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PRÉ-ESCOLAR EDUCAÇÃO Q u a l i d a d e e P r o j e c t o n a E d u c a ç ã o P r é - E s c o l a r M I N I S T É R I O D A E D U C A Ç Ã O Departamento da Educação Básica Núcleo de Educação Pré-Escolar

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PRÉ-ESCOLARE

DU

CA

ÇÃ

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Q u a l i d a d e e P r o j e c t on a E d u c a ç ã o P r é - E s c o l a r

M I N I S T É R I O D A E D U C A Ç Ã ODepartamento da Educação Básica � Núcleo de Educação Pré-Escolar

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PRÉ-ESCOLARE

DU

CA

ÇÃ

O

Q u a l i d a d e e P r o j e c t on a E d u c a ç ã o P r é - E s c o l a r

M I N I S T É R I O D A E D U C A Ç Ã ODepartamento da Educação Básica � Núcleo de Educação Pré-Escolar

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Ficha Técnica

TítuloQualidade e Projecto

na Educação Pré-Escolar

EditorMinistério da Educação

Departamento da Educação BásicaGabinete para a Expansão

e Desenvolvimentoda Educação Pré-Escolar

Av. 24 de Julho, 140 — 1350 Lisboa

Directora do Departamentoda Educação BásicaTeresa Vasconcelos

TextoLilian Katz

Joaquim Bairrão RuivoM. Isabel Ramos Lopes da Silva

Teresa Vasconcelos

IlustraçãoManuela Bacelar

Capa e Concepção GráficaCecília Guimarães

Tiragem25 000

ImpressãoEditorial do Ministério da Educação

DataOutubro 1998

N.o Depósito Legal114 801/97

ISBN972-742-113-X

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ColecçãoEDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR

1Orientações Curriculares

2Legislação

3Qualidade e Projecto

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PREÂMBULO

A educação pré-escolar constitui a primeira etapa da educação básica. Para que assegure ademocratização de oportunidades e o apoio ao desenvolvimento harmonioso das crianças,tem que ser pautada pela exigência, tanto nos modos de organização como nas práticas edu-cativas.

Assim, o Governo assumiu o compromisso de, progressivamente, generalizar a oferta deeducação pré-escolar, definindo padrões de qualidade educativa, através do desenvolvimentode linhas de orientação curricular, assegurando a tutela pedagógica do Ministério da Edu-cação sobre os estabelecimentos que integram a rede nacional de educação pré-escolar, inde-pendentemente da respectiva titularidade e promovendo o alargamento, até ao ano lectivo2000/2001, da rede nacional de educação pré-escolar — pública, privada e privada solidá-ria — até à plena cobertura do território e da população 3-5 anos, combinando as dimensõeseducativa e social deste nível de educação.

Aprovada a Lei Quadro da Educação Pré-Escolar (Lei nº 5/97, de 10 de Fevereiro), defini-do o Regime Jurídico do Desenvolvimento da Educação Pré-Escolar (Decreto-Lei nº 147/97,de 11 de Junho) e publicados os necessários normativos regulamentadores, dedica-se agorauma particular atenção ao apoio e ao acompanhamento dos estabelecimentos de educaçãopré-escolar no processo de construção de projectos educativos de qualidade, bem como adivulgação das boas práticas educativas.

Tais são os objectivos prioritários da presente publicação, na qual se reúnem vários contri-butos de profissionais e especialistas centrados na avaliação da qualidade e na importânciado trabalho de projecto na educação pré-escolar.

O texto de Lilian Katz, centrando-se na problemática da qualidade da educação pré-escolar,apresenta-nos cinco perspectivas sobre a avaliação da qualidade dos programas de educaçãopré-escolar e põe em evidência a necessidade de se identificarem critérios aplicáveis a cadaprograma, bem como de se estabelecer um consenso sobre os padrões mínimos que deter-minam o nível aceitável de qualidade, de acordo com cada um dos critérios identificados.

O texto de Joaquim Bairrão dá-nos conta do carácter polissémico e da relatividade do con-ceito de qualidade em educação pré-escolar, salientando, contudo, a existência de um con-senso, a nível europeu e nos Estados Unidos da América, quanto ao facto de a qualidade tera ver com um conjunto diversificado de factores, nomeadamente as características dos con-textos e dos indivíduos que neles trabalham, as características dos programas, as políticaseducativas e os resultados da investigação. Por outro lado, o autor apresenta os resultados dedois estudos realizados em Portugal sobre a qualidade da educação pré-escolar.

Por seu turno, o texto de Isabel Lopes da Silva chama a atenção para a importância do desen-volvimento de projectos pedagógicos nos estabelecimentos de educação pré-escolar, inte-grando os projectos das educadoras na medida em que os mesmos permitem integrar um con-junto diversificado de actividades e abordagem de diferentes áreas de conteúdo com a fina-

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lidade comum de promover processos educativos de qualidade. A autora apresenta ainda umconjunto de sugestões que visam apoiar os diferentes elementos da comunidade educativa noprocesso de construção e desenvolvimento de projectos educativos de estabelecimento.

Finalmente, o texto de Teresa Vasconcelos explicita as potencialidades do trabalho de pro-jecto na educação pré-escolar. Partindo do exemplo da prática quotidiana de uma educado-ra, a autora evidencia as vantagens da pedagogia de projecto no processo de aquisição pelascrianças de aprendizagens estruturantes e significativas.

A presente publicação integra-se, assim, no trabalho que vem sendo realizado pelo Minis-tério da Educação com os diferentes parceiros com intervenção na educação pré-escolar,designadamente educadores, pais, autarquias locais e instituições particulares de solidarie-dade social e constitui um contributo para, através da articulação de esforços e de recursos,construir respostas inovadoras e de qualidade. Respostas educativas sem dúvida, mas tam-bém respostas que considerem de forma integrada os diversos problemas sociais com que seconfrontam mais directamente as populações, designadamente as que vivem situações deexclusão social.

A confirmação de uma educação pré-escolar de qualidade passa necessariamente pelo esfor-ço da autonomia dos estabelecimentos de educação pré-escolar e pela sua integração nos res-pectivos territórios educativos, no quadro da aplicação do novo regime de administração egestão de escolas.

É um caminho que tem de ser percorrido por todos os parceiros que integram a comunidadeeducativa, elaborando e desenvolvendo projectos e organizando redes de colaboração, que,com o apoio do ME, assegurem as respostas adequadas a todos os contextos sociais e a todasas crianças.

A educação pré-escolar para todos terá certamente efeitos positivos na melhoria da educaçãodos portugueses.

É, para o nosso país, uma conquista necessária e feliz.

Ana Benavente

Secretária de Estado da Educação e Inovação

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ÍNDICE

II Cinco Perspectivas sobre a Qualidade

Perspectiva orientada de cima para baixo _______________________________________ 17

Perspectiva orientada de baixo para cima _______________________________________ 19

Critérios __________________________________________________________________________________________ 19Amostragem de experiências ___________________________________________________________ 21Efeitos cumulativos _________________________________________________________________________ 21

Perspectiva exterior-interna ao programa _______________________________________ 23

Perspectiva interior ao programa _____________________________________________________ 25

Relações entre colegas ____________________________________________________________________ 25Relações entre educadores e pais ____________________________________________________ 26Relações entre os profissionais e a instituição promotora do programa 27

Perspectiva exterior ao programa _____________________________________________________ 29

Implicações das perspectivas múltiplas sobre a qualidade ___________ 31

Discrepâncias entre as perspectivas _________________________________________________ 31Questões de responsabilização ________________________________________________________ 33Critérios e padrões __________________________________________________________________________ 35Variáveis com diferentes âmbitos de inferência ______________________________ 36

Conclusão ___________________________________________________________________________________________ 37

Referências bibliográficas ________________________________________________________________ 39

II O que é a Qualidade em Educação Pré-Escolar?Alguns resultados acerca da Qualidade da EducaçãoPré-Escolar em Portugal

O que é a qualidade em educação pré-escolar? ______________________________ 47

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Estudo da qualidade da educação pré-escolarem Portugal – dois estudos ________________________________________________________________ 51

The international education achievement. The primary project (1987/1992) ____________________________________________________ 51The international childhoold care and education I.C.C.E. (1992/1998) 52O estudo da qualidade no I.C.C.E. __________________________________________________ 54

A avaliação dos aspectos estruturais ________________________________________________ 57

A avaliação dos aspectos processuais ______________________________________________ 59

Alguns resultados da qualidadeda educação pré-escolar em Portugal _______________________________________________ 61

Características estruturais __________________________________________________________________ 63

Conclusões acerca de alguns aspectos estruturaisdos jardins de infância em Portugal _________________________________________________ 63As dimensões da sala de actividades: espaço, crianças e adultos _____ 63

Caracterização dos diferentes tipos de jardins de infânciaquanto aos critérios recomendados ___________________________________________________ 67

As educadoras: formação e situação profissional ___________________________ 69

Programação e avaliação: o currículo e a organização do trabalho _____ 71

Condições de apoio socioeducativo: horário de funcionamento, refeições e interacção com os pais __________________________________________________ 72

A avaliação da qualidade dos jardins de infância através da ECERS 75

Valores médios obtidos na ECERS para cada grupo de jardins de infância__________________________________________________ 77

Distribuição dos jardins de infância a nível dos resultados obtidos na escala total __________________________________ 79

Contributos para o estudo da qualidade da educação pré-escolar em Portugal _______________________________________________ 83

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Anexo I ______________________________________________________________________________________________ 87

As 7 sub-escalas da ECERS ____________________________________________________________ 87

III Projectos em Educação Pré-Escolare Projecto Educativo de Estabelecimento

Noção de projecto _____________________________________________________________________________ 91

O projecto como visão de futuro _____________________________________________________ 91Projectos e planos ___________________________________________________________________________ 92Características comuns e funções dos projectos ______________________________ 94Distinguir projectos educativos _______________________________________________________ 96

Os projectos na educação das crianças __________________________________________ 99

Origem dos projectos ______________________________________________________________________ 99Dos projectos individuais aos projectos colectivos _________________________ 100Desenvolver projectos com as crianças ___________________________________________ 102Projectos pedagógicos colectivos ____________________________________________________ 106

O projecto educativo do estabelecimento ______________________________________ 109

O que é o projecto educativo de estabelecimento? __________________________ 109Para quê um projecto educativo de estabelecimento? _____________________ 111Potencialidades e dificuldades do projecto de estabelecimentoem educação pré-escolar _________________________________________________________________ 113Algumas pistas para elaborar um projecto de estabelecimento _____ 115Concretização e reformulação do projecto de estabelecimento _____ 119

Referências bibliográficas _______________________________________________________________ 121

IV Das Perplexidades em torno de um Hamsterao Processo de Pesquisa: Pedagogia de Projectoem Educação Pré-Escolar em Portugal

Das perplexidades em torno de um hamster … ____________________________ 127

Para uma pedagogia de projecto _____________________________________________________ 131

Uma visão da infância ______________________________________________________________________ 133

Origens do trabalho de projecto ______________________________________________________ 135

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Fases do projecto ________________________________________________________________________________ 139

Fase 1: definição do problema _______________________________________ 139Fase 2: planificação e lançamento do trabalho ______________________ 142Fase 3: execução ______________________________________________________ 142Fase 4: avaliação/divulgação _________________________________________ 143

Papel do educador ______________________________________________________________________________ 145

Organização do espaço, do tempo e dos recursos __________________________ 147

Do problema do hamster ao projecto _______________________________________________ 149

Trabalho de projecto e processo de ensino/aprendizagem (ou aprender a aprender através do trabalho de projecto) _____________ 153

Referências bibliográficas _________________________________________________________________ 155

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I . C i n c o P e r s p e c t i v a ss o b r e Q u a l i d a d e

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C i n c o P e r s p e c t i v a s s o b r e Q u a l i d a d e

A qualidade dos programas de educação pré-escolar é hojeuma das questões mais relevantes nos Estados Unidos. Adefinição dos critérios e procedimentos de uma avaliaçãoda qualidade é tão complexa no caso dos programas de edu-cação pré-escolar como em outros serviços prestados.

Este trabalho baseia-se na comunicação apresentada a umaconferência sobre a qualidade dos programas de educaçãopré-escolar. Propunha-me então comparar duas abordagensquanto à questão da qualidade: a abordagem orientada decima para baixo, isto é, a partir da perspectiva que os adul-tos têm do programa; e a abordagem orientada de baixo paracima, com base na experiência vivida pelas crianças. Odesenvolvimento posterior destas ideias deu origem ao capí-tulo seguinte, onde se incluem outras três perspectivas sobrea qualidade dos programas de educação pré-escolar e umabreve discussão das suas implicações.O aumento da qualidade dos programas de educação pré--escolar, tanto nos Estados Unidos como em muitos outrospaíses, continua a ser um tema fulcral em conferências daespecialidade. As últimas investigações evidenciam clara-mente que só os programas de grande qualidade poderão darum contributo decisivo para a qualidade de vida das criançase para o seu futuro em geral. De outro modo a educação pré--escolar, seja qual for o contexto em que se insere, não serámais do que uma oportunidade gorada.

Lilian G. Katz

avaliação da qualidade

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Lilian G. Katz*

* Universidade de Illinois, U-C, Estados Unidos.

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A maioria dos estudos até agora publicados sugere que aqualidade dos programas de educação pré-escolar pode seravaliada através da identificação de certas características doprograma (entre as quais o ambiente criado e o equipa-mento) segundo a perspectiva dos adultos encarregados deexecutar ou aprovar o programa. A esta abordagem poderáchamar-se avaliação da qualidade numa perspectiva ori-entada de cima para baixo. Outra abordagem consiste emadoptar uma perspectiva orientada de baixo para cima,que visa determinar como o programa é na realidade vividopelas crianças que nele participam. Uma terceira aborda-gem, que poderá designar-se por perspectiva exterior--interna ao programa, consiste na avaliação do programatal como é experienciado pelas famílias por ele abrangidas.Uma quarta perspectiva é interior ao programa e consi-dera as formas como este é vivido pelos profissionais que opõem em prática. Uma quinta perspectiva considera as for-mas como o programa serve a comunidade e a sociedadeem geral; poderá designar-se por perspectiva exterior ou,em certo sentido, conclusiva sobre a qualidade de um pro-grama.

Este estudo procura demonstrar que os critérios representa-tivos das cinco perspectivas merecem consideraçãoenquanto determinantes da qualidade dos programas deassistência e educação dirigidos às crianças em idade pré--escolar. A avaliação da qualidade de um programa atravésde perspectivas múltiplas coloca problemas complexosquanto às causas da má qualidade e à definição das respon-sabilidades por esse resultado.

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C i n c o P e r s p e c t i v a s s o b r e Q u a l i d a d e

A perspectiva orientada de cima para baixo caracteriza-sepor considerar certos aspectos do programa, como:

• a proporção adultos/crianças;• as qualificações e a estabilidade dos profissionais;• as características das relações entre adultos e crianças;• a qualidade e quantidade do equipamento e dos materiais;• a qualidade e quantidade do espaço por criança;• aspectos das condições de trabalho dos profissionais;• cuidados de saúde e higiene, prevenção de incêndios, etc.

Segundo Fiene (1992), estes e outros aspectos, que carac-terizam as orientações para aprovação de curricula, sãoúteis como base das estratégias de regulamentação, poisasseguram a qualidade dos programas na medida em quesão formas directamente observáveis e realizáveis, atravésdas quais as instituições podem “construir o ambiente deuma interacção desejável...” (p. 2). São também aspectosrelativamente fáceis de quantificar e requerem âmbitosrelativamente restritos de inferência por parte do avaliador.

Um estudo sobre os procedimentos, intitulado Child Care:Quality is the Issue, preparado pela Child Care ActionCampaign e editado pela National Association for theEducation of Young Children (Ehrlich, s/d), reconhece quenão há uma definição única de qualidade para os variadostipos de ambiente criados pela educação pré-escolar nosEstados Unidos. Este estudo regista, porém, as componen-tes básicas da qualidade: a proporção adultos/crianças, onúmero de crianças por grupo, a efectiva possibilidade deformação dos profissionais e a sua taxa de mobilidade (p. 4).

aspectosdo programa

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PERSPECTIVA ORIENTADADE CIMA PARA BAIXO

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Parece estar provado que os aspectos do programa e doambiente atrás referidos – e habitualmente incluídos noscritérios de qualidade segundo esta perspectiva – têm umaimportância decisiva na previsão de alguns efeitos dos pro-gramas de educação pré-escolar (Beardsley, 1990; Harms eClifford, 1980; Howes, Phillips e Whitebook, 1992; Love, 1993;Phillips, 1987).

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C i n c o P e r s p e c t i v a s s o b r e Q u a l i d a d e

Será razoável admitir que os efeitos significativos e perdu-ráveis de um programa dependem essencialmente da formacomo ele é vivido pelo seu público-alvo. Por outras pala-vras, a forma real ou verdadeira de prever os efeitos de umprograma é avaliar a qualidade de vida experimentada porcada criança que nele participa no dia-a-dia.

CRITÉRIOS

Se a experiência subjectiva que a criança tem de um pro-grama é a verdadeira determinante dos seus efeitos, umaavaliação consequente da qualidade de um programa requer respostas a uma pergunta essencial: Como é ser cri-ança neste ambiente?1 Esta abordagem requer um âmbitode inferências sobre a forma como cada criança responde – por assim dizer – a perguntas como estas:

• Normalmente sinto que sou bem recebido, ou, pelo con-trário, sinto-me preso aqui?

• Normalmente sinto que tenho aqui um lugar só meu, ou,pelo contrário, sou apenas um entre muitos?

• Normalmente sinto que sou aceite, compreendido e pro-tegido pelos adultos, ou, pelo contrário, sinto que meralham ou se esquecem de mim?

experiênciasubjectiva decrianças

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PERSPECTIVA ORIENTADADE BAIXO PARA CIMA

1 Espera-se que as respostas reflictam a natureza da experiência durante um certo períodode tempo que depende da idade da criança. Daí a repetição da palavra normalmente nasperguntas listadas.

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• Normalmente sou aceite por alguns dos meus pares, ou,pelo contrário, estou isolado ou sou rejeitado por eles?

• Normalmente falam comigo de forma séria e respeitosa,ou, pelo contrário, sou tratado como “um anjo” ou “umdiabo”?

• Acho que as actividades são normalmente estimulantes,atraentes e prendem a atenção, ou, pelo contrário, sãoapenas passatempos, brincadeiras divertidas e excitan-tes?

• Acho que as actividades são normalmente interessantes,ou, pelo contrário, são fúteis ou aborrecidas?

• Acho que as actividades são normalmente relevantes, ou,pelo contrário, são disparatadas ou banais?

• Acho que as minhas experiências são normalmente satis-fatórias ou, pelo contrário, são frustrantes ou confusas?

• Normalmente gosto de estar aqui, ou, pelo contrário, nãoquero vir e só penso em ir-me embora?

Os critérios de qualidade implícitos nestas perguntasbaseiam-se na minha interpretação do que se sabe sobre asinfluências significativas no crescimento, desenvolvimentoe aprendizagem da criança a longo prazo. Os responsáveispelos programas podem construir outra lista de perguntasde acordo com a sua interpretação das experiências queconsideram ajustadas às crianças.

Os investigadores são unânimes em considerar que, nor-malmente, a criança deve sentir-se integrada no ambientedo programa educativo, deve sentir que pertence ao grupoe que é aceite, compreendida e protegida pelos adultos. Ainclusão de perguntas relativas a outros aspectos da experi-ência das crianças sublinha a importância de atender à suanecessidade real de se sentirem intelectualmente envolvi-das e respeitadas; por outro lado, incentiva todos os res-ponsáveis pelas crianças a fazer mais do que mantê-las feli-zes e ocupadas ou até entusiasmadas (ver capítulos 6 e 7).

A última pergunta da lista de critérios reflecte o pressupostode que a vitalidade intelectual de um programa é tanto maisforte quanto maior for o número de crianças que normal-

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C i n c o P e r s p e c t i v a s s o b r e Q u a l i d a d e

mente demonstram entusiasmo em participar e têm relutân-cia em abandonar o programa. Esse entusiasmo baseia-seem algo mais do que o mero aspecto lúdico da participação.Existem, obviamente, muitos outros factores que influen-ciam o entusiasmo da criança em participar num programa.Em todo e qualquer programa, tal como em toda e qualquercriança, pode observar-se um ou dois dias de “quebra”.

AMOSTRAGEM DE EXPERIÊNCIAS

Quanto mais crescidas são as crianças a que um programa sedestina, maior é o período de tempo requerido para uma ava-liação fidedigna no âmbito desta perspectiva. Três a quatrosemanas de avaliação para as crianças em idade pré-escolar,e períodos ligeiramente mais dilatados para crianças maisvelhas, podem fornecer a amostragem suficiente para a pre-visão fidedigna dos resultados que serão significativos parao desenvolvimento da criança. É pouco provável que umprograma com actividades excitantes mas esporádicasafecte o desenvolvimento a longo prazo da criança.

Proponho, assim, que a qualidade de um programa sejaentendida como boa se oferecer às crianças uma experiên-cia intelectual e socialmente motivadora e satisfatória namaior parte dos dias, sem que para isso dependa de activi-dades especiais esporádicas.

EFEITOS CUMULATIVOS

A avaliação da qualidade por períodos de tempo adequadosfacilita a abordagem dos potenciais efeitos cumulativos daexperiência. Parto do princípio de que algumas experiên-

experiênciaintelectual esocial positiva

efeitos cumulativos

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Page 24: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

cias vividas na infância podem ser benignas ou inconse-quentes quando são raras, mas, se forem frequentes, podemtornar-se prejudiciais ou benéficas (ver capítulo 7). Porexemplo, uma rejeição ocasional por parte dos seus paresnão deverá ser uma experiência debilitante para uma criançaem idade pré-escolar, mas os efeitos cumulativos de rejei-ções frequentes podem minar substancialmente o seudesenvolvimento social a longo prazo. Do mesmo modo, asactividades que se consideram ajustadas ao desenvolvi-mento – tais como brincar com blocos, fazer trabalho deprojecto e outras – podem não favorecer o desenvolvimentoda criança a longo prazo se forem raras ou esporádicas, maspoderão ter resultados opostos se forem frequentes.

Quando a maioria das respostas às perguntas formuladascorresponde à variante positiva do continuum nelas implí-cito, podemos admitir que a qualidade do programa é dignadas crianças. Falta, porém, determinar qual o grau que umaresposta positiva deve alcançar de modo a constituir umpadrão da boa qualidade de um programa.

Desnecessário será dizer que há muitas explicações possíveispara qualquer resposta que as crianças dariam (se pudes-sem formular tais respostas) às perguntas listadas acima.Por outras palavras, as causas das experiências subjectivasnegativas da criança não podem ser sempre (nem unica-mente) atribuídas aos educadores. Por que aspectos podem,então, os educadores ser considerados responsáveis?Sugiro que os educadores, não sendo responsabilizáveispor todas as experiências negativas possíveis, são noentanto responsáveis pela aplicação de todas as práticasreconhecidas e aceites como relevantes e ajustadas a umadada situação.

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C i n c o P e r s p e c t i v a s s o b r e Q u a l i d a d e

Idealmente, a avaliação da qualidade de um programa deveincluir a qualidade das características das relações pais/edu-cadores (ver NAEYC, 1991a, pp. 26-29; e 1991b, pp. 101-110).Esta avaliação depende da forma como cada pai ou mãeresponde a perguntas como:

Na minha relação com os educadores, estes mostram que:

• sabem tratar-me com respeito, ou, pelo contrário, sãoautoritários e estão convencidos da sua superioridade?

• são receptivos, abertos e tolerantes, ou, pelo contrário, sãoparciais, preconceituosos, prontos a rejeitar e a culpar?

• têm respeito pelas metas e valores com que educo osmeus filhos?2

• são abertos aos contactos com os pais e promovem-noscom frequência, ou, pelo contrário, são distantes e con-tactam raramente com os pais?

Os atributos positivos das relações pais/educadores, queacima se sugerem, são relativamente fáceis de desenvolverquando educadores e pais têm o mesmo ambiente cultural,falam as mesmas línguas, têm os mesmos valores e metaspara a educação das crianças e, em geral, sentem uma sim-patia mútua. Os pais têm também maior tendência a rela-cionar-se positivamente com aqueles que cuidam dos seusfilhos e os educam se compreenderem a natureza complexadesse trabalho, se souberem reconhecer aquilo que os edu-cadores se esforçam por atingir, e se tiverem consciênciadas suas condições de trabalho.

característicasdas relaçõespais/educadores

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PERSPECTIVA EXTERIOR-INTERNA AO PROGRAMA

2 O conceito de respeito não implica concordância ou condescendência com os desejosdo outro.

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Obviamente, é possível que as respostas negativas dealguns pais a algumas das perguntas aqui listadas não sejamdirectamente atribuíveis ao programa e aos educadores,tendo causas que, para os educadores, podem ou não serreconhecíveis ou determináveis.

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C i n c o P e r s p e c t i v a s s o b r e Q u a l i d a d e

A qualidade de um programa de educação pré-escolar, talcomo é percebida do seu interior – isto é, pelos educadores– inclui três dimensões: as relações entre colegas; as rela-ções entre educadores e pais; e as relações com a instituiçãopromotora do programa.

RELAÇÕES ENTRE COLEGAS

É pouco provável que um programa de educação pré-esco-lar seja de grande qualidade segundo os critérios até agoraapontados, se as relações entre os educadores não foremtambém positivas. A avaliação deste aspecto da qualidadedeverá basear-se na forma como cada educador responde aperguntas como:

Na generalidade, as relações com os meus colegas são:

• de apoio, e não contenciosas?• de cooperação, e não competitivas?• de aceitação, e não de antagonismo?• de confiança, e não de desconfiança?• de respeito, e não de autoritarismo?

Em princípio, só se pode criar um ambiente de qualidadepara as crianças, numa perspectiva orientada de baixo paracima, se os ambientes forem também favoráveis aos adul-tos que neles trabalham. Obviamente, pode haver dias em

ambientede trabalhoentre os adultos

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PERSPECTIVA INTERIOR AO PROGRAMA

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que as experiências são “boas” para as crianças mercê doesforço dos educadores (por exemplo, as celebrações doHalloween) e outros dias em que o inverso é verdadeiro;mas, em geral, um programa de qualidade é aquele que pro-porciona, tanto às crianças como aos adultos responsáveispor elas, uma qualidade de vida satisfatória e interessante.

RELAÇÕES ENTRE EDUCADORES E PAIS

Parece razoável admitir que as relações entre os educadorese os pais das crianças podem ter um efeito considerávelsobre muitos dos critérios de qualidade já propostos. Sugiroainda que o mesmo conjunto de critérios implícito nas per-guntas listadas segundo a perspectiva exterior-interna aoprograma se aplica também à experiência dos educadores.Assim, a avaliação da qualidade segundo a perspectiva doseducadores requer que estes respondam à pergunta, “Naminha relação com os pais, estes mostram que sabem tratar--me com respeito, ou, pelo contrário, são autoritários e estãoconvencidos da sua superioridade?”, e assim por diante.

É certo que os pais tendem a aproximar-se positivamente doseducadores quando estes iniciam relações baseadas no res-peito e na aceitação. No entanto, num país como os EstadosUnidos, onde a população é tão diversificada e tem umaextraordinária mobilidade, não é provável que as opiniõesdas famílias servidas por um único programa, ou um únicoeducador, sejam absolutamente concordantes no que diz res-peito aos objectivos e aos métodos do programa. Esta falta deconcordância gera inevitavelmente alguma insatisfação porparte dos pais e alguma fricção entre pais e educadores.

O desenvolvimento de relações positivas, respeitosas ecooperantes entre educadores e pais que têm ambientes cul-turais diferentes requer, por parte dos educadores, umgrande profissionalismo baseado num misto de experiên-cia, formação, educação e valores pessoais.

cooperaçãocom pais

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C i n c o P e r s p e c t i v a s s o b r e Q u a l i d a d e

RELAÇÕES ENTRE OS PROFISSIONAISE A INSTITUIÇÃO PROMOTORA DO PROGRAMA

Uma das influências indirectas potenciais sobre a qualidadede um programa é a natureza das relações entre os educa-dores e a instituição perante a qual são responsáveis. Parecerazoável considerar que, em princípio, o modo como oseducadores e outros profissionais tratam as crianças ésemelhante ao modo como são tratados pela instituiçãopromotora do programa. É um facto que alguns profissio-nais conseguem superar, na sua prática educativa, um maurelacionamento deste tipo, e outros ficam aquém das boasrelações que a instituição estabelece com eles. Mas podeadmitir-se que, em princípio, a criação de bons ambientespara as crianças é mais provável quando os adultos respon-sáveis por elas são tratados segundo os critérios implícitosnas perguntas acima listadas. Um estudo recente (Howes eHamilton, 1993) chama a atenção para os efeitos potencial-mente graves da mobilidade dos profissionais sobre asexperiências subjectivas do programa vividas pelascrianças. Assim, a avaliação da qualidade de um programadeverá dar a maior atenção ao bem-estar e ao apoio pro-porcionados pelos contextos de trabalho. A avaliação daqualidade em termos da perspectiva interior ao programadeverá basear-se nas respostas dos profissionais às seguin-tes perguntas:

• As condições de trabalho são adequadas e possibilitam avalorização dos meus saberes e competências e a minhadedicação à carreira?

• O conteúdo funcional e o plano de progressão na carreirasão ajustados?

• Normalmente sou tratado com respeito e compreensão?

Mais uma vez, nem todas as respostas negativas são neces-sária e directamente atribuíveis às instituições que promo-vem ou gerem um programa; quando o são, o alcance destaresponsabilização deverá ser determinado pelo processo deavaliação.

qualidade numaperspectivainterior

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C i n c o P e r s p e c t i v a s s o b r e Q u a l i d a d e

Enquanto promotoras de programas, a comunidade e a socie-dade em geral têm também uma palavra a dizer sobre a sua qua-lidade. Em certo sentido, são as futuras gerações que colhem osbenefícios de uma experiência pré-escolar de grande qualidadee é toda a sociedade que sofre os custos sociais (e outros) deum programa de educação pré-escolar de má qualidade.3

Todos os programas de educação pré-escolar, sejam da res-ponsabilidade de instituições privadas ou de organismospúblicos, são influenciados explicita ou implicitamente poruma série de políticas, leis e regulamentações que osregem. A avaliação da qualidade na perspectiva da socie-dade em geral deve basear-se nas respostas mais prováveisque os cidadãos, e aqueles que tomam as decisões em seunome, dariam a perguntas deste tipo:

• Tenho a certeza de que os recursos da comunidade sãoadequadamente atribuídos à protecção, assistência e edu-cação das crianças?

• Estou seguro de que aqueles que tomam decisões emnome da comunidade adoptam políticas, leis e regula-mentações que não põem em perigo mas, pelo contrário,favorecem as experiências das crianças em programas deeducação pré-escolar?

• Estou seguro de que os recursos disponíveis para os pro-gramas de educação pré-escolar na comunidade são sufi-cientes para garantir benefícios a curto e a longo prazo àscrianças e às suas famílias?

qualidadena perspectiva da sociedade

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PERSPECTIVA EXTERIOR AO PROGRAMA

3 Um dos aspectos mais impressionantes das escolas pré-primárias de Reggio Emilia, emItália, é a dimensão e a profundidade do envolvimento de toda a comunidade em todosos aspectos do seu funcionamento. Ver uma interessante descrição da parceria comuni-tária em Spaggiari, 1993. Texto ilegível (página 127, última linha da nota).

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• Os programas de alta qualidade são compatíveis com osrecursos financeiros das famílias que necessitam dessesserviços?

• As condições de trabalho (salário, benefícios, seguros,etc.) dos programas que existem na comunidade são sufi-cientemente boas de modo a garantir uma baixa taxa demobilidade dos profissionais e assim permitir o desen-volvimento de relações estáveis entre adultos e crianças eeducadores e pais, e permitir também uma formaçãoefectiva e rentável dos profissionais envolvidos?

• Os profissionais possuem formação e qualificações ade-quadas e são responsabilizados pelo seu trabalho?

Dada a variedade de instituições promotoras de programasde educação pré-escolar, cada programa pode gerar a suaprópria lista de critérios para a avaliação segundo esta pers-pectiva.

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C i n c o P e r s p e c t i v a s s o b r e Q u a l i d a d e

Esta formulação da avaliação da qualidade dos programasde educação pré-escolar sugere quatro implicações.

DISCREPÂNCIAS ENTRE AS PERSPECTIVAS

É teoricamente possível que um programa de educação pré--escolar satisfaça os critérios de qualidade segundo aperspectiva orientada de cima para baixo, mas não cumpraos critérios próprios da perspectiva orientada de baixo paracima ou da perspectiva exterior-interna ao programa. Porexemplo, um programa pode atingir níveis elevados em cri-térios orientados de cima para baixo – tais como espaço,equipamento ou proporção crianças/educadores, – sematingir níveis adequados de qualidade de vida no caso dealgumas crianças, de acordo com a perspectiva orientada debaixo para cima.

O aspecto importante da experiência é o sentido que lhe édado por quem a vive. Do mesmo modo que uma determi-nada palavra é função da frase em que se encontra e doparágrafo em que se insere, os seres humanos tendem aatribuir sentidos à sua experiência numa dada situação combase nas experiências já vividas em outros contextos.Assim sendo, a perspectiva orientada de baixo para cimadeve ter em conta que, para uma determinada criança, oestímulo potencial de um programa de educação pré-esco-lar é função do nível de estímulos do ambiente em que acriança se integra fora do programa (Katz, 1989).

como harmonizarperspectivas

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IMPLICAÇÕES DAS PERSPECTIVAS MÚLTIPLAS SOBRE A QUALIDADE

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Por exemplo, uma criança cujo ambiente em casa incluauma grande variedade de materiais lúdicos, programas detelevisão e em vídeo, jogos de computador, equipamentopara actividades ao ar livre, visitas frequentes a parquesinfantis, etc., pode achar maçador um programa de educa-ção pré-escolar que uma outra criança, a quem o ambienteem casa não oferece o mesmo grau de variedade, podeachar estimulante. Estas variações individuais na experiên-cia de crianças que frequentam programas de educação pré--escolar – ou seja, no âmbito da perspectiva orientada debaixo para cima – devem ser consideradas durante a avalia-ção da qualidade de um programa; além disso, estas mes-mas diferenças devem ser consideradas ao pesar a impor-tância dos critérios orientados de cima para baixo.

Em teoria, um programa pode ficar aquém dos níveis acei-táveis segundo os critérios orientados de cima para baixo(por exemplo, pode não ter espaço suficiente ou estar malequipado) e ser todavia experimentado como satisfatóriopela maioria das crianças que nele participam. Sugerindoeu, porém, que o impacto global de um programa é deter-minado pela perspectiva orientada de baixo para cima, oscritérios de qualidade próprios da perspectiva orientada decima para baixo deverão ser aplicados com uma certa fle-xibilidade.

É também razoável admitir que os educadores podem terrelações apropriadas com os pais mas não com algumas cri-anças. Ou pode acontecer que as crianças progridam e sedesenvolvam mas os pais sintam que não são bem recebi-dos nem respeitados pelos educadores.

Pode ainda acontecer que as avaliações segundo a perspec-tiva orientada de baixo para cima revelem resultados fra-cos, mas que o programa esteja muito bem cotado segundoa perspectiva exterior-interna dos pais, ou vice-versa. Porexemplo, os educadores podem sentir-se obrigados a envol-ver as crianças em exercícios académicos para satisfazer aspreferências dos pais, em detrimento de uma qualidade devida que seria mais satisfatória para as crianças se lhes fos-sem oferecidas experiências informais e intelectualmentemais importantes. Nessas circunstâncias, a avaliação da

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C i n c o P e r s p e c t i v a s s o b r e Q u a l i d a d e

qualidade segundo a perspectiva orientada de baixo paracima é menos positiva do que a avaliação segundo a pers-pectiva exterior ao programa.

Assim, é teoricamente possível que, sendo consideradasestas perspectivas múltiplas, os níveis de satisfação dos cri-térios propostos variem significativamente. O que vemcolocar a seguinte questão: Deverá ser dado maior peso auma das perspectivas ao avaliar a qualidade de um pro-grama? E, se assim for, qual das perspectivas poderá serconsiderada prioritária para a determinação da qualidade deum programa?

QUESTÕES DE RESPONSABILIZAÇÃO

Como já foi sugerido, as instituições promotoras de pro-gramas não podem ser responsabilizadas por todas as res-postas negativas aos critérios listados para cada perspec-tiva. Algumas crianças entram num programa com proble-mas que transcendem o espaço e o tempo desse programa.Do mesmo modo, pais e educadores podem revelar insatis-fação em um ou vários critérios devido a factores que nãopodem ser atribuíveis ao próprio programa. Algumas famí-lias podem debater-se com dificuldades e vicissitudes queinfluenciam as suas respostas, mas que não são necessaria-mente atribuíveis ao programa.

É complexa a determinação das causas que influenciam asperspectivas dos públicos de um dado programa. Levanta--se assim a difícil questão do estabelecimento dos limites daresponsabilidade dos educadores. Como já foi sugerido, oseducadores que executam um programa não são obrigadosa agradar a todos, mas sim a aplicar os procedimentos acei-tes e ajustados a cada caso. Esta sugestão implica que oseducadores, como classe profissional, tenham adoptado umconjunto de critérios e padrões que definam uma práticaajustada. A concepção dos limites de responsabilização dos

limites de responsabilidade

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profissionais, aqui proposta, implica que uma das condi-ções essenciais à qualidade de um programa seja a de quetodos os profissionais tenham as qualificações necessáriase estejam aptos a aplicar as práticas aceites e os saberesacumulados pela sua classe profissional. Para respondercom profissionalismo a cada resultado negativo reveladopela perspectiva orientada de baixo para cima ou pela pers-pectiva exterior-interna, é necessário que o programa dis-ponha de profissionais qualificados e com ampla experiên-cia – e isto aplica-se particularmente ao director do pro-grama.

Esta concepção dos limites de responsabilização dos pro-fissionais sublinha também a necessidade imperiosa de estaclasse profissional continuar a desenvolver consensos cla-ros sobre os padrões mínimos exigíveis à prática educativa.

A educação pré-escolar já deu importantes passos no sen-tido de estabelecer consensos sobre critérios e padrões daprática educativa através de estudos publicados pelas asso-ciações profissionais. O documento mais abrangente é oestudo Developmentally Appropriate Practice in EarlyChildhood Programs Serving Children from Birth ThroughAge 8 (Bredekamp, 1987) da National Association for theEducation of Young Children (NAEYC). Este documento écomplementado pelos procedimentos e padrões para apro-vação de programas da National Academy of EarlyChildhood Programs (NAEYC, 1991a), que cobrem a maiorparte dos pontos implícitos nos critérios aqui listados. ANAEYC publicou também tomadas de posição sobre con-teúdos curriculares e avaliação (Bredekamp e Rosegrant, 1992;NAEYC, 1991b). O New Institute for Early ChildhoodProfessional Education da NAEYC ocupa-se da qualifica-ção, formação contínua e outros aspectos directa e indirecta-mente relacionadas com a responsabilidade dos educadoresde infância na implementação das práticas reconhecidas pelasua classe profissional.

No caso particular dos programas de assistência à infância,a alta taxa de mobilidade dos profissionais está em grandeparte relacionada com salários extremamente baixos e máscondições de trabalho, tanto nos Estados Unidos (ver Whitebook,

consensossobre a

qualidade

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Phillips e Howes, 1993) como em muitos outros países. Agra-vam-se assim os problemas de fixação dos profissionaisque possuem as qualificações e a experiência requeridaspor programas de alta qualidade.

CRITÉRIOS E PADRÕES

Qualquer avaliação requer uma selecção dos critérios e adefinição dos padrões que as respostas a esses critériosdevem atingir para que se satisfaça um nível considerado dequalidade. Como já foi sugerido, cada uma das questõesacima listadas implica um critério de qualidade. Para efei-tos deste debate, critério será uma dimensão da experiênciaconcebida para determinar a qualidade dessa experiência;padrão será um nível específico de qualidade aplicável aum determinado critério.

Assim, para o critério da proporção adultos/crianças segundoa perspectiva orientada de cima para baixo, o padrão de quali-dade pode ser estabelecido em 1:5, 1:10 ou 2:25, dependendoda idade das crianças. Para o primeiro critério listado segundoa perspectiva orientada de baixo para cima – “Normalmentesinto que sou bem recebido, ou, pelo contrário, sinto-me presoaqui?” – terá de ser estabelecido um padrão que considere aintensidade, a frequência ou a duração que a reacção da cri-ança deve ter para que se atinja um padrão de qualidade acei-tável. Uma escala de quatro ou cinco pontos para cada conti-nuum dos critérios parece ser suficiente na maioria dos casos.No entanto, o consenso quanto ao ponto em que o padrão dequalidade é satisfeito deve ser determinado pelos avaliadores.Além disso, compete aos avaliadores determinar se os padrõesde qualidade devem ser atingidos na totalidade ou na maioriados critérios especificados.

critériosde qualidade

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VARIÁVEIS COM DIFERENTES ÂMBITOS DE INFERÊNCIAS

A avaliação baseada nas variáveis habitualmente utilizadas– tais como o espaço por criança, as qualificações dos pro-fissionais, as características observáveis da interacção pro-fissionais/criança e outros índices de qualidade segundo aperspectiva orientada de cima para baixo – requer umâmbito relativamente restrito de inferências por parte doavaliador. No entanto uma abordagem com perspectivasmúltiplas envolve o uso de variáveis com âmbitos alarga-dos de inferência, onde se incluem as inferências dos senti-mentos profundos das crianças, dos profissionais e doscidadãos em relação a um dado programa.

Não seria ético nem prático entrevistar directamente as cri-anças utilizando as perguntas listadas na perspectiva orien-tada de baixo para cima. Seria eticamente inaceitável colo-car as crianças numa situação que as pode incentivar a cri-ticar os seus educadores. Além do mais, e de um ponto devista prático, as descrições verbais que as crianças muitonovas fazem das suas experiências não são fidedignas.Assim, a avaliação da qualidade da experiência orientadade baixo para cima requer que sejam feitas inferênciassobre momentos subjectivos das crianças. Idealmente, estasinferências deverão basear-se num contacto extenso, numaobservação frequente e na recolha de informações durantelargos períodos de tempo. Também são requeridos índicesfidedignos e discretos para as experiências subjectivas dascrianças de modo a avaliar a qualidade segundo a perspec-tiva orientada de baixo para cima (ver Goodwin e Goodwin,1982).

âmbitos alargados de

inferência

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C i n c o P e r s p e c t i v a s s o b r e Q u a l i d a d e

As respostas às questões colocadas pelos critérios definidospara cada perspectiva podem ser a base das decisões sobreos tipos de modificação a fazer nos serviços oferecidos acada criança individualmente, ao grupo de crianças inscri-tas e às suas famílias. Deste modo, cada uma das cincoperspectivas aqui esboçadas contribui de modos diferentespara uma avaliação global da qualidade de um programa talcomo é experienciado por todos quantos têm uma palavra adizer sobre a qualidade do programa. Mas – e porque nemtodas as respostas podem ser directamente atribuíveis acaracterísticas do programa – os educadores de infânciaenquanto classe profissional devem prosseguir o seuesforço no sentido de desenvolver, adoptar e aplicar umconjunto aceite de padrões da prática educativa que deter-mine os limites da sua responsabilização. Qualquer aborda-gem à avaliação da qualidade requer não só um conjunto decritérios aplicáveis a cada programa, mas também um con-senso sobre os padrões mínimos que determinam o nívelaceitável de qualidade segundo cada critério. Já foramdados os primeiros passos para o apuramento de consensosno que diz respeito a práticas apropriadas. É agora urgenteuma discussão alargada destas questões entre os educado-res, as instituições promotoras dos programas, os departa-mentos que os regulamentam e as associações profissionaisque intervêm no campo da educação pré-escolar.

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CONCLUSÃO

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C i n c o P e r s p e c t i v a s s o b r e Q u a l i d a d e

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I I . O q u e é a Q u a l i d a d ee m E d u c a ç ã o P r é - E s c o l a r ?

A l g u n s r e s u l t a d o s a c e r c a d a Q u a l i d a d ed a E d u c a ç ã o P r é - E s c o l a r e m P o r t u g a l

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O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

A “Qualidade da Educação” é um dos aspectos da“Qualidade de Vida”. A nosso conhecimento a questão da“Qualidade de Vida” associada à Educação Pré-Escolar écolocada pela primeira vez em 1982 no texto introdutóriodo International Educational Achievement Pre-PrimaryProject. (Crahay, Katz, Tietze et al., 1982)1.

A preocupação com a “Qualidade de Vida”, ligava-se nessapesquisa aos estudos dos contextos de socialização das cri-anças entre os 3 e os 5 anos, sendo a Qualidade de EducaçãoPré-Escolar uma das dimensões da qualidade de vida.

Este projecto veio dar origem a partir de 1986 à realizaçãode um estudo internacional comparativo acerca das crian-ças antes da escolarização formal que terminou em 1997. Oímpeto para uma tal investigação, partia de duas tendênciasque emergiram e convergiram durante as décadas de 1960e 1970 na maior parte dos países membros da InternationalAssociation for the Evaluation of Educational Achievement(IEA), nomeadamente:

1. A aceitação cada vez maior das experiências de vidaprecoces como constituindo um forte e provavelmenteduradouro contributo para o subsequente desenvolvi-mento das crianças.

2. O aumento progressivo da incidência de famílias parti-lhando os cuidados e a educação dos seus filhos emidade pré-escolar com outras pessoas fora de casa –

qualidadede educaçãoe qualidadede vida

estudos em Portugal

43

Joaquim Bairrão*

* Faculdade de Psicologia e de Ciências de Educação da Universidade do Porto, mem-bro do Conselho Consultivo do GEDEPE.

1 Crahay, Katz, Tietze et al (1982) International Education Achievement. Documentopolicopiado.

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fenómeno esse que é atribuído de forma variada àsmudanças de natureza social, económica e demográficaque ocorrem pelo mundo inteiro (Crahay, 1994)2.

Tendo em vista essas duas premissas, logo se constatou anecessidade de promover a boa qualidade nas estruturaspré-escolares, para de certo modo se compensarem as alte-rações que se verificam nas sociedades modernas. Comeste fim realizou-se a referida investigação, na qualPortugal participou até 1992.

A estas preocupações de que Crahay faz eco, não são estra-nhas as investigações de Bronfenbrenner (1979) que real-çam a relação entre as experiências precoces da criança nasestruturas pré-escolares e a agressividade ulterior.3

Também autores como Bairrão e Tietze (1994) vão chamara atenção para a importância do estudo das mudanças navida da família, e os consequentes desafios que se põem àsestruturas pré-escolares. De novo se volta a pôr o problemada qualidade, pois só estruturas pré-escolares de qualidadepoderão responder às novas tarefas que as esperam.

Assim, para os referidos autores, as estruturas pré-escolaresnos países industrializados tendem a garantir progressiva-mente uma cobertura generalizada às crianças entre os 2/3 e os5 anos, no sentido de dar resposta a um conjunto de mudançasculturais, socioculturais e demográficas, nomeadamente4:

• A mudança das expectativas relativamente à mulher, bemcomo, a mudança nos seus papéis, principalmente no quediz respeito à sua participação na vida social e económicadas comunidades.

• O aumento da participação da mulher no mundo do trabalho.

trabalhos deBronfenbrenner

estudo deBairrão e Tietze

44

2 Crahay, M. (1994) The I.E.A. Preprimary Project: Obtaining knowledge to improve thequality of children’s early experiences. In D. P. Olmested & D. P. Weikart (Eds.),Families Speak: early childhood care and education in 11 countries. Ypsilant,Michigan: The High/Scope Press.

3 Bronfenbrenner , U. (1979) Ecology of Human Development. Cambridge, MA:Harvard University.

4 Bairrão, J. & W. Tietze (1994). A educação pré-escolar na comunidade europeia.Lisboa, I.E.E.

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O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

• As mudanças de estrutura da família que incluem: oaumento de famílias monoparentais – pai/mãe divorcia-dos, mães solteiras – e a diminuição do número de crian-ças por família.

• As mudanças estruturais na composição etária das populações.• A importância crescente dos cuidados e da educação pré-

-escolar, como uma condição necessária à ulterior adap-tação e sucesso da criança na escola.

• A importância crescente da experiência pré-escolar naadaptação ulterior à sociedade, nomeadamente nodecréscimo de comportamentos desviantes, tais como adroga, a violência, etc..

• A convicção cada vez maior àcerca dos benefícios deeducação pré-escolar para as crianças culturalmente pri-vadas ou diferentes e para aquelas que têm necessidadeseducativas especiais.

Vemos pois que, interesse pela “Qualidade de Vida” em geral epela “Qualidade de Educação” em particular, surge pois, comoforma de dar respostas a essa problemática social e familiar.

Convém no entanto dizer, desde já, que estes conceitos têmde adaptar-se ao objecto de estudo em causa. Por exemplo,quando se trata da qualidade de vida de crianças de idadepré-escolar, a qualidade pode dizer respeito à qualidade deeducação que estas recebem no seu Jardim de Infância ouna Creche ou ainda à qualidade de vida em família.

Do mesmo modo, a “Qualidade de Vida” deverá ser enten-dida ao longo do ciclo de vida, embora em certos estudosela se possa circunscrever a um dado período, como nonosso caso, à idade pré-escolar.

Entre o conceito de “Qualidade de Vida” e o de “Qualidadede Educação” existem, pois, fortes consonâncias.

Segundo Felce & Perry (1995)5 a qualidade de vida emergecomo um conceito potencialmente unificador e muito útil

qualidadede vida segundoFelce e Perry

45

5 Felce, D.; Perry, J.. (1996) Assessement of Quality of Life. In R. L. Schalock (Ed),Quality of Life Vol I Conceptualization and measurement. Washington, A. A. M. R.

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para a avaliação do impacto dos processos de cuidados quesão prestados às crianças e aos adultos ao longo da suavida.

Segundo os mesmos autores, Qualidade de Vida é um cons-tructo multidimensional com três dimensões principais:

• As condições objectivas de vida;

• A noção subjectiva de bem-estar;

• Os valores e as aspirações pessoais.

De igual modo, a “Qualidade de Educação” diz respeito acritérios objectivos que têm a ver com o bem-estar físico,material e social das pessoas e também com os aspectos denatureza subjectiva, como por exemplo, as representaçõesque as pessoas têm acerca de qualidade, isto é, o modocomo as pessoas sentem e pensam a qualidade.

46

Page 49: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

Vários autores como Moss (1994) e Woodhead (1996)defendem a relatividade da definição de qualidade em edu-cação pré-escolar.

Não há para estes autores uma definição única de quali-dade, pois toda e qualquer definição reflecte: “valores ecrenças, necessidades e prioridades, influência e aumentode poder por parte daqueles que organizam esses serviços”(Moss, 1994, p.1)6.

Por sua vez, Woodhead diz-nos que as abordagens à quali-dade educativa dos programas pré-escolares estão forte-mente influenciadas pelos “...modelos euro-americanos dequalidade, que dominam a investigação, as políticas e aspráticas em educação pré-escolar”, (Woodhead, 1996, p.10)7.

Apesar da relatividade do conceito de qualidade, existe umforte consenso para aceitar, pelo menos nos países da Europae nos Estados Unidos, que a qualidade tem a ver com: ascaracterísticas das pessoas que trabalham nesses contextos;com as características dos programas; com as políticas edu-cativas; com os resultados da investigação, etc.

Assim, dentro desta perspectiva, têm sido apresentadosdiferentes autores que nos permitem operacionalizar oestudo da qualidade dos programas pré-escolares.

relatividade do conceito de qualidade

47

O QUE É A QUALIDADE EM EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR?

6 Moss, P. & Pence, H. (Eds) (1994) Valuing quality in early childhood services. Newapproaches to defining quality. London, Paul Chapman.

7 Woodhead, M. (1996) In search of the rainbow. Paths ways to quality in large-scale pro-grammes for young disadvantaged children. The Hague, Brenard Van Leer Foundation.

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Retomando Woodhead (1996, p.40), este autor apresenta--nos um modelo tridimensional de qualidade para “exami-nar a qualidade dos programas pré-escolares” e que é repre-sentado graficamente por um cubo:

(Adaptado de Woodhead, 1996)

Segundo Woodhead, o seu modelo pode incluir diversas visõesde qualidade que poderão ocupar as várias faces do cubo.

Ainda dentro do conceito de qualidade, a NAEYC8, refere umnovo conceito, o de alta qualidade, que consiste num meioambiente rico que promove o desenvolvimento físico, social,emocional e cognitivo das crianças, respondendo igualmenteàs necessidades das famílias (Bredekamp 1992). Igualmente

Indicadores

(exemplos)

Comunidade

Equipamento

Processo

Estilo de cuidados

Gama de recursos

Ensino/aprendizagem

Jogo

Disciplina

Produtos

Saúde da criança

Capacidades das crianças

Adaptação à escola

Rendimento escolar

Fina

ncia

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esso

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Etc.

Sociedade

Pais/Família

Pessoal de guarda

Crianças

modelo tridimensional

de qualidadesegundo

Woodhead

qualidadesegundoNAYEC

48

8 The National Association for the Education of Young Children.

Page 51: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

alta qualidade implica, por sua vez, práticas desenvolvimen-talmente adequadas, isto é, condições e práticas que conte-nham duas dimensões principais: a adequação à idade e a ade-quação ao indivíduo. Tais dimensões dever-se-ão aplicar àsquatro componentes dos programas pré-escolares: currículo,interacções adulto-criança; relações família jardim de infânciae avaliação do desenvolvimento da criança9.

Katz (1992 e 1995) no seu já célebre artigo de 199210 e queneste volume se reproduz sob a forma de tradução11, apre-senta uma notável síntese acerca da qualidade em educaçãopré-escolar que denominou de “Perspectivas Múltiplas daQualidade de Programas Pré-Escolares”:

1. A perspectiva orientada de cima para baixo: que tema ver com os ratios adulto/criança, equipamento, mate-riais, espaços, etc.

2. A perspectiva orientada de baixo para cima: que tem aver com o ponto de vista da própria criança, com a sua sub-jectividade: “Sinto-me bem nesta escola?” “Sou aceite?”“Estou divertido?” “A minha opinião conta?”, etc..

3. A perspectiva orientada de fora para dentro: que tema ver com as relações entre pais e equipa do Jardim deInfância, etc.

4. A perspectiva orientada a partir do interior: que tema ver com relações entre colegas, relações dos educado-res com os pais, relações com a tutela, etc.

5. A perspectiva societal: que tem a ver com o modocomo a sociedade em geral avalia os recursos oferecidospela rede, nomeadamente: o programa serve realmenteas crianças e famílias que recorrem a ele? É o programade boa qualidade?, etc.

qualidadesegundoKatz

49

9 Bredekamp, S. (1992). Development appopriate practice in early childhood programs.Serving children from birth trough age 8. Washington, NAYEC.

10 Katz, L. G. (1992) Multiple perspectives on the quality of early childhood programs.A paper prepared for the second European Conference on the Quality of EarlyChildhood Education. August 1992. Worcester College of Higher Education.Worcester, England, U. K.

11 Katz, L. G. (1995) Five perspectives on the quality of early childhood programs. InKatz, L. G. (1995) Talks with teachers of young children. New Jersey. AblexPublishing Corporation.

Page 52: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

Um outro autor, Doherty, (1991)12 apresenta um diagramapara o estudo da “qualidade” dos cuidados para a infância.Segundo este autor, “este diagrama é uma adaptação domodelo de Whitebook et al. (1989). Este modelo ilustra que:

• Algumas categorias têm um impacto directo sobre outrascategorias ou sobre o bem-estar da criança ou sobre o seudesenvolvimento;

• Algumas categorias têm uma influência indirecta sobreoutras categorias ou sobre a criança.

Um Modelo para Avaliação da Qualidade dos Cuidados às Crianças

Doherty, G. (1991). Quality Matters in Child Care

Factores de contexto

• Fundos• Iniciativa (oficial, privada, etc.)• Normas• Alvarás/tutela• Implicação dos pais

Contextos da criança

• Cuidados de saúde e segurança• Características físicas dos

contextos/cenários• Ratio adulto/criança• Dimensão do grupo• Dimensão do programa• Densidade• Programação/currículo• Estabilidade do adulto• Organização das equipas

Contexto de trabalho do adulto

• Vencimentos e benefícios sociais• Condições de trabalho• Satisfação profissional

Características do adulto

• Educação formal• Formação sobre desenvolvimento

da criança• Tempo de experiência

em cuidados infantis

Interacção adulto/criança

• Desenvolvimentalmente adequada

• Responsiva• Positiva• Quantidade e tipos das trocas

verbais• Controladora, restritiva• Severa (ríspida)• Desinteressada

Bem-estar da criança

• Saúde e segurança• Segurança emocional• Interacção social• Capacidades de comunicação• Capacidades cognitivas

Rotatividade da Educadora

diagramade qualidade

segundoDoherty

50

12 Doherty, G. (1991) Quality matters in child care. Huntsville, Jesmond Publishing.

Page 53: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

Após esta breve introdução acerca dos conceitos e modelosde qualidade de vida e de qualidade de educação de crian-ças em idade pré-escolar, passaremos, em seguida, combase em dois estudos realizados no nosso país sobre estemesmo assunto, a apresentar alguns dados recolhidos emjardins de infância e a reflectir sobre a situação em Portugalem termos da qualidade da educação pré-escolar 13.

THE INTERNATIONAL EDUCATION ACHIEVEMENT. THE PRIMARY PROJECT (1987/1992)

Em 1986, Portugal iniciou a sua participação no“Preprimary Project” da “International Association for theEvaluation of Educational Achievement”, (I.E.A.), o qualtinha como objectivo principal, obter conhecimentos quepermitissem melhorar a “Qualidade das Primeiras Expe-riências Educativas das Crianças”, num elevado número depaíses.

O IEA Preprimary Project foi concebido para ser realizadoem três fases interrelacionadas:

FASE 1: Esta fase consistiu num inquérito às famílias emcada um dos países participantes para determinar os

estudodo IEA

51

ESTUDO DA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR EM PORTUGAL – DOIS ESTUDOS

13 Veja-se Olmsted, P. P. & Weikart, D. E. (Eds.) (1989) How nations serve youngchildren: Profiles of child care and education in 14 countries. Ypsilanti, Michigan. TheHigh/Scope Press, onde se refere a situação da educação pré-escolar em Portugal.

Page 54: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

tipos de serviços de educação e cuidados que as famí-lias utilizavam e determinar as características quer dasfamílias quer desses serviços. Esta fase do estudo per-mitiu ainda traçar em cada país um retrato das activi-dades do dia-a-dia das crianças.

FASE 2: Uma amostra de serviços pré-escolares identificadosna 1.ª fase, foi estudada em profundidade, para deter-minar a Qualidade das experiências das crianças nes-ses diferentes contextos de guarda e de educação.

FASE 3: Esta fase consistiu num estudo longitudinal deuma amostra de crianças até aos 7 anos.

Portugal, à semelhança de outros países europeus, apenas par-ticipou na Fase 1 deste Projecto, tendo em seguida aderido aum novo estudo, “The International Childhood Care andEducation” (I.C.C.E.), que em menor escala, desenvolveuduas fases semelhantes aquelas outras propostas pelo I. E. A.

THE INTERNATIONAL CHILDHOOD CAREAND EDUCATION I.C.C.E. (1992/1998)

Este segundo estudo, a que Portugal aderiu em 1992 e quedecorreu até 1998, denominado por “Estudo InternacionalSobre Educação e Cuidados de Crianças em Idade Pré--Escolar”, é um estudo cooperativo transnacional acerca dadiversidade e da qualidade das experiências educativas decrianças em idade pré-escolar em diferentes contextos desocialização (Família e Jardim de Infância). Nele participa-ram quatro países europeus (Alemanha, Áustria, Espanha ePortugal), e quatro estados dos E.U.A.

Este novo Projecto (I.C.C.E.) tinha como objectivo princi-pal, estudar a diversidade e a qualidade das experiênciaseducativas das crianças dos três aos seis anos em diferentescontextos de socialização (Jardins de Infância e Família), e,analisar o impacto dessas experiências no desenvolvimentodas crianças e na qualidade de vida das famílias.

estudodo ICCE

52

Page 55: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

A amostra portuguesa era constituída por 88 Jardins deInfância, 88 salas de actividades; 345 crianças de 4 anos,frequentando Jardins de Infância e respectivas famílias e 79crianças (4 anos) sem frequência de Jardins de Infância esuas respectivas famílias.

Os jardins de infância foram seleccionados aleatoriamentede acordo com a tipologia de jardins existente em Portugal,constituindo-se quatro grupos:

Grupo 1 - Jardins de infância oficiais das zonas metropoli-tanas do Porto e Lisboa (n=22).

Grupo 2 - Jardins de infância oficiais de zonas não metro-politanas seleccionados no Norte e Sul do país(n=22).

Grupo 3 - Jardins de infância privados sem fins lucrativosdas zonas metropolitanas do Porto e Lisboa (n=22).

Grupo 4 - Jardins de infância privados com fins lucrativosdas zonas metropolitanas do Porto e Lisboa (n=22).

Como quadro de referência teórico, recorreu-se à aborda-gem ecológica que considera o desenvolvimento da criançacomo o resultado da interacção entre a criança e os dife-rentes ecossistemas em que ela se insere, englobando, pois,aspectos processuais e estruturais dos contextos de sociali-zação das crianças em estudo.

Não deixaremos de focar que a perspectiva ecológica emque nos colocamos leva a utilizar os seguintes conceitos:

– Cenário

– Estrutura

– Processo

Por cenário (ou contexto focal) deve entender-se uma uni-dade espacial e temporal onde decorrem padrões cíclicosde acções. Exemplos de cenário, são a sala de aula, ou orecreio de uma escola.

Por estrutura entende-se, a dimensão que considera osaspectos estáveis dos contextos, como por exemplo, o

perspectivaecológica

cenário

estrutura

53

Page 56: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

espaço físico, os materiais, os horários, os ratios adulto/cri-ança, os papéis dos adultos, etc.

Por processo entende-se a dimensão interactiva que decorrenos contextos e cenários, e que consiste nas trocas ou tran-sacções entre adultos e crianças e entre as crianças entre si.As dimensões de ensino-aprendizagem e o jogo, são exem-plos clássicos de interacções.

Segundo os autores citados, os aspectos estruturais apenasestabelecem as condições básicas dessa potencial quali-dade, mas não a determinam (Tietze, Bairrão et al, 1998)14.

O presente escrito circunscrever-se-à à conceptualização danoção de “Qualidade” e à apresentação parcial de algunsresultados obtidos em Jardins de Infância em Portugal. Dadosreferentes à família e às crianças não serão aqui referidos.

O ESTUDO DA QUALIDADE NO I.C.C.E15

Como acabámos de ver, para estudar a qualidade dos con-textos de educação pré-escolar devemos considerar ele-mentos estruturais e elementos de processo (Rossbach,Clifford e Harms, 1991)16. Estes dois tipos de elementos,de estruturas e de processo não devem ser vistos de formaisolada, pois interagem dinamicamente. Por exemplo, osprofissionais que trabalham em contextos seguros e bemequipados (estruturas) são mais sensíveis e respondemmelhor às solicitações das crianças (processo).

processo

54

14 Tietze, W.; Bairrão, J.; Leal, T.; Rossbach, H. G. (1998) Assessing quality characte-ristics of center-based early childhood environments in Germany and Portugal. Across-national study. European Journal of Psychology of Education, 2, 283-298.

15 F.P.C.E. (1997) Educação Pré-Escolar em Portugal. Estudo da Qualidade deEstruturas Pré-Escolares. Relatório. Centro de Psicologia da Universidade do Porto.Linha de Investigação 3: Psicologia do Desenvolvimento e Educação da Criança.

16 Rossbach, H. G.; Clifford, R. M.; & Harms, T. (1991) Dimensions of learning environ-ments: cross-national of the Early Childhood Environment Rating Scale. Paper pre-sented at AERA, Annual Conference, Chicago.

Page 57: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

No presente escrito circunscrevemo-nos, para além da con-ceptualização da noção de “Qualidade” e forma de opera-cionalizar a avaliação da qualidade da educação pré-esco-lar, à apresentação de alguns resultados do I.C.C.E. obtidosem Jardins de Infância em Portugal.

55

Page 58: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs
Page 59: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

Os aspectos estruturais dizem respeito às condições relati-vamente estáveis de um contexto. Nos Jardins de Infânciasão, por exemplo, o espaço das salas, o ratio adulto/criança,os horários, a planificação das actividades, etc.

Com o objectivo de caracterizar os Jardins de Infânciaquanto aos seus aspectos estruturais, estes foram agrupadosem três grandes dimensões:

1. Aspectos espacio-materiais

2. Aspectos pessoais e sociaisa. Relacionados com o grupo-alvob. Características dos educadores

3. Aspectos de planificação e actuaçãoa. Ligados ao Jardim de Infância em geralb. Ligados às actividades de salac. Ligados ao trabalho com os pais

Assim, para determinar as características estruturais doJardim de infância, foi utilizado no I.C.C.E. o “Questio-nário de avaliação das características estruturais do jardimde infância” (QSC) que engloba três questionários, um diri-gido ao director da instituição, outro à educadora responsá-vel pelo grupo/sala-alvo e outro ao pessoal auxiliar dessamesma sala.

elementos estruturais

57

A AVALIAÇÃODOS ASPECTOS ESTRUTURAIS

Page 60: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs
Page 61: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

Os aspectos processuais dizem respeito às interacçõesentre pessoas e entre estas e os materiais.

Para a análise das características de processo utilizou-se uminstrumento específico de avaliação do ambiente decontextos pré-escolares formais – “The Early ChildhoodEnvironment Rating Scale”(ECERS)17. – A ECERS, daautoria de T. Harms e R. Clifford (1980), tem sido dos ins-trumentos mais utilizados por diferentes países em estudosdesta natureza. Para esse efeito, a equipa do I.C.C.E. pro-cedeu à sua adaptação e aferição para Portugal, desig-nando-se a versão portuguesa por “Escala de Avaliação doAmbiente em Educação Infantil”.

Como nos diz um dos seus autores Harms (1991)18 com aECERS pretende obter-se uma medida discriminativa daqualidade que nesse instrumento é operacionalizada atravésdas seguintes dimensões:

• Segurança (precauções com o espaço físico para preveniracidentes; supervisão constante para evitar acidentes; pla-nos e treino de pessoal para intervenções de emergência);

• Saúde (alimentação adequada; períodos de sono e des-canso apropriados às crianças; medidas de higiene);

• Organização do espaço físico (espaço para rotinas e jogoprovidenciado dentro e fora da sala; espaço para activi-dades de grande e pequeno grupo e actividades individu-

interacções

segurança

saúde

organizaçãodo espaço

59

A AVALIAÇÃODOS ASPECTOS PROCESSUAIS

17 A ECERS é constituída por 37 itens organizados em 7 subescalas, cuja descrição apre-sentamos no Anexo 1, pag. 87.

18 Harms, T. (1991) The assessement of quality in child care settings. Frank PorterGraham Child Development Center, University of North Carolina. Policopiado.

Page 62: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

ais; organização do espaço e materiais para utilizaçãoautónoma; equipamento adequado ao tamanho das crian-ças; facilidade de supervisão visual);

• Horários (períodos adequados para as actividades derotina e jogo; períodos de actividades no interior e noexterior; transições suaves e graduais; equilíbrio entre asactividades iniciadas pelo adulto e actividades iniciadaspelas crianças);

• Interacção e supervisão (afecto e apoio emocional;comunicação verbal e estimulação da linguagem; compe-tências para lidar com comportamentos perturbadores;expectativas apropriadas à idade das crianças);

• Currículo/Actividades (adequação à idade e às necessi-dades individuais das crianças; utilização das rotinas paradesenvolver competências de autonomia e integrar outrasaprendizagens; variedade de actividades – livros, jogosde linguagem, construções, arte, música, culinária, natu-reza, passeios ao exterior);

• Envolvimento dos pais (os pais são informados acercadas regras, dos objectivos e das actividades do jardim:troca de informação entre a equipa e os pais quer deforma informal, quer através de reuniões formalizadas:os pais são convidados a participar como visitantes, aprestar ajuda e tomar decisões);

• Profissionais (orientação do trabalho da equipa; biblio-teca e centro de recursos; oportunidades de desenvolvi-mento profissional);

• Administração (legislação relativa ao atendimento dascrianças; legislação relativa aos profissionais; avaliaçãoperiódica da equipa e das actividades; comunicaçãoaberta entre a administração e a equipa; envolvimento daequipa e dos pais na avaliação e nas tomadas de decisão).

horários

interacção esupervisão

currículo

envolvimentodos pais

profissionais

administração

60

Page 63: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

Como já foi referido, o objectivo deste escrito não é o defazer uma caracterização exaustiva da qualidade da educa-ção pré-escolar nos jardins de infância em Portugal combase nos resultados obtidos no I.C.C.E.19. Pretende-se, sim,partindo da detecção de certas características quer estrutu-rais quer processuais e da forma como estas interagem,realçar os aspectos a que se deverá dedicar especial atençãona planificação e avaliação do sistema pré-escolar, tendoem vista a melhoria da sua qualidade. Neste sentido, osdados obtidos nesse estudo empírico (I.C.C.E.) estarãosempre na base das reflexões que apresentaremos, isto é,referem-se sempre a uma determinada concepção de quali-dade e forma de a avaliar. Igualmente estes resultados refe-rem-se a 1994.

É interessante começar por referir as representações daseducadoras acerca dos diferentes factores que influenciamo trabalho directo com as crianças20.

Considerados diferentes factores como: a educadora, as cri-anças, a colaboração no grupo, a equipa do jardim de infân-cia, a directora, os pais, a entidade de tutela do jardim deinfância; o currículo específico/modelo de educação pré--escolar, foram referidos como tendo maior influência, os

implicaçõesdo estudo

factorescom maiorinfluência

61

ALGUNS RESULTADOS DA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR EM PORTUGAL

19 Para uma leitura exaustiva dos dados disponíveis do ICCE veja-se: Bairrão, J.; Leal, T.; Abreu-Lima, I. Morgado, R. (1997) A evolução do Sistema Educativo e o PRODEP. Estudos Temáticos. Educação Pré-Escolar. Vol. II Lisboa, Ministério daEducação. D.A.P.P. E, dos mesmos autores, A Educação pré-escolar em Portugal –Estudo da qualidade de estruturas pré-escolares. Porto, F.P.C.E. (Relatório policopiado).

20 Para o efeito foi utilizada uma escala com diferentes itens onde as educadoras clas-sificaram de 1 (nenhuma influência) a 5 (muitíssima influência) o peso de cadafactor.

Page 64: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

seguintes factores: em primeiro lugar as crianças, e, emsegundo lugar, as educadoras. Por sua vez, na opinião daseducadoras, o currículo e o tipo de jardim de infância (públi-co/privado) são os aspectos que menos influenciam a qua-lidade do trabalho directo da educadora com o grupo de cri-anças. Já em trabalhos anteriores de Bairrão, Marques eAbreu (1982)21 se apontava para uma concepção de educa-ção pré-escolar mais voltada para aspectos globais dodesenvolvimento do que para alguns aspectos mais especí-ficos nomeadamente cognitivos e pré-académicos.

62

21 Bairrão, J.; Marques, T. N. & Abreu, J. G. (1986) Educação pré-escolar. Perspectivaatitudinal de educadores de infância. Revista de Psicologia e de Ciências deEducação, 1, 143

Page 65: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

CONCLUSÕES ACERCA DE ALGUNS ASPECTOS ESTRUTURAISDOS JARDINS DE INFÂNCIA EM PORTUGAL

Vejamos, agora, alguns resultados referentes à dimensãoestrutural dos jardins de infância da nossa amostra, o que,como já vimos, corresponde aos aspectos físicos, materiais,organizacionais, humanos e financeiros. Embora não setrate de aspectos que por si só determinem a qualidade doscuidados de educação prestados às crianças, eles são mui-tas das vezes condições básicas que podem influenciar deforma directa ou indirecta as práticas educativas e as expe-riências que se proporcionam à criança.

AS DIMENSÕES DA SALA DE ACTIVIDADES:ESPAÇO, CRIANÇAS E ADULTOS

As questões do espaço físico, sobretudo na sua relação como número de crianças, bem como, a relação numérica entreeducadora/equipa do jardim de infância e grupo de crian-ças, são dois aspectos universalmente aceites como decisi-vos da qualidade educativa. Embora sejam dimensões quetêm de obedecer a normas à partida definidas pelas autori-dades, elas nem sempre são cumpridas. Vejamos a situaçãoportuguesa.

63

CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS

Page 66: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

No conjunto dos jardins de infância estudados existia umaeducadora por sala, verificando-se que na maioria dasestruturas oficiais e privadas sem fins lucrativos é respei-tado o limite máximo de 25 crianças por sala. Contudo, omesmo não se verificou nos jardins de infância com finslucrativos, onde 30% tem salas com mais de 25 crianças,havendo mesmo salas com 36 crianças.

Embora, no nosso país, as normas da actual legislação22

apontem para um ratio de uma educadora para 20 a 25crianças no máximo, diversos estudos internacionais temvindo a confirmar a necessidade de ratios inferiores,como por exemplo, uma educadora para 20 crianças, paraque se possam garantir práticas desenvolvimentalmenteadequadas, principalmente se pretendemos a inclusão decrianças com necessidades educativas especiais nos nos-sos jardins de infância e de crianças de diferentes origensculturais.

Por sua vez, o ratio adulto-criança é muito heterógeneo emtodos os tipos de jardim de infância, revelando que em mui-tas situações a educadora está sozinha na sala e não tem oapoio de qualquer auxiliar de educação. É também nos jar-dins de infância com fins lucrativos que esta situação émais comum e por isso mais desfavorável, constatando-senessas estruturas um ratio médio de 15/16 crianças poradulto.

Quanto à área da sala de actividades, tomando como refe-rência a área recomendada de 50 m2 para as salas de acti-vidades com crianças, verificamos que uma percentagemconsiderável de salas de jardins de infância não obedecema estes padrões, sobretudo a nível das estruturas privadas.Cerca de 50% das salas dos jardins de infância oficiaisestudados têm uma área igual ou superior a 50 m2,enquanto que nos privados pouco mais de 30% dispõemdessa mesma área. Assim, é com preocupação que se con-clui que o espaço de 2 m2 por criança (que já é um valorconsiderado baixo internacionalmente) está pois muitolonge de ser cumprido entre nós. Como veremos mais adi-

ratioadulto-criança

área da sala de actividades

64

22 Despacho Conjunto N.o 268/97, de 25 de Agosto.

Page 67: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

ante a área disponível por criança na sala de actividades éum dos factores que maior influência directa e indirectatem a nível da qualidade educativa23.

65

23 Segundo Bailey & Wolery (1989) os espaços recomendados pelo NAYEC são osseguintes: um mínimo de 3,25 m2 por criança em sala de actividades e um mínimo de6,9 m2 por criança em espaços exteriores. Segundo estas recomendações os valores--norma portugueses são aceitáveis. [Bailey, D. B. & Wolery, M (1989) Assessinginfants and preschoolers with handicaps. New York, Maxwell MacmillanInternational Publishing Group.]

Page 68: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs
Page 69: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

QUADRO 1

Critérios Recomendados

N.º crianças/sala:

25 cr. / sala

(sala com 1 educadora)

5% com mais

de 25 cr./sala

10% com mais

de 25 cr./sala

8% com mais

de 25 cr./sala

30% com mais

de 25 cr./sala

Área da sala

de actividades /criança:

2 m2 por criança

33% com área

inferior a

2 m2/cr

24% com área

inferior a

2 m2/cr

51% com área

inferior a 2 m2/cr

75% com área

inferior a

2 m2/cr

J.I. Oficiais

Metropolitanos

J.I. Oficiais

não

Metropolitanos

J.I. Privados

s/fins

Lucrativos

J.I. Privados

c/fins

Lucrativos

67

CARACTERIZAÇÃO DOS DIFERENTES TIPOS DE JARDINS DE INFÂNCIA QUANTO AOS CRITÉRIOS RECOMENDADOS

Page 70: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs
Page 71: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

Destacaremos aqui os aspectos que consideramos maisrelevantes:

• No que respeita à situação profissional das educadoras,confirma-se a maior mobilidade das profissionais adesempenhar funções em jardins de infância de redepública em relação à rede privada. As primeiras, emmédia, trabalharam em mais jardins de infância e têmmenos anos de permanência no jardim de infância ondese encontram. Contudo, são as educadoras dos jardins deinfância da rede pública que têm maior número de anosde experiência profissional.

• Quanto à formação em serviço, destaca-se a baixa parti-cipação das educadoras de jardins de infância privadoscom fins lucrativos em acções de formação.

• Os salários líquidos, em média, são significativamentemais baixos nos jardins de infância privados.

• Nas educadoras dos jardins de infância privados, em ter-mos médios, o período de tempo destinado ao trabalhodirecto com as crianças é significativamente superior ao das suas colegas da rede pública (28.98 h contra 25 h/semana), como também, é tendencialmente superior onúmero de horas dedicado à planificação das actividades.

• Quanto ao grau de satisfação das educadoras com osdiferentes aspectos do seu trabalho, aquilo que lhes sus-cita maior satisfação é o trabalho com as crianças e o tra-balho com a equipa e menor satisfação, a gestão por parteda direcção, as condições gerais de trabalho e o salário. Éinteressante verificar que uma maior insatisfação com osalário se localiza nas educadoras dos jardins de infância

situaçãoprofissional das educadoras

69

AS EDUCADORAS:Formação e Situação Profissional

Page 72: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

da rede pública metropolitana e nas dos jardins de infân-cia privados sem fins lucrativos, apesar das primeirasserem aquelas que auferem salários mais elevados. Porsua vez, a maior insatisfação com a gestão do directorreside nas educadoras dos jardins de infância privadoscom ou sem fins lucrativos.

70

Page 73: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

No que se refere à planificação das actividades das salassalienta-se uma grande homogeneidade entre as educadorasdos diferentes tipos de jardins de infância, nomeadamente:

Apenas 1⁄4 das educadoras no seu conjunto consideram quea orientação do seu trabalho tem por base um currículoespecífico/modelo, embora tenham alguma dificuldade emo especificar, quando isso lhes é solicitado. É porém, a“Pedagogia de projecto” o modelo mais referido por estaseducadoras.

A grande maioria das educadoras (3 em 4 das educadorasinquiridas), independentemente do tipo de jardim de infân-cia, faz planos escritos das suas actividades, sendo esta aprincipal autora dos planos realizados. Nos jardins deinfância oficiais, raramente há a colaboração da auxiliar e,é também muita reduzida a colaboração da directora na ela-boração dos planos. É de assinalar que muitos dos jardinsde infância da rede pública contam apenas com uma edu-cadora (52% e 87% respectivamente, dos oficiais das zonasmetropolitana e não metropolitana), o que resulta numgrande isolamento, falta de apoio e de supervisão para estasprofissionais. Esta situação é diferente nas estruturas priva-das, existindo, pois, aí oportunidades para um trabalho emequipa com outros profissionais.

De igual modo, a frequência de reuniões da directora comas educadoras apresenta uma periodicidade razoável nasestruturas privadas, na sua maioria igual ou superior a umavez por mês, enquanto nas unidades da rede pública isso ébem mais raro, sendo, muitas vezes, a directora a únicaeducadora existente, tal como já referimos.

currículo

planificação

supervisão

71

PROGRAMAÇÃO E AVALIAÇÃO: o Currículo e a Organização do Trabalho

Page 74: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

Um último aspecto, que apesar de exterior aos jardins deinfância, pode influenciar a sua organização e funciona-mento, é o que diz respeito às visitas de inspecção ou deapoio técnico realizadas por responsáveis de entidades ofici-ais. Estas, são muito raras, constatando-se que nos dois anosque antecederam o estudo, 42% dos jardins de infância nãoreceberam nenhuma visita. É, assim, preocupante a escassezde medidas que assegurem um controlo de qualidade do tra-balho desenvolvido nos nossos jardins de infância.

CONDIÇÕES DE APOIO SOCIO-EDUCATIVO:HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO, REFEIÇÕES E INTERACÇÃOCOM OS PAIS

Considerando a dimensão socio-educativa do jardim deinfância, é de salientar que as estruturas privadas, sejam ounão lucrativas, em contraste com os jardins de infância darede pública, estão organizadas de forma significativa-mente mais compatível com as necessidades das famílias,nomeadamente nos seguintes aspectos:

• Em média, o horário de funcionamento das primeirascorresponde em número de horas por dia ao dobro do quese pratica nos jardins de infância oficiais (o número médiode horas/dia é de 10.8 h para 5.3 h).

• Fornecimento de refeições, nomeadamente, o almoço, éuma resposta existente na grande maioria das estruturasprivadas, enquanto que isso acontece apenas numnúmero muito reduzido das estruturas oficiais.

Embora as crianças que frequentam os jardins de infânciaoficiais tendencialmente sejam oriundas de famílias perten-centes a classes sociais média e média baixa, são estasestruturas que dispõem de condições de apoio menos favo-ráveis para as famílias. Em contrapartida, as estruturas pri-vadas, onde predominam crianças de classes sociais alta,média alta e média, oferecem às famílias condições bem

necessidadesdas famílias

horário

refeição

72

Page 75: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

mais favoráveis. Este é seguramente um dos factores res-ponsáveis pela maior procura das estruturas privadas porparte das famílias. Tal como está previsto na actual legisla-ção é urgente a execução de medidas que levem a alteraresta situação.

No que se refere à interacção com os pais, verificou-se queos jardins de infância da rede pública tendem a realizarmaior número de reuniões de pais ao longo do ano (emmédia 3.25) do que as estruturas privadas (em média 1.6),bem como, a realizarem mais visitas a casa, embora estassejam pouco usuais. Contudo, nenhum destes valores apre-senta diferenças estatisticamente significativas.

interacçãocom os pais

73

Page 76: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs
Page 77: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

Passamos a apresentar uma análise de alguns resultadosobtidos na Escala de Avaliação do Ambiente em EducaçãoInfantil para os quatro grupos de Jardim de Infância,tomando como referência os critérios de cotação daECERS, onde podemos diferenciar três níveis distintos dequalidade:

• Valores inferiores a 3 indicam a inexistência de condi-ções mínimas em relação a questões de segurança e salu-bridade, apoio efectivo e encorajamento das aprendiza-gens por parte dos adultos. São portanto indicadores demá qualidade;

• Valores iguais ou superiores a 3 e inferiores a 5 reve-lam a existência de condições mínimas, sendo indicado-res dum nível de qualidade suficiente;

• Valores iguais ou superiores a 5 indicam boas condi-ções ou seja, condições desenvolvimentalmente ade-quadas.

A nota média total da ECERS obtida no conjunto dos jar-dins de infância estudados foi de 4.15, constatando-se queos quatro grupos de jardins de infância obtêm resultadosmuito equivalentes na escala global, como se pode verificarno quadro 2. De acordo com os critérios acima referidos, naquase totalidade dos jardins de infância (97%) as condiçõesmínimas (ou suficientes) de funcionamento estão assegura-das. Por sua vez, é de salientar que não foram identificadosjardins de infância com notas inferiores a 3, o que apontapara a inexistência de unidades de educação pré-escolarsem condições mínimas de funcionamento. No entanto,apenas 3% dos jardins de infância da nossa amostra obtêm

qualidade média dos jardinsde infância

75

A AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DOS JARDINS DE INFÂNCIA ATRAVÉS DA ECERS

Page 78: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

uma nota igual ou superior a 5, o que não deixa de ser pre-ocupante, pois estamos perante um número extremamentereduzido de jardins de infância considerados com condi-ções desenvolvimentalmente adequadas.

76

Page 79: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

QUADRO 224

Mesmo quando considera que notas iguais ou superiores a4,5 já indicam uma boa qualidade, a percentagem de jar-dins de infância abrangidos continua ainda a ser reduzida.Tendo como base esse critério, são 28 os jardins de infân-cia com condições consideradas desenvolvimentalmenteadequadas, isto é, 32% da amostra total.

• Estes dados podem ser complementados com a leitura daFigura 3 onde se apresenta a distribuição dos 88 jardins deinfância com base nos resultados obtidos na Escala Total daECERS (valores médios).

ECERS/7 Sub-escalas

1. Rotinas/CuidadosPessoais

4,410,62

4,570,754,490,724,310,774,090,764,120,513,610,752,860,824,010,54

4,950,694,550,704,300,624,380,394,180,603,690,594,230,844,300,48

4,660,814,340,734,470,754,400,644,020,743,670,724,191,164,220,63

NS

NS

NS

NS

NS

NS

G3,G4>>G1,G2

NS

4,730,594,120,774,190,514,180,543,600,463,250,804,080,382

2. Materiais eMobiliário

3. Linguagem eRaciocínio

4. Motricidade Grossa e Fina

5. ActividadesCriativas

6. DesenvolvimentoSocial

7. Necessidades dos Adultos

ECERS TOTAL

1

Oficiaismet.

2

Oficiaisn/met.

3

S/finsLucrat.

4

C/finsLucrat.

Testede

Sheffé

TIPOS DE JARDINS DE INFÂNCIA

77

VALORES MÉDIOS OBTIDOS NA ECERS PARA CADA GRUPO DE JARDINS DE INFÂNCIA

24 Em itálico é indicado o valor respectivo do desvio padrão.

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O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

FIGURA 3

NOTAS NA ECERS TOTAL

• Considerando os quatro grupos de jardins de infância,efectuaram-se análises de variância a nível das notasmédias obtidas para a escala global (ECERS Total), paraas sete sub-escalas e para cada um dos 37 itens.25

Nas cinco primeiras sub-escalas, os valores médios obtidossituam-se próximos do “4”, não se observando diferençassignificativas entre os quatro grupos de jardins de infância.

A sub-escala 6, referente ao “Desenvolvimento Social”,também não revela diferenças significativas, obtém porémresultados médios ligeiramente inferiores aos das sub-esca-las anteriores (pontuações inferiores a 4). Há dois itens queparecem concorrer para esta situação, nomeadamente oitem 28 “espaço para estar sozinho” e o item 31 “perspec-

(1; 1,5) (1,5;2) (2; 2,5) (2,5;3) (3:3,5) (3,5;4) (4;4,5) (4,5;5) (5;5,5) (5,5;6) (6;6,5) (6,5;7)

30

25

20

15

10

5

0

N.o

DE

JA

RD

INS

DE

IN

NC

IA

desenvolvimentoSocial

79

DISTRIBUIÇÃO DOS JARDINS DE INFÂNCIA A NÍVEL DOS RESULTADOS OBTIDOS NA ESCALA TOTAL

25 A fim de se verificar quais os grupos que diferiam, ou não, entre si, procedeu-se à aná-lise dos contrastes entre grupos utilizando o teste de Scheffé ao nível de 95%.

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tivação multicultural”. O primeiro, que diz respeito aoespaço que existe na sala do jardim de infância para a cria-nça poder estar sozinha sem sofrer a intrusão de outros, tem a cotação próxima de 3 nos diferentes grupos de jar-dins. O segundo item, que avalia o cuidado que a educadoratem em incluir no seu trabalho materiais e actividades alu-sivas a outras etnias, religiões e culturas, aparece como umaspecto pouco valorizado nos jardins de infância, obtendocomo pontuação média valores entre 1,56 e 2,13

A sub-escala 7 — “Necessidades dos Adultos” — é aúnica que revela diferenças significativas entre os quatrogrupos de jardins de infância, apresentando os jardins deinfância particulares valores significativamente superioresaos oficiais no que diz respeito a um conjunto de necessi-dades dos adultos, quer em termos de necessidades dos pro-fissionais e de conforto pessoal quer do tipo de respostadada às necessidades dos pais e à promoção das suas com-petências. Enquanto que nos jardins de infância privados(com e sem fins lucrativos), os valores médios são superio-res a 4, nos jardins de infância oficiais (metropolitanos enão metropolitanos) verificam-se valores significativamentemais baixos, próximos do valor 3. No item 34 “área pessoaldo adulto” (existência de áreas específicas para os adultos,tais como salas de estar, quartos de banho, cacifos, etc.), osjardins de infância privados sem fins lucrativos (X

—= 4,45)

obtêm resultados significativamente superiores aos jardinsde infância oficais não metropolitanos (X

—= 2,73). No item

36. “área do encontro de adultos” (que avalia a existência,grau de adequação e disponibilidade duma área para encon-tros e reuniões), verifica-se diferenças significativas entreos jardins de infância privados (grupos 3 e 4) e os jardins deinfância oficiais (grupos 1 e 2), em que os primeiros obtêmcotações de 5,11 e 4,64 e os segundos valores de 3,11 e2,23, respectivamente. Por último no item 35, que avalia as“oportunidades de desenvolvimento profissional” (é queavaliada a existência duma boa biblioteca profissional, dereuniões de equipa regulares dum plano de formação emserviço), os jardins de infância privados sem fins lucrativos(X—

= 3,13) têm resultados significativamente superiores aosoficiais não metropolitanos (X

—= 1.96), enquanto os jardins

de infância com fins lucrativos (X—

= 4.00) obtêm cotações

adultos

80

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O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

significativamente superiores aos jardins de infância públi-cos metropolitanos e não metrotropolitanos (X

—= 2.17 e

X—

= 1.96, respectivamente). O facto da pontuação atribuídaa este item estar condicionada pela existência duma biblio-teca profissional, explica, pelo menos parcialmente, osresultados mais baixos obtidos pelos jardins de infânciaoficiais, em que raramente existem bibliotecas desta natu-reza.

Uma análise mais detalhada indica-nos que algumas dasdiferenças verificadas a nível desta sub-escala e dos seusitens se relacionam com a existência de aspectos estruturaise organizativos distintos dos nossos jardins de infância pri-vados e públicos.

O facto dos jardins de infância públicos serem geralmentede pequena dimensão e/ou funcionarem numa escola doensino básico pretendendo atender um menor número decrianças num horário mais restrito, explica, em parte,condições de espaço e equipamento menos favoráveis paraeducadoras e pais. Pelo contrário, os jardins de infância pri-vados sem fins lucrativos funcionam, frequentemente, emedifícios de maiores dimensões, onde também existemoutros serviços (por exemplo, creches, actividades de tem-pos livres, etc.), dispondo de mais condições para dar res-posta às necessidades dos pais e do pessoal que aí trabalhe.

No entanto, uma análise ao nível dos 37 itens mostra exis-tirem mais alguns aspectos em que os quatro grupos de jar-dins de infância se diferenciam. Para uma análise maisdetalhada sobre esses dados poderão consultar-se as obrassobre o I.C.C.E. anteriormente referidas.

81

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O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

Apresentamos em seguida algumas conclusões e reflexõesque poderão contribuir para melhorar a qualidade da edu-cação pré-escolar em Portugal, relacionadas quer com osaspectos estruturais (espaço, ratios, formação de educadoras,etc.), quer com os processuais e interactivos, tal comoforam equacionados pela ECERS.

No sentido de melhor entendermos a influência das variá-veis estruturais na determinação dos níveis de qualidadeexpressos pela ECERS, quer na escala global quer ao níveldas suas sub-escalas, efectuou-se uma análise de regressãomúltipla. Nesta análise foram considerados apenas os jar-dins de infância da zona metropolitana (n = 66), por seraqui onde os três tipos de jardins de infância (rede pública,privados com e sem fins lucrativos) estão representadossimultaneamente. Equacionemos, pois, os aspectos que nosparecem mais relevantes e que carecem de especial atençãopor parte das autoridades.

Do conjunto dos factores analisados, a “área da sala deactividades” surge como o factor de maior peso na notaglobal ECERS, seguindo-se, “o número de anos de traba-lho da educadora no jardim de infância” (as salas em quea educadora está há mais tempo tendem a obter melhoresresultados); “a influência da região” (norte/sul), onde osjardins de infância da Grande Lisboa obtêm tendencial-mente melhores resultados do que os do Grande Porto; e,por último, “o número de horas despendidas pela educa-dora na planificação das actividades”.

Por sua vez, a “área da sala de actividades” é ainda a vari-ável com maior influência nos resultados de quase todas as

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CONTRIBUTOS PARA O ESTUDO DA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR EM PORTUGAL

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sub-escalas da ECERS. É ainda de referir que a variávelpúblico/privado é outro factor de influência nas notas obti-das em duas das sub-escalas da ECERS: Rotinas/CuidadosPessoais e Necessidades dos Adultos. Estas sub-escalas sãoaquelas que melhor avaliam os recursos oferecidos por todoo jardim de infância, não se limitando aos recursosespecíficos da sala de actividades. Os jardins de infânciaprivados estão preparados para funcionarem durante umperíodo de tempo mais alargado e para atenderem ummaior número de crianças e um leque etário mais vasto, oque pode implicar um maior investimento em determinadotipo de estruturas de apoio, quer às crianças quer aos pro-fissionais, do que aquilo que se passa nos jardins de infân-cia da rede pública.

Como vimos a dimensão da área de actividades, intima-mente relacionada com a área por criança, revelou-se comoo factor que maior influência tem na qualidade, porém,constatou-se, também, que num elevado número de institu-ições ela é insuficiente, não respeitando as indicações ofi-ciais, o que à partida vai limitar a organização de activida-des desenvolvimentalmente adequadas.

Outros factores igualmente determinantes na qualidade eque convém ter em conta a nível do planeamento são a for-mação em serviço das educadoras, o número de horas queestas despendem na preparação das actividades com as cri-anças e ainda as condições de afectação das educadoras aosjardins de infância, de modo a diminuir a acentuada mobi-lidade que se verifica, sobretudo na rede pública.

A necessidade de prolongamento de horários nos jardins deinfância das estruturas oficiais é, como foi referida, maisum aspecto que importa realçar. A desigualdade verificadaa este nível entre estruturas públicas e privadas conduz aassimetrias de frequência indesejáveis. O mesmo se podedizer acerca dos diferentes serviços adicionais que certasestruturas pré-escolares oferecem, tais como o prolonga-mento dos horários, as refeições, os serviços sociais eoutros. É urgente equilibrar este tipo de assimetrias sobrisco do sistema se tornar de difícil controlo.

assimetria de horários

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O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

Não gostaríamos de terminar esta análise sem referir algunsaspectos a nosso ver cruciais, sobretudo a médio e a longoprazo.

Há que ter em conta o baixo número de crianças com neces-sidades educativas especiais atendidas nas estruturas pré--escolares, o que contraria a política inclusiva a que Portugalse comprometeu em convénios internacionais. Na realidadesegundo os dados obtidos, constata-se uma baixa percenta-gem de crianças integradas nos nossos jardins de infância.

No que diz respeito ao número de salas com crianças deoutras nacionalidades, verifica-se que apenas um grupo res-trito recebe este tipo de crianças. Num futuro próximo, aconcretizar o desejado aumento da rede pré-escolar e tendoem conta as necessidades já existentes às quais se vêm jun-tar as progressivas vagas de emigrantes de diferentes nacio-nalidades (e etnias) que ocorrem ao nosso país, este é umaspecto importante a ter em conta pelas autoridades.

Finalmente, a existência de valores elevados nas listas deespera dos diferentes tipos de estabelecimentos, vem refor-çar a necessidade do aumento da rede e a readequação da jáexistente.

Por último, retomando os aspectos processuais e interacti-vos, gostaríamos de recordar que eles são os principaismotores do desenvolvimento das crianças nas diferentesáreas: social, emocional, cognitiva, estética, etc.. Os jardinsde infância da nossa amostra apresentam uma qualidadehomogénea na ECERS, revelando na sua quase totalidadevalores indicativos de uma qualidade suficiente, sendomuito baixo o número de jardins de infância com uma qua-lidade considerada desenvolvimentalmente adequada (va-lores superiores a 5).

Isto, leva-nos a reflectir acerca da adequação dos nossosjardins a populações em desvantagem ou de risco. Oaumento progressivo, mesmo nos países ditos desenvolvi-dos, de manchas cada vez maiores de populações em risco,em desvantagem ou mesmo nos limiares da pobreza, obrigaa que para além de medidas macro-económicas e políticas

atendimento decrianças comnecessidadeseducativasespeciais

aumento da rede

alta qualidadepara populaçõesem risco

85

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para a alteração destas situações, os diversos sistemas desaúde, de educação e de segurança social tenham de tomarmedidas adequadas para responder às necessidades destaspopulações. Assim, no sistema educativo em geral e naeducação pré-escolar em particular, os aspectos de quali-dade tornam-se cruciais pois como já vimos só programaspré-escolares de qualidade podem alterar este estado decoisas.

E terminamos citando uma autora que sintetiza de umaforma clara os aspectos que acima salientámos:

“Necessitamos de um ambiente sadio e seguro que encoraje inte-racções positivas e que desperte nas crianças o desejo de explo-rar ...”. E, mais adiante, acrescenta “... Os melhores indicadoresde alta qualidade em educação pré-escolar são: um baixo númerode crianças por adulto, um melhor nível de formação das educa-doras e demais pessoal, e responsáveis por estabelecimentos comuma razoável experiência no cargo. O vencimento das educado-ras, o seu nível educacional e a sua formação específica foramaquelas características encontradas nos estabelecimentos pré--escolares que melhor distinguiram cuidados de fraca, medíocre eboa qualidade”(Cryer, 1996).26

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26 Cryer, D. (1996). Frank Porter Graham Child Development Center. University ofNorth Carolina at Chapel Hill. Annual Report.

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O que é a qualidade em Educação Pré-Escolar?

1. Rotinas e cuidados pessoais. Abrange todas as rotinasassociadas ao conforto, saúde e bem estar das crianças(Ex.: condições sanitárias e de higiene, descanso e refeições).

2. Materiais e mobiliário para as crianças. Refere-se àforma como o material e o mobiliário estão organizados,à sua manutenção e ao modo como são rentabilizados nautilização regular com as crianças.

3. Experiências de linguagem e raciocínio. Refere-se àforma como os materiais, as actividades e as interacçõescriança-criança ou criança-educadora são utilizados napromoção das competências de comunicação e naaprendizagem das relações básicas (Ex: medida, causali-dade, tempo, etc).

4. Actividades de motricidade grossa e fina. Refere-seàs actividades que exercitam a musculatura fina, asquais fazem normalmente apelo à coordenação oculo--motora, sendo por essa razão vulgarmente apelidadasde actividades perceptivo-motoras e, ainda, as activida-des de motricidade global, ou seja, aquelas que exerci-tam a musculatura grossa.

5. Actividades criativas. Abrange toda a gama de activi-dades artísticas como teatro, construção com blocos e deuma maneira geral, todas as actividades que se caracte-rizam por serem flexíveis, abertas e não fazendo apelo aresposta do tipo certo-errado, permitindo dessa forma àscrianças uma variedade de utilizações construtivas dosmateriais.

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ANEXO I

AS 7 SUB-ESCALAS DA ECERS

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6. Desenvolvimento social. Refere-se à forma como épromovida uma boa auto-imagem nas crianças e à ajudaque lhes é dada com vista ao desenvolvimento de com-petências de interacção.

7. Necessidades do Adulto. Refere-se ao espaço e aoequipamento disponíveis para os adultos-chave, educa-doras e pais, avaliando ainda o modo como é dada res-posta às necessidades profissionais e de conforto do pes-soal. Abrange também o tipo de resposta dadas às neces-sidades dos pais e a promoção das suas competências.

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NOTA FINAL: A equipa que realizou o “Estudo Internacional Sobre Educação e Cuidados de Criançasem Idade Pré-Escolar”, do qual retirámos os dados para o presente estudo, é constituídapor: J. Bairrão (coordenador), Teresa Leal, Ana Madalena Garridas, Isabel Macedo PintoAbreu Lima, Rosário Morgado e Patrícia Fontes (consultora).

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I I I . P r o j e c t o s e m E d u c a ç ã o P r é - E s c o l a re P r o j e c t o E d u c a t i v o d e E s t a b e l e c i m e n t o

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P r o j e c t o s e m E d u c a ç ã o P r é - E s c o l a r

O PROJECTO COMO VISÃO DE FUTURO

O termo projecto é muito utilizado na vida corrente para desig-nar intenções individuais ou colectivas, falamos de projectosde férias, de projectos de sociedade, de projectos de lei.

A palavra projecto vem do latim “projectu” que significa“lançado” relacionando-se com o verbo latino “projectare”que quer dizer lançar para diante. A partir desta raiz latina, apalavra “projecto” pode ter vários sentidos em português:“plano para a realização de um acto; desígnio; tenção; redac-ção provisória de uma medida qualquer; esboço; representa-ção gráfica e escrita com orçamento de uma obra que se vairealizar; cometimento; na filosofia existencial, aquilo paraque tende o homem e é constitutivo do seu ser verdadeiro”(Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 1989).

Assim, a palavra “projecto” está ligada à de previsão dealgo que se pretende realizar e tem diversas acepções quecorrespondem a graus diferentes dessa previsão: referiruma intenção ou tenção mais ou menos vaga, correspondera uma visão mais precisa da sua realização o que implicater um plano de acção mais ou menos bem definido, cons-tituir, quando se utiliza por exemplo o termo em arquitec-tura, uma representação clara do que se pretende realizaracompanhada de uma previsão dos recursos.

Em qualquer circunstância, o projecto corresponde aoesboço de uma visão de futuro que se pretende atingir e

previsãode algoa realizar

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NOÇÃO DE PROJECTO

Maria Isabel Lopes da Silva*

* Instituto de Inovação Educacional.

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“mesmo quando não há um projecto expresso, projectamosa cada momento aquilo que somos naquilo em que nos que-remos tornar” (Kohn, 1982).

Por isso, o sentido da “palavra” projecto em filosofia exis-tencial é importante para a educação em geral, e para a edu-cação de infância em particular, influenciada pelas corren-tes ditas de pedagogia existencial (Suchodolsky, 1972) que sepreocupam com o apoio à realização de cada indivíduo naconstrução do seu projecto pessoal.

Porque a educação visa influenciar o futuro das crianças ejovens que vão frequentando, ao longo do seu percursoescolar, diferentes estabelecimentos educativos que deve-rão organizar-se para responder às suas necessidades e inte-resses e também à evolução da sociedade, fala-se muito emprojectos em educação.

No entanto, como o termo projecto pode ter vários senti-dos, esta larga utilização não facilita a compreensão do seusentido e origina algumas indefinições e confusões.

Procura-se, por isso, neste texto, precisar os vários sentidosdo termo e os diferentes contextos da sua utilização emeducação, tentando em primeiro lugar distinguir a diferençaentre projecto e plano.

PROJECTOS E PLANOS

A elaboração de qualquer projecto, supõe a previsão de umprocesso que tem como referências:

• um ponto de partida, uma situação que se pretendemodificar, um problema que é necessário resolver, umaintenção, uma curiosidade ou um desejo de realizar qual-quer coisa que se traduz na decisão de desencadear um

váriossentidos

de projecto

92

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P r o j e c t o s e m E d u c a ç ã o P r é - E s c o l a r

processo. Esta intenção de mudança ou realização cor-responde ao “porquê” do projecto, à sua razão de exis-tir.

• a antecipação de um ponto de chegada que significa teruma ideia do que se quer modificar na situação, das for-mas de encontrar resposta ao problema, de onde noslevará a realização da intenção ou o desejo. Esta anteci-pação explica o “para quê” do projecto, o sentido do seudesenvolvimento.

• a previsão do processo para se chegar onde se pretende,o que implica prever “como” atingir o resultado preten-dido.

De facto, a realização de um projecto exige, na escola comona vida pessoal ou social, que este se precise através da ela-boração de planos que, correspondendo aos meios de desen-volver o projecto, estabelecem quem faz o quê, quando equais os recursos necessários. O plano de um projecto teráassim de prever quem são os intervenientes, como se orga-nizam, as estratégias de acção a desenvolver, os recursosnecessários, bem como as actividades que permitem con-cretizar o projecto e o seu desenrolar no tempo, ou seja, suacalendarização.

Mas, se a elaboração de um plano é necessária à realizaçãodo projecto não se pode confundir projecto e plano. O pro-jecto é “uma intenção de transformação do real, guiada poruma representação do sentido dessa transformação que temem conta as condições reais de modo a orientar uma activi-dade (...) O plano corresponde a um momento técnico dessaactividade quando condições, objectivos e meios podem serdeterminados com exactidão (...) O plano é apenas umavisão fragmentária e provisória do projecto.” (Castoriadis,1975: 106).

Tendo em conta as condições reais, o projecto caracteriza-sepor corresponder a uma opção, constituindo “uma trama deescolhas efectuadas entre muitos futuros possíveis, um con-junto de processos para ultrapassar obstáculos” (Kohn, 1982:121). Por representar uma escolha entre várias realizações

porquê

para quê

como

projectoe plano

93

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possíveis e por ser norteado por uma intenção, o projecto nãose pode limitar à mera execução de um plano pré-estabele-cido. Garantir que o plano esteja ao serviço do projecto semse lhe sobrepor é, aliás, uma das dificuldades do desenvolvi-mento de projectos em educação (Ardoino, 1984).

A indicação das características gerais dos projectos e dosprincípios que lhe conferem sentido permite também indi-car outras dificuldades do desenvolvimento de projectos.

CARACTERÍSTICAS COMUNSE FUNÇÕES DOS PROJECTOS

Dado que o projecto não se centra na realização do plano,mas no desenvolvimento de um processo, pode-se dizer queexistem três características, com uma relação entre si, quesão próprias do projecto e o distinguem de um plano.

— Construção progressiva — o projecto vai-se concreti-zando através de um processo que tem uma evoluçãoque pode não ter sido inteiramente prevista, desde o iní-cio. A flexibilidade do projecto permite ir adaptando osmeios aos fins. É esta ideia de construção progressivaque determina que um projecto tenha diferentes fases –concepção, tomada de decisão, planeamento, avaliação– que se interligam pois terão de ir sendo retomadas aolongo do processo que articula a evolução de condiçõesobjectivas com escolhas subjectivas.

Porque um projecto tem de ter em conta as condiçõesobjectivas torna-se necessário recolher informações quepermitam conhecer melhor a situação ou definir com maisclareza o problema, inventariar os recursos disponíveis e osque se poderão disponibilizar, realizar balanços periódicosque permitem introduzir correcções no processo. É face aesses condicionalismos objectivos que se situam as deci-sões subjectivas: a escolha de soluções mais adequadas, as

flexibilidade

94

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P r o j e c t o s e m E d u c a ç ã o P r é - E s c o l a r

formas de rentabilizar as potencialidades e de ultrapassar asdificuldades de modo a chegar onde se deseja.

São estas etapas, esclarecidas pela recolha de informaçãonecessária para desenvolver e corrigir o processo que sedesigna por metodologia de projecto.

— Situação num tempo e espaço determinados — o sen-tido do projecto decorre do contexto específico em quese desenvolve. Podem-se realizar projectos semelhan-tes, mas nunca iguais em locais e momentos diferentes.

Cada contexto tem, num determinado momento, caracterís-ticas próprias que são em parte determinadas pelo seu pas-sado, ou seja, pela sua história anterior.

Porque o projecto adquire sentido em relação a um determi-nado momento dessa história, pode dizer-se que a sua evolu-ção, situando-se no presente, tem em conta o passado, eaponta para o futuro que pretende influenciar. O projecto tem,assim, uma dimensão temporal que articula passado, presentee futuro, num processo evolutivo que se vai construindo.

— Mobilizador/dinamizador — porque corresponde a umdesejo, intenção ou interesse, o projecto tem uma carga afec-tiva e é marcado por um empenhamento e compromisso quetambém o distinguem da mera realização do plano.

Quando um projecto é partilhado por um grupo, situação maiscomum dos projectos em educação, torna-se necessário que oprojecto articule diferentes projectos pessoais que ganhamuma outra dimensão ao integrarem-se no projecto colectivo.

Como consequência destas características o projecto surgeligado a determinadas perspectivas e funções que sãoimportantes em educação:

• globalização — as diversas acções e actividades de umprojecto tomam sentido em relação a uma finalidade queas ultrapassa e integra. Daí a importância que os diferen-tes momentos de concretização do projecto sejam coe-rentes com a finalidade e sentido do projecto;

contextoespecífico de desenvolvimento

articulaçãopassado,presente e futuro

empenhamentode um grupo

conjunto de acções comuma finalidade

95

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— autonomia — ao ter como finalidade a introdução demudanças reais numa situação, o projecto tem comopressuposto que os intervenientes podem ser os agentesdessa mudança, ou seja, têm capacidade de decidir e deinfluenciar o futuro que desejam.

Tendo em conta os constrangimentos existentes, o projectodesenvolve-se nos domínios de liberdade e de poder dedecisão de um indivíduo ou grupo. Nos projectos colecti-vos esta autonomia está intimamente ligada à:

• participação — a contribuição dos vários intervenientespara a concepção, decisão, execução e avaliação do pro-jecto torna-se necessária para que se traduza por umaconstrução colectiva. Esta colaboração num processointeractivo apoia-se em formas de negociação que permi-tem enriquecer e alargar o desenvolvimento do processoe conseguir melhores resultados.

Estes princípios que fundamentam o desenvolvimento deum projecto remetem para a sua elaboração ideal, enquantoprocesso globalizante, baseado na autonomia e na partici-pação, mas apontam também para algumas dificuldades nasua concretização.

DISTINGUIR PROJECTOS EDUCATIVOS

A partir destas características comuns aos projectos e dosprincípios que lhes estão subjacentes podemos distinguirtipos de projectos em educação de acordo com:

• quem participa e como — os projectos podem diferen-ciar-se de acordo com a pessoa ou pessoas que o conce-bem, toma(m) a iniciativa de o realizar, que participam na sua execução e, ainda, segundo as formas que tomaessa participação;

influenciaro futuro

construçãocolectiva

formas departicipação

96

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P r o j e c t o s e m E d u c a ç ã o P r é - E s c o l a r

• visão mais ou menos clara de onde se pretende che-gar — sendo todo o projecto orientado por uma intençãoe uma previsão de onde se pretende chegar que dá sen-tido ao processo flexível e à sua evolução, o estado finalpode estar mais ou menos definido à partida;

• a complexidade do processo — a realização de um pro-jecto pode exigir um menor ou maior número de etapas eum tempo de duração mais ou menos longo, envolver ummaior ou menor número de participantes.

Estas características e formas de distinguir projectos preci-sam-se e concretizam-se numa análise de diferentes projec-tos que se realizam na escola, permitindo em primeiro lugardistinguir dois grandes tipos:

• projectos educativos ou pedagógicos do(s) educador(es)que visam o desenvolvimento e a aprendizagem das cri-anças. Havendo quem distinga os projectos educativosque acentuam os aspectos formativos da educação e osprojectos pedagógicos mais ligados à aprendizagem,esta distinção faz pouco sentido na educação pré-escolarem que as duas vertentes estão intimamente ligadas. Estetipo de projectos, de âmbito mais restrito, implicamdirectamente educadores e crianças, embora possam tera colaboração de pais e outras pessoas da comunidade,que contribuem como recursos do processo de aprendi-zagem.

• projectos educativos de escola ou projectos educativos deestabelecimento que dizem respeito à organização doestabelecimento educativo. Estes projectos, de âmbitomais alargado, implicam todos os intervenientes quedirecta ou indirectamente têm a ver com a educação dascrianças num determinado contexto organizacional: osprofissionais que trabalham num ou vários estabeleci-mentos educativos, os pais, as instituições e serviços dacomunidade que podem contribuir para as finalidades daescola e o processo educativo desenvolvido num ou numconjunto de estabelecimentos.

definiçãoà partida

númerode etapas//tempo de duração

projectoseducativosou pedagógicosdo(s) educador(es)

projectoseducativosda escola

97

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P r o j e c t o s e m E d u c a ç ã o P r é - E s c o l a r

Para compreendermos os projectos que se realizam naescola temos que ter em conta a tradição pedagógica. Emcontextos escolares, os projectos foram introduzidos, noinício do século, a partir de propostas de pensadores ame-ricanos como Dewey e Kilpatrick que foram aplicadas porParkhurst (plano Dalton) e Washburn (plano Wintetka). Aintrodução de projectos em contextos escolares está ligadaainda, na Europa, ao movimento designado como “EscolaNova” e às suas concepções de aprendizagem activa “pelavida e para a vida” que se traduziram na obra de Décroly,Cousinet e Freinet, “no método dos complexos” desenvol-vido na União Soviética.

Todas estas propostas tinham em comum demarcar-se deuma concepção “tradicional” do ensino orientado pelo pro-fessor para adoptar processos educativos mais centrados naaprendizagem dos alunos e nos seus interesses, permitindouma articulação entre diferentes áreas e domínios do saber.

Visando o desenvolvimento e aprendizagem dos alunos, osprojectos pedagógicos permitem integrar um conjuntodiversificado de actividades e a abordagem de diferentesáreas de conteúdo numa finalidade comum que liga os dife-rentes momentos de decisão, planeamento, realização, ava-liação, comunicação.

Os vários projectos que, ao longo do ano, se desenvolvemcom um grupo de crianças inscrevem-se num processo edu-cativo mais geral que deverá articular os projectos de vidados intervenientes: o projecto de cada criança e o projectodo educador.

articulaçãode domíniosdo saber

visar o desenvolvimentoe aprendizagemdos alunos

99

OS PROJECTOS NA EDUCAÇÃODAS CRIANÇAS

ORIGEM DOS PROJECTOS

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DOS PROJECTOS INDIVIDUAISAOS PROJECTOS COLECTIVOS

Cada criança, como sujeito do processo educativo, vaiimplicitamente desenvolvendo um projecto que tem comoreferência o seu desejo de crescer e aprender. Este projectoé influenciado pelo meio em que vive, cabendo à escolapartir dos interesses e saberes de cada criança para osampliar e diversificar, despertando novos interesses efomentando a curiosidade e desejo de aprender.

Também, cada educador tem um projecto profissional pró-prio que se baseia nos seus valores e concepções educati-vas e se traduz nas estratégias e práticas que utiliza. Esteprojecto vai evoluindo com a experiência adquirida aolongo do percurso profissional do educador e concretiza-se,em cada ano, no plano de acção que se propõe desenvolvercom um determinado grupo de crianças.

Da concretização desse plano fará parte uma determinadaforma de organizar o espaço e materiais da sala, de distri-buir o tempo ao longo do dia e da semana, de prever opor-tunidades e experiências educativas para as crianças que, apartir dos materiais disponíveis, poderão realizar diversasactividades que se tornam educativas, quando são realiza-das com um sentido.

Para designar estas actividades intencionais Bronfenbrenner(1979) utiliza a expressão “actividades molares” “que pos-suem uma duração própria que é percebida como tendo umsignificado ou intenção para os participantes”.

Acrescenta o mesmo autor que “o potencial de desenvolvi-mento de um ambiente pré-escolar depende da forma comoos adultos educadores criam e apoiam oportunidades para oenvolvimento em actividades molares e estruturas interpes-soais progressivamente mais complexas, de acordo com odesenvolvimento da criança e que permitam um equilíbriodo poder para que cada criança possa introduzir as suaspróprias inovações”.

projectode cada criança

projectoprofissional

do educador

articulação do projecto

do educadorcom os projectos

das crianças

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P r o j e c t o s e m E d u c a ç ã o P r é - E s c o l a r

Neste processo, realização de actividades intencionais pro-gressivamente mais elaboradas, cada criança terá, prova-velmente, primeiro que explorar os materiais à sua disposi-ção, para depois ser capaz de explicar o que fez e porquê,e, mais tarde, definir melhor a finalidade que tem em vista,prevendo os diferentes passos para a realizar, combinandoo processo com outra ou outras crianças, relatando e avali-ando o que fez.

Se há autores que consideram estas actividades realizadascom uma intenção, planeadas e avaliadas como correspon-dendo a projectos das crianças, nem todos estão de acordo,com esta designação por considerarem que estes “pequenosprojectos” corresponderiam mais à realização de planos doque à construção progressiva e interactiva que caracteriza oprojecto.

Estas actividades intencionais circunscritas e limitadas podem,no entanto, nalguns casos, dar origem a projectos maiscomplexos que, tendo uma duração mais longa, implicam aprevisão de maior número de etapas para chegar ao resul-tado final e envolvem um maior número de crianças ou,mesmo, todo o grupo.

De facto, a intervenção do educador deverá permitir odesenvolvimento de projectos complexos que ampliam ossaberes das crianças, implicam um conjunto diversificadode oportunidades de aprendizagem e integram a abordagemde diferentes áreas de conteúdo, num processo que ganhasentido por ter uma finalidade global que liga diferentesmomentos de concepção, planeamento, realização e avalia-ção do projecto.

Se o projecto do educador influencia as oportunidadesdadas às crianças para desenvolverem projectos comple-xos, a participação do grupo decorre da concertação dosprojectos de cada criança que ganha sentido no projectocolectivo e no processo cooperativo em que cada criançacontribui para a aprendizagem do grupo. O educador podetambém alargar a diversidade do processo interactivo, ape-lando para a participação de outros adultos da instituição eda comunidade que possam enriquecer o projecto com as

actividadesintencionaise projectos

projectos complexos

papeldo educador

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suas contribuições. Como em qualquer projecto, o desen-volvimento de projectos educativos com as crianças exigeum planeamento aberto que fomenta a participação e auto-nomia.

DESENVOLVER PROJECTOS COM AS CRIANÇAS

Para situar diferentes maneiras de desenvolver projectoscom as crianças importa analisar como surgem e porquê, ouseja, quem toma a iniciativa, quem e como participa, qual ograu de previsão do processo e resultados, com que efei-tos na complexidade e duração do processo, o que nos remetepara diferentes formas de equilíbrio do poder entre o edu-cador e as crianças. Convem ainda reflectir como estes pro-jectos educativos contribuem para alargar os interesses esaberes das crianças e fomentar a sua curiosidade

Considera-se por vezes que o projecto deverá correspondera uma iniciativa das crianças, tendo como ponto de partidaos seus interesses ou decorrendo de uma situação impre-vista que desperta a sua curiosidade. Esta perspectivadesignada “pedagogia de projecto” ou ainda “pedagogia dasituação” diferenciar-se-ia do “trabalho de projecto” emque a iniciativa caberia fundamentalmente ao educador.

Esta distinção é de certa forma artificial, dado que o edu-cador tem sempre um papel determinante na decisão dedesencadear o projecto, quer apoiando e alargando as pro-postas das crianças, quer apresentando propostas. Importasobretudo que se interrogue se está, de certo modo, a“impôr” a sua proposta, motivando as crianças para odesenvolvimento do projecto (e todos os educadores sabemque não é difícil conseguir a adesão das crianças) ou seestá, de facto, a dar oportunidade para que as crianças par-ticipem real e genuinamente na decisão de desenvolver oprojecto, submetendo a proposta à apreciação das criançasque a podem enriquecer ou modificar.

pedagogiado projecto//trabalho de

projecto

participaçãodas crianças

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P r o j e c t o s e m E d u c a ç ã o P r é - E s c o l a r

Tendo consciência do papel que desempenha, será tambémnecessário que o educador reflicta sobre as razões e crité-rios que o levam a decidir apoiar o desenvolvimento dedeterminado projecto, o que implica distinguir interessesreais de curiosidades momentâneas.

“No processo de vida de uma classe surgem inúmeras per-guntas e curiosidades e mal de nós se as tomássemos todasem consideração, se nos deixássemos levar pelos alunospara qualquer terreno e em qualquer direcção falharíamosporque não teríamos em conta o nosso trabalho de educa-dores” (Ciari, 1978).

Para o mesmo autor um interesse torna-se válido no planoeducativo “quando nele coincidem o impulso e interesse deconhecimento da criança e a perspectiva do professor quesabe que, através de uma determinada investigação, seapresentarão determinados problemas conteúdos culturais,determinados horizontes novos”.

Para decidir o que é mais importante e relevante, o educa-dor deverá observar as crianças, estando atento ao quedizem e fazem, às suas reacções e propostas, às situaçõesque apresentam potencialidades educativas.

O terceiro texto desta colectânea ilustra o desenvolvimentode um projecto que surge de uma situação cujas potenciali-dades educativas são reconhecidas pelo educador que levaas crianças a porem em comum o que já sabem sobre oassunto, colocando questões que permitem definir melhor oproblema e proporcionando ocasiões de recolha de maisinformação no sentido de alargar esses conhecimentos. Ainvestigação realizada vai sendo registada, o que permiteque as crianças avaliem o que aprenderam e vão explici-tando o que gostariam de saber mais.

Quando o projecto for proposto pelo educador, importa queeste preveja diferentes possibilidades de aprofundamentoque serão desenvolvidas de acordo com os interesses dascrianças que, a partir do que já sabem, planeiam o que que-rem saber mais, definindo progressivamente o desenrolardo processo e os resultados a atingir (Katz & Chard, 1997).

escolha do tema

alargar osconhecimentos

prever diferentespossibilidades de desenvolvimento

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No entanto, a partilha de poder entre o educador e as crian-ças não se situa apenas na decisão de desencadear o pro-cesso, mas também durante a sua realização. Todo o plane-amento do processo e dos resultados a atingir pode ser par-tilhado com as crianças, o que supõe que o educador não éa única e principal fonte de saber, mas um mediador na pro-cura de novos conhecimentos que vai também apoiando oseu registo e sistematização. Porque se trata de fomentar acuriosidade das crianças e de construir novos saberes pode--se estabelecer um paralelismo entre o projecto pedagógicoe o desenvolvimento de um processo de investigação queparte de um problema que é preciso definir melhor paradecidir como se pode resolver, o que determina o levanta-mento de hipóteses que vão orientar a procura de novosconhecimentos, através de um percurso que não está intei-ramente determinado à partida e se vai progressivamenteconstruindo. Para organizar este percurso torna-se necessá-rio registar o que se vai fazendo e sistematizar o que se foiaprendendo para, finalmente, poder partilhar com outros oprocesso e os resultados.

Dado que os projectos são processos complexos que com-portam diversas etapas, o processo de planeamento e ava-liação é necessariamente relançado pelo educador quedeverá ter em conta as capacidades das crianças e o inte-resse demonstrado.

Para responder aos interesses reais mas diversificados dascrianças, o projecto deverá apenas envolver o pequenogrupo que está interessado. Mas, para que os saberes cons-truídos por esse pequeno grupo possam contribuir para odesenvolvimento e aprendizagem de todo o grupo, o pro-cesso desenvolvido e os saberes adquiridos deverão sercomunicados e partilhados com as crianças que não parti-ciparam directamente no projecto.

Poderá ainda haver um tema suficientemente importante esignificativo para mobilizar todo o grupo, o que não signi-fica que todas as crianças realizem as mesmas ou activida-des semelhantes, mas que o processo desenvolvido porcada grupo contribua para uma finalidade comum.

processode investigação

partilharo processo

e os saberesadquiridos

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Na perspectiva de flexibilidade que caracteriza o projecto,a sua duração pode ser variável bem como o tempo que lheé consagrado no quotidiano. Iniciar um projecto não signi-fica que, em cada dia, todas ou algumas actividades setenham necessariamente de se relacionar com ele. Tambémnuma sala de jardim de infância poderá haver simultanea-mente vários grupos a desenvolver projectos diferentes.

A organização destas dinâmicas caberá ao educador queterá em conta que é próprio do conceito de projecto: con-tribuir para a autonomia das crianças e do grupo. Facilitaressa autonomia supõe que as crianças se apropriem do pro-cesso e, de certa forma, aprendam a projectar. Esta apren-dizagem exigirá que tenham oportunidade de participar fre-quentemente na construção de projectos, mais ou menoscomplexos, em que interagem com outras crianças dopequeno grupo que desenvolve o projecto, outras criançasda sala ou de outros grupos e também com outros adultosda instituição (educador, auxiliar de acção educativa) e ouda comunidade — pais, avós e outros membros da comuni-dade — que podem contribuir para alargar os conhecimen-tos das crianças e diferenciar as trocas e interacções que oprojecto possibilita.

A dinâmica decorrente da realização de projectos pertinen-tes, a possibilidade de participação das crianças, alargará osseus interesses e curiosidade. A observação atenta da edu-cadora facilitará o aparecimento de novos projectos que sepodem ir encadeando ao longo do ano.

A característica de construção progressiva do projecto, queimplica um processo participativo de partilha do poder e dedecisão conjunta na procura de novos saberes, distingue oprojecto de outro tipo de actividades globalizantes que serealizam nos jardins de infância e que são fundamental-mente orientadas pelo educador. Trata-se de processoshabitualmente designados por:

• centros de interesse — que na sua concepção originalproposta por Décroly correspondem a assuntos que seconsideram importantes para a vida humana e social:habitação, alimentação, etc. Estes temas são propostos

aprendera projectar

projectose actividadesglobalizantes

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pelo educador que decide e orienta, de forma sistemática,o conjunto de actividades com ele relacionadas, havendopouca ou nenhuma ocasião para integrar as propostas ecuriosidades das crianças;

• temas de vida — que partem de acontecimentos da vidasocial e permitem desenvolver um conjunto de actividades,com maior ou menor sentido para as crianças durante umcerto tempo. O Natal, o Carnaval, o Inverno, a Primaveraconstituem alguns exemplos destes temas. Também nestecaso é, muitas vezes, o educador que decide e propõe otema e também as actividades que as crianças deverão rea-lizar, suscitando “artificialmente” a sua curiosidade e nãolhes garantindo um real poder de decisão.

Em ambos os casos poderemos dizer que a realização doprocesso se encontra mais próxima da execução de umplano que de um projecto flexível construído com a parti-cipação das crianças.

Importa, assim, que o educador se interrogue sobre o modocomo partilha o seu poder com as crianças e cria um climademocrático de participação no grupo. É ainda necessárioque reflicta sobre a diferença entre o tratamento de umtema globalizante e o desenvolvimento de um projecto quetem sentido por se situar num determinado contexto e pormobilizar os interesses das crianças que participam naconstrução do processo, dando ideias, planeando, avali-ando e comunicando o que fizeram e aprenderam.

PROJECTOS PEDAGÓGICOS COLECTIVOS

A designação de projecto educativo ou pedagógico é, porvezes, atribuída à escolha de um tema, realizada no iníciodo ano lectivo, por um grupo de educadores, umas vezespor iniciativa própria outras para corresponder a uma soli-citação exterior.

reflectirsobre a

pertinência doprojecto

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Estes temas que serviriam de base para o desenvolvimentode projectos pedagógicos com as crianças podem partir dequestões que se colocam na instituição ou na comunidade,e centram-se, frequentemente, em temas transversais comoa educação ambiental, a educação para a saúde etc. Estaescolha, mesmo quando justificada, parece correspondermais a uma necessidade de trabalho em conjunto dos edu-cadores, que assim encontram uma forma de se organizar ede articular o seu trabalho, do que a interesses ou proble-mas das crianças.

Outras vezes a adopção de um tema pedagógico geral paraum grupo de educadores trabalhando no mesmo ou emvários estabelecimentos educativos é confundida com oprojecto educativo do estabelecimento.

A escolha prévia de um tema que é proposto às criançaspode não ser incompatível com a sua participação real nodesenvolvimento do projecto, ou antes de vários projectoscom um fio condutor, que poderão coexistir com outrosprojectos, visto que será difícil e empobrecedor que umtema anual se traduza num só projecto para crianças emidade de jardim de infância.

Também a diversidade dos processos que se desenrolam emvários grupos pode constituir um enriquecimento para aaprendizagem das crianças facilitando a troca e a comuni-cação, bem como o trabalho em conjunto dos profissionais.No entanto, a escolha colectiva de um tema não se podeconfundir, como por vezes acontece, com projecto de esta-belecimento.

Nos educadores que trabalham em conjunto com professores do1.º ciclo, a escolha de um tema está muitas vezes relacionadocom Área-Escola, embora as directrizes relativas a esta áreacurricular não disciplinar, indiquem que, em primeiro lugar, aescolha do tema deve corresponder a uma necessidade do grupoe, só se isto não acontecer, poderá haver um tema único paratoda a escola (Despacho n.º 142/ME/90. Anexo art.º 5.º).

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A confusão entre ambos pode talvez explicar-se porque odesenvolvimento de um projecto pedagógico colectivoexige a previsão de uma organização mais alargada — reu-niões entre educadores e outros profissionais da escola paradecidir do tema, planear as diferentes contribuições, renta-bilizar recursos — e, porque, pode também estar relacio-nado com opções educativas mais gerais incluídas no pro-jecto de estabelecimento.

No entanto, não podemos confundir o projecto educativodo estabelecimento como projecto de organização daescola, nem a explicitação de opções educativas gerais deum estabelecimento de ensino que fazem parte desse pro-jecto, com os projectos que visam essencialmente o desen-volvimento e a aprendizagem das crianças.

Se, por vezes, as prioridades educativas previstas pelo pro-jecto educativo de estabelecimento podem dar lugar a pro-jectos educativos ou pedagógicos com as crianças, não éindispensável que assim aconteça. Assim, por exemplo, sefor importante num determinado contexto, dar particularatenção à educação ambiental, as crianças podem, eventual-mente, desenvolver um ou mais projectos relacionados como tema, mas pode também esta perspectiva educativa tersobretudo particular relevo no quotidiano do jardim deinfância (conservar o ambiente limpo, não desperdiçar osbens naturais, etc.) sem que implique necessariamente odesenvolvimento de projectos pedagógicos com as crianças.

Mas, se pensarmos noutras prioridades possíveis, como porexemplo, fomentar a auto-estima ou a autonomia das crian-ças, poder-se-á compreender que não é obrigatório que asopções do projecto educativo de estabelecimento se traduzamem projectos pedagógicos específicos, sem por isso deixaremde constituir opções que orientam todo o processo educativo.

Embora a noção de projecto introduza característicascomuns entre o projecto educativo de estabelecimento e osprojectos educativos ou pedagógicos desenvolvidos peloseducadores e crianças, o projecto educativo de estabeleci-mento tem um âmbito mais vasto, características e finali-dades distintas.

projectopedagógico

colectivoe projecto de

estabelecimento

prioridadeseducativase projectos

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O projecto educativo de escola ou projecto educativo deestabelecimento ou mais simplesmente projecto de escolaou de estabelecimento, expressão que acentua melhor o seucarácter organizacional, tem uma origem diferente da dosprojectos pedagógicos desenvolvidos por educadores e cri-anças.

A importância do projecto de estabelecimento decorre dosestudos que demonstraram a influência da escola, do seuclima e organização nas práticas dos professores e no quese passa na sala de aula, resultando ainda de uma descen-tralização política e administrativa que atribui uma maiorautonomia aos estabelecimentos de ensino.

Se o projecto educativo de estabelecimento tem, como todaa instituição educativa, a finalidade de favorecer a forma-ção e aprendizagem dos alunos, trata-se, neste caso, de umafinalidade mediata visto que o projecto educativo de escolaé basicamente de natureza institucional e política: permitira auto-organização da escola com a finalidade de responderàs necessidades de desenvolvimento interno do estabeleci-mento, tendo, simultaneamente, em conta as necessidadesda comunidade em que está inserido.

A função do projecto educativo é servir de referência a umadinâmica de transformação do estabelecimento educativoque visa em última instância, como refere o documentolegal, o benefício dos alunos.

Esta dinâmica compreende uma vertente de desenvolvi-mento interno do estabelecimento que engloba melhoriasna sua organização e gestão, com consequências no seu

auto--organização da escola

desenvolvimentointerno doestabelecimento

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O PROJECTO EDUCATIVODO ESTABELECIMENTO

O QUE É O PROJECTO EDUCATIVO DE ESTABELECIMENTO?

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funcionamento, em que serão, por exemplo, contempladasas condições de trabalho do pessoal docente e não-docentee a sua formação.

A melhoria da qualidade da resposta educativa pode aindaimplicar uma articulação entre várias escolas que servemuma mesma população, quer se trate de escolas do mesmonível de ensino ou de escolas de diferentes níveis educati-vos que os mesmos alunos vão frequentando sucessiva-mente e que podem, em conjunto, elaborar um projectocomum. Este é o sentido dos projectos de agrupamentos deescolas, particularmente importantes para a educação pré--escolar e para o 1.º ciclo do ensino básico, sobretudo nocaso de escolas muito pequenas. A articulação entre escolase professores permite beneficiar de um enquadramentomais vasto que facilita a resolução de problemas, a gestãode recursos, e o trabalho em equipa favorável à formaçãodos professores e com efeitos benéficos na aprendizagemdos alunos.

A resposta dada aos alunos tem de ter em conta a comuni-dade de onde provêm, as suas características e necessida-des. Por isso, a elaboração e realização do projecto de esta-belecimento implica a participação de pais — que compar-tilham com a escola responsabilidades directas na educaçãodos alunos — e de outros membros da comunidade, quetendo uma responsabilidade indirecta nessa educaçãopodem contribuir para o processo educativo — autarquias,instituições culturais, empresas, etc.

As dimensões participativas do projecto permitem-lheainda incluir intenções formativas junto da comunidade,através da instauração de procedimentos democráticoslocais e de uma reflexão alargada sobre os problemas edu-cativos, que reforçam o papel da escola no desenvolvi-mento local.

De entre as definições de projecto de escola incluídas emtextos legais, parece particularmente pertinente a que con-sidera este projecto como “um instrumento aglutinador eorientador da acção educativa que esclarece as finalidadese funções da escola, inventaria os problemas e os modos

agrupamentosde escolas

participaçãode pais

e de outros membros

da comunidade

projectos de estabelecimento

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possíveis da sua resolução, pensa os recursos disponíveis eaqueles que podem ser mobilizados. Resultante de umadinâmica participativa e integrativa, o projecto educativopensa a educação enquanto processo nacional e local e pro-cura mobilizar todos os elementos da comunidade educa-tiva, assumindo-se como o rosto visível da especificidade eautonomia da organização escolar” (Despacho n.º 112/ME/93de 23-6)

Como qualquer outro projecto, o projecto de escola cons-troi-se progressivamente na relação do passado, presente efuturo. Tendo em conta o passado, ou seja, a história daorganização, o projecto de escola tem como finalidade pre-ver o seu futuro a médio prazo, de forma a poder dar con-tinuidade e coerência aos planos que se vão realizando anu-almente, servindo ainda para enquadrar e dar condições aosprojectos mais restritos de desenvolvimento e aprendiza-gem dos alunos e dar sentido às diversas actividades pro-movidas pela escola.

O esforço de elaboração e reformulação de um projecto deestabelecimento só vale a pena se este se constituir comoum instrumento útil para a organização da escola e se tivero efeito dinamizador e globalizante que caracteriza um pro-jecto.

PARA QUÊ UM PROJECTO EDUCATIVODE ESTABELECIMENTO?

Cada estabelecimento educativo tem recursos humanos emateriais com características específicas e é também fre-quentado por crianças diferentes (individualmente e comogrupo). As características da instituição influenciam o seufuncionamento e a sua forma de organização própria quedeverá responder às necessidades das crianças e às caracte-rísticas da comunidade de onde provêm.

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De facto, também as comunidades que a escola serve têmuma especificidade que lhes é própria: urbanas ou rurais,com uma determinada história e evolução demográfica,com maior incidência de determinadas ocupações, comrecursos diferentes...

O conjunto das características organizacionais e do meiosocial em que se inscreve dão a cada estabelecimento umaidentidade que tem inevitavelmente uma intenção subja-cente - um projecto que está, muitas vezes, implícito.

A primeira razão para elaborar um projecto de estabeleci-mento, é explicitar esse projecto implícito, para compreen-der se, de facto e colectivamente, a organização corres-ponde ao que é desejado pelos diferentes intervenientes.

Através de uma análise de como a instituição funciona,podemos interrogar-nos sobre: como está a responder aodesenvolvimento e aprendizagem das crianças e a atenderas necessidades dos pais? Se as diferentes iniciativas estãoarticuladas e integradas numa intenção comum ou se existeuma diversidade de iniciativas sem coerência entre si?Este enquadramento e coerência traduzem-se pela defini-ção de opções e prioridades educativas, o que não significa,como já foi dito, que se traduzam num tema comum para odesenvolvimento de projectos pedagógicos com todos osgrupos de crianças.

Tendo consciência de como a organização funciona, podeprever-se como pode no futuro vir a funcionar melhor ereflectir sobre os processos e meios de o conseguir.

Aplicando as características gerais do projecto ao projectode escola, pode dizer-se que, a um nível da organização,este serve para mobilizar e dinamizar os diferentes interve-nientes em torno de uma intenção colectiva: diferentesadultos com responsabilidade na educação das crianças —educadores e outro pessoal da escola, pais e outros mem-bros da comunidade — e também as crianças. O projectodeverá também ser globalizante, integrando esforços eacções, rentabilizando os recursos existentes e procurandonovos recursos que existem ou possam vir a existir na

identidadeda escola

explicitaro projecto

implícito

melhorar o funcionamento

da escola

mobilizare dinamizar

os diferentesintervenientes

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comunidade. O projecto de estabelecimento torna-se assimgerador de uma dinâmica de procura de maior qualidadeeducativa que supõe uma maior autonomia da escola,garantido-lhe uma maior visibilidade exterior.

POTENCIALIDADES E DIFICULDADES DO PROJECTODE ESTABELECIMENTO EM EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR

A educação pré-escolar tem-se caracterizado pela preocu-pação de responder ao meio social em que cada estabeleci-mento está inserido e por desenvolver processos de partici-pação da comunidade. A instituição do ConselhoConsultivo em estabelecimentos de educação pré-escolaroficiais é de 1979 e, portanto, anterior à gestão democráticapreconizada pela LBSE de 1986 para todos os estabeleci-mentos de ensino.

Esta tradição é favorável à elaboração de projecto de esta-belecimento com a participação dos diferentes interveni-entes. A diversidade de interesses e concepções de quali-dade dos diferentes intervenientes no processo educativo,referida no primeiro texto desta colectânea, coloca inevi-tavelmente dificuldades aos processos participativos. Aparticipação de todos na elaboração do projecto de esta-belecimento pode suscitar conflitos que exigem processosde negociação democrática nem sempre fáceis de concre-tizar.

Por outro lado, os jardins de infância e escolas do 1.º cicloainda não têm experiência de autonomia que já começou ainstaurar-se, desde 1989 (D.L. n.º 43/89 de 3-2), noutrosciclos de ensino. Esta experiência tem mostrado as dificul-dades de pôr em prática a autonomia. Estas decorrem, porum lado, da necessidade de uma melhor definição das polí-ticas de descentralização, transferindo maiores competên-cias para as escolas e que foram objecto de diferentesdiplomas legais, sendo o D.L. n.º 115/A/98 de 4-5 o último

participação

negociaçãodemocrática

autonomia113

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publicado. Por outro lado, também as escolas encontramdificuldades em gerir a sua relativa autonomia, utilizandoas margens de decisão de que dispõem.

Assim, as análises de projectos de estabelecimento jádesenvolvidos por escolas de diferentes níveis de ensinopermite verificar que nem sempre este corresponde a umquadro de referência aglutinador e mobilizador do estabele-cimento. A partir destas análises, alguns autores (Barroso,1992; Costa, 1993) agrupam da seguinte forma os desviosmais frequentes:

• projecto sem projecto — projectos que se limitam aenunciar um plano de actividades sem explicitar aintenção que lhes dá sentido;

• projecto por decreto — em que o projecto surge danecessidade de dar resposta a uma exigência doMinistério, apresentar um documento pedido pela enti-dade de tutela, não sendo visto como uma necessidadeou um instrumento útil para a orientação da escola. Estaforma de elaborar o projecto é também designada por“projecto-ofício”. Uma variante desta forma de elabora-ção de projecto corresponde à resposta a solicitaçõesexteriores, em que a elaboração do projecto constituiapenas um meio de angariar mais alguns recursos mate-riais para a escola;

• projecto ghetto — que se centra sobre algumas activida-des, consideradas mais interessantes ou inovadoras semcontemplar toda a organização da escola. Poderemosconsiderar como uma variante desta situação o projectodito “projecto ocupação” que serve para ocupar algunsprofessores mais empenhados, mas que não envolve todaa escola;

• projecto mosaico — corresponde a uma junção de diver-sos projectos sem articulação entre si e sem um sentidoque lhe dê coerência, uma espécie de “manta de retalhos”ou “somatório” de projectos como também já tem sidochamada;

desvios aoprojecto de

estabelecimento

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• projecto devaneio — que consiste na formulação de umconjunto de intenções vagas sem indicações de qualquerconcretização.

Para além destes é ainda referido o “projecto cartão devisita” em que o projecto se destina sobretudo a impressio-nar e mostrar aos outros uma escola que na prática nãoexiste. Porque estas situações não são só próprias dePortugal, mas também existem noutros países em que estetipo de projectos é ainda relativamente recente, um autorfrancês (Barbier, 1991) chamou-lhes “projectos-montra”.

Porque os processos participativos não são fáceis acontecetambém que o projecto de estabelecimento pode ser àsvezes, apenas, o “projecto do chefe” sem corresponder auma elaboração colectiva.

Esta enumeração de desvios ao que deveria ser um projectode estabelecimento pretende facilitar a reflexão sobremaneiras de fazer.

ALGUMAS PISTAS PARA ELABORARUM PROJECTO DE ESTABELECIMENTO

Correspondendo à identidade de uma escola ou de umagrupamento de escolas e enquadrando a sua autonomia,não existem receitas de como fazer um projecto de estabe-lecimento.

Convém, no entanto, lembrar que todo o projecto se carac-teriza por uma construção progressiva. No caso de projectode estabelecimento alguns autores distinguem o projectocomo processo — “o tempo e as actividades necessárias àemergência de um núcleo agregador de princípios, valorese políticas capazes de orientarem e mobilizarem os dife-rentes da organização da escola” e o projecto como produto— “uma metodologia e um instrumento de planificação de

processoe produto

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longo prazo que enquadra a definição e formulação dasestratégias de gestão e do qual decorrem os planos opera-cionais de curto e médio prazo” (Barroso, 1992:30).

Articular o projecto como intenção, ou seja como processo,e o seu produto que se traduz numa planificação são, tam-bém, como vimos, uma dificuldade de qualquer projecto.

No caso de um projecto de escola ou de agrupamento deescolas, a procura desta orientação e intenção pode demo-rar algum tempo, embora não se possa ficar um ano ou maisà espera de uma definição. Dado que o funcionamento dasescolas não pode parar, até terem um projecto bemconstruído, terá que haver um certo bom senso em encon-trar os princípios que dão sentido à vida da escola até o pro-jecto ser considerado concluído. A redacção de um esboçoprovisório, realizado a partir da análise do que se faz e dainventariação de alguns problemas e situações mais evi-dentes, poderá orientar a recolha de mais informação e oprocesso de participação e negociação que deverá estarsubjacente à formulação do projecto.

A partir das indicações que se encontram na literatura e deanálise de muitos projectos apresentados por jardins deinfância e de 1.º ciclo, poderemos dizer que o projecto deestabelecimento compreende várias etapas que, emboraformalmente sucessivas, implicam uma inter-acção:

1. Caracterização/diagnóstico da situação — consiste emrecolher as informações necessárias para a elaboraçãodo projecto. Não se trata de fazer um levantamentoexaustivo das características da comunidade, nem tam-bém de transmitir o que os educadores ou professorespensam daquele contexto social, que, por vezes, nãocorresponde à situação real, mas sim de recolher os ele-mentos necessários para que a escola possa funcionarmelhor e encontrar formas de resposta mais adequadas àcomunidade.

Esta caracterização exige também um melhor conheci-mento do estabelecimento que não se pode limitar a umamera inventariação das salas, número de professores e alu-

caracterização//diagnóstico

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nos, devendo apontar para os problemas e dificuldades quese colocam ao funcionamento da escola, fundamentalmenteos que podem ser resolvidos, para encontrar as melhoresmaneiras de lhes dar respostas e as prioridades de concreti-zação das soluções.

Acontece, por vezes, que os problemas da escola são atri-buídos às características da comunidade (problemas dasfamílias, do meio, das crianças) que a escola não podedirecta e imediatamente resolver. Trata-se, num projecto deestabelecimento, de reflectir como melhorar o funciona-mento interno do estabelecimento para dar resposta a essesproblemas. A compreensão da história do estabelecimentoe a sua evolução permite enquadrar a situação actual e tam-bém fornecer pistas para a visão do seu futuro possível.

Finalmente, a caracterização da escola e da comunidade nãodeverão ser vistas como constituindo uma fase prévia e sepa-rada do projecto, antes da qual nada se pode fazer, mas comoum momento que se vai desenvolvendo e em que, juntamentecom a recolha da informação necessária para tomar decisões,se inicia um processo de participação em que colaboram osvários intervenientes, incluindo as crianças que também podemdetectar problemas e ajudar a encontrar formas de solução.

Dar à caracterização uma forma escrita permite debatê-lacom os diferentes parceiros, facilitando a procura conjuntadas soluções e a participação nas decisões que orientarão oprojecto. Esta caracterização do contexto educativo deveráser incluída no projecto de estabelecimento, visto que cons-titui o seu fundamento e base de elaboração.

2. Elaboração do projecto — um projecto deverá determinaras prioridades educativas que se justificam naquele con-texto, bem como conter as formas de organização daescola que permitem responder às características das cri-anças e da comunidade. As prioridades da escola deverãoser traduzidas em objectivos que não poderão esquecer asintenções e a previsão de meios de formação do pessoal.

Os “projectos de centro” espanhóis, que correspondem aosnossos projectos de estabelecimento, dão particular impor-

elaboraçãodo projecto 117

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tância à organização curricular e ao modo como cada esta-belecimento adapta o currículo nacional, dando prioridadea uma “entrada” para desenvolver todas as outras, encon-trando “núcleos geradores”.

Também definem um conjunto de princípios básicos e orien-tadores que designam por ideário. Em Portugal, são os estabe-lecimentos particulares que costumam estabelecer um ideárioenquanto postulados ideológicos (confessionais ou outros)definidos pela direcção da escola, mas nada impede que asescolas públicas definam os valores fundamentais a promovere os princípios que deverão orientar a acção educativa.

Estes princípios, no ensino público, limitam-se muitasvezes a reproduzir os objectivos contidos nos textos ofici-ais: Lei de Bases do Sistema Educativo, orientações curri-culares, programas definidos para os diferentes ciclos.

Referir, por exemplo, que a finalidade do projecto de esta-belecimento é contribuir para a igualdade de oportunidadesou para promover o sucesso escolar são indicações demasi-ado vagas para orientar concretamente a acção. Importa,assim definir melhor como a escola entende, num determi-nado contexto, a concretização destes princípios, o que farápara os pôr em prática.

Se a elaboração do projecto deverá ser participada, a suacoordenação e redacção terá de caber a um pequeno grupoque a debaterá com os diferentes intervenientes, para che-gar a uma formulação aceite por todos os parceiros.

A intenção orientadora e formativa global do projecto de esta-belecimento dá sentido ao regulamento interno que, conside-rado como o seu complemento, estabelece as regras de fun-cionamento da escola, os direitos e deveres dos diferentesintervenientes no processo educativo – crianças, pessoal, pais.

Finalmente, o projecto de estabelecimento deve conter a:

3. Previsão de formas de avaliação — quando e como e por quem deverá ser avaliado e reformulado. A avalia-ção e reflexão sobre o processo de realização do pro-

previsãodas formas

de avaliação

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P r o j e c t o s e m E d u c a ç ã o P r é - E s c o l a r

jecto educativo de escola são não só necessárias para asua reformulação progressiva, como permitem tambémtransmiti-lo a outros.

Porque o projecto educativo é um meio não só de orientara escola, mas de divulgar junto de outros, nomeadamenteos pais, a forma como a escola funciona, quais são as suasopções e a sua dinâmica na previsão de um futuro que pre-tende atingir, é desejável que o projecto seja divulgado eque tenha uma redacção clara e sucinta.

CONCRETIZAÇÃO E REFORMULAÇÃODO PROJECTO DE ESTABELECIMENTO

As opções gerais da escola ou agrupamento de escolas queserão detalhadas e adaptadas aos diferentes contextospodem implicar uma previsão mais ou menos alargada, massempre a médio prazo. O processo de desenvolvimento deum estabelecimento escolar exige uma continuidade, comotambém se verifica uma certa estabilidade nas característi-cas da comunidade a que responde. Mas se o projecto deestabelecimento tem um horizonte temporal mais ou menosalargado, os processos educativos são marcados por anoslectivos que correspondem a modificações na frequênciadas crianças (saem umas e entram outras) e, logo umamodificação no conjunto dos pais. Haverá tambémmudança nos professores e no pessoal da escola, bem comopoderão surgir outros recursos humanos e materiais no con-texto escolar e na comunidade. Todas estas razões, justifi-cam a necessidade de elaboração de um plano anual quepermita ir concretizando o projecto de estabelecimento.

A distinção entre projecto e plano, em geral, enquadra tam-bém a diferenciação entre projecto de estabelecimento e oplano anual. Este corresponde apenas a um momento par-cial de realização do projecto, em que as condições, objec-tivos e meios podem ser mais bem definidos.

planoanual

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A realização do plano anual será avaliada em função doprojecto e contribuirá também para a introdução de algu-mas precisões, dando ainda pistas para a sua futura refor-mulação.

De facto, se o projecto de estabelecimento não pode serrenovado cada ano, os objectivos definidos deverão irsendo atingidos. Num processo de continuidade e de pro-cura permanente de melhoramento da escola e das respos-tas à comunidade que serve terão de se encontrar as formasde manter o que já foi conseguido, mas também de encon-trar novos objectivos e processos de realização que sejamcapazes de continuar a dinamizar a escola e a mobilizar osdiferentes intervenientes.

É neste processo interactivo que lhe dá uma dinâmica pró-pria que cada escola ou conjunto de escolas poderão irconstruindo uma maior qualidade na educação que propor-ciona às crianças. Mas, porque o projecto de estabeleci-mento é um conceito novo cuja realização prática não éfácil nem linear, importa que as escolas que já têm algumaexperiência neste domínio a divulguem, não como receita,mas como um contributo que facilite a outras escolas ela-boração de projectos próprios que traduzam a sua identi-dade e autonomia.

reformulação

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P r o j e c t o s e m E d u c a ç ã o P r é - E s c o l a r

ARDOINO J. (1984). Pédagogie de projet ou projet éducatif?Pour nº 94. Março-Abril: 5-13

BARBIER, J-M. (1991). Elaboração de projectos de acção eplanificação. Porto: Porto Editora.

*BARROSO, J. (1992). Fazer da escola um projecto. InCanário, R. (org.) Inovação e projecto educativo deescola. Lisboa: Educa. 17-55.

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CASTORIADIS C. (1975). L’institution imaginaire de lasociété. Paris: Editions du Seuil.

*CARVALHO, A & DIOGO, F. (1994). Projecto Educativo.Porto: Edições Afrontamento.

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KATZ, L. & CHARD, S. (1997). A abordagem de projecto naeducação de infância. Lisboa: Fundação CalousteGulbenkian.

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As referências marcadas com asterisco podem ser particular-mente úteis para aprofundar estas questões.

121

REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS

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Relativamente aos projectos a desenvolver com as criançaspoderão ainda ser consultados:

LEITE, E., MALPIQUE, M.& SANTOS M.A.R. (1990).Trabalho de projecto. vol II. Porto. Edições Afronta-mento.

Relativamente aos projectos de escola, poderão também serconsultados:

BARROSO, J. (1995). Para o desenvolvimento de uma cul-tura de participação na escola. Lisboa: IIE.

BARROSO, J. (1998). Cadernos PEPT 2000, n.º 16.

CANÁRIO, R. (1995). Gestão da escola: Como elaborar oplano de formação? Lisboa. IIE.

LIMA, L. (1996). Construindo modelos de gestão escolar.Lisboa. IIE.

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Page 125: CAPA-CONTRA CAPA-PDFs

123

IV. D a s P e r p l e x i d a d e s e m t o r n o d e u m h a m s t e ra o P r o c e s s o d e P e s q u i s a

P e d a g o g i a d e P r o j e c t o e m E d u c a ç ã o P r é - E s c o l a r e m P o r t u g a l

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Das perplex idades em tor no de um hamster. . .

Falar de pedagogia de projecto em jardim de infância ouem qualquer outro grau de ensino, é falar numa abordagempedagógica centrada em problemas. Segundo K.Popper(1992), é este “o caminho para a ciência ou para a filoso-fia.” Acreditamos ser também este o caminho para umaproposta educativa que prepare crianças e jovens para,dinâmica e criativamente, fazerem face às interrogações do mundo de hoje e às complexidades da sociedade dofuturo.

“Penso que só há um caminho para a ciênciaou para a filosofia:

encontrar um problema, ver a sua beleza e apaixonar-se por ele; casar e viver feliz com ele até que a

morte vos separe – a não ser que encontrem um outro problema ainda mais fascinante, ou, evidentemente,

a não ser que obtenham uma solução.Mas, mesmo que obtenham uma solução, poderão então

descobrir, para vosso deleite,a existência de toda uma família de problemas-filhos,

encantadores ainda que talvez difíceis, para cujo bem-estartrabalhareis até ao fim dos vossos dias.”

Karl Popper

uma abordagempedagógicacentrada em problemas

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Teresa Vasconcelos*

* Departamento da Educação Básica.

N. A. — Este texto foi escrito em 1993 com o fim de ajudar os alunos da Escola Superiorde Educação de Lisboa, onde então eu era professora, a aprenderem o que era aabordagem de projecto no Jardim de Infância. Agradeço à equipa de educado-res do Jardim de Infância de Benfica 1, bem como à colega da ESE, ConceiçãoMoita, os úteis comentários na elaboração deste manuscrito.

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O presente trabalho pretende apresentar uma reflexão sobreos desafios, problemáticas e potencialidades que coloca aaplicação de uma pedagogia de projecto na educação pré--escolar; procura inserir a pedagogia de projecto numaampla tradição pedagógica que tem as suas origens nopragmatismo de John Dewey; descreve as fases e desen-volvimentos de um projecto na sala de actividades; reflecteo papel do educador como guia e suporte deste processo,bem como a sua responsabilidade pela organização doespaço, tempo e recursos, em permanente negociação comos vários intervenientes. Iluminando esta descrição, utiliza-rei um exemplo retirado da prática quotidiana de uma edu-cadora de infância.

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Das perplex idades em tor no de um hamster. . .

Hamster comum (cricetus cricetus) — comprimento docorpo: até 30 cm; cauda até 6 cm. Bolsas nas bochechas: Os“hamsters” alimentam-se de sementes, grãos, raízes, plan-tas e insectos. No fim do verão armazenam grande quanti-dade de comida numa rede de túneis que escavam sob aestepe, transportando-a para a toca em bolsas especiais quetêm nas bochechas. Sabe-se de “hamsters” capazes dearmazenar 10 kg. de alimentos. Durante o inverno hiber-nam na toca e acordam, a cada passo, para uma refeição(Atlas dos Animais, Ed. Civilização, 1992, pg. 44).

Vou começar por descrever uma situação registada num jar-dim de infância da rede pública do Ministério da Educação(Vasconcelos, 1995):

Rita, a auxiliar de acção educativa, manifesta a sua preocu-pação à educadora Ana pelo facto de o hamster não comercomo o outro hamster que se encontra na sala da educadoraCarolina. A Rita está “traumatizada” pela experiênciavivida durante as férias de Natal: deslocara-se ao jardim deinfância para tratar da limpeza e alimentação do hamster ehavia-o encontrado “morto”. Deitou-o fora, juntamentecom os restos da comida e telefonara à educadora, em lágri-mas, dizendo o sucedido. A educadora acalmara-a e disseraque quando recomeçassem as actividades resolveriam oassunto em conjunto com as crianças. No começo deJaneiro, de regresso ao jardim de infância, a Rita encontranovamente o hamster na grande bacia que lhe serve dehabitação. Insiste, perante a surpresa da educadora, quealguém foi comprar outro hamster, que aquele hamster atéé diferente, porque “tem as bochechinhas mais inchadas.” Eafirma a pés juntos que ele estava morto, “as patinhas

situação registada num jardim de infância

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DAS PERPLEXIDADES EM TORNO DE UM HAMSTER …

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viradas para cima e tudo!” Finalmente, depois de muitoinquirir, a Rita chega à conclusão que outra das emprega-das da escola havia retirado o hamster “vivo” do caixote dolixo. É evidente que, nessa altura, a educadora havia expli-cado à Rita que os hamsters hibernavam. O grupo, com-posto por crianças de 3-4 anos, que gosta imenso do seuhamster, fica curioso com o facto de o hamster hibernar.Quer saber mais sobre a vida e os hábitos dos hamsters.

A educadora limita-se a fazer perguntas e sugestões quelevam a que o interesse e motivação das crianças... e daauxiliar Rita, se mantenham vivos. A auxiliar sai da sala evolta passados momentos. Diz que falou com a Gracinda, aoutra auxiliar e que ela lhe indicara que havia um livro naescola sobre como tratar dos hamsters. Ana sugere-lhe quetraga rapidamente o livro. Volta passados minutos. Não setrata de um livro vulgar mas do “Atlas dos Animais.” Senta-se de imediato na mesa grande onde regularmente ogrupo se reúne, e procura a palavra hamster. Não é neces-sário chamar as crianças. Como que “sugadas” pelo inte-resse, elas agrupam-se em torno da Rita. Ana, atenta, dis-creta, envolve as crianças, de forma a que todas possamobservar. Silêncio absoluto e grande atenção das crianças.Ana “faz de memória para o grupo”: relembra a experiên-cia da Rita nas férias de Natal, a grande aflição experimen-tada, o facto de terem regressado de férias e o hamster estarvivo no seu espaço. Conta em pormenor e com ênfase todaa história. As crianças estão presas, suspensas. Rita dá tam-bém pormenores, relembrando a sua experiência “traumá-tica”. Processa-se de forma ruidosa, como de costume, aentrada da Tânia com a avó e do Luís com a mãe. Ana diz--lhes para serem discretos e faz então sinal à Rita quecomeça a ler textualmente e em voz alta, o que o atlas dizsobre o hamster. Entretanto, o Vítor que aparentemente“saíra da situação” indo para a zona onde está o aquário,vem, ansioso, com a notícia de que a tartaruga está entaladano aquário. O Vítor não tinha evidentemente abandonado asituação, limitara-se a estender a sua preocupação à sobre-vivência dos outros animais da sala. Ana dá-lhe uma expli-cação breve para o que está a acontecer. Até o electricistaenviado pela junta de freguesia, que está a arranjar os qua-dros da electricidade, presta atenção, completamente sus-

saber maissobre a vidae os hábitos

dos hamsters

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Das perplex idades em tor no de um hamster. . .

penso do escadote... e da situação. Está perplexo ao ver umgrupo de 3-4 anos que há 10 minutos não arreda pé da mesaonde a Rita lê a enciclopédia. Rita vai buscar o hamsterpara mostrar aos meninos. A Isa faz festas explicando “quesó pode fazer uma pessoa de cada vez uma festinha”, e que“o hamster não gosta de festinhas ao mesmo tempo, senãomorde”.

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Das perplex idades em tor no de um hamster. . .

A história da auxiliar Rita, do hamster e das crianças nãoterminou aqui. Tratava-se de uma situação da vida real aqual gerara a curiosidade intelectual do grupo. A educadoraavaliara de imediato o potencial pedagógico daquela situa-ção e ia criando pontos de apoio, de forma a encorajar ogrupo de crianças e a Rita no seu processo inquisitivo. ARita trabalhara claramente na “zona de desenvolvimentopróximo das crianças”.1

Este episódio foi apenas o desencadear de uma situaçãomais prolongada que encerrava em si o potencial de dar ori-gem a um projecto. L. Katz e S. Chard consideram que umprojecto é “um estudo em profundidade de um determinadotema” (1989, pg. 2) a ser levado a cabo por um grupo decrianças. Consideram ainda que este estudo é uma pesquisaque se torna do interesse das crianças e que é consideradomotivo de atenção por parte dos seus educadores.

Segundo E. Leite, M. Malpique e M. Santos (1989) o traba-lho de projecto é uma “metodologia assumida em grupo quepressupõe uma grande implicação de todos os participantes.Envolve trabalho de pesquisa no terreno, tempos de planifi-cação e intervenção com a finalidade de responder a proble-mas encontrados, problemas considerados de interesse pelogrupo e com enfoque social.” (pg. 140) W. Kilpatrick(1918), um dos primeiros promotores do então apelidado“Método de Projectos”, considera que a sua essência é aactividade com um fim, com uma intenção globalizante.

o desencadearde um projecto

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PARA UMA PEDAGOGIA DE PROJECTO

1 Vygotsky (1978) define a zona de desenvolvimento próximo como “a distância entre ograu de desenvolvimento determinado pela resolução independente de problemas e ograu potencial de desenvolvimento determinado pela resolução de problemas sob aorientação do adulto ou de um companheiro mais experimentado.” (pg.86)

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A palavra projecto tem origem no verbo latino “projicere”e, na sua etimologia, significa “lançar em frente”. Projectoé a “imagem de uma situação ou estádio que se pretendeatingir”, é um “esboço de futuro”. Sartre (1960) consideraque projecto é a orientação da própria vida, a “afirmação doser humano pela acção”.

Assim, e numa primeira conclusão, poderemos afirmar quea pedagogia de projecto, para além de uma metodologia detrabalho, é uma atitude, a espinal medula que perpassa todaa nossa existência. Para um educador poder ensaiar e apli-car a pedagogia de projecto tem que deixar que a filosofiade projecto, enquanto atitude sistematicamente questio-nante face ao saber, perpasse a sua vida toda, incluindo assuas interacções não apenas com as crianças, mas comadultos, membros da equipa de trabalho, pais, etc. Esta pos-tura do educador implica uma atitude existencial dinâmicae interrogante.

O educador torna-se co-construtor de conhecimentos numprocesso de interacção com outros. Segundo N. Denzin,“interacção é agir sobre o outro, ser capaz de uma acçãomútua que seja emergente” (1989, pg. 12). Assim, o educa-dor assume os seus próprios saberes e os saberes que osoutros possuem, integrando-os dinamicamente nesse pro-cesso de conhecimento. O processo de ensino-aprendiza-gem torna-se assim uma transação em que todos colabo-ram. Esta transação é definida por J. Bruner como “as tro-cas que se baseiam numa partilha mútua de adquiridos ecrenças sobre como é o mundo, como funciona a mente,aquilo que estamos prontos a fazer e como a comunicaçãose deve processar” (1990, pg. 81). Esta desinstalada posturaface à complexidade do quotidiano orientará o educador naforma como “projecta” o seu trabalho.

Um educador incapaz de sentido de risco, de aventura,incapaz de calcorrear “a zona de viagem e de exploração, odesconhecido mais ou menos conhecido, o reservatório donovo” (A. A. Moles) não poderá praticar adequadamenteuma pedagogia de projecto.

etimologiada palavra

projecto

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Das perplex idades em tor no de um hamster. . .

Para além de uma postura radical por parte do educador,a pedagogia de projecto pressupõe uma visão da criançacomo um ser competente e capaz, como um investigadornato, motivado para a pesquisa e para a resolução deproblemas. Uma filosofia de projecto apresenta subja-cente, portanto, um profundo respeito pela criança.Pressupõe uma criança que possa ser cada vez maisautónoma e capaz de gerir o seu próprio processo deaprendizagem.

A pedagogia de projecto pretende cultivar e desenvolver avida inteligente da criança, enquanto activação “dos sabe-res e das competências, das sensibilidades estética, emo-cional e moral” (Katz e Chard, 1989, pg. 7). Dirige-se à“mente total e ampla da criança, à medida que ela tentaencontrar sentido para as suas experiências. Encoraja-a acolocar questões, resolver situações problemáticas e“aumentar a sua consciência de fenómenos significativos àsua volta” (ibid, pg. 3). Permite, portanto, aprendizagenssignificativas.

Assim, a pedagogia de projecto pretende dar um sentido àactividade da criança, implicando-a voluntária e pessoal-mente num processo que ela vai prosseguindo, projectandono tempo a sua acção futura.

A pedagogia de projecto assume também a criança comoelemento de um grupo, como parte de uma vida comunitá-ria, com as suas regras de funcionamento e negociações.Cada elemento torna-se imprescindível para o funciona-mento do grupo, ainda que de formas diferentes. Assim, otrabalho de projecto favorece o estabelecimento de um

a criançacomo sercompetetentee capaz

a criançaparte de um grupo

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UMA VISÃO DA INFÂNCIA

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“ethos”3 cooperativo. Cada criança é encarada como mem-bro de uma sociedade democrática, entendendo democraciacomo “forma participativa em que os cidadãos estão maisactivos ao nível local para criar formas de associação queincluam os interesses de todos os participantes na comuni-dade” (Kessler, 1991, pg. 194).

Em pedagogia de projecto, o currículo está centrado na cri-ança, no adulto e no contexto. Integra a criança, na sua redede interacções, as quais incluem a família, mas também oeducador e o seu contexto, numa perspectiva integradora.Inclui igualmente a multiplicidade dos níveis a que se pro-cessa o desenvolvimento da criança.

134

3 “Ethos” é definido pelo dicionário como “as crenças orientadoras; os princípios ou ideaisque caracterizam ou permanecem num grupo” (Webster’s New World Unabridged).

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Das perplex idades em tor no de um hamster. . .

As primeiras tentativas de uma abordagem por projectosforam iniciadas por W. Kilpatrick (1871-1965). Discípulode John Dewey e, como ele, professor na prestigiadaColumbia University de Nova Iorque, o seu primeiro objec-tivo foi tornar a filosofia do mestre acessível para audiên-cias mais amplas. Publica em 1918 o seu trabalho “TheProject Method”, argumentando que a melhor preparaçãopara a vida futura é ajudar a criança a viver aqui e agora, nopresente. Considera que um currículo pré-estabelecido éuma preparação inadequada para a resolução de problemasnuma sociedade em mudança. Os interesses e necessidadesda criança deveriam ser o motor do currículo. Muito maistarde, em 1981, Soltis considera o artigo de Kilpatrick “apeça de escrita filosófica sobre o ensino mais influentedeste século” (pg. 60).

Tal como John Dewey, Kilpatrick foi um dos iniciadores doMovimento da Educação Progressista (paralelo à EscolaNova europeia) cujos princípios se baseavam na liberdadeda criança, no interesse como alavanca mobilizadora dotrabalho e motor de aprendizagens formais. Este movi-mento encarava a criança como criadora activa dos seuspróprios saberes e tendo a capacidade de simbolizar essessaberes de variadas formas. A Escola Progressista concebiao educador como guia, como o companheiro mais experi-mentado. As relações professor-crianças eram consideradasdecisivas: as aprendizagens deviam ser negociadas, as deci-sões partilhadas e assumidas em conjunto. Assumia aimportância determinante da cooperação família-escola eprestava uma atenção profunda ao meio físico e culturalenvolvente da escola.

Jonh DeweyeKilpatrick

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ORIGENS DO TRABALHO DE PROJECTO

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Na Europa, Susan Isaacs, no Reino Unido, e Anna Freud (inYoung-Bruehl, 1988), na Áustria e posteriormente no ReinoUnido, fazem descrições de trabalho de projecto realizadocom crianças pequeninas, também durante os anos 20.

Em Portugal, Irene Lisboa publica em 1949 um livrinho intitu-lado Modernas Tendências de Educação. Nele, de forma magis-tral, entre outras experiências de escola activa, Irene Lisboa des-creve o método de projectos. Refere o célebre projecto da “febretifóide” relatado por Kilpatrick: um grupo de crianças pesquisade forma real e rigorosa as razões do surgimento de um focode febre tifóide e apresenta à comunidade meios eficazes deo debelar. Segundo I. Lisboa (1949), cada projecto “contémuma ideia sujeita a desenvolvimento. Quanto mais oportunae interessante ela for, maior será o seu alcance” (pg. 90).

Mais tarde, no final dos anos 70, um curso de formação deformadores (CICFF – Gabinete de Estudos e Planeamento doMinistério da Educação) estabelecido em colaboração com aEscola Superior de Educação de Estocolmo, divulgava ametodologia de trabalho de projecto entre nós, tendo sidofecundo na produção de materiais de formação. A partir daívariadas tentativas se foram realizando em escolas de todosos níveis de ensino.

No nível pré-escolar, nos começos do lançamento da redepública de jardins de infância, foi feita uma tentativa delançamento desta metodologia. No entanto, salvo honrosasexcepções, a maior parte dos projectos ficavam centradosem si mesmos e dificilmente atravessavam as quatro pare-des do jardim de infância. Muito raramente as crianças setornaram reais investigadores... talvez porque uma corres-pondente atitude não fosse plenamente assumida por partedos seus educadores. Assim, os “projectos” não eram real-mente situações-problema, reduzindo-se a unidades temáti-cas mais ou menos concebidas teoricamente pelos educa-dores, sonegando à criança a capacidade de gerir e intervirna sua própria actividade de pesquisa (Vasconcelos, 1990).

O modelo do Movimento da Escola Moderna, bebendo dopensamento pedagógico de figuras como António Sérgio eMaria Amália Borges de Medeiros, incorporou nas suas

Susan Isaacse

Anna Freud

Irene Lisboa

formaçãode formadores

rede públicade jardins

de infância

Movimentoda EscolaModerna

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Das perplex idades em tor no de um hamster. . .

rotinas a existência de “actividades” e “projectos”, sendoestes definidos como “uma cadeia de actividades” que têmque se “desenhar” mentalmente. Trata-se de uma acção pla-neada mentalmente para “responder a uma pergunta quefizemos” (Niza, 1996).

O modelo de educação pré-escolar criado em ReggioEmilia, Itália, incorpora, de forma admirável, na sua peda-gogia, o trabalho de projecto. Edwards, Gandini e Forman(1993) inscrevem esta metodologia numa perspectiva post--piagetiana em que crianças e adultos são co-construtorasde saberes e negociadoras dos processos conflituais quelevam a novos saberes.

Reggio Emilia

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Das perplex idades em tor no de um hamster. . .

Segundo Kilpatrick alguns projectos podiam favorecer afruição estética, outros a resolução de problemas, oumesmo a aquisição de competências. Podiam estender-seao longo de dois, três dias ou vastas semanas. Mas emtodos, os mesmos passos vitais deveriam acontecer: defini-ção da problemática, planificação, execução, avaliação.Estas fases não são compartimentos estanques, antes estãointerligadas. Uma fase de execução pode dar origem anovos problemas e questões a ser pesquisadas. Trata-se deuma dinâmica, não de um desenvolvimento linear (Popper,1992). A pedagogia de projecto implica flexibilidade, infle-xões e mudanças e reformulações ao longo do processo.

FASE 1: DEFINIÇÃO DO PROBLEMA

Problemas são interrogações, incógnitas, dificuldades aresolver. “Todo o problema implica um certo saber ou nãosaber, ou seja, antever se terá ou não solução e para isso épreciso experiência” (Munari, 1982, pg. 39). O saber colocarproblemas constitui a verdadeira marca do espírito cientí-fico.

Numa primeira fase do projecto, as crianças fazem per-guntas, questionam. Um projecto poder ser iniciado comum objecto novo que faz a sua aparição na sala, umahistória que é contada, uma situação-problema, tal como asituação do hamster descrita anteriormente.

saber colocar o problema

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FASES DO PROJECTO

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As crianças partilham os saberes que já possuem sobre oassunto a investigar. Podem desenhar, esquematizar ouescrever com a ajuda do educador. Este pode ajudá-las aelaborar uma “teia” ou uma “rede” (Katz e Chard, 1997) deideias sobre o que já sabem ou o que desejam saber (mapaconceptual). Estas questões revelam a que níveis a criançanecessita de produzir o seu saber. Em vez de corrigir, o edu-cador incorpora tais factos na futura pesquisa das crianças.Escuta sugestões, ajuda a formular ideias. Esta fase pressu-põe amplas e longas conversas de grande e pequeno grupo,à volta de uma mesa ampla ou no tapete onde o grupo secostuma reunir. O papel do adulto é determinante, ajudandoa manter o diálogo, a discussão, garantindo a complexifi-cação das questões, dando palavra a todas as crianças, esti-mulando as menos participativas, ajudando o grupo a tomarconsciência realista daquilo que pode fazer.

Paralelamente, e para enriquecer e perspectivar ampla-mente a planificação do trabalho, o educador pode elaborara sua própria teia ou mapa conceptual, prevendo a queníveis se pode desenrolar o processo de pesquisa. Pode,individualmente ou em grupo, discutir amplamente todasos possíveis desenvolvimentos do projecto, incorporandoas ideias e hipóteses das crianças. O grupo prepara-se parapossibilidades inesperadas ou imprevisíveis. Esta teia pro-porciona, assim, um criativo exercício de prospecção ou deantevisão. A Figura 1 apresenta um exemplo de criação deuma teia.

mapasconceptuais

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Das perplex idades em tor no de um hamster. . .

FIG. 1: EXEMPLO DE PLANIFICAÇÃO EM TEIA (conteúdos)

Problema: morte

“aparente”do hamster

Criam-seas cores do

hamster

Desenho deobservação

Pesagensde comida

Pessoa derecurso: Avô Cuidar de

plantas

Teatro defantoches

Construção defantoches

Selecçãomúsica de

fundo

Escolha depapéis

Construçãode guião de

peça

Baloiço: cordaspesos…

Triagensdos ingredientes

Construção dedivertimento

para o hamster

Selecção deplantas adequadas

Limpargaiolas

Cuidardo hamster

Construção de um hamster

em barro

Figurações / reproduções do

hamster

Exploração datextura do pêlo:

tecidos, lãs...Visita a

bibliotecapública

Introdução deobjectos de

pesquisa (lupa)

Recurso à consultadoriado professor de

Zoologia

- Quadros- Gráficos- Registos

Investigação sobre hábitos

de vida dohamster

Montagem de Mini-observatório

Documentação: livros, enciclopédia,

postais...

Colagem

Tarefas

Tarefas

A alimentação

Turnos

Registo

Registos

Cenário

Registos

Ensaios

Canção

Lenga-lenga

Observação

Receita

Formas

Ingredientes

Escrita

Entrevista c/ dono

Elaboraçãode panfletos

Criação canção

Livro de impressões

Elaboração de trabalhos a expôr

Elaboraçãode convites

Exposição sobre a vida do hamster

Construção álbuns e painéis

Distribuição de tarefas

Confecção de bolos de chocolate

Visitaa loja

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FASE 2: PLANIFICAÇÃO E LANÇAMENTO DO TRABALHO

As crianças começam a ganhar consciência da orientaçãoque pretendem tomar. Podem continuar a desenhar teias oulinhas de pesquisa as quais poderão ser retomadas ao longodo processo. Mas torna-se importante começar a ser maisconcreto: o que se vai fazer, por onde se começa, como sevai fazer. Dividem-se tarefas, quem faz o quê. Organizam-seos dias, a semana; antecipam-se acontecimentos; inventa-riam-se recursos: a quem se pode recorrer, que documenta-ção existe disponível. O adulto observa a organização dogrupo, aconselha, orienta, dá ideias, regista.

FASE 3: EXECUÇÃO

Na fase de execução as crianças partem para o processo depesquisa através de experiências directas: uma visita deestudo, uma entrevista, uma pesquisa documental.Preparam previamente aquilo que pretendem saber, queperguntas desejam fazer. Podem, anteriormente, pesquisarem enciclopédias, atlas, livros, revistas. As crianças trans-portam consigo máquinas fotográficas, um gravador portá-til, papel e lápis e uma superfície dura para elaboraremesquemas ou desenhos. Podem levar fitas métricas, emba-lagens para recolha de plantas ou animais, ou mesmo umpar de binóculos.

Regressadas à sala, as crianças registam, seleccionam eorganizam informação, consultam ou elaboram mapas egráficos, preparam “dossiers” de consulta, afixam infor-mações relevantes, voltam a consultar fontes de informa-ção secundária, tais como mapas, enciclopédias, panfle-tos, fotografias, livros, revistas, etc. As crianças aprofun-dam a informação adquirida, reposicionam-se em novasquestões, voltam a planear a sua actividade. O adulto

experiênciasdirectas

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ajuda as crianças a fazerem o ponto da situação, intervémpara ajudar.

Durante esta fase as crianças desenham, pintam, discutem,dramatizam, escrevem, recolhem dados e informação, con-tam, medem, calculam, prevêm, desenham diagramas,fazem gráficos, anotam observações. Lêem (ou pedem à edu-cadora, aos pais, etc., que leiam) para adquirir informações,escrevem e cantam canções relacionadas com o que andama pesquisar, dramatizam, pintam, etc., utilizando a maiorvariedade possível de linguagens gráficas.

FASE 4: AVALIAÇÃO/DIVULGAÇÃO

Faz parte intrínseca de um trabalho de projecto, e numaúltima fase, a sua divulgação. Ao divulgar o seu trabalho acriança tem que fazer a síntese da informação adquiridapara a tornar apresentável a outros. Mas tem, também, quesocializar os seus novos conhecimentos, o seu saber, tor-nando-o útil aos outros, quer seja a sala ao lado, o jardimde infância mais próximo, o grupo de pais ou meninos maisnovos. Ao fazê-lo a criança deverá adequar a informação aopúblico-alvo, tratando-se, assim, de um processo cognitivosofisticado e elaborado.

As crianças podem construir uma maquette, um modelo,uma máquina. Podem sintetizar a informação em álbuns,amplos painéis, desdobráveis, livros, podem preparar umadramatização, etc.

As crianças devem também avaliar o trabalho efectuado erelançam-se então em novos projectos ou em pesquisasmais aprofundadas. Comparam o que aprenderam com asquestões que haviam formulado inicialmente, analisam ocontributo de cada um dos elementos do grupo, a qualidadedas tarefas realizadas, o nível de entre-ajuda.

multiplicaçãode linguagens

socializaro saber

avaliaro trabalho

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Uma planificação em pedagogia de projecto pressupõe, nãoa formulação de objectivos específicos, mas sim a formula-ção de hipóteses de trabalho:

Daí que, subjacente a este modelo de planificação, esteja apossibilidade de partir para uma multiplicidade de direc-ções. Esta forma de planear sistémica, prospectiva, intu-indo visões de futuro (Vasconcelos, 1991), legitimando aincerteza e o invisível, afirmando o imprevisível, é especí-fica da pedagogia de projecto.

Os educadores não formulam objectivos para cada projectoou para cada actividade antecipadamente. Em vez disso for-mulam hipóteses daquilo que pode acontecer com base noque conhecem das crianças e das suas experiências anterio-res. A par destas hipóteses, formulam intenções flexíveis eadaptadas às necessidades e interesses das crianças. Estesinteresses e necessidades são expressos por estas ao longo doprojecto e inferidos pelos educadores ao longo do processo(Rinaldi, in Edwards, Gandini e Forman, 1993).

formulaçãode hipótesesde trabalho

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O educador está pessoalmente implicado no projecto.Também para ele o projecto apresenta dificuldades, dúvi-das, necessidade de novos saberes. O educador é ocompanheiro mais experimentado, o guia, mas que tambémparte com a criança à descoberta. O trabalho de projecto“arranca o professor dos limites estreitos da sua sala deaula, fá-lo interrogar-se sobre o seu papel de cidadão--professor” (Cortesão, Malpique, Torres e Lima, 1979).

O papel do educador incide não apenas nos conteúdos mas também na dinâmica relacional. Deve estar atento àsnecessidades dos vários grupos e indivíduos. Como atitudedeterminante do educador é indispensável estar disponívele atento. Crianças e educadores são construtores de saberese novos saberes. Assim, os adultos valorizam o erro, aincerteza, a dúvida criadora. Não evitam o conflito cogni-tivo, antes o incorporam e integram. Nas palavras de LorisMalaguzzi, o fundador das escolas de Reggio Emilia, Itália:

O educador deve intervir o menos possível, mas de forma aprovocar o reinício das trocas ou para securizar as crianças.Assim, as intervenções devem ser medidas, não excessivas,não subvertendo aquilo que as crianças estão a fazer. É comoque tomar a criança pela mão, permitindo sempre que ela semantenha de pé firme (entrevista Malaguzzi, 21 de Junho de 1990in: Edwards, Gandini e Forman, 1993, pg. 205).

disponívele atento

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PAPEL DO EDUCADOR

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O espaço, em pedagogia de projecto, não se pode circuns-crever às quatro paredes da sala de actividades. Deve trans-cendê-las, tornando todo o espaço escolar e extra-escolar(bairro, aldeia, cidade, etc.) como espaço educativo. A sala deactividades transforma-se no local onde se organiza eregista o saber. Assim, a sala passa necessariamente a serum sistema flexível, vivo e em mudança.

O espaço favorece as trocas entre os diferentes elementosdo grupo, a interacção social, exploração e aprendizagem.Deve favorecer o bem-estar das crianças, mas não podenegar o bem-estar dos adultos que se ocupam delas. A orga-nização do espaço contempla a possibilidade de trabalhoem pequenos grupos, no grande grupo ou mesmo indivi-dual, e também considera a importância de um espaçoreservado ao educador: uma mesa, uma estante, umacadeira confortável.

São múltiplas as áreas possíveis, devendo contemplar asnecessidades das crianças de idade pré-escolar, isto é, dejogo simbólico, de representação, de exploração de umamultiplicidade de linguagens. Assim, o espaço inclui neces-sariamente áreas para a expressão plástica, com materiaisvariados de boa qualidade, reciclados ou não reciclados.Contempla a necessidade de jogo simbólico através da re-criação dos universos de vida da criança: a casa, o hospital,o café, etc. Apoia o interesse que a criança tem pela leiturae pela escrita, pela consulta de documentação. Assim,inclui igualmente, não apenas uma área reservada a livrosde histórias, mas também enciclopédias, colecções delivros de arte, atlas, bem como uma área reservada a expe-rimentação como, por exemplo, a escrita.

espaçocomo sistemaflexível

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ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO, DO TEMPO E DOS RECURSOS

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O material é exposto em prateleiras acessíveis, segundouma determinada ordem que favorece o trabalho autónomoe a iniciativa da criança. As paredes proporcionam a amplaorganização de painéis de exposição que descrevem odesenvolvimento dos diferentes projectos coexistentes nasala, contemplando o processo e não apenas os produtos.

Reserva-se espaço para a criança expor os seus trabalhos emvolume, mesmo tratando-se de trabalhos de grandes dimen-sões. Obras de arte ou fotografias de superior qualidade estarãoexpostas para contemplação e para a educação do olhar porparte de crianças e adultos. Existem mapas enrolados numcesto, acessíveis quando se tornarem necessários. Plantas, ani-mais, conchas, rochas, etc, são parte integrante do sistema vivoque é uma sala em pedagogia de projecto. Mas estes objectossão fruto de estudo e pesquisa, daí que seja imprescindível aexistência de instrumentos tais como lupas, lanternas, gravadorportátil, máquina fotográfica, ou mesmo um retroprojector ouum computador. Outros utensílios tais como martelos, alicates,chaves de parafusos, etc., revelar-se-ão imprescindíveis àmedida que os projectos forem surgindo. Uma sala “em pro-jecto” mostra e ilustra a organização do trabalho, das tarefasdo quotidiano e das sequências dos vários projectos emcurso. A sala de actividades deverá, assim, ser espelho dosentido de finalidade que qualquer projecto carrega em si.

A organização do tempo será flexível dentro de uma estruturana qual a criança se sente segura e parte integrante. Haverádiariamente tempo para, em grande grupo, planear o dia, o(s)projecto(s), as actividades necessárias. Haverá muito tempodedicado ao trabalho em pequenos grupos, quer seja de índolelúdica, quer seja mais intencionalizado em projectos. Haveránecessariamente, na rotina diária, tempo de avaliação e refor-mulação do trabalho desenvolvido. A organização do tempo énegociada entre educadores e crianças de acordo com asnecessidades colocadas pela prossecução dos projectos.

Os recursos existem, não apenas na sala de actividadescomo fora dela e transcendem a própria escola: a bibliotecapública, o museu, o aquário, o jardim zoológico, o observa-tório, o laboratório da escola do 2.º ciclo mais próxima, aspessoas idosas e frequentemente disponíveis, os pais, etc.

espaço comosistema vivo

organizaçãodo tempo

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Vejamos agora como a situação desencadeada pela auxiliarRita se pode transformar em projecto.

É óbvio que a situação descrita anteriormente se trata daprimeira fase do projecto. Na sequência dessa situaçãodesencadeadora, as crianças partem à descoberta da vida ehábitos dos hamsters. Um grupo decide que quer ir à lojaonde ele foi comprado entrevistar o dono da loja. Preparamas questões para a entrevista, verificam se o gravador por-tátil está pronto a ser utilizado, introduzem uma cassete.Outro grupo prefere ir à biblioteca pública consultar docu-mentação. Marcam a visita com a bibliotecária que lhes põeà disposição material diverso. Descobrem inclusivamenteuma cassete vídeo sobre a vida destes roedores no seuambiente natural.

De regresso à escola, põem em comum o material reco-lhido. Consultam livros, revistas, enciclopédias, imagensvariadas. A bibliotecária emprestou-lhes inclusive umasérie do “National Geographic Magazine” sobre o assunto.Surgem desenhos pormenorizados e rigorosos sobre ohamster que as crianças realizam, tendo os livros e as ima-gens como fonte de consulta. Confeccionam-se as tonalida-des de tinta que representam exactamente os tons do pêlodo hamster; descobrem-se tecidos e lãs que sugerem a tex-tura do pêlo. Fazem-se hamsters em barro.

A comida do hamster é pesada, fazem-se triagens, gráficosindicadores das porções consumidas em cada dia. Obser-vam-se as bolsas do hamster cheias de comida, a formacomo ele come os alimentos. Tudo é registado. Monta-seum mini-observatório. A lupa passa a ser objecto impres-

da situaçãoao projecto

rigorna pesquisa

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DO PROBLEMA DO HAMSTERAO PROJECTO

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cindível. Até se descobre como se pode pegar no hamstersem ser mordido. O professor de Zoologia da escola doensino secundário mais próxima passa a visitar regular-mente o jardim de infância e serve de consultor e de recursopara o grupo de crianças. A educadora exige rigor em todoo processo de pesquisa, já que as crianças não merecemmenos do que isso. Em casa, os pais tentam encontrar mate-riais úteis e envolvem-se, também eles, no processo entusi-asmante da pesquisa.

Finalmente uma das crianças descobre que o hamster tempoucos objectos para brincar na grande tina que lhe servede habitação. Definem o que vão construir: um baloiço parao hamster, um lago para ele tomar banho e plantas para elese esconder. Resolvem-se intrincados problemas de físicaao montar o baloiço — medem-se cordas, equilibram-sepesos... — e o baloiço fica a funcionar, com a ajuda do avôSr. Paixão, que tem uma mão expedita para estes problemascomplexos. Seleccionam-se plantas que não sejam prejudi-ciais aos hábitos de vida do hamster.

Escalonam-se turnos para cuidar do hamster e cria-se umquadro com as responsabilidades atribuídas. Faz-se um grá-fico de barras contabilizando diariamente aquilo que ohamster come. As crianças aprendem a escrever a palavrahamster.

À medida que o projecto evolui, gera-se um crescendo deintensidade como uma orquestra a que, a pouco e pouco, sefossem juntando mais intrincados instrumentos para enri-quecer a melodia inicial. As crianças fazem cada vez maisdescobertas, há uma animação febril na sala, uma confusãocriadora, um sentido de direcção e de finalidade.

Por último, organiza-se uma exposição sobre a “Vida doHamster”. Enviam-se convites aos meninos da escola do 1.º ciclo do ensino básico mais próxima (e, porque não, aosmeninos do 2.º ciclo?). Alguns pais não resistiram a estartambém presentes. Expõem-se os trabalhos, o processovivido, os produtos das pesquisas, das entrevistas. Produz--se um álbum gigante com fotografias, desenhos, textos. Ascrianças explicam e demonstram com o rigor máximo

sentido dedirecção

e de finalidade

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Das perplex idades em tor no de um hamster. . .

aquilo que agora sabem sobre a vida do hamster. Criou-seuma canção, à laia de lengalenga, para cantar ao hamster, eque também é cantada na exposição. Oferece-se a cada par-ticipante na exposição um pequeno guia, um panfleto elu-cidativo. E, finalmente, para tornar a visita à exposiçãomais festiva, oferecem-se bolinhos de chocolate, confeccio-nados anteriormente pelas crianças. As crianças convivementre si, as professoras trocam impressões e aproveitampara se conhecer melhor. Os professores do ensino básicoestão impressionadas com o nível de conhecimento cientí-fico atingido por aquele grupo de crianças tão pequeninas.

Finalmente, e em celebração do hamster, há uma surpresa:um teatro de fantoches, os quais foram confeccionadospelas crianças com a ajuda das educadoras, em que as cri-anças contam a história da Rita, do hamster que parecia termorrido... e do mais que se seguiu. À saida, um livro, emque os visitantes são convidados a escrever as suas impres-sões.

Nunca mais as crianças irão encarar a vida de um pequenoanimal como o hamster, como qualquer coisa de trivial.Viveram-na em projecto. Projectaram-se nela. A estruturainerente ao trabalho de projecto funciona como suporte,como um “andaime” (“scaffold”, na terminologia originalinglesa) para favorecer o trabalho na zona de desenvolvi-mento próximo da criança (Vygotsky, 1978). Um “scaffold”é, segundo Wood, Bruner e Ross (1976), “a intervençãotutorizada do adulto, a qual deverá ser inversa ao domínioda situação pela criança”. Por isso pais e professores se sur-preenderam com os níveis de desenvolvimento atingidospor aquele grupo de crianças. Ao funcionar em projecto acriança move-se “à frente do seu próprio desenvolvimento”(Vygotsky, 1978). Por isso foi possível crianças de 3-4 anosficarem interessadas na leitura árida dos conteúdos de umaenciclopédia. É óbvio que se tratava de algo que mobili-zava o interesse das crianças, mas que constituíra para elasfonte de intensa preocupação, um verdadeiro problema.

projectocomo andaimepara o desenvolvimento

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Na aplicação da pedagogia de projecto o educador favoreceníveis diferentes de aprendizagem: saberes, competências,disposições e sentimentos (Katz e Chard, 1989):

As crianças adquirem saberes: apreendem novas informa-ções sobre objectos e pessoas, novos conceitos, novos sig-nificados. Alargam os seus horizontes culturais e humanos,adquirem uma compreensão mais personalizada, esta-belecem relações de causa-efeito, relações da parte aotodo, etc.

As crianças adquirem também novas competências: apren-dem competências sociais, de funcionamento em grupo eem democracia, aprendem a cooperar, a negociar, a fazertrabalho em equipa e a descobrir formas de liderança.Descobrem as suas potencialidades, o seu valor pessoal,aprendem a afirmar-se positivamente e a ser assertivas. Masaprendem também outro tipo de competências: com-petências ligadas ao manuseamento de instrumentos cientí-ficos, de observação, de recolha de dados; e também com-petências ligadas às aprendizagens básicas da leitura,escrita e matemática como instrumentos decisivos na apre-ensão da realidade. As crianças aprendem, finalmente,competências relacionadas com o domínio das várias for-mas de comunicação e expressão.

As crianças adquirem também disposições, hábitos damente que serão duradouros: a capacidade de imaginar, deprever, de explicar, de pesquisar, de inquirir. Aprendem aser persistentes, reflexivas, abertas a ideias novas, a sabe-res desconhecidos. Aprendem a gostar de aprender.

saberes

competências

disposições

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TRABALHO DE PROJECTO E PROCESSO DE ENSINO/APRENDIZAGEM (OU APRENDER A APRENDER ATRAVÉS DO TRABALHO DE PROJECTO)

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Finalmente, o trabalho de projecto vai reforçar nas criançassentimentos que se prendem com uma aceitação positivade si próprias, estabelecendo objectivos realistas, lidandocom o sucesso e o insucesso enquanto factores decisivos dodesenvolvimento, aprendendo a partir de erros e de dúvi-das, integrando dinamicamente a frustração, a contradição,o desapontamento.

O projecto traz sentido, finalidade, orientação e intenciona-lidade ao quotidiano pedagógico. O trabalho de projecto“projecta” as crianças “para além do seu próprio desenvol-vimento” (Vygotsky, 1978).

Em termos de aprendizagens estruturantes e significativas,a pedagogia de projecto afirma, de forma radical, o conflitoe a negociação como forças impulsionadoras do cresci-mento e do desenvolvimento. Com Sophia de MelloBreyner podemos concluir:

Projecto II

Esta foi a sua empresa: reencontrar o limpoDo dia primordial. Reencontrar a inteirezaReencontrar o acordo livre e justoE recomeçar cada coisa a partir do princípio

Em sua empresa falharam e o relatoDe sua errância erros e derrotasDe seus desencontros e desencontradas lutasÉ moroso e confuso

Porém restamDo quebrado projecto de sua empresa em ruínaCanto e pranto clamor palavras harpasQue de geração em geração ecoamEm contínua memória de um projectoQue sem cessar de novo tentaremos.

sentimentos

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gabinete para a expansão e desenvolvimento da educação pré-escolar

Av . 2 4 d e J u l h o , 1 4 0 - 6 . o – 1 3 0 0 L i s b o a T e l : 0 1 - 3 9 7 7 1 2 9 – F a x : 0 1 - 3 9 7 9 8 6 5