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Copyright © 2014, Eduardo diamEnti

todoS oS dirEitoS rESErVadoS

pontiFÍCia uniVErSidadE CatÓLiCa dE SÃo pauLodEpartamEnto dE JornaLiSmo

proJEto ExpErimEntaL

trabaLho dE ConCLuSÃo dE CurSo

aCELEradoS

VErdadES E mitoS SobrE o tdah – tranStorno dE déFiCit dE atEnçÃo E hipEratiVidadE

Eduardo [email protected]

oriEntaçÃo EditoriaL: raChEL baLSaLobrE

diagramaçÃo: SamuEL CabraL E LuiS mELLo

rEViSÃo: môniCa rinaLdi E CaroLina rinaLdi

rEViSÃo doS tErmoS téCniCoS: daniEL CoSta

a rEproduçÃo nÃo autorizada dESta pubLiCaçÃo, no todo ou Em partE,ConStitui VioLaçÃo dE dirEitoS autoraiS (LEi 9.610/98)

rua montE aLEgrE, 984, pErdizES, FonE: (11) 3670.8217CEp 05014-907 – SÃo pauLo – Sp

noVEmbro dE 2014

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AGRADECIMENTOS

A Deus e toda minha família pelo apoio durante a elaboração deste importante trabalho

da minha vida.

Ao psiquiatra Dr. Daniel Costa, por aceitar colaborar com o projeto, revisando a parte técnica

do livro-reportagem e apresentando valiosas sugestões. À Dra. Arianne, psiquiatra infantil, por

compartilhar suas experiências com crianças, enriquecendo o livro.

À minha orientadora Rachel Balsalobre, pela confiança, disponibilidade e sugestões que leva-

rei sempre comigo não apenas no âmbito acadêmico mas na vida inteira.

Aos diagramadores Samuel Cabral e Luis Mello, pela presteza e profissionalismo durante a

confecção do livro, contribuindo com a identidade visual ao trabalho.

Às revisoras Mônica Rinaldi e a Carolina Rinaldi, pela revisão textual e por serem tão atencio-

sas, prestativas e dedicadas.

E, por fim, a todos aqueles que aceitaram fazer parte do livro e disponibilizaram um pouco de

tempo para serem entrevistados.

Eduardo Diamenti

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SOBRE O AUTOR

Eduardo Diamenti (São Paulo, 1991) teve uma infância parecida com a de muitas crianças que

conhecemos. No primeiro ano da escola, teve algumas dificuldades e não conseguia acompanhar o

restante da classe. A falta de atenção na execução de tarefas não era tão evidente, mas a hiperativi-

dade sempre foi motivo de brincadeiras. Com bom desempenho nas notas, os problemas na escola

foram superados, embora a agitação continuasse a fazer parte de sua vida.

Durante a infância, foi acompanhado por psicólogos e fonoaudiólogos, sobretudo para corrigir

pequenos problemas de coordenação motora. Por alguns anos, tomou Tegretol®, uma das únicas

opções para tratamento de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) na época,

quando medicamentos como Ritalina® e Concerta® não eram muito conhecidos no Brasil.

Já adulto, decidiu buscar mais informações sobre o transtorno e percebeu que, como ele, muitas

pessoas estavam interessadas no assunto. Uma parte delas buscava compreender o que acontecia

com seus filhos, enquanto outros acreditavam apresentar os sintomas de TDAH.

Fonte: Cibele Quinto

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O objetivo do livro-reportagem Acelerados: verdades e mitos sobre o TDAH -

Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade é disponibilizar alguns perfis de

portadores de TDAH, mostrando suas experiências de vida. As pessoas aqui retratadas

relatam suas dificuldades e problemas na escola e/ou trabalho, os modos pelos quais

ocorreram os respectivos diagnósticos e os tratamentos (com medicação ou não) a que

foram submetidas.

O livro procura esclarecer, discutir e analisar assuntos polêmicos que envolvem o

tema, como o aumento do consumo de medicamentos em algumas populações ao longo

do tempo e as principais dúvidas relacionadas ao transtorno.

Diferente dos estudos científicos sobre o TDAH, esta publicação não apresenta cri-

térios médicos ou psiquiátricos para a avaliação das personagens. A principal proposta é

trazer um olhar observador e descritivo dos entrevistados, priorizando uma visão subje-

tiva sobre o assunto.

Mostrar preconceitos, situações e vivências relativos ao transtorno também consti-

tui o foco deste trabalho. Para tanto, foram entrevistadas cinco pessoas que se declaram

portadoras de TDAH e que se dispuseram a contar um pouco de suas histórias de vida,

os problemas que enfrentaram e como superaram suas dificuldades. Acima de tudo, os

perfis apresentados têm o objetivo de transmitir as experiências de cada um dos persona-

gens, fornecendo, assim, elementos para que cada leitor chegue às próprias conclusões

sobre o TDAH.

acelerados

RESUMO

VERDADES E MITOS SOBRE O TDAH – TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE

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Capítulo 11 - Mundo contemporâneo1.1 - O que é o TDAH1.2 - Nomenclatura 1.3 - Características típicas dos portadores do TDAH

Capítulo 22 - As possíveis causas do TDAH2.1 - Hereditariedade2.2 - Outras causas 2.3 - Comorbidades2.4 - TDAH e drogas

Capítulo 3Tratamento

Capítulo 4Origem histórica

Capítulo 5Do balé ao consultótio, uma vida de mudanças

Capítulo 6Entre várias cabeças, uma bem diferente

Capítulo 7Um palhaço ensandecido entre a multidão

Capítulo 8Não faça caretas!

Capítulo 9Uma luta chamada maternidade

Capítulo 10Desabafos e relatos

Capítulo 1111 – Reflexões importantes sobre o TDAH11.1 – Desvendando o diagnóstico11.2 – TDHA, um transtorno que começa na infância11.3 – Consumo excessivo de remédios?11.4 – Restrição a medicamentos

Capitulo 12Considerações finais

Referências

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SUMÁRIO

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Nos dias de hoje, somos constantemente co-

brados por nosso rendimento na grande

maioria dos ambientes que frequentamos: no

trabalho, em casa e até mesmo entre amigos.

Devemos ser rápidos nas tarefas do dia a dia; cada se-

gundo pode valer ouro – é o pensamento comum. Esquecer

as chaves em casa, deixar de ir a uma reunião, atrapalhar-

se com o trabalho e acumular tarefas são exemplos do que

acontece diariamente com a maioria das pessoas. Cada vez

mais, o relógio parece estar contra nós e a tarefa mais simples

de ser executada torna-se uma verdadeira dor de cabeça.

A impressão que predomina é a de que as pessoas em

geral são desorganizadas, atrapalhadas e impacientes.

Cheias de energia, estão sempre em busca do novo e de

algo estimulante. É comum iniciarem vários projetos ao

mesmo tempo e abandoná-los no meio do caminho, assim

como apresentarem oscilações extremas de humor em um

curto período de tempo, além de falarem o que vem à ca-

beça, sem refletirem antes. É assim que podemos descre-

ver o homem da sociedade contemporânea.

O tipo de comportamento descrito acima pode pare-

cer natural; porém, é a partir da análise de algumas dessas

características que se chega ao diagnóstico de Transtorno

de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).

No que diz respeito às crianças, é comum observar-

CAPÍTULO 1

mundo contemporâneo

mos os comportamentos que chamam a atenção e que as

diferenciam das outras. Todos já ouvimos falar daquelas

que não param quietas, que são “ligadas no 220” como se

estivessem “plugadas em uma tomada”; ou das desastra-

das e distraídas, que não conseguem prestar atenção, que

sonham acordadas e que comprometem a concentração

diante de qualquer tipo de estímulo.

Por ser um transtorno relativamente “jovem”, isto é,

recentemente conhecido e popularizado pelo mundo e es-

pecialmente no Brasil, o TDAH tem sido tema de polêmica.

Alguns acreditam que o distúrbio está ligado a uma espé-

cie de tendência global em razão dos muitos estímulos que

o mundo moderno impõe e da cobrança por resultados e

expectativas generalizadas, de tal ordem que resultam na

distração e na inquietação dos indivíduos. Outros vão além

e afirmam que o TDAH é um modo de confortar e acalmar

aqueles que trazem consigo algum tipo de frustração esco-

lar ou profissional e veem no transtorno uma maneira de

justificar a falta de produtividade. Na realidade, a discussão

sobre a existência do TDAH acontece há muito tempo e,

ainda que não se consiga comprovar nenhum dos dois la-

dos, ele é reconhecido mundialmente como um transtorno

pela Associação Americana de Psiquiatria (APA) no Manual

Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV)

- veja mais no capítulo 4.

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Fonte: Shutterstock

Zygmunt Bauman, Tempos Líquidos

Os tempos são “líquidos” porque tudo muda tão rapidamente. Nada é feito para durar, para ser “sólido”.

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o que é o TDAH características típicas dos portadores do TDAH

nomenclatura

Segundo a Associação Brasileira do Déficit de Atenção

(ABDA), o TDAH é um transtorno neurobiológico de cau-

sas genéticas que aparece na infância e cujos sintomas fre-

quentemente tendem a minimizar com o passar do tempo.

Além disso, é caracterizado por estar associado a fatores

biológicos, sociais, vivenciais e contextuais, que podem

contribuir para a intensidade dos problemas ou dificulda-

des apresentados por seus portadores ao longo da vida. Em

outras palavras, trata-se de um distúrbio biopsicossocial.

Os principais sintomas são desatenção, distração, in-

quietude, impulsividade e/ou hiperatividade. É um trans-

torno mental crônico. Começa na infância e segue um

curso de desenvolvimento e um quadro característico no

decorrer do crescimento do indivíduo. Na maioria das ve-

zes, os sintomas tornam o convívio social complexo para o

portador do transtorno, principalmente nas escolas e em

lugares que exijam um comportamento discreto e formal.

O TDAH apresenta sintomas - dificuldades de leitura, de escrita e das habilidades perceptuais e motoras - que variam em escala, de brando até grave. Abaixo, um pouco mais sobre as três subcategorias de TDAH:

SUBTIPO DESATENTO (sem hiperatividade)Em geral, os indivíduos deste subtipo não pos-

suem características impulsivas e hiperativas. A prin-

cipal particularidade do grupo é a facilidade de come-

ter erros porque desviam a atenção facilmente e não

percebem os detalhes. Um estímulo externo, por mais

simples que seja, pode ser motivo para desconcen-

trar-se. Barulho de passos, por exemplo, podem atrapa-

lhar e dificultar o desenvolvimento de tarefas simples.

Normalmente, não conseguem concentrar-se em pa-

lestras, aulas, leitura de livros, etc. São muito esquecidos e

necessitam que se repita várias vezes a mesma coisa para

que retenham a informação. A atenção é dividida em diver-

sos elementos e situações ao mesmo tempo e não somente

na execução de uma atividade específica. Por isso, muitas

vezes não completam uma tarefa ou dever. Geralmente,

são aquelas crianças que devem ser estimuladas e lem-

bradas do que se espera delas a todo o momento – o pro-

fessor tem que dar as mesmas instruções repetidamente.

Demonstram desinteresse ou evitam atividades que exijam

atenção, como assistir a filmes, ler ou pintar. No entanto,

normalmente são conhecidas como pessoas criativas e in-

teressadas. Abaixo, algumas características importantes:

• Perdem objetos com frequência;

• Estímulos alheios à tarefa os distraem;

• Detalhes passam despercebidos;

• Cometem erros por descuido em atividades escolares,

profissionais ou outras;

• Apresentam dificuldade em ouvir ou não “escutam”

quando lhes é dirigida a palavra;

• Têm grande dificuldade para organizar e terminar as ati-

vidades diárias.

TIPO HIPERATIVO-IMPULSIVOEm geral, os pertencentes a este grupo apresentam

certa desatenção, muitas vezes decorrente de serem agi-

tados e inquietos. Mexer as mãos e/ou pés quando sen-

tados, tensionar a musculatura, apresentar dificuldade

em ficar parado no mesmo lugar por determinado tempo

são características comuns aos hiperativos. A impaciência

está sempre presente e não suportam esperar ou aguardar,

tampouco permanecer em filas. Normalmente, irritam-se

facilmente em situações em que se sentem presos. São

aquelas pessoas que querem tudo para “ontem” e demons-

tram-se incomodadas quando os outros não acompanham

seu ritmo.

• Agitam as mãos e os pés com frequência;

• Frequentemente abandonam suas cadeiras em sala de

aula ou outras situações nas quais se espera que perma-

neçam sentados;

• Correm sem destino ou sobem nas coisas excessivamente;

• Interrompem os outros;

• Têm dificuldade para aguardar a vez.

TIPO COMBINADO São os que apresentam maior prejuízo quanto ao fun-

cionamento global. Quando comparados aos outros dois

grupos, são os que possuem maior número de correlações,

ou seja, combinam o tipo hiperativo/impulsivo com o desa-

tento, apresentando características dos dois grupos.

É importante notar que a nomenclatura utilizada em alguns livros, documentários e sites difere da que podemos encontrar em outras publicações, pesquisas e estudos. Abaixo, estão listadas as principais variações:

• DDA/TDA e TDAH: Distúrbio de Déficit de Atenção (DDA) e Transtorno de Déficit de

Atenção (TDA) são termos para a mesma representação e significado, embora as siglas

sejam diferentes. Referem-se àqueles que possuem quadro de desatenção e distração

acima da média, mas não apresentam hiperatividade. Já o TDAH diz respeito aos sinto-

mas relacionados à hiperatividade e desatenção.

• TDAH e subtipos: Utilizado pela ABDA, tenta comtemplar desde o déficit de atenção até

a hiperatividade e divide-se em subtipos, a saber: desatento, hiperativo/impulsivo e com-

binado. Assim, a pessoa que apresenta déficit de atenção é denominada “TDAH subtipo

desatento”, enquanto que o portador de hiperatividade (ou impulsividade) é classificado

como “TDAH hiperativo (impulsivo)”. No caso de apresentar as duas variações, a denomi-

nação é “TDAH subtipo combinado”. Neste livro, será utilizada esta classificação.

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hereditariedade

possíveis causas do TDAH

Segundo a Associação Brasileira do Déficit de Atenção

(ABDA), os genes podem ser responsáveis por uma predis-

posição ao TDAH, mas não pelo distúrbio em si. A partici-

pação de genes começou a ser levada em conta a partir das

observações de que, em muitas famílias com portadores

de TDAH, verificava-se a presença de um ou mais paren-

tes que apresentavam o transtorno. Assim, quando o filho

era diagnosticado como portador, avaliava-se o comporta-

mento dos familiares e chegava-se à conclusão de que os

pais também apresentavam o quadro e, assim, muitas pes-

soas foram diagnosticadas em idade adulta por psicólogos

ou psiquiatras de seus parentes.

Normalmente, de acordo com dados da ABDA, a pre-

valência da doença entre os parentes das crianças afetadas

é cerca de duas a dez vezes maior do que na população em

geral, o que em termos científicos é chamado de “recor-

rência familial”. Deve-se afirmar, então, que o transtorno

possui caráter hereditário, sem grau de probabilidade

determinado. Segundo a instituição, o coeficiente de her-

dabilidade, proporção da variância do traço que pode ser

explicada por fatores genéticos, é de mais de 70%. Che-

gou-se a esta conclusão em estudos que compararam

gêmeos univitelinos e fraternos (bivitelinos) em relação a

diferentes aspectos do TDAH (presença ou não, tipo, gra-

vidade etc.). O seguinte trecho, retirado do site da ABDA,

sintetiza o que acontece geneticamente com o TDAH:

Sabendo-se que os gêmeos univitelinos têm 100% de

semelhança genética, ao contrário dos fraternos (50%),

se os univitelinos se parecem mais nos sintomas de TDAH

do que nos fraternos, a única explicação é a participação

de componentes genéticos (os pais são iguais, o ambiente

é o mesmo, a dieta, etc.). Quanto mais parecidos, ou seja,

quanto mais concordam em relação àquelas característi-

cas, maior é a influência genética para a doença.

outras causasAlguns elementos, no decorrer da

gravidez ou no curso do desenvolvi-

mento do indivíduo, podem favorecer

o aparecimento do transtorno.

ASubstâncias ingeridas na gravidez:

Nicotina e álcool, principalmente em

grande quantidade, podem causar

alterações em algumas partes do cére-

bro do bebê, como na região órbito-

frontal. Assim, mães alcoólatras têm

mais chances de dar à luz a filhos com

sintomas de hiperatividade e desa-

tenção ou que apresentem distúrbios

relacionados ao lobo frontal.

BSofrimento fetal:A relação de causa e efeito

ainda não é clara; porém, mulheres

que tiveram problemas no parto com

sofrimento fetal têm mais chances de

que seus filhos apresentem TDAH. Há,

ainda, a possibilidade de que crianças

pequenas que sofreram intoxicação

por chumbo possam apresentar sinto-

mas semelhantes aos do transtorno.

Entretanto, não há nenhuma necessi-

dade de se realizar qualquer exame de

sangue para medir o chumbo em uma

criança com o transtorno, já que se

trata de uma situação rara e facilmente

identificada pela história clínica.

Os portadores de TDAH, em geral, apresentam alte-

rações na região do cérebro denominada “córtex frontal”.

O órbito-frontal é uma das partes mais desenvolvidas no

ser humano se comparada a outras espécies animais. Sua

função está relacionada à inibição do comportamento

(controlar condutas inadequadas), à capacidade de prestar

atenção, à memória, organização e planejamento.

O funcionamento inadequado dos neurotransmisso-

res, como a dopamina e noradrenalina, que passam infor-

mação entre células nervosas (neurônios), parece ser uma

das causas do transtorno.

Uma característica dos casos de TDAH é a hipofunção do

córtex pré-frontal, ou seja, a diminuição da função desse lado

do cérebro. Quando o funcionamento da região está com-

prometido, a pessoa passa a enfrentar dificuldades quanto

à concentração, memória, hiperatividade e impulsividade.

NeuroimagemAs evidências mais contundentes de que o TDAH apre-

senta algum tipo de alteração na estrutura cerebral vêm de

diversos estudos realizados por meio de exames de neu-

roimagem. Exames desse tipo têm como objetivo mostrar

o funcionamento do cérebro e não apenas sua imagem

estática.

Há, entre eles, o PET 1 (Tomografia por Emissão de

Pósitrons) e o SPECT* (Tomografia por Emissão de Fóton

Único), que permitem avaliar a estrutura do cérebro e a ati-

vidade cerebral em momentos específicos.

CAPÍTULO 2

Figura 2: Córtex frontal1 Siglas em inglês

Fonte: Shutterstock

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comorbidades tratamentoQuando se fala em comorbidade, o assunto passa a ser mais delicado do que parece, já que significa que o TDAH pode

coexistir com um ou mais transtornos.

A explicação para a comorbidade relaciona-se a dois fatores. O primeiro diz respeito às consequências do TDAH (por

exemplo, frequentes esquecimentos, desorganização, dificuldade em realizar algumas tarefas), que podem trazer sofrimen-

tos ao portador. Nesse sentido, o desconforto que o indivíduo sente pode ser tão acentuado que ele acaba por desenvolver

fobias, depressão, ansiedade generalizada etc.

Em segundo lugar, há outros transtornos específicos que parecem ter uma relação íntima com o TDAH em suas origens

biológicas, pois atingem a mesma região cerebral (lobo frontal). Reações bioquímicas ou funcionais iguais ou semelhantes as

que ocorrem no TDAH parecem estar envolvidas em transtornos como a dislexia, que está presente em até 25% dos casos

de TDAH (SPENCER, 2006).

Aproximadamente 30% das crianças com TDAH apresentam transtornos de ansiedade, como fobia simples, social e

transtorno de ansiedade generalizada (SPENCER, 2006). Depressão acomete de 10 a 20% de crianças com o transtorno, já

a bipolaridade é identificada em uma menor proporção (SPENCER, 2006). Além disso, o TDAH frequentemente apresenta

comorbidade com a Síndrome de Tourette (ST), conhecida por provocar tiques involuntários, estando presente em até 50%

dos pacientes que a apresentam (POLANCYK, SAWADA, ANDRADE, 2011, p. 1115).

O Tratamento do TDAH deve ser multimodal, isto é, uma

combinação de procedimentos que incluem medicamentos,

orientação aos pais e professores (se criança) ou à família (caso

seja adulto) e a aplicação de técnicas específicas ensinadas ao

portador pelo médico. Na grande maioria dos casos, usa-se algum

tipo de medicação.

A psicoterapia mais indicada para o tratamento do TDAH é a

terapia cognitivo-comportamental. Somente em casos específi-

cos é recomendado o tratamento com fonoaudiólogo, normal-

mente em casos de portadores que apresentem transtorno de lei-

tura (dislexia) ou transtorno da expressão escrita (disortografia).

É preciso esclarecer que o déficit de atenção e a hiperativida-

de não são problemas de aprendizagem, como a dislexia e a disor-

tografia, mas as dificuldades de manter a atenção, a organização

e a calma dificultam o rendimento dos estudos. É necessário que

os professores conheçam técnicas que auxiliem os alunos com

TDAH a obterem melhores desempenhos. Em alguns casos, é

necessário orientar o aluno com dicas específicas que minimizem

suas dificuldades.

TDAH e drogasOs portadores do transtorno são mais propensos ao uso

de álcool e drogas do que a população em geral. Estas subs-

tâncias podem atenuar temporariamente alguns sintomas.

De acordo com as teorias de Edward Khantizian, psicanalista

renomado e especializado no tratamento de dependentes

químicos e formulador da hipótese de “automedicação”,

quem usa drogas tem a intenção de “tratar” sentimentos

ocultos de origem incômoda. Podemos afirmar, então, que a

automedicação pode ter como foco a procura pela melhora

do rendimento e/ou do estado de humor e, ainda, pelo alívio

de sentimentos dolorosos.

A dependência química, na realidade, vai muito além do uso

de álcool, maconha, tranquilizantes, nicotina ou analgésicos. Os

portadores do TDAH podem envolver-se com entorpecentes

com o intuito de suavizar sua inquietação (mental ou física), o

que explica certa tendência à “automedicação” involuntária, em

busca de algo que acalme. A cafeína, cocaína e anfetamina po-

dem fazer com que o portador do transtorno consiga concentrar-

se, organizar as ideias e finalizar as tarefas. Já substâncias como

a morfina, maconha e álcool funcionam como uma espécie de

anestesia dos sentimentos ou da ansiedade.

É interessante relembrar que a Ritalina®, uma das me-

dicações mais usadas no tratamento do distúrbio, possui

uma forma de atuação semelhante ao das anfetaminas,

sendo conhecida também como um estimulante do siste-

ma nervoso central.

Imagens cerebrais obtidas pela PET (Tomografia por Emis-

são de Pósitrons), método utilizado para visualizar o funcio-

namento dos neurônios em atividade, revelam que a cocaína

faz com que uma maior quantidade de dopamina (conhecida

como o neurotransmissor do prazer e da motivação) torne-se

disponível no cérebro. Normalmente, portadores de TDAH

apresentam alteração do metabolismo deste neurotransmis-

sor. Assim, substâncias que elevam os níveis de dopamina po-

dem ser consideradas drogas, o que ajuda a entender o porquê

do álcool, da cafeína, da anfetamina, da maconha e da nicotina

receberem a nomeação de drogas.

O que determina se alguém se tornará dependente ou não

de drogas relaciona-se, sobretudo, a fatores como contexto fa-

miliar e social, história familiar, traumas e ocorrência de estresse

combinados à predisposição genética e neurobioquímica cere-

bral. Vale notar que a própria droga também é um fator a se

considerar, já que algumas substâncias tendem a causar maior

dependência que outras.

CAPÍTULO 3

Figura 3 – Medicação usada em portadores de TDHA

2.3

2.4

3

Fonte: ABDAObs: Todas as informações abaixo foram retiradas da bula de cada remédio

Figura 4 – Tabela dos remédios mais usados pelos portadores de TDAH

MEDICAÇÕES UTILIZADAS NO TRATAMENTO DO TDAH

Nome químico

DosagemDuração aproximadado efeito

Lis-dexanfetamina 30, 50 ou 70mg pela manhã 12 horas

Metifenidato (ação curta) 5 a 20mg de 2 a 3 vezes ao dia 3 a 5 horas

Metifenidato (ação prolongada) 18, 36 ou 54 pela manhã 12 horas

Nome comercial

Venvanse

Ritalina

Concerta

Ritalina LA 20, 30 ou 40 mg pela manhã 8 horas

Primeira escolha: estimulantes (em ordem alfabética)

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VEVANSE®Estimula o sistema nervoso central, o que pode ajudar a

aumentar a atenção e diminuir a impulsividade e a hipera-

tividade. O tempo para início da ação ocorre dentro das

primeiras duas horas após a ingestão desse medicamento.

Deve ser tomado uma vez por dia pela manhã, com ou sem

alimentos. A ingestão na parte da tarde deve ser evitada de-

vido ao potencial de causar insônia. O abuso pode ocasio-

nar dependência. Além disso, a interrupção abrupta após

administração prolongada de dose alta resulta em fadiga

extrema e depressão mental; alterações no eletroencefa-

lograma (EEG) durante o sono também são observadas.

RITALINA®Deve ser administrada, de preferência, de 30 a 45 minutos

antes das refeições. Se o medicamento for usado no final

do dia, os pacientes que apresentam dificuldade para dor-

mir devem tomar a última dose antes das 18 horas. Nor-

malmente, no início do tratamento, as pessoas se queixam

de desconforto abdominal, náusea e azia. É a medicação

mais conhecida entre os portadores e uma das mais indica-

das porque atua de modo a proporcionar aumento da con-

centração e do foco, fazendo com que a pessoa não se dis-

traia facilmente. Deve-se alertar para a prática equivocada

e perigosa que vem se popularizando entre estudantes em

fase de vestibular, que usam a Ritalina® de maneira indis-

criminada a fim de melhorarem o desempenho durante as

provas de final de ano.

CONCERTA®É um medicamento de uso em dose única diária para o

tratamento, que tem como objetivo aumentar a atenção

e reduzir a impulsividade e hiperatividade. Parte do com-

primido se dissolve logo após a ingestão (pela manhã),

proporcionando o efeito inicial; o restante é liberado lenta-

mente, mantendo o nível do medicamento ao longo do dia.

As reações adversas mais comuns são dor de cabeça, dor

de estômago, insônia e redução do apetite. Outras reações

que podem ocorrer são: náusea, vômito, tontura, nervosis-

mo, tiques, reações alérgicas, aumento da pressão arterial

e psicose (pensamentos anormais ou alucinações).

RITALINA® LA

A principal diferença com a Ritalina® comum é o efeito pro-

longado, pois é de liberação lenta, fazendo com que o or-

ganismo absorva aos poucos (como acontece na ingestão

de Concerta®). Uma cápsula de Ritalina® LA fornece uma

ativação inicial de aproximadamente 4 horas e, depois,

continua produzindo efeito. Em geral, as contraindicações

e os efeitos colaterais da Ritalina® são praticamente os

mesmos dos outros medicamentos à base de metilfenida-

to: dor de cabeça forte e febre alta repentinamente, entre

outros. Algumas crianças que tomam Ritalina® LA por um

longo período podem ter um crescimento mais lento do

que o normal, que normalmente é recuperado quando o

tratamento é interrompido.

CAPÍTULO 4

origem histórica4

Fonte: Shutterstock

Em 1846, Heinrich Hoffman escreveu em seu livro de contos infantis os sintomas e si-

nais típicos do que entendemos como TDAH. Este foi o primeiro relato do transtorno

que se tem notícia.

Posteriormente, em 1902, o pediatra George Still proferiu uma série de palestras no

Royal College of Physicians, em que descrevia jovens com comportamento caracterizado por

problemas de atenção, dificuldade de controlar impulsos, agitação motora e necessidade de

gratificação imediata. Segundo o médico, eram pessoas excessivamente passionais e emoti-

vas, propensas a acidentes e ameaçadoras, já que apresentavam atitudes hostis. Still nomeou

tais características de “Déficit no Controle Moral” e publicou a descrição no jornal The Lancet.

Algumas décadas depois, o termo “Déficit no Controle Moral” foi substituído por “Dano

Cerebral Mínimo”, pois foi associado a alterações comportamentais decorrentes de infec-

ções e traumas cerebrais, cujo quadro parecia-se com o que Still havia constatado.

Em 1937, Charles Bradley descobriu, acidentalmente, que a benzedrina e as anfetaminas

(medicamentos estimulantes do sistema nervoso central) atuam no comportamento de crian-

ças hiperativas, reduzindo a inquietude e aumentando o poder de concentração. Nessa mes-

ma época e levando em consideração a origem orgânica dos sintomas, o termo para descrever

a desatenção, hiperatividade e impulsividade foi mudado para “Disfunção Cerebral Mínima”.

A criação de sistemas classificatórios e a busca por uma definição mais precisa de pesqui-

sadores e instituições confiáveis contribuíram de maneira significativa para o estudo e o enten-

dimento do TDAH. Na década de 1970, a Organização Mundial de Saúde incluiu, na 9ª versão

da Classificação Internacional das Doenças (CID 9), a “Síndrome Hipercinética da Infância”. Pos-

teriormente, em 1999, na CID 10, a denominação foi mudada para “Transtorno Hipercinético”.

A Associação de Psiquiatria Americana (APA), já havia publicado, em 1968, o segundo

Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-II), reconhecendo a reação

hipercinética. No DSM-III, de 1980, a terminologia foi modificada para “Transtorno de Défi-

cit de Atenção com ou sem Hiperatividade” e, em 1994, foi atualizada para “Transtorno de

Déficit de Atenção e Hiperatividade” no DSM-IV.

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CAPÍTULO 5

QUEM É: criança muito ativa, começou a praticar balé muito cedo e sempre foi conhecida

por seu jeito agitado. Desistiu do curso de Letras e resolveu tornar-se psicóloga, descobrindo,

com cerca de trinta anos e no segundo ano de faculdade de Psicologia, que é hiperativa.

Atualmente com 40 anos, Viviane vem se destacando em estudos no campo do TDAH com seu

site <http://www.tdah.net.br/index.html>, dedicado exclusivamente ao assessoramento

e atendimento àqueles que procuram diagnóstico, orientação e aconselhamento sobre o tema.

Do balé ao consultório, uma vida de mudanças

Sempre fui muito descuidada e até hoje tenho dificuldade em lembrar onde deixo minhas chaves ou qualquer coisa. Isso sempre me causou problemas, reclamações e muita

cobrança. Uma vez, quando me esqueci de trancar a porta, meu primeiro marido resolveu fazer uma brincadeira comigo. Chegando em casa não encontrei a televisão e mais alguns objetos. Ele veio e me disse que alguém havia nos roubado devido ao meu descuido. Fiquei chateada e frustrada com a situação, até que ele revelou que só estava brincando comigo porque estava cansado de meus esquecimentos. Acho que não foi a melhor maneira de tentar alertar-me sobre a minha distração, foi algo de muito mau gosto”

Nome: Viviane Cornachini

Idade: 40 anos

Profissão: Psicóloga

Nascida em Santos, mora no bairro da Granja Viana, em São Paulo

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A voz forte com entonação firme e

segura, que dá vida ao olhar compene-

trado de Viviane Cornachini, desapare-

ce aos poucos, dando lugar a sorrisos e

risadas à medida em que descreve as

pequenas situações de sua vida envol-

vendo o TDAH - momentos marcantes,

difíceis e engraçados.

De início, ela aparenta certa serie-

dade; porém, o sorriso logo começa a

brotar entre suas falas durante nossa

conversa. Enquanto as palavras tomam

conta da pequena sala de consultório,

encaro Viviane com olhar de quem quer descobrir e deci-

frar a pessoa por trás das histórias. Suas mãos movem-se

constantemente, talvez com o intuito de dar vida ao que

revela. Sentado em um sofá preto, escuto as palavras da

psicóloga que, cheia de energia, discursa sem parar.

As paredes brancas do consultório dão certo ar me-

lancólico ao lugar, mas penso que talvez seja minha mente

que pinta o ar de “preto e branco”, já que para mim tudo

que envolve consultas é meio sem cor.

Se uma foto fosse tirada durante a entrevista, não

conseguiria retratar o que realmente acontecia ali. Aquela

cena só poderia ser interpretada de modo subjetivo; havia

uma evidente troca de papéis. A psicóloga era quem se re-

velava para o jornalista e qualquer movimento de mão ou

reflexão mais prolongada poderiam ser captados e devol-

vidos a Viviane sob a forma de perguntas. Aparentemente,

ela encarava a situação com naturalidade, mas estava claro

que não era usual para a doutora.

A primeira pergunta que fiz foi sobre o momento em

que ela se descobriu portadora do transtorno. Quem pen-

sa que Viviane passou a infância sabendo que era hipera-

tiva, engana-se. O TDAH é um transtorno “jovem”. Pouco

conhecido há 30 anos, ele está presente em muitas pes-

soas que cresceram sem saber que apresentavam TDAH,

até que pesquisas e avaliações psicológicas começaram a

aparecer e tornaram-se mais acessíveis, sobretudo com a

internet, fazendo com que muita gente encontrasse res-

posta para o que incomodava.

Aos 32 anos, quando cursava Psicologia em Santos, Vi-

viane começou a perceber que apresentava sintomas de hi-

Em caso de algum acidente ou imprevisto, Viviane utiliza uma “carterinha” que especifica a sua alergia a medicamentos.

peratividade durante uma explicação de seu professor so-

bre o assunto. “Em uma aula sobre o TDAH, percebi que eu

me enquadrava naquele grupo de sintomas; comecei a olhar

para a minha infância e vi que tudo se encaixava. Meu jeito

esquecido, minha maneira agitada de ser e minha impulsi-

vidade estavam fazendo mais sentido para mim”, relembra.

Na época, sua filha tinha nove anos e estava em tra-

tamento por apresentar sintomas de TDAH. As duas, mãe

e filha, foram diagnosticadas pela mesma neurologista.

Quando começou a especializar-se na área, Viviane com-

preendeu que em sua família havia pessoas com caracte-

rísticas de transtornos semelhantes. “Minha mãe foi diag-

nosticada por mim. Brincando, claro, sempre digo que ela

inaugurou o TDAH no mundo”, diz.

Quando perguntada sobre sua infância, Viviane para

e pensa nos momentos e situações que viveu nesta fase.

Sorrindo e, às vezes, rindo muito, conta que sempre foi

muito ativa, falante e que possuía energia fora do comum.

Desde pequena era considerada como a típica “menina

moleque” pelos amigos e familiares. Subia em árvores, ma-

chucava-se o tempo todo e, com seu jeito impulsivo, esta-

va sempre metida em brigas e confusões. “Não entendia

porque não conseguiam acompanhar meu ritmo. Achava

as pessoas moles, lerdas. Isso causava até conflitos porque,

muitas vezes, eu reclamava que os outros não conseguiam

seguir minha rotina”, comenta.

Ao falar da mãe, percebe-se a relação forte entre as

duas. Viviane já sofreu muito por ser distraída, desorganiza-

da e pelo modo pelo qual a mãe a comparava à irmã. “Apesar

da diferença de apenas dois anos, meu armário era sempre

muito bagunçado e desorganizado, enquanto o da minha

irmã era muito mais arrumado, com os livros separados por

tamanho. Acho que essa minha desorganização tem, em

certa parte, uma ligação direta com o meu TDAH”, conta ela.

Perguntei se, com tanta energia disponível, Viviane

praticava algum esporte, já que as atividades físicas são

comuns entre os hiperativos, acabando por fazer parte da

vida de muitos deles como meio de aliviar a agitação. Com

Viviane não foi diferente: aos três anos começou a praticar

balé e, aos sete, entrou para a Escola de Bailado do Teatro

Municipal de Santos.

Quando adolescente, Viviane desistiu da faculdade de

Letras, insegura com a profissão que queria exercer. Foi no

curso de Psicologia que encontrou sua vocação, especia-

lizando-se recentemente em Neuropsicologia pelo Centro

de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade

de São Paulo (USP). “Não existe especializações em TDAH;

para saber o que sei acerca do transtorno tive de ler muito

sobre o tema, frequentar congressos, palestras, jornadas e

cursos voltados para o tema”, conta ela.

Sua filha, que apresenta déficit de atenção, cresceu

e chegou à maioridade. Nesse meio tempo, Viviane se-

Em uma aula sobre o TDAH, percebi que

eu me enquadrava naquele quadro e comecei a olhar para a minha infância e vi que tudo se encaixava. Meu jeito esquecido, minha maneira agitada de ser e minha impulsividade estavam fazendo mais sentido para mim”

parou-se do primeiro marido, casou novamente e teve

gêmeos. De lá para cá, ela mudou-se de Santos para São

Paulo, primeiro aos poucos, até que resolveu ficar de vez.

“Estava fazendo uma rotina muito desgastante. Descia até

a baixada para atender alguns clientes, dar aulas de balé e,

muitas vezes, levava meus filhos comigo. Meu marido até

me alertava que era complicado fazer isso, porque também

poderia ser prejudicial às crianças. Como sou teimosa e im-

pulsiva, não dava muita atenção a ele”, explica.

Durante nossa conversa, percebi que Viviane tem

grande conhecimento do assunto, mostrando-se segura

em relação ao transtorno. Porém, é fato que, quando des-

cobriu que era hiperativa, ela já tinha vivido um longo tem-

po sem saber seu diagnóstico.

Além de se casar muito jovem, aos 20 anos, ela passou

pelo primeiro casamento sem ter conhecimento de sua real

condição. “Casei-me muito cedo e passei essa minha primei-

ra relação sem saber que tinha o transtorno. Meu primeiro

marido não compreendia minha maneira esquecida de ser,

o que causou alguns problemas entre a gente e por uma sé-

Para não esquecer as chaves, Viviane tem o costume de levá-las presas à bolsa.

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Page 15: Capa em arquivo separado - s3-sa-east-1.amazonaws.com · relatam suas dificuldades e problemas na escola e/ou trabalho, os modos pelos quais ... de tal ordem que resultam na distração

rie de fatores acabamos não dando certo”, revela Viviane.

Ela afirma que seu atual relacionamento funciona bem

porque seu marido sabe de seu TDAH, apoiando-a e en-

tendendo seu jeito de ser. “Ele sempre brinca que só está

comigo porque gosta de grandes emoções”, conta.

Enquanto conversávamos, procurei saber como se deu

a adaptação de Viviane ao receber o diagnóstico. Um dos

métodos que muitos portadores do transtorno utilizam para

controlar o problema é o uso de medicamentos, muitas vezes

combinado com terapia. Entretanto, muitos outros, como

Viviane, preferem não seguir o tratamento com medicamen-

tos. Ela era criança quando sua família descobriu as reações

severas que apresentava ao ingerir algumas medicações.

Depois de ir a vários médicos e especialistas, Viviane

obteve o diagnóstico de alergia a certas substâncias. Na

adolescência, verificou-se que ela tinha um problema de

metabolismo, não reagindo bem a algumas substâncias,

como dipirona. “Tenho aversão a diversas medicações.

Possuo um problema de saúde e tomo muito cuidado. Um

comprimido contra dor de cabeça pode me fazer um gran-

de mal; minha garganta começa a inchar e, se eu não ficar

atenta, chega ao ponto de me sufocar e tenho que ir corren-

do ao hospital”, relata.

Devido a esse problema, Viviane anda com uma “car-

teirinha” que informa sua alergia. “Eu fiz essa cartela espe-

cificando a minha intolerância à dipirona e a outros medi-

camentos para me prevenir e evitar incidentes em caso de

algum imprevisto. Eu até já tentei tomar Ritalina® (remédio

que ameniza os sintomas do TDAH), mas não me adaptei.

Enquanto obtive mais foco e atenção, parece que minhas

reações impulsivas ocorreram com mais intensidade e fi-

quei mais agressiva”, comenta.

Atualmente, a psicóloga dedica-se aos estudos e ao

site <http://www.tdah.net.br/index.html> sobre o TDAH,

assessorando e atendendo aqueles que procuram um

diagnóstico, orientação ou aconselhamento sobre o tema.

A psicóloga criou um site que reúne informações sobre TDAH e, atualmente, atende em uma clínica no bairro de Perdizes.

Tenho aversão a diversas medicações.

Possuo um problema de saúde e tomo muito cuidado. Um comprimido contra dor de cabeça pode me fazer um grande mal; minha garganta começa a inchar e, se eu não ficar atenta, chega ao ponto de me sufocar e tenho que ir correndo ao hospital”

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