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CAO – Crim Boletim Criminal Comentado n° 063 Subprocuradoria-Geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais Mário Luiz Sarrubbo Coordenador do CAO Criminal Arthur Pinto Lemos Júnior Assessores Fernanda Narezi Pimentel Rosa Marcelo Sorrentino Neira Paulo José de Palma Ricardo José Gasques de Almeida Silvares Rogério Sanches Cunha Analista Jurídica Ana Karenina Saura Rodrigues

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CAO – Crim Boletim Criminal Comentado n° 063

Subprocuradoria-Geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais

Mário Luiz Sarrubbo

Coordenador do CAO Criminal

Arthur Pinto Lemos Júnior

Assessores

Fernanda Narezi Pimentel Rosa

Marcelo Sorrentino Neira

Paulo José de Palma

Ricardo José Gasques de Almeida Silvares

Rogério Sanches Cunha

Analista Jurídica

Ana Karenina Saura Rodrigues

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Boletim Criminal Comentado n° 063 - Agosto2019

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SUMÁRIO

SUMÁRIO --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 2

ESTUDOS DO CAOCRIM--------------------------------------------------------------------------------------------------- 3

1- Tema: Congresso Nacional derruba veto e restaura o crime de propalação ou divulgação do crime

ou ato infracional objeto de denunciação caluniosa eleitoral ................................................................ 3

2- Tema: Portaria nº 1.222 de 12 de agosto de 2019 - Dispõe sobre parâmetros de aferição e listagem

de calibres nominais de armas de fogo e das munições de uso permitido e restrito e dá outras

providências .......................................................................................................................................... 5

STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM ------------------------------ 6

DIREITO PROCESSUAL PENAL ------------------------------------------------------------------------------------------- 6

1- Tema: Ordem das alegações finais no caso de colaboração premiada. 2ª Turma reconhece

cerceamento de defesa e anula condenação de ex-presidente da Petrobras ....................................... 6

2- Tema: Arquivamento de inquérito policial de ofício pelo juiz. Inadmissibilidade. ............................. 8

DIREITO PENAL ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 10

1- Tema: Prescrição em perspectiva. Inadmissibilidade. Súmula 438 STJ. ........................................... 10

2- Tema: Crime de violação de direitos autorais - Não aplicação do princípio da adequação social ..... 11

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ESTUDOS DO CAOCRIM

1- Tema: Congresso Nacional derruba veto e restaura o crime de propalação ou divulgação

do crime ou ato infracional objeto de denunciação caluniosa eleitoral

Já comentamos no boletim de junho de 2019 (semana 1) a tipificação do crime de

denunciação caluniosa para fins eleitorais. Em síntese, a Lei 13.834/19 inseriu no Código

Eleitoral o art. 326-A, que muito se assemelha ao art. 339 do Código Penal:

“Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação

administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a

alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade

eleitoral.”

À época, o presidente da República vetou parcialmente o projeto de lei. Segundo a redação

aprovada para o tipo penal, haveria um parágrafo equiparando ao caput a conduta de quem,

comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulgasse

ou propalasse, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato falsamente atribuído.

O veto foi justificado pelo fato de que a nova lei criaria uma situação de

desproporcionalidade, pois o art. 324, § 1º, do Código Eleitoral pune conduta semelhante

(propalar ou divulgar a calúnia eleitoral) com pena muito menor (detenção de seis meses a

dois anos):

“A propositura legislativa ao acrescer o art. 326-A, caput, ao Código Eleitoral, tipifica como

crime a conduta de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral. Ocorre que o crime

previsto no § 3º do referido art. 326-A da propositura, de propalação ou divulgação do crime

ou ato infracional objeto de denunciação caluniosa eleitoral, estabelece pena de reclusão,

de dois a oito anos, e multa, em patamar muito superior à pena de conduta semelhante já

tipificada no § 1º do art. 324 do Código Eleitoral, que é de propalar ou divulgar calúnia

eleitoral, cuja pena prevista é de detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Logo, o

supracitado § 3º viola o princípio da proporcionalidade entre o tipo penal descrito e a pena

cominada.”

Mas, no dia 28 de agosto de 2019, o Congresso Nacional derrubou o veto e restaurou à

integralidade o projeto de lei aprovado. Retomamos, pois, este tema.

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O veto, no entanto, nos parecia correto. Não bastasse a desproporcionalidade da pena, não

há nenhum fundamento para equiparar à denunciação caluniosa a conduta de divulgar ou

propalar o ato falsamente atribuído a alguém.

A denunciação caluniosa é um crime contra a administração da Justiça (no caso, eleitoral).

Traz em si o crime de calúnia acrescentado de um elemento mais grave, consistente na

provocação dos órgãos estatais para que iniciem investigação policial, processo judicial,

investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa. O plus da

denunciação caluniosa em relação ao crime contra a honra reside exatamente no segundo

elemento, que envolve na mendacidade órgãos da administração da Justiça que não podem

ser utilizados como instrumentos de ataques de índole pessoal.

Ora, quem divulga ou propala o ato ou fato atribuído na denunciação caluniosa não envolve

órgãos da administração da Justiça, não dá causa à instauração de nada, mas apenas se limita

a difundir a própria calúnia. No ato de divulgação ou propalação não existe o plus de

gravidade que caracteriza a denunciação caluniosa, não se atinge o mesmo objeto jurídico,

razão pela qual não há nenhum fundamento na equiparação de uma conduta à outra.

De qualquer forma, o tipo penal deve ter aplicação limitada.

Isto porque não é a simples divulgação de informação falsa que caracteriza a figura

equiparada, pois a existência da denunciação caluniosa é um pressuposto. Só é possível

pretender a punição de alguém que tenha divulgado ou propalado a mesma conduta falsa já

utilizada para dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de

investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa. O § 3º

tipifica, portanto, um crime acessório, que só pode surgir na esteira da denunciação

caluniosa e que, ao contrário do que se tem divulgado, não pode abranger condutas como

os simples compartilhamentos das chamadas fake news em redes sociais, situações nas

quais no mais das vezes as pessoas apenas replicam algo que pode parecer verdadeiro

segundo a percepção geral. Além de inviável devido à profusão de compartilhamentos que

ocorrem normalmente, esta espécie de punição não deve ser tida como propósito do tipo

penal.

Aliás, para reforçar esta conclusão, a redação do § 3º deixa claro que só comete o crime

quem atua comprovadamente ciente da inocência do denunciado, ou seja, o divulgador ou

propalador da calúnia só pode atuar com dolo direto. Não se admite a tipicidade por dolo

eventual, baseada na assunção do risco de que a conduta divulgada possa ser falsa.

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A bem da verdade, trata-se de mais uma inutilidade que nada soma ao nosso já caótico

sistema de legislação penal. A propalação da calúnia é punida há quase oitenta anos no

Código Penal; no Código Eleitoral, há mais de cinquenta. Não há nenhuma justificativa

razoável para que se crie uma figura especial de propalação que, na essência, em nada se

distingue daquelas em vigor.

2- Tema: Portaria nº 1.222 de 12 de agosto de 2019 - Dispõe sobre parâmetros de aferição

e listagem de calibres nominais de armas de fogo e das munições de uso permitido e

restrito e dá outras providências

Em razão das consultas feitas no CAOCrim vamos reproduzir aqui a Portaria, que confere os

parâmetros de armas e munições de uso permitido e restrito.

Clique aqui

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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM

DIREITO PROCESSUAL PENAL:

1- Tema: Ordem das alegações finais no caso de colaboração premiada. 2ª Turma

reconhece cerceamento de defesa e anula condenação de ex-presidente da Petrobras

DECISÃO DO STF- Publicado em notícias do STF no dia 27/8/2019.

Com o entendimento de que a apresentação das alegações finais de corréus não

colaboradores deve se dar após a apresentação do documento por parte dos colaboradores,

a maioria dos ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) anulou a

condenação do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine pelos crimes de corrupção

passiva e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Lava-Jato. A decisão foi tomada na

sessão desta terça-feira (27) no julgamento de recurso (agravo regimental) no Habeas

Corpus (HC) 157627.

O juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR), ao concluir a instrução processual, abriu prazo

comum para que os corréus apresentassem suas alegações finais. A defesa do executivo

pediu que seu cliente pudesse apresentar sua manifestação após os colaboradores, com o

argumento de que a abertura de prazo comum, e não sucessivo, para colaboradores e não

colaboradores traria prejuízos a seu cliente. O pedido, no entanto, foi negado.

Durante a sessão de julgamento, o defensor sustentou que, no processo penal, o réu tem o

direito de se defender e de rebater todas as alegações com carga acusatória. Segundo ele, o

acusado tem o direito de falar por último, venha de onde vier a acusação, sob pena de

configuração do cerceamento de defesa. Lembrou ainda que a condenação de Bendine já foi

confirmada, com redução de pena, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) no

julgamento de apelação, sem o acolhimento da questão trazida no habeas corpus.

Estratégia

O agravo regimental foi interposto contra decisão do relator, ministro Edson Fachin, que

havia negado seguimento ao habeas corpus. Fachin votou no sentido de negar provimento

ao recurso, por entender que não existe previsão legal para a apresentação de alegações

finais em momentos diversos por corréus delatores e delatados. Como a colaboração

premiada é uma das estratégias que pode ser usada pela defesa, a opção por esse instituto,

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para o relator, não autoriza que o juiz faça distinção entre colaboradores e não

colaboradores.

Constrangimento ilegal

O ministro Ricardo Lewandowski divergiu do voto do relator e entendeu configurado o

constrangimento ilegal. Segundo o ministro, o direito ao contraditório e à ampla defesa deve

permear todo o processo penal, inclusive no momento do oferecimento das alegações finais.

Como a colaboração premiada é meio de obtenção de prova, ressaltou que a fixação de prazo

simultâneo gera prejuízo à defesa, especialmente porque, no caso, a sentença condenatória

foi desfavorável ao acusado. “É irrefutável a conclusão de que, sob pena de nulidade, os réus

colaboradores não podem se manifestar por último, em razão da carga acusatória de suas

informações”, enfatizou.

Com esse entendimento, o ministro votou pelo provimento do recurso para anular a

sentença e os atos posteriores ao encerramento da instrução, assegurando ao réu o direito

de oferecer novamente os memoriais após os colaboradores.

Ao acompanhar a divergência, o ministro Gilmar Mendes lembrou que, conforme

precedente do Supremo, é garantido ao delatado inquirir o colaborador. Para Mendes, o

contraditório é a melhor forma de saber se o colaborador está mentido ou omitindo fatos.

Da mesma forma, o prazo para alegações finais, nesse caso, deve se dar de forma sucessiva,

primeiro dos colaboradores e, na sequência, dos não colaboradores.

A ministra Cármen Lúcia, que também integrou a corrente vencedora, salientou que o tema

é uma novidade no Direito. Para ela, delatores e delatados não estão na mesma condição

processual e, portanto, não podem ser tratados de forma igual. Por fim, observou que, da

mesma forma que não existe norma específica sobre o tema, também não há nada que

impeça o juiz de conceder prazos sucessivos, principalmente porque houve pedido da defesa

nesse sentido.

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

A decisão surpreendeu a todos, ignorando, inclusive, precedentes recentes da Corte. A 1ª

Turma do STF, no final do primeiro semestre deste ano, reconheceu que “inexiste previsão

legal de nulidade decorrente da mera inversão na ordem das alegações finais, sendo certo

que as nulidades processuais são numerus clausus e, à luz do princípio da instrumentalidade

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das formas, rege-se pelo princípio pas de nullité sans grief” (Ação Penal n. 968 – SP, STF, 1ª

Turma, unânime, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 22.5.2018, publicado no DJ em 2.8.2019).

A decisão contraria, ainda, entendimento pacífico da Corte (1ª. e 2ª. TURMAS), no sentido

de que a palavra do colaborador não pode, por si só, condenar o réu “delatado”:

“As declarações do colaborador, portanto, só têm validade se forem corroboradas por

outros elementos de prova, o que significa dizer que, sozinhas, suas palavras, em face do

delatado, nenhum efeito jurídico produzem” (tese acolhida pelo Plenário no unânime

julgamento do HC 127.483-PR).

Não bastasse, após a sentença condenatória (agora anulada pelo STF), o

condenado/delatado teve oportunidade, da forma mais ampla possível, de discutir e rebater

as teses acusatórias e as palavras do colaborador na sua apelação, respeitando-se o

contraditório e ampla defesa.

Por fim, a ordem na oferta das derradeiras alegações dos réus determinada pelos Ministros

não tem previsão legal, nem no CPP (art. 403), nem no próprio regimento interno (art. 241),

devendo primeiro manifestar-se a acusação e depois a defesa.

2- Tema: Arquivamento de inquérito policial de ofício pelo juiz. Inadmissibilidade.

TJ-SP - Correição Parcial nº 9000006-57.2012.8.26.0445

Ementa:

Correição parcial- Juiz determinou de ofício arquivamento de inquérito policial, sem

requerimento do Ministério Público- Impossibilidade - Ministério Público titular da ação

penal - Deferida correição parcial para revogar o despacho que determinou o arquivamento-

recomendação para que o Promotor de Justiça especifique as diligências que pretende sejam

realizadas, visando apurar a autoria de eventual delito.

Clique aqui para ter acesso ao acórdão

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

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Em que pese este capítulo do boletim ser dedicado para análise das decisões dos Tribunais

Superiores, por conta da importância da matéria, vamos, de forma excepcional, comentar

esta decisão do TJ de SP, que ratifica posicionamento do STF.

A decisão que ordena o arquivamento do inquérito policial é privativa do Poder Judiciário a

quem cumpre a função de julgar. Tanto é assim que o art. 28 do CPP atribui apenas ao

Magistrado a possibilidade de invocar a providência ali contida, determinando a remessa dos

autos ao procurador-geral na eventualidade de discordância do pedido de arquivamento. O

juiz age, de sua parte, mediante requerimento formulado pelo Ministério Público. Isso

decorre de norma constitucional, já que o art. 129, I, da CF, confere ao parquet a

titularidade exclusiva da ação penal pública. De sorte que, por mais óbvia que possa parecer

a hipótese de arquivamento (morte do agente, suicídio, retratação da vítima em um crime

de ação penal pública condicionada à representação etc), uma vez instaurado o inquérito

deve ser o mesmo finalizado e enviado ao Ministério Público que, nesses casos, promoverá

seu arquivamento.

Ao juiz não lhe assiste, pois, competência para decidir da conveniência ou inconveniência,

utilidade ou inutilidade, admissibilidade ou inadmissibilidade da ação penal, de ofício,

determinando o arquivamento do inquérito policial, cuja iniciativa – insistimos – cabe

apenas ao Ministério Público.

O STF, em que pese decisões ilhadas em sentido contrário, vem decidindo no mesmo sentido

do TJ SP:

"Se mostra inviável, em nosso sistema normativo, o arquivamento 'ex officio', por iniciativa

do Poder Judiciário, de peças informativas e/ou de inquéritos policiais, pois, tratando-se de

delitos perseguíveis mediante ação penal pública, o ato de arquivamento só pode ser

legitimamente determinado, pela autoridade judiciária, em face de pedido expresso

formulado, em caráter exclusivo, pelo próprio Ministério Público" (STF – Inq. n. 4.420 - Rel.

Celso de Mello, j. 21/8/2018)

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DIREITO PENAL:

1- Tema: Prescrição em perspectiva. Inadmissibilidade. Súmula 438 STJ.

TJ- SP- Processo: RSE 0009762-15.2011.8.26.0597

Julgamento: 14/02/2019

Ementa

Recurso em Sentido Estrito. Furto qualificado. Sentença que declarou extinta a punibilidade

dos réus diante do reconhecimento da denominada prescrição 'virtual'. Recurso do

Ministério Público buscando a reforma da r. decisão para que o feito tenha prosseguimento.

Prescrição 'virtual', 'antecipada' ou 'por perspectiva'. Órgão julgador que, partindo de uma

pena hipotética, reconhece a futura prescrição da pretensão punitiva estatal. Modalidade de

prescrição sem previsão legal que fere os princípios da legalidade, do devido processo legal,

da individualização da pena, da presunção de inocência e da ampla defesa. Prescrição

'virtual' que não pode ser reconhecida Inteligência da Súmula nº 438 do C. STJ. Inocorrência

de prescrição com a pena abstrata em relação a Fabrício. Recurso Ministerial provido, para

anular a r. sentença de fls. 57/59, determinando-se o prosseguimento do feito. Expedição de

ofício, nos termos deste Voto.

Clique aqui para ter acesso ao Modelo de Rese no caso extinção da punibilidade pela

prescrição em perspectiva

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

A prescrição da pretensão punitiva em perspectiva, antecipada, virtual ou por prognose tem

gênese jurisprudencial, sem amparo legal. Sua finalidade é reconhecer, de forma antecipada,

a prescrição retroativa.

O seu fundamento reside na falta de interesse de agir do Estado no prosseguimento da ação

penal cuja sentença, dadas as circunstâncias do crime e condições do próprio réu, fixará a

pena em patamares mínimos, conduzindo o juízo, no futuro, ao certo reconhecimento da

prescrição retroativa.

Antevendo a (certa) prescrição retroativa, sustenta-se ser possível a sua antecipação,

declarando-a mesmo antes do final do processo.

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Essa espécie de prescrição, contudo, sem previsão legal (repetimos), para muitos, viola os

princípios da legalidade, do devido processo legal, da individualização da pena, da presunção

de inocência e da ampla defesa.

O STJ acolheu essa tese crítica e a vedou expressamente:

Súmula nº 438 STJ "É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão

punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte

do processo penal".

2- Tema: Crime de violação de direitos autorais - Não aplicação do princípio da adequação

social

STJ- AgRg no REsp 1772368/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em

04/12/2018, DJe 7/12/2018

PENAL. PROCESSUAL PENAL. EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO

ESPECIAL. VIOLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS

CONSTITUCIONAIS. VIA INADEQUADA.INCOMPETÊNCIA DO STJ. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO.

PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL E DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. SÚMULA

502/STJ. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA DELITIVA (ART. 184, CAPUT, DO CP).

REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA.

I - Não se insere no rol da competência do Superior Tribunal de Justiça a análise de

malferimento a dispositivos constitucionais, porquanto se trata de matéria afeta ao âmbito

de cognição do Supremo Tribunal Federal (art. 102, inciso III, alíneas a, da Constituição da

República).

II - O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n 1.193.196/MG, sob relatoria da

em Ministra Maria Thereza de Assis Moura, submetido à sistemática dos recursos repetitivos

(art. 543-C, do Código de Processo Civil de 1973), consolidou o entendimento no sentido de

se considerar típica, formal e materialmente, a conduta prevista no artigo 184, § 2º, do

Código Penal, afastando, assim, a aplicação do princípio da adequação social, de quem expõe

à venda CD'S E DVD'S "piratas". No mesmo sentido foi editado o enunciado n.502 da Súmula

desta Corte, que estabelece, verbis: "Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica,

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em relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a conduta de expor à venda CDs e DVDs

"piratas"".

III - "Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, 'a simples transcrição de

ementas e de trechos de julgados não tem o condão de caracterizar o cotejo analítico, uma

vez que requer a demonstração das circunstâncias identificadoras da divergência entre o

caso confrontado e o aresto paradigma, ainda quando se trate de dissídio notório" (REsp n.

1.691.118/MG, Segunda turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 11/10/2017).

IV - A pretensão do ora recorrente, no sentido de se desclassificar a sua conduta, para a

prevista no art. 184, caput, do Código Penal, como ressaltado no decisum reprochado,

demanda o revolvimento do acervo fático-probatório delineado nos autos, providência,

enfatize-se, incabível na via eleita, a teor do que dispõe a Súmula n. 7/STJ. Decisão mantida.

Agravo regimental desprovido.

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

A tese de que o crime de violação de direitos autorais, por meio da venda de CDs e DVDs

“piratas” violam o princípio da adequação social vem sendo, copiosamente, rechaçada pelos

Tribunais Superiores, o que justifica este estudo.

O STF indeferiu habeas corpus em que a Defensoria Pública do Estado de São Paulo requeria,

com base no princípio da adequação social, a declaração de atipicidade da conduta imputada

a condenado como incurso nas penas do art. 184, § 2º, do CP. Sustentava-se que a referida

conduta seria socialmente adequada, haja vista que a coletividade não recriminaria o

vendedor de CDs e DVDs reproduzidos sem a autorização do titular do direito autoral, mas,

ao contrário, estimularia a sua prática em virtude dos altos preços desses produtos,

insuscetíveis de serem adquiridos por grande parte da população. De acordo com o

Supremo, o fato de a sociedade tolerar a prática do delito em questão não implicaria dizer

que o comportamento do paciente poderia ser considerado lícito. Salientou-se, ademais, que

a violação de direito autoral e a comercialização de produtos “piratas” sempre foram objeto

de fiscalização e repressão.

Afirmou-se que a conduta descrita nos autos causaria enormes prejuízos ao Fisco pela burla

do pagamento de impostos, à indústria fonográfica e aos comerciantes regularmente

estabelecidos (HC 115.986/ES, rel. Min. Luiz Fux, DJe 16/8/2013).

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No mesmo sentido temos decisões no STJ: HC 233.382/SP, rel. Min. Og Fernandes,

DJe 20/03/2013, que, aliás, sumulou a orientação (Súmula 502: Presentes a materialidade e

a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a conduta

de expor à venda CDs e DVDs piratas).

Quanto à forma de prova do crime, o STJ sumulou o entendimento de que se dispensa a

realização de perícia sobre todo o material apreendido, bastando que seja feita por

amostragem. E não é necessário que se identifiquem os titulares dos direitos autorais

violados (súmula nº 574).

O tipo em questão admite a elaboração do Acordo de Não Persecução Penal, que pode ser

avaliado pelos colegas em cada caso concreto

(http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Resolucoes/Resolu%C3%A7%C3%A3o-181.pdf).

Confira o modelo proposto (Clique aqui).