calouro universitÁrio: seus estÁgios de … · particípio passado do verbo docere (ensinar ),...

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VICENTE FIDELES DE ÁVILA CALOURO UNIVERSITÁRIO: SEUS ESTÁGIOS DE UNIVERSIDADE SONHADA, INSTITUÍDA E EM CONSTRUÇÃO Elaboração para intenso uso universitário desde fevereiro de 1996 Redigitalização com alguns ajustes em agosto de 2008.

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VICENTE FIDELES DE ÁVILA

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Elaboração para intenso uso universitário desde fevereiro de 1996

Redigitalização com alguns ajustes em agosto de 2008.

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1 - O CALOURO NO ESTÁGIO HISTÓRICO DA UNIVERSIDADE SONHADA

Por vezes esse estágio começa antes mesmo de o calouro nascer. Ao

planejarem o advento dos filhos, e ainda com visão marcadamente romântica

da vida, os candidatos a futuros pais já costumam sonhar com algum doutor

em casa. Os ricos sonham com a certeza de que poderão dar as condições de

que o filho necessitar. Os pobres também devaneiam com a esperança de que

seu rebento seja agraciado pelas sorte e chance que a vida lhes privou.

Esse tipo de sonho não é coisa só de brasileiro. Sabe-se, por exemplo,

que o desejo dos jovens pais norte-americanos é o de ter o filho matriculado

na Universidade de Harvard. Alguns chegam a programar, desde a gravidez,

a poupança para viabilizar, no futuro, o lado financeiro desse sonho. Até os

filmes enlatados, que nos invadem em avalanche, têm aludido a essa questão

como assunto normal de família da classe remediada desse país.

No Brasil, hoje, o sonho se refere mais à categoria do diploma do que

a uma universidade em especial, visto que as preferências pelas renomadas

universidades públicas e privadas já se apresentam à mentalidade de massa

como espécie de direito adquirido por usocapião das elites profissionais e

econômicas. As classes que formam o nosso povão, no caso a média-baixa e

a baixa ou pobre, nutrem sonhos mais pragmáticos. O que importa, numa

perspectiva de lógica decrescente, é que o diploma seja de doutor médico,

doutor advogado, doutor dentista, doutor engenheiro, doutor farmacêutico,

doutor veterinário e assim por diante. A pragmaticidade de nossos jovens e

menos abastados pais é tão curiosa que chega a incluir concessões até no ato

de sonhar, ou seja: na impossibilidade de um diploma de doutor, obedecida

uma certa hierarquia de nobreza dos cursos, o diploma de nível ou curso

superior já basta.

Note-se que o termo superior, na expressão diploma de nível ou curso

superior, é a chave da questão pela sua essencial conotação de status, que

justifica inclusive tratamento especial a detentos diplomados (Código de

Processo Penal, art. 295, inciso VII), embora menos relevante que o diploma

de doutor. Este representa uma espécie de apólice de seguro do futuro

sucesso econômico-financeiro além de abranger, até com certa distinção, os

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status e privilégios consignados por hábito ou norma jurídica a qualquer

diploma de nível superior.

No entanto, o sonho, que se inicia com as características de puro

devaneio, começa logo a suscitar esperanças e a gerar compromissos

contaminadores principalmente da própria criança quando entra na fase

escolar. Em função disso passam a gravitar a escolha da escola -a partir da

quinta série do primeiro grau-, a aprovação em cada série -até o final do

segundo grau- e toda sorte de sacrifícios quer do adolescente quer de sua

família tanto para evitar reprovações quanto para a preparação do vestibular.

A neurose do vestibular se alastra por toda a família e se acelera à medida

que se apresentam as primeiras e reais oportunidades de tentativas.

Nesse período, o fim ou passar no vestibular justifica os meios.

Pressões, chantagens, gastos além do poder aquisitivo, aulas particulares,

cursinhos, reforços de toda ordem, desgastes emocionais e agitação de

trânsito tomam conta de todo o ambiente familiar, principalmente nas

famílias de classe média, em geral, que prestam assistência mais direta aos

filhos. De certo modo, todos os integrantes da família participam da

absolutamente envolvente tortura do vestibular.

Sobre essa questão, e mesmo que se altere um pouco a rota narrativa,

torna-se irresistível perguntar: não há como pelo menos minorar essa tortura?

-Há, sim, e sem acabar com o vestibular, vez que tal pretensão estaria

totalmente fora das perspectivas históricas tanto da sociedade quanto da

instituição universitária brasileira, ou seja, de um lado seria irracional

imaginar que toda a população do país quereria, poderia ou deveria passar

pelo patamar universitário e, de outro, a instituição universitária, como

qualquer outra, tem de se dimensionar de acordo com a velha lei

mercadológica da oferta versus demanda, ou vice-versa, e com os pré-

requisitos mínimos de conhecimentos, maturidade e habilidades básicas para

nela se ingressar e aí permanecer construtivo-produtivamente.

Isso significa que a seleção, sempre eliminatória por déficit de vagas

ou por deficiências de pré-requisitos dos vestibulandos, continuará, por

tempo indeterminado, inerente à história da universidade no Brasil e no

mundo. Mas há como diminuir, e muito, essa neurose torturante. Basta que

os atuais três ou quatro anos de escolaridade pós-Primeiro-Grau (hoje -2008-,

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Ensino Fundamental) se tomem efetivamente Segundo-Grau (hoje, Ensino

Médio) com as seguintes peculiaridades: que proporcionem aos seus

concluintes as mínimas condições de inserção no respectivo mercado técnico

de trabalho, se de cunho terminal em si mesmo, e que se ocupem com afinco

e eficiência, ao longo de toda a sua duração, das disciplinas ou matérias de há

muito reconhecidas como pré-requisitos para ingresso e permanência

produtiva na vida universitária, quando tal duração de fato se caracterizar

como ponte-de-acesso ao nível universitário. E isso não importando se a dita

rede que o desenvolva seja pública federal, pública-estadual, pública-

municipal, privada-confessional, privada-comunitária ou simplesmente

privada-empresarial.

O que ocorre atualmente nessa área é inconcebível a qualquer

inteligência mediana: por um lado, o Segundo Grau oficial só vem servindo,

de modo geral, para legitimar ou legalizar o respectivo ritual de escolaridade;

por outro, ocorre paralela e até concorrentemente a dispendiosa e desgastante

indústria dos macetes de preparação para vestibular; e tudo isso sem contar

que o calouro já se encontra na condição de farrapo-humano quando de seu

ingresso na universidade e que, mesmo assim, os dois primeiros anos da

graduação são gastos com verdadeiros malabarismos de recuperação

supletiva das lacunas não preenchidas quer pelo Segundo Grau quer pelos

macetes pré-vestibulares, com destaque para a falta de visão cosmodinâmica,

de exercitação lógico-interpretativa, de capacidade e habilidade em

exteriorização e comunicação escrita, de referenciais pessoais que tornem o

acadêmico agente-sujeito de sua própria construção universitária, de

autoconfiança para progressivamente abrir e construir caminhos nos

meandros da ciência, da tecnologia, do desenvolvimento pessoal,

profissional, societário, e assim por diante.

Na verdade, já se sabe e se confirma a cada ano que se o Segundo

Grau cumprisse de fato e com eficiência a suas funções, tanto a legal quanto

a societária, a neurose pré-vestibular daria lugar a sério e compromissado

processo de preparação menos para o vestibular e mais para o próprio

enriquecimento da vida universitária bem como, logicamente, da sociedade

brasileira e do saber universal. Há uma experiência em andamento, em pelo

menos duas universidades federais brasileiras, de inovação no processo do

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concurso vestibular. Consiste em destinar um percentual de vagas dos seus

cursos a candidatos com as maiores notas de aproveitamento no Segundo

Grau. Mas só a reserva de vagas em universidades para melhores notas

conquistadas no Segundo Grau não resolve. É preciso melhorar o próprio

Segundo Grau.

Entretanto, o problema do Segundo Grau parece longe de se resolver e

a tortura pré-vestibular continua inexorável realidade. Filhos e famílias se

lançam nas batalhas preparatórias atirando por todos os lados, mais

orientados pelos lobbies da indústria pré-vestibular e instinto de luta que por

política e projeto educacional de prospecção da sociedade brasileira. E como

em toda batalha há vencedores e vencidos, os que conseguem ver seus nomes

nas listagens de aprovação entram em merecido e extremecido clima de

comemoração, restando aos demais a amarga sentença de que toda a neurose

se repetirá no próximo ano.

Aos vitoriosos-plenos, isto é, àqueles que logram aprovação exatamente para

cursos sempre pretendidos como primeira opção, a idéia da universidade

sonhada entra em seu ápice e desfecho. Embalados por parentes, amigos e

não raro por significativo élan etílico (ou alto teor alcoólico), os vitoriosos

vivem momentos dispersivos de agitação. Mas, à noite, quando se isolam em

seus quartos para merecido repouso, despem-se tanto das roupas de combate

quanto dos freios da automobilização psicossomática. Soltam a imaginação e,

como que em situação de transe hipnótico, deixam-se transportar para a nova

dimensão de vida. Despidos, olham-se no espelho mas não se vêm nus. Pelo,

contrário, o agora calouro de Medicina se contempla de uniforme branco, o

típico dos médicos tradicionais, com estetoscópio no pescoço e maletinha na

mão, resolvendo aquele caso famoso que ninguém ainda conseguiu

solucionar, a exemplo do jogador que, à véspera da decisão de importante e

difícil campeonato, se flagra mentalmente chutando do meio-de-campo com

tanto efeito e precisão que, bem à frente do gol e para desespero dos

adversários, a bola desenha artística curva, entra exatamente no canto

superior oposto ao do goleiro abatido e a multidão de pé se explode em

aplausos.

Observados os perfis profissionais de cada área (Direito, Engenharia,

Odontologia, Psicologia, Economia, etc), também os demais calouros,

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sempre aqueles vitoriosos-plenos acima referidos, costumam passar por

semelhantes mirabolâncias. A universidade sonhada se lhes assemelha a

bilhete lotérico destinado a limitado contingente de ganhadores, mas

envolvendo prêmios que assegurem aos contemplados a abertura de

expectativas e portas da sociedade para o sucesso e a fama, sobretudo àqueles

que aspiram o diploma de doutor, ou pelo menos esperança de futuro melhor

a quantos se contentam, por ideal ou contingência, com o genérico diploma

de nível ou curso superior.

Não é à-toa, aliás, que o título de doutor vem sendo puxado, ao

longo da história, para a base da pirâmide dos cursos universitários,

principalmente os de natureza mais técnica. Em seus primórdios, desde o

final do séc. XII, doutor era título próprio dos laureados, ou seja, de quem

lograsse coroamento (laureatus era termo usado pelos romanos para

designar aquele que, por algum tipo de merecimento destacado, recebia a

coroa de louro) no processo de doutorado (doctor+ actus) com real sentido

de ato, ação ou processo de se tornar douto, sabendo-se que doctus é

particípio passado do verbo docere (ensinar), cuja forma substantivada, aqui

masculinizada, significa erudito, muito instruído ou aquele que tem doutrina

para ensinar já que a raiz latina de doctrina-ae também procede do verbo

docere.

O que efetivamente vem ocorrendo é que esse título originariamente

carregado de status profissional e social, justo porque decorrente de

reconhecimento público ou laurea latina, foi sendo apropriado pelos

bacharéis em direito e medicina, depois estendido também a bacbaréis

engenheiros, odontólogos, farmacêuticos, economistas, geólogos, etc, até se

esvaziar por completo mediante a designação de doutor para qualquer um

que tenha aparência de médico, pelo uso de indumentária branca, ou

advogado, aquele historicamente obstinado por terno e gravata.

Apesar de utópico e mirabolante, esse estágio da universidade

sonhada tem significativa importância na caminhada do candidato. Funciona

como base de alimentação e sustentação psicológica no decorrer de todos os

sacrifícios, mobilizações e neuroses pessoais e familiares que antecedem o

vestibular. Aliás, mesmo que se diluam as neuroses, através da melhoria do

Segundo Grau e do próprio concurso vestibular, os sacrifícios e

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mobilizações continuarão, sobretudo para quantos se disponham à disputa de

vagas por cursos mais concorridos.

Isso significa que a universidade sonhada continuará sempre a

consistir espaço psicológico ou estado de espírito de motivação, durante a

fase pré-universitária, para as várias e intensas lutas que a concorrência por

cursos mais demandados implicará. O problema, quase inevitável, que resta

é o de o calouro dormir com a universidade sonhada na cabeça sem se dar

conta de que no dia seguinte terá que se defrontar, como se verá, com a nua-

e-crua realidade do estágio seguinte, neste contexto denominado

universidade instituída.

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2 - O CALOURO NO ESTÁGIO DE INGRESSO NA UNIVERSIDADE INSTITUÍDA

É o que se caracteriza pelo confronto direto do calouro com a

objetividade concreta da instituição universitária que lhe é disponível por

aprovação no vestibular: normas, regulamentos, salas de aula, biblioteca,

laboratórios, professores, pessoal técnico, pessoal administrativo, disciplinas

curriculares, burocracia documental, corporações, corporativismos e tudo o

mais de factual, em termos de tipo, quantidade, qualidade, perfeições e

imperfeições a que o calouro deverá se adequar ao longo de toda a duração

de seu curso.

Em geral, qualquer pessoa, e não importa em que contexto, sente uma

espécie de esvaziamento de motivação quando, após intensa e longa luta,

começa a entrar na convivência rotineira com algo cuja conquista haja gerado

expectativas e exigido sacrifícios. Isso ocorre com a aquisição do carro, com

a compra da casa própria, com o casamento de contumazes apaixonados, com

a bicicleta, a bola ou o videogame tão insistentemente reivindicados pela

criança e, naturalmente também, com a batalhada vaga pelo curso pretendido

na universidade.

Se esse esvaziamento de motivação é de certo modo normal em todas

as situações apontadas acima, e similares, no caso específico da convivência

do calouro com a rotina universitária tem sido também normal que tal

processo de esvaziamento receba forte carga extra de fatores

desestimuladores. Ressalvadas raras exceções, o primeiro e efetivo embate de

vivência universitária do calouro se dá exatamente com o que historicamente

a universidade tem de mais pobre, agressivo e emporcalhado, o trote. O

batismo de lama, farinha, tinta ou graxa, a raspagem da cabeça, os

compulsórios pedágios de rua, os bandos escoltados, e outros, são fenômenos

do ritual de acolhida do calouro com mensagem de fundo extremamente

carregada de autoritarismo, submissão e subjugação, quando não de

humilhação e agressão, apesar de seus objetivos implícitos e aparências

externas serem de pura e juvenil descontração, diversão e, por vezes, até

ajuda a necessitados.

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Que tal se você, adulto ou jovem, sonhasse morar num determinado

prédio e, após anos de sacrifícios para a compra do apartamento, fosse

recebido pelos demais condôminos com tesouras e baldes de lama no

corredor de entrada? -Embora no caso dos calouros universitários esse tipo

de entrada seja tolerado, até esperado por alguns como oportunidade

materializada de coroamento da vitória no vestibular e de experimentação

sensorial de seu efetivo ingresso na universidade, a mensagem de fundo que

mais cala no sub ou inconsciente do recém-chegado é aquela do

autoritarismo, da subjugação e da desmobilização. Tanto isso é real que tem

prevalecido no chamado veterano o impulso de reeditar para o calouro de

hoje praticamente a mesma essência negativa da experiência que sofreu na

condição de calouro de ontem, ou até do ano passado, vez por outra

amaciada com certo toque de humanismo, como o que costuma conferir aos

ditos trote cultural, trote assistencial e correlatos.

O fato é que a maioria dos calouros passa todo o seu primeiro ano de

universidade em estado de alienação e, por conseqüência, de manipulação.

Sobre a realidade e as potencialidades de tudo o que é disponível em sua

instituição (biblioteca; laboratórios; linhas ou núcleos de pesquisa;

oportunidades de iniciação científica; deveres e direitos acadêmicos e

disciplinares; instâncias administrativo-decisoras e respectivas atribuições;

entidades de política e organização estudantil; projetos e atividades

extensionistas; diversos tipos de colegiados; corpo docente; objetivo e

programação do seu e de cada curso; espaços e atividades de lazer e artístico-

culturais; e tudo o mais), o calouro só recebe, quando recebe, informações

gerais e esparsas. O ritual de recepção dos calouros se concentra no trote

propriamente dito, pouco ou quase nada se ocupando dessa espécie de

informação e orientação, e as unidades gestoras do processo de organização e

funcionamento da universidade se restringem a cuidar da legalidade e

oficialidade administrativo-acadêmica de ingresso na instituição, quando

muito fornecendo algum tipo de folheto, normalmente incompreensível

porque extremamente sintético e friamente distribuído.

Portanto, desmobilizado psicossomaticamente por haver passado no

vestibular e absorvido de um lado pela manipulação dos veteranos e de outro

pelo cumprimento das formalidades essenciais de ingresso, o calouro não é

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trabalhado no sentido de se interessar pelo que são e como funcionam o todo

e cada segmento da instituição que acaba de se tornar -por horas diárias,

meses a fio e anos consecutivos- sua casa de formação, seu local de trabalho,

seu laboratório de aprendizado, amadurecimento de experiências e geração de

perspectivas pessoais, profissionais e societárias. Em decorrência, o processo

de tomada de conhecimento e consciência do calouro na instituição se faz

mais pela osmose da convivência, ao longo de todo o primeiro ano de sua

vida universitária, que por intencionado e institucionalizado programa de

integração, estimulação e envolvimento.

Mas o interessante dessa história é que a respeito do QUÊ é e de COMO

funciona a instituição o calouro pouco recebe orientação, e fica à própria

mercê. Mas sobre o que NÃO É e NÃO FUNCIONA é assediado por avalanche de

cuidados, conselhos e instruções. Quase sempre há alguém, normalmente um

punhado de veteranos, nas redondezas das listas de aprovação do vestibular

com a missão implícita ou explícita de começar o processo de doutrinação do

calouro, que se intensifica por todo o primeiro semestre letivo e só se

descaracteriza no final do segundo. Dessa doutrinação, alguns exemplos -

para ilustrar- mais ou menos nestes termos:

- Precisamos nos unir contra a opressão da direção. O autoritarismo é a marca

desta universidade, mas nós vamos derrotá-Io.

- A biblioteca é um lixo, desviam a verba da compra de livros e o

atendimento dos funcionários é péssimo: tratam a gente como se fossem os

donos daquilo lá.

- Ah!, você é do curso...? Esse curso é uma balela, os professores faltam às

aulas, os alunos são largados às baratas e os dirigentes não estão nem aí! Falo

com conhecimento de causa, porque um amigo meu também estuda lá.

- Olhe, tome cuidado. O protecionismo aqui é barbaridade. Só os peixinhos

estão com tudo, o resto que se dane!

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- Vich!, você vai ter aula com o professor que é de torrar! Aquele cara é

maluco, doido varrido. A professora..., com essa você não brinca, senão se

ferra. Agora aquela outra, a professora... , com essa você tem que pegar o

jeito dela, aí tudo bem. O professor... é cascão, mas o professor... é moleza,

basta você estudar prá prova! As aulas do professor... são um saco, só teoria e

a gente vôa ou cochila o tempo todo; ninguém sabe porque colocaram essa

disciplina no curso; deve ser porque o professor é amigo da cúpula, puxa da

corte.

- Os laboratórios são mais ou menos; só quebram o galho, porque têm pouco

equipamento e o material de consumo não dá nem pro cheiro. Agora, situação

danada mesmo é a do restaurante universitário: por uma comidinha à-toa já

cobram um absurdo e ainda dizem que não está dando nem prá cobrir os

custos; mas isso não vai ficar assim, temos que fazer uma mobilização

exigindo a derrubada dos preços; nossa meta é a da luta pela comida de graça

para todos os estudantes, isso é um direito nosso!

- Você já ouviu falar naqueles grupos de atividades que dizem por aí que vão

incentivar na universidade? -Se fosse você, tomaria muito cuidado porque

tem muita gente achando que isso é uma estratégia que estão inventando pra

transformar os estudantes em massa-de-manobra.

- E assim por diante, sem contar os avisos rapidinhos, aqueles minutinhos-só

[que duram aula inteira, se não controlados] solicitados por candidatos logo

no início da aula de um professor tolerante, para informar aos calouros sobre

a necessidade de votar em sua chapa na eleição que acontecerá amanhã, para

a qual qualquer um poderia ter oficializado sua candidatura na assembléia

que foi realizada ontem, infelizmente pouco divulgada por motivo de força

maior.

Há, sim, calouros que conseguem superar a contramotivação de que

se falou atrás. É o pequeno contingente dos chamados caxias ou cdfs que se

isolam, por isso também tidos como alienados, e buscam, cada um à sua

maneira, se aproximar principalmente dos professores que os recebem nos

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dois primeiros períodos letivos com o intuito de captarem fragmentos dos

textos e contextos ou linhas e entrelinhas da vida universitária em que se

encontram. Chegam até a atrair alguns outros tímidos que compõem o grande

grupo dos indecisos, aqueles em cima do muro que separa o grupo de tração

(que puxa para a frente, para o positivo, para a conquista, para a

desmobilização) do grupo da arreata, que puxa para trás o carro pessoal e

institucional, como aquela junta de bois atrelada à traseira do antigo carro de

boi para, estribando-se contrariamente ao movimento do carro carregado,

frenar-lhe nas descidas mais acentuadas. Só que no velho carro de boi apenas

uma junta era destacada para a função de frenagem, e nos declives perigosos.

Às outras duas, quatro ou seis juntas cabia levar o carro à frente, nas baixadas

e subidas. Já no contexto universitário brasileiro atual, quiçá também nos

âmbitos da economia e política nacional, a situação costuma se inverter: a

maioria das juntas se posta na arreata (palavra derivada do termo francês

arrière, que significa atrás em português), só que nas planícies e subidas ou

em tempos normais e de crise, reivindicando teoricamente que as poucas

juntas dispostas a tracionar para a frente o façam, com a rapidez e a

eficiência que julgam ideais, exatamente os carros que elas mesmas, e em

esmagadora maioria, pelo menos quantitativa, de fato e contumazmente

freiam ou até puxam para trás. E o ironicamente interessante nessa história é

que há “bem intencionados” que -à sua moda- se acham tracionadores para a

frente, embora de fato estribando-se na arreata de seus próprios carros

universitários.

Com a ajuda da alegoria do velho carro de boi fica fácil caracterizar o

perfil geral dos três grupos acima mencionados: o grupo de tração, sempre

em minoria quantitativa, tende normalmente a puxar o corro para a frente

tanto em tempos normais quanto de crise; o grupo da arreata, de modo geral

mais avantajado que o de tração, também faz força só que em sentido

diametralmente contrário, ou seja, para trás. Já o grupo dos indecisos ou em

cima do muro funciona sempre como mecanismo de estagnação, visto que

constitui carga adicional a ser puxada não importa em que direção, cuja

tendência prática se encaminha nos sentidos de anular os grupos que puxam

em direções contrárias e de atolar o carro onde quer que se encontre.

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Retroagindo à superação da contramotivação, só os calouros com

características de grupo de tração conseguem realizá-la, como se disse cada

um à sua maneira, já que a universidade instituída não tem colaborado o

bastante para isso. Quanto aos demais, os dos grupos de cima do muro e da

arreata, restam duas opções de trajetória: a da revisão e reorientação de suas

posições ou a do agravamento cada vez maior e mais intenso da decepção e

frustração com a universidade instituída, visto que esta é a que está ai ao seu

alcance imediato e não aquela fàntasiada tanto nos sonhos de seus passados

quanto nas suas atuais e inconseqüentes resistências ou apatias.

E bem ao contrário do que se pensa à primeira vista, os contingentes

de estudantes universitários que se canalizam no sentido do agravamento de

decepção e frustração, em relação à universidade instituída, são muito

maiores que os comumente imaginados. O pior disso é que infernizam a

própria vida e a de todos com os quais convivem. Em termos alegóricos,

transformam a universidade, a partir do segundo ano, numa espécie de

penitenciária em que se sujeitam a cumprir a pena, a da vivência acadêmica,

sob o regime de trabalho forçado, única e exclusivamente por causa do

diploma. Trata-se de prisão voluntária, porque é o próprio indivíduo que se

faz aprisionar, por vezes com forte dose de pressão dos pais ou tutores,

porém de efeitos devastadores para si mesmo, para a universidade, para sua

família e para a própria sociedade, que se vê obrigada a incorporar membros

legalmente diplomados mas efetivamente desajustados como gente,

profissionais e agentes.

Propositalmente, as abordagens deste tópico se concentraram nos

aspectos de contramotivação do calouro em relação à universidade

instituída. Isto, porque suas dimensões construtivas, efetivamente

motivadoras, foram também intencionalmente destinadas ao próximo tópico,

o do calouro na perspectiva da universidade que se constrói.

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3 - O CALOURO NO ESTÁGIO DE UNIVERSIDADE EM CONSTRUÇÃO

A REAL UNIVERSIDADE QUE EFETIVAMENTE SE CONCRETIZA AO LONGO

DA VIDA UNIVERSITÁRIA DO ACADÊMICO, DESDE SUA ENTRADA COMO

CALOURO, É AQUELA QUE ELE MESMO COMEÇAR A CONSTRUIR, BUSCANDO

INSPIRAÇÃO E MOTIVAÇÃO NA UNIVERSIDADE SONHADA, QUE O AMPAROU E

IMPULSIONOU ATÉ O SUCESSO NO VESTIBULAR, E NA UNIVERSIDADE INSTITUÍDA

QUE, DORAVANTE, SE TORNA SEU CAMPO DE VIVÊNCIA, SUPORTE E INSUMOS AO

LONGO DE TODA A SUA FORMAÇÃO ACADÊMICA.

Há, sim dentre as universidades instituídas, entendidas como se

convencionou no tópico anterior, umas mais equipadas, qualificadas e bem

dirigidas, portanto melhores, que outras. Mas de fato a que persistirá na

história de cada acadêmico é aquela que realmente ele próprio se dispuser a

metabolizar, construindo-a a partir do que a universidade instituída -a que

estiver vinculado- lhe oferecer como mínimo, médio ou máximo em termos

de corpo docente, laboratórios, biblioteca, oportunidades de produção

técnico-científica, e assim por diante. Aliás, a boa universidade, como um

todo, se constrói dia-a-dia, mês-a-mês e ano-a-ano, ininterruptamente,

constituindo-se, em cada momento desses, a somatória da seriedade,

criatividade, competência e dinamismo de todos os seus segmentos humanos:

professores, alunos, dirigentes e técnicos.

Uma universidade ruim hoje poderá tomar-se ótima amanhã se todos

esses segmentos se conscientizarem, mobilizarem e agirem numa perspectiva

de autêntico e audacioso projeto educacional para sua instituição. Da mesma

forma, uma boa universidade –de ontem- poderá involuir-se para péssima –

hoje-, se os referidos segmentos perderem a perspectiva dinâmica de projeto

educacional e, em decorrência, se desconscientizarem, desmobilizarem e

desativarem para tal.

Universidades de renome do Brasil e de outros países não o são –

agora- por mero acaso ou porque se esforçaram para alcançar celebridade

apenas numa determinada época. Assim o são, porque num dado momento se

dispuseram a romper as cadeias que as prendiam no patamar da mediocridade

e não mais recuaram, mantendo sempre ativa e criativa a luta por melhores

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padrões de infra-estrutura, de qualificação científica, técnica e pedagógica, de

gerenciamento e eficiência e de aperfeiçoamento do seu projeto educacional

como um todo. Sem um projeto educacional que as oriente para futuro,

qualquer universidade, qualquer faculdade e qualquer escola restarão sem

rumo, sem direção, largadas aos interesses e estilos pessoais e dos grupos

dominantes.

O mesmo acontece com cada calouro coletiva e individualmente. Se

logo ao chegar à universidade não coletar elementos e formular o seu projeto

educacional vagueará ao sabor das ondas, simplesmente cumprindo as

exigências que lhe são impostas para efeito do cumprimento de mínimos

formais ao longo de todo o seu curso, não tomando conhecimento e

desperdiçando as oportunidades e potencialidades realmente existentes na

universidade instituída que o acolhe, por mais modesta que seja e se

apresente.

E, PARA A FORMULAÇÃO DESSE PROJETO EDUCACIONAL, ALGUNS

PASSOS PODEM SER SUGERIDOS PELO CALOURO, MOTIVADO E AJUDADO POR SUA

UNIVERSDIADE:

3.1. Procurar descobrir as múltiplas alternativas de importância do seu curso.

Por exemplo, conhecer explícitas relações teóricas e aplicadas do

curso com o mercado profissional, o desabrochamento pessoal e a

participação do processo de construção da sociedade ideal, em sentido-macro

(sociedades brasileira e regional, por exemplo) e em dimensão-micro, como

nos casos das sociedades familiar e de determinadas instituições

educacionais, culturais, industriais, comerciais, produtoras e similares.

3.2. Traçar para si mesmo o perfil futuro de profissional, pai ou mãe de família e/ou agente de atuação e transformação societária que pretenda tornar-se com o respaldo tanto do curso quanto de toda a vivência universitária.

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Definir e decidir que tipo de cidadão ou cidadã se preparará para ser e

atuar em breve futuro: cópia-xerox dos que aí estão ou agente criativo de

eficiências pessoais e sociais bem como de competentes e sadias evoluções e

mudanças.

Lembrar desde já que qualquer caminho decisório na linha do tornar-

se agente criativo implica necessariamente preparo teórico e exercitação de

habilidades em análise lógica, envolvendo: captação de referencial (em

qualquer universo analítico a que se referir), visão de texto e contexto ou

linhas e entrelinhas, organização interna e externa de pensamento bem como

capacidade e eficiência de comunicação oral e escrita do que pensar

reproduzindo e criando.

Mesmo que competente em domínios técnicos específicos, o cidadão

ou cidadã de nível universitário do futuro que não exercitar tais habilidades

desde calouro(a) se sentirá como leão ou leoa na jaula, visto que terá

potencial latente para difundir e contribuir mas não saberá com base em quê e

como fazê-lo. Tornar-se-á prisioneiro de suas próprias inabilidades, tentará

responsabilizar os outros pelas suas deficiências e colherá incompreensão e

revolta ao invés de influência e realização.

3.3. Verificar os EM QUÊ e COMO de todas e cada uma das disciplinas e demais atividades curriculares poderão ser canalizados e sugados nas perspectivas diretas e indiretas do projeto de vida universitária de cada calouro.

Isto implica esforços e iniciativas principalmente de dois lados, o da

universidade instituída que acolhe os calouros e o dos próprios calouros.

À universidade instituída cabe: de uma parte, informar os calourso

sobre O QUÊ há à sua disposição e COMO aproveitá-lo para o bem de suas

vidas acadêmicas; e, de outra, estimular e preparar todos os seus corpos

dirigente, docente, discente-veterano e técnico-administrativo a dialogarem

com os universitários recém-ingressados, a fim de animá-los, instruí-los e

instrumentá-los a tirarem o máximo proveito de tudo o que nela lhes é

acessível. É preciso, pois, que a universidade acolhedora crie e implemente

espaço institucional de gestação e logicização operacional dos projetos de

vida acadêmica de seus calouros.

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Aos calouros, toca-lhes a superação da timidez e da passividade em

esperar que informações e oportunidades lhes cheguem prontas de cima para

baixo e de dentro para fora. Se até bem pouco correram atrás de tudo para

ingressarem na universidade, por quê, justo agora, não continuarem a correr-

atrás do que doravante mais lhes interessa, os rumos e meios de construção

de suas vidas acadêmicas como preâmbulos de suas próprias futuras vidas

pessoais e profissionais?

3.4. De modo especial, o calouro deve atrair o interesse de todos os professores e técnicos, com os quais mantenha ou venha a manter envolvimento, no sentido de colaborarem na implementação ou até reorientação do citado projeto de vida universitária, no que respeita tanto ao que é formalmente programado para as respectivas disciplinas e demais atividades quanto ao seu relacionamento com conhecimentos, experiências e habilidades adicionais ou complementares.

É bom ter sempre em mente que, de modo geral, não há professor

essencialmente ruim. O que há, na maioria das vezes, é professor desgastado

exatamente pela falta de motivação de alunos, colegas e dirigentes ao longo

de anos a fio. Uma das grandes frustrações de significativo contingente de

docentes consiste no fato de quase nunca poder desenvolver, em formas

expositiva, ou de outras múltiplas atividades, tudo o que julga necessário para

conferir bom proveito à disciplina, visto que os próprios alunos, em muitas

ocorrências, só querem aulas amenas, poucas e fáceis atividades e quase

nenhuma cobrança de efetivo aprendizado.

Isso faz com que o professor, ao invés de se sentir desafiado a crescer

no decurso dos anos, se veja, na prática, compelido primeiro a adaptar-se e,

com o passar do tempo, a se acostumar com o esvaziamento até das

programações mínimas formalmente exigidas, o que significa exatamente a

lenta mas progressiva institucionalização da crescente mediocridade na vida

profissional de muitos professores.

Mas, essa situação pode ser também paulatinamente revertida pela

séria e sincera manifestação de interesse dos alunos. Todo e qualquer

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professor se desinstala quando se depara com alunos autenticamente

interessados, que são capazes de descobrir, por detrás de suas aparências de

mediocridade, as riquezas de seus conhecimentos não difundidos e de suas

dormentes experiências conquistadas nas batalhas da vida, inclusive

estudantil, pelas quais já tenha passado. Até os professores principiantes se

sentem responsáveis por contínuos aperfeiçoamentos quando seus grupos de

alunos a eles se unem para formarem verdadeiras assembléias de exploração

e produção do conhecimento nas respectivas áreas.

Ao contrário, muitos professores se tornam diminuídos e esvaziados

como profissionais e gente quando seus pupilos os tratam como máquinas de

reprodução facilitada de conhecimentos e práticas, de forma a dispensar ou a

excluir -da parte deles- empenho, esforço e iniciativas de aprendizagem.

Em síntese, alunos realmente motivados conseguem, em muitos casos,

reanimar até os professores mais empedernidos. Com alunos interessados, os

professores normalmente se sentem amparados e desafiados (perante a eles

mesmos, aos colegas, aos dirigentes e à própria sociedade) a processos de

criação, inovação e produção.

3.5. Descobrir oportunidades extracurriculares de desabrochamento de suas capacidades e habilidades produtivas.

A descoberta dessas oportunidades já nos primeiros meses de vida

universitária do calouro é extremamente importante para o seu projeto

educacional, que será evidentemente implementado em toda a duração de sua

permanência na universidade. Importa-lhe saber o QUÊ SÃO e COMO

FUNCIONAM as programações ativas e potenciais de Iniciação Científica,

Pesquisa e Extensão passíveis de sua futura participação. É bem verdade que

a universidade instituída, aquela tratada no tópico anterior, se preocupa muito

mais com as programações curriculares formais que com as extracurriculares

complementares, porém substanciais para a formação universitária, nas

abordagens informativas e interativas destinadas aos calouros. Mas, de

acordo com o velho ditado "se Maomé não vai à montanha, a montanha vem

a Maome''', ou seja, se as instâncias da universidade instituída (aí inclusas as

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próprias representações e entidades discentes) lhe omitem, sonegam,

retardam ou pulverizam esclarecimentos a esse respeito, que o calouro

(individual ou coletivamente) não se iniba, não se acomode e corra atrás do

prejuízo, pedindo e cobrando dessas instâncias (representações e entidades

estudantis, departamentos, coordenadorias, pró-reitorias, secretarias, comitês,

comissões, etc.) até desvendá-los. Importa que se informe sobre o QUÊ SÃO,

COMO se operacionalizam e EM QUE princípios e habilidades metodológicas

precisará se iniciar para uma boa participação nessas atividades

extracurriculares, segundo o projeto educacional que haja delineado e

definido para sua formação universitária.

3.6. Inteirar-se sobre o potencial bibliográfico, documental e metodológico que possa dar suporte e contribuições à implementação do seu projeto de vida universitária.

Isso implica que o calouro deverá procurar saber: EM QUÊ a biblioteca

da universidade é forte nas áreas de seu interesse e COMO efetivamente

utilizá-Ia; COMO SÃO E FUNCIONAM os laboratórios curriculares e

extracurriculares porventura existentes na instituição e COMO acessá-los; QUE

bibliotecas e centros de documentação há e podem ser consultados na

localidade ou fora dela, procurando cientificar-se se pertencem ou não a

circuitos de redes informatizadas; SE EXISTEM institutos, centros, núcleos,

etc., especializados em pesquisas e estudos de sua previsão de interesse e

como contatá-los; QUAIS são as principais editoras e livrarias que publicam,

distribuem e vendem livros e outros materiais de apoio à implementação das

metas de seu projeto; SE HÁ na própria universidade ou fora dela outras

pessoas, equipes ou entidades já elaborando, implementando, avaliando, etc.,

projetos iguais ou similares; E ASSIM por diante.

3.7. Valorizar os espaços institucionais de organização, representação e iniciativas estudantis também na perspectiva de seu projeto de vida universitária.

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Esses espaços são essencialmente importantes no processo de

formação do cidadão(ã) universitário(a). Isto, porque a formação universitária

implica a dinamização simultânea de três dimensões: uma formal básica, a

estritamente curricular de cada curso, e duas substanciais complementares, a

do encaminhamento teórico-metodológico de produção técnico-científica e a

da exercitação da cidadania através de vivências e iniciativas sistematizadas

que aprofundem, ampliem e enriqueçam as duas dimensões anteriores e as

projetem na atuação e realização pessoal e societária do futuro cidadão-

agente universitário.

Quanto à primeira dimensão, a curricular, o acadêmico é compelido a

cumpri-Ia até porque sem sua total adimplência não lhe será expedido

diploma. A segunda é aquela a respeito da qual se falou no 5° item atrás,

concernente à Iniciação Científica, à Pesquisa e à Extensão. Já a terceira

dimensão pode e deve ser exercitada, concomitantemente com as outras duas,

nos espaços institucionais de organização, representação e iniciativas

estudantis, existentes em todas as universidades até por força de lei, estatutos,

regimentos e regulamentos específicos. Portanto, os universitários que não

aproveitarem bem e sadiamente esses espaços sairão da universidade, quando

terminarem seus cursos, coxos como cidadãos mesmo que hajam se dedicado

intensamente e com excelente proveito às duas outras dimensões.

Reforçando, é bom enfatizar que a autêntica cidadania não se compra,

não se ganha, não se empresta, não se rouba, não se acha por aí e nem se

herda: conquista-se! Pode-se e deve-se reivindicar, exigir até -se necessário-

que o direito e as condições à exercitação e ao efetivo exercício da cidadania

sejam respeitados, por vezes inclusive proporcionados. Mas, mesmo assim,

cidadania de fato se conquista em âmbitos tanto pessoal quanto coletivo.

3.8. Encampar outros aspectos que venham a ser descobertos e relevados pelo próprio calouro em decorrência de suas aspirações, observações e sugestões colhidas junto a colegas, professores, familiares, mercado de trabalho, profissionais e especialistas de sua futura área de atuação.

O calouro que acaba de ler as sugestões acima pode estar pensando:

puxa-vida, mas que coisa complicada! -Nada disso, companheiro. Que você

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tem de pensar e começar a esculpir desde já o perfil da pessoa, do cidadão, do

profissional que você pretende tornar-se com a ajuda da universidade e

efetivamente ser e viver no futuro, parece que não há muito o que discutir. Se

há, é porque você ainda se encontra numa estação tomando um trem sem

querer saber para onde ir, ou melhor, simplesmente disposto a ir para onde e

como o trem lhe quiser levar. E, se assim for, não venha a reclamar, depois,

que o trem lhe despejou em destino indesejado, que esse trem foi o exclusivo

culpado pela sua incompleta formação como pessoa, profissional e agente

social, sobretudo se apenas ele tiver sido a única chance de vivência

universitária em sua vida.

Portanto, se você agora se dispõe a não lamentar depois, mobilize-se

principalmente em seu primeiro ano de universidade no sentido de descobrir

o QUÊ e COMO você pretende tornar-se, durante o resto de sua vida

universitária, em matéria de conhecimento, produção técnico-científica,

cidadania, competência profissional e agenciamento social no futuro. Utilize

o trem e os trilhos da universidade para sua viagem-formativa, mas participe

ativamente de sua programação e operacionalização de maneira que, em

aprazado momento, se desembarque onde você de fato e deliberadamente

haja preparado e conquistado como destino. Se você não pensar seriamente

nisso (e logo nos primeiros momentos de sua entrada na universidade), muito

provavelmente nos anos posteriores se limitará à rotina formal da vida

acadêmica e o muro-das-lamentações será sua futura sina.

Ao contrário, se você agora começar a pensar, esboçar e concretizar

seu projeto de vida universitária, para as perspectivas de futuro, terá todos os

demais anos para concretizá-lo, utilizando tudo o que sua universidade lhe

oferecer ou colocar à disposição, mesmo que não seja ainda o ideal.

Mas, atenção: não ache que para isso precise sofisticar ou complicar

demais, sonhando com projeto mirabolante. Pense em tudo o que se registrou

atrás como estímulo, alerta e sugestões para que você mesmo reúna

informações e elabore o seu projeto, bem como priorize metas e programação

de acordo com suas sadias pretensões futuras, exatamente do tamanho de

suas possibilidades e do potencial subsidiário existente na universidade e fora

dela, mas ao seu alcance. Projeto bonito-não-exeqüível nem é verdadeiro

projeto; limita-se a ficção e pode tornar-se até objeto de frustração.

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Procure parceiros e aliados para seu projeto. Com um pouco de

paciência você acabará descobrindo que há outras pessoas, principalmente

colegas e professores, com aspirações e experiências iguais ou próximas às

suas. Busque, portanto e na medida do possível, trabalhar em conjunto. É

mais estimulante, proveitoso e menos caro. A própria instituição tende a

priorizar seu apoio e colaboração a trabalhos multi-inter-disciplinares.

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4 – NOTAS DE CONCLUSÃO

De imediato, enfatiza-se que os calouros universitários, ao

esculpirem teórica e operacionalmente seus próprios projetos de vida

acadêmica (com as seriedade, exeqüibilidade e multi-inter-disciplinaridade

anteriormente sinalizadas), tanto investem em suas perspectivas de presente e

futuro quanto influenciam decisivamente as respectivas universidades

instituídas a aperfeiçoarem seus próprios macroprojetos educacionais e a se

dinamizarem como universidades ou IES em processo de contínua

autoconstrução.

Alerta-se, também, para a premente necessidade de que todos os

gestores administrativos, docentes e discentes de todas as instituições

universitárias brasileiras invistam mais e melhor nos calouros, ingressados a

cada semestre ou ano, para que se tornem autoconstrutivos e produtivos na

totalidade de sua permanência universitária. Que, ao se transformarem em

veteranos, no ano seguinte, não se omitam a estimular os novos calouros no

mesmo sentido da autoconstrução universitária, rompendo o círculo-vicioso

da contramotivação mencionada lá no tópico 2.

Frisa-se, ainda, que a universidade não existe só para a promoção

individual de seus alunos. Isso, em razão de que suas principais macro-

finalidades e funções são as de: por um lado, abastecer a sociedade em que se

insere dos conhecimentos humanos, científicos, tecnológicos e técnicos de

que necessita para evoluir-se sadiamente; e, por outro, estimular e preparar os

agentes (inclusive calouros e veteranos) que nortearão e liderarão as

caminhadas evolutivas tanto da instituição universitária universal quanto das

dimensões societárias em que cada universidade se situe.

Isso quer dizer que a entrada na universidade implica

automaticamente, por parte de quaisquer jovens, compromissos de se

tornarem agentes de evolução da sociedade. Significa que esses(as) jovens ou

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calouros(as) jamais poderão pensar e agir só em função de seus status e

sucessos pessoais. E o motivo disso consiste em que a sociedade, que confere

e legitimaa a razão de ser de cada universidade, investe e espera (explicita ou

implicitamente, não importa) que todos(as) os(as) calouros(as) se

prepararem, em termos pessoais e universitários, tanto para competências e

sucessos individuais quanto para fertilização e disseminação de abundantes

melhorias quantitativas e qualitativas em todas as suas demais dimensões

societárias. Portanto, individualismos e egoísmos não podem ter vez na vida

universitária. Se ocorrem, aqueles(as) que os praticam na verdade se

preparam para exploradores e não agentes de liderança e construção das

respectivas sociedades.

XXX