2, a Universidade, embora aceite projetos artísticos como trabalhos acadêmicos, não dá condições para que esses

2 Regina Silveira é artista plástica e professora, com doutorado e livre-docência pela ECA. Orienta alunos da pós-graduação daquela Escola, sendo a maioria deles artistas.

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trabalhos sejam adequadamente documentados. O que fica depositado na Biblioteca, como resultado de todo o esforço desses artistas pesquisadores, são memoriais, que, segundo ela, são “horrorosos”, com reproduções mal feitas e que, nem de longe, retratam os trabalhos apresentados, que, muitas vezes, foram “lindas exposições e ótimos trabalhos”. Assim, por questões relativas a dificuldades de documentação desses trabalhos, a produção acadêmica dos artistas é desvalorizada e, devido a essa precariedade, não existe, segundo a referida professora, “um corpus de conhecimento formado nesses 15 anos” e “não há o que mostrar a outros orientandos”.

A professora Annateresa Fabris3 também considera fundamental a documentação adequada do trabalho acadêmico do artista que, para ela, é o que importa da produção apresentada, ressaltando que o trabalho apresentado não pode ser simplesmente ilustração de texto. Nesse sentido,

lembra que os alunos de pós-graduação devem ser alertados para as

possibilidades de bolsas, como as da FAPESP, que costumam oferecer uma ‘reserva técnica’ que pode ser utilizada, dentre outras coisas, para a documentação necessária ao trabalho.

Por essas razões, a questão de como documentar o trabalho de arte, da mesma forma que a questão das fontes de informação na área,

deveria ser tema de discussão nos cursos de pós-graduação a fim de se buscar

uma solução mais adequada para o problema. Para Regina Silveira, a questão fundamental é “decidir se a produção artística é ou não passível de ser transmitida. Se a transmissão, em alguma medida, é possível, deve existir com um mínimo de qualidade de comunicação”.

Fora do Brasil também não é feito esse registro. Há uma crítica, um acompanhamento cuidadoso, uma apresentação pública do trabalho, mas não há registro. É o caso, por exemplo, do trabalho de Ana Tavares4, cujo

3 Annateresa Fabris é professora-titular na ECA, com todos os trabalhos acadêmicos defendidos naquela unidade. Atua nas áreas de História e Crítica de Arte. 4 Ana Tavares é artista plástica e professora da ECA, onde está também desenvolvendo seu projeto de doutoramento, sob a orientação de Regina Silveira.

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mestrado, apresentado em Chicago, não teve nenhum texto e nenhum

registro formal - o que restou foram slides que ela mesma fez.

Em relação aos trabalhos teóricos, voltados à história, à estética, à crítica, estes apresentam um outro problema, que é a sua baixa difusão. Poucos trabalhos acadêmicos são publicados, o que é lamentável nessa área em que a produção nacional é tão escassa, e isso faz com que importantes pesquisas não tenham divulgação fora do âmbito universitário.

Annateresa Fabris destaca a necessidade de divulgação dos acervos de arquivos e bibliotecas, bem como de divulgação das pesquisas. Por essa razão, é de opinião que as instituições financiadoras de pesquisas deveriam garantir que uma parte dos recursos concedidos à pesquisa fossem

utilizados para sua publicação: “gasta-se um dinheiro louco em pesquisa e os

resultados de boa parte delas são guardados na gaveta. Há necessidade de triagem, mas essas pesquisas deveriam ser publicadas. Uma tese ainda vai para a biblioteca, mas a pesquisa, nem isso...” Lembra, ainda, que faltam revistas de arte de nível universitário e acha lamentável que a Universidade de São Paulo não tenha uma revista de arte. Cita duas revistas de arte de nível

universitário no Brasil, ligadas a programas de pós-graduação - Porto Arte e

Gávea - ambas com periodicidade regular e com pareceristas para a seleção

de artigos, garantindo a qualidade do material publicado. Em resumo, a falta de documentação e de divulgação das

pesquisas na área de arte, aliada a todos os outros obstáculos, já

apresentados, constitui-se em forte desestímulo à pesquisa dentro da própria

Universidade e restringe a participação mais acentuada desta na sociedade. Isso foi percebido em entrevistas com profissionais da área não

ligados à Universidade, que precisam de informação sobre arte no dia-a-dia,

para o bom desempenho de seu trabalho. É o caso, por exemplo, dos profissionais ligados ao mercado da

arte, que constituem uma outra categoria de usuários de informação de arte,

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mas que dificilmente freqüentam nossas bibliotecas ou centros de documentação.

Peter Cohn, marchand, afirmou que não prescinde de biblioteca. Possui um razoável acervo bibliográfico em casa, que, segundo

ele, “dá suporte teórico” a seu trabalho - “uma biblioteca de caráter

formativo, pessoal, que vai se ampliando ao longo dos anos”. Além disso, possui uma biblioteca na Galeria, constituída, sobretudo, por obras de referência, além de catálogos de leilões e de exposições, folhetos, artigos de jornais e algumas monografias. Conhece muito bem as fontes e valoriza a informação porque sabe que dela depende seu bom desempenho profissional. Por essa razão, decidiu informatizar o seu acervo e tem planos de entrar na Internet e de digitalizar as imagens, tão logo tenha claras as soluções relativas aos direitos de autor. A partir dessas informações acumuladas, tem a intenção de produzir material sobre os artistas com os quais trabalha. Um marchand dessa categoria é, ao mesmo tempo, consumidor e produtor de informação. Precisa tanto de informação sobre o mercado de arte, quanto sobre os artistas e as obras para produzir informação sobre aqueles com os quais trabalha.

Todas as obras adquiridas dessa Galeria são acompanhadas de um dossiê sobre o artista e a obra. Durante um certo período, esse dossiê era produzido na própria Galeria, mas, hoje em dia, os dados são compilados de outras fontes e apenas reunidos, sem serem trabalhados. No entanto, há um rigor em relação à confiabilidade nesses dados. Além disso, a Galeria tem a preocupação de elaborar catálogos para as grandes exposições que promove. Isso exige pesquisa e pessoal especializado.

Essa necessidade diária de informação especializada, no entanto, em geral não leva o pessoal da Galeria a bibliotecas. Justificaram que sua

dificuldade maior é tempo - o tempo que se perde para chegar a uma biblioteca, ser atendido, localizar o material e conseguir cópia do que interessa. Por outro lado, parecem não estar muito bem informados em relação ao acervo e aos serviços que podem ser prestados por essas

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bibliotecas. Mencionaram que, eventualmente, recorrem ao Banco de Dados do Instituto Cultural Itaú, quando precisam de informações mais superficiais, e que já utilizaram, com sucesso, a Biblioteca do Museu de Arte Moderna. Em ambos os casos, solicitaram o que desejavam por telefone e receberam a informação por fax. No entanto, só recorrem a essas instituições quando não acham, em suas coleções ou em bibliotecas de amigos, a informação de que necessitam.

Raquel Arnaud, marchande, também considera a informação

indispensável em seu trabalho e mantém-se informada por meio de jornais, revistas especializadas, presença em exposições no Brasil e no exterior e contatos no meio artístico. Assina várias revistas estrangeiras, dentre as quais destaca Art in America, Art News, Art Forum e Flash Art. Mencionou a intenção de entrar na Internet para “saber das coisas”. Trabalha com artistas fixos e, sobre eles, procura formar uma documentação, composta de fotos, slides, catálogos, artigos de jornais, etc, fornecida pelos próprios artistas. Também produz publicações sobre esses artistas, com a finalidade de

divulgar seu trabalho tanto no Brasil quanto no exterior e tem-se preocupado em produzir CDs desses artistas. Vê o marchand como agente cultural, o que significa um profissional com uma atuação continuada em torno dos artistas que representa, e acredita muito mais na eficácia de publicações impressas ou eletrônicas que a Galeria possa produzir do que em eventos, que considera ultrapassados pois, segundo ela, são caros e não dão o retorno que justifique o investimento.

Rachel Arnaud não freqüenta as bibliotecas de São Paulo e tem uma imagem muito negativa dessas bibliotecas, mas não deixou claro se isso decorre de experiências pessoais desastrosas ou de idéia preconceituosa.

Outro profissional que vive de informação é o editor de livros de arte. Embora normalmente conte com uma equipe para fazer o levantamento de material para seu trabalho, nem sempre essa equipe recorre a bibliotecas.

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Jacob Klintowitz, escritor, crítico de arte e editor, tem dezenas de obras publicadas na área de arte, mas, normalmente, não recorre a bibliotecas para coletar material para suas pesquisas, pois, segundo ele, “as bibliotecas são muito desaparelhadas” para as coisas que quer. Por isso,

recorre à sua própria biblioteca, a outras pessoas - geralmente artistas - ou

suas famílias - ou historiadores, e a arquivos de jornais. Considera as coleções

particulares muito precárias, porque muito material acaba sendo descartado, principalmente quando o artista morre: “os esboços do artista, essas coisas todas, vão para o lixo. Não há um lugar do Brasil para onde essas coisas possam ir”. Segundo ele, as instituições estão desatentas em relação à “produção histórica da cultura visual brasileira”. Além de mencionar a pobreza dos acervos das bibliotecas, Jacob Klintowitz levanta dois outros graves problemas: a questão do tempo que se perde em busca de uma informação nessas bibliotecas e os obstáculos burocráticos que, muitas vezes, são intransponíveis. Na verdade, essa posição teve origem em experiências negativas do escritor em bibliotecas da cidade e ele, ao final de um relato sobre suas andanças atrás de uma tese de que necessitava, desabafa: “foi um dia de luta com aqueles funcionários e saí com a certeza de que não voltaria mais ali, primeiro porque tive que deixar todas as minhas coisas na portaria, como se tudo fosse material explosivo...e nunca mais voltei. Acho que sou canhestro, que deve haver gente que sabe mexer melhor com tudo isso. Sou do gênero primitivo: quero tal coisa, quero olhar, quero levar.”

A conversa com Jacob Klintowitz mostrou dois aspectos, pelo menos, que devem ser objeto de reflexão por parte dos bibliotecários. Um deles, diz respeito à imagem que muitos potenciais usuários ainda têm de

biblioteca - um organismo pouco ágil, ineficiente, burocratizado, com acervo

incompleto e pessoal despreparado. Embora ele tenha, de fato, sido vítima de experiências negativas em bibliotecas, não teria formado essa imagem se tivesse recebido outro tipo de tratamento em outras instituições ou se conhecesse melhor o acervo e os serviços que nossas bibliotecas de arte

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oferecem que o estimulassem a vencer obstáculos iniciais, difíceis, é certo, mas cujo transtorno seria compensado pela qualidade do acervo. Portanto, cabe às bibliotecas de arte, isoladamente ou em conjunto, mudar essa imagem por meio da divulgação de seus acervos, serviços e produtos, bem como da constante melhoria da prestação de serviços de qualidade, a fim de ganhar novos públicos.

É curioso que o mesmo profissional usa regularmente os arquivos de jornais, onde afirma encontrar todas as informações de que precisa, com a necessária rapidez, pois é a partir de um bom levantamento

que escreve seus textos. Dispõe-se, assim, a pagar pela informação, desde que possa receber um produto de qualidade.

Essa opinião também foi expressa por Peter Cohn, da Dan Galeria, que afirmou estar disposto a pagar por um serviço de informação

que o auxilie em seu trabalho, desde que possa assegurar-lhe confiabilidade, precisão e rapidez, ou seja, que objetivamente apresente vantagens.

Em contrapartida, há professores, especialmente de história da arte, para quem as bibliotecas funcionaram como verdadeiros centros de formação. O professor Walter Zanini5 afirma que é, assim como outros críticos de arte, seus contemporâneos, autodidata, e que as bibliotecas desempenharam importante papel em sua formação. Inicialmente freqüentou a Biblioteca Mário de Andrade, como os outros artistas: “era um lugar de encontro”. Nos anos 70, começou a freqüentar a “biblioteca do Bardi” para

pesquisas específicas - “uma biblioteca muito valiosa, que, no entanto, não se

renovou. Revistas tradicionais de história da arte, num certo momento, deixaram de existir na biblioteca, o que é, de certa forma, irremediável hoje”. Lembra que, nos anos 70, quando chegou ao Brasil, vindo da França, onde

5 Walter Zanini é historiador, crítico de arte e professor. Dentre os inúmeros cargos que ocupou, destacamos ter sido ele o primeiro diretor do MAC, o fundador e primeiro chefe do Departamento de Artes Plásticas da ECA, curador da Bienal Internacional de São Paulo, Diretor da ECA, onde chegara a professor-titular.

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estudara História da Arte, assumindo essa disciplina na Faculdade de Filosofia da USP, a melhor biblioteca de arte de São Paulo era a da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Mais tarde, foram reforçados os acervos da Escola de Comunicações e Artes e do Museu de Arte Contemporânea da USP.

A professora Annateresa Fabris, também da área de História da

Arte, mantém-se atualizada em relação à bibliografia publicada por meio da

leitura de jornais e revistas para acompanhamento de resenhas e lançamentos, por meio de visitas a livrarias no Brasil e no exterior, onde, segundo ela, se o assunto interessa, compra; do contrário, anota. Em suas

pesquisas, trabalhou em várias bibliotecas - Biblioteca Municipal Mário de

Andrade, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e bibliotecas da USP (ECA,

FAU, FFLCH e outras) - e recorreu a arquivos, como o CPDOC, da Fundação

Getúlio Vargas, o da Fundação Bienal, e o Arquivo do jornal O Estado de S. Paulo, além de arquivos pessoais. Relata algumas dificuldades que encontrou na busca à informação, devido à desorganização das bibliotecas e à deficiência dos instrumentos de recuperação de informação:

“os recursos são mal empregados. Talvez a saída sejam as redes. Assim mesmo, o que existe não é confiável; mesmo as da USP. Às vezes vou ao Dédalus, não acho a obra e, não convencida, vou à biblioteca - acho. Por isso, nunca confio em nada. Quando fiz esse trabalho sobre Mário de Andrade, estava procurando a primeira edição do Fernando de Azevedo - A cultura brasileira. Não achei em lugar nenhum. Um dia, entrei na Biblioteca da Ciências Sociais e procurei a obra no catálogo. Não estava. Fui à estante e encontrei. Não tinha ficha. Fui de teimosa, porque precisava fazer uma nota sobre as ilustrações que só constavam na primeira edição. Precisava verificar aquilo...”

Também conta as dificuldades que enfrentou em relação à reprodução de material:

“Na Biblioteca Nacional é uma epopéia você fazer qualquer xerox porque nem que seja uma página, vai para um orçamento e leva não sei quantos dias. Não dá para se perder tanto tempo. As bibliotecas são muito mal equipadas para o

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serviço de reprodução. Já fiz pesquisa na Biblioteca Pública de Nova York, onde precisava transformar um microfilme em xerox - havia uma máquina e a possibilidade de fazer aquilo na hora. Em cinco minutos você resolve sua pesquisa.”

Outro problema que enfrentou diz respeito à qualidade das reproduções:

“Compreendo que a consulta a periódicos, muitas vezes, tenha de ser feita por meio de microfilmes. Há a questão da preservação, tudo isto. Por outro lado, os microfilmes que às vezes nos apresentam estão completamente desfocados, exigindo um trabalho de ‘interpretação’ para a leitura do texto. A qualidade das reproduções é muito ruim.”

Annateresa destaca, ainda, a importância da fonte primária na pesquisa e, com isso, a importância dos arquivos institucionais e pessoais.

“A questão da fonte primária não é apenas você não fazer, ou não repetir, certos erros, partindo de dados errados em fontes secundárias. A questão é que a fonte primária, bem lida, permite escrever uma outra história. Uma outra história dentro da perspectiva atual. Por exemplo, eu que lido sobretudo com o modernismo vejo que, até pouco tempo atrás, toda a história do modernismo foi escrita na ótica dos modernistas. Agora, indo às fontes primárias, você desconstrói essa ótica. Fiz esse trabalho para a minha tese de livre-docência: fui nos jornais, analisar dia por dia como se construiu a história da arte moderna. É muito diferente do que eles contam. É outra leitura. Aliás, estou incentivando todos os meus orientandos a trabalhar com pesquisa de fonte. Um deles está trabalhando com Goeldi e percebeu que o mito da marginalidade foi criado pela crítica. Ele era um artista que estava em pleno contato com os meios de comunicação de massa, em muitos jornais, editoras. Como pode ser marginal um artista que trabalha para uma editora?”

Como Annateresa, Aracy Amaral6 sempre utilizou, em suas pesquisas, os arquivos de empresas jornalísticas e os arquivos pessoais,

6 Aracy Amaral, historiadora e crítica de arte, foi professora da ECA e da FAU, onde ainda orienta pós-graduandos. Fez seu mestrado na ECA e doutorado na FAU.

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paralelamente ao material bibliográfico disponível nas bibliotecas, como a Mário de Andrade e as da USP. Destaca, ainda, a importância dos depoimentos como fonte de informação. A maioria dos depoimentos que utilizou em seus trabalhos foram por ela mesma recolhidos, o que nos revela a importante contribuição do pesquisador para a documentação da arte. Em relação a depoimentos, pouco material está disponível na cidade de São Paulo

- existem no Arquivo Lasar Segall, no Arquivo Wanda Svevo, no Arquivo Multimeios e no IEB, mas nem sempre estão devidamente catalogados, de forma a serem imediatamente acessíveis.

Da mesma forma, Vera d’Horta7 menciona que suas fontes de informação também não se limitam a bibliotecas e arquivos. Para colher material para sua dissertação de mestrado, conversou com quase sessenta pessoas que tinham convivido com Lasar Segall e, apesar de achar indispensável confrontar essas informações com outras fontes, considera que “esses depoimentos têm uma riqueza como testemunho que nenhuma outra fonte tem”. Foram também fundamentais nessa pesquisa os jornais de época, existentes na Biblioteca Municipal Mário de Andrade, e o álbum de recortes do artista que, feito em vida, carrega sempre uma seleção. Consultou, ainda, arquivos de Paulo Mendes de Almeida e de Arnaldo Pedroso d’Horta.

Sílvia Cajado8, pesquisadora de arte, salienta a questão da

fidedignidade das fontes e refere-se à necessidade de se recorrer aos

documentos primários para confirmar dados. Observa que vários livros e catálogos tiram informações uns dos outros e que o que se vê são erros que se repetem ao longo dos anos, porque poucos pesquisadores se dispõem a consultar os documentos primários.

Aracy confirma essa afirmação, ao observar que historiadores e críticos, de 1980 para cá, têm apresentado uma formação mais livresca,

7 Vera d’Horta é responsável pelo Arquivo Lasar Segall. Tem mestrado pela ECA e faz doutoramento na FAU, sob a orientação de Aracy Amaral. 8 Sílvia Cajado é pesquisadora de arte e trabalha na Dan Galeria.

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pautando seus pareceres em autores tanto da área de Arte quanto da Filosofia, por exemplo.

Para Walter Zanini, em que pese a importância das bibliotecas e fototecas, nada substitui os originais; nem a fotografia, nem as imagens digitalizadas, nem o vídeo. Considera a visita aos museus fundamental para o estudo da arte, e estimula os alunos a visitarem os museus da cidade e, se possível, do exterior, embora, não dispense, em suas aulas, o uso dos slides. De outro lado, reconhece a importância da fotografia como forma de documentação da obra de arte, indispensável em algumas atividades, como nas questões de atribuição de autoria, por exemplo, em que as fotos permitem verificar se as obras sofreram alguma intervenção ao longo dos anos.

A grande preocupação de Walter Zanini diz respeito à continuidade dos projetos institucionais, que afetam, com freqüência, nossas instituições culturais e, em conseqüência, seus acervos e as possibilidades de acesso a esses acervos. Cita, nesse sentido, as dificuldades que vem enfrentando ao pesquisar a Videoarte no Brasil:

“Embora eu possa ler sobre eletrônica e as novas manifestações artísticas e embora eu tenha acompanhado toda essa produção, é diferente quando a gente quer pesquisar sério determinado assunto. Para começar, você tem de ver os vídeos. A quem vai recorrer? Aos artistas? Eles muitas vezes não têm, dizem que doaram a uma instituição. As instituições, no Brasil, pecam também pela transitoriedade das pessoas responsáveis pelos serviços. O MIS, por exemplo, em determinado momento, se interessou pela videoarte e formou um acervo. Quando mudaram as pessoas responsáveis, parece que o acervo também mudou de lugar, teria sido juntado à documentação”...

Assim como Walter Zanini, anos mais tarde, seu antigo aluno e depois também professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, Tadeu Chiarelli9, foi um grande usuário das bibliotecas de arte de São Paulo,

9 Tadeu Chiarelli foi aluno da ECA, na graduação e na pós-graduação. Como professor daquela Escola, trabalha na área de História e Crítica da Arte. É curador do Museu de Arte Moderna de São Paulo.

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destacando, principalmente, a Biblioteca Mário de Andrade, a Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes, onde estudou e leciona, a Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e a Biblioteca do Instituto de Estudos Brasileiros. Mencionou, também, o Arquivo Wanda Svevo, da Fundação Bienal de São Paulo. Considera sua atividade profissional indissociável da Biblioteca, tanto como professor como curador de museu.

Este é o caso, também, de Paulo Herkenhoff10, cuja atuação como curador, tanto no Museu de Arte Moderna, quanto na Fundação Eva Klabin, bem como em outras funções que desempenhou, sempre incluiu projetos para a área de biblioteca e documentação. Herkenhoff afirmou não ter muita experiência como usuário de bibliotecas de arte, pois tem uma biblioteca pessoal de cerca de 7.000 volumes e, se não tem em sua coleção o que precisa, procura comprar. Conforme suas próprias palavras, “eu não gosto de não ter um livro. Se eu não tenho, meu primeiro movimento é comprar. Só se eu não conseguir é que vou atrás, em bibliotecas...”

Apesar de não ser um grande usuário de bibliotecas, Herkenhoff tem uma visão muito lúcida da importância da biblioteca e da documentação nas instituições, bem como de alguns dos principais problemas da área. Segundo ele, “as instituições têm de se preocupar em guardar tudo. Não se pode destruir um documento em função da atualidade porque a gente não sabe como vai ser a pesquisa no futuro. Acho que se pode até não processar, porque é preciso definir prioridades, mas descartar é um pecado.” Sabe da importância de um entendimento entre as bibliotecas no sentido de evitar a duplicação de esforços: “São Paulo não é diferente do Rio de Janeiro em termos de desarticulação. Numa situação de carência, é preciso haver entendimento entre as instituições. A cidade deveria desenvolver um catálogo comum e uma carteira comum de assinatura de revistas.” Demonstrou ter

10 Paulo Herkenhoff é bibliófilo, pesquisador e crítico de arte. Dentre outros cargos, foi diretor da Funarte, curador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e da Fundação Eva Klabin e assistente da presidência na Biblioteca Nacional. Hoje exerce a função de curador-geral da Fundação Bienal de São Paulo.

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um nítido conhecimento da função do arquivo, da biblioteca e da documentação nas instituições, mais especialmente no museu de arte, ao afirmar que “um arquivo produz informação, não é apenas um depositário de informação” e que, no caso da arte contemporânea, “é preciso trabalhar junto com o artista para coleta de depoimento e de material e para a preparação de doação de arquivos”.

Em relação ao que guardar, Aracy Amaral, num primeiro momento, expressou a opinião de que se deve selecionar, guardando apenas o que interessa, com a orientação de especialistas. Logo em seguida, titubeou, provavelmente ao avaliar os perigos dessa seleção, ou por mãos

incompetentes, ou por especialistas com parti-pris. Vários entrevistados lembraram que a grande vantagem do Arquivo da Bienal sobre os demais arquivos é justamente o fato de possuir pastas de artistas onde tudo está reunido, sem a seleção de ‘entendidos’. Para Annateresa, “guardar tudo é complicado; não há espaço. A questão é o que selecionar e como selecionar. Eu posso estar fazendo uma pesquisa e até um convite de exposição pode me dizer alguma coisa. De repente, não foi guardado...” Considera que o problema é de espaço físico e apresenta algumas propostas de solução: “Talvez um instrumento ‘desmaterializado, microfilme, não sei o que, possa resolver isso. A outra seria ir diversificando os tipos de acervos, definindo vocações. Não dá para uma única biblioteca hoje conter tudo. As bibliotecas deveriam ter uma interconexão cada vez maior e fazer uma política de aquisições. Acho que a solução talvez fosse distribuir. Há também um

problema de como organizar esse material de maneira a torná-lo mais

acessível.” Vera d’Horta admite a necessidade de se definirem critérios

sobre o que guardar, mas reconhece que, muitas vezes a única informação que se tem sobre determinado artista, por exemplo, é um pequeno recorte de jornal. E aí esse pequeno recorte passa a ser relevante. E confessa: “Eu tenho a mania

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de guardar tudo, mas isso serve para mim; em outros lugares, as coisas devem ser decididas caso a caso.”

João Spinelli11 também acha mais seguro guardar tudo e lembra que aprendeu na faculdade, nas aulas do professor Zanini, que tudo é fonte de pesquisa: “um ticket de teatro, aparentemente sem importância, almanaques, jornais, folhinhas... Até então, achava que as fontes eram os grandes livros, os grandes autores...”

Paulo Herkenhoff valoriza o papel do bibliotecário e destaca a importância de se selecionarem profissionais que tenham alguma relação com a arte. A esse respeito, Tadeu Chiarelli que, ao contrário de Jacob Klintowitz, afirma ter tido experiências muito positivas com bibliotecas, aponta como um dos principais fatores para a existência de boas bibliotecas a qualidade dos bibliotecários. Vê o bibliotecário como um profissional que vai facilitar o acesso à informação e que, mesmo não sendo um especialista da área, pode ter suficiente “intimidade” com a área e valorizar a pesquisa, sabendo exatamente qual a sua função e conhecendo, muitas vezes, a importância do acervo que tem em suas mãos.

Conhecer o potencial da documentação que possui é fundamental ao profissional para que ele possa definir as estratégias de atendimento e de serviços e produtos a serem oferecidos a seus múltiplos públicos.

É interessante ressaltar a diversidade de públicos das bibliotecas

de arte, que abrangem desde usuários não especializados e não exigentes - que se contentam com qualquer material que possam encontrar, com a

condição, naturalmente, de que se apresente em língua portuguesa - até um

público especializado, acadêmico ou não, que necessita de uma informação específica, precisa, atualizada e confiável, para fundamentar seu trabalho.

11 João Spinelli tem doutoramento pela ECA e é professor de arte na UNESP. É historiador e crítico de arte e responsável por uma série de trabalhos de curadoria de exposições.

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Todos esses públicos devem ser atendidos dentro das possibilidades da instituição, mas com o mesmo respeito, quer se trate ou não de especialistas.

Em relação à disponibilidade de informação, quase todos os profissionais entrevistados mencionaram, em maior ou menor grau, a escassez de bibliografia produzida sobre arte brasileira. Tadeu Chiarelli detalha: “há pouco material sobre arte brasileira, as pesquisas não são divulgadas, há duplicação de levantamentos por falta de divulgação desses trabalhos. Não há nenhum catálogo completo das obras de arte brasileiras. [...] Grandes nomes de nossa arte do século XIX, como Pedro Américo e Victor Meirelles, até hoje não têm catalogação .”

Essa escassez de material bibliográfico na cidade foi também levantada pelo professor Artur Matuck12, que trabalha com uma parte ainda mais específica, que é a arte contemporânea não tradicional, ligada à arte postal, multimídia, audioarte, formas emergentes de arte contemporânea. Relata que, embora a Biblioteca da ECA tenha adquirido algum material sobre o assunto e assine alguns títulos de revistas relevantes na área, deixa muita informação de lado. A razão disto, segundo ele, é que a Biblioteca não está organizada para atender aos cursos: está distante do dia a dia dos cursos, da metodologia dos professores, das necessidades das disciplinas, faltando interação entre a metodologia de ensino e o acesso à informação. Menciona a necessidade de material especializado e destaca que, muitas vezes, recebe doações e não pode mandar para a Biblioteca pois se perderiam no meio das estantes, a menos que fossem reunidas numa área de multimídia, o que a Biblioteca não se propõe a fazer. Apesar disso, freqüentemente, encaminha seus alunos à Biblioteca para que obtenham uma fundamentação teórica que dê sustentação à sua prática. Sem essa formação, “começam a produzir coisas ultrapassadas, coisas já feitas, utilizando códigos também ultrapassados, e não adquirem a capacidade de autocrítica e nem a capacidade de avaliar o

12 Artur Matuck foi aluno da ECA, na graduação e pós-graduação e tornou-se professor junto ao Departamento de Artes Plásticas, respondendo pelas disciplinas relacionadas à Multimídia e à arte contemporânea não tradicional. É artista plástico.

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trabalho do outro...” Ressalta, ainda, a importância da imagem e da documentação não convencional, que pode ser, por exemplo, a foto de uma performance, um vídeo ou serviços de telecomunicação.

Embora Matuck aponte lacunas do acervo da Biblioteca, reconhece que, por outro lado, ela é subutilizada por alunos de outros cursos da Universidade, embora seja mantida com recursos públicos: “A Biblioteca da ECA assina revistas internacionais caras, de bom nível, mas que não são

divulgadas. Gasta-se verba com a compra de acervo e este é subutilizado. O primeiro passo é divulgar, ampliar o público, até dentro da própria USP. Os alunos da USP não conhecem esses ricos acervos. Alunos de outras unidades se interessam por arte e poderiam começar esse contato com a arte pela Biblioteca.”

Essa questão levantada por Matuck é fundamental nas bibliotecas da USP, particularmente nas bibliotecas de arte, que poderiam estar desempenhando importante papel no desenvolvimento cultural dos alunos, professores e funcionários da Universidade. Entretanto, por dificultarem a circulação de elementos de outras unidades ou, simplesmente, por não divulgarem amplamente seus acervos, acabam enclausuradas em si mesmas e subutilizadas, à exceção das chamadas obras em reserva, bibliografia básica separada pelos professores e indicada como material de leitura obrigatória.

Retomando a questão das lacunas existentes nos acervos das bibliotecas, sabemos que, em relação à arte brasileira, há, de fato, uma grande carência de publicações. Tal carência foi literalmente mencionada por Peter Cohn, que destacou a quase inexistência de obras de referência na área, dificultando sobremaneira a pesquisa.

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Índices e abstracts são totalmente inexistentes no Brasil. Os dicionários de arte publicados no Brasil são poucos e sobre arte e artistas brasileiros, mais escassos ainda e, algumas vezes, falhos. Por essa razão, Vera d’Horta considera que fonte melhor que os dicionários são os catálogos de exposições que servem para comprovar, por exemplo, que determinada exposição, de fato, aconteceu, e para identificar a data correta em que se realizou.

No entanto, a entrevista com Paulo Herkenhoff levou-nos a questionar essa propalada idéia de falta de fontes. Em primeiro lugar, fontes existem, mas o bibliotecário não vai sistematicamente atrás delas, talvez por falta de conhecimento da área. São poucos os profissionais que freqüentam sebos e livrarias e muitos nem sequer conhecem outras bibliotecas de arte. Na verdade, são poucos os profissionais que lêem, embora, nessa área, um certo toque de cultura pudesse ser importante para o profissional. As obras de referência sobre arte brasileira, de fato, são escassas, mas novas coleções de livros sobre arte têm sido publicadas no Brasil13. Por outro lado, há, como já observamos, muita informação literalmente perdida nas bibliotecas, centros de documentação e arquivos. É preciso, utilizando a expressão de Herkenhoff, “potencializar” essa informação. Dizia ele, a respeito da Biblioteca do MAM do Rio de Janeiro, que estava sendo refeita após o incêndio: “de 3.000 livros, passamos a ter 10.000 possibilidades de acesso e isso acabou sendo incorporado como prática de processamento do acervo.”

Em relação ao uso de imagens no estudo da arte, tanto Walter Zanini quanto Tadeu Chiarelli e Paulo Herkenhoff usam muito pouco as novas tecnologias. Embora Tadeu considere que o contato com a obra de arte seja “insubstituível, indivisível, um embate direto com a obra que um sujeito fez”, destaca a importância da fotografia e do slide no estudo da obra de arte:

13 Um rápido registro das que nos vêm à lembrança: da Perspectiva, as coleções Debates, série Estética, e Estudos trazem freqüentemente textos na área, além da Coleção Stylus; da Martins Fontes, Coleção A, Arte & Comunicação e Os estilos na arte; da EDUSP, Texto & Arte, Artistas brasileiros e Artistas da USP; da Hucitec, dentro da coleção Estudos Urbanos, a série Arte e Vida Urbana; e da Mercado de Letras, Arte: Ensaios e Documentos.

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“a fotografia permite estudo de detalhes, uma aproximação menos comprometida do que o vídeo, por exemplo. Documentários sempre vão mostrar o artista pelo olhar de um autor. A fotografia tenta ser mais isenta.” Tadeu acha que as novas tecnologias são reproduções que “deturpam a obra de arte”, “diluem a imagem”. Por isso, considera “menos problemático você lidar com o slide, que deixa bem claro ser uma ferramenta, do que com uma reprodução, que tenta chegar mais próximo à obra de arte, como ela seria na sua materialidade”.

Herkenhoff não demonstrou muita angústia em relação às imagens digitalizadas. Apenas acha que a informática não é a linguagem dele: “eu tenho o prazer do livro, por isso o livro, para mim, é mais interessante que a Internet”. No entanto, admitiu ser essa uma questão geracional e não hesitou em mostrar que seus “cacoetes de pesquisador” não o impedem de utilizar a Internet, de reconhecer que ela é uma importante fonte de informação, e de participar do projeto de um site da Bienal.

Durante o processo de elaboração da tese que deu origem a esta

publicaç, pudemos observar que, ao longo dos últimos três anos, foi-se

gradualmente reduzindo a resistência de profissionais de museus e bibliotecas em relação à adoção das novas tecnologias para suporte ou processamento de informação por essas instituições. No entanto, a aceitação das novas tecnologias pelos profissionais que lidam com as artes ainda não é unânime; eles apenas as toleram. Um bom exemplo da ‘precaução’ desses profissionais pode ser tirado de um depoimento de Alan Shestack, um dos diretores da National Gallery of Art de Washington, publicado em 1995, quando estava para ser inaugurada a Micro Gallery daquele museu, um sistema que possibilita aos visitantes o acesso a informações e imagens de cerca de 2.000 obras, as mais representativas pinturas e esculturas do acervo: “Being a relatively conservative museum professional, I believe that the last thing we want to do in an art museum is divert people’s attention from the original.”(STRAND, 1995, p.35). Ainda está presente entre

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profissionais de museus e professores de arte a preocupação com a

substituição da arte pela reprodução - “to what degree will the fashionable technology detract from the primary experience of seeing the art itself?”

(STRAND, 1995, p.36) - e o medo de que a visita virtual substitua a visita

real, o que, na National Gallery, em alguns casos, acabou ocorrendo. No entanto, o próprio Shestack acabou admitindo que o benefício potencial para a maioria das pessoas era tão grande que valia a pena, porque o computador, além de permitir ao visitante programar sua visita e ter informações de forma interativa sobre o museu e sobre as obras, possibilita que ele veja obras

que podem estar temporariamente fora de exposição - para empréstimo ou

restauro, por exemplo. Na verdade, um fator fundamental nessa relação com as novas

tecnologias é a qualidade do conteúdo veiculado. Muito material inexpressivo, está sendo veiculado pelas publicações eletrônicas e pelas redes,

aproveitando-se da força dos novos meios. Por essa razão, é compreensível a

cautela por parte do pessoal especializado, mas é também preciso que se desenvolvam instrumentos eficazes de avaliação do que é veiculado por esses novos meios, o que ajudaria tanto os produtores de informação quanto os seus consumidores, que teriam parâmetros que lhes permitissem discernir os produtos oferecidos e exigir qualidade. E aí poderá acontecer o inesperado, conforme esse depoimento: “I felt a sense of intimacy with the artwork that I hadn’t expected from a computer” (STRAND, 1995, p.38).

Os artistas são considerados pelos bibliotecários os grandes ausentes das bibliotecas de arte: “Eles vêm aqui só para verem se sua pasta14 está completa”, mencionou uma bibliotecária de museu de arte. O fato é que as necessidades de informação dos artistas são diferentes das do historiador e do crítico de arte, ou do professor. Precisam de recursos que estimulem ou alimentem o processo criativo e, por essa razão, fica muito difícil aos

14 A bibliotecária refere-se, aqui, ao dossiê de artistas, geralmente com obras no acervo, que a maioria das bibliotecas de museus de arte possui e que se constituem em importante fonte de informação sobre, particularmente, os artistas contemporâneos.

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bibliotecários preverem suas necessidades que, muitas vezes, nem eles mesmos conseguem identificar objetivamente.

Isso não significa que eles não precisem de informação. A esse respeito, o depoimento de Peter Trepanier, artista canadense que também é bibliotecário, pode ser muito útil para que as bibliotecas repensem as atividades que podem desempenhar para essa fatia de seu público:

“I browse the library for current awareness. [...] Apart from serendipitious usage, I also consult libraries for support material relating to my current art projects. [...] My training at Library School opened venues of sources and methodologies to obtain information which I never knew existed. By having this knowledge, I am at a considerable advantage over other artists to meet my information needs.” (TREPANIER, 1986, p.11)

Geralmente a consulta a bibliotecas de arte tem por objetivo a obtenção de informações sobre técnicas e materiais ou apenas acompanhar a produção artística no mundo. Muitos artistas consultam bibliotecas em outras áreas, que não de arte, a fim de obter subsídios ou idéia para projetos. Por essa razão, nem sempre o artista tem uma finalidade específica em sua visita a bibliotecas: “Browsing in a library always gives marvellous results: one finds the unexpected” (OPDAHL, 1986, p.13). Ornulf Opdahl, artista plástico norueguês, relata que nunca utilizou, segundo suas próprias palavras, uma “professional library”, e que sua necessidade de informação está ligada ao projeto de pesquisa em que está interessado em determinado momento, podendo estar relacionado a qualquer período da história da arte ou a outros assuntos. Esclarece, contudo, que está sempre interessado em imagens, sobretudo em reproduções de obras de outros artistas, a fim de acompanhar as novas tendências e experiências nos diversos campos das artes. Indagado sobre o que deveria ser o acervo de uma biblioteca de arte, esse mesmo artista declarou:

“It would contain art magazines and books within the broadest possible fields. Videotapes documenting other artists’

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work - studio talks and so forth, would be very valuable. Documentation on artists‘ own thought, opinions, philosophy of art, is very important. An art library should contain slides and music as a supplement, and literature on philosophy, religion, psychology, and cultural history as well” (OPDAHL, 1986, p.13)15.

Deirdre Stam, comentando o uso de bibliotecas por artistas, afirma que os mesmos encontram o que lhes interessa por acaso e que nem

sempre têm um objetivo ou tema de pesquisa pré-definido. Acredita, também,

que a necessidade de estímulos intelectuais do artista seja satisfeita por um

conjunto de conhecimentos maior do que a arte pode oferecer, servindo-se

desses conhecimentos para transformar suas idéias em formas e materiais visuais. Isso não quer dizer, na opinião do referido autor, que as bibliotecas não sejam importantes para os artistas, mas que o uso que dela fazem é quase imprevisível (STAM, 1995).

A única experiência, de que se tem notícia, de uma biblioteca voltada para artistas é a Soho Center for the Visual Arts Library, fundada em 1973, em Nova York. Suas coleções abrangiam principalmente a arte do século 20 e eram organizadas fisicamente por áreas de assuntos identificados por diferentes cores. Tanto o pessoal quanto o público era constituído por artistas e sua freqüência era considerada muito satisfatória até 1985, quando foi fechada e transferida para o New Museum of Contemporary Art.

Na opinião de Luis Paulo Baravelli16, “o mundo ficou muito grande” e não comporta mais “coisas centrais”, como as bibliotecas e como as televisões. O artista foi um grande freqüentador da Biblioteca Mário de Andrade, “quando a cidade era no centro e possibilitava o encontro das pessoas”. Mas acha que, hoje, “esse lugar privilegiado, que era a biblioteca, onde você ia buscar uma informação, ficou prejudicado. Em primeiro lugar,

15 É importante salientar que este depoimento é de 1986, quando ainda não havia acontecido a invasão das novas tecnologias. 16 Luís Paulo Baravelli é artista plástico. Foi aluno da FAU, embora não tenha terminado o curso de Arquitetura.

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porque hoje qualquer banca de jornal tem informação; em segundo lugar, o mercado editorial também cresceu muito e você chega a encontrar material de bom preço. Tudo está disponível. É claro que ninguém vai sair de casa, enfrentar não sei quantas horas de trânsito para ir à Biblioteca da Pinacoteca para consultar não sei o quê. Hoje você fica e as coisas vêm.”

Baravelli reconhece que a Biblioteca da FAU, na época ainda na Rua Maranhão, foi muito importante para ele, quando estudante: “a Biblioteca era muito boa. Era um certo luxo. Estavam pagando meu curso para eu ficar lá...” Conta que, recentemente esteve na Biblioteca da FAU, na Cidade Universitária, que “estava vazia, exceto por um gato pingado que dormia em cima da mesa. Fiquei pensando que eu estava pagando para um fulano ficar dormindo em cima da mesa. É uma forma intrinsecamente corrupta, que passa como cultura, como coisa boa...”

Essa preocupação com o custo-benefício da coisa pública, no

caso específico, da manutenção das bibliotecas, é recorrente em seu discurso:

“O custo e o uso. Na faculdade nunca se fala em dinheiro. Fora da faculdade não se fala em outra coisa... A Universidade ignora a realidade econômica e isso passa para o ensino...”

Temos de concordar que essa preocupação é legítima e devemos nos perguntar por que razão nenhum bibliotecário e nenhum professor da Universidade levantou essa questão. Talvez se começarmos a colocar em discussão a importância da manutenção pelo Estado de acervos e serviços comprovadamente subutilizados, os mesmos deixem de ser ‘coisas sagradas, intocáveis’ e seus profissionais comecem a batalhar para dizer a que vêm e a quem servem.

A saída de Baravelli foi montar, gradualmente, sua própria biblioteca, que retrata a maneira quase acidental de como o artista busca informação, e que é, ao mesmo tempo, uma forma de compreender o artista. Baravelli conta como é sua relação com esse acervo:

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“Tem uma parte de arte. O que é muito consultado é a enciclopédia, especialmente a Britânica. Mas a minha biblioteca retrata uma grande dispersão. Por exemplo, comprei cinco revistas do Corpo de Bombeiros, dos anos 50 porque tinham um visual muito curioso, tinham umas homenagens aos chefes dos bombeiros... Há uma outra parte sobre mecânica, alguns livros técnicos de arte, livros de arte separados por locais, eróticos, revistas de escolha pessoal. Eu assinava revistas de arte, mas parei. Depois de um tempo você começa a excluir coisas, coisas e pessoas... Na primeira fase do meu trabalho, eu tinha dificuldade de filtrar. Quando você é garoto, tira foto de tudo e guarda a tira de filme com tudo aquilo. Depois, quando você fica mais velho, escolhe o que quer revelar, ao mesmo tempo em que começa a selecionar o que quer fotografar. Fica uma espécie de reflexão sobre tudo isso. Às vezes também dá vontade de rever coisas...”

Já os artistas que estão envolvidos em atividades docentes e

programas de pós-graduação na Universidade, como é o caso de Ana Tavares, Regina Silveira e outros, mostram uma tendência à busca mais disciplinada de informação, que passa mais por áreas que venham a dar uma sustentação teórica a seus trabalhos, tais como História, Filosofia, Antropologia, Semiótica, Teoria e Crítica de Arte. Outras vezes, como afirma Regina Silveira, “o conhecimento que ele procura é um conhecimento instrumental,

que vai ajudá-lo na elaboração de planos e idéias artísticas. A literatura pode

lhe mostrar o que ele mesmo está fazendo - há o problema de o artista ser

muito centrado no próprio projeto. Ele fica sempre procurando material para alimentar seu conhecimento, que ajuda a alimentar sua produção...”

Considera fundamental o contato do artista com a imagem, seja a arte - por

meio de visita a museus, a galerias - seja a imagem veiculada pela mídia. Para

isso, o contato com publicações - catálogos, revistas e livros - também é

fundamental. Na sua opinião, “as bibliotecas dos artistas são boas; pelo menos a dos artistas que pensam. Muito do trabalho dos artistas se dá pelo

contato com a imagem. Formam-se, assim, verdadeiros arquivos de imagens

nas casas dos artistas, como um depositário de idéias.“

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Além de manter biblioteca e arquivo com obras de “interesse permanente”, “livros que a gente curte ler em determinada época” e o “material relacionado aos projetos” que desenvolve e que os amigos ajudam a montar, Regina Silveira, ao contrário da maioria dos artistas brasileiros, tem a preocupação de documentar seu próprio trabalho:

“Documento muito bem meu trabalho, porque a maioria é efêmera. Existe como slide, como cromo, como fotografia. Tenho uns 700 ou 800 slides do meu trabalho. A documentação é, muitas vezes, o que fica do meu trabalho. Tenho o projeto, tenho a maquete...depois que termino de fazer o trabalho, sempre depois, faço a maquete de madeira, perfeita, como um registro. É meu arquivo de documentação. Cuido dele como posso, nas condições do ateliê. É difícil se poder manter os slides sem mofo... Quem pedia muita documentação era o Centro Cultural. Depois parou. Tenho pastas com material de todos esses anos, que serviu para o livro. O livro tem ensaios do Zanini, do Tadeu, da Annateresa, da Angélica Moraes...A informação básica fui eu que forneci. Arquivei material durante muitos anos, todos os eventos em que participei. Nessa parte, sou bem organizada. Quando a gente não guarda, as coisas somem. Os meus vídeos sumiram. Não se acha em lugar nenhum. Foram passados na Bienal e em outros lugares e sumiram. Existe uma cópia branco e preto, mas o material a cor, editado, sumiu. Há problemas sérios que acho que devem ser mencionados, que dizem respeito à produção que se deposita nas bibliotecas universitárias de arte. Fui na ECA para pegar os memoriais. É um horror. É um horror ver o que fica da pesquisa em arte para as novas gerações, quando a gente sabe que aquilo pode ter sido lindas exposições, ótimos trabalhos, etc. Isso é uma questão que precisa ser resolvida, e eu não sei como resolver isso. Penso que tenha de ser CD-Rom, alguma coisa que dê conta daquilo tudo. Antigamente, eu achava que o artista deveria depositar na Biblioteca as suas obras. Foi um erro danado. Depositei minhas gravuras na Biblioteca da ECA e também mandei para Brasília17. Acabei tirando da ECA.”

Em resumo, a maioria dos artistas não tem o hábito de freqüentar bibliotecas, constituindo exceção aqueles que estão fazendo cursos de

17 Esclarecimento: as da ECA não foram armazenadas como deveriam e apresentaram problemas de conservação; as de Brasília foram parar na casa das pessoas...

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pós-graduação. Muitos, no entanto, mantêm suas próprias bibliotecas,

comprando livros que lhes interessem e assinando uma ou duas revistas

estrangeiras; alimentam-se, também, das bibliotecas de amigos.

5.2 Estudos de público, na l iteratura

A necessidade de informação, além de variar em função de categorias de usuários, é dinâmica, ou seja, o que é adequado ou oportuno em um momento, pode ser inadequado e desnecessário em outro. Apesar disto, é possível estudar o comportamento de determinados grupos de

usuários - ou grupos profissionais ou grupos de freqüentadores de

determinadas instituições - com o objetivo de desenhar sistemas de

informação mais adequados aos perfis que forem levantados. No entanto, há muito poucos estudos de público na área de informação em arte.

Segundo FREITAG (1968, v.1 p.571-621), a especialização do

bibliotecário na área de arte (art librarianship) se desenvolveu em resposta ao crescimento da clientela especializada, originalmente composta por connoisseurs, colecionadores, curadores, pesquisadores e historiadores de arte.

Com o surgimento das escolas e dos museus de arte, a produção de informação especializada foi aumentando, assim como o interesse por essa

informação, acarretando a necessidade de organizá-la, preservá-la e difundí-la. O público se ampliou e passamos a ter, segundo aquela autora, as categorias que relacionamos abaixo, seguidas de comentários decorrentes das entrevistas que fizemos e anos de observação nas várias bibliotecas:

• os estudantes - de fato, são, hoje, os maiores usuários das bibliotecas de arte, como de qualquer outra biblioteca na

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cidade de São Paulo. Incluem-se nesta categoria os estudantes

secundários, que usam as bibliotecas para a elaboração de trabalhos escolares e, para quem, muitas vezes, as bibliotecas de arte são inadequadas, pois, com acervos muito especializados, acabam oferecendo pouco material para o nível de compreensão desses estudantes. Quanto aos alunos de graduação, de arte ou de cursos correlatos, nem sempre a situação é diferente, mas a finalidade do uso das bibliotecas é a mesma.

• os pós-graduandos - estes, por outro lado, utilizam as

bibliotecas como pesquisadores e, ao lado dos curadores de museus e galerias, dos críticos e dos historiadores, são os maiores usuários das bibliotecas e de outros serviços de informação na área. Necessitam de ampla gama de materiais na área de arte, que garantam cobertura histórica abrangente, variedade de assuntos e amplitude geográfica, além de áreas correlatas, como literatura, história e filosofia, dentre outras.

• os pesquisadores de arte, historiadores e curadores de

exposições - apresentam necessidades informacionais semelhantes, diferenciadas, porém, por pequenas nuances. Os curadores, por exemplo, precisam de fontes que ajudem a localizar obras de arte e artistas, e que auxiliem na definição da proveniência das obras de arte e de sua autenticidade. Os historiadores, cuja pesquisa se concentra no objeto de arte em si, utilizam muito as imagens para a investigação sobre estilo, composição, tema, iconografia, o conjunto da obra do artista, seus repertórios, etc. (BRILLIANT, 1988, p.123). A dimensão diacrônica da história da arte requer informações existentes em livros, periódicos, documentos antigos, e em outros registros impressos ou manuscritos. Para o historiador de arte,

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velhos livros e artigos de revistas acadêmicas são, muitas vezes, importantes fontes de pesquisa. Os pesquisadores, a seu turno, iniciam a pesquisa por fontes conhecidas e pelas referências bibliográficas citadas por essas fontes.

• os diretores de museus e galerias - necessitam, além de dados

sobre a produção, o consumo e a divulgação da arte, de informações que os auxiliem no planejamento e na administração de suas instituições, incluindo instrumentos legais, políticas governamentais para a cultura, políticas de financiamento, dados estatísticos e dados de mercado.

• marchands, leiloeiros e colecionadores - estão interessados nos

aspectos relacionados ao mercado da arte. Para estes, catálogos de leilões e de vendas são essenciais, como também obras de referência sobre arte e artistas. Embora não sejam grandes usuários de bibliotecas, eventualmente as consultam para informações de que não dispõem.

• os arte-educadores - são especialmente interessados em obras que tratam de apreciação da arte, bem como em materiais que discutam métodos educacionais e técnicas artísticas,

relacionando-as, além de toda a literatura referente à história

e à teoria da arte.

• os conservadores - além de informações sobre história da arte,

técnicas e materiais artísticos, requerem informações científicas e técnicas necessárias à sua prática que, geralmente, devem ser buscadas em bibliotecas das áreas de ciência e tecnologia. A área de conservação e restauro já tem um corpus teórico e bibliográfico próprio, contando com livros e periódicos especializados, serviços de índices e resumos, uma base de dados nacional, mantida pelo Banco de Dados sobre Patrimônio Cultural da Universidade de São

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Paulo, e até uma base de dados internacional, a Conservation Information Network, sediada no Canadá, que já está disponível via Internet.

• os artistas - procuram informações sobre materiais,

ferramentas, instrumentos, técnicas e imagens, bem como informações sobre divulgação da obra de arte e mercado. Não são usuários muito freqüentes, mas gostam de visitar bibliotecas em busca de idéias e para se manterem atualizados. Os artistas são também pesquisadores de outras áreas, relacionadas ao tema de seus trabalhos, como Anatomia, Moda, Biologia, etc.

• designers - de moda, de interiores, comerciais, industriais e

gráficos - geralmente usam uma grande variedade de materiais visuais, tanto os mais antigos quanto os atuais. Suas fontes preferidas são reproduções encontradas em periódicos e arquivos de imagens e seu método preferido de pesquisa é o browsing. Embora possam encontrar muita informação em catálogos de exposições, geralmente subtilizam ou não têm acesso a esses materiais. Alguns designers procuram ainda especificações e padrões, outros apenas amostras de materiais que podem encontrar em catálogos comerciais de produtos, tanto atuais como retrospectivos. Muitos também procuram informações sobre exposições e sobre as possibilidades de marketing de seus trabalhos.

• profissionais da área de Publicidade - também constituem uma

categoria de usuários das bibliotecas de arte. Procuram, principalmente, imagens para ilustrações, letras e idéias. Para eles, todos os recursos visuais são importantes, bem como informações sobre questões de direitos autorais. Não gostam e

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não podem perder tempo na busca de informação, nem desejam documentos muito complexos.

A primeira pesquisa de usuário de que se tem conhecimento é a de Philip Pacey, que estudou os hábitos de pesquisa dos alunos de arte da Preston Polytechnic, na Inglaterra (PACEY, 1982). Apesar de concluir que os estudantes de arte passariam muito bem sem as bibliotecas, o autor verificou que:

• os alunos de arte usam bibliotecas como reservatórios de imagens, de informação visual, como exemplo e como estímulo; os textos são de importância secundária. Daí a relevância de bancos de imagens e coleções de ilustrações das bibliotecas.

• os alunos de arte geralmente só usam as bibliotecas para fins acadêmicos para as disciplinas de história da arte e, nesses casos, buscam títulos e autores específicos;

• o aluno de arte é um browser compulsivo e, com freqüência, vai à biblioteca sem uma finalidade específica, mas preparado para encontrar alguma coisa que o ajude em seu trabalho criativo ou estimule sua imaginação;

• os alunos de arte também vão à biblioteca para saberem das últimas tendências, para se atualizarem, da mesma forma que os artistas e os designers, pelo acompanhamento dos últimos catálogos de exposições, revistas e anuários;

• informações sobre material ilustrativo relativo a artistas constituem uma parcela significativa da demanda;

• os alunos de design gráfico vêem a biblioteca não apenas como fonte de informação, mas também como um arquivo de

design gráfico - um depósito de verdadeiros artefatos (livros, revistas, cartazes, materiais efêmeros, filmes, comerciais, etc.)

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- de grande valor utilitário para o desenvolvimento de suas

atividades práticas

• os alunos de artes plásticas e de design gráfico poderiam passar sem bibliotecas, mas passam melhor com elas, desde

que se localizem em seu caminho - de nada adiantariam

grandes bibliotecas de arte distantes dos estúdios em que trabalham;

• os alunos de arte utilizam informações visuais de outras áreas, ligadas ao tema do trabalho de arte que estão desenvolvendo;

• os alunos de design utilizam também informações em outras áreas, como informações técnicas, pesquisas de mercado, ergonomia, etc.

O trabalho de maior envergadura a que tivemos acesso foi desenvolvido, em 1986, pelo então denominado Art History Information

Program, do J.Paul Getty Trust. Trata-se de um estudo dos processos de

trabalho dos historiadores de arte para servir de base para definir recursos automatizados que pudessem ser úteis no trabalho com a informação de

modo a facilitar sua pesquisa e torná-la mais eficaz e eficiente. O estudo

pretendeu averiguar:

• que tipo de informação o historiador de arte precisa;

• onde e como encontrá-la;

• como é coletada e organizada;

• o que faz com ela. O estudo verificou que o ponto de partida para o trabalho de

pesquisa em história da arte são as próprias obras de arte, que são substituídas pela fotografia quando não se tem acesso ao original. Como vimos pelos depoimentos registrados acima, há sempre uma tensão entre o uso do original e o da reprodução:

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“There are certain things you can do with a bad photograph [of a work of art], certain things that you can only do with a good photograph, and certain things that you shouldn’t do without the original” ( BAKEWELL, 1988, p.11).

As reproduções permitem aos pesquisadores manipular imagens de objetos, mas têm limitações, embora os arquivos de fotos de museus e bibliotecas sejam importante fonte para o estudo de história da arte. No ensino, os historiadores acham que devem encorajar os alunos a trabalhar tanto com reproduções quanto com os originais.

A importância do trabalho com documentação textual varia, de acordo com os historiadores pesquisados, em função do período e dos locais estudados, bem como das questões colocadas. Os catálogos ou inventários de coleções foram apontados como importantes chaves para arquivos.

A questão da organização da informação, tanto em texto, quanto em imagem, foi considerada, por esses historiadores, como um aspecto vital da pesquisa.

Trabalhos como este ajudam a definir perfis dos serviços de

informação, de forma a adequá-los ao uso que deles se pretende fazer. Por essa razão, mereceriam ser desenvolvidos em nosso meio.

Os resultados da pesquisa encontram-se, hoje, provavelmente desatualizados em alguns aspectos, mas a metodologia utilizada pode servir de parâmetro para o desenvolvimento de projetos semelhantes.

BRILLIANT, em um texto publicado alguns anos depois, afirmou,

com base em pesquisa, que os historiadores de arte apoiam-se na memória,

na intuição e na sorte para estabelecerem um contexto para a obra ou objeto de arte (BRILLIANT, 1988, p.120). Verificou que utilizam muito a imagem e, por essa razão, poderão ser beneficiados à medida que forem incorporando as novas tecnologias, que ampliam grandemente o acesso a imagens. Observou, ainda, que o historiador de arte faz uso de todos os tipos de informações existentes em livros, periódicos, documentos antigos, e em outros registros,

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impressos ou manuscritos, antigos ou novos, e que todos podem ser considerados, em princípio, importantes fontes de pesquisa.

5.3 Moral da história O perfil do usuário de informação sobre arte ainda não está

definido em nosso meio, em função da multiplicidade de fontes de informação, que vão desde canais informais de comunicação interpessoal até os meios de comunicação de massa, passando pelas redes eletrônicas, pelos documentos nos seus mais variados suportes (impressos, audiovisuais, digitais) e pelos equipamentos culturais e educacionais disponíveis (museus, centros culturais, escolas, institutos de pesquisa, arquivos, bibliotecas, centros de documentação e base de dados, dentre outros).

Estudos de público de museus e centros culturais vêm sendo regularmente desenvolvidos, no exterior, há quase trinta anos, e, no Brasil, há cerca de dez anos, mas não são voltados especificamente para a questão da informação.

Embora não haja pesquisas sistemáticas sobre o público da informação em arte no Brasil, pudemos verificar, a partir de entrevistas com especialistas e bibliotecários e dos estudos de caso que tivemos oportunidade de desenvolver, que quem usa informação nas bibliotecas de arte, nos arquivos e nos setores de documentação dos museus são os estudantes e os

pesquisadores, incluindo-se nesta categoria tanto os artistas que desenvolvem

pesquisas acadêmicas, quanto os historiadores e críticos de arte.

Fala-se muito em necessidade de informação. No entanto, só esse público e mais alguns profissionais que estão ‘escapando’ dos serviços de informação, como veremos mais adiante, necessita, efetivamente, de informação ou, para sermos mais precisos, de documentação da arte ou sobre arte, encontrada em museus, bibliotecas e arquivos. Os demais são apenas interessados, o que não lhes diminui a importância. A diferença que aqui se

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estabelece é entre os que precisam da informação para o desenvolvimento de seu trabalho, o que lhe dá um caráter utilitário, e os que têm interesse por ela, decorrente de sua ligação com a arte.

Existe uma preocupação, na Ciência da Informação, com a questão da necessidade de informação por parte dos especialistas de

determinada área ou de usuários de serviços de informação - incluindo nessa

preocupação tanto as necessidades expressas por esses usuários, como as

necessidades latentes - bem como com o nível de satisfação dos usuários em

relação aos serviços de informação disponíveis. Isto é válido para a informação científica e tecnológica, mas talvez não o seja para a área de arte, que deve ser analisada no contexto da cultura, em que informação pode ser necessidade para alguns, mas simples desejo para outros.

Para Teixeira Coelho, a noção de necessidade cultural, que aqui estendemos para a noção de informação cultural, teve origem no imaginário edificante, moralizador, da Revolução Francesa, constituindo uma versão redutora da idéia de desejo. Por essa razão, “talvez seja mais do que a hora de afirmar que a cultura, como a arte, é uma questão de desejo, mais do que

necessidade” (COELHO NETTO, 1997, p.279-280).

Essa reflexão livra os profissionais da informação que trabalham com arte da obrigação de contribuir apenas para trabalhos considerados

‘produtivos’ nesta sociedade em que vivemos, liberando-os para o que essa

mesma sociedade consideraria como ‘supérfluo’. Por outro lado, levando-se

em conta que as, assim chamadas, necessidades culturais são vinculadas muito mais à oferta cultural do que à demanda espontânea das pessoas, esses profissionais seriam também estimulados a ampliar seu público, acolhendo,

sem demérito, os não-especialistas, hoje praticamente ausentes dos serviços

de informação e documentação em arte, por meio da oferta de novos serviços e produtos.

Assim, esses serviços de informação seriam dinamizados e

ganhariam visibilidade, abrindo-se para novos públicos e enriquecendo-se

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com essa troca, de forma que o público da informação de arte apresente, pelo menos, o tamanho e a variedade do público freqüentador de museus e galerias de arte.

A ampliação do público deve ser acompanhada, obrigatoriamente, da melhoria de qualidade dos serviços, que precisam ser reestruturados à luz do conhecimento de duas vertentes que, conjugadas, definirão o seu norte: a missão da instituição mantenedora e os serviços já

existentes na cidade. Definida a vocação de cada serviço, passa-se à organização adequada dos acervos de forma a tornar a informação disponível de forma ágil e competente. Serviços ágeis, desburocratizados, dinâmicos. É disso que o usuário precisa. A maioria das críticas que apareceram nas entrevistas registradas dizem respeito muito mais a entraves burocráticos e à ineficácia dos serviços de recuperação da informação do que aos acervos propriamente ditos. Portanto, podemos partir do princípio que, mesmo sabendo que há lacunas tanto no material publicado sobre arte no Brasil, quanto no material adquirido pelas bibliotecas, isso não inviabiliza novas pesquisas. Pelo contrário, a falta de informação deve ser encarada como um estímulo à produção de novos conhecimentos. Por essa razão, documentação e pesquisa caminham juntas, já que se alimentam mutuamente de seus processos e produtos.

Por outro lado, à luz dos depoimentos colhidos, precisamos nos conscientizar de que, numa cidade como São Paulo, com todas as dificuldades de trânsito e com a falta de tempo que caracteriza a maioria da população, é preciso, em primeiro lugar, que bibliotecas, arquivos e centros de documentação divulguem seus acervos e serviços, para que os interessados saibam onde encontrar determinada informação ou documento; é preciso, também, que esses celeiros de documentos ofereçam horários de funcionamento compatíveis com as necessidades dos que trabalham e que a

informação ali armazenada possa circular com mais facilidade - no caso das bibliotecas, que se facilitem os empréstimos e as reproduções, por exemplo.

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Um serviço competente e articulado certamente poderia contar com a colaboração de especialistas, acabando com a imagem de ineficiência que nossos serviços de informação acabam carregando, muitas vezes injustamente.