canções de inocência e de experiência - blake.pdf

Upload: pedro-henrique-grassi

Post on 04-Apr-2018

224 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    1/56

    William Blake

    Canes da Inocnciae da Experincia

    (2 edio revista e atualizada)

    Traduo deRenato Suttana

    O Arquivo de Renato Suttanahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    2011

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    2/56

    1 edio: 20052 edio: 2011

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    3/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    3

    SUMRIO

    CANES DA INOCNCIA ................................................................ 5INTRODUO .......................................................................................... 6O PASTOR ................................................................................................ 7O ECOANTE VERDOR .............................................................................. 8

    O CORDEIRO ........................................................................................... 9O MENININHO NEGRO ........................................................................... 10O AMOR-PERFEITO ................................................................................ 11O LIMPADOR DE CHAMINS ................................................................. 12O MENININHO PERDIDO ........................................................................ 13O MENININHO ENCONTRADO ................................................................ 14CANO SORRIDENTE .......................................................................... 15UMA CANO PARA BERO .................................................................. 16A IMAGEM DIVINA ................................................................................. 17QUINTA-FEIRA SANTA ........................................................................... 18NOITE .................................................................................................... 19PRIMAVERA ........................................................................................... 21CANO DA AMA ................................................................................... 22INFANTE ALEGRIA ................................................................................. 23UM SONHO ............................................................................................ 24SOBRE A MGOA ALHEIA ...................................................................... 25

    CANES DA EXPERINCIA .......................................................... 26INTRODUO ........................................................................................ 27A RESPOSTA DA TERRA ......................................................................... 28O TORRO E O SEIXO ........................................................................... 29QUINTA-FEIRA SANTA ........................................................................... 30A MENININHA PERDIDA ......................................................................... 31A MENININHA ENCONTRADA ................................................................. 33O LIMPADOR DE CHAMINS ................................................................. 35CANO DA AMA ................................................................................... 36A ROSA DOENTE ................................................................................... 37O MOSQUITO ......................................................................................... 38O ANJO .................................................................................................. 39O TIGRE ................................................................................................. 40MINHA BELA ROSEIRA .......................................................................... 41AH, GIRASSOL ....................................................................................... 42O LRIO .................................................................................................. 43O JARDIM DO AMOR ............................................................................. 44O PEQUENO VAGABUNDO ..................................................................... 45LONDRES ............................................................................................... 46A ESSNCIA HUMANA ........................................................................... 47MGOA INFANTIL .................................................................................. 48UMA RVORE DE VENENO .................................................................... 49UM MENININHO PERDIDO ..................................................................... 50

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    4/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    4

    UMA MENININHA PERDIDA ................................................................... 51A IMAGEM DIVINA ................................................................................. 52UMA CANO PARA BERO .................................................................. 53O ESCOLAR ........................................................................................... 54PARA TIRZAH ......................................................................................... 55A VOZ DO BARDO ANTIGO .................................................................... 56

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    5/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    5

    CANES DA INOCNCIA

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    6/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    6

    INTRODUO

    A tocar minha flautinhaPelo vale viridenteVi nas nuvens uma criana.

    Disse-me ela, sorridente:

    Toque a cano do Cordeiro!E eu toquei com alegria.Flautista, toque outra vezE chorou, enquanto ouvia.

    Deixe a flauta, a alegre flauta,Cante canes de alegria.Toquei o mesmo outra vezE o vi chorar quando ouvia.

    Flautista, sente-se e escrevaNum livro, que o mundo leiaE ento desapareceuE um canio eu apanhei

    E fiz dele a minha pena,E turvei as guas mansas,E escrevi canes felizes,Para alegrar as crianas.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    7/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    7

    O PASTOR

    Que doce a doce lida do Pastor,Da madrugada noite ele vagueia:Seus carneiros no campo pastoreia,

    E a sua voz cheia de louvor.

    Porque ele ouve o balido do cordeiroE o replicar da ovelha, e atentamenteVigia enquanto pastam calmamente,Pois sabem que est perto o Pegureiro.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    8/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    8

    O ECOANTE VERDOR

    O Sol que no cu desponteD alegria ao horizonte;O sino canta a cano

    Da florescente estao;Canta o tordo e a cotovia,E a ave da mata bravia,Ao retumbante clamorDos sinos, por sobre os campos;Enquanto, jovens, brincamosPelo Ecoante Verdor.

    O velho Joo, j grisalho,Esquece faina e trabalho;Senta-se entre a velha gente

    sombra, no dia quente.Ao verem nosso folgarSe pem a comentar:O mesmo alegre fervor,E equivalente alegriaEm nossa infncia se viaPelo Ecoante Verdor.

    At que, exaustos os novos,No podendo mais com os jogos,No ocidente o sol declina,

    E nosso folgar termina.Em torno ao colo das mes,Diversos irmos e irms,Como as aves ao calorDos ninhos, vo repousar;E no se v mais folgarNo anoitecido Verdor.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    9/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    9

    O CORDEIRO

    Cordeirinho, quem te fez?Tu conheces quem te fez?Deu-te vida e alimentou-te.

    Sobre o prado e junto fonte;Cobriu-te com veste puraDe l branca que fulgura;Deu-te a voz meiga e to finaPara alegrar a campina:Cordeirinho, quem te fez?Tu conheces quem te fez?

    Cordeirinho, eu te direi,Cordeirinho, eu te direi;Por teu nome ele chamado,

    Pois assim se tem nomeado:Ele meigo e pequenino,E um dia se fez menino:Cordeiro tu e menino eu,Nos une um nome que Seu.Cordeirinho, Deus te guarde,Cordeirinho, Deus te guarde.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    10/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    10

    O MENININHO NEGRO

    Minha me me gerou l numa austral devesa,E sou negro, masoh!sei que minha alma clara.Clarinha como um anjo uma criana inglesa:

    Mas negro sou, como se a luz no me tocara.

    sombra de um baob minha me me educouE sentada comigo ante o calor do dia.Tomou-me certa vez ao colo e me beijou,E indicando o nascente eis o que me dizia.

    Olha o nascer do sol: l Deus tem sua casaDe l nos manda a luz e envia Seu calor,Que a rvore e a flor e a fera e o homem tudo abrasaConfortando a manh alegrando o sol-pr.

    Nosso tempo na terra s uma curta estada.Para aprender a suportar o amor radioso.E este corpo to negro e esta face queimada uma nuvem somente, e um bosque penumbroso.

    Quando tiver nossa alma esse ensino aprendidoA nuvem se esvair e uma voz h de soar.Dizendo: o bosque abandonai gado querido.E vinde em torno Minha tenda festejar.

    Minha me disse assim e me beijou a face.E ao menininho ingls assim tambm falei.Que quando a nuvem negra e a nuvem branca passe,E em torno tenda se ajuntar a Sua grei,

    Vou guard-lo do sol que ele h de suportarQuando feliz ao p de nosso pai se ajoelhe.Quero ao seu lado as alvas mechas lhe afagar,E ele ento me amar e eu serei como ele.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    11/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    11

    O AMOR-PERFEITO

    Feliz Pardalzinho,Entre as folhas verdesUm Amor-perfeito

    Te v rapidinhoEncontrar teu ninhoJunto ao meu peito.

    Gentil Corrura,Entre as folhas verdesUm Amor-perfeitoOuve o teu suspiro,Gentil Corrura,Junto ao meu peito.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    12/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    12

    O LIMPADOR DE CHAMINS

    Eu era bem novo e minha me morria,E meu pai vendeu-me quando eu mal sabiaBalbuciar, chorando limpa-dor dor dor dor,

    Assim sujo e escuro sou o limpador.

    Aquele Tom Dracre, que chorou na vezEm que lhe rasparam a cabea: VsConsolei-oTom que bom no ter cabelo,Pois assim fuligem no te suja o plo.

    Assim se acalmou. E numa noite escuraTom dormindo teve esta viso futura,Que mil limpadores Joss Chicos JoesForam confinados em negros caixes.

    E ento veio um Anjo com uma chave brancaE os tirou do escuro destravando a tranca.E ento entre risos ao campo saramE entraram num rio e ao Sol reluziram.

    Sem sacos s costas, despida a camisaVoaram nas nuvens, brincaram na brisa;Disse o Anjo a Tom que, se fosse bonzinho,Deus feliz tomava-o como seu filhinho.

    E Tom despertando foi na escuridoApanhar seu saco mais seu esfrego,E saiu alegre na manh gelada.Quem seu dever cumpre no receia nada.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    13/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    13

    O MENININHO PERDIDO

    Papai, papai, onde ests indoNo posso assim correr.Fala, papai, ao teu filhinho,

    Ou hei de me perder,

    No havia pai na noite escuraE a criana se ensopavaDe orvalho, lama e pranto, e ao longeUma nvoa exalava.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    14/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    14

    O MENININHO ENCONTRADO

    Perdido o menininho no atoleiro,Guiado por brilho obscuro,Ps-se a chorar, mas Deus, sempre presente,

    Surgiu como seu pai de branco e puro.

    Beijou a criana e pela mo levou-a me, que suspirava,Que plida de mgoa em todo o valeChorando a procurava.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    15/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    15

    CANO SORRIDENTE

    Quando se ouve da mata o gargalhar felizE a doce correnteza uma risada fluida,E o ar se ri tambm com o nosso bom humor,

    E o verde outeiro ri ecoando tal rumor.

    Quando a campina ri verdejante e contenteE o gafanhoto ri ao ver a alegre cena.E ri Maria e ri Susana e Emlia ri,Com boca bem redonda a cantar ah, ah, ih.

    Quando riem na sombra as aves coloridasE a nossa mesa est recoberta de frutosVinde alegrar-vos e viver, sentai aqui,Cantai comigo o doce coro do ah, ah, ih.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    16/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    16

    UMA CANO PARA BERO

    Vinde, vinde, doces sonhos,O meu pequeno embalar;Doces sonhos de risonhos,

    Silentes raios de luar.

    Com a fronte vem lhe tecerUma coroa, Anjo meigo,Doce, doce adormecer,Para o seu sono e sossego.

    Guardai-o, sorrisos ternos,Que ele meu gozo sem par;Doces sorrisos maternos,A noite inteira a velar.

    Doces queixas de pombinhosNo o venhais perturbar;Doces queixas, sorrisinhos,Fazei as queixas cessar.

    Dorme, dorme, meu pequeno,Toda a criao dormiu;Dorme, dorme, bem sereno,Tua me vela por ti.

    Em teu rosto, pequenino,Sagrada imagem se v;Quem te criou foi menino,Chorou por mim, meu beb,

    Por todos, por mim, por ti,Quando se fez num infante;E hoje do cu te sorri,Em tudo v Seu semblante.

    Por todos, por mim, por ti

    que ele d o riso Seu:Como criana sorri,A velar por terra e cu.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    17/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    17

    A IMAGEM DIVINA

    Por Clemncia, Piedade, Paz e AmorTodos rezamos na aflio;E para tais virtudes deliciosas

    Se volta a nossa gratido.

    Pois Clemncia, Piedade, Paz e Amor Deus, nosso pai adorado;E Clemncia, Piedade, Paz e AmorO Homem, Seu filho e Seu cuidado.

    Pois a Clemncia tem um peito humano,E o Amor forma humana celeste,E um rosto humano tem a Piedade,E a Paz exibe humana veste.

    Assim todo homem, pelo mundo afora,Que reza em sua humana dor,Pede s divina forma humanaClemncia, Paz, Piedade, Amor.

    E amar a forma humana devem todos,Sejam pagos, turcos, judeus;Onde habitam Clemncia, Amor, Piedade,Ali tambm habita Deus.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    18/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    18

    QUINTA-FEIRA SANTA

    Foi numa Quinta-feira Santa, iam com as faces bem lavadas,Duas a duas, as crianas, em roupas de cores variadas;Mos brancas e brancos cabelos, frente os bedis caminhavam;

    E, entrando a abbada de Paulo, como a gua do Tmisa escoavam.

    Que grande multido somava de Londres essa florao!Em companhias assentadas, com brilho prprio e irradiao.Rumor de multido l havia, porm multido de ovelhinhas,Mil meninos e mil meninas a erguer inocentes mozinhas.

    Agora, como um vento forte, sobem ao Cu suas canes,Como entre os bancos celestiais o som de harmnicos troves.Sbios guardies dos pobres, foram entre eles os velhos sentar.S pois piedoso e no expulses um anjo de teu limiar.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    19/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    19

    NOITE

    O sol j se deitou para o poente,E a estrela vespertina se acendeu;Cada ave no seu ninho est silente,

    Porm ainda procuro pelo meu.A luaflor descerradaDo cu na alta latadaCom silencioso prazerSenta-se, rindo para o anoitecer.

    Verde campina, alegre bosque, adeus,Onde pastaram com deleite os gados;E onde agora os anjinhos movem seusSilenciosos ps iluminados.Invisveis, eles vm

    Para abenoar tambmOs brotos e as floraesE mais os adormidos coraes.

    Em cada quieto ninho vo olharAs aves que, aquecidas, l dormitam,E depois nas cavernas vo cuidarTambm das rudes feras que as habitam.Se descobrem algum pranto,Trazem depressa acalanto,E do sono a quem chorar,

    cabeceira pondo-se a velar.

    E quando o tigre e o lobo esto caando,Eles choram de pena e de tristeza,Das brancas ovelhinhas afastandoOs que delas fizerem sua presa.Se estes atacam sem rogo,Prestes, os anjos vm logoAs ternas almas levar,Para novos mundos herdar.

    E ento os rubros olhos do leo,Puras lgrimas de ouro ho de verter;E, tendo por quem chora compaixo,Enquanto as furnas corre, ir dizer:O dio, por Sua clemncia;Por Sua sade, a doenaDestes dias imortaisForam banidos para nunca mais.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    20/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    20

    E agora posso, cordeiro, ao teu ladoMe deitar e contigo adormecer;Pensando em Quem por teu nome chamado,E, chorando, ao teu lado ento pascer.

    Minha flava juba, abludaNo eterno rio da vida,Sempre h de luzir mais pura,Enquanto monto guarda furna escura.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    21/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    21

    PRIMAVERA

    Toque a Flauta,Que faz falta;Cotovia

    Noite e Dia;RouxinolNo arrebol;Ave a voar,E a cantar,

    Para saudar alegre, alegremente o Ano.

    MenininhoAlegrinho;MenininhaTo meiguinha;

    Canta o Galo,Imit-lo;Linda vozTendes vs

    Para saudar alegre, alegremente o Ano.

    Vem, Cordeiro,Bem ligeiro;Lambe entoMinha mo;Branco Pelo,

    Quero v-lo;Dou um beijoNo teu queixo:

    Para saudar alegre, alegremente o Ano.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    22/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    22

    CANO DA AMA

    Quando se ouvem nas campinas os risos dos pequeninosE suas vozes tambm,Meu corao satisfeito se aquieta dentro do peito,

    E tudo o mais est bem.

    Ento a casa tornai, crianas, que o sol descai,E o orvalho da noite desce;Deixai os jogos por ora, e vamos todos embora,At que a manh regresse.

    No, no, deixa-nos brincar, pois ainda h sol a brilhar,E no podemos dormir;E os cus azuis se povoam dos passarinhos que voam,E ouve-se a ovelha balir.

    Bem, ide ao campo e brincai, enquanto a luz no se vai,E aps correi para a cama.E os pequeninos saltaram, e sorriram, e gritaram,Fazendo ecoar a montanha.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    23/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    23

    INFANTE ALEGRIA

    No tenho nome:S de dois dias sou.Como te chamarei?

    Sou s feliz,Alegria meu nome.Que sejas bem feliz!

    Meiga Alegria!Doce, e s de dois dias.Doce Alegria chamo-te.Enquanto ris,Entoo um canto;Que sejas bem feliz!

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    24/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    24

    UM SONHO

    Um dia um sonho se teceuEm torno ao leito em que eu dormia:Que uma formiga se perdeu

    Num vasto campo onde eu me via.

    Confusa, incerta, abandonada,E sem saber por onde andarNaquela selva desgrenhada,Com muita pena, ouo-a falar:

    meus filhinhos! choram tanto?No ouvem suspirar seu pai?Buscam em volta, com espanto:Voltai, pois, e por mim chorai.

    Chorei tambm, de pena pura;Mas veio um vaga-lume entoE disse: Que erma criaturaConvoca da noite o guardio?

    Minha misso lanar brilho,Enquanto faz ronda o besouro:Segue portanto o seu sussurro;Retorna ao lar, triste andarilho.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    25/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    25

    SOBRE A MGOA ALHEIA

    Posso ver chorar algumE triste no estar tambm?Posso ver o outro sofrer

    E um consolo no trazer?

    Posso ver correr o prantoE no chorar o meu tanto?Pode um pai ver seu rebentoChorar, sem sofrer tormento?

    Pode a me sentar-se e ouvirDe medo um filho vagir?No, no pode ser assim,Nunca, nunca ser assim!

    Pode Quem a tudo riraOuvir gemer a corrura,Ouvir gemer a avezinhaOu o infante que definha,

    Sem recobrir a ninhadaDe uma piedade inflamada;Sem junto ao bero sentar-seE todo em pranto inflamar-se;

    Sem se sentar noite e dia,Secando nossa agonia?Oh, no pode ser assim!Nunca, nunca ser assim!

    Ele, que a alegria traz,Que infante tambm se faz;Que se torna homem de dor,Que sente nosso amargor.

    No h suspiro que ds

    Sem que o veja Quem te fez;No h pranto derramadoSem que Ele esteja ao teu lado.

    Oh! Que Ele d sua alegriaE destri nossa agonia.;At que a dor v embora,Fica ao nosso lado e chora.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    26/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    26

    CANES DA EXPERINCIA

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    27/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    27

    INTRODUO

    Escutai a voz do Bardo!Que v Presente e Passado,E o Futuro, e que escutou

    O antigo Verbo SagradoQuando entre as velhas rvores andou,

    Chamando em pranto a extraviadaAlma, na noite rociada;Que tinha controle sobreO streo cu que nos cobreE renovara a luz j degradada!

    Terra, Terra, retorna!Levanta da relva e torna,

    Que a noite fria definhaE a clara alvorada, morna,Por sobre as negras massas se adivinha.

    No fujas, no fujas mais;Se foges, para onde vais?O firmamento que se abreE os midos litoraisHo de ser teus at que a noite acabe.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    28/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    28

    A RESPOSTA DA TERRA

    A Terra ergueu a cabeaDa escurido funda e espessa.Em ptreo pavor, profundo,

    Sua luz era dispersa.Branqueou-lhe a fronte um desespero fundo.

    Por litorais resguardadaE pelos cus vigiada,Que me encanecem, consomem,Ouo, j velha e cansada,Chorando, a voz do Pai do antigo Homem!

    Pai dos homens, ciumento! temor cruel e rude!

    Pode o deleite gerarAs virgens da juventudeE da aurora, se a noite o acorrentar?

    No ri a flrea estaoAo ver a flor e o boto?Acaso o semeadorSemeia na escuridoE ara na noite negra o lavrador?

    Quebra a corrente fatal

    Que me regela, ancestral.Egosta e v, peonhenta!Qual maldio eternalQue servido o Amor Livre acorrenta.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    29/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    29

    O TORRO E O SEIXO

    O Amor no se devota ao gozo do EuNem pela prpria causa denodado,Mas por outrem desdobra o seu cuidado

    E aos despeitos do Inferno traz um Cu.

    Assim cantava um pequeno TorroPisado pelo gado com desleixo;Mas, em meio corrente, ouviu-se um SeixoModular estes metros de cano:

    O amor s quer o gozo do Eu eternoE em agrilhoar os outros se compraz;De outrem vem destruir repouso e paz,E a despeito do Cu traz um Inferno.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    30/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    30

    QUINTA-FEIRA SANTA

    coisa santa de verEm rico e frtil torroBebs de fome morrer,

    Tratados com dura mo?

    uma cano tal lamento?Pode ser de gentileza?Tanta criana ao relento? uma terra de pobreza!

    E o seu sol bem fraquinho,E o seu campo nada d,E h espinhos nos seus caminhos:E eterno inverno por l.

    Pois onde quer que o sol brilhe,Onde quer que a chuva jorre,H sempre algum que partilhe,Nem de pobreza se morre.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    31/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    31

    A MENININHA PERDIDA

    Qual numa profeciaMinha voz anuncia:Que a terra, hoje suspensa

    (Gravai esta sentena)

    No sono, h de acordarE seu Criador buscar;E a rdua charneca mVerde jardim ser.

    L pelo sul ardenteOnde o vero quenteE nunca arrefeceu,Meiga Lyca nasceu.

    Sete veres apenasContava tal pequena.Longe vagueara e ouviraDos pssaros a lira.

    Sob esta rvore imensaVenha o sono e me vena.Meu pai, mame, pranteia?Onde que dormirei?

    No deserto que cansaSe perdeu a criana.Pode Lyca dormirvendo sua me carpir?

    Se o corao lhe aperte,Que Lyca ento desperte;Se minha me dormir,No irei mais carpir.

    noite taciturna,

    Sobre a clareza diurna,Faze a lua surgir,E eu possa ento dormir.

    E Lyca adormecera,Enquanto as rudes ferasDas cavernas de em tornoEspreitaram seu sono.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    32/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    32

    Altivo, o leo surgiuE a doce virgem viu,E cabriolava, entanto,Naquele solo santo.

    Tigres, leopardos voBrincando; enquanto o leo,Ao redor da que dorme,Baixou a juba enorme

    E lambeu o seu peitoE o pescoo perfeito,Com os olhos rutilantesDe lgrimas flamantes;

    E eis que a leoa veioE lhe despiu o seio;E, nua, a conduzirams furnas de onde vieram.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    33/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    33

    A MENININHA ENCONTRADA

    Por toda a noite erraramOs pais de Lyca e andaramDos vales cada canto

    E os desertos em pranto.

    Cansados e exauridosPor gritos e gemidos,Correram sete diasAs mais remotas vias.

    Sete dias dormiramEntre as sombras e a viram,Num sonho, definharNum deserto lugar.

    Plida, entre as quebradasVaga a imagem sonhada,Faminta, triste, exaustaDe mgoa e espera infausta.

    Indormida, a mulherNo se podia erguerSobre os ps, e se viaQue no mais andaria.

    Nos braos a tomavaO homem, que a dor armava:At que sua frenteSurge um leo de repente.

    Voltar seria embalde:Logo, com a juba jalde,Ao cho ele os lanouE ao lado se postou,

    A farejar a presa;

    Seu pranto se represaVendo eles que o leoLambia suas mos.

    No assombro que os sustmViram seus olhos bemE que o pelame louroGuardava uma alma de ouro.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    34/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    34

    Sobre a fronte se viaUma coroa, e desciaA juba pelos ombros;Arrefeceu-se o assombro.

    Segui-me, disse o rei;Por ela no choreis;Em meu palcio enormeVossa filhinha dorme.

    E acompanhando voOs passos da visoAt que a descobriramEntre as feras dormindo.

    Desde ento tm vividoNum lugar esquecido;Sem medo ao lobo bravoE ao leo de urro cavo.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    35/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    35

    O LIMPADOR DE CHAMINS

    Uma coisa negra sobre a neve claraGrita: Limpa-dor!, com acentos de dor!Onde esto teus pais?, algum lhe perguntara.

    Foram para a Igreja cantar seu louvor.

    Porque eu era alegre, porque eu era forteE sorria sobre neves de alva cor,Me vestiram estes vestidos de morte,Me ensinaram cantos e notas de dor.

    E porque me alegro, porque dano e canto,Supem que disso no me vem injria.Vo louvar a Deus, mais ao Vigrio, e ao Rei,Que fazem um cu com a nossa penria.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    36/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    36

    CANO DA AMA

    Quando se ouvem nas campinas as vozes dos pequeninos,E na distncia o vale chora,Os dias de juventude em minha mente ressurgem,

    E meu rosto se descolora.

    Ento a casa tornai, crianas, que o sol descai,E o orvalho desce j do cu;Vosso dia e primavera passais entre brincadeiras,E a noite e o inverno sob um vu.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    37/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    37

    A ROSA DOENTE

    Rosa, ests doente!O verme invisvelQue voa, inclemente,

    Na noite terrvel

    Encontrou teu leitoDe rseo prazer:Seu amor secretoDestri teu viver.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    38/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    38

    O MOSQUITO

    Mosquitinho,Tua alegriaMeu dedo incauto

    Varreu do dia.

    No sou euTo leve assim?Ou no s homemIgual a mim?

    Pois que dano,E bebo, e entoo,At que um dedoVarra meu voo.

    Se o pensamentoPe vivo e forteA quem sem eleS tem a morte;

    Ento felizMosquito sou:Se estou vivo,Se morto estou.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    39/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    39

    O ANJO

    Tive um sonho! No sei que quer dizer.Que nele eu era a virginal Rainha,E um Anjo meigo vinha me entreter,

    Sem me entreter da oculta dor que eu tinha.

    E meu pranto manava noite e dia,E ele vinha secar meu choro quente;E dia e noite meu pranto corria,E dele eu ocultava meu deleite.

    Ento, alando as asas, foi-se embora,E o amanhecer chegou, rosado e ledo;Sequei o pranto, e fiz uma armadura,Dando escudos e lanas ao meu medo.

    Logo ele retornou, mas foi em vo;Eu j me armara, quando ressurgiu;Da juventude fora-se a estao,E de cs minha fronte se cobriu.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    40/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    40

    O TIGRE

    Tigre! Tigre! claro ferozNas florestas da noite atroz,Que mo, que olho imortal teria

    Forjado a tua simetria?

    Em que funduras, em que cusO fogo ardeu dos olhos teus?Com que asa ousou ele aspirar?Que mo ousou o fogo atear?

    Que ombro, que arte deu tal toros fibras do teu corao?E, o teu corao j batendo,Que horrenda mo? que p horrendo?

    E qual martelo? E qual corrente?Em que forja esteve tua mente?Qual bigorna? Que ousado aterSeus terrores ousou conter?

    Quando os astros se desarmaramE o cu de lgrimas rociaram,Riu-se ao ver sua obra talvez?Fez o Cordeiro quem te fez?

    Tigre! Tigre! claro ferozNas florestas da noite atroz,Que mo, que olho imortal teriaForjado a tua simetria?

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    41/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    41

    MINHA BELA ROSEIRA

    Uma flor me foi ofertadaQue maio jamais viu to bela;Eu disse: J tenho Roseira

    E assim desdenhei receb-la.

    De minha Roseira to belaCuidei, dia e noite, zeloso;Porm minha Rosa deixou-me:Seus espinhos foram meu gozo.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    42/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    42

    AH, GIRASSOL

    Ah, Girassol, que o tempo exaure!Que medes do sol a passada;E buscas aquele ureo clima

    Que o rumo de nossa jornada:

    L onde a ardente JuventudeE a Virgem que em neve se vesteDo tmulo se erguem e aspiramAo rumo que s tu soubeste.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    43/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    43

    O LRIO

    A Rosa frgil tem o espinho por defesa,A humilde Ovelha exibe o chifre ameaador;Porm ao branco Lrio suficiente o Amor

    No h espinho ou ameaa a turvar-lhe a beleza.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    44/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    44

    O JARDIM DO AMOR

    Um dia entrei no Jardim do AmorE vi l dentro o que nunca vi:Uma Capela fora erigida

    Em meio ao verde que conheci.

    Dessa Capela os portes fechados,Com Tu no deves gravado entrada,Voltei-me para o Jardim do Amor,Buscando alguma flor l plantada;

    E pude ver em lugar de floresLousas e tmulos numerosos;E Padres de negro faziam a ronda,Atando entre cardos meu querer e gozo.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    45/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    45

    O PEQUENO VAGABUNDO

    Mame, Mame, eis que a Igreja to fria,E bem mais quentinho na Cervejaria;Tu sabes que a isso j me acostumei,

    Embora tal uso no seja de lei.

    Mas se fogo e assento nos dessem na IgrejaE a beber um gole da boa Cerveja,Era canto e reza todo santo dia,Ee ningum da Igreja se escafederia.

    E o Pastor pregava, bebendo e cantando,E todos alegres, quais aves em bando;E dona Abandono, que a igreja no deixaNo teria filhos, nem jejum, nem queixa.

    E Deus, como um pai, bem contente vendoSeus filhos como Ele no prazer vivendo,No teria brigas com o Diabo e a Barrica,Mas lhe dava um beijo, um trago e roupa rica.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    46/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    46

    LONDRES

    Nas ruas por que passo, escrituradas,Onde o Tmisa corre, escriturado,Vou reparando as faces maceradas,

    Que a aflio e a molstia tm marcado.

    Em cada grito de Homem ou no gritoDo Infante que de medo se lamente,Em cada voz ou em cada interdito,Ouo os grilhes forjados pela mente.

    Se grita o Limpador de chamins,Se assusta cada Igreja em seus escuros;Quando suspira o Soldado, infeliz,O sangue tinge do Palcio os muros.

    Mas o que meia-noite escuto mais a meretriz lanar praga funesta,Que do Recm-Nascido estanca os aisE os funerais do Casamento empesta.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    47/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    47

    A ESSNCIA HUMANA

    No era necessrio haver Piedade,Se a Pobreza no fosse cultivada;E se houvesse geral felicidade,

    A Clemncia seria aposentada.

    A paz somente advm do mtuo medo,Enquanto o amor egosta dominado;E ento a Crueldade trama o enredoE lana suas iscas com cuidado.

    Entre temores santos, senta e chora,De lgrimas regando a terra inteira;E a raiz da Humildade se elaboraDebaixo de seus ps, em meio poeira.

    Em torno sua fronte uma penumbraDe Mistrio comea a se espalhar;E a Lagarta e o Mosquito se deslumbram,E do Mistrio vm se alimentar.

    E ento produz do Engodo a grande fruta,Bem doce ao paladar e bem rosada;E o Corvo ali constri sua casa, ocultaEm meio sombra mais fechada.

    Quando os Deuses de terra e mar buscaramTtal rvore por toda a Natureza,Foi em vo que por ela procuraram:Na Mente do Homem uma se enraza.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    48/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    48

    MGOA INFANTIL

    Minha me lamentou, chorou meu paiQuando saltei no mundo cheio de ais;Berrando, inerme, plido e despido,

    Como um elfo entre as nuvens escondido.

    Lutando contra as mos que me amparavam,Forcejando entre os cueiros que me atavam,Enleado e exausto, considerei bemE no seio afundei de minha me.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    49/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    49

    UMA RVORE DE VENENO

    Tive dio ao meu amigo:Disse-lhe, e o dio findou.Tive dio ao meu inimigo:

    No lhe disse, e o dio aumentou.

    Dia e noite lhe dei a gua,Do medo e de minha mgoa;Dei-lhe o sol do riso claro,Que s do engodo o anteparo.

    E a rvore cresceu noite e dia,E produziu grande pera;Meu inimigo, que a via,Soube de quem ela era;

    E entrou pelo meu pomarNa hora em que o dia se vela;E na aurora o fui acharBem estirado sob ela.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    50/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    50

    UM MENININHO PERDIDO

    No amamos ningum mais que a ns mesmos,Nem temos por ningum mais devoo,Nem parece possvel ao Pensar

    De um pensar superior ter a intuio.

    Como, meu Pai, te posso amar, ou comoTer pelos meus irmos a alma inflamada?Amo-te apenas como uma avezinhaQue vem bicar farelos na calada.

    Sentou-se o Padre ao lado, ouvindo a criana,E, trmulo, afagou o seu cabelo.Conduziu-a, suspensa pela manga;E muito se admirou to sacro Zelo.

    De p junto ao altar, disse ele assim:Meu Deus! com que demnio aqui deparo;Algum que em pensamento quer julgarNosso Mistrio mais sagrado e raro.

    No se ouviu a criana que chorava,Seus pais a prantearam mas em vo;Despiram-na de sua camisinhaE a prenderam com os ferros de um grilho;

    E a queimaram naquele local santoOnde tantos outrora pereceram:Seus pais a prantearam mas em vo.Tais coisas em Albion que ocorreram?

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    51/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    51

    UMA MENININHA PERDIDA

    crianas do futuro!Lendo o que vos vou contar,Sabei que um dia o Amor puro

    Por crime se ousou tomar!

    Numa Idade de Ouro, quandoO inverno era morno e brando,Qualquer jovem e donzela,Banhavam-se nus naquelaSagrada luz do sol que nada vela.

    Um dia um jovem casal,Cheio de amor fraternal,Num claro jardim se achou

    De que a luz santa afastouAs cortinas que a noite entrecerrou.

    Ali, no dia chegado,Brincaram sobre o gramado;Nenhum pai por perto estava,Estranho algum l chegava,E a donzela seus medos olvidava.

    Cansados de doces beijosManifestam seus desejos

    De encontrar-se quando o fundoSono paire sobre o mundoE, exausto e s, pranteie o vagabundo.

    Ao encanecido paiA clara donzela vai;Mas dele o olhar de ternuraComo a sagrada escrituraFez tremer de terror sua ossatura.

    Ona! plida e tremente!

    Fala ao teu pai: Oh, que ingenteMmedo de ti se apropria!Oh, que inquietude sombriaDe minhas cs as razes arrepia!

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    52/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    52

    A IMAGEM DIVINA

    A Crueldade tem um peito humano,E o Terror forma humana tem celeste,E um rosto humano exibe a Desconfiana,

    E recobre o Segredo humana veste.

    A veste humana se forjou no ferro,A forma humana numa ardente forja,Selou o rosto humano uma fornalha,E o peito humano sua faminta gorja.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    53/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    53

    UMA CANO PARA BERO

    Dorme, meu belo fulgor,Sonhando gozos e amor;Dorme na noite, e em teus sonhos

    Chorem pesares tristonhos.

    Pequenino, em teu rostinhoDoces nsias adivinho,E alegrias, peraltagens,Mil pequenas traquinagens.

    Enquanto afago os teus braos,Da manh descubro traosEm teu sorriso, e em teu peitoTeu corao insuspeito.

    traquinagens que estoCrescendo em teu corao!Quando ele enfim despertar,Vir a luz com seu pesar.

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    54/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    54

    O ESCOLAR

    bom sair de manhzinha,Ouvindo as aves a cantarE ao longe a trombeta de caa

    E ver a cotovia no arQue cedo vem me acompanhar.

    Mas ir escola de manh,Como destri minha alegria;Sob um olhar cruel, aceso,Passam os novos todo o diaEm desgosto e melancolia.

    Passar s vezes longo tempoSentado, ouvindo, aborrecido,

    Indiferente sala de aulaE indiferente ao livro lidoE ao quadro-negro to comprido.

    Como h de uma ave que nasceuPara a alegria achar prazerNuma gaiola, ou uma criana,Baixando as asas, esquecerQue tempo s de florescer?

    pai, me, se for cortada

    Logo em boto a jovem florE a planta nova desbastadaDe seus brotos e seu vigorPelo desgosto e pela dor,

    Como h de o tpido veroTer no prazer o seu momento?Como na dor colher o frutoQue nos trouxe o florescimento,Quando chegar o inverno e o vento?

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    55/56

    William BlakeCanes da Inocncia e da Experinciahttp://www.arquivors.com/wblake1.pdf

    55

    PARA TIRZAH

    Tudo o que Provm de GeraoH de a escura Terra consumir,Para vir de novo e ressurgir:

    Que devo fazer contigo ento?

    Os Sexos, do Orgulho originadosE do Erro, perduram s um dia;Mas da Morte a Graa os alivia;Dores e fadigas so seus fardos.

    E tu, Me de minha Mortal sina,Que de maldade me fizeste o PeitoE s com lgrimas de despeitoMe trancaste Ouvido, Olho, Narina;

    Me selaste a Lngua em barro vo,Para Mortal Vida me entregar;Mas Jesus morto vem me livrar;Que devo fazer contigo ento?

  • 7/29/2019 Canes de Inocncia e de Experincia - Blake.pdf

    56/56

    56

    A VOZ DO BARDO ANTIGO

    Vinde, juvenil prazer,E vede a manh nascerComo um reflexo luzente

    Da verdade transparente.Fogem dvida e ciso,Disputa e os vus da razo. labirinto a loucuraQue entre brenhas se procura.Quantos tombaram por l!A noite toda a pisarPilhas de ossos, vo buscarO que na noite no est;E acham seus prprios cuidados.Querem os outros guiar,

    Quando deviam ser guiados.