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P. Stanislas Falleur, SCJ Cadernos Falleur

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P. Stanislas Falleur, SCJ

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Page 1: Cahiers Faleur

P. Stanislas Falleur, SCJ

Cadernos Falleur

Page 2: Cahiers Faleur

CF Introdução

Edições Noviciado

Aveiro 2002

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Page 3: Cahiers Faleur

CF Introdução

P. Stanislas Falleur, SCJ

Cadernos Falleur

Conferências e Pregações do Padre Dehon aos noviços(9 de Novembro 1879 – 21 de Outubro de 1881)

Introdução, notas, índice

De

P. Giuseppe Manzoni SCJ

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Page 4: Cahiers Faleur

CF Introdução

Tradução portuguesa P. Fernando Rodrigues da Fonseca, SCJ

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Page 5: Cahiers Faleur

CF Introdução

INTRODUÇÃO

Estamos nos começos do Instituto (1878-1881) e não nos admiramos que o Pe. Dehon seja também então o primeiro mestre de noviços.

São anos de grande fervor; espera-se uma grande provação, a do consummatum est, que há-de marcar com o seu selo a Congregação como obra de Deus. Neste primeiro noviciado nem tudo é ideal e perfeito. O Pe Dehon nota entre os seus noviços, com um grande realismo, defeitos e deserções.

Os noviços são pouco numerosos! Somente dois ou três (cf. CF I, 36) em 1879. O Pe. Rasset professou a 8 de Setembro de 1879. Em finais do ano eram 4: Os PP. Paris, Falleur, Legrand e Lamour. Um destes noviços, o Pe. Estanislau Falleur, deixou-nos cinco cadernos de notas sobre as instruções ou discursos de circunstância que o Pe. Dehon fez aos seus noviços na Casa do Sagrado Coração desde finais de 1879 a meados de 1881.1

Os cinco cadernos Falleur

Os apontamentos do Pe. Falleur cobrem o período que vai de 9-11-1879 a 21-10-1881. Na realidade, com regularidade, até 3-6-1881. Depois desta data não há mais do que dois fragmentos bastante breves da conferência dada na véspera da festa do Sagrado Coração, a 23-6-1881 e da conferência de 21-10-1881. Um mês mais tarde, o Pe. Falleur fazia a sua primeira profissão com os PP. Legrand e Dessons (cf. RV, 1-2). Como explicar esta lacuna de quase quatro meses?

Repitamos o parecer do Pe. Denis num estudo até esta data apenas publicado em inglês2. Em fins de Maio (1881) o Pe. Fundador deu um pequeno retiro... em vista da profissão do Pe. Tadeu Captier, a 3 de Junho de 1881... A partir desse dia pode-se dizer: as funções de “Mestre de Noviços” terminaram para o Pe. Fundador... Quem é que ocupou o lugar (como suplente) do Pe. Dehon no cargo de Mestre de Noviços, de 1881 a 1883, em Sittard (Holanda), dado que em 1883 é o Pe. Francisco Xavier Lamour?

O Pe. Lamour fez a sua primeira profissão a 7 de Janeiro de 18813. Parece provável que o substituto do Pe. Dehon no cargo de “Mestre de noviços” seja o Pe. Captier.4

Os Arquivos Dehon nada nos dizem sobre este tema, mas temos alguns textos que são do Pe. Falleur... e que, verosimilmente, são as instruções do Pe. Captier aos noviços do Sagrado Coração.

Tem por título: De la voie que doivent suivre les novices du Sacré-Coeur de Jésus (Do caminho que devem seguir os noviços do Sagrado Coração de Jesus). Há aí elementos de sólida doutrina, ao lado de algumas excentricidades que denunciam um homem desequilibrado.

1 O Pe. Teodoro Falleur (Estanislau em religião), nascido a 17 de Junho de 1857, em Effry (Aisne), entra nos Oblatos a 4 de Outubro de 1879, toma o hábito a 21 de Novembro de 1879 e professa a 21 de Novembro de 1881. Foi ordenado sacerdote em Soissons a 23 de Setembro de 1882. Substitui o Pe. Captier como superior de Fayet em Janeiro de 1883. A 17 de Setembro de 1886 emite os votos perpétuos com o Pe. Dehon e outros cinco dos primeiros Padres. De 1880 a 1934 foi Ecónomo Geral durante 16 anos, superior da Casa do Sagrado Coração de S. Quintino (1908-1913 e 1924-1929). Morreu em S. Quintino a 1 de Maio de 1934. Sempre muito unido ao Pe. Dehon, seu director espiritual, a sua correspondência é abundante, inclusivamente por causa dos seus encargos (cf. RV,1; Nec. 56; M. Denis, PPD, 69-72; 314-316).2 Cf. Dehoniana, 5, 1977 (Edição inglesa): Father Dehon as Master of novices (1879-1881) or the springtime of the Congregation (pp. 293-333).3 O Pe. Captier era sacerdote e de mais idade do que o Pe. Dehon, pois tinha nascido a 28-1-1831 (cf. RV 2).4 O Pe. Lamour podia suceder ao Pe. Dehon como Mestre de Noviços. Já era sacerdote e tinha quase a mesma idade que o Pe. Fundador, tendo nascido em Landrecies (Nord) em 29-8-1843.

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CF Introdução

O Pe. Falleur deixou-nos num sexto caderno algumas breves notas de conferências dadas pelo Pe. Dehon aos religiosos da Casa do Sagrado Coração em 1885-1886. Pareceu-nos útil reproduzir também essas notas em apêndice.

Os cadernos do noviço Falleur receberam, em certo sentido, a aprovação do Pe. Dehon. Vêm-nos dos seus arquivos e no início da primeira página apresentam a indicação autógrafa do Pe. Dehon: Conferências e pregações.

A Casa do Sagrado Coração (Maison du Sacré-Coeur)

O noviciado era na Casa do Sagrado Coração, casa-mãe da Congregação. A casa e o jardim tinham sido para o Pe. Dehon um sinal da benevolência de Deus.

A 16 de Julho de 1880 o Pe. Dehon dizia na sua instrução aos noviços: Esta festa (de Nª Sr.ª do Carmo) recorda-nos uma graça importante: faz hoje dois anos que se comprou esta casa. Neste dia em que Ela dá o hábito do Carmo aos seus filhos, Maria quis dar-nos, a nós, que já temos como hábito principal o de S. Francisco5, o primeiro refúgio da Obra, (nosso) Belém e Nazaré... (CF III, 35).

A casa a que se faz referência fora adquirida pelas Religiosas Servas para começar uma nova obra. Mas, como estava muito próxima do Colégio de S. João, era muito adequada para um noviciado dos Oblatos. O Pe. Dehon podia facilmente cumprir os duplos deveres de director do colégio e de Mestre de noviços no Sagrado Coração. Foi assim que as Irmãs cederam o seu uso ao Pe. Dehon6.

Pudemos entrar nela e celebrar aí a missa a 14 de Setembro (1878), dia da Exaltação da Santa Cruz. A divina Providência tem as suas coincidências luminosas. Não era preciso fundar uma obra de reparação sobre a cruz? O primeiro noviço, depois do Pe. Rasset, foi o Pe. José Paris, que entrou a 4 de Outubro (1878) (P. Denis, a. c.). Assim começou o primeiro noviciadoda Congregação.

Os primeiros noviços

A Casa do Sagrado Coração era um edifício tipicamente burguês na esquina da rua Richelieu (em que estava o Colégio de S. João) e da rua Royale. Para além do rés-do-chão e do primeiro andar, tinha águas-furtadas (cf. VP, 108).

O Pe. Dehon vivia habitualmente em S. João, como superior do colégio, mas todos os dias ia ao Sagrado Coração. O número dos noviços aumentou pouco a pouco.

Na instrução de 4 de Janeiro de 1880, o Pe. Dehon convida os seus noviços a dar graças ao Sagrado Coração, pois Mons. Thibaudier concedera à comunidade, composta por três pobres pecadores, um altar, um sacrário (CF I, 36). Tal é a situação numérica de 1879.

A 25 de Fevereiro de 1880, falando da imolação doce e permanente nas pequenas coisas da Regra, o Pe. Dehon afirma: Deste modo somos doze aqui...: somos, pois, doze crucificados e o cravo é a obediência (CF I, 61).

A 19 de Janeiro de 1881, ao tratar ainda da imolação, afirma: Agora somos 16 e podermos atrair graças é prodigioso (CF V, 27).

Alguns noviços já são sacerdotes. Além do Pe. Rasset, que fez a profissão a 8-9-1879, são sacerdotes os PP. Lamour, Jacques-Marie Herr, Dessons, Captier.

5 O Pe. Dehon pensava que a filiação na Ordem Terceira de S. Francisco dava aos votos dos primeiros religiososum carácter eclesial mais assinalado... O cordão recordava o hábito de S. Francisco (Pe. Denis, a.c.).6 Cf. NHV, 100-101. Nas suas memórias escritas muitos anos mais tarde, o Pe. Dehon afirma que a aquisição teve lugar no mês de Agosto. Os Cadernos Falleur são mais dignos de crédito.

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CF Introdução

Em geral, estes são noviços de uma certa idade. Em 1881 o Pe. Captier tem 50 anos, o Pe. Lamour, 38, o Pe. Legrand, 32, o Pe. Dessons, 29, o Pe. Philippot, 26, o Pe. Augustin-Marie Herr, 26, o Pe. Jacques-Marie Herr, 25, o Pe. Falleur, 24, o Pe. Paris 23, o Pe. Waguet, 19, o Pe. Stemplet, 18 (cf. RV 1-2). O Mestre de noviços, o Pe. Dehon, tem 38 anos.

No colégio de S. João, o Pe. Dehon é M. Le Superieur (o Senhor (Padre) Superior); na cidade é l´abbé Dehon (o Padre Dehon); no noviciado, é o Pe. João.

O jardim de José de Arimateia

Em 1879, a Casa do Sagrado Coração não tinha jardim. Confinava com uma grande jardim que seria ideal para a comunidade, mas o seu proprietário não a queria vender e, por outro lado, o Pe. Dehon carecia de meios para a comprar.

A Providência veio em sua ajuda de um modo bastante surpreendente. Depois de ter fundado a Congregação, O Pe. Dehon tinha organizado uma espécie de Ordem Terceira com agregados e associados, aberta aos sacerdotes e aos leigos (Cf. NHV XIV, 61-63). Entre os agregados, havia um certo Senhor Lecot, que tinha adoptado o nome de José de Arimateia. Pois bem, repentinamente este Senhor Lecot decidiu comprar o jardim, se o proprietário o vendesse. No dia de Sexta-feira Santa (1880) o proprietário decidiu repentinamente vender o sua jardim.

O preço era elevado (90.000 francos) e o negócio devia formalizar-se antes das três horas; caso contrário, tudo ficaria sem efeito. O Sr. Lecot aceitou e às três horas assinou o contrato.

O Pe. Dehon comenta assim o facto: Era o dia e a hora em que José de Arimateia tinha cedido o seu jardim para a sepultura de Cristo... (NHV XIV, 21). O Sr. Lecot cedeu o uso do jardim à Casa do Sagrado Coração.

Todavia, em 1886, o Sr. Lecot faltou à palavra (cf. NHV XV, 62-63) e o Pe. Dehon teve que pagar a horta de José de Arimateia, cedendo ao Sr. Lecot uma propriedade que o seu pai tinha avaliado em 72.000 francos: Isso valeu duras reprimendas do meu irmão... - escreve (NHV, 56). Pelo Diário sabemos que esta propriedade estava situada em Wignehiers. O Pe. Dehon recorda também a dura carta do seu irmão Henrique e conclui: Ofereço esta humilhação pelo Reino do Sagrado Coração (NQ III, 108).

Assim, de um modo talvez inesperado, a Casa do Sagrado Coração tinha aquilo de que precisava7.

A vida no noviciado

O Pe. Dehon está ocupadíssimo em S. João e não pode entregar-se totalmente aos seus noviços, como desejaria. Em 1880 há inclusivamente queixas porque a direcção do noviciado é deficiente. A 14 de Maio de 1880 o Pe. Dehon fala aos noviços deste importante assunto: O Coração de Jesus é verdadeiramente o nosso fundador e o nosso superior... Só Ele fez tudo, o faz ainda e o fará. Só Ele quer ser a direcção, a regra, a vida. Para demonstrar que Ele deve ser tudo para os Oblatos, permite que o seu representante ( o Pe. Dehon) não possa consagrar-se totalmente à Obra.

Exorta os noviços a comportar-se com o Sagrado Coração como alguém se porta com o melhor dos superiores: pedir-lhe as pequenas licenças, acusar-se, pedir a bênção... O Sagrado Coração está aí; recorramos a Ele. Que ninguém se queixe já, portanto, da falta de direcção; isso seria uma expressão ingrata (CF II, 30-31).

7 Notemos que em 2-2-1883 se abriu a casa de Sittard (Holanda) como noviciado e escola apostólica internacional (HC I, 2).

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CF Introdução

O horário de cada dia é bastante severo (para a nossa mentalidade): levantar-se às 4, 30 horas. E deitar-se às 21, 15 horas.

A vida de oração

Quanto à vida de oração, a missa é o acto culminante do dia, o acto divino, o acto que nos caracteriza... A razão de ser dos Oblatos (CF III, 62). Serão frequentemente celebradas Missas reparadoras (CF IV, 24), Missas votivas do Sagrado Coração (CF IV, 47-51) e será um privilégio celebrar Missa sem estipêndio (CF IV, 69).

Todos têm o Manual de orações de Santa Gertrudes para se ajudarem, diz o Pe. Dehon, durante a adoração. Há também um livrinho de orações que será cada vez mais enriquecido até formar a compilação Nossas orações dos primeiros anos. Têm coisas belíssimas... - escreve o Pe. Dehon sob o título do manuscrito.

A reacção psicológica de um leitor actual é simultaneamente de admiração e de mal-estar. De mal-estar por causa de uma certa tensão sensível que enfada e, com o tempo, cansa; de admiração pelo fervor entusiasta e, indubitavelmente, pelo amor autêntico que essas orações expressam. De acordo com o bem conhecido axioma: Lex orandi, lex credendi, as orações dos primeiros anos interessam-nos pelo seu conteúdo; elas expressam os valores originais de identidade que os dois primeiros capítulos das Constituições expressam sobriamente (para maior desenvolvimento, cf. M. Denis, PPD, pp. 76-87).

Entre os exercícios de piedade comunitários está a recitação parcial do Breviário, a recordação dos mistérios de Cristo, o rosário e o terço do Sagrado Coração, introduzido pelo Pe. Captier em 1881. No essencial será conservado na Coroinha do Sagrado Coração ou Tríplice Coroa do Sagrado Coração de Jesus.

Todos os dias se faz a adoração, mas no princípio não se tinha autorização para expor o Santíssimo. Finalmente, em Fevereiro de 1880, Mons. Thibaudier concederá a licença para a primeira sexta-feira do mês. O Pe. Dehon não sabe com agradecer ao Senhor... é uma grande notícia que deve espantar-nos, tão miseráveis, chamados a semelhante honra (Conf. de 27-2-1880, CF I, 62). O Padre pede que se faça uma novena de preparação por meio da oração, da penitência, do silêncio no recreio da noite: Que honra nos prepara Jesus (a nós) uns pobrespecadores, 12 miseráveis que nada merecem...! (ibid.).

No ano seguinte, o Padre pode anunciar que a primeira sexta-feira, 4 de Março de 1881, é o primeiro dia de cada semana em que teremos a dita de ter visivelmente entre nós Jesus (CF V, 50). Mons. Thibaudier deu autorização para expor o Santíssimo todas as sextas-feiras. O Pe. Dehon sente-se feliz por esta exposição semanal e diz aos noviços: Começaremos uma novena de acção de graças (21-2-1881, CF V, 48).

Durante a Quaresma, o Pe. Dehon comprometeu todos a que fizessem diariamente a Via-sacra. Na sexta-feira faz-se em comunidade (CF V, 51). Fazendo a Via-sacra, um Oblato aprende a tornar-se cada vez mais semelhante a Cristo (CF V, 107).

Outras ocupações

O tempo que não se emprega nos exercícios de piedade consagra-se ao trabalho, sobretudo o intelectual. Faz-se numa sala comum e, infelizmente, a biblioteca não está muito bem fornecida. Para alguns trata-se de estudar a teologia com ajuda dos confrades que já a conhecem (CF III, 70). Outros, como o Pe. Philipot ocupam-se durante a manhã a dar aulas no S. João. Todos devem usar o tempo livre para o estudo, que tem por objectivo a ciência e a santidade: teoria e prática. Qualquer outro estudo é contrário ao noviciado, que não é momento para se instruir noutra coisa (CF III, 70).

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CF Introdução

Durante as refeições guarda-se silêncio. Durante o pequeno almoço e durante o almoço faz-se leitura.

O Pe. Dehon concede um pequeno recreio depois do pequeno almoço, ainda que sublinhe que este recreio não se usa nos outros noviciados, nos quais, depois do pequeno almoço, se faz trabalho material. Aqui, como não se pode fazer esse tipo de trabalho..., fazem uns minutos de recreio antes de retomar uma ocupação intelectual (11-8-1880, CF III, 68).

O único verdadeiro recreio é o do meio-dia, depois do almoço. Depois do jantar, o recreio é facultativo.

O noviciado dura dois anos, pois, segundo o Pe. Dehon, não se podem destruir os maus hábitos e adquirir virtudes de um dia para o outro (11-1-1880, CF I, 40).

O Fundador, Mestre de Noviços

O Pe. Dehon era bondoso, mas também muito exigente com os seus noviços. Manifesta-se especialmente enérgico e até severo com alguns que vivem a vida religiosa na Casa do Sagrado Coração sem se preocuparem com o espírito de amor e de reparação, próprio dos Oblatos.

Termina assim uma conferência sobre este tema (28-7-1880): Que esta conferência seja o ponto de partida de uma reforma importante para alguns que resistem. Nosso Senhor não está contente pela má vontade que alguns revelam e, se Ele está descontente, que se pode esperar para além de tédio e de securas? (CF III, 50).

A causa das securas é, para alguns, não entrarem no espírito da Congregação e se obstinarem a seguir as suas próprias ideias acerca da perfeição: será bonita, tendo-os por autores!” (CF III, 49).

O silêncio

O Pe. Dehon é muito exigente quanto ao silêncio. Queixa-se dos noviços que faltam a ele com demasiada frequência: Não se deve falar sem uma verdadeira necessidade e inclusivamente é faltar à regra do silêncio falar quando um gesto seria suficiente (CF V, 21).

O lugar onde mais se fala sem necessidade é a cozinha (cf. CF V, 49).O silêncio deve observar-se rigorosamente na Quaresma e depois das orações da noite,

durante o grande silêncio: Faltar ao grande silêncio é... um grande pecado venial (CF VI, 9). Fora dos recreios, se for preciso falar, faça-se em voz baixa e brevemente. Um religioso que ama o silêncio, nota-se até no recreio: não grita, não ri imoderadamente. Também há o silêncio da acção, por exemplo: não bater as portas. Em resumo, o silêncio, com a caridade e os três votos, é um elemento essencial da vida religiosa (CF, VI, 9-10). Estas observações sobre o silêncio foram feitas aos religiosos professos numa conferência em 18-12-1885. Com maior razão valem durante o noviciado.

Voltando aos noviços, diz-lhes: Quando vos vejo falar inutilmente fora dos recreios, preferia receber uma pancada (CF V, 53).

O Pe. Dehon não exagera. Manifesta assim o seu intenso amor a Cristo e, ao mesmo tempo, o seu sofrimento pelas faltas das almas que Cristo lhe confiou: É como se nessa ocasião dissésseis a Nosso Senhor: não preciso das tuas graças neste momento (CF V, 53).

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CF Introdução

Espírito de mortificação e humildade

O Pe. Dehon exorta os seus noviços ao espírito de sacrifício: Há um pouco de descuido. Há quem tome ainda demasiada liberdade (CF V, 60).

Alguns noviços têm um carácter difícil. Na conferência de 16-11-1879 comenta o Beati mites, quoniam possidebunt terram e declara que a afabilidade é muito necessária na Casa do Sagrado Coração: Aqui reina sempre um grande defeito: a amargura e a dureza de coração (CF I, 7). Discite a me quia mitis sum et humilis corde. Sem isto, não é aqui o nosso lugar e não merecemos viver sob este tecto (CF I, 58).

Também há, com frequência, quem jejue a pão e água.Jejuam pelas vocações (CF I, 52), para se preparar para a adoração com o Santíssimo

exposto (CF II, 39).Em 19-1-1880, o Pe. Dehon manda ler ao meio-dia este aviso: Nosso Senhor é muito

ofendido de há uns dias para cá no noviciado. Há que expiar e consolar o Coração de Cristo por meio de uma novena de penitência. No pequeno almoço serão lidos os salmos penitenciais. Cada dia, um religioso jejuará a pão e água. Começará o Pe. Afonso Maria Rasset. O Pe. Dehon fá-lo-á sexta-feira (apêndice III, p. 248).

Como se vê não se fica em palavras vãs e em lamentações estéreis. Passa-se logo aos actos concretos. Durante as Quarenta Horas, a adoração prolonga-se até à meia-noite (CF I, 58).

Há que se humilhar para aprender o espírito de sacrifício. O Pe. Dehon introduz no noviciado a culpa, quer dizer, a acusação das faltas exteriores perante o superior e toda a comunidade. A culpa faz-se de joelhos e recebe-se uma penitência. O próprio Pe. Dehon dá o exemplo. O noviço Falleur anota: O Padre (Dehon) anuncia... que pedirá humilhações esta semana (nas sextas-feiras da Quaresma e na Semana Santa!). Recorda que se vai proceder à culpa insistindo na imitação prática de Jesus na Paixão. Ele mesmo irá começar e pedirá uma penitência que a minha memória não irá esquecer (29-2-1880, CF I, 67).

Exorta todos a que façam actos interiores de humildade e fixa concretamente o seu número: 20 os Padres, 10 os outros religiosos, 5 os mais jovens; e o Pe. Dehon indicá-los-á (CF I, 60). Há que acrescentar também actos externos de humildade, como falar ao Superior de joelhos (CF I, 60).

Depois da conferência, o Pe. Dehon costuma perguntar a um ou outro noviço o tema da presença de Deus escolhido pela manhã e a virtude em que se quer exercitar durante a semana. Aquele que não souber responder recebe uma penitência (CF IV, 12-13).

Para exortar os noviços à modéstia dos olhos, o Pe. Dehon faz uma exortação curiosa: no Evangelho lê-se que Jesus levanta os seus olhos ao céu: o que sugere que os tinha habitualmente baixos (CF I, 71),

O Pe. Dehon é interessante quando desce a pormenores. Na sala de estudo recomenda que ninguém se ponha perto do fogo (conferência de 7 de Março de 1880). Se alguém tem frio e não pode trabalhar, pode ir aquecer-se durante cinco minutos, e logo deve regressar ao seu lugar (CF I, 72). Na capela não se deve apoiar sobre o genuflexório ou encolher-se. Os Padres devem ter o breviário na mão e não deixá-lo encima do banco (CF I, 72).

A recitação comum do ofício faz-se lentamente, caso contrário, não é mais do que uma recitação privada (CF IV, 13).

Os noviços devem exercitar-se no desapego (Conferência de 12-11-1880). O Pe. Dehon assinala certas acumulações de livros na capela com o pretexto de que se gosta deles e de que fazem bem espiritualmente. O Padre quer que cada um faça uma lista completa dos livros do seu uso pessoal e não ficará com mais nenhuns além dos que lhe forem permitidos. Quanto aos outros livros, os professos podem guardá-los até uma semana, não mais; os noviços, só de vez

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CF Introdução

em quando, devolvendo-os logo ao seu lugar e voltarão buscá-los se ainda precisarem deles. É um exercício contínuo de desapego.

A simplicidade e a limpeza no vestir pedem também desapego e mortificação. Para o dia a dia basta um vestuário pobre; e um melhor para quando se saia.

Há que cuidar da limpeza, pois a sujidade é filha da preguiça e é um costume de ricos. Se, de facto, um noviço se deita como fazem os ricos, não tem tempo de engraxar os seus sapatos e vai para a capela com os sapatos sujos. Cada noviço deve fazer a sua cama e varrer o seu quarto (CF IV, 57-60). No conjunto, trata-se certamente de uma vida sóbria e pobre.

Vida comum e caridade fraterna

O Pe. Dehon é muito exigente no tocante à vida comum (máxima penitência). Nem a idade nem a velhice podem dispensar da vida comum (CF IV, 61-62).

Na vida comum, os Oblatos, praticando a caridade, manifestam que são consagrados ao Coração de Jesus e, além disso, reparam o pouco amor que os religiosos e os padres têm geralmente entre si. Há que confessá-lo publicamente entre nós. Há muito pouco amor entre religiosos, entre padres. Como é fácil comprovar isso nas suas reuniões onde se ataca por igual os ausentes e os presentes! (CF V, 90).

Mais tarde, nas conferências de 1885, volta a tratar outra vez da vida comunitária e da vida fraterna. Tal religioso da Casa do Sagrado Coração prefere isolar-se com um amigo. Os Padres do S. João fariam bem em participar, de vez em quando, no recreio com os religiosos do Sagrado Coração. Tem de demonstrar que não formam mais do que uma comunidade, embora vivam em duas casas diferentes, mas próximas (Conferência de 27-11-1885, CF VI, 5-6).

Indubitavelmente que a exortação do Pe. Dehon não teve o resultado esperado, pois em 8-1-1886 decide que os religiosos da Casa do Sagrado Coração irão passar o recreio de terça-feira à noite no S. João, para aumentar a caridade fraterna (CF VI, 11).

As manifestações espontâneas de cortesia agradam muito ao Pe. Dehon. No dia do seu onomástico compraz-se em receber as felicitações dos noviços. Abraça-os um por um. Esperado para a Missa pelos seus noviços, na casa das religiosas Servas, para contentar um pouco a todos escolhe os dois noviços mais antigos e, acompanhado por eles, vai celebrar a Missa às Servas (CF V, 9).

A obediência

O Pe. Dehon trata largamente da obediência segundo uma perspectiva estritamente ascética, digna do melhor “Rodriguez” e seguindo a doutrina escolástica (CF V, 40, nota 1).

Aceita o diálogo com o superior, porque as observações dos religiosos podem ser boas e úteis. Mas estas devem ser feitas com desapego quanto às suas consequências.

Insistir até maçar os superiores é perigoso. Acaba-se por não fazer mais do que a própria vontade, e não a de Deus (CF V, 42-43). Mas também tornar-se mártir da obediência como o jesuíta Pedro Lefèvre, pode ser subjectivamente um acto de heroísmo; mas esse não é um exemplo a imitar. É uma obediência à letra, não segundo o espírito. Nenhum superior, e Santo Inácio a fortiori, teria imposto jamais a um doente grave pôr-se a caminho, com o risco de morrer, como aconteceu de facto (CF V, 44) (Este é um juízo de acordo com a nossa mentalidade, mas não com a do Pe. Dehon).

Com razão o Pe. Dehon espera maior perfeição na obediência por parte dos seus noviços: Houve relaxamento em alguns neste ponto. É tempo de voltar a uma obediência perfeita e a ser finalmente muito generosos (CF V, 28).

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CF Introdução

Falando da prontidão na obediência, diz: Recordai isto como muito importante: tudo o que se faz depois do sinal é a parte do demónio. Dá-se o sinal de levantar; ficais na cama 10 minutos, é a parte do demónio que assim obtém as primícias. O mesmo no estudo: se um continua depois do toque da campainha, oferece-lhe (ao demónio) o fim do exercício e as primícias do seguinte (CF V, 42).

O Pe. Dehon é valente. Numa das suas conferências trata dos caprichos dos superiores. Os superiores raramente são perfeitos. Foram feitos para sofrer, mas também para fazer sofrer (CF V, 65). Depois desta verificação realista, consola os seus noviços com uma frase de Bossuet: O que é capricho no vosso superior, é, para vós, a vontade de Deus absolutamente pura (CF V, 65). Vontade permissiva de Deus, há-de interpretar-se para a santificação dos inferiores. Na última conferência sobre a obediência não hesita em dizer aos seus noviços: Quando penso que tereis de dar contas de tudo quanto ouvistes nestas conferências, temo por vós, que sois ainda tão pouco obedientes e que, longe de ter chegado à perfeição, faltais ainda aos pontos mais simples da obediência (CF V, 66).

Os Cadernos Falleur concluem com uma nota espinhosa sobre as relações entre superiores e inferiores. Não sejamos para os superiores um matagal de espinhos onde ninguém se atreve a meter a mão sem precaução e mesmo assim se pica... (CF VI, 23). A conferência trata da indiferença inaciana ou abandono total à vontade a Deus e foi dirigida aos religiosos da Casa do Sagrado Coração e do Instituto S. João (10-9-1886).

A imolação e o voto de vítima

O Pe. Dehon é ainda mais corajoso quando insiste demoradamente e com clareza impressionante sobre a necessidade de praticar a imolação e fazer o voto de vítima para ser verdadeiros Oblatos (cf. CF V, 77 ss.).

Deduz-se claramente que o carisma dos Oblatos não reproduz um aspecto marginal da vida de Cristo, mas a sua missão de Redentor, de sacerdote e de vítima, de Oblato por amor ao Pai e para o Pai pela salvação do mundo (cf. CF V, 92-93).

Compreendamos bem, portanto, a nossa vocação e como Jesus, imolemo-nos. Tal como a sua, a nossa morte dará vida às almas. É o que verificava S. Paulo em si mesmo: Mors operatur in nobis, vita autem in vobis (2 Cor 4, 12); a morte de uns à vida natural dá a outros a vida da Graça (CF V, 95; cf. VI, 6-7).

O Pe. Dehon hesita em exortar os seus noviços a oferecer-se pelo voto de imolação à justiça divina para obter a sua misericórdia, especialmente pelas infidelidades das almas consagradas: Sejamos, pois, generosos e ofereçamo-nos à justiça para fazer descer a misericórdia (CF V, 100). Não devemos ter medo de pedir a Deus e de percorrer o caminho do sofrimento para estar unidos a Cristo nos diversos mistérios da sua vida, sobretudo naqueles em que é mais vítima (CF V, 106). Também exorta os seus noviços a fazer frequentemente a Via-sacra para nos assemelharmos cada vez mais a Cristo crucificado (CF V, 107).

A profissão especial, a de vítima, suscitava oposições, quiçá entre os próprios Oblatos. Alguns achavam-na demasiado difícil. O Pe. Dehon intervém e exorta os seus noviços a não se entregarem a discussões desanimadoras e derrotistas.

Apela para a autoridade hierárquica, para Mons. Thibaudier. É preciso ter confiança. Mas precisamente, Mons. Thibaudier porá algumas reservas no que toca ao voto público de vítima, por ser difícil definir a sua matéria (cf. NHV, 97-98). Roma será do parecer de Mons. Thibaudier. Portanto, Mons. Thibaudier não era contrário ao voto privado de vítima, ainda que admitindo tratar-se de uma coisa delicada. Ao invés era muito favorável ao conselho de viver em espírito de vítima (cf. NHV XIV, 98).

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CF Introdução

É interessante notar, por outro lado, que para o Pe. Dehon, na vocação dos Oblatos, não há nada de extraordinário nem de prodigioso. Os principais elementos do catecismo deveriam chegar para nos encher do espírito da nossa vocação (CF III, 1).

O Pe. Dehon refere-se ao pecado, à satisfação devida pelo mesmo, ao dever de todo o cristão de reparar os seus próprios pecados e os do mundo: Vedes, pois, que sem apelar para nenhuma luz extraordinária, o espírito da nossa vocação é bem evidente (CF III, 2).

Ao falar da oração, o Pe. Dehon insiste sobre os afectos e, entre os afectos, - diz - há dois que devem dominar todos os outros e encontrar-se em todos os temas: o amor e a imolação ou oferenda8: pois essa é a nossa vocação de fazer oferendas: oblação quer dizer oferenda e oblato quer dizer oferecido e aquele que oferece... sem esquecer as demais partes do sacrifício... Oferecer sempre actos de amor e de imolação, aí tendes a nossa vocação e isso é o que a facilita. É que somos ricos, sumamente ricos. Jesus todo, mas sobretudo o seu Coração, podemos oferecê-lo cada minuto sem esgotar o tesouro, sem que a oferenda seguinte prejudique a precedente; a oferenda é sempre aceite... O próprio Jesus se oferece por nós. “Ipse offerens et oblatio”. Com esta oferenda devemos oferecer-nos nós também, ainda que sejamos miseráveis, porque Jesus pede que juntemos a nossa oferenda à sua... (Quarta-feira, 21 de Julho de 1880, CF III, 39-40).

Em poucas palavras, poderia dizer-se que o voto de imolação proposto pelo Pe. Fundador é sobretudo um voto de oblação. E entre essas oferendas estão, com certeza, cruzes, sacrifícios, mas que são vistas no seu aspecto positivo e não na perspectiva aniquiladora de certa escola francesa, ou que também são vistas na sua perspectiva apostólica9.

O Pe. Fundador entende de modo muito são a vida de vítima. Para ele, é o estado normal do cristão: Todos somos vítimas, em virtude da grande lei da reversibilidade, da comunhão dos santos... Pois numa família todos são solidários e pertence a uns reparar as faltas dos outros. Nós comprometemo-nos a isso com voto.

Sem dúvida, depois de dois anos de noviciado, devem subsistir ainda dificuldades e resistências acerca da vida religiosa em geral. Então, como se podia falar, pelo menos a alguns, de espiritualidade vitimal e de voto de vítima?... Vê-se nas entrelinhas uma certa insatisfação na alma do Pe. Dehon acerca de certos noviços, pelo menos por causa da comparação evangélica que usa. É o início dos exercícios espirituais de seis dias preparatórios do Pentecostes de 1881. O demónio está furioso, segundo o Pe. Dehon, porque detesta a Obra e solta-se especialmente durante o retiro. Já uma Irmã Serva perdeu a vocação durante o retiro: Sejamos generosos: na fidelidade e na ordem. Se Nosso Senhor aqui voltasse, provavelmente faria o que fez no templo: pegaria no chicote para escorraçar os noviços dos lugares onde não devem estar... Que cada um... se mostre fiel (CF V, 111).

Apesar de tudo, o Pe. Dehon nunca desanima. Para caracterizar a vocação dos Oblatos recorda que no Antigo Testamento o coração e o quarto dianteiro da vítima se reservavam para o sacerdote. Depois da vinda de Cristo, estando nós unidos a Ele, sacerdotes e vítimas do seu Sacerdócio, oferecemos-Lhe o nosso coração e o nosso braço direito: O coração pelo amor e reparação, o braço, pela acção. O meio é aquele que Jesus escolhe: a caridade por Deus e pelas almas: ambulate in dilectione (Ef 5, 1), (CF V, 130).

8 Note-se bem esta equivalência: a imolação ou a oferenda.9 Evidentemente, no Pe. Fundador, como em todos os seus contemporâneos, encontra-se um certo conceito de justiça divina que exigiria amplas explicações. Mas, nele, pode acentuar-se que a imolação não é mais do que uma maneira de falar da oblação. Toda a sua obra escrita atesta em favor desta pergunta: Se Deus fosse, em primeiro lugar, um dominador, um agressivo vingador, poderia ser também um Deus bom? Não, Deus é um Pai e o seu amor é a chave do mistério do nosso destino (Philippe de la Trinité: Dieu de colère ou Dieu d´amour? Paris (1964), (cf. M. Denis, PPD, 20-23).

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CF Introdução

A reparação sacerdotal

Transcrevemos uma nota datada de 21-10-1881, quando as notas do noviço Falleur se encontram interrompidas há quatro meses: O espírito próprio da Ordem do Sagrado Coração deve ser o amor do sacerdote. Sobretudo, que a nossa reparação não se baseie num desprezo. Amemos o coração do sacerdote, pois é a partir daí que devem ser animadas todas as suas funções (CF V, 131).

O Pe. Dehon fala com bastante frequência aos seus noviços da reparação pelos sacerdotes, pelo povo eleito, pelas almas consagradas (cf. Índice analítico na palavra reparação). Mas não é essa a única e exclusiva reparação da Congregação do Pe. Dehon. A reparação, elemento fundamental da espiritualidade dehoniana, é, segundo o Pe. Fundador, universal como a de Cristo.

Notemos como ao Pe. Fundador agrada frequentemente expressar a reparação sob esta forma de cooperação na obra da Redenção. Esta ideia era já antiga nele, pois se encontra num sermão de 1875 (cf. AD. B/6, Sermons, cahier 6 pp. 53-59): Cristo é a reparação perfeita. Sejamos com Ele, n´Ele e por Ele os auxiliares da reparação. A justiça exige-o da nossa consciência, a caridade pede-o do nosso coração...

Insistimos acertadamente que nos escritos de Santa Margarida Maria se trata sobretudo de uma reparação oferecida a Deus Pai em união com Cristo Mediador, mais do que consolações oferecidos a Cristo sofredor... (L. Janssens – Sens et valeurs de la dévotion au S. Cœur… dans L´actualité d´un culte, p. 82, Tilburg, 1957).

Sucessivamente o Pe. Dehon expressaria de um modo muito discreto a nossa solidariedade com os nossos irmãos, os sacerdotes e os religiosos. Mas há que assinalar, sem dúvida, que o Pe. Falleur, 52 anos mais tarde (X Capítulo em Lovaina, 1932), indica ao Pe. Philippe, numa carta pessoal, o que o Pe. Fundador dizia, em 1880, do fim íntimo da Obra. Prova que isso o tinha impressionado (cf. AD B/21, lot 9). Este modo de fazer finca pé na intenção parece-nos por experiência, muitas vezes formalista e satisfeito consigo mesmo com facilidade. Mas fica o que esta solicitude pelos nossos irmãos necessitados pode determinar um comportamento muito evangélico de solicitude espiritual e inclusivamente material (assistência aos sacerdotes desgraçados, aos “pobres” sacerdotes, dizia o Pe. André) (cf. M. Denis, PPD, p. 22, nota 1; p. 40 nota 4).

As “revelações” da Irmã Maria de Santo Inácio

Nestes anos (1879-1881) é evidente a grande confiança que o Pe. Dehon tinha nas “revelações” da Irmã Maria de Santo Inácio. Manifesta-se repetidas vezes claramente, e mais frequentemente por alusões ou indirectamente (cf. Índice analítico na palavra Revelações da Irmã Maria de Santo Inácio): Nosso Senhor quer conduzir-nos conscientemente por meio de inspirações milagrosas. Se não O escutarmos, há-de dispensar-nos (CF II, 3).

Às vezes, raramente, o Pe. Dehon lê fragmentos das “revelações” da Irmã Maria de Santo Inácio. Não se encontram neles manifestações de exaltação ou de fanatismo, mas apenas uma atitude de grande fé e de grande fervor, tudo num grande espírito de discrição: O Padre lê... uns extractos, que se escutam de joelhos, de revelações que instruem os Oblatos sobre as disposições que se lhes pedem (3 de Março de 1880, CF I, 69).

Na conferência de 23 de Abril de 1880, o Pe. Dehon afirma: A nossa vocação é certa: vê-se animada por via hierárquica e por via sobrenatural e mística, que nos proporciona inúmeras provas dela (CF II, 13). Aqui, e mais frequentemente noutros escritos (NHV e NQ), o Pe. Fundador põe sempre em primeiro lugar a aprovação de Mons. Thibaudier, e depois, em segundo ou terceiro lugar, as luzes da Irmã Maria de Santo Inácio.

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CF Introdução

O Pe. Dehon alude expressamente à desconfiança de Mons. Thibaudier sobre a Irmã Mariade Santo Inácio. Parece que este bispo queria transferi-la para outro lugar. O Pe. Dehon declara: A Irmã Maria de Santo Inácio é o nosso mais firme apoio (CF III, 31). Rezemos - diz aos noviços - para que nos seja conservada. Apesar de tudo está plenamente disposto a obedecer, ainda que Mons. Thibaudier se tenha equivocado: Obedeceremos sempre ao que Monsenhor decidir e a sua vontade será sempre para nós a de Nosso Senhor (CF III, 30).

Sabemos que o Pe. Dehon tinha certa inclinação para as manifestações sobrenaturais. Carecia também, infelizmente, de experiência e de conhecimentos de teologia espiritual, necessários para apreciar objectivamente os acontecimentos “místicos” que se produziam na Irmã Maria de Santo Inácio e para não confundir umas simples luzes de oração com revelações.

Por outro lado, toda a época, e em particular o ambiente da Servas, estava impregnado de misticismo. Involuntariamente exagerava-se acerca de fenómenos extraordinários, que poderiam ter algum significado verdadeiro, mas que não eram sem mistura nem ambiguidade.

O consummatum est de 1883 teve a grande vantagem de purificar a Obra do Pe. Dehon de todas as incrustações e exaltações mais ou menos “místicas”. Tirou-o da excessiva influência das Servas, particularmente da dominante e bem intencionada “Chère Mère” (a Superiora). No seu zelo intempestivo ela chegava a provocar as “revelações” da Irmã Maria de Santo Inácio e a reclamar energicamente a sua execução. Libertou também a Obra da megalomania do Pe. Captier e do grupo de Poitiers que rodeava Mons. Gay. A Congregação do Pe. Dehon retomou o sulco simples e humilde dos seus inícios, o que lhe tinha sido traçado pelo Espírito. Nisto, Mons. Thibaudier tinha toda a razão (cf. NHV XV, 6-9. 45; e VP: O Pe. Dehon e a Irmã Maria de Santo Inácio, pp. 615-631).

A primado da Palavra de Deus

Equivocar-se-ia grosseiramente quem pensasse que as conferências do Pe. Dehon se fundamentavam sobretudo nas “revelações” da Irmã Maria de Santo Inácio ou nas de Santa Margarida Maria (naquele tempo não era mais do que Bem-aventurada e o Pe. Dehon cita-a 13 vezes).

As conferências do Pe. Dehon aos noviços são ricas em citações bíblicas, do Antigo e do Novo Testamento, como o demonstra o índice das referências que colocámos como apêndice.

O Pe. Dehon interpreta frequentemente a Escritura de maneira alegórica, mas os seus ensinamentos são sempre um alimento sólido, inspirado na Palavra de Deus.

Por ocasião da entrada de novos aspirantes, de tomadas de hábito e de profissões, escolhe habitualmente um salmo ou outro texto da Bíblia e comenta-o, com aplicações práticas, em harmonia com o gosto pela alegoria na interpretação da Palavra de Deus.

A espera do “Consummatum est”

O Pe. Dehon fala com frequência aos seus noviços da necessidade de se prepararem para a provação ou “Consummatum est” que ferirá a Obra. Será um cálice que terá de beber, não um dia, mas três meses ou talvez mesmo seis meses. Depois da provação, a Congregação demonstrará a sua validade e a sua fecundidade (2-4 de Abril de 1880, CF I, 82, 86). Recomenda aos seus noviços que não se entreguem a conversas desanimadoras no recreio sobre este tema (CF I, 86).

A frequência com que o Pe. Dehon fala aos seus noviços que se preparem para a provação, demonstra com evidência o clima suscitado na jovem Congregação pelas “revelações” da Irmã Maria de Santo Inácio (cf. CF III, 4-7).

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CF Introdução

As leis persecutórias contra as ordens religiosas explicam, além da actualidade da reparação (cf. CF III, 12), as alusões aos autores prováveis da grande provação, a saber: os anticlericais franco-mações no governo.

Mas o “consummatum est” chegou ao Pe. Dehon donde ele não esperava. É de Roma que virá tanto a morte como a ressurreição.

Vida contemplativa e activa

Na conferência de 12 de Março de 1880 o Pe. Dehon declara: Consagramo-nos à vida contemplativa muito mais do que à activa, que não será mais do que algo acidental na nossa vocação... Na vida contemplativa formamos uma Congregação adoradora (CF I, 74). É uma afirmação a não tomar em sentido absoluto.

É preciso, antes de mais nada, avaliar globalmente a vida, os escritos e as afirmações de um Fundador e fazer deles uma exegese objectiva e real. Por outro lado, o carisma nem sempre se conhece completamente, de maneira explícita e desde os princípios, mesmo tratando-se de um Fundador.

A afirmação sobre o carácter acidental da vida activa refere-se aos primeiros anos do Instituto do Pe. Dehon, à vida no noviciado, à influência das Servas e quiçá à actividade excessiva e às obras demasiadamente numerosas que tinham enchido a vida de L. Dehon e provocado nele, sendo ainda sacerdote diocesano, como que uma crise de rejeição e uma forte aspiração pela vida contemplativa.

Mas o Pe. Dehon é essencialmente um homem de acção, que faz passar a contemplação e o estudo para a acção. Nisso o Pe. Freyd tinha visto acertadamente quando o desaconselhou a aceitar um lugar de professor na universidade de Lille (cf. NHV XI, 8-10). O Pe. Dehon jamais seria um estudioso, um investigador, um grande professor. Gostava do estudo, é verdade, mas para o converter em acção. Temos que afirmá-lo também dos seus livros, que não têm nada de teórico mas que estão ao serviço da vida espiritual ou social.

Temos que dizer o mesmo da sua Congregação, cuja identidade espiritual está em função da sua identidade apostólica e missionária. Com os anos, o Pe. Dehon e os seus religiosos sempre viveram mais em função da sua missão, em diversos campos de apostolado.

Contudo, já nas primeiras conferências aos noviços, o Pe. Dehon define melhor o seu pensamento: Nós, Oblatos, devemos guardar muito especialmente o silêncio porque a nossa vida é contemplativa, sobretudo no noviciado, e nas obras estará amplamente misturada com a vida contemplativa (9 de Abril de 1880, CF II, 2).

Programa geral das instruções

Pode ser interessante ver o programa geral das instruções do Pe. Fundador durante o noviciado.

As citações das páginas anteriores poderiam fazer crer que o Pe. Fundador falava sobretudo da nossa vocação própria. Falava frequentemente dela, mas no quadro planeado de formação geral. Durante os 24 meses de noviciado do Pe. Falleur nota-se o seguinte programa:

- as bem-aventuranças, as paixões, as virtudes (teologais e morais),- depois um pequeno tratado sobre a oração. Em seguida as diferentes acções e exercícios

do dia. Expande-se largamente sobre a Missa...O segundo ano começa a 11 de Outubro de 1880. Inaugura-se o capítulo das culpas à

sexta-feira. O Pe. João fala dos votos religiosos, estendendo-se largamente sobre a obediência na qual vê, em razão do Ecce venio de Jesus, o próprio coração de toda a imolação, de toda a

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CF Introdução

oblação. O comentário às Constituições começa a 19 de Abril de 1881. O Padre aproveita a ocasião que se lhe oferece para falar mais especialmente sobre o voto de imolação. A 21 de Novembro de 1881, o noviço Falleur tinha que emitir os seus votos (cf. M. Denis, PPD, p. 46).

Conclusão

Publicamos estas conferências do Pe. Dehon especialmente para os responsáveis pela formação, em particular para os Mestres de noviços e escolásticos, para os Directores espirituais. Todos eles poderão encontrar nelas os temas, as ideias que o Pe. Dehon inculcava, as práticas que sugeria aos que aspiravam entrar na Congregação. São apontamentos de conferências, não conferências ultimadas para serem dadas sem mais. Dão sugestões e, sobretudo, descrevem a espiritualidade dos Oblatos e criam o seu clima.

Vemos, diz o Pe. Dehon, Congregações já dedicadas em parte ao Coração de Jesus; mas a Ordem do Sagrado Coração tem como carácter próprio o consagrar os corações dos seus membros à vida interior de imolação, de amor e de reparação... (10 de Dezembro de 1880, CF IV, 66).

Nosso Senhor deve ser o objecto mais frequente das nossas meditações... Oferecer sempre actos de amor e de imolação, aí tendes a nossa vocação... Quereis reparar? Mas com quê?... O Coração de Jesus, Jesus todo, mas sobretudo o seu Coração; podemos oferecê-lo cada minuto sem poder esgotar o tesouro... a oblação sempre é aceite... Jesus pede que juntemos a nossa oblação à sua (CF III, 31-41).

O Pe. Dehon falava frequentemente do amor, da reparação e da imolação; mas a alma de tudo é a oblação de amor de acordo com esta bela afirmação: O coração, como símbolo da vontade e do amor, é todo o homem (CF II, 56). O centro de todos os corações, segundo o Pe. Dehon, o coração do universo, é o Coração de Jesus.

Terminemos com estas palavras do Pe. Dehon: Cada família de santos tem a sua índole, o seu fim sobrenatural particular, que a conduz à santidade pelo entusiasmo que lhe inspira... Para nós, o fim sobrenatural para o qual eu vos quereria infundir um entusiasmo extremo, é a glorificação do Coração de Jesus, vítima de amor e de reparação. O nosso fim especialíssimo é esse e para ele deve tender toda a nossa vida (6-4-1881, CF V, 76)10.

G. Manzoni

10 Para un estudo mais completo e mais analítico das conferências do Pe. Dehon aos noviços (Cadernos Falleur), veja-se M. Denis: Le Projet du Père Dehon, pp. 8-46 (edição. Francesa) e pp. 10-57 (edição. italiana)

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CF Introdução

O nosso método de edição crítica

Os Cadernos Falleur não levantam problemas especiais. Contudo, gostaríamos de dizer uma palavra de explicação sobre o método que seguimos nesta edição.

- Os números indicados à margem referem-se à paginação do escrito original.- O sinal / assinala o fim de uma página do manuscrito.- Indica-se o caderno por meio de números romanos no cimo da página- O Pe. Falleur é bastante irregular no uso das maiúsculas e minúsculas, Na edição segue-

se o costume estabelecido.- O Pe. Falleur preocupa-se muito pouco com certos sinais como o hífen, os acentos.

Nisto seguimos também o uso estabelecido pela boa ortografia.- As palavras entre parênteses ( ) são acrescentos para a clareza do texto.- Nas notas, os números referem-se cifras que estão acima e à margem das páginas e se

referem à paginação dos manuscritos.- Às vezes as datas dos dias dos manuscritos não são exactas. Corrigimo-las sem citar o

erro.- É devida uma palavra de agradecimento a todos os nossos colaboradores, especialmente ao Pe. Vassena, pela revisão cuidadosa das provas.

Abreviaturas

AD = Arquivos “Dehon”B = Boîte (caixa)c.a.d. = quer dizer (c´est à dire)

CF = Cahiers FalleurHC = Historia CongregationisLC = Lettres Circulaires do Pe. DehonMS = ManuscritosNec. = Necrológio S.C.J. 1878-1978NHV = Notes sur l´Histoire de ma Vie do Pe. Dehon

(Memórias do Pe. Dehon)NQ = Notes Quotidiennes do Pe. Dehon (Diário do Pe.

Dehon)PPD = Projet du Père Dehon, por M. Denis

VP = Vita e Personalitá del P. Dehon, por H. Dorresteijn (Ed. Italiana).

VPR = Vie édificante du P. A. - M. Rasset, pelo Pe. DehonSRSL = La Semaine Religieuse du diocèse de Soissons et

Laon.

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CF I

Cadernos Falleur

IConferências e Pregações

9 de Novembro de 1879 – 4 de Abril de 1880

(Arquivos Dehonianos: B. 6/3)

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CF I

Domingo, 9 de Novembro de 1879

O espírito da Igreja é que fixemos os nossos pensamentos principalmente nos temas que nos propõe nas suas festas: hoje é a dedicação das Igrejas e esta dedicação faz-nos pensar conformidade com a sua vontade, o abandono alegre a Ele, a imolação, a compaixão.

Naturalmente nas igrejas que são as nossas almas, conforme a palavra de S. Paulo: templum Dei... quod vos estis (1 Cor 3, 17). Nós somos, pois, casas de Deus.

Pois bem, Nosso Senhor disse: domus mea domus orationis vocabitur (cf. Lc 19, 46): devemos portanto ser casas de oração.

Nestas casas pede-se de acordo com a palavra de Jesus: petite et accipietis: Jesus diz isto aos simples fiéis.

Aos seus Oblatos diz: vós sois templos, sou Eu quem pede neles. Que pede, então, aí? A Pede vítimas que sejam para Ele aquilo que Ele foi para o Pai: Ele pediu altares. Imagens, não lhe foram recusadas em absoluto, mas carece de vítimas, são-lhe recusadas. Procura ainda o que procurava há 1800 anos, consoladores, e não os encontra. O que mais me entristece - diz - é que são as almas que me são consagradas. É a previsão deste abandono o que O fez mais sofrer, a traição dos amigos do Coração: procura alguém que se imole, que esqueça os seus interesses pessoais para não se ocupar mais do que dos seus, que se imole cada minuto por meio de uma fidelidade constante; geme pelas resistências que encontra nos seus amigos, seus Oblatos. O mendigo de Paray-le-Monial ainda encontra friezas e ingratidões; ainda não encontrou verdadeiros consoladores do Seu Coração.

Quarta-feira, 12 de Novembro de 1879

Beati pauperes spiritu... (Mt 5, 3)

É a primeira (Bem-aventurança) expressada por muitas razões, uma das quais é para indicar melhor a oposição entre Jesus e o mundo que põe a sua felicidade na riqueza. É a maior bem-aventurança. Faz de nós reis: regnum coelorum.

Pede-nos que não tenhamos qualquer apego ao que pertence à comodidade do corpo, vestuário, alimento ou qualquer outra coisa. A palavra "meu" foi apagado do vocabulário de um religioso: a comunidade empresta-nos. Nada de apego, mas sim desapego das coisas materiais, sejam quais forem.

Pratiquemo-la, porque é um voto para nós. Outro motivo mais: devemos reparar o apego dos outros religiosos aos seus pequenos objectos.

Nada de medo: Jesus cuidará de nós, permitirá, de vez em quando, que experimentemos uma pobreza real para (...?).

Não devem merendar mais do que aqueles que têm trabalhos manuais ou do que os que estão doentes e têm uma licença formal do Pe. Superior. Esta merenda deve consistir em pão e água, a merenda de um pobre. Uma pobreza em espírito que não ame uma pobreza real / não é mais do que ficção e mentira.

Não nos fixemos em se um ou outro alimento cai melhor ou pior no nosso estômago. Tomemos o que a comunidade de boa mente nos quiser dar. Onde está a desgraça se um ou outro alimento abrevie a nossa vida de alguns meses? É mais um sacrifício por Jesus. Acostumemo-nos de boa mente a tomar a última porção; desejemos inclusivamente a necessidade para demonstrar o nosso espírito de pobreza.

Nada de apropriações: tudo (é) da comunidade e nada é nosso; é ela quem nos empresta o que temos, lenços, livros e qualquer objecto. Que ninguém diga já meu livro, minha roupa.

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CF I

O mesmo quanto à lareira. Não nos apressemos a procurá-la. Têm acaso os pobres tantas comodidades? Nunca têm frio? Sintamo-nos sempre felizes quando se apresenta a ocasião de nos parecermos a um pobre real e não digamos: eu faço voto de pobreza com a condição de que me dêem de beber, de comer, um bom vestuário, um alojamento confortável. Isso seria para rir, não é assim que se repara.

Sexta-feira, 14 de Novembro de 1879

Beati qui esuriunt et sitiunt justitiam... (Mt 5, 6)

Estas palavras de Nosso Senhor têm sempre um sentido vago e geral que se aplica a todos os fiéis e em sentido especial para aos religiosos.

Vimos a bem-aventurança dos corações puros, depois a que consiste na inteligência e no amor da pobreza, a renúncia à propriedade, nada de meu nem de teu, nada mais do que o uso. Hoje, esta bem-aventurança: beati qui...

Esta palavra, “justiça”, entende-se ordinariamente como a santidade. Nosso Senhor promete a saciedade aos que desejam chegar à perfeição dos seus mandamentos, e aos que querem chegar à perfeição dos seus conselhos. Esta fome e esta sede são como um fogo que devora, para acabar fisicamente a comparação. É o fervor, o zelo.

Que ninguém diga: eu não posso. É negar a Deus, é insensato. Quer dizer que Jesus, tão rico em graças, veria impassível uma alma dirigir-se ao seu Coração, pedir a sua ajuda e lha negava! É insensato. É falar contra a fé, pois o desejo, quer dizer, a fome e a sede de operar bem sempre são saciadas e escutadas: saturabuntur. Petite et accipietis (Jo 16, 24).

Serão saciados com as consolações e as doçuras da oração e dos exercícios de piedade, da calma e da paz./ Estas palavras têm um sentido especial para os Oblatos: esta justiça é a justiça de Deus que quer a reparação dos crimes do seu povo eleito: Ditosos e bem-aventurados os que têm fome e sede de ver satisfeita a justiça e a satisfazem eles mesmos; ditosos e bem-aventurados (eu digo agora, vós o compreendereis talvez somente mais tarde - como Nosso Senhor disse aos Apóstolos muitas coisas que eles não compreenderam senão após o Pentecostes -) ditosos porque eles serão saciados de cruzes. Qui potest capere, capiat (Mt 19, 12); ipsi cruciabuntur (cf. Jl 2, 6) e com as cruzes a felicidade, esta felicidade tão suave que se experimenta depois de ter superado uma pequena cruz, uma provação.

Vós pudestes notar que os dias em que fizestes com um grande amor o vosso desejo de reparação, esse dia recebestes cruzes provenientes do mundo ou dos vossos confrades ou de uma privação de alimento, de comodidade, etc.

Ditosos e bem-aventurados os que têm fome e sede de ver a justiça divina satisfeita pela reparação, porque eles terão muitas cruzes.

Quero terminar com o exemplo de Nosso Senhor, ao qual se aplicam todas as bem-aventuranças. Ele desejou ardentemente esta justiça, Ele, que veio trazer o fogo (o zelo) à terra. Ele teve também grandes cruzes.

Domingo, 16 de Novembro de 1879

Beati mites, quoniam (ipsi) possidebunt terram (Mt 5, 4)

Vimos nas precedentes bem-aventuranças alguns remédios apresentados para os defeitos principais, para as paixões capitais que são o objecto da nossa luta aqui, pois o noviciado é um combate espiritual. À leviandade de espírito, ao apego aos bens exteriores, à moleza de coração, vemos opor a pureza na inteligência e no afecto, a pobreza, o fervor. Hoje, uma virtude

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CF I

muito necessária aqui, onde reina um grande defeito: a amargura e a dureza de coração: beati mites, quoniam (ipsi) possidebunt terram; quer dizer, possuirão os corações. Nosso Senhor indica aqui o seu fruto imediato: seguirá o reino dos céus, pois o que está junto do trono é um cordeiro e os homens amáveis são os cordeiros de Deus, praticarão a doçura porque Jesus nos convida a ela: discite..., porque ela é uma virtude do Oblato: quasi agnus mansuetus qui mittitur (portatur) ad victimam (Jeremias) (Jr 11, 19); porque sobretudo é necessária ao Oblato que deve fazer uma colheita de corações para Jesus, conduzir-Lhe todos os corações.

O homem amável acaba por não ter inimigos mas sim, muitos amigos: verbum dulce multiplicat amicos e mitigat inimicos (Sir 6, 5), atrai toda a gente e ao ter assim a confiança e o afecto, pode conduzi-los ao Coração de Jesus./

A doçura é-nos necessária aqui e agora porque temos uns para com os outros amargura e dureza nos juízos que fazemos, nas palavras e nas acções; os caracteres são duros, há choques lamentáveis, atritos. Não é assim que vamos atrair os outros, que hão-de ver estas misérias.

A doçura tem o seu primeiro grau na tolerância amável, paciente, silenciosa das afrontas, dos insultos, dos desprezos, etc. Quando são suportados de semblante indiferente ou pelo menos reprimindo imediatamente o primeiro movimento, já é um passo.

O segundo passo consiste em amar essas afrontas para ter ocasião de provar a Deus que nos sentimos bem a sofrer por Ele. O terceiro grau, (consiste) em ter compaixão por aquele que insulta e despreza pelo mal que faz a si mesmo.

Este três graus são para todos os cristãos; para os Oblatos, um quarto grau consiste em ter compaixão do Coração de Jesus, a Quem afligem essas afrontas e para Quem um dos principais tormentos no Horto da agonia consistiu em prever as durezas do seu povo.

Sejamos, pois, (sempre amáveis) para responder ao espírito da nossa vocação, para nos assemelharmos inteiramente ao Coração de Jesus e fazer bater o nosso coração em uníssono com o seu.

Quarta-feira, 19 de Novembro de 1879.

Beati qui lugent... (Mt 5, 5)

Lágrimas de paciência, de penitência, de compaixão, de amor.I. Para a gente do mundo que põem falsamente a felicidade na alegria.

II. Para os religiosos em geral, porque a penitência é essencial a todo o Instituto religioso. Porque a vida religiosa é a privação voluntária da própria vontade, dos bens exteriores e do uso dos bens do corpo. Ditosos os que excitam em si lágrimas de penitência e de arrependimento: nós, sobretudo, que estamos enxertados na ordem da Penitência de S. Francisco, devemos buscar essas lágrimas: especialmente os que hoje estão de retiro excitem-se a elas1.

III. Lágrimas de compaixão por Jesus e Maria.Jesus chora pelo jovem rico, por Jerusalém, no Horto da agonia.Pelo jovem rico: chora por vê-lo desprezar também as graças, chora porque vê que recusa

ser um dos seus apóstolos, pensando em todos os jovens ricos que mais tarde farão o mesmo, como vemos na nossa França onde, desde a revolução, as famílias ricas recusam dar alguns dos

1 O Pe. Dehon pensava que a filiação na Ordem Terceira de S. Francisco dava aos votos dos primeiros religiosos um carácter eclesial mais assinalado, pois - dizia ele aos noviços -: não temos mais nada além da aprovação verbal de Monsenhor (Thibaudier). (cf. III, 24: 7/7/1880. O "cordão" recordava o hábito de S. Francisco. Recordemos que ainda seminarista, em Roma, o L. Dehon emitiu a sua profissão na Ordem Terceira franciscana, depois de um ano de noviciado, a 21/3/1867 (cf. NHV IV, 189-190. V, 127).

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seus membros ao clero, vocações que poderiam ajudar ao zelo das classes médias para o seguir e realizar, e, se soubermos ter compaixão das lágrimas de Jesus a este propósito, seremos ditosos, porque seremos consolados pelo seu divino Coração (o qual sabe demasiado o que é um sofrimento semelhante para não nos consolar), que se apressará a fazer entrar no clero membros das famílias mais ricas que podem trazer disposições mais delicadas, uma educação primária mais esmerada, melhor cultivada, mais preparada e portanto mais própria do clero. Fá-los-á vir, sobretudo, para os Oblatos.

Jesus chora por Jerusalém, pela sua pátria endurecida. Rezemos e compadeçamo-nos da dor que experimentou então antecipadamente ao ver a França, o povo predilecto, a filha primogénita da Igreja, e o povo privilegiado de Deus e de Maria, desconhecê-l´O, ultrajá-l´O. Ditosos seremos, então, porque a salvará.

Jesus chora no Horto das Oliveiras: a vista do pouco fruto da sua redenção, sobretudo as ingratidões do seu povo escolhido arrancou-Lhe lágrimas e mais do que lágrimas, sangue. É aí que nos devemos compadecer, porque é nisso que consiste a nossa vocação especial de consolação e de reparação.

Façamo-lo na hora santa e durante a meia hora de adoração quotidiana. E Maria é também o modelo dos que têm a dita de chorar: ela chorou aos pés da cruz (Stabat mater dolorosa iuxta crucem lacrymosa) e sobreviveu milagrosamente à dor sobrenatural que aí experimentou: ela (é) o nosso primeiro modelo, a primeira que consolou a Jesus sofredor, uniu o seu coração ao seu Coração e chorou com Ele, o que é a melhor consolação; ela chorou em Paray-le-Monial e em La Sallete, sobretudo por causa do povo escolhido.

As lágrimas de amor experimentam-se quando nos sentimos separados do bem amado perdidamente. Peçamo-las e (seremos) ditosos se as tivermos.

Domingo, 23 de Novembro de 1879

Beati pacifici... (Mt 5, 9)

Esta bem-aventurança oferece o remédio para o vício capital da cólera, e o exemplo de Jesus, Deus pacis (2 Cor 13, 11), Filius pacis (Lc 10, 16) convida-nos a ele.

Ditosos os homens de paz; podemos ter esta paz com o próximo, connosco mesmos, com Deus.

- Com o próximo: o primeiro grau consiste em não se encolerizar exteriormente nem manifestar em absoluto a cólera que se tem; o segundo, em reprimir a cólera interior enquanto notamos o seu primeiro movimento.

- Connosco mesmos:1º - Não se aborrecer porque se cometeu alguma falta. Esta cólera é má, toda a cólera é

fruto do orgulho decepcionado: ao ser menos virtuosos do que esperava o nosso amor próprio, irritamo-nos e com uma estupidez que castiga instantaneamente o nosso orgulho castigamos a nossa alma deixando-a cair em faltas mais graves.

2º - Conduzir-nos suavemente pelo caminho da perfeição, tratar-nos com grande doçura e humildade.

- Com Deus: não estar em guerra declarada com Ele pelo pecado mortal, nem em guerra de escaramuças pelo apego (ou o hábito) ao pecado venial. Estes são os dois graus desta paz.

Isso, para toda a gente.Há um terceiro grau para o Oblato: ser pacificador, estabelecer a paz / entre os irmãos,

entre as almas e Deus. Essa foi a missão de Jesus e o resultado da sua vinda com o seu Evangelho de paz: a paz entre os homens e entre Deus e os homens. Nisso está a finalidade da sua vinda:

Para nós, pratiquemos bem esta paz, sobretudo os três graus que consistem:

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1º - em não se encolerizar interior e exteriormente;2º - em não ter apego ao pecado venial, pois sem esse desapego é insensato julgar-se

Oblato;3º - em pacificar os nossos irmãos e reconciliar as almas com Deus pela expiação, pelo

sacrifício, pela imolação.

Quarta-feira, 26 de Novembro de 1879

Beati misericordes... (Mt 5, 7)

Nosso Senhor reuniu em 8 palavras todo o seu Evangelho; é o pensamento do Pai. Mais uma bem-aventurança que corresponde ao espírito do homem novo.

Se obtivermos a compaixão de Deus, que nos pode faltar? Espiritual e corporalmente, temporal e eternamente. Misereor super turbas (cf. Mc 8, 2), isto foi a multiplicação dos pães. Miseratus est super illum (cf. Mc 6, 34).

Tenhamos compaixão1) - das nossas almas: elas são a obra prima de Jesus, a sua vinha escolhida. São,

portanto, muito grandes;2) - tenhamos compaixão dos nossos irmãos: não ter mais do que compaixão - e nada

mais - pelas suas imperfeições, não mentir quando dizemos mil vezes ao fim do dia miserere nobis. Jesus responde: começai, e nós fazemos pouco d´Ele se não o fizermos;

3) - tenhamos piedade do Coração de Jesus: aqui está o ponto principal. Veio solicitar a nossa compaixão em Paray-le-Monial. Tota die expandi manus meas ad populum hunc contradicentem: mendigou, estende as mãos. Tenhamos compaixão, é a nossa vocação.

Beati misericordes (Mt 5, 7), poderíamos fazer disto a divisa da nossa obra; tenhamos piedade d´Ele, e à nossa compaixão Ele responderá com um misereor (super turbas) (cf. Mc 8, 2) como no deserto.

Meditemos frequentemente sobre esta bem-aventurança.

Sexta-feira, 28 de Novembro de 1879

Beati qui persecutionem patiuntur... (Mt 5, 10)

Depois de ter proposto o desapego dos diversos bens pelo voto de pobreza, castidade, mansidão, Jesus abre o segredo do seu Coração: Beati qui persecutionem patiuntur... (Mt 5, 10).

Estas palavras têm também um sentido geral para todos os fiéis, mas especialmente para os religiosos, pois Ele se dirige em seguida aos seus discípulos: Beati eritis... (Lc 6, 22).

Ele provou-o na Igreja e sobretudo pelos religiosos, os primeiros chamados a falar do seu Coração, mesmo aos Oblatos: enviar-nos-á desprezos, zombarias, perseguições exteriores inclusivamente. Como ser feliz com isso?

É Jesus quem no-lo ensinará; Ele, tão superior pela sua inteligência, escolheu isto, preferindo-o a tudo; Ele iluminará o nosso espírito para revelar o segredo do seu Coração.

Como à Bem-aventurada Margarida Maria, dar-nos-á primeiro a sua cruz, com rosas, pouco a pouco a descobrirá e nos fará penetrar este mistério que consiste em amar, em sofrer.

Para terminar, um pensamento que não parece ligar-se directamente. Nosso Senhor, aparecendo à Bem-aventurada muito abatido e chorando, disse-lhe: São as faltas secretas dos meus amigos que me trataram assim. Ela não podia consolá-l´O porque Jesus precisava de consoladores iguais na hierarquia aos seus ofensores. Procurava então vítimas para o seu

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Coração ultrajado pela tribo sagrada: nós vimos oferecer-nos, nós, sacerdotes e clérigos; Ele nos dará o que fizer falta para O consolar.

Sábado, 29 de Novembro de 1879

Até aqui, as bem-aventuranças, por três razões:1º - É Nosso Senhor quem assim começa as instruções aos seus noviços, não sendo o

Padre (João)2 mais do que um meio muito infiel e muito imperfeito.2º - Elas dão uma visão de conjunto da vida religiosa e são uma introdução.3º - Fazem pressentir a dita que é a nossa vida porque em cada bem-aventurança há um

sentido especial para nós, para além do sentido especial para a vida religiosa e o sentido (geral) para os fiéis.

Vamos estudar a vida religiosa nos seus pormenores.3 partes: purgativa, iluminativa, unitiva:Purgativa: três partes (paixões)3 a estudar para renunciar a elas e combatê-las, 3 grandes

inimigos.Iluminativa: para encher a nossa alma de virtudes, pois um frasco não se enche mais de

perfume senão quando está bem limpo.Unitiva: pela oração, pela prece.Em cada parte veremos sempre o que há de especial para nós.Depois virão uns avisos e explicações das regras.De vez em quando dedicaremos algum tempo no fim da conferência para dar alguns

avisos práticos e oportunos.

Terça-feira, 2 de Dezembro de 1879

1º - Sobre a via purgativa

Vamos começar a esvaziar-nos dos nossos defeitos. As nossas paixões são movimentos do apetite sensitivo para algum objecto. Os três primeiros movimentos são: o amor, o desejo, o prazer.

Gosto de uma fruta, de um aposento; desejo-os, sinto prazer se os possuo. Há três causas: a honra, a utilidade, o encanto. Sentimo-nos naturalmente impulsionados para estes três movimentos depois do pecado original. O nosso corpo arrasta-nos para ele.

Os pagãos compreenderam-no: procurando um remédio, raciocinavam dizendo: há algo de melhor para mim do que isso, a ciência e a virtude são preferíveis a isso.

O cristão tem uma razão mais forte: terá algo de melhor na eternidade, melhores frutos, melhor aposento, etc.

O religioso diz a si mesmo: o meu Jesus elevou-se acima disso.O Oblato: quero reparar os prazeres que o mundo se concede nisso; é preciso, pois,

abster-me disso para consolar a Jesus e obter que essa porta do inferno se feche. Esse deve ser o seu pensamento dominante.

É uma guerra: há que conhecer o inimigo, quem é, onde está, de que armas se serve. Será talvez a moleza do sono, a charlatanice, a gula, o inimigo está em nós mesmos e somos nós mesmos.

2 O Padre (João) é o Pe. Dehon. No começo do noviciado (31/7/1877) tomou o nome de Pe. João do Coração de Jesus (cf. VP, p. 102)3 O manuscrito diz "3 partes", mas provavelmente o noviço Falleur quis escrever "3 paixões". Destas paixões fala o Pe. Dehon na conferência seguinte de 2 de Dezembro de 1879.

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Quinta-feira, 11 de Dezembro de 1879

(Por causa do retiro pregado no convento, não houve conferência durante 8 dias)4.Vimos que somos impulsionados por três movimentos, por três motivos, por três

caminhos principais ou sete, que são os pecados capitais.Os três movimentos têm os seus contrários quando vencemos uma coisa: assim, se gosto

de um fruto, desejo-o, deleito-me com ele, e reciprocamente sinto o pesar de um mal, detesto-o, causa-me sofrimento.

Há, assim, na atracção e na repulsão três movimentos equivalentes. Estas inclinações e estas repulsões têm o seu princípio na nossa natureza decaída: jamais as devemos seguir, sejam quais forem, porque há as boas e as más, mas todas são a voz da parte inferior e corresponde à razão mandar.

Os filósofos pagãos compreenderam-no: racionalizavam os seus apetites sem se submeterem a eles. Nós seguimo-los sem lhes prestar atenção durante todo o dia, e daí que se misturem boas e más acções. Pois há inclinações sugeridas por Jesus e outras, por Satanás.

O cristão diz a si mesmo: é isso que me sugere a fé?O religiosos: agiu assim o meu Jesus?O Oblato: a minha inclinação impele-me para isso; um momento: não há nada de melhor

para fazer? É assim que vou reparar? Sim, pois bem, faço-o para reparar.Submeter todas as inclinações a um motivo sobrenatural, a reparação. É o que fazia a

Santíssima Virgem, que não tinha senão boas inclinações. Reflectia sobre todas sem jamais as seguir cegamente.

Sexta-feira, 12 de Dezembro de 1879

As paixões são movimentos do apetite sensitivo que nos levam, seja a buscar, seja a evitar certos objectos externos.

Há seis movimentos da parte concupiscível da alma:três a favor: amor, desejo, prazer,três contra: detestação, aversão, dor.Não devemos segui-los, mas submetê-los à razão e excitá-los depois de acordo com a

razão.Há também outros movimentos.Se houver obstáculos a esses primeiros movimentos, surgem outros: a esperança e a

audácia: uma que concebe e medita, a outra que põe em execução os meios para vencer o obstáculo.

Há também que submetê-los à razão e utilizá-los conforme a razão.Todos esses movimentos devem servir para nos santificarmos, pois, somos um composto

de alma e corpo e um e outra devem participar na santificação.O (os) filósofo (s) pagão (ãos) submete (m) isso à razão: o cristão submete-os à sua fé; o

religioso perguntará se irá imitar a Jesus actuando assim; o Oblato põe-nos ao serviço da reparação.

Domingo, 14 de Dezembro de 1879

Quando a paixão encontra um obstáculo à posse de um bem, nascem no apetite irascível dois movimentos: a esperança e a audácia.

4 O "convento" é a casa religiosa das irmãs Servas do Sagrado Coração.

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Quando se trata de um mal que ela não pode evitar, excita o desespero, o temor, a cólera.Combater também e submeter à razão estes movimentos como os outros.

Quarta-feira, 17 de Dezembro de 1879

Vimos os onze movimentos que se produzem no apetite sensitivo com a ocasião de um bem ou de um mal real ou imaginário. Vimos que é preciso submetê-los à razão e excitá-los logo num sentido de fé, porque ajudam poderosamente: para fazer um santo é preciso ter paixões (a paixão de não ter paixões más).

Agora, quatro observações reflexões gerais sobre as paixões.1º - Se não quisermos que a nossa alma seja um campo em pousio onde tudo cresce

indiscriminadamente, uma vinha do Senhor que nada lhe produz apesar das graças com que a rodeia, é preciso fazer guerra às paixões e actuar como os guerreiros: prever, calcular, vigiar dia e noite, examinar.

2º - Há movimentos que se combinam: assim vingam-se de uma palavra dura com uma mortificante, a cólera desaparece, mas não vos dais conta de que se transforma num prazer malsão. Não penseis que dominastes a cólera porque vos sentis mais contentes depois dessa réplica.

3º - Temos três armas contra as paixões: um pensamento procedente da razão, outro da fé e outro de acordo com a nossa vocação. Mas esses (três) meios são interiores. Pois bem, há paixões contra as quais é preciso reagir exteriormente, opondo-lhes os actos que lhes são contrários. Assim, chegar a ser obsequioso com uma pessoa antipática, escolher no refeitório a parte que repugna. Frequentemente não se é vencedor senão por meio destes meios exteriores.

4º - Procurar a paixão dominante para a atacar preferentemente. Quando uma árvore se inclina demasiado para um lado, já fizemos muito se quase a endireitámos.

Mudemos esta paixão para o bem sobrenatural; servir-nos-á de grande ajuda, pois ninguém se torna santo sem paixão.

Sexta-feira, 19 de Dezembro de 1879

Sobre as tentações

Todas estas paixões nos tentam: Unusquisque tentatur a concupiscentia sua abstractus et illectus (Tgo 1, 14); Caro concupiscit adversus spiritum (Gal 5, 17).

Esta parte inferior da nossa alma subleva-se contra as outras, pois há três partes:(a parte) inferior, (a parte) média que compreende a razão,(a parte) superior que encerra a lei natural e tudo o que é sobrenatural, que provém

verdadeiramente do espírito.Para combatê-las, 1º mudemos a direcção do nosso espírito, dirijamo-las para um fim

sobrenatural.Para vencer o sentido carnal, sirvamo-nos das chamas do inferno. Para resistir à sedução

que nos inspira a beleza de uma pessoa ou de uma coisa, pensemos e apeguemo-nos à beleza de Jesus que é a sua fonte. É um meio para mudar a tentação em nosso proveito: Faciet cum tentatione proventum (1 Cor 10, 13); Post concupicentias tuas nos eas (Sir 18, 30).

Domingo, 21 de Dezembro de 1879

Há três partes no homem:

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a parte inferior onde se localizam as onze paixões;a parte intermédia que é a razão;a parte superior que é a consciência iluminada pela fé.Da parte inferior vêm as tentações: caro concupiscit (Gal 5, 17). As que vêm dos sentidos

externos reprimem-se facilmente, pois é fácil não ver nem sentir. Exceptua-se um sentido: o sentido impuro: há que sofrê-lo tal como os onze movimentos interiores já citados; combate-se o fogo impuro com o fogo do inferno e toda a imaginação desta espécie com uma imaginação crucificadora oposta.

Para os onze movimentos, em vez de os suprimir, mudam-se os seus objectivos. Foi assim que o ambicioso S. Francisco Xavier mudou a sua ambição em zelo pelas almas.

Isto relaciona-se com o que foi dito na sexta-feira.

Domingo, 21 de Dezembro de 1879

Vimos o que devemos afastar da nossa alma: paixões e tentações. É o objectivo da via purgativa. Esta via é a principal ocupação do noviciado e será preciso insistir sempre um pouco nela no tempo que se segue. Pois as paixões renascem.

(Comparação pormenorizada do frasco que é preciso purificar antes de o encher de perfume). Vamos ver o que é preciso infundir na nossa alma: a virtude: est bona qualitas qua bene vivitur, et qua nunquam male utitur, diz Santo Tomás (cf. S. Th., 1-2ae, q.55, a.4)5. É o soberano bem, porque ela é soberanamente digna de honra, dando-nos a estima do céu; soberanamente útil, porque nos dá a paz neste mundo e a glória no outro; soberanamente agradável, porque nos faz gostar desde já a felicidade, mas sobretudo (porque) nos atrai uma felicidade eterna.

Mas não nos esqueçamos de falar do Coração de Jesus que tanto amou a virtude. Ele inspirou o Cântico dos Cânticos, onde veladamente assinala o seu amor pela virtude, que é a Sua querida Esposa.

Relacionemos, pois, também a virtude com o Coração de Jesus, que deve ser o centro dos nossos pensamentos e também das nossas palavras em todo o tempo, oportune, importune, nas nossas cartas, nossos passatempos, com os inferiores, os superiores, as crianças, as pessoas maduras: falemos d´Ele sem cessar. Como S. Tomé, digamos: Deus meus et omnia (cf. Jo 20, 28). Entregamos-Lhe uma casa; não é isso inútil, se não Lhe dermos o consolo de ver a virtude em nós? Se não queremos ser repelidos, porque não correspondemos às suas esperanças?

Terça-feira, 23 de Dezembro de 1879

(adiantada um dia por causa das confissões de amanhã)

Disposições interiores para a festa do Natal

O que Jesus quer de nós evidentemente (esta palavra impressionou-me) é encontrar aqui a sua Belém: Ele já a encontra de certo modo ao vir aos nossos pobres e miseráveis corações, mas o sentimento que devemos experimentar é o de uma afectuosa compaixão ou de um afecto compassivo.

Indubitavelmente, Ele regozijou-se ao vir a este mundo, porque a sua obra avançava, mas Ele sofria já porque a sua obra da redenção devia realizar-se por meio do sofrimento.

5 A definição completa de Santo Tomás na "Suma Theologiae" (1ª 2ae, 9, 55, a4) é a seguinte: Virtus est bona qualitas mentis qua recte vivitur, qua nullus male utitur, quam Deus in nobis sine nobis operatur.

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Tenhamos compaixão sobretudo dos sentimentos que Lhe inspiram as disposições dos que veio salvar. Há os ímpios, que não pensam no Natal; os indiferentes, que também não pensam mais do que os anteriores; os tíbios, que não pensam nisso mais do que pela alegria e diversões que traz; as pessoas piedosas e fervorosas para quem o presépio tem encantos, mas que se ficam pelos adornos exteriores e roubam mais do que um pensamento ao divino Menino.

Quem o receberá como Ele deseja? Os Oblatos que penetrarão nos sentimentos que Lhe causou a dureza dos habitantes de Belém. Foi maltratado pelos privilegiados, por toda a espécie de gente: et sui eum non receperunt (Jo 1, 11). Entre eles havia certamente almas consagradas, levitas, escribas. Ingratidão e dureza por todo o lado. Compadeçamo-nos, pois, afectuosamente das negações que sofreu, especialmente da parte das almas consagradas e peçamos-Lhe graças nesse sentido, pois nós pediremos outras inutilmente, como as consolações sensíveis, etc.

Santifiquemos as vésperas, o dia, o dia seguinte, a oitava por meio destas disposições, mas sobretudo por meio de uma regularidade maior. Não nos entreguemos à alegria de tal modo que o horário nos pareça aborrecido e causador de tristeza; mais exactidão, mais amabilidade; se temos tempo livre, mais do que habitualmente, vamos passá-lo junto ao presépio; não haja lugar para o aborrecimento: é inferir uma grosseira injúria a Nosso Senhor aborrecer-se aqui quando Ele habita entre nós.

Sortearemos uns papelinhos que indiquem a cada um, uma função junto do Menino Jesus; compramo-las com fé, estudemos o seu simbolismo: que Jesus, para terminar, encontre o que quer encontrar: Belém.

Quinta-feira, 25 de Dezembro de 1879

(Tomada de hábito do Pe. Francisco Xavier)6

Invenietis eum (infantem) pannis involutum et positum in praesepio (Lc 2, 12)

Parece que a solenidade deste dia não se pode compaginar com a solenidade da tomada de hábito e o despojamento. Sem dúvida, conciliam-se muito bem.

Que é o religioso? Não é aquele a quem Jesus diz: sequere me? (Mc 2, 14). É a palavra que dirige a quantos convida para a vida religiosa. Se o religioso tem que seguir a Jesus, não tem que o seguir desde o primeiro passo? Este primeiro passo vemo-lo hoje: Jesus está aí, envolto em panos e reclinado num presépio.

Esses panos têm um laço que simboliza o cordão dos religiosos e são um vestuário que simboliza a modesta batina dos religiosos.

Do seu presépio, Jesus convida-nos, pois, a aceitar como Ele o hábito religioso.Mas vamos ao Coração de Jesus, pois é privilégio dos Oblatos imitar o Coração de Jesus.Vemos os sentimentos que O animam no seu presépio: amor e reparação. Repara amando

e ama reparando. O seus choros expiam os nossos gozos, a sua nudez, as nossas comodidades; a sua pequenez, o nosso orgulho.

Desde o primeiro passo na vida dá aos religiosos o exemplo de renúncia aos bens externos (sua pobreza), aos bens do corpo (frio e choro), aos da alma (as fraldas, a faixa).

Conservai como recordação da vossa tomada de hábito esta lição do Coração de Jesus, que vos mostra como começa a vida religiosa: no seu presépio estará a devoção principal do vosso noviciado.

6 O Pe. Francisco Xavier Lamour, no século Filipe, nascido em Landrecies, departamento do Norte (França), a 29/8/1843, ordenado sacerdote em Soissons em 1868, entrou nos Oblatos a 21/11/1879, tomou o hábito a 25/12/1879 (RV, 1) e a sua primeira profissão a 7/1/1881. Foi superior e mestre de noviços em Sittard de 1883 a 1886, depois conselheiro geral de 1886 a 1896. Morreu em Quévy (Bélgica) a 3/5/1921. Como o Pe. Lamour já era sacerdote, a sua tomada de hábito consistia na bênção da batina, na recepção do cordão e do escapulário, característicos dos Oblatos do Sagrado Coração.

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Mais tarde, no dia da vossa profissão, vereis a Jesus vestindo a túnica da ignomínia, os cravos, a cruz, e tudo isso será muito apropriado para um Oblato.

Sexta-feira, 26 de Dezembro de 1879, véspera de S. João

Deixemos o esquema das nossas conferências em honra de um dos nossos patronos. S. João foi o modelo perfeito do religioso-oblato.

I) Do Religioso.

A Sua pobreza. Foi discípulo de S. João Baptista, tão pobremente vestido e alimentado, e cuja vocação pedia esta pobreza, e o discípulo predilecto. É, pois, porque correspondia melhor à sua vocação e se parecia mais com o seu mestre.

Depois, discípulo de Jesus que não tinha onde reclinar a cabeça.Finalmente, guarda da Santíssima Virgem que amou muitíssimo a pobreza.E enfim, segundo os Padres, levou uma vida muito pobre e mortificada.A Sua obediência. Viu um profeta; imediatamente obedeceu à sua voz e se fez seu

discípulo, seu imitador.Este profeta envia-o a Jesus: a mesma docilidade, vai visitá-lo. Mais tarde Jesus diz-lhe:

Sequere me (Mc 2, 14); abandono tudo: relictis retibus et patre (Mt 4, 20). Seguiu Jesus no Tabor, na agonia, na paixão, na Cruz.

A mesma docilidade para com a Santíssima Virgem. Obedece-lhe como um filho, vive com ela durante os seus tristes dias, partilha os seus actos e a sua vida.

Docilidade para com S. Pedro: Jesus dá-lho como superior; obedece-lhe, vemo-lo a seguir Pedro no Tabor e no jardim da agonia. Logo depois, apesar da queda de Pedro, presta-lhe um serviço, obedecendo para o fazer entrar em casa do sumo sacerdote. Acompanha-o ao sepulcro e com deferência muito delicada deixa-o passar adiante dele. Antes tinha informado do que se passara no sepulcro. Depois do Pentecostes segue a Pedro, indo ao templo. É Pedro quem cura. Segue-o diante dos juízes que o mandaram flagelar. Mais tarde vai visitá-lo a Roma.

A sua pureza. Virgo virginem virgini commisit. Esta é uma prova da sua extrema pureza; a Santíssima Virgem não teria podido viver com um homem cujos pensamentos não tivessem sido puros.

II) Do Oblato.

S. João levou uma vida de imolação pelo amor e pelo sacrifício. Amou a Jesus: era o amigo de Jesus. Pois bem, Jesus disse-lhe: Ego diligentes me diligo (Prov 8, 17), e demostrou-o pelo privilégio da Ceia concedido ao discípulo amado do seu Coração. S. João amou a Jesus fielmente: apesar de um pouco de hesitação ao princípio, recompôs-se imediatamente e depois do seu sono e da sua fuga momentânea obedeceu à Santíssima Virgem, que o reenviou a Jesus, e fazia falta amor para amar a Jesus flagelado, cuspido, objecto de troça, crucificado. Teve-o, e muito, pois precisamente naquele momento recebeu o título de filho de Maria e o cuidado da sua Mãe. O seu amor fê-lo ser escolhido, diz Santo Agostinho. O seu evangelho e as suas cartas são acto perfeito de amor.

E o sacrifício? Não sofreu em Jerusalém, em Roma, em Patmos? Levou a vida de vítima juntamente com Maria, oculta e sem brilho exterior, pois não vemos que tenha evangelizado toda uma grande região, como os outros. Amou a Jesus e entremeou a sua vida de amor com algumas obras exteriores.

Agradeçamos a Jesus ter-nos dado um padroeiro tão querido do seu Coração e que, com Maria, foi o primeiro Oblato do Coração de Jesus, pois a sua vida, como a de Maria, foi, depois da Ascensão, um martírio de amor.

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Sábado, 27 de Dezembro de 18797

A comunidade, ao expressar as suas felicitações festivas ao Pe. João e ao assegurar-lhe os seus desejos de estar unida a ele como S. João seguiu a Nosso Senhor8, o Pe. João respondeu que estava feliz com esta pequena manifestação, que Nosso Senhor a queria, que abençoaria a Obra e que no futuro daria graças extraordinárias a alguns. Recordou e fez realçar, aplicando-as aos outros, as principais características de S. João, proposto à nossa imitação.

Domingo, 28 de Dezembro de 1879

Vamos falar das virtudes sem nos alongar muito, porque queremos percorrer toda a vida religiosa em alguns meses e recomeçar depois.

Existem as virtudes sobrenaturais, que estão acima da nossa natureza. A primeira é a fé : Sperandarum substantia rerum et argumentum non apparentium (Heb 1, 11). A existência substancial das coisas que se esperam e a convicção das coisas que não vemos.

A fé é necessária a todos e sobretudo aos religiosos porque ela nos inclina para uma virtude essencial do estado religioso, a obediência: Creio no que Deus revelou e creio também que Deus fala pela regra e pelos superiores.

Eis aqui três meios para ter uma fé bem forte e bem prática e que podemos usar, menos nas tentações contra a fé, porque nesse caso há que deixar passar a tempestade e agarrar-se a uma oração vocal, o Pai nosso, por exemplo, ainda que o digamos maquinalmente. Pois estas orações, como vêm de Deus, actuam quase como que sacramentos. Quanto ao resto, há tentações que não vêm senão no noviciado e a da fé não costuma sê-lo ordinariamente.

I. Excitar a sua vontade. A fé temo-la na vontade. Queremos actuar bem, dizer a nós mesmos: se eu quero crer, tenho aqui o que é preciso fazer, assim cem vezes ao dia e seremos santos depressa.

II. Quando a nossa vontade começa a enfraquecer, excitar a fé da inteligência por meio da representação das ideias de fé, da divindade de Jesus, da Igreja, da sua doutrina e dar assim um recurso poderoso à nossa vontade.

III. O meio próprio dos Oblatos: dizer a si mesmos: mas não creio que o Coração de Jesus amou tanto aos homens e que Ele quer que se lhe tribute amor por amor? Este Coração tão terno di-lo ao nosso coração. Oferecer-Lhe antes de cada acção o que se vai fazer para satisfazer este divino mendigo que reclama todo o nosso ser e que a nossa fé nos representará lá, diante de nós, sangrando, dilacerado e sedento de consolação. Atrever-nos-emos a negar-lhe a pontualidade a um exercício, o bom uso do tempo durante este exercício? Isto pode conduzir-nos à mais alta santidade.

Quarta-feira, 31 de Dezembro de 1879

Deixemos, mais uma vez o curso normal das nossas conferências. Não há qualquer mal em descansar um pouco de vez em quando e, por outro lado, este intervalo permite-nos fazer actos da virtude da fé em que nos detivemos.

Hoje, véspera de Ano Novo e final deste ano, vemos por todo o lado o interesse, a conveniência, inclusivamente o afecto e o reconhecimento que levam os homens a felicitar-se

7 O texto correspondente ao dia 27 (26 no manuscrito, por erro) aparece na página 32. No cimo da página 31, o noviço Falleur escreve: (ver mais abaixo). Nós apresentamos aqui o texto para seguir a ordem dos dias.8 Cf. CF V, 7-10.

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CF I

mutuamente. Jesus, permanece esquecido, e são raros aqueles que pensam em dar-lhe graças nesta ocasião.

Esta noite faremos a Hora Santa para terminar e iniciar o ano aos pés de Jesus. O tema da nossa meditação durante esta hora será este: que pensa Jesus neste momento e quais são os seus sentimentos?

Eis um ano que termina. Foi muito ofendido durante este ano, roubaram-se-lhe os filhos que o seu Coração amou. Persegue-se os religiosos que têm o seu nome; atacam-se as universidades que se propõem glorificá-l´O; foi injuriado especialmente na devoção ao Sagrado Coração; quer-se roubar-lhe a França. No decorrer deste ano cometeram-se milhões de pecados na terra; a tribo sagrada e o povo escolhido participaram em parte nestas ofensas: aí tendes o que deu a terra neste ano.

Jesus, por seu lado, enviou as suas mais abundantes graças, sustentou o mundo inteiro, dando a cada ser o movimento e a vida, ajudou e vivificou as inteligências e as vontades humanas; sobretudo, dirigiu-as para o seu fim sobrenatural, mostrou-lhes o seu Coração, deu-lhes todas as ajudas necessárias e mais do que suficientes para as fixar na perfeição; não ficou desanimado nem pelas nossas friezas nem pelos nossos crimes nem pela nossa ingratidão.

Viu este ano, durante as três horas mortais da sua agonia. Viu os crimes e a perversidade humana durante esta época. Que dor deve ter experimentado então!

Mas, como será o seu amor que, apesar de prever estes horrores, quis sem dúvida merecer e outorgar à terra tantos favores! Ele também viu o ano de 1880: viu que o Anticristo se apressa a arruinar o seu reino por todo o lado; viu as misérias que ainda se vão realizar, sem dúvida, o seu Coração transbordante de amor quer fazer dele um ano de graça, o ano do Sagrado Coração, como disse Leão XIII.

Este ano será para nós um ano de misericórdia e de provações. Umas provações, logo grandes graças. Isso é o que nos reserva. Durante esta noite ofereçamo-nos generosamente a Ele como vítimas de amor e de reparação: o que tanto gosta de nos ver fazer.

Sexta-feira, 2 de Janeiro de 1880

A virtude da esperança

Vimos a paixão com este nome. É um movimento da nossa alma que se projecta para um objecto apesar do obstáculo. Mas esse objecto é frequentemente mau; a virtude da esperança tem um objecto sobrenatural. É um hábito que nos une a esses objectos sobrenaturais, tanto mais quanto mais objectos tem.

Três motivos para nos apoiarmos na esperança:I. A misericórdia de Deus: Deus não pode ver diante d´Ele uma alma bem intencionada

sem a ajudar, consolar. Está na sua natureza fazer bem e fá-lo desde o momento em que não se lhe põe obstáculo. É insensato e herético pensar de outro modo.

II. Os méritos de Nosso Senhor. Não é possível que Deus negue nada a uma alma que lhe recorde o que Jesus fez por ela, que lhe põe diante dos olhos o seu Filho flagelado, crucificado.

III. As promessas de Jesus: Petite et accipietis... (Jo 16, 24), Si quid petieris... (cf. 16, 23), e muitas outras passagens da Escritura nos atestam que podemos esperar tudo da misericórdia...

IV. O Coração de Jesus para nós, Oblatos: In te Cor Jesus speravi, non confundar in aeternum. O Coração de Jesus por Quem abandonámos tudo, a Quem nos entregámos inteiramente, este Coração generoso e infinitamente liberal, não pode negar-nos nada. Não quer mais do que dar-nos, em troca de alguns sacrifícios. É o motivo mais poderoso para nós, o mais indicado para nos dar segurança, para nos fazer dizer com Job: Etiamsi occiderit me, in ipso sperabo (Job 13, 15), com S. Paulo:Anchoram habemus... tutam ac firmam (Heb 6, 19).

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CF I

Este ano temos de prestar atenção a isto, será um ano de contradição, a julgar pelo curso ordinário das coisas, para toda a obra. Começamos a ser conhecidos na cidade, e será preciso esperar a provação. Se soubermos apoiar-nos nestes motivos, a nossa esperança será segura (tutam) e firme.

Domingo, 4 de Janeiro de 1880

Vimos como devemos apoiar-nos na esperança como âncora sólida. Vejamos a caridade. As outras virtudes conduzem a ela. Ela supõe-nas. É a sua rainha: Super omnia haec charitas: major horum charitas (cf. I Cor 13, 13).

Devemos praticar a caridade. É a primeira palavra do decálogo. Nós, sobretudo nós, devemos praticá-la porque é próprio da nossa vocação de Oblatos do Coração de Jesus.

Com frequência os religiosos se distinguem pela cor do seu hábito; o hábito da nossa alma diante de Deus deve ser o amor e, se forem precisos dois, o segundo seria a compaixão. Sem isso não existe o Oblato; é absolutamente necessário. Os homens de coração: nós honramos especialmente o Coração de Jesus. A nossa morada é o Sagrado Coração, dizemos nós a quem no-lo pergunta. Arvorámos este símbolo no cimo da casa. Vemo-lo de qualquer ponto. É preciso que seja um sinal que nos fale.

Mostra-se-nos rodeado de chamas e lançando labaredas para mostrar que a primeira virtude do Coração de Jesus é o amor. Nós, seus Oblatos, que devemos formar-nos à sua imitação, devemos, como Ele, ter amor: um amor ardente e exercitar-nos por meio de jaculatórias frequentes para nos tornarmos Oblatos perfeitos. Com esta finalidade recordemos também frequentemente as motivações do amor: motivações de amor de preferência, motivações de amor de agradecimento.

I. Amor de preferência

O que é nobre e grande atrai-nos. Gostamos e orgulhamo-nos de nos aproximar dele porque nos engrandecemos ao aproximar-nos do que é grande: por exemplo, todos aqueles que viram Pio IX orgulham-se com isso. Parece que a honra de uma das suas audiências nos fez participar da nobreza e da dignidade desta augusta figura. Que não dará alguém pela honra e pela reputação?

Pois bem, Deus possui tudo isto em grau infinito: o que é belo apaixona-nos, desde a pedra inanimada até ao homem mais bem dotado. Tudo isso é de Deus, que o tem infinitamente. Não merece o nosso amor? S. Paulo desejava morrer para ver Jesus: Cupio dissolvi et esse cum Christo (cf. Ph 1, 23). A Santíssima Virgem e vários Santos morreram do desejo de o contemplar. Quão grande deve ser a sua formosura no seu corpo glorioso!

II. Amor de agradecimento

Eis o Coração que tanto amou os homens: dá a vida, promete a redenção, preparando-a por meio de um povo eleito, por meio dos prodígios do Egipto, do deserto, da Terra Santa antes do cativeiro, do regresso, pela Incarnação, pela paixão, pela agonia: dando o seu Coração e inventando aquilo que o amor humano não teria podido descobrir jamais: a eucaristia, o sacramento do amor, a vocação. Finalmente, para nós, o dom do seu Coração, dispondo Monsenhor que se nos conceda a nós, 2 ou 3 pobres pecadores um altar, um sacrário, pondo o Coração de Jesus em todo o lado o seu Coração à nossa vista para nos dizer: Eis o Coração que

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CF I

tanto amou os homens. Não é suficiente para nos excitar à caridade e ao amor do Coração de Jesus?

Quarta-feira, 7 de Janeiro de 1880

Hoje também, para nos determos mais sobre o tema da última conferência, deixemos o esquema habitual e façamos algumas considerações sobre os reis magos.

Eles foram verdadeiros Oblatos.Porque deixaram tudo? Não foi para se oferecerem com os seus presentes? Obtulerunt

(Mt 2, 11). A Igreja também os venera e têm um sepulcro ainda mais esplêndido do que o de S. Pedro.

Que podemos oferecer a Jesus, em união com eles, durante esta oitava?I O ouro, o sacrifício da vontade e do amor próprio; sacos deste ouro, pois não temos

outro, a não ser a vontade própria ainda que num só dia, num só exercício! Ofereçamos tudo isso a Jesus e tenhamos por lema: o que Jesus quer. É metade da nossa vocação, a imolação da vontade; a outra é o dom do coração, do amor.

II O incenso, ou a oração por meio de jaculatórias frequentes, como: seja louvado e amado por toda a parte o Sagrado Coração de Jesus; in Te Cor Jesu speravi, e por meio de todos os exercícios de piedade, sobretudo por meio do Ofício divino bem recitado, que é uma incensação perpétua; cada versículo é um golpe de turíbulo se for bem recitado.

III A mirra:1º da mortificação: as nossas almas são uma morte para Jesus. Têm para Ele um gosto

fétido. Usemos a mortificação para conservarmos para Jesus um corpo que tornou seu e uns membros que são seus membros. Mortificação: pelo brio, pela prontidão em levantar-se, pela diminuição da comida indicada pelo director, pelo uso do cilício por aqueles que ainda são jovens e vigorosos. Aí tendes a mirra que deveis oferecer.

2º da compaixão: ao embalsamar as chagas de Jesus, Maria Madalena e S. João ofereciam certamente esta mirra da compaixão pela dor causada a Jesus pelos pecadores, sobretudo por Judas, com quem nos parecemos nós, os Oblatos, por causa das nossas traições.

Ofereçamos, pois, a Jesus estes dons, transportando-nos em pensamento até junto do presépio ao longo do dia.

Sexta-feira, 9 de Janeiro de 1880

Vimos que devemos acreditar na veracidade, esperar na bondade e, sobretudo, amar as bondades de Deus para connosco: a caridade resume os três primeiros mandamentos referentes a Deus: a caridade para com o próximo resume os sete restantes que se referem ao próximo e a nós mesmos.

Amarás ao próximo como a ti mesmo, portanto: também a ti mesmo. Mas como é a Deus que devemos amar no próximo, na realidade tudo se reduz a amar a Deus. Soli Deo honor et gloria et amor etc... (cf. Tim 1, 17). Porque devemos amar o próximo?

I Porque Deus o ama. Deus ama-o: é a sua obra, a sua obra-prima. Resgatou-o, chamou-o para a glória: Mirabiliter condidisti et mirabilius reformasti (Liturgia): criado, resgatado, chamado à glória. Deus ama-o porque procede d´Ele; amemos pelo mesmo motivo: ama-se o que pertence a alguém que se ama, a sua casa, as suas propriedades, tudo o que é seu atrai o nosso amor e os nossos cuidados.

II O nosso próximo pertence ao rebanho de Nosso Senhor. São as suas ovelhas.Se o filho de um rei criasse cordeirinhos e fôssemos admitidos a visitá-lo, a acariciá-los,

que zelo poríamos, sabendo que agradaríamos ao príncipe e, se ao sair do redil encontrássemos

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CF I

um ferido e sujo por ter caído fora do redil, que esmero poríamos em recolhê-lo, levá-lo, tratá-lo e oferecê-lo ao filho do rei?

III Os homens são também filhos adoptivos de Deus. Qual não seria a nossa atenção junto do próprio filho do rei?

Estes são os motivos para amar todos os homens. Há alguns que é preciso amar de modo mais especial: os superiores que ocupam o lugar do rei em pessoa, os doentes do corpo, do espírito ou da alma e estes porque o Senhor os ama de modo especial: numa família todos se afanam por amar os deserdados da natureza. Nosso Senhor afana-se por amar os tentados, os pecadores, porque prefere aqueles a quem mais bem pode fazer, aos que Lhe dão mais ocasião para manifestar a sua misericórdia, o que quer dizer: é dotado de um coração que o inclina para os miseráveis. Não o esqueçamos.

Se nos depararmos com uma destas ovelhas feridas, vamos escorraçá-la em vez de a procurarmos curar e devolvê-la ao seu pastor? Nosso Senhor dá a Si mesmo o título de pastor mais frequentemente do que qualquer outro para demonstrar a sua doçura, a sua entrega e excitar a nossa caridade.

Há ainda um grupo que devemos amar de modo ainda mais especial: os nossos irmãos: segundo a carne, com certeza; pode-se rezar por eles, mas Nosso Senhor encarrega-se deles e há-de cuidar deles ainda melhor do que nós mesmos. São sobretudo os irmãos na vocação que devem ser especialmente queridos e é o Espírito Santo quem estabelecerá entre nós essa caridade, essa caridade que nos fará amáveis, previdentes, tolerantes, compassivos para com as tentações e provas dos nossos confrades.

Domingo, 11 de Janeiro de 1880

Empreendemos uma grande tarefa ao estudar o que somos, considerando as paixões, aquilo que devemos ser, meditando as virtudes.

Vimos as virtudes teologais e o prolongamento da terceira, a caridade para com o próximo.

Vejamos as virtudes morais que conformam os nossos costumes, a nossa vida.Apliquemos a esta divisão o que estudámos acerca da vida espiritual nos autores. A

virtude da prudência regula a inteligência; a justiça, a vontade e a sensibilidade, onde descobrimos o apetite concupiscível e o apetite irascível sob 11 movimentos; regula-se pela temperança e pela fortaleza, que reprime o apetite irascível ou o excita se nos vemos levados para o temor ou para o desespero.

Cada uma destas virtudes é natural ou racional e também sobrenatural ou informada pela graça. Como a razão nos diz que, à mesa, não devemos comer tudo o que poderíamos, para evitar uma indigestão e para ter a mente mais desembaraçada, a graça excita à mortificação para melhor dominar o corpo; a razão diz-nos que podemos caminhar ao lado do precipício sem cair nele, a graça que é melhor afastar-se um pouco para estar mais seguro.

Cada uma destas virtudes é aumentada pela graça santificante, mas - observação muito importante no noviciado - este aumento, este gosto sobrenatural não destrói os hábitos contrários já adquiridos. Isto explica as provações dos noviços:

a primeira: é que, ao chegar, sente-se cheio de fervor. Abandonou-se quanto se possuía, e está-se orgulhoso por isso como S. Pedro, que não tinha mais do que uma redes remendadas e uma barca apodrecida. Parecia a que o Padre (João) viu no lago de Genesaré. Isto não o impedia de se orgulhar: Ecce nos reliquimus omnia et secuti sumus te (Mt 19, 27). Este primeiro fervor faz com que tudo se torne fácil. O próprio demónio não nos aparece para nos dar maior segurança. De repente, depois de algum tempo, vêm as ocasiões, as tentações e o noviço fica perplexo por ainda não ser santo; da surpresa ao desânimo não vai mais do que um passo.

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CF I

A seguir vem a segunda provação: iluminado por estas primeiras graças, vê-se melhor, conhece-se mais intimamente e diz para si mesmo: valho menos do que antes de entrar para o noviciado: conclui que não tem vocação, que se quer ir embora, abandona a regra, desconfia.

Tudo isso por ignorar uma coisa: que se traz consigo hábitos adquiridos, viciosos, que a graça de Deus não destrói, mas que ajuda a combater. O que é preciso, pois, são hábitos virtuosos adquiridos e não os alcançaremos senão por meio de actos repetidos todos os dias. É, pois, uma luta diária que nos alcançará a virtude, e para isso é que se destina o noviciado. Por isso dura dois anos; caso contrário, bastaria uma hora, se fosse suficiente a tomada de hábito para ser santo.

É o que nos deve animar, a nós Oblatos, na luta quotidiana é a contemplação do Coração de Jesus. Pensar n´Ele lutando, lutar para O consolar e consolá-lo por meio do amor e da compaixão, resistir à tentação por amor ao Coração de Jesus e para sofrer com Ele, fixar os olhos nesse Coração que tanto amou os homens.

Quarta-feira, 14 de Janeiro de 1880.

A prudência é um olhar desperto sobre o que se deve fazer, seguido sempre por uma acção pronta.

A prudência de um noviço consiste em não ter prudência. Um olhar desperto (sobre o que se deve) fazer no futuro ou no presente. No futuro: é inútil e basta o do mestre de noviços. É o trabalho dos noviços maduros de idade que tiverem de o cultivar no século.

No presente. É uma parte da prudência, a diligência: entregar-se à acção presente: De die in diem, de hora in horam. S. Luís de Gonzaga: Non curabo de futuris contingentibus. O noviço mais diligente é aquele que se levanta por primeiro, o que por primeiro chega aos exercícios. Ao levantar-se benze-se. Medita nestas palavras: Eis o Coração que tanto amou os homens. Com isto já tem com que santificar todo o dia.

Os motivos para ter este olhar desperto sobre o que se deve fazer no presente são a satisfação que se experimenta e a vantagem que se tira, enquanto que a negligência causa desgosto a Deus: Quia tepidus es... incipiam te evomere (Ap 3, 16) e bem depressa, a maldição: Maledictus qui facit opus Dei negligenter (cf. Jr 48, 10). A diligência atrai a amizade de Deus: Hilarem datorem diligit Deus (2 Cor 9, 7) e a sua benção. Com ela ganham-se méritos a cada instante, por estas acções. Consideremos e meditemos a diligência dos mundanos: para conquistar um pouco de ouro não encurtam a própria vida? O profeta Baruc retrata-os em páginas penetrantes.

Um terceiro motivo para nós é a consolação do Coração de Jesus, que encontra no noviço diligente a sua Betânia, quer dizer, a diligência espiritual de Maria e a diligência mais exterior de Marta. Encontra aí a sua Nazaré, pois vê uma cópia da diligência de Maria, sua Mãe, que era a mulher forte por excelência e que não actuava com tibieza. Aí encontra a consolação que quis encontrar em nós ao chamar-nos para aqui. Há muito que fazer nesse campo e Nosso Senhor não está contente com a negligência que reina tanto entre os Padres como entre os Irmãos. Se não O consolarmos com a nossa diligência, não Lhe restará outro remédio senão fechar a sua casa.

Sexta-feira, 16 de Janeiro de 1880.

Consideremos só uma parte da justiça: a obediência, que é a justiça para com os superiores. É a principal virtude do noviço, vínculo de todas as virtudes, sendo todas as outras virtudes mandada pela regra. Praticar a regra é a vida do noviciado (?).

Dai-me um noviço obediente que tenha observado todas as suas regras e escutado os seus superiores, dizia um dos nossos últimos Papas, e eu o canonizarei9. Esta virtude é 9 Parece que a frase é originariamente de Bento XIV. O Pe. Dehon atribui-a a Pio IX (cf. CF V, 28).

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CF I

prolongamento da fé: vê Jesus no superior. Qui vos audit, me audit; qui vos spernit, me spernit (Lc 10, 16). Ela torna um homem semelhante aos anjos, fazendo dele um ministro tão pronto como o vento, tão ardente como a chama; Qui facis angelos... spiritus et ministros... sicut flammae urentes (cf. Ps 103, 4).

Todos os fundadores de Ordens fazem dela grandes elogios e estão de acordo com a Sagrada Escritura que nenhuma virtude louva tanto como a obediência: Vir obediens loquetur victoriam (Prv 21, 28).

Faz viver no céu ao tornar-nos semelhantes ao Anjos de Deus.A excelência e a beleza desta virtude é mais evidente ainda para nós Oblatos. Com efeito,

que temos nós que fazer? Consolar Jesus pelos pecados do mundo. Mas em todo o pecado há uma desobediência e assim se acumulam milhões de desobediências sobre o Coração de Jesus. Hoje, sexta-feira, milhões e milhões de desobedientes, lançando o seu insulto ao rosto de Jesus como os soldados de Herodes, desprezaram o preceito da abstinência. Acrescentai a tudo isso as desobediências de orgulho, de cobiça, e vereis a onda amarga de desobediências que se ergue até ao céu. Qual não será a consolação de Jesus ao ver que se obedece para reparar tudo isso, mas também que dor se vir que aqui mesmo há desobediência! Tu vero, homo unanimes (Ps 54, 14). É a chaga mais lacerante. Oh!, façamos todos alguma coisa quando essa desgraça chega aqui, façamos todos alguma coisa para reparar esta falta e consolar Jesus com o medo de que nos recuse e que não volte à sua condição de mendigo de consolação! Conjuremo-l´O para que nos dê essa virtude.

Domingo, 18 de Janeiro de 1880.

Vimos a excelência da obediência: faz-nos viver como os anjos, mostrando-nos Deus servido nos Superiores.

Sua vantagem: dá-nos uma absoluta segurança: Jesus não nos poderá condenar no dia do juízo. Com ela fazemos sempre o mais perfeito.

Hoje, ainda mais alguns motivos e palavras acerca da prática da obediência. (O Padre (João) comenta aqui a regra).

Iº O exemplo de Jesus: trinta anos da sua vida resumem-se à obediência: Erat subditus illis (Lc 2, 51); os três últimos anos: Factus obediens usque ad mortem (Fil 2, 8), Qui cum esset filius Dei, in iis quae passus est, obedientiam didicit... consummatus... (cf. Heb 5, 8-9). Seguem-se outros motivos.

IIº As outras Ordens aconselham respeito para com a obediência, aconselham a resignação interior; aqui (para os Oblatos) aqui é exigida pelo voto de vítima que aperfeiçoa os outros votos e, por conseguinte, exige-se a perfeição da obediência que é precisamente esta resignação interior.

Consideremos ainda que pode suceder e sucede que os superiores são menos inteligentes que os súbditos e estes actuariam melhor seguindo o seu talento; sem dúvida, actuam mais meritoriamente....

Olhemos do mesmo modo os superiores intermédios como representantes de Deus. Não esqueçamos que nós somos chamados à perfeição da obediência. Quando presenciarmos uma desobediência, procuremos repará-la. Que os desobedientes temam ser recusados e substituídos, pois é seguríssimo que há certo limite nas graças e que Jesus foi até agora incrivelmente misericordioso.

Quarta-feira, 21 de Janeiro de 1880.

A justiça vincula-se à penitência.

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CF I

A sorte dos anjos maus é a prova terrível da necessidade de expiação. Mas a penitêncianão é mais do que a expiação feita pelo homem. Ela é expiação e reparação pela cruz de Jesus.

À penitência voluntária do homem Jesus acrescenta a satisfação conveniente e desse modo atrai a misericórdia sobre o pecador.

Quando falta a penitência voluntária, a justiça segue só o seu curso e a misericórdia vê-se obrigada a não manifestar-se. É uma das ameças desta época. A Santíssima Virgem reclama também a penitência em La Salette, em Lourdes...

Esta virtude da justiça é a base da nossa Congregação: é para atrair a misericórdia sobre o mundo que nos oferecemos voluntariamente a Deus: Oblatus est quia ipse voluit (Is 53, 7): essa era também a finalidade de Jesus e com Ele pronunciamos o Ecce venio (Heb 10, 7).

Sexta-feira, 23 de Janeiro de 1880.

Motivos da Penitência

Ex Deo: a sua majestade. Sentimos dentro de nós mesmos um sentimento de tristeza quando vemos ofender um grande da terra. A justiça mostra-nos a necessidade da penitência aí.

A sua bondade. Que não devemos nós, nós que somos os mais privilegiados desde há 1800 anos? Tornamo-nos uns Judas se não fizermos penitência.

Ex nobis: o mal que fazemos a nós mesmos, as vantagens de que nos privamos, depois de termos ofendido, sem reparar, a um Pai, a um benfeitor.

Ex proximo: a Igreja, a França, a nossa Comunidade, pela comunhão dos Santos...Sobretudo o sentimento do Coração de Jesus. É o seu (sentimento) principal. Ele veio

para fazer penitência, afastar o obstáculo e estabelecer as fontes da misericórdia. Por isso, devemos estimar esta virtude e praticar os seus actos. Seria intolerável que depois de termos recebido a mais bela das vocações que foram dadas desde há 1800 anos (?), nos mostrássemos demasiado indignos dela, ofendendo-a. Toda a falta aqui cometia deve ser expiada por meio da penitência: sacrifiquemo-nos á regra por penitência em vez de a violar por prazer.

Está a formar-se uma associação reparadora do Coração de Jesus penitente (o Padre dá-nos alguns pormenores da mesma) mas a nossa obra é a melhor. Ali Jesus aparece ligado pelos pecados do mundo. Pertence-nos a nós soltá-l´O, por meio da reparação, das faltas sacerdotais.

Ali promete a salvação da Igreja e da França. Com maior razão a obteremos suavizando a mais sensível ferida do seu Coração: que este sentimento de salvação seja um estímulo para reparar bem, para nos tornar dignos da nossa vocação para não sermos repelidos.

(S. José prepara para o mês de Março graças de cruz). Esta palavra do Pe. João recorda-me a da defunta: o mês de Março de 1880 será memorável10.

10 Quanto ao ano de 1880, o Pe. Dehon escreve nas suas "Memórias" (Notes sur l´Histoire de ma Vie): Este ano também trazia as suas cruzes: periculum ex latronis, periculum ex falsis fratribus, etc... - Medo quotidiano de dissolução e de expulsão, do Tolle e das calúnias. - Processo levantado contra a "Chère Mère" e ganho em primeira instância e na apelação pelo herdeiro da Ir. Maria das Cinco Chagas e, logo a seguir, perda de todos os nossos recursos. - Dificuldades interiores: o diabo serve-se dos caracteres frágeis, que temos entre os nossos, para nos causar muitos sofrimentos e dificuldades. (NHV XIV, 59).Recordamos que no dia 29 de Março de 1880 foram aprovados os decretos de J. Ferry contra os religiosos , em particular o decreto de expulsão dos jesuítas que devia ser executado antes do dia 29 de Junho de 1880. O artigo 7º dispunha: Ninguém será admitido a dirigir um Centro de Ensino público ou privado, de qualquer classe que seja, nem a ensinar nele, se pertencer a uma congregação não autorizada.Só cinco congregações masculinas estavam autorizadas: os Irmãos das Escolas Cristãs, os Lazaristas, os Sulpicianos, as Missões Estrangeiras de Paris, os Padres do Espírito Santo. As congregações não autorizadas deviam pedir autorização num prazo de três meses sob pena de dissolução. 261 casas foram encerradas e 5.643 religiosos expulsos. Os Oblatos do Coração de Jesus salvaram-se por serem uma congregação pequena. Facilmente eram confundidos com o clero diocesano. As duas frases foram acrescentadas por Falleur como uma nota, ao fundo da página 46. Entre parênteses: a previsão de graças de cruz para o mês de Março. A segunda frase é como uma

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CF I

Segunda feira, 26 de Janeiro de 1880.

Ontem começou a novena em honra da Purificação e por duas razões: uma geral: Porque esta festa tem uma relação especial com a nossa Obra: é a dupla manifestação da Oblação de Nosso Senhor, do Ecce venio pronunciado no seio do Pai. A Santíssima Virgem ofereceu também o seu querido Jesus sobretudo neste dia e a profecia de Simeão mostrou-lhe todos os sofrimentos reservados ao Filho e à Mãe. Entremos nestes sentimentos.

Uma especial: Há dois anos nosso Senhor escolheu esta festa para dar à Obra luzes sobrenaturais extraordinárias, que não falharam depois11. Escolheu este dia para nos dar graças especiais e este ano temos de esperar cada um receber cruzes purificadoras durante esta novena. Saibamos aproveitá-las e cooperar com a obra de Jesus.

Para seguir o plano das nossas conferências, temos de falar do agradecimento que é a justiça pelos bens recebidos de Deus, como a penitência é a justiça pelo mal feito a Deus.

Vemos assim a justiça a partir dos seus diferentes aspectos.A penitência é a base da nossa Obra: é como a cor de fundo do vestido das virtudes com

que devemos aparecer diante de Deus.O agradecimento é uma das cores mais visíveis sobre esse fundo. Faz parte dos fins do

sacrifício (do Novo Testamento) de que (os sacrifícios) do Antigo (Testamento) era figura12.

Domingo, 1 de Fevereiro de 1880.

Os sentimentos de Maria na Purificação foram de humildade, de mortificação, de penitência, de reparação, pois acabava de receber a excomunhão legal, ao ser privada de relações com o santuário e as orações comuns. Nosso Senhor vinha também oferecer-se a este mesmo monte em que o fez Isaac, mas desta vez aceite; sabia que a sua imolação era aceite, mas que o sacrifício se realizaria durante 33 anos, dia após dia, até à meta suprema, o Calvário. O seu amor aceitou tudo: fez oferecer as duas pombas para significar que Ele era hóstia de adoração e de expiação.

S. José também ofereceu Jesus com os sentimentos que então podia ter o maior dos patriarcas.

Hoc sentite in vobis quod et in Corde Jesu et Mariae (cf. Fil 2, 5).

Segunda-feira, 2 de Fevereiro de 1880

A obras de Deus têm sempre uma certa analogia com a própria vida de Jesus e essa analogia vemo-la na nossa Obra.

aprovação de que a previsão se realizou. A defunta pode ser a Irmã Maria de Gonzaga das Servas do Sagrado Coração, morta em 15/3/1880, com apenas 23 anos. A nota de Falleur explica-se pelo facto de que o Pe. Dehon tinha falado da necessidade da penitência pela salvação da Igreja e da França.11 O Pe. Dehon refere-se aos fenómenos místicos manifestados na Irmã Maria de Santo Inácio a 2/2/1878. Eis como os descreve nas suas memórias (NHV): A 2 de Fevereiro teve uma síncope mais demorada e uma espécie de estado de morte. Procuraram-me por ser eu o confessor e director, e fui ter com ela com os santos óleos para lhe dar os últimos sacramentos. Mas ela recuperou uma vez mais. Foi então que se abriu à "Chère Mère" sobre o seu estado interior e disse-lhe que ouvia a voz de Nosso Senhor. Pelo menos ela acreditava nisso. Tinha luzes, parecia-lhe ouvir palavras. As suas angústias mortais tinham sido uma morte mística que preparava as suas comunicações. Estas graças de luzes durariam vários anos, até 1883 (NHV XIII, 72-73; cf. VP, pp. 615-632).12 As palavras entre parênteses foram acrescentadas para tornar o texto mais claro.

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CF I

Começou há alguns anos ou melhor, foi como que anunciada pelos desejos e aspirações de algumas mulheres que foram como que as Marias que tinham dela uma ideia vaga mas persistente, sentindo que Deus queria uma Obra mas ignorando qual.

Depois veio o Natal: a vida da Obra foi a de Belém, ignorada, obscura.Hoje o Coração de Jesus dá-lhe uma certa publicidade, conquistando-lhe e unindo-lhe

almas escolhidas como eram Simeão (e Ana). Já não são apenas José e Maria e os pastores, mas também os frequentadores do Templo que vêm reconhecer Jesus e a sua obra.

Esperemos que Ele envie almas mais generosas do que nós para continuar e aperfeiçoar o que foi começado.

Quanto a nós, tenhamos cuidado em não atrair a reprovação e esforcemo-nos por nos tornar dóceis à nossa Obra.

Quarta-feira, 4 de Fevereiro de 1880

O Padre (João) insiste na penitência que é a base da Obra. Depois de ter recordado o primeiro motivo, que é a majestade de Deus ofendido, insistiu sobre a troca feita entre a misericórdia e a justiça pela mediação de Jesus, mostra-nos na penitência uma vantagem, uma graça difundida pelo Coração de Jesus penitente: comentando e desenvolvendo maravilhosamente a missa da Paixão que se diz na terça-feira da Sexagésima:

Quid sunt plagae istae (in medio manuum tuarum?) (Za 13, 6) (His plagatus sum) in domo eorum, qui diligebant me (Za 13, 6). Eles amavam-me e, todavia, vede o que me fizeram.

O Padre (João) recorda a impressão produzida pela sua conferência sobre a penitência e garante-a. Excita-nos a renová-la em nós. Termina em palavra e de facto com o percutiam pastorem (Mt 26, 31; Mc 14, 27; cf. percute pastorem Za 13, 7).

Sexta-feira, 6 de Fevereiro de 1880

Sobre a virtude da religião

Vimos a justiça:para com o superior (como representante de Deus) considerado como mestre, é a

obediência;(para com Deus) considerado como dador de bens, (é o) agradecimento; como ofendido,

(é) a penitência.(A justiça para com Deus) como eminentemente santo, é a religião, virtude que nos

impele a tratar santamente as coisas de Deus e ao próprio Deus. O nosso próprio nome de religiosos nos compromete a isso: um respeito religioso; este próprio vocábulo diz tudo: ver Deus em tudo e em todo o lugar, porque tudo Lhe pertence e é d’Ele. Esta casa é casa de Deus, e são-lhe propostos anjos: um anjo é guardião de cada sala, cela.

O nosso hábito religioso deve também lembrar-nos Deus: a batina, que é preciso benzer se o não estiver benzida, o nosso escapulário, o cordão, tudo isso nos recorda a Deus e nos exige respeito.

Na capela sobretudo, onde legiões de anjos estão presentes com Jesus, o nosso respeito deve ser profundo durante todos os exercícios.

Um motivo da religião é o horror que inspira geralmente o seu contrário: a profanação. Esta palavra soa sempre mal, inclusivamente para a gente mundana. A profanação é o emprego de um objecto sagrado para um uso comum e vulgar.

Excitemo-nos a este respeito para com Deus e para com as coisas de Deus, para com os nossos irmãos, os hábitos, o nosso quarto, a capela.

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CF I

Quando falarmos dos exercícios de piedade e de outros pontos em que está implicada a religião, tratá-la-emos sumariamente.

Primeira conferência do Domingo 8 de Fevereiro de 1880

A virtude da religião

É conveniente deter-nos um pouco na virtude da religião de passarmos a outra para nos acostumarmos a inspirar nela todos os nossos actos. Falemos hoje de três pontos, avisos particulares.

I Rezar pelas vocações para a nossa Obra. Deus chama para ela mas o demónio imediatamente se opõe a isso e suscita mil obstáculos. Entre as vocações que estão em dúvida, uma sobretudo reclama as nossas orações, a de um tal a quem o Pe. João chama Pedro: para o ajudar e escorraçar o demónio, façamos uma novena: recitaremos as ladainhas de S. Pedro e durante esta novena dois religiosos de boa vontade observarão a abstinência rigorosamente à quarta-feira e à sexta-feira, a pão e água ao almoço: oratione et jejunio (Mc 9, 28). O Padre (João) cita algumas passagens da carta que recebeu de Pedro13.

II As Quarenta Horas. Se um anjo nos viesse dizer que Jesus espera algo de nós durante este período licencioso (carnaval), não ficaríamos admirados. Se nos fosse dado ver a alegria de orgia selvagem destas noites de baile e bebedeira em que mesmo aqueles que habitualmente se comportam honestamente se deixam arrastar para ofender a Deus, entregando-se aos prazeres mais baixos, compreenderíamos melhor que Jesus se volte para nós. Ele diz a si mesmo: que querem fazer estes, os amigos do meu Coração? E o seu olhar fixa-se neste pequeno ninho do Sagrado Coração, repetindo quaesivi. Faremos alguma coisa. Tendo em conta que a Obra cresceu e passou o Consumatum est e o Pentecostes, podendo assim reparar grandemente e muito, façamos um pouco de mortificação; eis o que se pode fazer.

Segunda conferência do Domingo 8 de Fevereiro de 1880

Hoje, adoração de um só até às 9 horas. Hora santa para dois ou três valentes.Amanhã, das 7 às 9, adoração de um só durante meia hora.Terça-feira, adoração de dois todo o dia até à meia-noite, sobretudo se pudermos obter a

exposição do Santíssimo Sacramento.Segunda-feira e terça-feira, abstinência. Não temamos estas mortificações. Jesus sabe

corresponder-lhes. Pede-nos, sobretudo, a do coração. Não esqueçamos que disse à Bem-aventurada Margarida Maria que uma só alma pode reparar por mil e consolá-l´O das suas faltas. A sua bondade infinita multiplica um nada que se Lhe ofereça por penitência.

IIIº - A Quaresma. A Igreja, em vez de consagrar um ciclo de 33 anos a honrar e a representar a vida de Jesus, quis renovar-nos todos os anos no espírito da Natividade, da Paixão de Jesus Cristo. Dedica 40 dias a honrar a vida penitente de Jesus. Unamo-nos a ela. Esta Quaresma é de algum modo a primeira da nossa Obra. No ano passado éramos 3 ou 4. Haverá graças especiais, inclusivamente sensíveis, se a fizermos bem. Como sucedeu na Purificação. O que sobretudo faz falta é a mortificação do coração: o silêncio, a regularidade em toda a casa. Sobretudo na cozinha onde tão facilmente nos juntamos a tagarelar. É o mundo essa cozinha,

13 Muito provavelmente trata-se de um ex-aluno do S. João: Pedro Courtois, de quem temos duas cartas escritas neste período ao Pe. Dehon. Na sua primeira carta fala da sua decisão de se consagrar completamente a Deus. Parece que teve uma mãe autoritária que se opunha à sua vocação. Na sua segunda carta, acusa-se de ter ofendido tanto a Deus como ao Pe. Dehon com o seu orgulho. Contudo, espera o perdão do Pe. Dehon e o de Deus (AD, B 21/3). Nas "Notes sur l´Histoire de ma Vie" o Pe. Dehon escreve que Pedro Courtois era uma natureza escolhida e transcreve uma das suas cartas (cf. NHV XIV, 54-55).

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CF I

cozinha de Pilatos onde S. Pedro dissipa todo o seu fervor a tagarelar e se prepara para renegar três vezes Jesus. Tenhamos a coragem de dizer: calai-vos, estamos na Quaresma!

Quarta-feira, 11 de Fevereiro de 1880

No princípio da Quaresma é bom tratar um pouco da penitência.Até ao século XI a Igreja impunha penitências duríssimas, mas em troca esperava-se ter

obtido a remissão completa do pecado.Actualmente não nos são dadas mais do que penitências mínimas devido ao

enfraquecimento da nossa fé. Em vez de apagar a mecha que fumega, a Igreja deixa a expiação para a outra vida das penas mais terríveis e concede a remissão do pecado. Todavia o desaparecimento da penitência voluntária torna mais pesada a mão de Deus e Jesus, desde então, aparece sempre a sofrer, reclamando dos homens a penitência voluntária, do coração e do corpo, para a unir à sua própria penitência e aplacar a justiça do seu Pai. É o manancial desse sopro de reparação que passa neste momento pelo mundo.

O Padre (João) lê alguns dos antigos canones poenitentiarum que castigavam terrivelmente as mais pequenas faltas, para nos dar uma ideia do que devemos fazer se quisermos corresponder bem à nossa vocação e ajudar-nos a afeiçoa-nos ao pouco que fazemos.

Sexta-feira, 13 de Fevereiro de 1880

Todas as sextas-feiras da Quaresma meditamos sobre o tema que nos oferece a Igreja. Assim, hoje, sobre um que se relaciona muito com a nossa vocação.

O Padre (João) comenta e explica as palavras de Isaías sobre a Paixão no ofício da Santa Coroa de espinhos.

Insiste sobretudo nisto: Jesus sofreu por causa de pecados alheios. O profeta repete-o 9 ou 10 vezes. Com este sofrimento indizível, faz ver a recompensa, semen longaevum (Is 53, 10): o prémio da imolação é uma posteridade numerosa. Assim foi para Abraão, para os mártires sob cuja protecção se santificam as paróquias. É o que sublinha S. Clemente Papa nas suas Constituições.

Não é estimulante para nós consagrar-nos à nossa vocação, que é a imitação e da imolação de Jesus? Sejamos generosos; aceitemos o sacrifício; recusá-lo seria incorrer na maldição. Imolemo-nos nas coisas pequenas que nos são pedidas: o silêncio, a regularidade, as mortificações da Quaresma. Jesus não nos pede mais do que isso, a penitência voluntária, para ser consolado. Dêmos-lha e consolemos este doce Salvador, partilhando a sua imolação oculta, obscura. Pois isso, será a nossa vocação, mais do que as grandes obras exteriores. Haverá o ensino e algumas obras externas, mas sobretudo a imolação e a vida oculta.

Domingo, 15 de Fevereiro de 188014

A temperança

Falaremos pouco dela, pois já falámos por ocasião da Quaresma. Detenhamo-nos um momento na sobriedade e abstinência, duas formas de temperança.

14 Por erro, o manuscrito tem a data de 14 de Fevereiro. Na p. 56 transcreve-se a conferência feita pelo Pe. Dehon na sexta-feira 20 de Fevereiro (no manuscrito 19 de Fevereiro), que imprimimos de acordo com a cronologia das conferências em CF I, 59.

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CF I

A sobriedade guarda-nos do excesso. A abstinência fica aquém da sobriedade. A abstinência e a sobriedade são o segredo do grande papel jogado na história por certos povos: os Persas, os Espartanos, os Romanos. (Era) aí que encontravam o vigor do corpo e do espírito que os distinguiram. Adquirir esse duplo vigor foi o seu objectivo e o de todo o pagão honesto e razoável.

O cristão têm, além desses, outros motivos:- Tornar-se mais apto para as coisas de Deus, para a meditação. É impossível meditar

para aquele cujo o espírito se compraz na comida corporal grosseira. Por outro lado o corpo demasiado mimado entorpece o espírito e um corpo frágil é mais apto para a contemplação.

S. Bernardo preferia esse tipo de sujeitos.- A sagrada Comunhão é também um motivo de abstinência material. Somos frios para o

alimento celeste quando somos de fogo para a comida terrestre.- Um motivo particular para os Oblatos: é que muito certamente Jesus lhes quer

comunicar umas doçuras muito especiais na sagrada Comunhão. (É) aí que Ele quer conversar mais intimamente com eles. Não ponhamos, pois, obstáculos com a nossa intemperança culpável e perigosa para a nossa virtude e a nossa vocação.

Quarta-feira, 18 de Fevereiro de 1880

Humildade

No grupo de temperança encontra-se também a humildade, motivo que nos impele a manter o espírito no lugar que lhe é devido. Se a fé é a primeira, porque sobrenaturaliza todas as outras (virtudes), a humildade sobressai também sob o ponto de vista que prepara, consegue e consagra as virtudes: humilibus dat gratiam (Jc 4, 6).

- Em relação ás pessoas para as quais se exerce, o seu 1º grau é a submissão aos superiores,o 2º, aos iguais,o 3º, aos inferiores,o 4º, a todos os homens quais quer que sejam.

- Em relação ao modo como se exerce: o 1º consiste em julgar-se o menor de todos,o 2º, em desejar ser olhado como o menor de todos,o 3º, em manifestar que se é o menor de todos,o 4º, em gostar que outros nos tratem como o menor de todos,o 5º,em demonstrar amor e agradecimento a quem nos trata como o menor de todos.

- Os motivos são:1º A verdade: um só pecado é tão feio, tão humilhante, tão contrário à justiça, à razão,

que ainda que não tivéssemos mais do que o pecado original, esse seria suficiente para nos olhar como o mais miserável dos seres. Mas a esse acrescentam-se os pecados pessoais tão humilhantes, tão irracionais, que temos fundamento para crer que outro com as mesmas graças não os teria cometido. E se esse pecado é o de um religioso, de um clérigo, de um favorito de Jesus, quem se pode julgar estimável depois de ter sido igual a Judas, aos Judeus, aos verdugos?

2º motivo: o interesse espiritual. Se desejamos grandes coisas por Deus, não receberemos graça mais do que na proporção da humildade. Humilibus dat gratiam. Superbis resistit (Jc 4, 6). Fecit mihi magna... qui respexit humilitatem ancillae suae (Lc 1, 48-49).

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CF I

3º motivo: o exemplo de Nosso Senhor. É o mais nobre para os Oblatos do seu Coração. Estudar e imitar o Seu Coração. Humiliavit semetipsum (Fil 2, 8). Discite a me quia mitis (sum et humilis corde) (Mt 11, 29).

Toda a sua vida se escondeu, se humilhou, pela verdade, pois tinha carregado sobre si todos os pecados dos homens e se sentia oprimido por uma vergonha infinita. É o único meio para ser seu irmão, seu amigo: qui fecerit voluntatem Patris mei qui in caelis est, ipse meus frater (Mt 12, 50).

Sem isso, o nosso lugar não é aqui e não merecemos viver debaixo do mesmo tecto.

Sexta-feira, 20 de Fevereiro de 188015.

Recepção ao postulantado do Pe. Paulo16.

Christo confixus sum cruci (Gal 2, 19). A Igreja propõe-nos hoje a veneração da lança e dos cravos: 3 cravos e a lança e esta palavras: Christo confixus sum cruci, aplicam-se bem a este contexto.

Para além do sentido de vida mortificada que lhe dá o Apóstolo, há outro sentido especial para os religiosos e para nós.

É por isso que devemos estar crucificados na cruz de Jesus, é o espírito, a vontade, o corpo, o coração. Aí temos a imolação, o martírio real de todos os instantes que nos dá a coroa; o espírito, pela submissão do juízo, a regulamentação das suas ocupações; a vontade, pela regularidade, a obediência.

O corpo que simboliza o cravo dos pés, pelas mortificações que a regra impõe, sobretudo durante este tempo de penitência.

O coração, aí está a lança que abrirá o Coração de Jesus. A crucifixão do coração, dos seus afectos, até os mais legítimos, a imolação total dos seus desejos.

Domingo, 22 de Fevereiro de 1880.

A humildade (continuação)

Vimos a teoria sobre a humildade. Vejamos a prática.Há os actos internos que se fazem na alma. Juntam-se-lhes os actos externos que se

fazem sem testemunhas. São sentimentos e confissões da nossa miséria. Podem fazer-se milhões por dia e de mil maneiras. Assim, não considerando mais do que Deus e nós, os seus mandamentos e os seus benefícios, podemos acusar a nossa miséria, por exemplo, no que se refere ao primeiro mandamento: rezo muito mal, pequei tão frequentemente e na oração, que miserável sou!...

Do mesmo modo com o segundo, com o terceiro(mandamento). Quanto aos que se referem à pureza, passar sumariamente. Pois a nossa miséria é tão grande que talvez pecássemos mesmo ao recordar as nossa faltas, a nossa miséria e as nossas fraquezas.

O seus benefícios. O espírito, a memória, a vontade, o corpo, que mau uso temos feito deles! Que miserável sou! E os dons sobrenaturais: as graças assinaladas, as comunhões tão frequentes, as inspirações de salvação, que abuso fiz delas! Isto é tão vergonhoso que posso supor muito verosimilmente que o pior dos condenados às galés não teria actuado tão 15 O manuscrito da conferência tem, por erro, a data de 19 de Fevereiro e está escrita na p. 56. Para seguir a ordem cronológica das conferências mudámo-la para esta página.16 Trata-se certamente do Pe. Paulo Maria Philippot, no século Alfredo. Nascido em 1855, entrou nos Oblatos a 20 de Fevereiro de 1880, e saiu da congregação em Maio de 1885 (RV, 1).

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CF I

traiçoeiramente se tivesse sido tão colmatado de graças. Esta consideração é suficiente para me humilhar.

Entre o próximo e nós: os actos internos consistem no desejo da humilhação e no temor do louvor. Se me conhecessem bem, desprezar-me-iam muitíssimo.

Actos externos: procurar os últimos lugares, os ofícios mais humildes, as humilhações da modéstia, como falar de joelhos ao Superior. Estes (actos externos) fazemo-los nós.

Os que nos são feitos: impõem-nos uma opinião, dão-nos uma repreensão, merecida ou não, uma afronta qualquer: recebê-la com gratidão e alegria, com o sorriso nos lábios e dizer a si mesmo: este põe-me no meu lugar na terra, tanto melhor. Deus dar-se-á por contente e não me dará o lugar que os meus pecados me destinam no inferno. Cada afronta é uma graça. Recebemos por ela o castigo que de outro modo iríamos sofrer no inferno. O Padre (João) insiste nisto. E para isto, amar as humilhações porque são a salvaguarda do inferno. Pois Deus não castiga duas vezes a mesma falta. Cada irmão fará 10 actos internos, cada Padre 20 e na primeira quarta-feira de Março, 4 ou 5 jovens farão 5 intenções que lhes dará o Padre (João).

Quarta-feira, 25 de Fevereiro de 1880

Para melhor nos entretermos ainda na virtude da humildade, hoje não tratamos de outra (virtude) nova e falemos de uma coisa também muito necessária: o espírito habitual da nossa vocação: o espírito de imolação. Não pudemos dizer sobre ele mais do que algumas palavras no dia da recepção ao postulantado17. Christo confixus sum cruci (Gal 2, 19).

Em todo o cristão há alguma coisa de Cristo, mas Jesus Cristo quis que haja mais em um do que em outro de tal ou tal semelhança com Ele. Assim, uns reproduzem mais a sua vida pública, outros as suas vigílias, outros a sua vida oculta; mas todos imitando sumariamente tudo.

Quanto a nós, o que temos de imitar é a sua vida de imolação. Jesus Cristo imolou-se bem visivelmente no dia da sua Paixão em que o seu corpo foi cravado na cruz. Desde então houve mais alguns crucificados corporalmente e, se isso nos fosse pedido, deveríamos corresponder a essa graça. Mas, de momento, não é isso o que nos pede. Quer que o imitemos na sua imolação em Nazaré, como também na sua vida pública se houver ocasião, mas sobretudo como em Nazaré: uma imolação suave e contínua nas coisas pequenas da regra. Assim estamos aqui doze por sua vontade, não pela nossa; somos, pois, 12 crucificados e o cravo é a obediência.

Imolação da vontade em cada exercício. De manhã, ao primeiro sinal, pés no chão. Jesus quere-os aí para os cravar. Deixá-los na cama é recusar crucificá-los e perder o mérito para nós, a honra para Deus e o proveito para as almas que Jesus espera de cada uma das nossas imolações. Ele oferece (ao Pai) continuamente as suas imolações e quer poder dizer ao seu Pai: olha para os que se imolam comigo. Então derrama as suas graças sobre o mundo e sobre nós. Negamo-nos a fazer tal acção ordenada: é recusar a nossa mão a Jesus que nos pede para cravá-la na cruz. Dedicamo-nos a trabalhos intelectuais que não nos são aprovados, que até nos são proibidos, é recusar imolar o nosso espírito. Não julguemos que fazemos grandes coisas fazendo a nossa vontade. É um erro. Obedeçamos e se nos faltar alguma coisa em consequência da nossa obediência, Jesus suprirá. Imolemo-nos totalmente, não teremos senão na cruz.

Sexta-feira, 27 de Fevereiro de 1880

Fomos autorizados a expor o Santíssimo na primeira sexta-feira do mês. É uma grande notícia, que nos deve causar espanto, a nós tão miseráveis, chamados a semelhante honra. Jesus quer encontrar aqui Nazaré e Betânia. Sexta-feira será o primeiro dia regularmente autorizado. Dentro de alguns meses serão todas as sextas-feiras, dentro de um ano ou dois, todos os dias. 17 Cf. conferência da sexta-feira 20 de Fevereiro de 1880 (CF I, 59).

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CF I

Logo, em seguida, se fundarão outras casas que começarão do mesmo modo a adoração diurna e nocturna: sexta-feira, o primeiro dia de milhares e talvez milhões de jornadas de exposição entre os Oblatos. Que honra nos prepara Jesus! Preparemo-nos, nós, pobres pecadores, 12 miseráveis que nada merecem, que o ofenderam, o ofendem ainda ( o Padre (João) insiste muito na nossa indignidade).

Preparemo-nos. Se tivéssemos que receber a visita de um Bispo, do Papa, os espíritos, os corações, os corpos, tudo se poria a contribuir para se preparar, nada se aborreceria ou pareceria demasiado. E sexta-feira receberemos a visita do Rei dos Reis. Recordo as audiências concedidas por Pio IX aos peregrinos que vinham de longe. Faziam-se instruir nas cerimónias religiosas, preparavam os seus pedidos, punham todo o esplendor possível no seu aparato. Não deve a nossa alma fazer outro tanto por Jesus? Também Ele se prepara e estou certo que não me engano ao afirmá-lo. Prepara-se para receber pela primeira vez os seus Oblatos e prepara as suas graças; vai dar-se como em Nazaré e em Betânia. Pio IX informava-se sobre os seus visitantes e preparava o que sabia que lhes agradava, despojando-se por eles de todos os seus objectos.

Como meios de preparação, imponhamo-nos algumas mortificações. Privar-se de uns bocados no refeitório, de alguma coisa de que gostemos, maior pontualidade, fazer tudo com mais perfeição, durante o recreio da noite guardar-se-á silêncio e consagrar-se-á uma parte dele para se ir humilhar diante de nosso Senhor com um bom exame de consciência das suas faltas passadas e presentes. Os que estiverem autorizados ao cilício ou à disciplina, podem pedir um aumento de penitência a este respeito.

Como disposições interiores, nada de frouxidão ou de resistências, purificar a alma com actos de humildade, adorná-la com actos de amor e de contrição para a visita do Rei dos corações. Alarguemos até sexta-feira a nossa novena de actos de humildade, acrescentando outros tantos de amor.

Domingo, 29 de Fevereiro de 1880

Para melhor continuar a nossa novena de actos internos de humildade, falaremos também hoje da humildade e veremos com mais pormenor a prática dos actos externos de humildade.

É-nos tão necessária esta virtude! Queremos construir um grande edifício, a humildade far-nos-á lançar os fundamentos sobre a rocha da fé. Até agora construímos sobre a argila e a areia da nossa má natureza; já é hora de escavar os seus fundamentos profundamente para que o nosso edifício não se afunde mas se eleve até ao céu para consolar o olhar e o Coração de Jesus. Quanto maior for a nossa humildade, tanto mais sólidos serão os fundamentos.

Olhemos para o fundamento da Igreja, olhemos a humildade de Jesus e dos Apóstolos. Alguém se humilhou mais do que Jesus? Não foi no meio do esplendor, nem do bem-estar nem da pobreza comum, nem sequer num estábulo corrente, foi na concavidade de uma rocha que Jesus quis nascer.

Em seguida, 3 palavras resumem 30 anos da sua vida: Erat subditus illis (Lc 2, 51). Obscuridade, silêncio, submissão. E a sua paixão! Humilha-se de todos os modos: faz-se passar por louco, o seu corpo é atormentado por todas as afrontas, por todos os sofrimentos. O Padre João detém-se no retrato que d´Ele faz Isaías: Quasi leprosum... novissimum virorum (Is 53, 3-4). Toda uma corte o golpeia na cabeça, com um bastão, e o cospe no rosto como o sabem fazer os soldados, em consciência, e inclusivamente bater-lhe.

E os Apóstolos? Escutai S. Paulo: Tanquam purgamentum mundi facti sumus: a imundície, a mais repugnante, Et omnium peripsema (1 Co 4, 13): a escarradeira de todo o mundo. E efectivamente, houve toda a espécie de provações.

Aí tendes como começou a Igreja: bofetadas, cuspidelas, golpes, desprezos; isso era a pedra angular: Lapis angularis (cf. Ef 2, 20). Aí tendes o ideal da prática da humildade, pois, acaso é uma legenda a paixão de Jesus? Isaías acrescenta uma palavra chocante: Desideravimus eum (Is 53, 2). A esse Jesus cuspido, desejamo-lo. Isto não se dirige senão a algumas almas: nós

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talvez também desejemos passar por grandes provações, mas recordemos bem isto: que não tenhamos mais valor nas provações que nos sejam enviadas do que aquilo que tenhamos preparado com as disposições habituais de humildade, sem a qual fraquejamos.

Posto que a humildade é tão necessária para a nossa Obra, amemos os ofícios humildes (o Padre (João) repete três vezes esta expressão) como varrer, limpar as retretes, o último lugar, as afrontas: não tomemos como pretexto que há alunos: quando é que então se faria? Não sabemos o que se passa em outros noviciados? Há pouco tempo dizia-se num almoço na cidade que no noviciado dos dominicanos um Padre jovem orgulhoso se tinha visto cuspir na cara por todos os confrades para castigar o seu orgulho. Não temamos todas essas humilhações corporais, essas mortificações que merecemos. Quando formos bem donos do nosso corpo, então poderemos fazer alguma coisa. Quanto ao resto, procuremos conduzir os estudantes ao espírito de mortificação que deve preparar-nos o dia de sexta-feira18.

O Padre João anuncia imediatamente que pedirá humilhações esta semana para preparar (nos) para sexta-feira e na Semana Santa somente. Recorda que se vai realizar o capítulo das culpas, insistindo na imitação prática de Jesus na sua Paixão19. Começará ele mesmo e pede uma penitência que a minha memória não esquecerá.

Domingo, 29 de Fevereiro de 1880

Abertura do mês de S. José

S. José oferece na sua vida analogias com a nossa vida de Oblatos. Vemo-lo, nascido em Nazaré, passar ali humildemente a sua vida na obscuridade, como Maria; é a família real que termina, antes de gerar Cristo, a grande expiação começada na Babilónia.

Quando a sua união com Maria o fez entrar mais directamente na vida de reparação, sobreveio a prova. A prova sempre a haveis de encontrar numa vida reparadora, numa vida de expiação.

Mas a sua confiança mereceu certamente que o anjo o viesse tirar da sua inquietação. Depois, à outras alegrias sucederam outras tristezas. Depois (veio) a vida íntima de Nazaré.

Indaguemos durante este mês as conversas íntimas com Jesus. Devia conhecer as Escrituras, ter luzes especiais sobre elas. Olhemos, pois, a José e imitemo-lo durante este mês na sua vida oculta de Nazaré.

Quarta-feira, 3 de Março de 1880.

Hoje termina a nossa novena. Era condicional. Cumprimos as condições? Não omitiu a nossa leviandade nenhum acto de humildade e de amor prescritos? Queremos vocações. Acontece-nos que: não passam dias sem que S. José traga várias delas. Merecemos bem os favores deste grande santo?

Mas essa é uma finalidade de certo modo secundária da novena, a principal, é a preparação para as graças de sexta-feira. Purificámos e adornámos a nossa alma?

O Padre (João) lê depois uns extractos, escutados de joelhos, de revelações que ensinam aos Oblatos as disposições que lhes são pedidas20. Comenta-as brevemente e diz, entre outras coisas, que há que preparar-se com uma boa confissão, passar todo o tempo livre diante do

18 Como preparação para a primeira adoração com o Santíssimo exposto (cf. CF I, 62-63).19 A "culpa" é um acto de humildade em uso, antigamente, nas casas religiosas. O religioso ajoelhava-se diante do Superior, na presença de toda a comunidade e acusava-se de algumas das suas faltas externas. Recebia a penitência do superior, beijava o chão e retirava-se para o seu lugar.20 São certamente as luzes de oração da Irmã Maria de Santo Inácio, chamadas impropriamente "revelações".

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CF I

Santíssimo e não olhar a sua hora como uma carga, servir-se na secura de livros de piedade. Recorda que os nossos corações são o templo que Jesus quer para neles ser consolado tanto mais quanto mais fora seja ultrajado. O altar desses templos é o nosso coração onde se deve elevar o sacrifício da oração confiante e pura, o holocausto perpétuo da vontade. Recordai a instrução da Dedicação, disse novamente nosso Senhor21.

Sexta-feira: silêncio, calma, cessação de todos os trabalhos.

Domingo, 7 de Março de 1880

Modéstia

Falta-nos falar de uma virtude que supõe todo o grupo da temperança: é como que a floração e a irradiação exterior de todas as outras deste grupo.

É a modéstia, que regula os movimentos externos do nosso corpo, sobretudo os olhos. A imodéstia que perdeu um dos nossos irmãos mostra-nos quanto ela é necessária (a modéstia). As motivações desta virtude são a beleza que dá à alma, a imitação de Jesus e de Maria.

Há a beleza natural e psíquica que excita os sentidos, remove as paixões, arrasta para o mal, mas existe a beleza celeste que impressiona, que atrai para o bem. É a modéstia , é aquela de que se falou ao declarar que nosso Senhor é o mais belo dos filhos dos homens. Pois segundo alguns Padres, nosso Senhor tinha levado o seu aniquilamento até ao negar a si mesmo a beleza física.

Jesus era modesto. Quando o representamos antes de realizar alguma acção importante, o Evangelho diz que eleva os olhos. Portanto era porque os conservava baixos. Maria era modesta. A modéstia está compreendida instintivamente nesse qualificativo de virgem que lhe damos: a Santíssima Virgem, a Mãe das Virgens. Essa beleza era a de todos os santos, que atraía a todos e os tornava agradáveis a todos.

Há outro motivo: a presença de Deus é sua consequência e também sua prova e seu selo.Sobretudo nós devemos ser modestos porque nosso Senhor habita aqui especialmente: na

sexta-feira passada respirava-se sensivelmente uma atmosfera divina. Ele dava-se e falava ao coração.

Sejamos, pois, modestos aqui e para descer a pormenores:1. Regremos os nossos actos na sala de estudo. Ponhamos ordem aí. Não trabalhar junto

ao fogo, mas ir francamente aquecer (as mãos) 5 minutos, se tiver frio - estai seguros de que N. S. o pede - pois caso contrário o trabalho poderia resultar não fácil ou proveitoso; depois, voltar para o seu lugar. Ocupar-se no próprio trabalho.

2. No refeitório não apoiar os cotovelos, pois a modéstia compreende tudo isso: a honestidade e o decoro.

3. Na capela pôr-se no seu lugar, é elementar; depois não se apoiar no genuflexório e no encosto ao mesmo tempo. Como entramos várias vezes ao dia na capela, perdemos o respeito. O Sumo Sacerdote em Jerusalém não entrava no Santo dos Santos a não ser nas grandes festas e não sem se preparar com vigílias e jejuns e, contudo, não estava aí presente o corpo de Jesus. Os Padres sobretudo poderia esquecer este respeito, pois rezam frequentemente ali o Ofício divino. Durante este exercício, não prescindir do livro e não ler à distância no livro colocado sobre o genuflexório.

21 Cf. conferência do domingo 9 de Novembro de 1879 (CF I, 1-2)

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CF I

Quarta-feira, 10 de Março de 1880

Estando ausente o Padre (João), fez ler durante a hora habitual 2 capítulos do Apostolado do Sofrimento22.

1º. As qualidades do Apóstolo do sofrimento: puro e inocente Agnus Dei. Talis decebat ut nobis esset pontifex sanctus, innocens, impollutus, segregatus a peccatoribus (Heb 7, 26).

2º. As disposições: 1º. espírito de fé 2º. espírito de humildade. De todas as máximas espirituais a mais

importante que se recorda quando um aspira à perfeição, - com maior razão quando se deseja contribuir para a salvação e perfeição das almas - é a seguinte máxima: Deus superbis resistit, humilibus autem dat gratiam (1 Pt 5, 5).

3º. paciência e conformidade com a vontade divina. Foi Deus quem nos escolheu para vítimas, a Ele toca escolher a nossa cruz e impor-no-la: O bona crux.

4º. espírito de amor: ama e fac quod vis (S. Agostinho).5º. espírito de zelo: qui non zelat, non amat (S. Agostinho).

Sexta-feira, 12 de Março de 1880

Modéstia

É a floração do grupo das virtudes da temperança.Aqui o Padre (João) resume brevemente a última conferência. As regras são as mesmas

para todas as congregações. Eis aqui o que há de especial para nós em particular:Estamos entregues à vida contemplativa muito mais do que à vida activa que nunca será

mais do que o acidental na nossa vocação. Ora, a vida contemplativa pede mais modéstia do que a vida activa. E na vida contemplativa nós formamos uma congregação adoradora23. Aspiramos à familiaridade com Jesus, que deve encontrar em nós Nazaré, Betância, S. João, S. José, Lázaro: ser assíduos junto de Jesus, vê-lo no meio de nós. Dentro de algum tempo passaremos uma parte do dia ao pé dos seus altares: esta companhia pede uma modéstia extrema interior e exterior.

O Padre (João) desenvolve as regras de modéstia de S. Inácio e diz entre outras coisas utilíssimas e dignas de anotação:

1º. que o rosto deve transparecer sempre uma doce alegria, - a alegria que manifesta ajuda a que venha a alegria interior e reciprocamente -, caso contrário, afastaremos o próximo, que por isso julgará a nossa vocação;

2º. as conversas, que não devem girar à volta das coisas exteriores do mundo, hão-de manter-se alegremente, mas sem gargalhadas;

3º. ir e voltar, se se sair, sem ter visto ninguém por causa da modéstia dos olhos. Levar a cabeça direita, sem inclinações pietistas: ser sóbrio nos gestos, manter o corpo erguido pela mortificação. Usar roupa limpa, sobretudo na capela e na conferência.

Domingo, 14 de Março de 1880

Castidade24

22 Apostolat de la Soufrance ou les victimes volontaires pour les besoins actuels de l´église (Paris, 1866 e 1867) é a obra-prima do Padre jesuíta João Lyonard (1819-1887). A finalidade do livro é: ajudar por meio da oração e da assistência, o sofrimento e a penitência aos moribundos de cada dia.23 Cf. Introdução, p.24 A palavra "castidade" é seguida pela observação: "Ver no fim".

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CF I

Depois da modéstia, vem no grupo da temperança a castidade, que reprime os movimentos da carne e se abstém dos prazeres sensuais anexos a esses movimentos. Vejamos desta virtude, como das outras, a excelência, a prática, as motivações.

I. Ela seduz a nosso Senhor, que onde quer faz celebrar as suas bodas com a alma casta: o Cântico dos Cânticos é o seu epitalâmio, da sua união com a Igreja, com Maria, com a alma casta.

São as virgens que alguém faz cantar como as esposas de Cristo: Veni sponsa Christi. Na terra está rodeado de almas castas: em Nazaré, durante 30 anos, de Maria e de José, no Calvário, de Maria e de S. João; e também para consolação daqueles que não têm mais do que a inocência reparada, não conservada, no Calvário associa Santa Maria Madalena à sua Paixão. Sem dúvida que se rodeia de preferência por almas que conservaram a sua castidade e o mesmo fará na nossa Obra: escolhendo rapazes que confiará a Maria e a José até ao momento da sua entrada na Obra, mas sem excluir a inocência reparada, porque a nossa Obra é um Calvário onde o arrependimento da Madalena O poderá consolar.

II. A prática desta virtude consiste sobretudo na fuga: mudando os pensamentos, as ocupações, as preocupações, mudando inclusivamente de lugar material se for preciso, pois temos sempre que combater. Já que Deus não nos concede a graça de evitar esses ataques como a S. José e muito provavelmente a S. João. Dir-nos-á como a S. Paulo: Sufficit tibi gratia mea (2Cor 12, 9) e permitirá que sejamos esbofeteados por esses ataques de Satã.

Outro meio é a oração a Maria, a S. José, a S. João e aos Padroeiros do noviciado, S. Luís de Gonzaga, S. Estanislau.

Outro meio é o de nos abstermos não só dos prazeres ilícitos como das familiaridades e das molezas de toda a espécie, mas também dos prazeres permitidos, e a regra previu este ponto; ainda que agora esteja mitigada por causa da nossa fraqueza. Nosso Senhor não permitirá que estas mitigações nos sejam funestas. Temos uma cama dura, não a recusemos, pois seríamos castigados; pode-se afirmar isto sem ser profeta. Temos as vigílias, são bem toleráveis, pelo menos não as encurtemos, não atrasemos o levantar-nos uma hora, meia hora ou cinco minutos. É muito perigoso. Temos também os jejuns e abstinências de regra. Neste aspecto cuidemo-nos muito, pois toda a sensualidade no refeitório se vê depressa castigada; inclusivamente, se as tentações forem mais vivas... peçamos alguns jejuns suplementares sem dar ouvidos ao que diz a natureza. Contudo, estamos obrigados em consciência a pedir dispensa do que destrói a nossa saúde. A regra não ordena o suicídio.

Abstenhamo-nos também dos prazeres dos sentidos, como ver: não andemos pelas bibliotecas passando dos títulos às páginas e lendo toda a espécie de coisas.

Igualmente no que se refere ao ouvido, nada de comprazer-nos na música se não for música religiosa. Afeiçoemo-nos mais ao pensamento do que ao vento. Sejamos extremamente prudentes com o tacto. Digamos como nosso Senhor a santa Maria Madalena: Noli me tangere (Jo 20, 17).

Mortifiquemos o gosto no refeitório, prestando mais atenção à leitura do que aos alimentos e escolhendo de preferência os pratos de que menos gostamos.

III. Motivações. A primeira e mais poderosa motivação é a nossa vocação que nos pede para sermos assíduos ao lado de nosso Senhor, seus familiares. Ora bem, nosso Senhor não se rodeia senão de virgens em Nazaré, como no Calvário. Devemos passar o dia com Ele: a manhã, com Jesus, Maria José em Nazaré; a tarde, a hora de crucifixão, no Calvário; a noite, com Jesus só no Getsemani, porque aí, infelizmente esteve só.

Tenho as minhas boas razões para acreditar que essa é a vontade de nosso Senhor sobre nós.

Sim, pois devemos estar sempre com Jesus, sejamos castos, já que Ele não quer ao seu lado senão almas castas, como o demonstra em mil passagens da Escritura.

Se quereis um motivo de interesse: sede castos e tereis muitas graças, pois a castidade atrai a nosso Senhor, manancial de graças.

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CF I

Exercitemo-nos muito na castidade durante esta quinzena que é por excelência o tempo da penitência, da repressão. Pratiquemos todas as virtudes do grupo da temperança. É o melhor tempo, posto que a repressão e a renúncia nos são impostas mais do que nunca. Exercitemo-nos à modéstia é o trabalho de todo o noviciado e não de um só dia. O principal no noviciado é adquirir as virtudes principais em grau suficiente para as poder aperfeiçoar depois na vida, para não fazer votos temerários comprometendo-se a virtudes que jamais se souberam praticar.

Quarta-feira, 17 de Março de 1880.

Sexta-feira, a exposição: é preciso estar preparados para ela. Fizemos isso? Ainda temos as nossas tibiezas, as nossas negligências. Preparemo-nos hoje e amanhã.

Como passar este dia de sexta-feira?Como José em Nazaré: o Padre (João) lê-nos nesta ocasião algumas passagens da vida da

Madre Maria Teresa, religiosa adoradora e reparadora, e cita as duas ideias mestras do livro25:1º. o pensamento de fazer dessas casas de adoração uma Nazaré para Jesus. Quer dizer,

ver reinar nelas o espírito de Nazaré, escondimento, amor.2º. o pensamento de que a sua obra estava incompleta sem uma obra semelhante para

sacerdotes, para reproduzir mais fielmente Nazaré. Esta Madre expressava a convicção de que esta obra se havia de realizar.

O Padre João leu-nos em seguida outras passagens: tomo-as das revelações: Quantas coisas divinas! Eu estava extasiado26. Nelas os Oblatos vêem-se comprometidos à vida de Nazaré, de José, cujo patrocínio está assim tão justificado: em Nazaré silêncio, solidão, pureza, luz, - disse. O Padre (João) compromete-nos a fazer do dia 19 uma jornada de S. José em Nazaré. Quer dizer: comunhão espiritual ininterrupta, acompanhada pelos actos de comunhão, adoração, amor, agradecimento.

Domingo de Ramos, 21 de Março de 1880.

É nesta semana ou nunca que devemos ser fiéis ao espírito da nossa vocação. Unamo-nos a Jesus, procuremos ter os seus sentimentos, excitemo-nos à penitência e à mortificação e a uma afectuosa compaixão e reparação. Sentimentos de penitência e de compaixão: é o que devemos procurar sem acanhamento de espírito: isso seria produto da natureza; sem inquietação: isso seria do demónio; mas suavemente, em união com Jesus. Se não tivermos a graça sensível da compaixão, actuemos pelo menos com este pensamento de penitência e de reparação. Aceitemos as cruzes grandes e pequenas que Jesus nos envie. Esta semana seremos mais tentados e espantados com esta vida de penitência e de mortificação que a nossa vocação nos impõe: tentação de retroceder, frouxidão perante o sacrifício; resistamos. O pensamento de compaixão dominante será pela chaga mais sensível do Coração de Jesus: o abandono dos seus. A própria

25 Marie-Therèse du Coeur de Jésus (Dubouché Théodolinde) fundadora da Congregação da Adoração reparadora, 1809-1863. Durante os dias trágicos de 1848, agrupou na Capela do Carmelo da rua do Inferno, em Paris, almas enamoradas pelo mesmo ideal de reparação. Em poucas semanas agregaram-se à associação reparadora dois mil membros. No mesmo ano, na noite de quinta-feira da oitava do Corpus (Corpo de Deus), nosso Senhor apareceu-lhe e fez-lhe compreender que queria uma congregação religiosa consagrada à adoração reparadora. Teodolinda pronunciou os seus votos a 29 de Maio de 1849 e tomou o nome de Maria Teresa do Coração de Jesus. Mons. D´Hulst escreveu a sua vida: Vida da Madre Maria Teresa, fundadora da Congregação da Adoração reparadora, Paris, 1871.Da Madre Maria Teresa, fala o Pe. Dehon nos seus "Souvenirs":: Tinha tido visões acerca de uma obra de sacerdotes. Tinham-se feito tentativas. Um santo prelado, Mons. Luquet tinha começado com um jovem sacerdote que renunciou, acabando por morrer em Roma (LC, 335).

26 Trata-se certamente das "luzes de oração" da Ir. Maria de Santo Inácio.

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CF I

Igreja convida a isso todos os seus filho no ofício de ontem: Fratres mei derelinquierunt me, noti mei (cf. Job 19, 14) (2º nocturno, responsório) pela boca de Job, uma das mais belas figuras de nosso Senhor. E Jesus, em Paray-le-Monial, convida também ao mesmo todo o mundo.

Os acontecimentos de cada (dia) hão-de servir-nos para nos entretermos nestes pensamentos. Já temos a fuga do Apóstolos, a traição, a negação e o abandono de todos esses discípulos que O seguiam desde a Galileia, diz S. Lucas (cf. 23, 49).

A partir de hoje mesmo sirvamo-nos do triunfo dos ramos para esta finalidade. Foi o que fez nosso Senhor. Dois dos seus discípulos aproximam-se para lhe dizer: olha que triunfo; até os pagãos Te querem falar. Jesus responde-lhes: Venit hora ut clarificetur Filius hominis. Amen, amen dico vobis: nisi granum frumenti cadens in terram mortuum fuerit, ipsum solum manet (Jo 12, 23-25)... Nunc anima mea turbata est (Jo 12, 27). No meio do triunfo Jesus pensa na morte: o horror apodera-se dele à vista do sacrifício: Salvifica me ex hac hora (Jo 12, 27). É o grito da natureza, mas lembra-Se da sua vocação: Sed propterea veni in hanc horam (Jo 12, 27). Finalmente, o grito da graça: Pater, clarifica nomen tuum (Jo 12, 28), seguido da resposta divina: et clarificavi et clarificabo. O anjo da consolação. Sirvamo-nos destas palavras nas tentações que possamos ter, sobretudo quanto à nossa vocação: veni in hanc horam (Jo 12, 27).

Penitência e compaixão, sobretudo pelo abandono dos amigos. Que cada um se mortifique no refeitório e aceite de bom grado todas as cruzes.

No capítulo das culpas alguém se acusa de ter perdido tempo no pátio a tomar o ar e o sol da primavera. O Padre (João) disse que isso estava proibido na nossa vocação27.

Sexta-feira Santa, 26 de Março de 1880

Isto, mais do que uma conferência, será uma contemplação comum que se situa no curso de contemplações individuais que fazemos. Hoje, é impossível afastar os olhares da Cruz. Diremos, com S. Paulo: Non judicavi me scire nisi Jesum Christum et hunc crucifixum (1Cor 2, 2).

Vamos acompanhá-lo passo a passo, do Getsémani ao Calvário. Neste momento vemo-lo ir do pretório até ao Calvário. É o carregar da Cruz.

Fixemo-nos em Santa Verónica e imitemo-la. Jesus não é menos cuspido agora por estes cristãos baptizados que o desprezam e hoje mesmo o insultam especialmente.

Vamos, como Simão o Cireneu, levar a cruz com Jesus. Agora não é menos pesada do que então: o pesado não é a madeira. Nosso Senhor não teria fraquejado sob esse peso: é o peso do coração, o peso dos pecados, e esses ainda se cometem aos milhões.

Unamo-nos a Maria que tinha sido preparada para este caminho doloroso com uma torrente de graças que ela usou dignamente na nossa redenção. Aí está a nossa Mãe, a Mãe da compaixão.

Olhemos e imitemos S. João que fez ali o seu noviciado tão perfeitamente num só dia; o seu coração bem dotado de amor teve que sofrer muito. Permaneçamos com ele e com Maria ao pé da Cruz e consolemos Jesus, amando-o e mortificando-nos com Ele.

Sexta-feira, 2 de Abril de 1880

Hoje, dia de retiro destinado a unir-nos à agonia de nosso Senhor, de acordo com o seu desejo. É o dia apropriado para falar da preparação que vamos fazer e em que nos ocuparemos diariamente. A provação aproxima-se, estamos no momento do conselho: Quaerebant quomodo traderent eum (cf. Mc 11, 18).

Ainda que sem as luzes sobrenaturais, que estão longe de faltar, pode-se esperar a provação: Satã prepara-se27 Ao fundo da página, o noviço Falleur escreve, sublinhando: o N.J.C. (?).

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CF I

porque é uma congregação que se vai ocupar do ensino e ele não quer nem congregações nem ensino religioso,

porque é uma obra de reparação sacerdotal e religiosa,porque é a obra do Coração de Jesus e é para aí que Satã dirige os seus dardos mais

envenenados.Estejamos certos de que nos reserva os seus melhores golpes. Reúne-se o conselho: é nas

tabernas, é pela autoridade civil, não sei, mas reúne-se em casa de Caifás. É, pois, o momento de nos unirmos à agonia de Jesus. Também ele se preparava no horto da agonia enquanto os seus inimigos deliberavam. Tinha preparado durante o último ano da sua vida pública que alguém chamou o ano doloroso pelas oposições dos fariseus, dos escribas, pelo abandono de alguns discípulos, como se vê quando fala da Eucaristia. Que nos reserva a provação? Deus o sabe. Certamente calúnias, desprezos, talvez alguns sofrimentos externos. Preparemo-nos, se não quisermos fraquejar na provação. A agonia será penosa, mas se o anjo consolador nos vier mostrar os frutos imensos da Obra, a sua rápida expansão a seguir à prova que depois de tudo é precisa porque ela é o selo da obra divina, as graças inumeráveis que dela hão-de resultar para o mundo pelo qual a Obra semeará a reparação, o sacrifício reparador oferecido nos países onde Satanás se desencadeou mais, em comparação com todas estas vantagens a provação parecerá ligeira: leve tribulationis, aeternum gloriae pondus (cf. 2Cor 4, 17),

Como preparação e para chegar a dizer depois Ecce venio (Heb 10, 7), Surgite, eamus (Mt 26, 46), sejamos generosos em aceitar cada dia a nossa pequena cruz. Sejamos fiéis em levá-la; nisso consistirá a nossa preparação e a fidelidade na provação será em proporção da reparação.

Rezemos e fortaleçamo-nos na humildade. Assim a generosidade e a humildade serão a nossa preparação.

Domingo, 4 de Abril de 1880

Sexta-feira falámos do estado em que é preciso ter a nossa alma no tempo presente; completemos o que dissemos. Nosso Senhor abreviou-nos o tempo de preparação e a nossa obra está em Getsémani antes do Calvário. Vai passar pela provação, pela cruz. Nolite timere eos qui occidunt corpus (Mt 10, 28). Desiderio desideravi (Lc 22, 15): desejar e não temer, desejar o Consummatum est (Jo 19, 30), porque daí é que datará a confirmação, as graças imensas reservadas à obra, a multiplicação dos seus membros. Como do Coração de Jesus aberto pela lança brotou a Igreja com a graça e com a glória, assim da provação surgirá a fecundidade para a nossa obra. Desejar, pois, a provação, mas não temer. Para amoldar o cálice à nossa fraqueza, Jesus não no-lo fará beber num dia, dar-no-lo-á em três meses, talvez em seis, mas vai dá-lo e o período de provação já começou. Não temais os que podem matar o corpo, mas os que possunt perdere in gehenam (Mt 10, 28), os inimigos, os amigos que aconselharão isto ou aquilo, fugir para aqui ou para ali, servir-nos destes ou daqueles meios. Nada de agitação, de preocupação quanto às medidas a adoptar diante da perseguição. Deixemos isso aos superiores: Mons. (Thibaudier) e outros. Quando chegar o tempo de já não tomar nenhuma, deixemos actuar Jesus. Procurá-las seria a nossa perdição. Não tenhamos mais do que uma preocupação: permanecer fiéis à nossa vocação. Procuremos pensar no Sagrado Coração para nos unirmos a Ele. Neste momento permite que se dilacere ainda o seu Coração. Porquê? Porque entre as congregações religiosas há as que são fervorosas e estas quere-as associar aos seus sofrimentos, fazendo-as sofrer. Abandonemo-nos com elas ao Coração de Jesus para receber aí o golpe da lança e da perseguição. Mas também as há tíbias, as que se encontram num caminho de irregularidade e de oposição ao espírito dos seus fundadores. Jesus lamenta-se delas de há um século para cá, desde há três séculos inclusivamente. Pois Ele fala delas já em Paray; a própria Igreja parece confirmá-lo ao ocupar-se da beatificação de pessoas a quem foram dadas luzes sobrenaturais sobre a ingratidão do povo escolhido. Segundo pessoas autorizadas esta seria uma parte do segredo de

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CF I

La Salette. Para estas congregações relaxadas do espírito fundacional vem o castigo. Jesus purifica o seu ar: serão dispersas e perseguidas legal ou violentamente. Alguns dos seus membros talvez se alegrem com esta ocasião para se irem embora, outros não responderão logo a uma outra chamada. Com as congregações fervorosas unamo-nos ao Coração de Jesus que sofre diante das congregações relaxadas. Aceitemos a prova em reparação.

Hoc sentite in vobis quod et in Corde Jesu (cf. Fil 2, 5). Jesus vai sofrer nos seus membros escolhidos, na sua cabeça pelas congregações contemplativas, nas suas mãos pelas congregações ocupadas em obras, nos seus pés pelas congregações que enviam evangelizadores para o estrangeiro, no seu Coração pelas congregações reparadoras.

Ele deixa-se bater nos seus membros escolhidos. Não nos deixemos levar pela cólera, pelo ódio, pelos medos naturais e humanos de fugir à perseguição. Deixemos actuar os verdugos. Jesus não se preocupava muito com eles: Nesciunt quid faciunt (cf. Lc 23, 34). Procuremos consolá-lo, pensemos na sua dor. Ele, na cruz, pensava nos Apóstolos. Pensemos como Ele nas almas privilegiadas infiéis, porque as há em todas as categorias, desde Judas a S. João.

A estes sentimentos de união a Jesus e de compaixão, acrescentemos o de uma confiança absoluta. Não acontecerá mais do que aquilo que Jesus quiser, e na medida em que o queira. Durante o ano doloroso o Evangelho, que não obstante não disse tudo, conta-nos 3 ou 4 vezes que os Judeus quiseram prendê-lo, mas a sua hora ainda não tinha chegado.

Abandonemo-nos completamente à sua vontade.Amor - confiança - compaixão.

(O Padre (João) recomenda que no recreio não se façam conversas desanimadoras sobre este assunto.)

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CF II

Cadernos Falleur

IIConferências e Pregações

7 de Abril de 1880 - 13 de Junho de 1880

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CF II

Quarta-feira, 7 de Abril de 1880

A mansidão

Sua excelência, prática e motivos.

I. - É um fruto do Espírito Santo. É a dona da mais violenta das paixões: a ira. É a virtude preferida por Nosso Senhor, a primeira que Ele ensina: Discite a me quia mitis sum (Mt 11, 29).

II. - Para a praticar bem, expliquemos os seus graus:1. não manifestar a emoção que se sente interiormente;2. resistir pronta e facilmente à emoção;3. não nos emocionar sequer pelo que pode excitar a cólera;4. alegrar-se com isso;5. entristecer-se porque aquele que nos ofende se prejudica;6. contristar-se porque Jesus se entristece com a ofensa.

Isto para os actos interiores.Para os actos exteriores: mostrar-se sorridente, falar amavelmente e com jovialidade, dar prazer aqueles que nos ofendem.Uma observação: Deus há-de permitir frequentemente que sejamos ofendidos apenas aparentemente sem que haja realmente ofensa: isto acontece no noviciado.

III. - Motivos gerias: o primeiro interesse está em vencer a mais forte das paixões; o segundo consiste em conquistar os corações: é pela mansidão que os mártires e todos os santos fizeram triunfar o evangelho.

Motivos especiais:1) virtude preferida por Nosso Senhor: mitis sum;2) queremos ser vítimas. Mas todas as vítimas são cordeiros. A este propósito, aludindo o Padre (João) à morte das irmãs, disse que, na Apresentação, Nosso Senhor preservou o cordeiro mas imolou as pombas.1

Sexta-feira, 9 de Abril de 1880

O Silêncio

- Admirável instrução que eu quisera copiar literalmente, sobretudo o motivo especial -

Nós, Oblatos, temos que observar especialmente o silêncio porque a nossa vida é contemplativa, sobretudo no noviciado, e nas obras será largamente impregnada de vida

1 A 7 de Abril de 1880 já tinham morrido em poucos meses três jovens religiosas Servas : a Irmã Maria de Jesus, a 27-8-1879; a Irmã Maria Xavier, a 11-10-1879; a Irmã Maria de Gonzaga, a 15-8-1880.A Irmã Maria das Cinco Chagas morrerá a 12-4-1880. Divulgou-se o boato de que tinham sido envenenadas, para encobrir crimes. Pensou-se em fazer a exumação dos seus restos mortais. Os jornais anticlericais queriam montar um grande escândalo. O Pe. Dehon passou meses de angústia (cf. NHV XIV, 17). A Madre Maria do Coração de Jesus , fundadora das Servas, afirmava, com grande fé, que as quatro jovens religiosas eram as quatro colunas da Congregação. Com efeito, tinham-se oferecido como vítimas de amor e Deus tinha aceitado a oferta (cf. NHV XIV, 18-19; VP, p. 606). De modo especial a Irmã Maria de Jesus, irmã mais nova da Fundadora, tinha oferecido a sua vida para que o Pe. Dehon, gravemente enfermo de tuberculose, pudesse ser conservado para a sua obra e Deus tinha-a escutado (cf. VP, pp.633-647).

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CF II

contemplativa. Pois bem, a contemplação é a conversação interior com Nosso Senhor e para O escutar é preciso silêncio... Este ponto é para nós de uma certeza absoluta: ou o silêncio ou ir-se embora. Nosso Senhor quer conduzir-nos com uma Providência milagrosa.

O silêncio é uma virtude muito importante.É assim que se manifesta que um é religioso e que outro é calado, dizendo que vive na soledade. A importância do silêncio deduz-se do espaço considerável que ocupa nas constituições das grandes ordens religiosas. (O Padre (João) cita alguns exemplos do que se prescreve). Nosso Senhor promete falar à alma silenciosa: Ducam eam in solitudinem et ibi loquar ad cor ejus (Os 2, 14).

Há que praticar o silêncio interior e o silêncio exterior. Ambos ajudam mutuamente e não podem existir um sem o outro.

O silêncio interior é a paz da alma, a atenção a Deus ou a atenção única ao que prescreve no próprio momento a vontade de Deus. A sua definição expressa por si mesma a sua excelência, e dela se deduz do mesmo modo a sua prática.

O silêncio exterior compreende o silêncio da palavra e o silêncio da acção. O silêncio da acção consiste em evitar toda a acção ruidosa: correr nas escadas, fechar bruscamente as portas. O silêncio verbal é aquele a que se presta mais atenção em todas as regras, porque a língua é fonte de numerosos pecados. Falta-se a ele quando se fala desnecessariamente. Que fazer se nos tenta um confrade? Não responder , sem se importar se isso desagrada: Si... hominibus placerem, Christi servus non esse (Gal 1, 10). Responder com muito poucas palavras, se for necessário. (A este propósito o Padre (João) recorda a regra que obriga todo o noviço a manifestar ao Superior toda a falta exterior, tanto as próprias como as alheias. Para praticar esta regra no que concerne ao próximo, eis o que nos diz: dizê-lo ao Padre no momento da direcção: sublinhei certas faltas exteriores. Julga o Padre necessário a este propósito que se lhas faça saber? É actuar com caridade e o contrário seria uma caridade diabólica). As motivações do silêncio são: 1) evitar pecados; 2) fugir das ocasiões; 3) ...

Para os Oblatos é necessário: o silêncio ou a destruição. Nosso Senhor quer conduzir-nos constantemente por inspirações milagrosas. Se não O escutarmos, rejeitar-nos-á. Quer ser nosso Pai, nosso Irmão, nosso Amigo, nosso Mestre de Noviços. Mas, para isso, é preciso escutá-l´O e segui-l´O : o silêncio.

- Ver mais acima o fim (II, 2). (Instrução admirável que eu teria gostado de copiar literalmente, sobretudo o motivo especial).

Domingo, 11 de Abril de 1880

Há certos ensinamentos que a Igreja propõe ao longo do ano litúrgico que não podemos deixar passar e por outro lado é preciso ter alguns dias para meditar a virtude de que se falou. Hoje, de modo muito particular, temos de meditar os ensinamentos que a Igreja nos propõe. Jesus atribui a Si mesmo a qualidade de bom pastor e acrescenta imediatamente que aquilo que constitui a bondade deste pastor, o que O caracteriza, é que dá a vida pelas suas ovelhas, é que é um pastor vítima. Jesus gosta deste título.

As figuras que realizou referem-se a isto. Abel, o primeiro justo, foi pastor. David, Abraão, Isaac, Jacob, Moisés e Aarão eram pastores. Todos estes pastores foram vítimas por imolação.

Há duas espécies de imolação: a imolação violenta e a imolação suave de cada dia, a vida de imolação.

Abel derramou o seu sangue; criava cordeiros para o Senhor: escolhia os melhores, cuidava deles de modo especial, amava-os ao ponto de sacrificar o seu coração ao sacrificar os seus cordeiros predilectos: Abraão também foi vítima, vítima do coração, resignando-se ao sacrifício de Isaac. Também Jacob, padecendo o sacrifício dos seus dois filhos, José e Benjamim. Estes

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pastores foram vítimas e Jesus, de Quem eram figuras, foi-o mais do que todos. Mas também foi pastor de vítimas.

Estas vítimas são os mártires dos primeiros séculos, depois os grandes monges, depois os confessores, sobretudo as almas que fizeram e fazem voto de vítima. É sobretudo para elas que Jesus se chama bom pastor e as convida a segui-l´O, a dar como Ele a sua vida, a ser vítimas.

Aí está a nossa vocação: Jesus escolheu um redil dentro do redil; escolheu umas almas para as engordar, embelezar e sacrificá-las depois ao Pai, como os pastores da antiga lei alimentavam especialmente alguns cordeiros preferidos para os sacrificar. A nossa vida é imolação e sempre há-de acabar pela imolação. A causa aparente poderá ser uma doença, mas a real será um sacrifício de Jesus que se imola, a Ele mesmo, na sua ovelha predilecta. Alguns são chamados, de certeza. a derramar o seu sangue, mas normalmente será uma morte natural e corrente que terminará a sua vida.

Os pastores escolhiam uns cordeiros carinhosos, amantes, que comiam bem, brancos, sem mancha e punham de parte os que não correspondiam aos seus cuidados. Esforcemo-nos por ser assim (também?) para o bom pastor uns cordeiros amantes, confiantes, carinhosos. Deixemo-nos engordar pela sua doutrina e pela sagrada comunhão. Temamos sobretudo não corresponder aos seus cuidados, pois seremos postos de parte infalivelmente e desapareceremos na provação.

Quarta-feira, 14 de Abril de 1880

A Pobreza

I. Importância

Ela é objecto dos três grandes votos e a primeira das bem-aventuranças; ela conduz à perfeição: Vade, vende quae... (Mt 19, 21).

II. Prática

Há mil maneiras de a praticar interiormente por meios de pensamentos, desejos, sentimentos. Pratica-se exteriormente aproveitando as ocasiões que se apresentam para se privar do luxo no vestir, das comodidades da vida e objectos, contentando-nos com uma cela pior, com um pior quinhão, aguentando mais o frio e toda a espécie de incomodidades que podem ter a pobreza como causa.

III. Motivações

a) gerais: é o antídoto para uma das três grandes concupiscências; esse é a grande motivação: a concupiscência dos olhos. O religioso preserva-se e cura-se do grande mal que condena tantos homens. A esta motivação de interesse acrescenta-se um de consolação. Deus não abandona aqueles que assim confiam n´Ele. Jesus Cristo, a Santíssima Virgem amaram apaixonadamente a pobreza: propter nos egenus (2 Cor 8, 9). Todos os santos amaram a pobreza, por isso é uma grande virtude, por isso é um grande meio de santificação para nós.b) especiais: reparar todos os apegos dos religiosos aos bens terrenos, apegos que contristam tanto a Nosso Senhor. Dá-se este fenómeno que depois de ter renunciado às vezes a muito, nos apegamos exageradamente aos nadas que a regra põe à nossa disposição. Os objectos que servem

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ao homem têm esta qualidade de atrair o gosto, de ser viscosos, por assim dizer, e renitentes ao desapego.

O Padre (João) recomenda em geral os actos internos de virtude porque ao fim e ao cabo as virtudes devem ser interiores.

Sexta-feira, 16 de Abril de 1880

Amor a Jesus

Frequentemente tomamos a resolução de ser fiéis ao espírito da nossa vocação. Para fortalecer esta resolução, ponhamos hoje de parte o curso normal das conferências e detenhamo-nos a falar do amor a Jesus.

A morte da nossa irmã dá-nos, por outro lado, ocasião para falarmos disto, pois este amor era um dos traços salientes da sua vida. Tinha-o quase sempre sensivelmente, e verificou-se que morreu de amor. O médico diagnosticou tuberculose pulmonar e cardiopatia no certidão de óbito. Nos seus últimos dias não fazia outra coisa senão actos de amor: Jesus, amo-te, reiterando-os de mil maneiras. Oxalá morramos também nós assim , de amor a Jesus!2

O apóstolo que melhor falou deste amor foi S. Paulo. O Seu Coração apaixonado manifesta-se de modo muito especial na epístola aos Romanos em que recorda as motivações do seu amor e protesta o seu inquebrantável e indefectível apego a Jesus: quos praescivit... (Rom 8, 29).

A estas motivações acrescentemos tudo o que a Providência fez por nós desde o baptismo até à nossa vocação de Oblatos, e nesta Obra, as maravilhas tão grandes que Jesus fez, e digamos com Ele: Quis me separavit a charitate Dei? (Rom 8, 35). Não serão nem os anjos, que não têm poder senão sobre o corpo e a imaginação, nem os homens, que não o têm senão sobre o corpo, nem a fome, nem a perseguição. Na prisão ninguém me pode impedir de fazer actos de amor. Nada me pode impedir de fazer actos de amor. Multipliquemo-los, pois, durante todo o dia e antes de todos os outros actos. Os actos de reparação vêm depois e mantêm-se. Amemos a Jesus que tanto nos amou.3

As vítimas voluntárias

Pela quarta vez desde há alguns meses as Servas do Coração de Jesus, esta comunidade franciscana tão piedosa e hoje tão popular em S. Quintino, transportava na quinta-feira (15-4-1880) à sua última morada os restos mortais de uma das suas irmãs. Seguimos esse cortejo, ia a dizer essa marcha triunfal, e no percurso recolhemos diversas apreciações. Todas eram simpáticas; algumas eram, além disso, inquietas.

Alguém admirava-se dos golpes reiterados que a morte deu no seio deste convento do bairro de S. Martinho, sem dúvida tão bem situado; dava-se a estas mortes repetidas diferentes espécies de explicações.

Não mais do que uma exacta. As humildes Servas do Sagrado Coração são vítimas voluntárias; oferecem as suas orações, os seus trabalhos, os seus sofrimentos e, sobretudo, toda a sua vida para glória de Deus, pela perseverança dos justo e pela conversão dos pecadores.

2 A 12 de Abril de 1880 faleceu a Irmã Maria das Cinco Chagas, Serva do Sagrado Coração (cf. Nota 1, II-1)3 Aqui inserem-se as pequenas notícias de jornal: um sobre os funerais da Irmã Maria das Cinco Chagas e as suas outras jovens co-irmãs falecidas e outro sobre os jesuítas da casa de Liesse, expulsos oficialmente de acordo com os decretos de 29 de Março de 1880.

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Deus toma a sério esta imolação quotidiana: e as pobres franciscanas tornam-se assim as benfeitoras da Igreja e especialmente desta cidade. Por este título, em troca dos serviços que nos traz esta reparação incessante e dos males que nos evita, devemos a estas fervorosas religiosas a homenagem do nosso reconhecimento e a expressão da nossa veneração. Oferecemo-la em nome de todos aqueles nossos amigos que apreciam, como nós, a sua missão sobrenatural e as suas consequências tutelares (Conservateur de L´Aisne, Abril de 1880).

Atirai-os pela porta, voltarão a entrar pela janela! Trata-se dos jesuítas.É sabido que na véspera da execução dos decretos de 29 de Março os 5 jesuítas que

residiam oficialmente em Liesse encerraram a comunidade. Podemos, pois, pensar que o departamento se tinha livrado definitivamente dos filhos de Loyola. Se dermos crédito a diversos rumores que circulam entre o povo com muita insistência, nada disso acontecera.

Uma congregação de damas que reside no distrito de Laon e que segue, segundo consta, a regra de S. Francisco, parece ter dado caritativamente asilo a uma dezena desses bons Padres, os quais, à sombra das "toucas" destas damas, desafiam absolutamente seguros dos raios governamentais.

Ouvimos contar esta aventura a diversas pessoas absolutamente dignas de crédito; também pensamos que a autoridade competente faria bem em verificar a autenticidade destes rumores. Uma pequena batida às catacumbas confortáveis que os bons Padres construíram para si - dizem - a algumas léguas daqui, ensinaria à autoridade o grau de respeito que os jesuítas professam para com as leis existentes.

Quarta-feira, 21 de Abril de 1880

Exortação à generosidade na nossa vocação sobre o espírito da nossa vocação

Como faltam alguns, em vez de continuar o curso normal, detenhamo-nos um pouco a meditar no espírito da nossa vocação. Além do mais, não é todo para nós, e se não nos falta, não será tudo perfeito? Somos vasos de ouro na casa de Deus. Há vasos de todo o valor, vasos de argila e, entre estes, vasos comuns e vasos de ignomínia.

Nós somos os vasos do sacrifício, cálices, os servidores preferidos do príncipe, seus ajudantes de campo na guerra da imolação, pois a guerra que Ele combate é a guerra da renúncia e do sacrifício. É fazendo sofrer a si mesmo. Não somos seus camareiros, seus ministros, mas os ministros e os oficiais que o acompanham à guerra.

Os motivos que temos para nos mostrar seus fiéis são o amor e a reparação: a nossa finalidade. Devemos-lhe o amor pelo baptismo, pelas graças de toda a espécie e sobretudo pelas graças que nos merece a nossa vocação, graças sem par desde o princípio da Igreja. Não é também urgente a reparação das nossas faltas e das do povo escolhido? Jesus espera-a para poder derramar as suas graças mais imensas, graças inauditas sobre o seu povo escolhido, depois sobre o mundo.

Queremos a Obra do Coração de Jesus, a esta Obra? Sim, pois que viemos a ela. Pois bem, para realizá-la, sejamos generosos. Consideremos perdido o dia em que não tivermos tido cruz para oferecer a Jesus. Nada de medo diante da cruz: ela é suave, jugum suave, e Jesus carrega a maior parte dela. Se a recusamos, virá igualmente e será pesada, amarga, infrutuosa. Se a aceitamos, será leve, suave, abundante em graças para nós, para as almas e para o mundo. Saibamos aproveitar-nos dela generosamente.

A essas cruzes imprevistas unamos a imolação suave e constante de Jesus em Nazaré. Oferecendo todas as nossas acções em espírito de amor e de reparação; a imolação do corpo nas pequenas mortificações do refeitório, a do espírito por meio da atenção, especialmente nas orações; a do coração, pelo desapego de tudo o que não seja Jesus.

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Sexta-feira, 23 de Abril de 1880.

Outra exortação sobre a necessidade e o modo de corresponder à nossa vocação.

A nossa vocação consiste em viver com Jesus uma vida íntima e oculta, uma vida interior. Outros têm missões mais brilhantes, mais exteriores. Para nós a nossa vida consiste nisso. Devemos ser fiéis a isso. Sobretudo não vamos, por falsa humildade como o demónio sugere nos maus momentos, nos momentos de tentação, considerar-nos indignos desta vocação e pô-la de parte por esse motivo.

Acaso Nosso Senhor não escolheu os mais fracos instrumentos para demonstrar melhor a sua própria acção? Eram dignos os apóstolos? Não podiam alegar: nós somos indignos, procurai outros? Então, tinham razão para fugir durante a Paixão? E S. João, foi acaso fariseu porque não se julgou indigno de seguir Nosso Senhor até ao Calvário para consolar o seu Coração? Jesus sofredor e ferido com uma chaga muito sensível deixa passar outros ao longo do caminho, muito mais dignos do que nós. Detém-nos e diz-nos: aliviai-me vós, consolai-me vós. Responderemos nós por humildade: Senhor, não posso, procurai outros, não sou digno? Porque caímos ainda com frequência, vamos desanimar? De modo nenhum, se sabemos levantar-nos imediatamente e demonstrar uma fidelidade, se não constante, pelo menos constantemente renovada. A queda esquece-a Deus rapidamente quando nos levantamos sempre animosamente.

E próprio da nossa vocação deixar fazer, aceitar o que nos acontecer e não ter mais do que um pensamento fixo dominante no meio das nossas obras. Jesus suprirá o que esta nossa ideia fixa poderia fazer-nos negligenciar nessas obras. Uma ideia dominante, o unum necessarium para nós; esta ideia dominante é pensar nos sofrimentos que causa a Nosso Senhor o seu povo eleito, em cada um dos exercícios que são comuns a nós e ao povo escolhido. Ao levantar-se, por exemplo, Jesus manda a muitos milhares; como é obedecido? Mostremos uma diligência que o console da fraqueza que encontra em nós. A todo o momento há 5.000 sacerdotes no altar. Como tratam a Jesus? Não é temerário supor que haja Judas, S. Pedro em casa de Caifás. Não houve sempre joio no meio do bom trigo? E a comunhão, o Ofício divino, o trabalho, as refeições? Pensar em cada um destes exercícios, em reparar o que ofende a Nosso Senhor no mesmo exercício feito pelas almas consagradas e ter também um pensamento especial pelos ultrajes que pode receber nesse momento nas missas que então se celebram, pois é aí que o ultraje lhe resulta mais directo e mais sensível.

A nossa vocação é certa, é animada pela Hierarquia e por via sobrenatural e mística que nos dá mil provas.

Domingo, 25 de Abril de 1880

Da Paciência

Esta virtude que tem pontos comuns com a mansidão é, sem dúvida, diferente. A paciência reprime a tristeza, paixão do apetite concupiscível, que é como que um descaimento de nós mesmos. A mansidão reprime a cólera, paixão do apetite irascível, que um arrebate, uma exaltação de nós mesmos.

I. S. Paulo demonstra-nos a sua excelência designando-a como o primeiro florão da caridade: Charitas patiens est ( 1 Cor 13, 14).II. Prática. Os actos interiores fazem-se prevendo os males que podem apresentar-se fazendo-nos sofrer, males do corpo, do espírito ou da alma; e excitar-se à coragem e ao

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desejo de os sofrer. Os actos exteriores são a aceitação simples e alegre desses mesmos males.III. Motivos. Toda a cruz levada por nós é diminuir outro tanto o peso da de Jesus. Durante a sua Paixão Ele previu todas as cruzes recusadas por nós e assumiu e carregou com essas cruzes recusadas, de modo que ao aceitar a nossa cruz estamos certos de ter aliviado os sofrimentos de Jesus, aligeirando o peso da sua cruz; como, pelo contrário, tê-los aumentado, aumentando o seu peso com as nossas recusas. Este é o motivo mais nobre, o mais digno de nós, os Oblatos.

Um motivo de interesse é que o sofrimento, ao tornar-nos semelhantes a Jesus Cristo, no dia do juízo quanto mais semelhantes a Jesus Cristo nos tenha tornado a paciência tanto mais favorável nos será o juiz. Este motivo pode enobrecer-se com o pensamento da glória que terá Jesus por esta maior semelhança.

É sobretudo o exemplo o que nos compromete à paciência. Nonne... oportuit pati Christum! (Lc 24, 26). Jesus Cristo foi paciente. Essa foi a sua vocação. Passus est pro nobis (1Pe 2, 21), e quanto a nós, a nossa vocação é a sua. A nossa vocação é a paciência. É o martírio do coração como S. João e as santas mulheres. Raramente isso será o Calvário; ordinariamente isso será a paixão e a paciência de Nazaré, a imolação de cada dia.

Outro exemplo é o de todos os santos. Pode-se dizer em certo sentido que todos os que estão no céu são uns mártires. Hi sunt qui venerunt ex magna tribulatione (Apoc 7, 14). Todos foram pacientes e mártires pelo menos do coração: as virgens pela sua constância, os confessores pelo seu zelo.

A nossa vocação é a paciência. Ela pode resumir-se nestas palavras: Charitas patiens est ou nestas de Santa Teresa: amar e sofrer, sofrer para demonstrar o nosso amor, sofrer para reparar, sofrer porque Jesus sofre, não porque temos penas pessoais. Devemos esquecê-las, pois não devemos pensar mais senão na chaga sensível de Jesus, sofrer porque Ele é ofendido e isso nos fere o coração, porque o seu Coração é o nosso coração, porque é o nosso tesouro; sofrer para demonstrar o nosso amor.

Quarta-feira, 28 de Abril de 1880

(A nossa vida de reparação)

Convém deixar à nossa (disposição) alguns dias para meditar a virtude da paciência. Falemos hoje da nossa vida de reparação e meditemos alguns pontos sobre ela.

Há uma coisa extraordinariamente consoladora e temível: é que Nosso Senhor exige de nós a perfeição. Disse-o frequentemente por meio das luzes sobrenaturais que nos concede: perfeição ou destruição. A própria razão nos mostra a exactidão. Qual é o nosso fim? Reparar. Mas aquele que se oferece em reparação, não tem de ser de tal natureza que compense completamente a ofensa, e a coisa oferecida com esta finalidade pode acaso ter os mesmos defeitos que a coisa que causou a ofensa?

Observai entre os grandes da terra: oferece-se aos seus olhares um ramalhete murcho, seco, ou um ramalhete bonito em si mesmo mas contendo em si uma flor mal-cheirosa? Seria recusado todo o ramalhete. O mesmo no nosso caso: esse ramalhete compõe das obras de cada dia, de toda a comunidade, o mesmo de um só membro ou, se quiserdes, de uma só acção, de um só membro; pois nessa acção pode-se considerar os diversos sentimentos que se têm ao fazê-la e reuni-los como as flores de um ramalhete. Pois bem, Jesus recusará todo o ramalhete que contenha uma (só) flor mal-cheirosa ou mesmo inodora.

Do mesmo modo, se fossem vistos na guarda de um rei homens mal vestidos, mal apresentados, dir-se-ia que esse rei não é respeitado e é tratado indignamente; o mesmo quanto a

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Jesus se nós não formos perfeitos, pois nós somos os seus guardas pessoais. Uma comunidade reparadora deve ser um corpo escolhido.

A nossa missão especial de representar o Coração de Jesus indica-nos também que, ao ser a mais perfeita das vocações, pede a vida mais perfeita.

Esta sublime vocação de ser perfeito é sumamente consoladora, pois podemos estar seguros de que Jesus nos dará os meios para chegar ao fim, e, uma vez que nos quer perfeitos, nos outorgará as graças necessárias.

Mas não devemos perder a coragem perante a grandeza da finalidade. Além do mais, neste momento e até ao completo estabelecimento da sua obra, Jesus tolerará ainda muito. Não somos senão noviços e ele sabe a nossa miséria: Cognovit figmentum meum (Ps 102, 14). Vai aguentar-nos até à confirmação da Obra. Então receberemos graças muito especiais que nos garantirão na nossa vocação e nos mostrarão melhor os nossos deveres. Até lá Ele quer, sem dúvida, ter paciência (connosco) ainda.

O que Ele detesta sobretudo: a flor mal-cheirosa do ramalhete. Terá menos importância a queda passageira que tolerará sempre, se soubermos levantar-nos em seguida, que o hábito, o apego que dura. Oh! Perseguirá isso implacavelmente, sacudirá as almas e as agitará até que se desliguem do seu apego; e se recusam isso, recusá-las-á e a própria Obra com eles, se os superiores forem cúmplices disso num certo grau. Nenhum apego aos bens externos, sobretudo ao juízo ou à vontade próprios.

Sexta-feira, 30 de Abril de 1880.

A magnanimidade

Depois da paciência, que desenvolve a força de resistência, meditemos na magnanimidade, que é a vontade de fazer as coisas grandiosamente. Agir generosamente, é isso a magnanimidade. A sua excelência dimana da sua definição.

Os actos interiores podem alargar-se a todas as outras virtudes. Vejo a penitência de Santa Maria Madalena e desejo fazê-la tão grande como ela. Assim, em qualquer virtude.

Os actos exteriores são numerosos: fazer tudo com grandeza, a observância da regra com grandeza, a modéstia com grandeza, a mortificação com grandeza, ser o primeiro a pedi-la. Formulemos o desejo, depois submetamo-nos com grandeza. Não é orgulho que se atribua a honra devida a Deus. A magnanimidade tem por finalidade directa esperar o bem com todas as próprias forças naturais e sobrenaturais. É, pois, legítima! Está mesmo mandada: Estote perfecti sicut Pater vester coelestis... (Mt 5, 48); Exemplum dedi vobis... (Jo 13, 15).

Actuar esforçadamente, como os santos, generosamente. Os santos costumam exercitar-se à magnanimidade vendo as virtudes praticadas à sua volta. Esse é modesto, pontual, eu quero-o ser tanto como ele.

O especial para nós é a magnanimidade no sacrifício e no amor. Jesus quer corações generosos. Não há nada de pequeno no sacrifício. Imolemo-nos generosamente. Que diria dos guardas especiais do rei que recusassem servi-lo generosamente e que não o tratassem com respeito? Não lhe recusemos nada, alarguemos os nossos corações; jamais serão demasiado grandes para Ele.

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Sexta-feira, de tarde (30 de Abril de 1880)

A abertura do mês de Maria

Há um pensamento que nos ocorre, de modo muito especial a nós Oblatos, ao inaugurar este mês: que ele seja uma preparação para o maior mês do ano, para nós.

Este ano saudamo-lo de modo mais especial porque a Providência nos reserva provações que serão graças; o mês do Sagrado Coração e o mês de Maria serão precisamente uma preparação para essas graças. Esta boa Mãe dispor-nos-á para elas mostrando-nos que é por Maria que se vai a Jesus: do Coração de Maria ao Coração de Jesus4.

Que é que Ele quer de nós especialmente durante este mês? Flores, cânticos, louvores? São corações o que Ele pede antes de mais nada e nesses corações quer ver a pureza, pureza nas pequenas coisas, pureza de coração, pureza de intenção, amor a Jesus e, sobretudo, espírito de imolação, de reparação. Como Ela o teve durante toda a sua vida. Eis as três coisas que Maria nos pede durante este lindo mês.

(Domingo), 2 de Maio de 1880

Sobre o Coração de Maria

I. Conveniência de falar dele hoje: 3 razões:II. A sua ternura para connosco. O seu Coração não é suficientemente conhecido. Fica-se

como que deslumbrados pelo seu brilho, pela sua grandeza e não nos atrevemos a aproximar-nos dele para o contemplarmos. E ela tem, sem dúvida, um coração de carne, Cor carneum (Ez 36, 26), um coração que ama como os outros corações. O maior castigo é ter um coração de pedra; a graça maior, ter um coração ardente. Maria é a mais adornada de graças. É a Mãe de Misericórdia, Mater misericordiae. É o mesmo que dizer que tem um coração compassivo para os miseráveis. Imaginai tudo o que queirais de mais terno, de mais delicado; o Coração de Maria ultrapassa tudo efectivamente.

Vede uma irmã, uma esposa, uma mãe. As palpitações do coração de uma irmã por um irmão querido, toda a sua vida se orienta conforme as circunstâncias que encontra (?) esse irmão.

Uma mãe está disposta a tudo pelo seu filho. O filho vive no coração da mãe. Pois bem, o amor de Maria é muitíssimo maior que o de uma mãe natural. Ela deu-nos à luz na dor ao pé da cruz e o seu amor é proporcional aos sofrimentos que lhe custámos.

Quinta-feira, 6 de Maio de 1880

A Ascensão

Tiremos o nosso tema da festa do dia.S. Marcos é o único que nos narra uma circunstância muito surpreendente da Ascensão.

Parece que Jesus deveria ter deixado, ao partir, àqueles que amara até ao fim, uma palavra de afecto e manifestar-lhes o amor do seu Coração, e todavia não foi assim: Exprobavit incredulitatem illorum et duritiam cordis (Mc 16, 14).

4 O Pe. Dehon refere-se provavelmente aos decretos contra os religiosos de 29 de Março de 1880. O pedido de autorização devia ser apresentado antes de 29 de Junho, data limite sob pena de dissolução e expulsão.

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Se Nosso Senhor aparecesse aqui pessoalmente, far-nos-ia certamente a mesma censura. Também a nós nos falta a fé. E, todavia, não nos deu provas da nossa Obra, da nossa vocação particular?: multiplicou os testemunhos milagrosos e extraordinários e, sem dúvida, não acreditamos, ou melhor, actuamos como se não pensássemos na divindade desta Obra. Modicae fidei, quare dubitastis? (Mt 14, 31). Quare tristis es anima mea et... conturbas me (Ps 41, 6). Digamos, pois, também: Adauge nobis fidem (Lc 17, 5).

Mas são sobretudo corações que Jesus quer e o nosso é duro: duritiam cordis. Quem de nós o ama de verdade? Quem de nós cumpre bem a sua missão de vítima desde a manhã até à noite?

Quem não sabe dizer que não, quem sabe renunciar à sua vontade, à sua liberdade? Ele deu-nos o seu Coração. A outros dá o poder da palavra ou das obras, a nós a efusão do seu amor . Em troca pede-nos o nosso coração: Praebe, fili mi, cor tuum (Prov 23, 26).

A festa do martírio de S. João foi ocasião para dirigir umas palavras de circunstância ao Padre (João) em nome da comunidade pelo seu membro número um, o Pe. Afonso, que terminou desejando que saiamos da provação puriores et velociores5.

O Pe. João garantiu uma saída airosa se tivermos fé, uma grande fé no futuro da Obra, dizendo que os Apóstolos tinham as graças suficientes para ser todos uns S. João. Sejamos todos uns S. João. Sejamos todos uns S. João ou, pelo menos, umas Santa Madalena. Se finalmente soubermos entregar-nos hoje totalmente sem reservar nada para nós, Deus nos dará as graças que podem fazer de nós uns heróis em tempo de provação; e pode afirmar-se que o tempo está próximo; Jesus virá dizer-nos: levantai-vos e vinde, chegou a hora.

Sexta-feira, 7 de Maio de 1880

Duas tomadas de hábito e um postulantado6

Todas as sextas-feiras especialmente ressoam no nosso coração estas palavras: Eis o Coração que tanto amou os homens e que da maior parte deles não recebe senão frieza e indiferença. Hoje, primeira sexta-feira do mês de Maria, não é acaso a própria Santíssima Virgem que nos repete essas palavras, mostrando-nos o seu Jesus já em Nazaré, onde nos amou, suportando por nós os trabalhos, as vigílias, já principalmente no Calvário, onde Ela está ali ao pé da cruz: eis esse Coração trespassado por vós e que não encontra em vós senão frieza e ingratidão.

Esse é certamente o lamento que esta boa Mãe quer dirigir-nos; infelizmente é demasiado fundado. Apesar de tudo, não desanimemos, mas tenhamos humildade, não a humildade de Judas, mas a humildade de Madalena e de Pedro.

5 O Pe. Afonso Maria Rasset, no século Adriano, tinha nascido em Juvincourt (Aisne) a 12-9-1843. Foi ordenado sacerdote em Soissons a 6-6-1868. Entrou nos Oblatos do Sagrado Coração a 28-6-1878; emitiu os seus primeiros votos a 8-9-1879 e os seus votos perpétuos a 17-9-1886. Foi Conselheiro e Assistente Geral de 1886 a 1905. Morreu em Lille a 4-11-1905.6 No registo de votos do Pe. Dehon, a 7-5-1880 está anotada a tomada de hábito do Pe. Paulo Maria Philippot e a entrada do Pe. Tiago Maria Herr (cf. RV, 1-2).

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Domingo, 9 de Maio de 1880

Exortação sobre os evangelhos do dia

Uma razão da oportunidade desta exortação é que este Evangelho refere as palavras de Jesus ao ir do Cenáculo para o Getsémani: também a nossa Obra está presentemente entre o Cenáculo e o Getsémani.

Notai três coisas:1º A união íntima com Jesus: ego sum vitis vera, vos palmites, qui manet in me et ego in

eo, hic fert fructum multum; manete in dilectione (Jo 15, 5.9).2º Amai não só a Jesus mas também as almas dos vossos irmãos. Exortação à caridade.

Amai-os até à entrega da vossa vida. Deveis estar sempre nessa disposição de dar o vosso sangue em imolação.

3º Preparai-vos para a provação, apressemo-la com os nossos desejos, para que chegue esse momento bendito do Consumatum est. Jesus diz-nos: quaecumque audivi a Patre meo nota feci vobis. Disse-vos muito sobrenaturalmente... mementote sermonis mei quem ego dixi vobis... haec locutus sum vobis ut quum venerit hora eorum reminiscamini quia ego dixi vobis... et vos testimonium perhibebitis quia ab initio mecum estis (Jo 15, 15. 20; 16, 4).

Sim, somos os primeiros chamados da multidão que nos seguirá. Enchamo-nos desde já do espírito da nossa vocação. Ego elegi vos de mundo. O mundo odeia-vos e todo o que é do mundo fará o mesmo com o povo eleito. Contemos com o ódio!

Quarta-feira, 12 de Maio de 1880

Sobre a perseverança

Uma das virtudes morais cujo conjunto constitui a virtude cardeal da fortaleza, uma, que é como que a muralha que protege a todas as outras, é a perseverança.

É a disposição habitual da vontade pronta a perseverar. Os actos interiores podem exercer-se de vários modos conforme se considere as circunstâncias em que se poderia correr o risco de não perseverar e isso leva-nos a distinguir a perseverança da constância, que é uma variante. É a perseverança diante dos obstáculos que supera. Exercitemo-nos muito, na actualidade, na constância e na perseverança. Somos mais fortes perante o obstáculo. Diremos: não me admira, já o tinha previsto.

Um primeiro motivo é o interesse: propter retributione. Ainda que fosse preciso perseverar mil anos, estou pronto (que é isso?), ainda que tivesse que dar um membro, a minha vida, perseverarei, pois na ressurreição hei-de encontrá-lo: Qui perseveraverit in finem, salvabitur (cf. Mt 10, 22).

Um segundo motivo é o exemplo de Nosso Senhor que perseverou por um sentimento de amor e de reparação para com a divindade e isto: de modo muito especial por nós.

Um terceiro motivo é a palavra de Jesus que nos diria: Et vos vultisne dimittere me? Respondamos: Ad quem ibimus? Verba vitae aeternae habes (cf. Jo 6, 68-69). A nossa vocação consiste nisso: conhecemos a vontade de Deus: é a nossa santificação por meio de uma vida de amor e de reparação. É preciso segui-la com ânimo.

Um quarto motivo é o exemplo do que se pratica no mundo. Conheço casos que, depois de 4 falências, conseguiram não só pagar as dívidas da primeira falência e das outras, mas chegaram a ter uma fortuna considerável. Façamos o mesmo, não desanimemos. Uma tentação frequente para os Oblatos será dizer a si mesmo: vim para reparar e o que faço é acrescentar continuamente dívidas ao que quero amortizar. Levantemo-nos sempre: será como o rochedo de

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Sísifo que volta a cair incessantemente. Talvez consigamos subi-lo e até subir outros, pois temos para pagar as nossas dívidas os tesouros de Jesus Cristo e dos (santos).

Finalmente um motivo em contraste, é que aquele que entrou e não persevera, conserva algo de Caim no coração e às vezes no rosto.

Sexta-feira, 14 de Maio de 1880

O Coração de Jesus é o nosso verdadeiro fundador e superior. É preciso deixar algum tempo para amadurecer a nossa decisão de perseverar. Falemos hoje de uma coisa muito importante.

O Coração de Jesus é...1º - nosso fundador. É-o teologicamente. Com efeito, a redenção emana do Coração de

Jesus, portanto também a reparação, que é a sua continuação. O Coração de Jesus é o órgão mais afectado pelos seus sentimentos de amor e de reparação e o sinal mais sensível da redenção. A teologia do Coração de Jesus foi estudada mais a fundo e é desta fonte que emana a reparação. É o centro da reparação.

É-o de facto: Desde Santa Gertrudes e da Beata Margarida Maria até às revelações que nos dizem respeito, é o Coração de Jesus que pede reparação, e que a suscita de todas as formas.

2º - Nosso superior. Só Ele fez tudo, ainda o faz e o fará. Só Ele quer ser a direcção, a regra, a vida. Foi Ele que nos iluminou a todos, nos conduziu aqui por caminhos diferentes e é Ele que quer as circunstâncias providenciais que impedem o seu representante de se entregar totalmente à obra. Quer assim provar que foi Ele que fez tudo, que não há nada de humano na sua obra.

O Coração de Jesus é o nosso superior.Apliquemos este pensamento à prática e em pormenor. Vamos a Ele como se vai ao

superior nas casas organizadas regularmente. Quando não podemos usar o canal de que se serve para nos comunicar a sua vontade, vamos à fonte: a água é ainda mais pura do que no canal. Caímos, vamos acusar-nos diante do seu Coração. Trata-se de sair ou de voltar; vamos informá-lo ao sair e ao voltar; a pedir uma bênção. No refeitório, no Ofício divino, vejamo-lo a Ele mesmo a dar a bênção. Dar-nos-á grandes graças se O soubermos ver como o verdadeiro superior.

É um motivo de confiança inquebrantável nas tentações, nas dúvidas, nas quedas: recorramos a Ele. Ele responderá. No momento da provação, estará presente o seu representante, será fiel? Pouco importa. O Coração de Jesus está ali, recorramos a Ele. Que ninguém se queixe já, pois, de falta de direcção. Seria uma ingratidão7.

(Quadro sinóptico da conferência anterior)

I. O que é o Coração de Jesus para as obras de reparação; em particular para a nossa

Fundador:- necessariamente: a reparação é a continuação, a extensão, a aplicação da redenção.

Pois bem, o Coração de Jesus é o centro operativo, o lar, a fonte das graças da redenção. Centro operativo, centro de distribuição. Logo é o autor de toda a reparação;

- positivamente: Nosso Senhor manifestou o seu Coração a Santa Gertrudes; em Paray-le-Monial e noutros lugares, a pedir reparação;

7 O noviço Falleur inseriu na página 30-31 uma folha com um quadro sinóptico da conferência de sexta-feira 14 de Maio de 1880. Reproduzimo-la na página 64.

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- especialmente para nós: Só Ele inspirou a obra aqui com uma providência sobrenatural, permanente e perpétua.

Director, deve sê-lo, é-o e sê-lo-á; como, porquê:- logicamente: tendo-a inspirado unicamente Ele, só Ele pode e saberá dirigir a sua

obra;- positivamente: quer que recorramos a Ele em tudo e sempre para demonstrar que Ele

é o tudo da obra, que ela é sua;- efectivamente: foi-o, é-o, sê-lo-á em todas as necessidades, tentações, provações; - eminentemente: a eficácia da direcção consiste na graça. Os homens são canais. Nós

atingimo-la na própria fonte, no seu Coração.

Superior:- necessidade prática de recorrer ao superior;- impossibilidade de facto – às vezes insuficiência;- disposição permitida e querida por Deus;- o seu Coração quer suprir tudo e cumprir os deveres de um superior para nós.

II. O que devemos ser para o Coração de Jesus, o que nos pede

como fundador pede-nos:- actos: encher-nos do seu espírito, unir-nos a Ele em tudo e em qualquer parte, não

pararmos nas pessoas, coisas, dificuldades, provações, mas n´Ele;- sentimentos, disposições: Cor Jesu et omnia – o Coração de Jesus é tudo para nós;

como director pede-nos:- actos, na capela ou em nós mesmos: recorrer ao seu Coração por Maria em todas as

penas interiores e exteriores, nas tentações, fraquezas, desgostos, incertezas, dúvidas; quando a direcção externa é insuficiente ou impossível, falta de tempo, de meios;

- sentimentos, disposições: grande costume de o interrogar, fidelidade e docilidade em seguir as suas inspirações;

como superior- actos ou pedidos de licença para actuar fora da regra;

conselhos para saber o que se deve fazer; bênçãos para si mesmo, para as próprias acções; pedir ao Coração de Jesus que nos abençoe no ofício, na mesa;perdão quando se faltou, para erguer-se;

- sentimentos, disposições: a maior confiança na acção de graças, luzes e força, etc., na misericórdia infinita do seu Coração para nos receber.

Recapitulação

- Texto: Cor Jesu et omnia.- nosso fundador, nosso director, nosso superior, etc. etc.- Tema: Coração de Jesus: o que é para nós, o que nos pede: que O olhemos como

Finalidade: Excitar, sustentar a nossa confiança no meio dos obstáculos, provações, imperfeições presentes e futuras.

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Domingo, 16 de Maio de 1880

Resumo sucinto da conferência do dia de Pentecostes8

Todas as obras participam mais ou menos nas graças da vida de Nosso Senhor. Para todas as obras, como para as almas, deve haver um Pentecostes. Este Pentecostes é uma nova efusão de graças do Espírito Santo nos corações bem preparados. A festa não é uma comemoração do milagre, mas uma nova comunicação de graças e dons do Espírito Santo.

Todos os fiéis, pois, têm hoje e durante toda a oitava, pelo menos, graças de luzes, de unções e de forças. Outros têm uma participação ou um aumento dos dons do Espírito Santo. Outros finalmente recebem graças especiais, os frutos do Espírito Santo mencionados nos hinos e nas prosas: (Veni, Creator e Veni, Sancte).

As graças especiais dão-se ou repartem-se conforme as diferentes vocações, predestinações, missão, disposições e necessidades. S. Paulo enumera-as nas suas epístolas. Se há graças especiais para os diversos membros e para os diferentes caminhos da Igreja, também as há certamente para a vida de vítima, para a vocação de Oblato.

Qual é a natureza desta graça?

A mesma que a de Nosso Senhor para realizar a obra da redenção de que a vida de vítima, de Oblato é a participação mais directa. A mesma que a dos Apóstolos. Nosso Senhor diz: enviar-vos-ei o meu Espírito. Este Espírito é um Espírito de fogo: Ignem veni mittere in terram et quid volo nisi ut accendatur? (Lc 12, 49). Pois bem, o fogo alumia, aquece, purifica, consume: este fogo é o Espírito Santo.

Quais foram as operações desta graça em Nosso Senhor?

As mesmas que o fogo para as vítimas da antiga lei. Este fogo consumiu a Jesus hóstia toda a sua vida.

Modo de operação deste fogo

Quando se realizou a Encarnação, o Coração de Nosso Senhor encheu-se deste fogo, converteu-se num forno cujos desejos de amor e de reparação eram a chama e esta chama alimentava-se com todos os seus pensamentos, sentimentos, intenções, acções, com todas as provações da sua vida oculta, com todas as contradições da sua vida pública e com todos os sofrimentos da sua paixão.

Como vive Nosso Senhor da vida de vítima

O Coração de Nosso Senhor, desde a Encarnação, converteu-se num altar sobre o qual o fogo do Espírito Santo consumia a sua humanidade unida hipostaticamente à sua divindade. Este fogo fez de Nosso Senhor, sacerdote e vítima, a única vítima e o único sacerdote capaz de reparar a honra de Deus, digno de Deus.

Como vive Nosso Senhor a vida de vítima nos seus membros e lhes comunica esta vida?O Coração de Nosso Senhor não foi santificado por este fogo somente para si mesmo, foi

santificado para os outros.O fogo da caridade que deve consumir as vítimas espirituais, de que os outros não eram

senão figuras, difunde-se a partir do Coração de Jesus no Coração de Maria corredentora e reparadora, e do Coração de Maria na cruz sobre o altar da cruz, no coração de João; do Coração

8 O “resumo” está escrito numa folhita, conservada entre as páginas 32-33 (em branco), do mesmo modo que o “Quadro sinóptico” das páginas 34-35 e os pensamentos sobre a perfeição da página 35.

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de Maria no Cenáculo, no coração dos Apóstolos: o mesmo fogo, a mesma fornalha, o mesmo mediador. Os sacerdotes, os cristãos, as vítimas são consumidas pelo fogo que consumiu a Jesus e a Maria. Não é um fogo parecido, é o próprio Espírito Santo. Assim se realizam as figuras dos antigos sacrifícios.

Como faz Jesus manar esta vida nos seus membros?

Pela graça e sobretudo pela Eucaristia, pela missa, pela comunhão.

Como nos transforma em vítimas o fogo do Espírito Santo?

Da mesma maneira que transforma as vis espécies do pão e do vinho no seu corpo e no seu sangue. Assim o fogo da caridade muda os nosso seres miseráveis, as nossas míseras operações em seres e operações que não são mais do que uma só coisa com a Vítima da nossa redenção. Milagres de transformação.

Que devemos fazer para ser transformados em vítimas com Jesus Cristo?

Purificar-nos de todo o pecado, participar do seu Espírito. Que é preciso evitar? O pecado, sobretudo aqueles pelos quais se repara.

Por quantos fogos foi devorado Jesus Cristo?

Por dois: interior, amor e reparação; exterior, provações.

Por quantos fogos seremos devorados como vítimas?

Por dois: o interior e o exterior, provações, tribulações.

Que devemos pensar do fogo exterior?

Não pode prejudicar-nos se não nos prejudicamos a nós mesmos pelo pecado.

(Quadro sinóptico)

Conferência do dia da Ascensão, 5 de Maio de 1880 (cf. II, 23).- alocução de circunstância -

I. Texto, tema e resolução

Circunstância da dupla censura de incredulidade e endurecimento feito por Nosso Senhor aos seus discípulos pouco antes de subir ao céu. Dirijamo-nos as mesmas censuras para aproveitar melhor as graças desta festa. Nunc coepi; haec mutatio dextera excelsi (Ps 76, 11). Meu Deus, dou-vos todo o meu coração sem reserva, de verdade.

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II. Censura de incredulidade: Deus pode censurar-nos como uma injúria que lhe fazemos.

1. Falta-nos a fé na obra da reparação- na sua origem sobrenatural-fantasma-aparições apóstolos-res(oluções)- na sua excelência –a excelência de um objecto, do seu tema, da sua finalidade-

Coração de Jesus- na sua eficácia –as graças que devem derivar dela para si mesmo, para outros,

inauditas- no seu futuro –se formos fiéis, Deus encarregar-se-á dele.

2. Falta-nos fé na nossa própria vocação- feita sensível, evidente, pelos cuidados particularíssimos da Providência desde a

nossa infância- tornada sensível pelos sinais extraordinários, pelas circunstâncias providenciais que

precederam, conduziram, acompanharam a nossa entrada no Sagrado Coração- pelas graças muito grandes e muito sensíveis que recebemos aqui, bem de Deus, bem

dos homens, apesar das nossas misérias, garantia sobrenatural para alguns.

III. A gravidade da censura

Recusar reconhecer tais favores, uma obra marcada pelo dedo de Deus, uma vocação tão nobre, duvidar dela real ou praticamente, vivendo como se não se acreditasse nela, é causar a Deus uma grave injúria. Ele pede a nossa adesão. Demos-lha plena e inteira.

IV. Censura de endurecimento: Deus pede não só a adesão da inteligência, mas também a entrega do coração como sacerdote, como clérigo oblato.

1. Gravidade desta censura: o endurecimento é contrário- ao dever de amor a Deus:

- a entrega do coração é o mais essencial: Praebe... cor... mihi (Prov 23, 26);- a entrega do coração é essencial, necessária no clero, no sacerdote;- o dom do coração é absolutamente a finalidade dos Oblatos;

- ao dever da gratidão:Deus promete-nos e dá-nos o seu coração;Que loucura, que ingratidão, que baixeza ficarmos com o nosso, recusar o seu!

3. Verdade da censura de endurecimento:

- Provas deduzidas dos sentimentos que não temos e deveríamos ter:- Sentimentos de amor de Deus: onde estão eles?- Sentimentos de união a Nosso Senhor pela consideração da sua vida oculta

reparadora em Nazaré, no Calvário, no Getsémani;- Sentimentos de compaixão, de consolação;- Desejos de reparação por si mesmo, pelos outros: onde estão eles?

- Provas deduzidas das nossas obras: Probatio amoris exhibitio operis:

- obras mandadas, aconselhadas:Regra – orações – estudos - deveres – missas – comunhões:Como? Porquê? Omissão?

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- obras de devoçãoQue poucas fazemos? Que mal as fazemos? Que pouco duram?

4. Consequências do endurecimento

- para Deus: a imperfeição precisa de reparação, (precisa ?) de reparar;- para a obra: a Obra está comprometida, falta à sua finalidade, aos seus meios;

perigo de que Deus a recuse se este estado for permanente, habitual, sem emenda;- para nós: privação de graças eficazes para a santificação, para a provação muito

próxima – Jam hora (cf. Rom 13, 11).

A perfeição consiste na conformidade à vontade de Deus; pois bem, a vontade divina é tudo o que nos acontece, os nossos pecados;

portanto a perfeição consiste na conformidade com tudo o que nos acontece.

A perfeição do amor consiste na fusão dos corações ou vontades;pois bem, a conformidade estabelece esta fusão de vontades, isto é, dos corações;por conseguinte, a conformidade é a perfeição do amor.

A conformidade faz que a nossa vontade se pareça à de Deus;pois bem, a vontade divina é o próprio Deus, a soberana perfeição;logo, a conformidade é a perfeição na proporção em que ela for mais completa.

Quarta-feira, 19 de Maio de 1880

No momento da provação é preciso estar prontos, sobretudo interiormente. Há três grandes disposições interiores que se relacionam com as três virtudes teologais. Vemos hoje as que se baseiam na fé.

I. Um pensamento de fé que nos deve fortalecer é a fé na Providência. Não acontecerá senão o que Jesus quiser, como o quiser, com a amplitude que o quiser. Não sucederá senão aquilo que Ele permitir e estamos certos de que as graças serão proporcionais à provação. Deste modo, não nos perturbemos, não nos inquietemos, não indaguemos o que irá suceder, não digamos a nós mesmos: que faremos? Tudo isso vem do demónio. Jesus repete-o talvez 10 vezes no Evangelho, que os acontecimentos só acontecem na hora determinada por Deus: Nondum venit hora... (Jo 2, 4); Ecce hora vestra (cf. Lc 22, 53). Enquanto não chegou a sua hora ninguém o pôde prender.

II. A fé na cruz. Ter princípios e perspectivas opostas aos do mundo sobre a honra, a alegria, estimar o que ele despreza e desprezar o que ele estima.

Precisa-se 1º: para ser seus amigos, seus ministros, pois o seu reino não é deste mundo, é o oposto do mundo.

Precisa-se 2º: para a reparação. Foi pela cruz que Jesus reparou, foi por ela que nos redimiu, e é por meio dela que se mostra o amor aos irmãos. O mundo inteiro mereceu o sofrimento, a pobreza, a ignomínia. Deus quer benignamente contentar-se com alguns que se sacrifiquem pelos outros e demonstrem assim o seu amor pelos irmãos: Majorem caritatem nemo habet (cf. Jo 15, 13).

Precisa-se 3º: para provar o próprio amor a Jesus. Quia acceptus eras Deo, necessae fuit ut tentatio probaret te (Tb 12, 13). É preciso ver se se trata de ouro ou se são simples escórias, e o fogo há-de revelá-lo. Se a casa da nossa alma estiver solidamente edificada, que venham as inundações prová-lo; se a árvore está bem enraizada, que os ventos venham agitá-la, pois esta

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casa, esta árvore tem que ser transplantada para o céu e é preciso comprovar se isso vale a pena. A magnitude da provação será a medida da aceitação que Deus faz dele e das graças que lhe comunicará.

Precisa-se 4º: para se parecer com Jesus, que tanto sofreu e amou na cruz. Esta razão é suficiente para nos fazer considerar a cruz como excelente, posto que Ele a (amou), Ele sofreu toda a espécie de provações; preparemo-nos para sofrer; o discípulo não é mais do que o seu mestre. O vento virá em torvelinho sacudir a árvore, que poderá vacilar um pouco, os grandes carvalhos também se agitam, mas não se arrancam. Permaneçamos também nós inamovíveis.

Sexta-feira, 21 de Maio de 1880

Motivos de confiança durante a provação

Os nossos motivos de fé são a fé na Providência que dirige tudo e a fé na cruz que é a fonte da reparação e o selo das obras divinas. Meditemos os motivos de confiança e apliquemo-los especialmente à nossa obra e às circunstâncias.

Um dia compreenderemos a necessidade da reparação e impelidos pela graça viemos aqui para reparar por meio da cruz. A reparação é solicitada pelas vozes do céu e da terra, disse alguém. Também nós sentimos a sua necessidade. Abandonámos tudo para seguir a cruz: Reliquimus omnia et secuti sumus te, quid ergo erit nobis? (Mt 19, 27). A nossa confiança estará na proporção do nosso desapego. Se conservamos algum apego, vacilaremos na provação porque não poderemos então satisfazê-la. A semelhança que a provação nos dará com Jesus e com todos os santos para a obra da reparação é um estímulo para suportá-la.

A provação é o sinal da aceitação que faz da nossa obra. As calúnias que se difundiram por toda a região, que chegaram até ao poder central, a raiva de Satanás contra nós é uma aprovação de Jesus9.

Quanto mais tivermos que sofrer, mais deve aumentar a nossa confiança, porque maior é a nossa semelhança com a obra da redenção, a obra da reparação por excelência.

Em todas as obras divinas, além do mais, se vê uma analogia com Jesus Cristo, e a nossa obra é das que a têm mais e a perseguição não fará mais do que engrandecê-la. Sem dúvida que não há nem pode haver semelhança porque sempre há alguma coisa que depende da liberdade humana, mas de todas as obras, como de todos os santos se pode dizer: Non est inventus similis illi (Si 44, 20).

A nossa obra teve o seu Belém onde os pastores e os magos estiveram representados; agora é vítima da calúnia, tal como o Senhor a experimentou. Nem sequer falta Judas, mas cabe-me a consolação de acreditar que não está aqui; foi chamado, mas não entrou.

Tal como Jesus antes da sua Paixão quis lavar os pés dos discípulos, exactamente do mesmo modo temos que nos purificar antes da provação.

A Obra da adoração nocturna pediu uma hora santa suplementar. Sente-se a necessidade de se preparar para a provação geral. Com muita maior razão devemos preparar-nos nós para a provação, que é especial para nós.

Não somos suficientemente puros, temos ainda apegos. Se os Apóstolos desfaleceram foi porque não se purificaram suficientemente. Se quisermos ser fiéis, purifiquemo-nos: façamos provisões de azeite para a chegada do Esposo.

9 São os rumores e calúnias difundidas contra o Pe. Dehon depois da morte, em poucos meses (de 27-8-1879 a 12-4-1880) de quatro jovens religiosas das Servas (cf. Nota (1), II, 1 e nota 3, II, 9). O Pe. Dehon escreve nas suas “Memórias”: “Foi uma grande pena: mas o público procurou explicações. Os boatos espalhavam-se. Falava-se de envenenamentos para encobrir crimes. Pensava-se numa exumação. Era um “Tolle”. Uns repórteres da imprensa maçónica de Paris tinham vindo para montar um grande escândalo. Passei vários meses com estas angústias” (NHV XIV, 17; VP, p 606).

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Faremos uma novena de purificação para nos prepararmos para a provação que se aproxima rapidamente. Primeiro haverá orações vocais: uma oração pelos nossos pecados (Hóstia divina pelos pecados, Santa Gertrudes), seguida do miserere e dos actos de fé, esperança, de caridade e de contrição; às 3 horas pela comunidade, às 6 horas pelos ausentes. Haverá também todos os dias um jejum a pão e água de joelhos. Não temamos debilitar o nosso corpo. Se o corpo estiver um pouco débil, a alma estará por isso mais forte. É S. Bernardo quem o afirma e ele entendia disto.

Mas o principal desta novena será a purificação do nosso interior: nada mais de apegos ao próprio juízo, à vontade própria, aos sentidos. Se ainda permanecesse alguma coisa disso, não poderíamos satisfazê-los durante a provação e então nos exporíamos a desfalecer, enquanto que se não anelássemos mais do que a cruz, estaríamos contentes na perseguição, porque encontraríamos nela o que desejamos.

(Quadro sinóptico)

Alocuções preparatórias para as provações que a Providência deve trazer-nos na sua misericórdia.

I. O que a Providência nos pede especialmente:

- aumentar a vida sobrenatural, aumentando:a fé: não nos mistérios em geral mas especialmente na Providência sobrenatural – na cruz – mistério da nossa vida;a esperança: confiança plena e firme nos grandes bens que devem vir da provação por causa da Obra para cada um de nós;a caridade: a lenha que deve alimentar o fogo da caridade;

- entrar nos sentimentos, disposições de Nosso Senhor antes da Paixão:desejos: desiderio desideravi (Lc 22, 15);coragem: surgite, eamus (Mt 26, 46);obediência: Obediens usque ad mortem (Fil 2, b);amor de reparação: glória de Deus, salvação dos homens.

II. Aumentar a própria fé, não tanto nas verdades especulativas, mas nas verdades práticas:

- Na Providência:princípio: nada acontece senão porque Deus o ordena ou o permite ou o deixa actuar - Evangelho: um só cabelo, passarinho, lírio do campo: quanto magis (Mt 6, 30);

- Consequências para nós:objecto: não nos acontecerá senão o que Deus quiser;tempo: quando Deus quiser: nondum hora, jam hora;modo: como Ele quiser, nem um só golpe a mais nos será dado.

- Na cruz:a cruz é o mistério da vida cristã, sacerdotal, religiosa;é o selo da semelhança com Jesus Cristo;é o selo de toda a obra divina, provação que purifica;é o grande meio da reparação.

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III. Aumentar a nossa confiança considerando:

1º as bases da nossa confiança:- Bases gerais da nossa confiança:

promessas de Nosso Senhor aos seus discípulos – nossa parte;promessas nas manifestações sobrenaturais: todas as vozes do céu e da terra gritam reparação, salvação;

- Bases especiais:promessas nas manifestações especiais aos Oblatos;começo do cumprimento das suas promessas especiais- nos cuidados da Providência sobrenatural: vocação, direcção e protecção;- nos cuidados da Providência natural, semelhança com Jesus iniciada: amor aos

bons, aborrecimentos aos maus; auxílios temporais, solicitude universal.

2º As condições postas por Nosso Senhor às suas promessas:- As condições exigidas por Nosso Senhor aos seus Apóstolos:

Ecce reliquimus omnia (Mt 19, 27), abandonar tudo:- os apegos ao nosso juízo – simplicidade;- os apegos do nosso coração – caridade;- os apegos da nossa vontade – obediência;- os apegos das nossas comodidades – regra mortificação;

Et secuti sumus Te (Mt 19, 27), seguir a Nosso Senhor:- no caminho da reparação pela cruz;- pela união dos nossos pensamentos, sentimentos, acções: vida de Nazaré, Calvário, Getsémani; na sua vida privada, pública, dolorosa.

3º Trabalhando todos os dias para o seu cumprimento:cumprimento das condições:

reparar o passado: reconhecendo, lamentando, reparando o que fizemos; abandonar tudo, seguir a Nosso Senhor;santificar o presente: fazer cada acção pensando que devemos reparar, com esta acção, por nós, pelos outros;preparar o futuro desembaraçando-nos das escórias: jam vos mundi estis – etiam omnes (cf. Jo 13, 10); Lavar os pés das imperfeições quotidianas por meio da paixão;meio exterior: novena de reparação.

Domingo, 23 de Maio de 1880

Depois das disposições da fé e da esperança preparatórias para a provação, vêm as considerações sobre a caridade e os conselhos práticos que daí derivam. Nós não somos capazes de beber mais do que uma gota deste cálice de amor.

Um primeiro motivo de amar a Deus é a sua beleza infinita. Tudo o que é belo na natureza não é nada a seu lado: Ele encerra eminentemente toda a beleza. A fé no-lo ensina, isso nos basta e haveremos de vê-lo um dia no céu.

Um segundo motivo é a sua bondade. Os benefícios generosos e particulares que o fazem credor de um amor de gratidão. Os benefícios naturais: Santa Madalena de Pazi extasiava-se diante de uma flor pensando na bondade de Deus. Os benefícios sobrenaturais que têm a sua

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fonte na humanidade de Nosso Senhor, na sua Paixão, na sua morte. Amou-nos tanto que teria morrido por cada um se isso tivesse sido necessário, que teria permanecido na cruz ou no sepulcro até ao fim do mundo se o seu Pai o tivesse exigido para nossa salvação. E de facto, quis de certo modo sofrer até ao fim do mundo, pois os sofrimentos da sua Igreja, dos seus santos, sofreu-os Ele primeiro e ofereceu-os ao Pai; sofreu pelo que nós havíamos de sofrer e na sua agonia suportou todos os sofrimentos dos santos. Se não ficou na cruz até ao fim do mundo foi por outro excesso de amor: quis deixar-nos a honra e o proveito de sofrer no seu lugar e de levar a sua cruz, ainda que sofrendo Ele mesmo na sua agonia pelos nossos sofrimentos e pelas nossas cruzes.

E a Eucaristia: outro testemunho do seu amor. Para estar mais perto de nós condenou-se a estar prisioneiro nos nossos sacrários. Este amor é incompreensível, é uma loucura para a nossa razão. A loucura da cruz e da Eucaristia: só no céu compreenderemos a sabedoria deste amor.

Os benefícios particulares do baptismo, de uma família cristã, de uma boa educação, da vocação, das graças de todos os dias, de todas as nossas comunhões... quantas razões ainda para amá-l´O!

Tomemos consciência deste motivos e pensemos seriamente em amá-l´O, primeiro abstendo-nos de ofendê-l´O (charitas non agit perperam (I Cor 13, 4), é a preparação para o amor. Se lhe dizemos que O amamos e O ofendemos, não acreditará em nós. Sem dúvida que haverá sempre faltas por fragilidade; mas faltas cometidas deliberadamente, essas não são compatíveis com o amor: não se pode amar e ofender. Façamos preceder os nossos actos de amor por actos de arrependimento se não quisermos mentir.

Uma segunda maneira de amar é fazer actos de amor interiores (nos nossos exercícios de piedade), exteriores nas manifestações de culto e nas obras, sejam quais forem, ensino, acções ou qualquer outra.

Uma terceira maneira de amar é desapegar-nos de tudo o que não é Jesus. – Santa Teresa viu-se privada de graças durante muitos anos por não se ter querido desapegar de um afecto legítimo – Oh! Isso é absolutamente necessário, sem isso jamais amaremos e Jesus nunca se unirá bem a nós. Que o pássaro esteja preso por um fio ou por um cabo é o mesmo, será incapaz de elevar-se. Desapeguemo-nos de tudo para não nos apegarmos senão à sua vontade. Se Ele quiser que eu esteja a sofrer, gostarei do sofrimento, se quiser que eu esteja alegre, aceitarei a alegria. Vai perseguir-nos enquanto não estivermos desapegados. O amor de Jesus é como uma prensa que prensará o nosso coração e o espremerá sem descanso. Caritas... Christi urget ( 2 Cor 5, 14); charitas non quaerit quae sua sunt (1 Cor 13, 5).

O quarto modo de amar e o mais sublime é o sofrimento. Os Santos exultavam. S. Francisco dizia: Jesus já não me ama, hoje não se dignou dar-me a sua cruz. Santa Isabel da Hungria, expulsa do seu palácio, mandou cantar o Te Deum para agradecer isso a Deus.

O sofrimento vale mais do que a consolação. Esta faz-nos devedores de Deus e não é bom estar em dívida: há a responsabilidade das graças recebidas. O sofrimento faz de Deus nosso devedor e é uma imensa vantagem.

Recordemos frequentemente as motivações da caridade, pois a nossa natureza é tão fraca que ficaria chocada se quiséssemos fazer actos de caridade sem pensar com frequência nas motivações. Ocupemo-nos disto nas nossas adorações, nas nossas visitas ao SS. Sacramento, nos nossos exames (de consciência).

Quarta-feira, 26 de Maio de 1880

Devemos ter sede de justiça, de purificação, de imolação, de união com Nosso Senhor por causa das circunstâncias presentes:

1º A festa do Sagrado Coração que será mais tarde a nossa maior festa. Supramos a solenidade com o fervor: Haec... dies quam fecit Dominus, exultemus et laetemur (Sl 117, 24). Alegria pelas homenagens que lhe serão prestadas nesse dia, tristezas pelas fraquezas e tibiezas

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das almas consagradas nesta ocasião. Este último sentimento deve acompanhar sempre as nossas alegrias. Quando Nosso Senhor pediu esta festa do seu Coração, devemos crer que teve um pensamento muito especial para com os seus Oblatos, desejando ser festejado sobretudo por estes neste dia. Se não é assim, não deveríamos de crer já em nada.

Um 2º ponto do exame de previsão que temos que fazer como preparação, é a festa do Corpo de Deus. É uma festa ainda mais especial para nós, a festa do amor usque in finem. Ele atingiu o cume do seu amor ao instituir o sacramento do amor. O Coração de Jesus reserva-nos muitas graças para esse dia como também para o dia do Sagrado Coração, graças talvez invisíveis mas apesar de tudo reais, graças preparatórias para a provação, sendo a mesma provação uma graça ainda maior. Vamos utilizar um favor tão grande: a exposição desde a missa até às Vésperas durante toda a oitava. Permaneceremos no Cenáculo até à festa do Sagrado Coração.

A festa do Sagrado Coração será cada ano um dia em que haverá maior quantidade de cultos solenes, o dia em que se emitirão os votos ou serão admitidos postulantes e noviços. Vamos preparar-nos para ela com um retiro. Este ano, a coincidência da exposição predispõe-nos já para o retiro. Acrescentar-se-ão algumas meditações e observaremos o silêncio.

Mais um motivo para rezar bem e responder às graças que recebemos é a primeira comunhão. Entre esses meninos há certamente (futuros) Oblatos e o desejo do Sagrado Coração é que nos interessemos vivamente por tudo o que diz respeito à sua Obra. Verá com gosto que Lhe rezemos por estes meninos numa circunstância tão importante da sua vida.

Sejamos, pois, generosos. Nosso Senhor pede-nos muito. Não Lhe recusemos nada. Isso, além do mais, será fácil para nós com a graças que recebemos.

Sexta-feira, 28 de Maio de 188010

Falámos sumariamente das paixões, das virtudes; falta tratar dos vícios, depois dos dons e dos frutos do Espírito Santo. Finalmente acrescentando as Bem-aventuranças de que já em parte falámos e um pequeno tratado sobre a oração, teremos percorrido o conjunto de coisas que são necessárias conhecer por um noviço.

Falemos hoje dum vício que é muito importante combater. É uma grande habilidade para um guerreiro adquirir um conhecimento perfeito do inimigo a combater. O orgulho é o apetite desordenado com uma excelência própria a atrair para nós as homenagens e as honras exteriores. Este vício reveste:

I. Várias formas:1º o orgulhoso atribui a si mesmo as qualidades que tem;2º é também uma das suas características atribuir aos seus próprios méritos as qualidades

que reconhece ter de Deus;A 3ª forma...Em 4º lugar crê possuir estas qualidades num grau superior aos outros; aqui tem

comparação.

Dividimos ainda o orgulho em 12 graus para corresponder aos 12 graus de humildade: o olhar altivo, a jactância, a presunção, o rir inepto e estão completos.

II. Os remédios são considerações sobre a verdadeira humildade:1º o nosso nada, o que somos por nós mesmos: noverim me;

10 O dia desta conferência não está anotado. Supomos que o Pe. Dehon a fez na sexta-feira, 28 de Maio de 1880. Geralmente fazia as suas conferências aos noviços ao domingo, à quarta-feira, à sexta-feira.

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2º a grandeza de Deus, eis o que confunde o orgulho: noverim te;3º a visão dos nossos pecados, o abuso das graças.

Para virmos ao que nos é mais especial é que a nossa vocação é a reparação.Ora a reparação tem 3 montanhas a abater entre Deus e nós: o orgulho, a concupiscência

dos olhos, a concupiscência da carne. A principal é o orgulho. É por isso que precisamos de uma humildade excepcional, profunda. A Hum(ildade), a p(aciência) a car(ridade) eis as nossas três amigas, três esposas especiais que devem atrair todos os nossos cuidados. Para reparar o pecado em que há sempre muito orgulho é precisa sempre a humildade.

Domingo, 30 de Maio de 1880

Completemos a última conferência.Uma divisão mais autorizada adoptada por S. Gregório e por S. Tomás coloca o orgulho

como o rei dos pecados capit(ais) e põe como o primeiro destes a vanglória. As filhas da vanglória são:

1º A desobediência, que quer ver sobressair a sua vontade e a julga melhor. Este pecado é frequente nos noviciados, é o mais comum: de 10 vocações, perde 9.

2º A jactância, que conta as suas façanhas e se faz valer: também frequente no noviço, mancha muitos recreios. Quanto ao resto, os recreios são o exercício mais difícil porque neles se cai ou na taciturnidade ou na intemperança da língua.

3º A presunção de novidades que procura singularizar-se por acções diferentes das dos outros, afectando a certos pareceres particulares.

4º A hipocrisia, que procura mostrar os seus actos com um belo aspecto, ocultando todos os seus defeitos, os seus extravios espirituais na capela sob a capa de uma parente devoção em manter, escondendo as suas irregularidades.

5º A casmurrice de opinião, que se agarra ao seu parecer, bom noutro lugar.6º A discórdia que não quer ceder o seu sentimento bom ou mau.7º A controvérsia, que é resultado da casmurrice e inspira a palavras das discussões.Depois da vanglória e do seu bonito cortejo vem a inveja, que aborrece a excelência

alheia. Tem 5 satélites:

1º o aborrecimento que não pode sofrer o bem dos outros. No noviciado fixa-se nas coisas espirituais, nas graças dos outros, como se vê na história de todos os santos. O demónio, que quer fazer-nos crer que somos umas pequenas perfeições, não nos tenta sobre a pobreza ou sobre a castidade; procura tão só que nos apeguemos às graças, aos favores espirituais e que invejemos os dos outros. Tem-se inveja da pontualidade alheia, da sua modéstia ou do favor que se julga que o outro goza diante do superior. A inveja reina neste noviciado, ainda que realmente careça de base.

Depois da aversão vem a maledicência, que fala mal na ausência do próximo, a detracção que o calunia na sua presença, a tristeza pelo bem que lhe acontece, a alegria pelo mal que se lhe vê.

Devemos detestar todos estes vícios porque se opõem absolutamente ao nosso espírito de reparação.

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Terça-feira, 1 de Junho de 1880

Conferência de retiro: o pecado

As nossas conferências tratarão temas de retiro durante estes três dias.O pecado é um mistério: Delicta quis intelligit (Sl 18, 13).

I. Natureza – II. Efeitos.(Natureza). Como entender em duas palavras uma ofensa feita a Deus? Ofensa a Deus?

O ofensor e o ofendido? Um ser tão pequeno a ofender um ser infinito! Quem pode compreender a totalidade de Deus, a sua sabedoria, a sua bondade?... Quem pode compreender o nada do homem? O pecado é uma negação insensata de Deus. Deus diz: Eu sou bom e misericordioso. O pecador diz: não. Eu quero beneficiar-te. O pecador diz: não. O pecado é o maior mal; é o mal moral, acima do mal físico; é o mal de Deus. Mataria a Deus se pudesse. Por isso quando Deus se fez mortal, o pecado matou-o. O pecado é oposto a Jesus. Jesus ensina o sofrimento, o pecador não o quer. Jesus dá-se na Eucaristia, o pecador não a quer. O pecado é um inferno.

(Efeitos). Entre os seu efeitos, vemos a morte de Jesus. Contemplando o pecado, Jesus quis expiar esta horrível ofensa da divindade morrendo. Desde então disse o seu Ecce venio (Heb 10, 7).

O conhecimento e o horror do pecado, eis a base da nossa vocação; é sobre eles que deve apoiar-se.

O pecado pede reparação, eis uma prova certa. A reparação é realizada por Jesus e quer que à sua imitação eu a pratique sofrendo por meio de uma vida de sacrifício e de imolação.

Logo o pecado me impõe uma vida de imolação.

Terça-feira, às 3.15 horas

Completemos o que foi dito, considerando o estado da nossa alma no que se refere ao pecado. O pecado é um mistério, é uma desordem.

Para compreendê-lo melhor, tomemos analogias da natureza. A desordem, a fealdade que vemos nela é a imagem do pecado em nós.

No reino mineral, o que há de mais vil como matéria é o lodo de uma cloaca, e o mais precioso é o diamante, as pedras preciosas. O mesmo acontece com a alma manchada e a alma justa.

No reino vegetal o que mais desagrada é uma flor murcha, podre, coberta de lodo e pisada, tal como o que se admira é a açucena dirigindo a sua branca corola para o sol vivificante: são outras duas imagens do pecado e da justiça na alma.

No reino animal o tigre, a serpente representam-nos o que há de mais repelente e o cordeiro, a poma o que há de mais puro.

Imaginai também o que há de mais agradável e desagradável aos nossos sentidos e tereis assim uma imagem da pureza e do pecado na alma. S. Filipe de Neri tinha o dom de sentir, fisicamente, o estado de alma dos que se aproximavam dele, o que autoriza esta analogia tão bem como as comparações do cordeiro e da pomba usadas com frequência na Escritura.

E frente a frente com Deus, qual é o estado da alma pecadora? Volta as costas a este Vivificador que lhe dá tudo, apesar da sua ingratidão. É um objecto de asco horrível para Deus e para os anjos do paraíso enquanto estiver amarrada e enroscada por uma cadeia cuja ponta agarra o demónio prestes a levá-la consigo se essa alma se separasse do seu corpo.

O pecado venial tem algo parecido pela sua fealdade e se a alma parecesse com um apego venial, ouvir-se-lhe-ia dizer: Incipio te evomere ex ore meo (Apoc 3, 16).

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Guardemo-nos do pecado mortal mas também do apego ao pecado venial, nós, que queremos consolar o Coração de Jesus.

Nas conferências seguintes veremos o meio para reparar e para nos preservarmos do horrível pecado.

Quarta-feira, 2 de Junho de 1880

Contrição

Vimos no pecado a ofensa feita a Deus, a morte dada a Jesus, a desordem introduzida em nós mesmos. Que vamos fazer para preencher este abismo? Podemos: Iniquitatem meam ego cognosco (Sl 50, 5), escutando a multidão das suas misericórdias.

Deus pôs ao nosso alcance um meio a que quer dar bondosamente eficácia pelos seus méritos: é a penitência, são as lágrimas de arrependimento, a humilhação de espírito, o coração contrito e humilhado. Mas tudo isto não pode preencher esse abismo mais do que acima da primeira (pedra) que é Jesus: Jesus foi a primeira pedra lançada a este abismo e convida-nos a preenchê-lo com as nossas contrições e os nossos sacrifícios. Não nos é permitido o sacrifício da nossa vida. O sacrifício que nos é pedido é um coração contrito: Sacrificium Deo spiritus contribulatus (Sl 50, 19). As lágrimas deveriam ser o nosso pão de cada dia, pois Jesus, que se fez pecador, pôde dizer como David: Fuerunt mihi lacrimae meae panes die ac nocte (Sl 41, 4).

É a vocação do cristão, do religioso, é a vocação formal e determinada do Oblato. Com que é que o cristão é assinalado no baptismo? Com a cruz. E na confirmação? Com a cruz. E o clérigo? Com a cruz. Até o sacerdócio, onde se lhe carrega uma grande sobre as costas. O religioso, ao pronunciar os seus votos, tem um crucifixo nas mãos. Jesus chorou sobre Jerusalém e sobre Lázaro, chorou também no Getsémani, pois conhecemos suficientemente o seu Coração para o afirmar, e a dor teve que traduzir-se em lágrimas antes de se traduzir em sangue. A seu exemplo, choremos também nós. Choremos à parte, quando estivermos sós choremos com Ele. Nada une tanto como o chorar juntos; isto fortifica a amizade e as almas fundem-se numa só. As lágrimas tornar-se-ão suaves porque temos um amigo compassivo. Ele promete-nos uma recompensa apesar das nossas fraquezas. Ele dizia aos seus discípulos depois da ceia: Vos qui permansistis mecum in tentationibus meis parabo vobis sedem in regno Patris mei (cf. Lc 22, 28-30). E porquê, Senhor, não tendes vós a presciência do futuro? Quem, pois, permaneceu convosco em casa de Caifás? Pedro, que vos renegava? E em casa de Pilatos? Ninguém. E no Calvário? Um só. Sem dúvida que essas palavras foram ditas pela própria Verdade e há algo de verdade nelas. Teve tribulações antes e então ficaram com Ele, mas Ele desculpa-os: Satanas expetivit ut cribraret vos rogavi pro te (cf. Lc 22, 31-32). Eles regressaram imediatamente. Seria presunção supor que não haverá nenhuma fraqueza no momento da provação, mas ou se voltará logo ou se reporá em seguida. Já que comentei um pouco o Miserere – e desejava-o há muito tempo porque o recitamos muito frequentemente – meditemos bem estas palavras do profeta ansioso do templo de Deus: Benigne fac... (Sl 50, 20). Jesus disse-as, suspirando, depois da fundação da Igreja e penso que é seguindo a sua intenção que as aplicamos à Jerusalém espiritual que é a nossa obra e à Jerusalém material que é a nossa capela reparadora . Que se construam as paredes, que chegue o Consumatum est, pois até agora as nossas reparações não são válidas. Só então aceitará Jesus os nossos sacrifícios e as nossas oblações.

Recitemos, pois, esses versículos como oração e como esperança.

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Quarta-feira, às 3, 45 horas

Pone me ut signaculum super Cor tuum et super brachium tuum (Ct 8, 6). O sinal que colocámos sobre o nosso coração esta manhã é a cruz, o sacrifício. Mas isso não basta. O Coração, como símbolo da vontade e do amor, é todo o homem. Mas como dever de expiação é insuficiente para cumprir essa missão; não pecou só o coração, no homem mancharam-se todas as suas faculdades, e Deus, que quis reparar tudo em Cristo: Omnia instaurare in Christo (Ef 1, 10), fê-lo sofrer no seu coração e no seu corpo, como também nos seus bens exteriores de que o homem abusou, fazendo-o caluniar, insultar, maltratar. Cristo não se contentou em sofrer sozinho, prolongou o seu corpo por meio da Sagrada Eucaristia, mas também o seu corpo místico que é a Igreja, composta pelos cristãos: Membra de corpore eius (cf. Ef 5, 30); quis dar-se a eles, comunicar-lhes a sua vida para sofrer neles e multiplicar assim a reparação e as vítimas através dos séculos, pois a reparação está contida na vida cristã até certo ponto e forma parte da sua essência. Ela constituiu o mérito das almas santas de todos os tempos. Portanto, para imitar a Jesus devemos sacrificar-nos não só no coração mas também no corpo e nos bens exteriores: mortificação corporal suave mas firme, prudente mas fiel, amar a pobreza. Acontecerá que teremos momentos de fraqueza à vista do sacrifício, mas desaparecerão se olharmos para a cruz que devemos abraçar. Mas Jesus quis levar a condescendência (até) querer provar e mostrar também Ele fraqueza: Transeat a me calix iste (Mt 26, 39) para nos ensinar um modelo nesses momentos de abatimento; Ele quer esses instantes de fraqueza e impotência, mas digamos também como Ele: attamen non mea voluntas sed tua fiat.

Assim reparamos com as 3 grandes mortificações opostas às 3 concupiscências. Ontem vimos a causa da reparação no pecado e hoje compreendemos o seu exercício e o meio. Trabalhemos, pois, em preencher o abismo da justiça divina.

Quinta-feira, 3 de Junho de 1880, véspera do Sagrado Coração

Falta-nos considerar o que é como que a consumação do amor e da reparação do pecado: o abandono.

I. A teoria do abandono repousa sobre 2 princípios racionais:1º Deus é o princípio de todos os seres, quer dizer: Ele é o autor de tudo o que acontece;2º Ele é infinitamente bom, quer dizer: não pode fazer senão o bem. A consequência é

que tudo quanto nos sucede é para nosso maior bem. (O Padre (João) entra depois em pormenor e diz a propósito do pecado).

II. Deus quer até certo ponto o mal que provém da liberdade mal usada, já que Ele quer esta liberdade de que o homem abusa. Mas não devemos entender isto ao contrário, e se a sua bondade e misericórdia quis a liberdade para tornar possível a recompensa, a sua justiça intervém com o seu poder para tirar o bem do mal que trouxe o abuso da liberdade. Deste modo Deus quer tudo o que acontece e o que nos acontece é o resultado de um acto da sua vontade.

Este acto emana da SS. Trindade, revestida com a autoridade do Pai, com a sabedoria do Filho e o amor do Espírito Santo. Este acto passa pelo Coração de Jesus que o aceita em nosso nome posto que somos seus, já que nos resgatou, pelo Coração de Maria que o aceitou também por nosso amor. Os anjos e santos do céu adoram-n´O por sua vez e este acto chega-nos, aceite assim por todo o céu. Em vez de nos unirmos a esta aceitação celeste, reservamos o nosso juízo e opomos-lhe um acto de desconfiança, depois reflectimos: está de acordo com a natureza, com os sentidos? Aceitamo-lo; se é contrário, recusamo-lo, estimando demasiadamente as causas secundárias e insuficientemente a principal.

Na prática deste abandono temos como exemplo Jesus Cristo, que não fez mais do que abandonar-se à vontade do seu Pai. E quando somos provados pela perseguição ou pela injustiça dos nossos irmãos, se somos tentados a dizer que Deus não é o seu autor, vemos a redenção?

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Convenerunt adversus puerum tuum Jesum (cf. Sl 2, 2). Não foi Deus quem o quis? Pois Ele quis o ódio dos fariseus, a crueldade dos verdugos, a crucifixão e a morte de Jesus. Ao lado disto, que são os males que nos faz sofrer?11

O santo abandono é mais perfeito que o amor pelos sofrimentos. Preferir os sofrimentos à vontade de Deus seria como uma bela flor que recusasse que a florista a pudesse pôr no meio do ramalhete e desejasse que a escondesse debaixo das outras.

Por este caminho é que Deus conduz as almas que destina a grandes coisas. Começa por fazê-las sentir o seu nada para desapegá-las de si mesmas e uni-las a Ele.

Este santo abandono foi a prática dos santos e a razão do seu sossego e da sua paz.S. Inácio chama-o indiferença e nisso consistem todos os Exercícios, tudo desemboca

nisso. Preferi a palavra abandono por não ser negativa e indicar melhor o amor, o dom de si mesmo. Rodrigues chama-o conformidade. Esta palavra indica mais um estado do que um acto. Mas em todos estes casos é o mesmo; não há mais do que um matiz de palavras.

Para os Oblatos isso deve ser toda a sua vida, que deve passar-se no exercício deste abandono.

A natureza pode experimentar repugnâncias. Jesus quis certamente experimentá-las na sua agonia, mas o ápice da vontade deve aceitar sempre e dizer: bonum est, a exemplo da SS. Trindade e do céu.

Abandonar-se como um menino à sua mãe. Às vezes este tem que receber cuidados que o fazem sofrer. Deixa por isso de amar a sua mãe? Não, não sente repugnância senão por esses cuidados que lhe são necessários. Há algo de misterioso nesta recomendação de ser como crianças: Efficiamini sicut parvuli (Mt 18, 3).

A criança julga-se sempre segura nos braços da sua mãe, não duvida do seu amor, do seu poder. Façamos também nós o mesmo.

Sexta-feira, 4 de Junho de 1880 (Sagrado Coração)

Revivamos hoje pela fé o que acontecia com a Beata Margarida Maria. Nosso Senhor aparecia-lhe sob a forma de um Ecce homo ou com o Coração rodeado de espinhos. Pedindo-lhe amor e reparação; as chagas do corpo eram mostradas como a obra dos cristãos correntes, mas as do Coração como provenientes do povo escolhido, e a Beata, sentindo toda a sua impotência para repará-l´O e consolá-l´O, dizia-Lhe: Eu não sou nada, não posso nada, fazei tudo Vós mesmo; e Jesus, tomando o coração da Beata colocou-o dentro do seu e pareceu – dizia ela – como que um coração em chamas ou uma chama em forma de coração.

Também nós, de modo especial os que dão um passo mais no caminho da reparação, expressemos do mesmo modo a Jesus a nossa impotência para O consolar, peçamos-Lhe que nos ajude. A Beata acrescentava: sou uma ignorante, como podeis escolher-me a mim? E Nosso Senhor respondeu-lhe: escolhi-te precisamente pela tua ignorância e pela tua fraqueza para que seja mais evidente que tudo é meu. Estas palavras disse-as (o Padre) com um acento de convicção extraordinária: se tivesse visto realmente Nosso Senhor com os seus próprios olhos não teria (falado com maior convicção)12.

Segunda-feira, 7 de Junho de 1880, dia seguinte à festa do puríssimo Coração de Maria

Depois do Coração de Jesus, nada temos mais querido que o Coração de Maria e a festa de ontem dá-nos ocasião para meditar e estudar isso.

11 Trata-se evidentemente de uma vontade permissiva por parte de Deus, como diz o Pe. Dehon na mesma conferência: “Ele (Deus) quer até certo ponto o mal que vem da liberdade mal usada, já que quer esta liberdade de que o homem abusa (II, 58-59).12 Completámos a frase que sublinha a convicção extraordinária com que se expressava o Pe. Dehon.

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O Coração de Maria foi santo porque formou o Coração de Jesus fisicamente com os seus palpites, e moralmente pela direcção que o obediente Jesus quis dele receber.

Ao crescer como ele em sabedoria, Maria pôde dizer: Ego Mater pulchrae dilectionis (Si 24, 24), quer dizer, do Coração de Jesus, todo amor, pois ele foi formado pelo amor substancial; e num sentido mais amplo, mãe do amor formoso, quer dizer, do discípulo do amor, dos cristãos animados pelo amor puro. O amor encheu todo o seu coração, e um amor puro que exclui qualquer outro amor.

O seu coração foi reservado unicamente para Deus; Mater timoris, não teve senão um temor: desgostar a Deus, mas temor filial sem agitação; agnitionis: ela estudou o Coração de Jesus; conheceu o amor do seu Deus e foi agradecida: sanctae spei (Si 24, 24): experimentou também santas esperança e estas quatro palavras encerram os sentimentos do Coração de Maria.

Deus disse-lhe: Pone me ut signaculum super cor tuum (Cant 8, 6) e este selo imprimiu-se-lhe no Coração desde a sua Conceição, na Anunciação, em Nazaré, no Calvário, quando estreitava contra o seu Coração a Jesus agonizante e morto, e esse selo jamais se quebrou; jamais o mundo, o demónio, as paixões tiveram acesso a ele.

Que deduzir para nós? Escutemos também a Deus que nos diz: Pone me ut signaculum super cor tuum (cf. Cant 8, 6); Ele imprimiu também este selo sobre o nosso coração no baptismo, na confirmação, no sacerdócio. Nós quebrámo-lo frequentemente. Já não é a fonte selada, o jardim cerrado. Os votos religiosos imprimem também um selo que, sem ser da mesma natureza que o carácter sacramental, não tem menor solenidade e importância. Ele inscreve-nos no livro das propriedades de Deus; entregamo-nos a Ele; já não nos pertencemos. Portanto não quebremos, jamais, este selo. Recusemos o seu acesso a todo aquele que não seja o Príncipe. Renovemos a nossa resolução de abandono tomada há uns dias. Entreguemo-nos, finalmente, como Maria ao amor formoso, ao amor puro.

Quarta-feira, 9 de Junho de 1880

Da gula e da avareza

A gula reveste cinco formas: apetite imoderado pela comida:1º: forma faustosa das coisas de que se gosta; 2º: das coisas delicadamente preparadas; 3º:

fora de hora; 4º: intemperança; 5º: com avidez.As três últimas formas são as únicas possíveis em comunidade; deve reprimir-se

sobretudo a quarta, pois se a temperança é suficiente num simples cristão, num religioso não é suficiente, e se fosse suficiente para um religioso, não o seria para um Oblato. Compreendamos, pois, de uma vez por todas a necessidade do holocausto. A mortificação é necessária; sem escrúpulo, mas com generosidade.

Os filhos da gula são a charlatanice, a alegria tola, mas não a que reina com demasiada frequência aqui, o embotamento do espírito, a falta de asseio – inmunditia -, pois conduz à impureza.

A avareza é reprimida desde o princípio pela pobreza, mas sem dúvida conserva ainda poder; dela provêm a dureza que recusa e a inquietação pelo que se terá; mas ainda se encontra meio para ser avarento.

Uma observação importante:

Não discutir a regra. Nada de inquietações sobre isso: vamos submetê-la à aprovação da Igreja; por outro lado Mons. (Thibaudier) leu-a; e acrescentamos que foi colhida de regras

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aprovadas. Nosso Senhor, ao ordenar que lhe sejam acrescentados alguns pontos, ainda não indicou nenhum corte. Além disso Ele prometeu intervir a este respeito. Confiança, pois.

Duas razões para afastar toda a inquietação:Se há pontos difíceis, em primeiro lugar Nosso Senhor há-de dar-nos a graça de a

cumprirmos; caso contrário, não nos afligiremos por isso. Logo, é preciso que os haja. É o que nos caracteriza depois do três votos: há tanta diferença entre nós e os outros religiosos como entre o holocausto e os outros sacrifícios. Os outros emitem (três) 3 conselhos de preceito, nós comprometemos a mais do que o preceito.

Duas coisas nos pede Nosso Senhor em primeiro lugar: o que se relaciona com o seu culto, a missa, o Ofício, e depois a autoridade, um grande respeito pela autoridade; devemos dizer-nos perante uma ordem: Jesus o quer. Como reparar sem isso?

Sexta-feira, 11 de Junho de 1880

Seria demasiado pouco, em relação à graça que temos hoje em possuir Nosso Senhor de modo muito especial entre nós, continuar as nossas conversas sobre os pecados capitais. Falemos dos sentimentos que devemos ter na presença de Nosso Senhor. Isto servir-nos-á para hoje e para todas as nossas adorações.

A vontade certíssima de Nosso Senhor é que sejamos seus amigos como aqueles que teve durante a sua vida mortal. Ele quer encontrar aqui Nazaré, Betânia e o afecto com que O rodeavam os seus apóstolos durante a sua vida apostólica. (O Padre João) desenvolve as ideias de que os que foram amigos de Nosso Senhor durante a sua vida mortal tiveram sentimentos de amor e de compaixão, (reparação).

Contemplemos em Nazaré todas as demonstrações de amor que Lhe deram em todas as circunstâncias Maria e José, os amigos da família, os seus amiguinhos de infância de quem os primeiros Padres da Igreja nos contam que diziam entre eles: Eamus ad suavitatem, vendo n´Ele o ideal da doçura, da amabilidade e que as manifestava com ingénua simplicidade.

Se Nazaré não nos bastar, porque temos a imaginação tão mudável e tão móvel, vejamos Betânia, onde Jesus foi amado e onde amava tão intensamente, segundo o Evangelho onde o amor contemplativo de Maria, o amor activo de Marta e o afecto de Lázaro o atraíam, sobretudo nos últimos dias da sua vida pública.

Vejamo-l´O também com os seus discípulos, que foram rapidamente conquistados pela sua amabilidade e que Lhe testemunharam também todo o seu amor quando o seu rude carácter lho permitia; vejamos sobretudo S. João, nosso modelo. Mas não teremos feito mais do que metade do que temos que fazer amando: não há amor sem reparação e, atreveria-me a dizê-lo, é um privilégio que temos acima dos anjos e dos santos do céu. Eles não podem senão amar. É o que fazia exclamar os santos perante a sua morte: sofrer sempre, não morrer.

A compaixão para com Jesus, não a experimentaram Maria e José em Belém primeiro, e mais tarde no templo? Maria sobretudo, compreendeu pelas profecias o que devia sofrer o seu pequeno Jesus? Ela gemia ao vê-l´O desconhecido, perseguido já na sua infância e em Nazaré, pois seguramente o foi pelos que eram maus nesta povoação; e a compaixão, não conturbou o coração dos que O amavam, ali, pois com toda a segurança lhes terá dito algo do que tinha de sofrer por parte dos homens?

Compaixão também em Betânia, compaixão pelos Apóstolos nas diversas circunstâncias da sua vida em que Lhe vieram perseguições, inclusivamente antes da sua paixão e quando lhes falava dos seus sofrimentos futuros. No Cenáculo, por exemplo, acaso S. João, o primeiro sacerdote reparador, não sentiu necessidade de consolá-l´O com muito carinho pela indiferença que teve que prever por parte dos homens quando Nosso Senhor deu a entender a instituição da SS. Eucaristia, não leu no seu coração, em que repousa a cabeça, a amargura que lhe causava a ingratidão dos homens?

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CF II

Vivamos, pois, nós também com estes sentimentos de reparação. Amor e reparação; nada de um sem a outra, mas um com a outra, uma depois do outro. Que sejam esses os nossos sentimentos habituais.

Domingo, 13 de Junho de 1880

Continuemos a nossa conversa habitual falando de dois pecados capitais.I. A ira, vício e paixão. Como paixão é boa ou má conforme se dirija ao bem ou ao

mal. Como vício, sempre mau, é a paixão mal dirigida.O Padre (João) divide-a e caracteriza-a. As suas filhas são (1º) as rixas; 2º... Estes dois

não acontecem nas comunidades; 3º a arrogância; 4º a indignação; 5º o clamor, a injúria.Tem três caracteres: 1º a cólera ou o azedume que não dura mas que nasce das mais

pequenas ninharias; 2º o rancor que perdura contra aquele que não nos testemunhou a consideração que julgamos nos ser devida; 3º a violência que se traduz em palavras ou actos que tendem para a vingança.

O remédio consiste sobretudo na imitação do Coração de Jesus: discite... (Mt 11, 29). A amabilidade foi a sua virtude mais manifestada.

II. A luxúria, vício vergonhoso que tem cinco modos de se produzir: pensamento, sentimento, deleite, consentimento, acção. Considerado no objecto alcançado divide-se em fornicação, estupro, etc.

As suas sequelas: para o corpo, a degradação; para a alma, a cegueira de espírito: Coecitas mentis: inconsideratio, praecipitatio; para a vontade: subversio juris (?), odium Dei. Esta serpente combate-se pela fuga: o leão da cólera em ...

O Padre João, para desviar o espírito – diz ele – destes vícios repelentes que podem prejudicar até pensando neles, para combatê-los, comenta o salmo Laudate Dominum in sanctis eus (Sl 150, 1), aplicando-o ao Coração de Jesus para o que pede a acção de graças, a reparação, o triunfo. Pensar no Coração de Jesus, rezar o seu ofício.

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CF III

Cadernos Falleur

IIIConferências e Pregações

16 de Junho de 1880 - 6 de Agosto de 1880

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CF III

Quarta-feira, 16 de Junho de 1880

Sobre a satisfação

Os principais elementos do catecismo deveriam bastar-nos para cumprir com o espírito da nossa vocação. Sabemos que o pecado é uma ofensa a Deus e que é precisa uma satisfação a essa ofensa. Sabemos que só Jesus Cristo pôde satisfazer plenamente essa ofensa. Mas também sabemos que a nossa satisfação pessoal é necessária para que nos seja aplicada a satisfação superabundante de Jesus Cristo.

A heresia protestante ensina, e é um dos seus grandes erros, que depois da satisfação de Jesus Cristo, já não é precisa nenhuma outra. É, diz, uma injúria ao Salvador ver a satisfação de Jesus como insuficiente em si mesma; mas os seus efeitos devem ser-nos aplicados por meio da nossa própria satisfação.

Pois bem, como podemos satisfazer a Deus? Pelos meios que ensinamos às crianças na catequese, começando pela penitência sacramental que impõe o confessor. Mas sabemos que esta penitência, ainda que complete o sacramento, deixa atrás de si uma dívida a pagar já nesta vida e no Purgatório.

Devemos, pois, terminar a nossa expiação com penitências voluntárias que se dividem em três categorias: a oração, o jejum e a esmola. Esta divisão do catecismo baseia-se na própria natureza das coisas. Corresponde a três grandes categorias de pecados. A oração compreende todos os actos interiores que se podem fazer em espírito de penitência; ela é reparação dos pecados da alma. O jejum abarca todos os sofrimentos corporais destinados a expiar os pecados cometidos pelos sentidos. Finalmente, a esmola que aqui designa em geral o despojamento de todos os bens externos, expia os pecados cometidos no uso desses bens. Nós ensinamos aos outros que todo o cristão, pelo próprio facto de ser pecador, deve satisfazer e reparar com penitências voluntárias. Quanto a nós, estamos obrigados a isso, particularmente como religiosos e sacerdotes. Já vedes, pois, que sem apelar para qualquer luz extraordinária, o espírito da nossa vocação é bem evidente. E se agora reflectirmos sobre o facto de que Nosso Senhor em pessoa se dignou pedir-nos a reparação, é possível que toda a nossa vida não seja um holocausto? Quão longe disso está o ofender a Deus como acontece todos os dias! Cada vez que pecamos, muito longe de ser Oblatos, não somos nem sacerdotes nem religiosos e nem sequer cristãos.

Vamos começar hoje uma novena a S. João Baptista, aquele a quem Nosso Senhor proclamou o maior dos filhos dos homens. Era, sem dúvida, o mais santo dos homens naquele tempo. Além disso, vamos abordar a discussão escolástica. Este santo não pode ser honrado senão com a penitência. Faremos, pois, algumas mortificações corporais. Faremos esta novena por intenção das nossas irmãs pelas quais não devemos mostrar-nos ingratos. Se a nossa obra existe é porque, de há 15 anos para cá, elas se têm oferecido como vítimas para chamar os sacerdotes-reparadores e Nosso Senhor aceitou as suas ofertas. Concedeu-lhes largamente os três principais meios de expiação: permitiu que experimentassem umas tentações extraordinárias e todas as penas da alma; enviou-lhes os sofrimentos corporais, as doenças e a morte; quanto aos bens temporais, há que estar, como eu estou, ao corrente de todos os pormenores para poder afirmar que vivem de milagres. Oferecemos esta novena de modo especial pela Irmã que é como o João Baptista, o precursor da Obra. Se ela recebe graças, tem também grandes obrigações e necessita de ser ajudada1

1 A religiosa Serva a que alude o Pe. Dehon é a Irmã Maria de Santo Inácio, cujos sofrimentos de origem mística se intensificaram a partir de 1875 até à sua "morte mística" a 2 de Fevereiro de 1878. Devemos também recordar a fundador das Servas, a Madre Maria do Coração de Jesus, que tanto tinha desejado a realização de uma obra reparadora sacerdotal. As nossas irmãs Servas do Coração de Jesus tinham esse fim (de puro amor e de imolação, em espírito de reparação ao Coração de Jesus, por meio da oblação completa...) Elas rezavam e sacrificavam-se por isso. Era a sua atracção. Eu mesmo tinha vivido neste espírito desde há muitos anos. Tivera que embeber-me do espírito das irmãs para as poder dirigir, pregar-lhes, confessá-las. Assim

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Sexta-feira, 18 de Junho de 1880

Da preguiça e dos vícios em geral

I. - A preguiça, que é o fastio do bem espiritual, tem por filhas a fraqueza da vontade, a pusilanimidade no conselho e a leviandade de espírito. No corpo reflecte-se na inquietude do corpo que nunca está em repouso, e nunca está suficientemente a gosto. É inútil falar da indolência e da moleza. Aí tendes as suas filhas e formas. A mais comum é a leviandade de espírito, sobretudo nos exercícios religiosos: a pessoa abandona-se a todos os pensamentos que lhe vêm à mente; não se interessa por ser lógico, por seguir uma ideia.

O remédio está na virtude da diligência apoiada por pensamentos de fé, tal como o valor do tempo e da eternidade.

II.- Algumas observações gerais sobre os vícios e as virtudes.1º.- Um só acto pode pertencer a vários vícios ou virtudes, conforme as diferentes

intenções que se tiveram ao realizá-lo. Aquele que rouba para se enaltecer com a sua riqueza, comete um acto de orgulho e de injustiça. Ajudar à missa para prestar um serviço é religião e caridade. E assim se podem multiplicar os casos conforme as intenções.

Num jardim não há uma única espécie de flores; a mesma variedade existe nas almas: Non est inventus similis illi (Sir 44, 20). Uma Congregação tem tal especialidade, outra tem outra. Os Oblatos devem dar a todos os seus actos, pelo menos aos principais, ao iniciá-los, a forma de acto de amor e de reparação. Isso é o que devemos ser ou deixamos de existir, ser arrancados pelo Mestre que não encontraria o que queria encontrar. É preciso pôr esta intenção pelo menos 30 vezes por dia.

2º.- Observações gerais. Não ataquemos mais do que um ponto e o mais forte; tudo o mais se conquista com ele... Vimos que os vícios capitais, tal como as virtudes, são acompanhados por um cortejo de filhos; ao vencer um, vencem-se os outros que entram no ramalhete que ele fez, tal como a aquisição de uma virtude traz consigo a de outras. Se, por exemplo, eu quero ser amável, tenho de prever as ocasiões, etc., o que é prudência, e a minha decisão de ser amável, ao obrigar-me a usá-la continuamente, far-me-á adquirir ao mesmo tempo a virtude da prudência. Se uso toda a minha energia para ser amável, pratico a virtude da fortaleza em todas as ocasiões em que tenho de ser amável e a minha vontade fortalece-se também e adquire a virtude da fortaleza.

Uma outra filha da preguiça: a indignação contra quem quer por remédio a esse fastio do bem espiritual, em latim: "rancor". Isso encontra-se nos noviciados.

Domingo, 20 de Junho de 1880.

Interrompamos também hoje o curso normal das nossas conferências para nos renovarmos nos sentimentos que devemos ter na provação que se avizinha e que há-de vir se formos dignos dela. Essa será a mais terrível provação do que não ter provação. É-nos anunciada sobrenaturalmente, mas podemos adivinhá-la naturalmente, porque uma Obra como esta não pode estabelecer-se sem receber uma certa garantia da aceitação divina.

Vigiai e orai. O ano que finalizou a Paixão foi para nosso Senhor o ano da contradição. Ele tinha-a anunciado aos seus apóstolos para os preparar desse modo para a agonia: o Filho do

aconteceu quando a “Chére Mére” me comunicava as suas perspectivas sobre a reparação sacerdotal, especialmente em Abril e Maio de 1877, eu estava em consonância com os seus pontos de vista (NHV XII, 172). Deste texto resulta claramente que o Pe. Dehon cultivava desde há muitos anos a espiritualidade de amor, de imolação e de reparação; não a tirou das religiosas Servas, ainda que a tenha aprofundado nos seus frequentes encontros como confessor, director espiritual e pregador. A religiosa a que se faz alusão é comparada a S. João Baptista. Ser o precursor da Obra não significa ser o fundador da Obra (cf. VP, p. 603-632).

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Homem vai ser entregue... eu destruirei este templo, cum exaltatus fuero de terra... (cf. Jo 12, 32), tal como Jonas esteve três dias... Os seus apóstolos não se prepararam totalmente, vivendo numa despreocupação habitual. O próprio S. Pedro lhe roga que não vá para a Judeia, mas Jesus responde-lhe: Vade retro, Satana (cf. Mt 16, 23). Preparava-os para a grande contradição, tomou três em particular que fortaleceu com as visões do Tabor e, apesar disso, não Lhe foram fiéis. No momento da provação continuaram a fazer o que sempre tinham feito, dormiam. Com certeza que, num momento de fervor se declararam dispostos a tudo. S. Pedro: etiamsi oportet me mori tecum... São Tomé: Eamus et nos... moriamur cum eo (Jo 11, 16). E quando Jesus lhes disse que vigiassem e orassem, não o escutaram, adormecendo até que Jesus lhes diz: Dormite jam et requiescite (Mt 26, 45). As minhas palavras não conseguiram desperta-vos, pois bem, dormi, diz-lhes o Salvador com a sua amável ironia, outros virão despertar-vos e Judas aproxima-se com a sua trupe.

A razão desta falta de forças é muito clara: não se tinham preparado para a provação e fortificado tão frequentemente. A graça da perseverança é proporcionada à vigilância e à oração actual.

Tal como aos Apóstolos, somos prevenidos e fortificados; todos os dia nos são outorgadas graças suficientes. Adormecemos? Estamos muito vigilantes para mortificar o nosso corpo, para não lhe conceder esse sono material que nos pede, para sacrificar o próprio juízo, a própria vontade, para realizar os nossos exercícios de piedade com espírito de vigilância e de oração? Não somos sempre os mesmos? Guardemo-nos de nos adormentar, de não aproveitar as graças que tão generosamente nos são concedidas.

Não sejamos como essas irmãs a quem Nosso Senhor exige serem despachadas depois de 6 ou 8 anos de permanência; são, diz Ele, como um faminto junto da mesa mais bem servida, como um homem sequioso junto do manancial mais abundante, estão nas trevas junto da mais resplandecente luz, têm frio junto do sol mais ardente. Com efeito, lá em cima está uma casa de graças, sentimo-nos melhores cada vez que lá vamos, mas aqui também é exactamente o mesmo, uma casa de graças. Não somos nós como essas irmãs repelidas?2 Não havemos de temer a mesma sorte, se seguirmos a mesma conduta? Vigiai e orai: não descuidemos as graças que nos são dadas para nos mantermos firmes no momento da provação.

2 O ano de 1880 foi um ano de provação e de dispersão, inclusivamente para as religiosas Servas, por causa das leis Ferry que ameaçavam com a supressão e a dissolução das casa religiosas. O Pe. Afonso Rasset, numa carta à sua irmã Melania, religiosa das monjas de S. João de Cluny, chamada Irmã Domingas do Santo Rosário e missionária no Haiti, escreve-lhe assim a 22 de Julho de 1880:"Dá há um mês para cá que as nossas pobres religiosas têm tido muitas provações... Durante oito dias transladámos todas as tardes o Santíssimo Sacramento, temendo o encerramento da capela depois da benção ou a partir da manhã. Uma contra-ordem chegada de cima dá-nos um pequeno respiro e nosso Senhor continua no seu trono, exposto no meio das fiéis Servas do seu Coração. Que pena! Escasseiam e até houve algumas infiéis; algumas famílias ganharam medo e reclamaram as suas filhas. Outras foram devolvidas provisoriamente; várias retomaram o caminho da Alsácia e preparam roupa secular para todas. Tudo isto causou a comoção que podeis imaginar entre as pobres raparigas internas. As órfãs dispersaram-se em grupos. Uma pobre freira, ao perder a cabeça por causa das repreensões e exageros da sua madre, escapou por cima da cerca do convento, não se atrevendo a passar diante das meninas, com o consequente barulho da imprensa, ocupando colunas inteiras: sequestro, violências, maus tratos, reclusão, jejuns forçadas, etc., tudo o que o diabo pode dizer ou fazer dizer. Esta pobre filha, causa desse escândalo, está em S. Quintino: escreveu um protesto em favor da comunidade, mas o mal está feito. Precisou-se de um agente executivo para obrigar um jornal sectário a publicá-lo... Uma das nossas pobres freiras do Patronato, depois do espanto que teve por causa da loucura da fugitiva, sofreu um vómito de sangue que pode muito bem ser o prelúdio de uma tuberculose galopante; regressou à Alsácia" (VPR, 144-145).

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Quarta-feira, 23 de Junho de 1880

Sobre os dons do Espírito Santo

Diferem das virtudes teologais e das virtudes morais. Os teólogos colocam-nos por ordem de dignidade entre as primeiras e as últimas.

As virtudes teologais são uns hábitos, umas aptidões que a alma recebe para a vida de união com Deus; as virtude morais são hábitos, atitudes para seguir na nossa conduta as luzes da razão; os dons do Espírito Santo são hábitos, atitudes que nos tornam capazes de receber as moções do Espírito Santo.

A sabedoria, o entendimento, o conselho e a ciência residem no espírito; a piedade na vontade; a fortaleza no apetite irascível, o temor de Deus no concupiscível.

Nós temos uma necessidade especialíssima dos dons do Espírito Santo. Como a nossa vida deve ser habitualmente heróica, devemos estar sempre prontos para receber as moções do Espírito Santo.

Também devemos estimar muito todas as invocações ao Espírito incluídas nas nossas orações diárias.

Sexta-feira, 25 de Junho de 1880

Falemos dos frutos do Espírito Santo

Em sentido lato entende-se por frutos do Espírito Santo todo o dom mais rigoroso; é um estado de alma definitivo acompanhado por uma certa suavidade. É o resultado da virtude. S. Paulo enumera 12 frutos do Espírito. Como os frutos são o resultado de toda a vegetação, assim também os frutos do Espírito Santo são o término ou desemboque das virtudes. Estes frutos podem ver-se nesses homens santos, homens de Deus com quem por vezes nos deparamos; por eles nos damos conta de que possuem o Espírito de Deus.

Domingo, 27 de Junho de 1880.

Alguns avisos sobre o que é preciso fazer e pensar nas circunstâncias presentes.Primeiro está a ordenação: jamais devemos ser indiferentes a ela. Jesus ama tanto os seus

sacerdotes e deseja muitíssimo a sua santificação! Nós, que nos oferecemos como vítimas por eles, pensemos naquilo que a nossa vocação nos exige. Devemos ter sempre sentimentos de respeito para com os sacerdotes, de caridade, e manifestá-los em todas as ocasiões. Com frequência suspeitarão de que julgamos os outros e os menosprezamos: destruamos este preconceito à medida que se produza. Mas ao interesse geral pelo sacerdócio acrescenta-se um interesse especial por rezar muito.

É a primeira vez que a Congregação dos Oblatos participa numa ordenação: um sacerdote-reparador vai ser oferecido a nosso Senhor; ele vai poder oferecer-Lhe as suas missas reparadoras tão suaves, tão agradáveis á nosso Senhor, como tudo aquilo que o sacerdote faz em espírito de amor e de reparação, confissão, pregação.3

Outros dois avançam mais ou menos próximos desse sacerdócio reparador: é preciso fazer alguma coisa, para alcançar de nosso Senhor aquilo de que precisam os que se vão adiantando por este caminho.

Há outra circunstância que concorre a exigir de nós alguma coisa para esta data de 29 de Junho: os decretos contra os Jesuítas. Todos os pervertidos, os maus se vão regozijar. Satanás vai 3 cf. nota 6, III, 15.

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insuflar-lhes a sua alegria satânica; vai erguer-se da França até ao céu uma imensa e pesada fumaça nesse dia fatal de 29 de Junho. Mas ao lado desta festa popular está a acção oficial: junto daqueles que gritarão tolle, tolle (Jo 19, 15) estão os Pilatos, os Herodes, os Caifás que actuam em nome da nação e nosso Senhor poderia infligir à França o castigo dos judeus e entregá-la aos seus inimigos, se não encontrar o número de justos que Ele nela quer encontrar.

Ao lado dos insultos populares e oficiais está a ferida feita no seu Coração, a quem se arranca o que mais ama: os religiosos, as crianças, os desgraçados. Satanás tira-Lhe aquele que Ele chama para si. Acaso não disse Ele aos religiosos: Veni, sequere Me (Mt 19, 21)? E Satanás expulsa-os.

Esses ofícios que a oração elevava de todos os pontos da França vão cessar. Algumas almas relaxadas aproveitarão a tormenta para se secularizar. Haverá tumultos populares e o corpo de nosso Senhor corre muito perigo de ser atirado ao lodaçal. Estou convicto de que vai haver derramamento de sangue: é uma graça para as almas que foram favorecidas com isso, mas esses crimes não deixarão de ser uma ferida ferindo a Igreja, sua esposa.4 E às crianças, a quem tanto ama, é-lhes impedido aproximar-se d´Ele, pois é sobretudo o ensino que é afectado por esses decretos. Ele diz: Sinite parvulos venire ad Me (Mc 10, 14) e são-Lhe tirados e Satanás atira esses infelizes de toda a condição para todos os lados sem se importar para onde vão e com isso lhes impede de seguirem o chamamento de Jesus: Venite ad Me omnes qui laborati et onerati estis (Mt 11, 28). Aí tendes o golpe de lança que Jesus vai receber: Atendite et videte si est dolor sicut dolor meus (Lam 1, 12).

Não teremos compaixão dos seus sofrimentos, nós, que queremos aliviá-l´O? Estes não são dias normais e quem os passar como tais não terá os sentimentos próprios da sua vocação. Há que amar e reparar duplamente agora mesmo. Sejamos generosos no seguimento da nossa vocação. A provação geral vai tornar-se especial para nós, já começou para as nossas irmãs, anunciada desde há meses. Não ficará mais do que um grupito de santas mulheres para o momento supremo do Consummatum est.5

Quanto a nós, teremos que nos mostrar dignos da provação, caso contrário nosso Senhor vai repelir-nos e fará a sua Obra noutra parte. Temos muito que fazer; não devemos pensar que tudo já está feito porque fomos chamados sobrenaturalmente. O que de facto há é a responsabilidade assumida; o que fica por fazer são os méritos por adquirir para ser dignos desta vocação, não julgar-nos eleitos porque fomos chamados: Multi vocati, pauci electi (Mt 20, 16).

Amanhã, jejum na vigília de S. Pedro, 29 de Junho; além disso, hora santa para os que aqui estiverem; das 9 às 3 haverá sempre dois adoradores diante do SS. Sacramento. Mas tudo isso será um puro nada se os sentimentos interiores não corresponderem. Por favor, que Satanás não encontre aqui nenhuma satisfação, pois terá bastantes fora. Cinjamo-nos com a mortificaçãopara reparar e empunhemos a tocha que simboliza o amor e a fidelidade.

4 Jules Ferry, ainda que frio vosguense, de modos rudes, "uma sarça espinhosa" como o comparou Gambetta, não era nem um Fouché nem muito menos um Hitler. Os religiosos expulsos não morreram nem guilhotinados, nem de miséria em campos de concentração ou asfixiados em câmaras de gás. Os religiosos foram vítimas de uma injusta perseguição e, por vezes, o governo teve que usar o exército e cercar e atacar as casas religiosas no meio dos gritos hostis dos fiéis que, cantando hinos religiosos, se punham de joelhos para receber a benção dos religiosos expulsos.5 Cf. Nota 2. III,7

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Quarta-feira, 30 de Junho de 1880.

Primeira missa do Pe. Tiago: não há conferência.6

Sexta-feira, 2 de Julho de 1880.

Consideremos os sofrimentos do Coração de Jesus nestes tempos de provações e vejamos o que temos de fazer nesta ocasião. Muitos perseguidores O ultrajam nestes momentos, pois é a Ele que se expulsa de França na pessoa dos religiosos que têm o seu nome: Qui vos odit, me odit (cf. Jo 15, 18); quidquid feceritis uni ex his meis mihi fecistis (cf. Mt 25, 40). Mas para estes perseguidores Ele repete a súplica do Calvário: Ignosce illis quia nesciunt quid faciunt (cf. Lc 23, 34). São culpados, indubitavelmente, pois receberam a graça do Baptismo e desprezam a graça suficiente. Sem dúvida que a sua má vontade é cega, não vêem a grandeza do seu crime.

Credes que neste momento aí está a maior dor do Coração de Jesus? Eu creio firmemente que a indiferença dos seus é mais penosa para Ele do que as injúrias grosseiras desses inimigos ignorantes. É o sentido destas palavras do salmo messiânico: Si inimicus meus maledixissent... sustinuissem utique; tu vero... dux meus... um sacerdote; notus meus (Sl 54, 13-14), um religioso. A este testemunho da Sagrada Escritura acrescenta-se a autoridade das revelações da Bem-aventurada Margarida Maria; o que me é mais sensível é a indiferença das almas que me são consagradas; lamenta-se da ingratidão dos outros e sofre mais por causa da indiferença destes. Sim, é uma verdade que um santo, Pedro de Blois, assim expressa: Quod veniale est plebi, mortale est sacerdoti. Isto entende-se de muitos modos, mas é especialmente entendido do seguinte modo: que o pecado venial se agrava por causa do escândalo que ocasiona, por causa do desprezo dos benefícios que atraiçoa, porque, em poucas palavras, aquele que peca tem mais luzes.

Não o sentimos nós mesmos? Uma injúria recebida de um inimigo na rua não nos impressiona grandemente, por muito grosseira que seja, mas uma ofensa, um sinal de menosprezo ou de esquecimento por parte de um director espiritual ou de um amigo íntimo nos fere profundamente porque não esperamos dele mais do que testemunhos de afecto e interesse. É pois certo que neste momento o que mais contrista o Coração de Jesus é a nossa tibieza e as nossas imperfeições, as faltas de silêncio, aos pontos secundários da nossa regra. Não estamos no direito de dissimular a nossa vocação. Fomos recolhidos muito abaixo para sermos elevados muito alto: fomos chamados a representar o seu Coração no Corpo Místico que é a santa Igreja e, entre todas as almas consagradas, os seus Oblatos são-Lhe os mais caros, os privilegiados. Quantas graças nos prodigalizou! Todos nós temos mais ou menos provas pessoais e sobrenaturais da nossa sublime vocação. Quando, pois, corresponderemos a tudo quanto Ele nos pede?

Retemperemo-nos na vigilância, pois a provação aproxima-se; esperava-se por ela estes dias, não chegou e nós baixamos a vigilância. Vigiemos, pois não fez mais do que ser adiada e virá engrandecida. Jesus amou-nos tanto que nos amará até aí, até nos enviar uma grande

6 O Pe. Jacques-Marie Herr, no mundo Ernesto, nasceu em Ettelbrück (G. D. de Luxemburgo), a 23/10/1865; entrou nos Oblatos a 7/5/1880. A sua primeira profissão teve lugar a 14/9/1881, e a profissão perpétua a 17/9/1886. Foi Superior de Clairefontaine de 1889 a 1902; depois, do Escolasticado de Lovaina de 1902 a 1905. Foi também Conselheiro Geral de 1902 a 1905. A sua rica personalidade tinha gerado, no Pe. Dehon, grandes esperanças. Era um intelectual; mas não conseguiu infelizmente libertar-se totalmente de um certo naturalismo que lhe foi fatal durante o reitorado em Lovaina. Em Fevereiro de 1905, abandonou o Escolasticado, e, no mês de Março do mesmo ano, apresentou a sua demissão de Conselheiro geral. Fez um ano de retiro, e em 1906, decidiu abandonar a Congregação. Foi pároco em Bonsecours, vigário em Paris e depois cura em Hébuterne (Pas-de-Calais). Morreu pouco antes da segunda guerra mundial (cf. RV, 2; "Ludgunensia", n. 42, pp. 56-58; M. Denis, Le Project du P. Dehon, p. 75, nota 1).

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provação. Estejamos, pois, atentos para termos azeite nas nossas lâmpadas. Não sabemos quando chegará; estejamos, pois, sempre despertos para a sua vinda.

Assim vejamos hoje, dentro em pouco no exame particular, o que temos de reformar para não mais contristar o Coração de Jesus, mas sim consolá-l´O de toda a ingratidão e indiferença.

A provação faz-se esperar, mas vem. Vamos fazer como as virgens loucas e não pôr azeite na nossa lâmpada? A provação chegará no momento em que já não a esperarmos, em que não estaremos despertos e o Esposo irá dizer-nos: não te conheço.

Domingo, 4 de Julho de 1880

Certamente Nosso Senhor deseja que façamos juntos hoje uma meditação sobre a festa do dia.

Pudestes notar no santo Ofício, primeiro o facto material, físico do sangue derramado, e depois a efusão mística do sangue, o simbolismo que representa, o facto místico oculto sob o facto material, o lirismo usado para o celebrar, e finalmente o convite de Jesus, da Igreja, de S. Paulo a que nos mostremos dignos:

1º. do primeiro sangue derramado na circuncisão: Post dies octo... (cf. Lc 2, 21);2º. na agonia: Factus est sudor... (Lc 22, 24)3º. a traição de Judas, Pilatos na flagelação, o golpe da lança que abriu o Lado.

1. Cristo, diz S. Paulo, pontífice dos bens futuros no templo da própria divindade, quer dizer, no seio do Pai e também no templo da humanidade sobre o altar do seu Coração, derramou o sangue, operando assim a redenção eterna: Jesus ut sacrificaret populum, extra portam passus est (Heb 13, 12).

2. A poesia cristã celebra este grande benefício, convida todos os cristãos a que se regozijem: Festivis resonet... mostra o sangue de Jesus derramado por amor. Como o dilúvio foi enviado por uma justa cólera ela toma as suas comparações da natureza inanimada, e depois da natureza animada: vegetais, animais, feras, e finalmente do que há de mais elevado na natureza, o homem: Servus erat morte dignus, rei luit poena optimus.

Que há que se relacione mais especialmente com a nossa vocação? É a festa da grande vítima, mas também há algumas palavras para louvar as outras vítimas: Hi sunt qui amicti sunt... (cf. Ap 7, 13).

É o grande modelo da nossa vida de vítima: imitemo-lo. Jesus ut santificaret... passus est; exeamus igitur nós que queremos salvar as almas como Ele: exeamus extra castra, fora do mundo, na solidão, na vida de vítima; levemos a sua cruz: improperium ejus portantes (Heb 13, 12-13).

Não temamos pedir a graça da imolação até ao sangue em breve ou mais tarde, para um ou para vários. Nondum enim ad sanguinem restitistis (Heb 12, 14): a provação começou no mês do Coração de Maria, tornou-se mais pesada no mês do Coração de Jesus. Vai completar-se no mês do preciosíssimo Sangue ou teremos que esperar meses?

Preparemo-nos para esse momento, aconteça o que acontecer, especialmente neste mês pelo culto do preciosíssimo Sangue; com essa finalidade faremos cada dia um exercício em honra do preciosíssimo Sangue.

Quarta-feira, 7 de Julho de 1880.

Para terminar o curso destas instruções seria preciso falar agora dos dons gratuitos, mas para dizer a verdade estes não entram na nossa finalidade já que não tratamos mais do que

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daquilo que se relaciona com a nossa santificação pessoal e esses dons são dados sobretudo para a santificação dos outros a algumas pessoas geralmente santas.

Depois de ter percorrido o campo das virtudes temos que tratar dos exercícios, que são uns meios para chegar a elas e, começando pelo mais importante, falemos da oração ou melhor da prece, que é um género que engloba a oração. Além disso é tratar também das virtudes, pois a prece é um acto da virtude da religião, virtude inferior às virtudes teologais porque não tem a Deus como objecto directo, mas superior a todas as outras virtudes morais porque Deus é o seu fim directo e próximo enquanto que nas outras virtudes Ele é um fim distante.

A prece é uma elevação da alma a Deus: tem 4 formas, como o sacrifício: a prece de adoração, de acção de graças, de reparação e de súplica. Pode-se já, pela sua própria natureza, deduzir a sua excelência: é uma audiência de Deus. Se tanto estimamos uma audiência de um príncipe da terra e se esta audiência faz época numa vida quando não se teve mais do que uma audiência, qual será a honra de uma audiência de Deus ou a convivência habitual com Deus, isto é, a prece e o espírito de oração?

Um segundo motivo da sua excelência encontra-se no exemplo que dela nos dá Jesus Cristo. Ele rezou 30 anos em Nazaré, 40 dias no deserto e durante a sua vida pública gastou vigílias e noites.

No Antigo Testamento vemos assinalada a prece de Abraão no deserto, em Mambré. Vemos também os maiores profetas, Elias e Eliseu, rezando na gruta do monte Carmelo.

Ao lado destes exemplos antigos, notamos o espírito de oração de todos os santos da nova lei, em todos os fundadores de Ordens que dão nas Constituições um lugar tanto maior à oração quanto querem consagrá-las mais exclusivamente a Nosso Senhor e menos ao cuidado das almas.

Um terceiro motivo pode ser deduzido dos efeitos da oração, pois ao ver por um lado um ser soberanamente rico e por outro um ser essencialmente pobre, e esse ser soberanamente rico ser ao mesmo tempo soberanamente comunicativo como o outro essencialmente necessitado, não é possível que a audiência seja inútil e a prece sem resultados.

Mas uma razão poderosíssima para demonstrar a excelência da oração é a importância que o inimigo lhe dá. Quando vê que alguém vai usar este meio, empenha todas as suas forças, põe em jogo todas as suas manhas, utiliza todos os seus recursos, emprega toda a sua inteligência pois não carece de tudo isso, usa totalmente o poder directo que tem sobre o corpo, sobre a memória e a imaginação que é seu instrumento, e do poder indirecto que tem sobre o espírito e sobre a vontade por meio da imaginação.

O momento da oração corresponde para ele ao momento decisivo de uma grande batalha; os outros exercícios não são mais do que escaramuças em que também trata de não nos deixar fortalecer.

Aí tendes algumas boas razões da excelência da oração e como conclusão prática que disso se depreende é gostar dela e amá-la.

Amar a oração, e para dizer algo que seja mais especial para a nossa vocação, amar as formas de oração que melhor correspondem à nossa vocação de Oblatos do Coração de Jesus, a oração do holocausto que compreende a adoração e o amor, isto é, a oração afectiva: logo depois (?), a oração expiatória.

Amemos a oração. O que aqui digo é sufiente para a oração vocal. Já falarei da prece mental ou oração, que é a forma mais excelente da prece, tal como a prece é o acto mais excelente da virtude da religião.

Na oração vocal sobressaem a santa Missa e o santo Ofício. Amemo-los e não esqueçamos que por meio deles nos pomos em comunicação de méritos com os filhos da Igreja; o mesmo quanto às orações de regra: se não somos religiosos em sentido rigoroso posto que não temos mais do que a aprovação de Mons. (Thibaudier), somos todos terciários e por meio das nossas orações de regra entramos em comunicação com todas as Ordens franciscanas e as

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Ordens que lhes comunicam os seus méritos. Amemos as nossas orações privadas e de conselho: não são menos excelentes do que a oração.

Sexta-feira, 9 de Julho de 1880.

Da oração

A oração ou prece mental tem sobre a vocal esta excelência: que não encerra a alma numas fórmulas já fixadas mas a deixa em livre voo para Deus; eleva a alma acima dos sentidos e a coloca em órbita divina.

Tem também a vantagem de procurar o bem que vimos ser o objecto das paixões e que se divide em bem útil, honesto e agradável. O bem útil procura-o desapegando a alma dos bens materiais, às vezes até ao ponto de que tornem absolutamente inúteis. Viram-se pessoas que não viviam mais do que da sagrada Comunhão, diminuindo cada vez mais as suas necessidades referentes ao corpo. O bem honesto é bastante evidente posto que nos aproxima de Deus, o que é a maior honra da criatura. Quanto ao bem agradável não há ninguém que não tenha saboreado quanto existe na oração. É por isso que a vida contemplativa, a que todos somos chamados, diminui as necessidades materiais e sobreleva a alma.

A excelência junta-se à facilidade: nasce da nossa própria natureza expor as nossas necessidades a Deus e por isso as pessoas mais simples fazem nisso grandes progressos.

Quanto ao método, ele não se diferencia essencialmente no fundo, é sempre a elevação da alma para Deus. Há a meditação que examina e deduz as consequências, a contemplação que se alimenta de um mistério proposto. Às vezes, inclusivamente de modo frequente, o método já não é necessário. O Espírito Santo penetra a alma, apodera-se dela e dirige-a Ele mesmo; então ela não tem mais do que deixar-se levar. Sem dúvida, para os incipientes, e às vezes para as almas mais adiantadas, o método é necessário.

A preparação: Ante orationem prepara animam tuam (Sir 18, 23), é de dois tipos: remota e próxima.

A remota consiste em duas coisas:1º. desprezar e fugir das ocasiões de distracção durante todo o dia, por exemplo, tal

leitura fora da regra, tal passo inútil;2º. todos os cuidados inúteis, as preocupações mais perigosas mesmo das distracções

voluntárias, quando alguém se ocupa do passado, do presente, do que fará fulano de tal, como se comportará, que farei eu mesmo em tal circunstância futura, que fará um aqui, que será de nós; aí tendes o que destrói completamente a oração.

A preparação próxima:1º. no que se refere ao corpo consiste simplesmente na postura respeitosa e recolhida, o

corpo de joelhos: é pouco mais ou menos o que permite a vida conventual na oração que não é privada; habitualmente faz-se sobretudo na igreja, menos em algumas Congregações em que o seu fim especial comporta fazê-la em privado e permite disposições muito especiais quanto ao corpo.

2º. entre nós é sobretudo a alma que se deve situar no seu lugar e o mais comodamente possível para a oração e isto faz-se por meio da consideração de que nos dirigimos a Deus. Deus e nós: considerar toda a grandeza de Deus para sentir bem toda a nossa miséria. Esta consideração da infinita grandeza e da infinita baixeza dispõe perfeitamente a nossa alma para receber as graças que Deus lhe conceda.

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CF III

Domingo, 11 de Julho de 1880

Sobre as circunstâncias presentes.

É certo que a provação se aproxima. Haverá, sem dúvida, coisas imprevistas, fortuitas, mas também há muitas coisas previsíveis. Nosso Senhor sabia de tudo o que se estava a preparar contra Ele em Jerusalém; os apóstolos não ignoravam os planos malévolos contra o seu Mestre: o próprio S. João sabia que Judas o tinha ido atraiçoar. Do mesmo modo, também nós temos sinais da aproximação da provação esperando a dispersão, o próprio abandono do Pai pela secura no mais duro da provação. Já estamos abandonados por tudo aquilo que aqui há de católicos tíbios; um jornal que tinha prometido a sua ajuda desertou da causa e o próprio Mons. (Thibaudier) parece pensar que houve imprudência.7 Ainda que não seja mais do que uma sombra, esta simples suspeita atinge-me mil vezes mais o coração do que tudo quanto possam dizer os jornalistas sem fé. Avisos confidenciais anunciam um processo de sequestro que decorrerá nos tribunais. Provavelmente vão meter-me nisso e acontecerá que a provação da sua comunidade será o Consummatum est (?) da nossa.8

O que Nosso Senhor quer de nós neste momento é o que Ele dizia aos Apóstolos: Vigilate et orate (Mt. 26, 41); vigilância, pedia Ele em lágrimas, pois as derramou nesse horto de agonia. Não nos contentemos com o que somos habitualmente; se assim agíssemos não teríamos a mínima ideia da nossa vocação de vítima. E rezemos: façamos as nossas preces de regra sem distracções voluntárias, e aquelas que as circunstâncias nos obriguem a fazer. Vigilância e oração: não pudestes, pois, vigiar uma hora comigo, disse também Nosso Senhor, se não quisermos logo ter amargos remorsos como os Apóstolos, que todos censuraram a sua fuga e passaram momentos tristes durante a grande provação.

3ª Disposição: alegrar-se. A provação é um sinal da aceitação divina: um sinal de amor. Nosso Senhor não nos castiga pelo que pecámos: permite que sejamos acusados de atrocidades que não cometemos enquanto nos deixa em paz pelas que cometemos.9 É um grande sinal de amor porque assim nos faz sofrer só por Ele e não por causa das nossas faltas. Alegremo-nos por sermos considerados dignos de sofrer por causa d´Ele.

Ibant gaudentes a conspectu concilii, quoniam... (Act 5, 41).A cruz começa a pesar, mas, tenhamos confiança, é Ele quem a leva. Como susteve S.

João até ao pé da cruz, também nos sustentará a nós e nos dará sempre as graças necessárias. Gosta de ser crucificado nos seus amigos; mas compraz-se em levar a cruz com eles, e seria uma desgraça se não experimentássemos esta cruz; seria sinal de que o seu amor se afastaria de nós. Aí tendes as disposições para nós mesmos.

Rezemos pelas nossas irmãs; elas estão cheias de boas disposições, mas também os Apóstolos estavam dispostos a morrer. Rezemos ardentemente para que a força de Jesus as sustente. Rezemos também por Mons. (Thibaudier) para que faça de nós o que Jesus quiser. Deus tem duas vontades: o que Ele quereria que se fizesse e o que fazem os Superiores, mesmo

7 - A propósito das mortes das quatro jovens religiosas Servas...8 - Sobre as provações e dificuldades, cf. nota 10, I, 46; nota 1,II,1; nota 9, II, 38. Quanto à herança da Irmã Maria das Cinco Chagas o Pe. Dehon escreveu nas suas "Memórias":"Por ter morrido a Irmã Maria das Cinco Chagas, o seu testamento foi impugnado pela família. Era a ruína para as freiras e para mim a perda dos recursos com que tinha contado ao fundar S. João. Além disso, este processo deu azo aos franco-mações para gritarem contra a captação do testamento. Era mais uma cruz a pesar sobre mim (NHV XIV, 17-18).No tocante à herança da Irmã Maria das Cinco Chagas, Mons. Thibaudier tinha feito os seus reparos desde o princípio. O P. Dehon cita nas suas "Memórias" a passagem de uma carta de Mons. Thibaudier de 13 de Agosto de 1879: De quem e por quem herdam as Franciscanas em Fourdrain? Não há o perigo de alguma oposição por parte de algum herdeiro?... Concerteza. O testamento era válido (NHV 187).9 Cf. nota 1, II, 1.

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CF III

quando se equivocam. Seja o que for que Monsenhor decida, nós obedeceremos sempre e a sua vontade será sempre para nós a vontade de Deus. Peçamos para que não nos sobrevenha a dispersão que nestas circunstâncias pareceria uma fuga e nos faria passar por culpados.

Monsenhor parece que deseja também o afastamento da Irmã Maria Inácio, que é o nosso mais firme apoio. Rezemos para que no-la conserve. Peçamos com ardor e confiança e que a vontade de Deus se cumpra totalmente.

Quarta-feira, 14 de Julho de 1880.

Da oração

Falamos sobre a excelência da oração. Depois do santo Sacrifício e dos sacramentos é o acto mais importante do dia. É uma verdade que se ensina no catecismo: a graça vem-nos pelos sacramentos e pela oração. Esta não contém, como aqueles, a graça ex opere operato, mas confere-a certamente em virtude da promessa de Nosso Senhor e dos seus méritos. Por outro lado, como conversa com Deus e audiência divina tem vantagem sobre os outros exercícios.

Falámos da preparação remota que c(onsiste) em duas coisas: recolhimento habitual e ausência de preocupações exageradas; depois, da preparação próxima, que consiste em duas coisas: a presença de Deus e a leitura. Acrescenta-se a composição do lugar, mas, segundo alguns, já está compreendida na presença de Deus. Esta composição do lugar faz-se sobretudo para ocupar a imaginação e utilizá-la, em vez de deixá-la prejudicar.

A presença de Deus consiste em lançar um olhar para a grandeza e para a bondade de Deus para extrair dois sentimentos: respeito e amor; depois, um olhar sobre si mesmo: considerar a própria miséria, miséria verificada pela observação dos nossos pecados e demonstrada pelas nossas necessidades actuais.

Depois vem a leitura do tema. Às vezes o tema é lido previamente, e por vezes não se meditará o tema indicado pela leitura, quando a alma se sente impelida a fazer a sua meditaçãosobre este ou aquele ponto que a tenha impressionado vivamente na leitura espiritual ou na sua adoração. Depois desta preparação, que se pode fazer antes ou depois da leitura, é que começa a oração.

A inteligência é a primeira que se exercita, que se ensopa por uma verdade; logo, sem se contentar com esta verdade, é preciso passar ao afecto e aqui desempenha o seu papel o coração. Finalmente chega-se aos propósitos que é o principal; sem eles o resto é inútil. Aí tendes todo o trabalho da oração, trabalho que se fará talvez repetidas vezes conforme as aptidões de cada um e conforme o tema. Mas ao lado deste trabalho da alma está a acção divina que se sente na oração: há que abandonar-se a ela e deixar Deus actuar, pondo-nos porém em guarda contra as ilusões de Satanás: às vezes, por exemplo, transforma-se em anjo de luz e excita os afectos para não deixar passar aos propósitos. Mas quando o Espírito Santo não faz, Ele mesmo a oração, é preciso realizar o trabalho que frutifica e não se abandonar a esses modos vulgares e grosseiros de perder tempo como dormir, pensar noutras coisas. Quanto ao resto, a acção divina deixa-se sentir ordinariamente, pois a secura não é um estado normal. Nosso Senhor somente uma vez disse: Deus, Deus, ut quid repulisti me ( cf. Sl. 42, 2).

É preciso agarrarmo-nos ao método, se quisermos que a oração seja proveitosa. A oração mal feita é o que compromete o noviciado e impede fazer progressos na perfeição. Um bom meio para remediar isto é o dar contas da oração que se deve fazer no noviciado. Pelo menos uma vez por semana, ao mesmo tempo que sobre outros pontos, falar-se-á nele da (meditação).

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CF III

Sexta-feira, 16 de Julho de 1880.

Demos tempo ao tempo para que amadureçam as coisas práticas que foram ditas sobre a oração. Os alimentos ingeridos em quantidade excessiva não se digerem. Falemos de Nossa Senhora do Carmo. Há muito que não falamos da Santíssima Virgem e hoje a ocasião é legítima a diversos títulos. Esta festa recorda-nos uma graça importante: faz dois anos que comprámos esta casa10. No dia em que Ele entrega o hábito do Carmelo aos seus filhos, Maria quis dar-nos a nós, que já temos por hábito principal o de S. Francisco, o primeiro abrigo da Obra, Belém e Nazaré. Há nesta coincidência algo de providencial. Por outro lado, nada é indiferente para uns religiosos, nada é indiferente para uma Ordem que nasce, nada é indiferente sobretudo para uma Congregação consagrada ao Coração de Jesus. Para eles há uma providência especialíssima e sumamente amorosa. Há que ver, depois, e isto é certo para quem tem um pouquinho de sentido das coisas da fé - uma acção real da Providência e um sinal da bondade de Maria; ela que ofereceu a Jesus hospedagem primeiro no seio, depois em Belém e Nazaré, depois no regaço, e do mesmo modo depois da crucifixão, poderia acaso desinteressar-se em dar hospedagem à Obra do Coração do seu Filho? Não é a Ele que ela é dada? Esta casa está especialmente consagrada a Ele e a sua estátua está entronizada sobre o primeiro altar onde Jesus se ofereceu pela primeira vez. Ela está ali apresentando-nos o Coração de Jesus.

Até agora tivemos bastante tibieza, indiferença, ingratidão para com o coração de Jesus, mas ainda mais para com o Coração de Maria. Não recorremos suficientemente a Ela e, se estivesse aqui diante de nós, dir-nos-ia: Venite ad me omnes... (Mt. 11, 28). Sto ad hostiam et pulso (Ap 3, 20), estou aqui com as mãos cheias de graças para vós e pronta a reparti-las quando as pedirdes. Não pensamos suficientemente em que é nossa Mãe. Vamos, pois, a Ela com confiança, simplicidade, candura. Reparemos as nossas negligências para com ela, dirigindo por meio dela as nossas acções para o Coração de Jesus. Antes de cada exercício digamos: Cor Mariae Inmaculatum, ora pro nobis. Se o dissermos cordialmente, não teríamos tantas faltas de que arrepender-nos, seríamos mais fortes. Dirijamo-nos a Ela para podermos reparar pela acção presente as faltas ou a omissão de tantas outras acções. Sobretudo, nada de desânimo: um exercício bem feito (e é Maria que nos ajudará a fazê-lo bem) repara o anterior e repõe inclusivamente em estado de graça, pois é impossível dar-se assim inteiramente a uma acção da regra e fazer um acto de contrição perfeita, o qual, acompanhado pelo propósito de se confessar, devolve a graça ao coração.

Reparação a Maria pelo nosso esquecimento e confiança na sua materna bondade que nos cumula sempre de novas graças. Entre estas graças estão as provações, que são tão úteis quando bem suportadas. As provações, que não vêm senão do pecado, são uma graça imensa que nos demonstra o amor de Jesus e a aceitação divina de nós e da nossa obra. Até as provações que são as nossas quedas, ainda que não sejam directamente um presente de Deus que não faz mais do que permiti-las, devem utilizar-se também para o nosso bem: omnia cooperantur in bonum, etiam peccata (cf. Rom 8, 28).

Eu tenho esperança de que hoje Nossa Senhora do Carmo nos concederá algum favor ou segurança (?) como a vocação de algum ou que enviará a um ou outro provações de uma maneira ou de outra.

10 A casa tinha sido comprada pelas religiosas Servas para começar uma nova obra; mas, estando próxima do colégio de S. João, era cómoda como casa de noviciado para os Oblatos. As freiras cederam-na ao Pe. Dehon. Assim podia desempenhar facilmente a dupla tarefa de director do colégio de S. João e de mestre de noviços. Assim nasceu a Casa Mãe da Congregação, chamada Maison du Sacré-Coeur (Casa do Sagrado Coração) (cf. VP, p. 109, onde a data da compra está equivocada).

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CF III

Domingo, 18 de Julho de 1880.

Conferência sobre (?).

Quarta-feira, 21 de Julho de 1880.

Falemos também hoje da meditação.A meditação em que o Espírito Santo faz tudo, em que as consolações sensíveis, os

afectos abundam, é bastante frequente entre os principiantes durante uma parte do noviciado. Mas essa não é uma forma de oração elevada em que a alma está intimamente unida a Nosso Senhor.

Falemos da meditação normal como aquela em que a oração é um trabalho da alma e à qual todos pareceis chamados de momento.

Já vos disse que a primeira operação da alma na oração é o juízo centrado numa verdade ou mistério, mas esse juízo é seguido por um afecto produzido pela paixão que o juízo feito põe em actividade; assim na meditação sobre o inferno em que julgo que é horroroso, etc. é a paixão do temor que dirige os nossos afectos. Depois dos afectos vem o propósito que provocou na vontade.

Estes três movimentos da alma produzem-se em cada ponto da oração e inclusivamente os que têm uma imaginação viva, paixões ardentes, uma vontade enérgica, esse mesmo trabalho pode repetir-se várias vezes sobre o mesmo ponto, mas sempre, no final, há que resumir os propósitos que não devem ser mais do que três ordinariamente, um sobre algo de prático que se deva repetir várias vezes ao longo do dia e sobre o que nos examinaremos no exame particular da noite para que a oração obtenha fruto.

Mas é sobretudo nos afectos que devemos insistir no fim da meditação. É a parte do coração e em nós é o coração que deve dominar, já que nos entregámos à imitação do Coração de Jesus. E entre os afectos, dois devem dominar sobre todos os outros e repetir-se em todos os temas: o amor e a imolação ou oferenda, pois a nossa vocação é fazer oferendas11. Oblação quer dizer oferenda e oblato, quer dizer que é oferecido e que oferece. Produzir em nós afectos de amor e de reparação, sem esquecer contudo as outras partes do sacrifício, e oferecer estes afectos. Todos os temas os suscitam em nós, se se tratar da vida de Nosso Senhor (e Nosso Senhor deve ser o tema mais frequente das nossas meditações), ver a sua bondade e a suas virtudes neste mistério e fazer actos de amor, ver, no que se refere a este mistério, o que falta nas almas consagradas e fazer actos de reparação por isso. Se se trata de uma virtude, vê-la no Coração de Jesus e amá-lo pela sua bondade e dá-la a conhecer n´Ele e praticá-la, reparação pelas ofensas que recebe neste aspecto por parte das almas consagradas, pois se lamentava das ofensas das almas consagradas à Beata Margarida Maria e bem se pode pensar que ainda receba estas ofensas, já que estas almas não foram confirmadas na graça.

Oferecer sempre actos de amor e de imolação, é a nossa vocação e isso é o que a torna fácil; é que nós somos ricos, extremamente ricos. É a resposta à objecção daqueles que nos disserem: quereis reparar? Mas, com quê? Que tendes para oferecer em reparação? O Coração de Jesus, Jesus todo, mas sobretudo o seu Coração, podemos oferecê-lo cada minuto sem conseguir esgotar o tesouro, sem que a oferta seguinte cause dano à precedente; a oferenda sempre será aceite. É certo que temos a oferenda do santo Sacrifício, da S. Comunhão onde a oferenda é aceite mais amplamente, mas também podemos oferecer a Jesus em cada instante: Ele mesmo se oferece por nós: Ipse oferens et oblatio. Com esta oferenda devemos oferecer-nos também nós,

11 Sublinhe-se bem esta equivalência: a imolação ou oferenda. O voto de imolação proposto pelo Pe. Dehon é sobretudo um voto de oblação. Entre estas oferendas há seguramente cruzes, sacrifícios, mas olham-se em perspectiva positiva.

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CF III

apesar de sermos tão miseráveis, já que Jesus pede, mesmo assim, que unamos a nossa oferenda à sua.

Amanhã começaremos uma novena a Santa Madalena em reparação de todas as nossas faltas desde o começo da obra, e para nos pormos com ela aos pés da Cruz.

Pediremos ao mesmo (tempo) uma graça temporal: a conservação dos bens legados à obra pela Irmã Maria das Cinco Chagas e que uns herdeiros sem fé nos querem tirar, anulando o testamento. Indubitavelmente que Nosso Senhor nos quer dar uma cruz nisso também, e uni-la às outras e nós devemos aceitá-la com alegria, mas por outro lado seria negligência abandonar sem oração o bem que foi (dado), não a nós, mas à Obra,. Ele verá certamente com agrado as nossas orações nesse sentido, e esses bens parecem providencialmente destinados à Obra, pois antes da Revolução pertenciam às Filhas do Calvário e desse modo retornarão a outro Calvário depois de um pequeno circuito providencialmente preparado. Há alguma mortificação corporal que cada um solicitará.

Em continuação faremos a oitava de S. Inácio, pois a sua festa é a data da minha resolução de iniciar seriamente a Obra depois de um que fiz há três anos nessa data e no qual recebi certamente graças especiais com esse fim12.

Sexta feira, 23 de Julho de 1880

Da oração

Falámos de duas espécies de afectos que havemos de desenvolver especialmente no fim das nossas orações mentais: amor e reparação, que correspondem aos dois fins do sacrifício. Mas, como a nossa vida deve ser um sacrifício completo, como a de todos os religiosos, de todos os sacerdotes, mas mais especialmente do que todos eles, porque o nosso é um fim mais especial, convém não passar por alto outras espécies de afecto que correspondem às outras duas partes do sacrifício: a acção de graças e a súplica.

Que a acção de graças seja necessária, prova-se assim: quando Nosso Senhor se queixa à Beata Margarida Maria, diz: o que mais me aflige é a ingratidão das almas que me são especialmente consagradas. Ordinariamente emprega esta palavra "ingratidão" quando fala dessas almas. Portanto procura o contrário, isto é, o agradecimento. Estes afectos formam-se do modo mais natural com os afectos de amor e o amor preferivelmente desinteressado é seguido pelo amor de agradecimento ao recordar todas as grandes graças, redenção, vocação, graças pessoais que só nós mesmos conhecemos. Em todo o tema da oração mental há matéria para estes afectos, pois neles se descobre rapidamente a bondade divina em algum aspecto. Devemos dar-lhe graças também pelas almas consagradas de que fazemos parte. Estas não lhe agradecem suficientemente as graças contínuas que lhes são dadas todos os dias e está aí o motivo da sua pena: Dux meus, qui simul dulces capiebas cibos (Sl 54, 14-15).

Quanto à súplica, o tema da meditação indicar-nos-á bem depressa alguma necessidade para nós, para a Igreja e para o povo escolhido, e se não rezamos para obter a satisfação destas necessidades é porque não amamos as almas consagradas; e, com efeito, é esse, a meu ver, um dos espinhos do Coração de Jesus. As almas consagradas não rezam o suficiente umas pelas outras. Se não rezamos pela nossa conversão é porque não queremos que a Obra de Deus se realize e que as almas se salvem. E se o tema não nos dá bastantes motivos de confiança, temos três que a podem reanimar: a bondade infinita de Deus que nos deu o seu Filho único. Depois

12 O Pe. Dehon fez um conjunto de exercícios espirituais nas Servas de 16-31 de Julho de 1877; escreveu as primeiras Constituições da nova Congregação e a 31 de Julho começou o seu noviciado, que terminou a 28 de Junho de 1878 com a emissão dos primeiros votos e do voto de vítima (cf. VP, p. 102-104).

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disto, credes que pode recusar-nos alguma coisa? Quomodo non etiam omnia cum illo nobis donavit? (Rom 8, 32) (este texto vem-me à memória: não foi citado...).

Temos as promessas de Nosso Senhor de que obteremos infalivelmente: Quidquid petieritis... (cf. Jo 14, 13-14) se pedirmos com fé e sem titubear como recomenda S. Tiago.

Assim os afectos devem ocupar a maior parte da nossa oração mental, mas sempre hão-de acabar com alguns propósitos sóbrios e enérgicos.

Depois deste trabalho da alma e quando o sinal tiver indicado que falta pouco tempo: fazer uma revisão sobre a preparação e o trabalho da oração mental e anotar seguidamente, no primeiro momento livre, tanto as resoluções como aquilo que mais nos impressionou na mesma. É o meio para tirar fruto dela e para poder dar conta verdadeira das próprias meditações como também para melhorar as seguintes, dando-nos a conhecer o que tiver faltado. Agora já tendes a chave dos tesouros; nada mais falta senão que deles aproveiteis amplamente.

Domingo, 25 de Julho de 1880

Do amor puro

Deixemos que o que dissemos sobre a oração mental penetre o nosso espírito e passe para os nossos costumes e falemos hoje do amor puro. Há várias espécies de amor: o amor imperfeito ou interessado e o amor perfeito ou amor puro, o amor de amizade que se compraz no bem do objecto amado, e este é um tema que entra muito bem na nossa vocação, pois nos consagrámos ao amor e à reparação. Pois bem, o amor puro está ligado à reparação, pois conduz à reparação e a reparação não se faz sem o amor puro; um engendra o outro.

É uma verdade elementar ensinada pela S. Escritura, pela Igreja no Concílio de Trento que o amor puro apaga a culpa do pecado (o diabo emprega a sua esperteza para nos fazer esquecer estas verdades elementares tão relacionadas com a nossa vocação). O amor puro também apaga a pena devida pelo pecado, isto é também coisa certíssima, e daqui deduzireis quanto é fácil a nossa vocação: não se trata de outra coisa senão de fazer actos de puro amor para pagarmos quanto antes as nossas próprias dívidas e evitarmos o purgatório ou diminui-lo para poder pagar em seguida pelas outras almas consagradas.

Que é, pois, o amor puro que torna tão fácil a nossa vocação? É um amor que, esquecendo-se de si mesmo, se compraz no bem do objecto amado e se entristece com o mal do mesmo objecto. Experimenta gozo, por exemplo, vendo Deus servido, obedecido, e tristeza ao vê-lo ofendido pela única razão de que no primeiro Ele recebe um bem e no segundo um mal. Este amor faz nascer dois sentimentos no coração daquele que por ele é animado:

1º O zelo pelo bem que se há-de procurar, zelo que se reduz entre os noviços à oração e aos desejos e pequenas ocupações que lhes são confiadas dentro de casa; e nos outros, nas obras que dirigem.

2º A reparação pelo mal feito a Deus pelo pecado e que impele a abraçar os meios para o reparar.

Aí tendes o que Nosso Senhor nos pede. A reparação pelo puro amor, o que Ele mesmo fez durante toda a sua vida; é o que pede hoje, pois nisso está a salvação da Igreja e dos povos; é o que resolve toda a questão social actual13. Se todas as sociedades caminham para a sua ruína, digamo-lo claramente entre nós, é preciso um aumento de graças nos sacerdotes e nas almas consagradas, pois é por meio deles que se realizará o renascimento dos povos e este aumento de graça é a reparação pelas almas consagradas e pelos sacerdotes que a preparam e determinam: aí tendes uma prova peremptória da necessidade da nossa Obra. Para conceder este aumento de

13 O Fundador quer dizer, sem dúvida, que a salvação dos povos depende da pureza com que a Igreja desempenha a sua missão. Mas esta pureza depende da autenticidade cristã da vida dos baptizados.

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graças Nosso Senhor envia a provação e pede reparação ou, melhor dizendo, reclama só reparação, pois a provação é um meio de reparação para os que a sabem aceitar.

Nosso Senhor quer dar muito: a salvação do mundo. Pede-nos pouco, querendo suprir Ele com as suas riquezas. Diante da grandeza do nosso dever, não haja pusilanimidade: Ele impôs-nos um grande dever, Ele dá-nos a graça para o cumprirmos: Omnia possum in eo qui me confortat (Fil 4, 13). Nada de admiração: não se está todos os dias no Calvário, e depois da redenção actual dos povos haverá menos penas exteriores e interiores do que actualmente quando se trata de obter a salvação perante a justiça de Deus.

Quarta-feira, 28 de Julho de 1880

Dos exercícios em geral

Importância de se assistir a eles e de estar como se deve. Vimos como se reprimem as paixões, se adquirem as virtudes, e nos entretemos com Deus, na oração. Depois disto, é por meio dos nossos exercícios que chegaremos à união com Deus, e por exercício havemos de entender todos aqueles que nos indica a regra e as mortificações assinaladas pelo superior, tais como dar aulas, para alguns.

Os nossos exercícios são a vontade de Deus; aí obteremos as graças da união que fazem a santidade interior.

Deus actua como os ricos nas suas esmolas: Tem os seus dias e as suas horas para distribuir as suas graças e Ele é o primeiro a acudir aos exercícios, esperando-nos com as mãos cheias de graças e de dons diferentes conforme os exercícios. Se estiverdes neles como se deve, em corpo, em espírito e com vontade, a cada versículo, a cada pensamento Ele acrescentará uma luz, a cada afecto uma moção, a cada propósito uma força.

Aqui traz sobretudo graças de acordo com o espírito de amor e de reparação. Se pedis e procurais outras diferentes daquelas que vos destina, não alcançareis absolutamente nada e por isso aqui não se pode alcançar senão grandes graças ou grandes desânimos e securas. A causa das securas de alguns é que não entram no espírito da Congregação e se obstinam em seguir as suas próprias ideias sobre a sua perfeição: lindo negócio com eles como autores! Si quis existimat se aliquid scire nondum cognovit quemadmodum oporteat eum scire (1 Cor 8, 2). S. Paulo, que não era nenhum estúpido, mas um grande sábio afamado, abandonou toda a sua ciência por causa da ciência de Jesus Cristo: Existimo me nihil scire praeter Jesum crucifixum (cf. 1 Cor 2, 2). Sim, os que se fiam em si mesmos ainda não sabem nem sequer o abc sobre a direcção: é que não é preciso saber nada, mas apenas deixar-se dirigir de acordo com o espírito da Congregação.

Se estais devidamente no exercício, Jesus está convosco e vós estais, atrever-me-ia a dizê-lo, em seus braços e recebereis graças muito grandes, pois Ele se compraz em vir aqui, mas sobretudo estai aí de alma e coração, e digo-o sobretudo aos sacerdotes no que se refere à missa. É nela que as luzes diabólicas dêem a solução longamente procurada. Afastai-a e pedi ao vosso anjo que vo-la recorde depois da missa. O que se diz da missa entende-se da S. Comunhão e dos outros exercícios pouco mais ou menos, conforme a sua importância.

Assistamos devidamente a ela pois é aí e não noutra parte que obteremos graças, aí onde estaremos com Jesus. Estar noutra parte, fora do lugar onde Ele nos quer, seria estar com o demónio e com as nossas paixões, o que seria nossa segura perdição. Estando com Ele, as nossas paixões e o demónio não são absolutamente inquietadores. Façamos os nossos exercícios com o espírito que Ele nos pede, a única maneira de ser secundados neles, e aqui está o espírito de amor e de reparação; não procureis outro; Spiritus ubi vult spirat (Jo 3, 8), é isso o que Ele quer aqui. Que esta conferência seja o ponto de partida para uma reforma importante para alguns que

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resistem. Nosso Senhor não está contente com a má vontade que alguns trazem, e se Ele está descontente, como esperar outra coisa senão aborrecimento e securas?

(Quadro sinóptico)

Amor puro:

Vantagens, facilidade, oportunidade, natureza, amor de complacência, amor de condolência, compaixão, reparação.

Vantagens do amor puro:

- 1º A respeito dos pecados: o amor puro justifica o pecador antes mesmo de ele receber o sacramento da penitência; apaga não só a culpa, mas também a pena conforme a sua intensidade.

- 2º No que se refere aos Oblatos: é a vida do Coração de Jesus; isto deve ser a sua vida. Assim reparam sem esforço, eficazmente.

Facilidade do amor puro:

- 1º É um dever de todo o cristão: toto corde. Pois bem, um dever é sempre fácil com a graça.

- 2º Consideração das amabilidades e perfeições infinitas. Desejos de que Deus seja conhecido, amado, honrado.

- 3º Oblação do Coração de Jesus e dos santos que amam a Deus perfeitamente e por amor a Ele mesmo.

Oportunidade (do amor puro):

- O mundo está à beira de ser arrasado se a justiça de Deus não for aplacada.- Pois bem, a justiça de Deus não se apazigua senão conforme a medida do amor

puro.- O que atrai os castigos é, em primeiro lugar, a infidelidade das almas consagradas

que não têm amor puro.

Natureza (do amor puro):

- Amor a Deus por Ele mesmo sem motivações interesseiras, amor generoso, desinteressado.

- A alma compraz-se no objecto amado não pelos benefícios e ainda menos pelo temor dos castigos.

Formas (do amor puro):

- 1º Amor de complacência na glória de Deus, interior e exterior.- 2º Amor de condulência: tristeza, compaixão, reparação porque Deus não é, não foi

conhecido, amado, servido como deve ser por nós, pelos fiéis, sobretudo pelas almasconsagradas.

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Amor de complacência:

- Objecto primeiro: Tem como primeiro objecto o comprazer-se no objecto amado, nas infinitas perfeições de Deus. Exteriormente manifesta-se pelas bênçãos, louvores.

- Objecto secundário: comprazer-se, louvar e felicitar-se porque Deus é conhecido, amado, servido como deve ser por todas as criaturas. União com toda a Igreja triunfante, militante, purgante que o honra e o serve em Deus. (União) sobretudo ao Coração de Nosso Senhor que recebe e dá esta alegria à SS. Trindade.

- Amor de condolência: primeira manifestação: a compaixão:

- Necessidade: quando se ama alguém, do mesmo modo que se alegra com a sua felicidade, também se aflige, se compadece com o que lhe causa pena.

- Compaixão: Jesus Cristo incarnado quis assumir e sofrer tudo o que podia causar tristeza a Deus. Portanto devemos ter compaixão d´Ele nas suas dores.

- Reparação: segunda manifestação do amor de condolência:

- Necessidade: todo o amor que se compadece, mas não consola, não é sincero. Parábola do bom samaritano.

- Maneira: oferecer incessantemente no altar do Sagrado Coração:

1º As satisfações infinitas de Nosso Senhor Jesus Cristo.

2º As satisfações superabundantes da Santíssima Virgem e dos Santos.

3º As nossas próprias satisfações unidas às suas14.

Sexta-feira, 30 de Julho de 1880

Do levantar-se

Se praticamos o que foi dito para a reforma das paixões, a aquisição das virtudes e o entretenimento com Deus, estamos maduros para a união com Ele. Pois bem, esta união realiza-se nas nossos exercícios. É aí que o Coração de Jesus nos espera para nos dar as suas graças, onde se comunica, onde tem lugar a união misteriosa do Espírito e da alma, onde as suas luzes extraordinárias chegam a ser como naturais na vida sobrenatural. Inclusivamente para as graças gratuitas é útil a ocasião dos exercícios impostos à pessoa, a quem os faz e a quem se aplica para

14 Para esta vida de "puro amor" o Pe. Dehon incitava os seus noviços à confiança: Quantas vezes, no decurso da sua vida, o Pe. Fundador há-de recordar que a vocação reparadora dos Oblatos pede uma santidade pouco comum, um fervor generalizado que não seja uma excepção! Era natural que os primeiros discípulos do Pe. Dehon se assustassem um pouco com uma vocação que se apresentava como tão perfeita. Era também essa a impressão que se tinha nos ambientes romanos por volta de 1882-1883, se dermos crédito à carta do Pe. Galley que transmite a impressão que tinha ouvido. Carta de Roma, datada de 19 de Maio de 1884 (AD, B 21/7).Há que notar que, desde o Thesaurus de 1891 esta questão do puro amor se trata no "exame especial sobre os deveres da minha vocação: "Fiz tudo por puro amor ao Coração de Jesus?". "Com grande desgosto para o Pe. Dehon o projecto do Thesaurus de 1925 quis suprimir o termo "puro", considerado como demasiado idealista. Efectivamente, o Thesaurus aparecido depois da morte do Pe. Fundador omite-o. Mas o capítulo de 19484 reintroduziu o "puro amor" (cf. M. Denis, PPD, p. 25, 37).

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as outorgar ao exercício da regra. Relede a vida de Santa Matilde, de Santa Gertrudes, da Beata Margarida Maria; é, pois, nos nossos exercícios e não noutra parte que obteremos as graças de santidade.

Falemos do levantar-nos. Há uma graça especialíssima ligada a este exercício para os que o fazem com exactidão, grandes graças para eles e graças escolhidas para os que são mais exactos. Creio que esses recebem uma parte do que estava reservado aos que são inexactos. Está de acordo com a palavra do Senhor: Qui habet dabitur ei et qui non habet et quod habet auferetur ab eo (cf. Mc 4, 25).

Em certas Ordens há inclusivamente um convenção para ceder uma parte dos seus méritos do dia àquele que tiver sido mais exacto em fazer bem este exercício.

O primeiro pensamento deve ser para o Coração de Jesus; o primeiro acto, o sinal da cruz; depois um ponto que não pode especificar-se numa regra, mas que se aconselha, que é o prostrar-se ao sair da cama e nesse mesmo momento oferecer o próprio dia e formular as suas intenções em consonância com os seus votos.

Depois disto, há três coisas que se hão-de fazer, cuja omissão explica o pouco o nulo progresso que fazem muitas pessoas. Antes de mais, pôr-se na presença de Deus; há mil maneiras de o fazer. Para nós, o modo é muito mais restrito, foi-nos indicado sobrenaturalmente, mas é tão conforme à nossa vocação que pode ser aceite mesmo prescindindo de todo o sobrenatural e vindo de Deus por meio do Superior que o representa: pertence-nos a nós transportar-nos a Nazaré, já indo em espírito já imaginando que se vive assim até ao meio-dia ou ao angelus do meio-dia, ainda que podendo variar conforme as diferentes tarefas de Nazaré.

Do meio-dia até matinas ou ao angelus da tarde, transportar-nos ao Calvário e fazer ali as nossas estações. A via-sacra oferece-nos exemplos destas estações.

Finalmente, desde o angelus da tarde até à hora de deitar, transportar-nos ao Getsémani.Permanecer durante três ou quatro minutos na presença de Deus desta maneira é a

primeira coisa a observar.O segundo (pensamento) é dar uma vista de olhos à virtude da semana ou do mês, a do

exame particular determinada na direcção espiritual de cada um. É como que um curto exame sobre a prática desta virtude durante o dia.

A terceira coisa é pensar no tema da oração como quer que tenha sido indicado.Depois disso, descer ao primeiro sinal. Também nisto há graças para os mais exactos.

Fazer uma prostração antes deste exercício, esperando que as circunstâncias permitam fazê-lo em todos os exercícios. Depois dirigimo-nos para o nosso lugar, utilizando o tempo que sobre até ao momento de começar a preparação.

Mas sobretudo neste tempo de grande silêncio não devemos permitir que nada o perturbe. O dia seria perdido juntamente com a oração e aí está a causa do pouco progresso de alguns.

Não é permitido sentar-se até depois da preparação feita depois da leitura do tema da meditação. Sentar-se não é estender-se nem apoiar os cotovelos. Nas audiências reais é sempre preciso ater-se às exigências da etiqueta. Que diremos da audiência com Deus? E esta observação aplica-se aos demais exercícios na capela.

Domingo, 1 de Agosto de 1880

Santo Inácio

O fundador aqui é o Coração de Jesus, mas em segundo lugar vêm S. Francisco e S. Inácio, de quem imitámos umas partes das nossas regras. Devemos, pois, amá-lo. Mas, para que não se fique por uma imitação platónica e num amor estéril, fixemo-nos na sua imitação.

Para imitá-lo precisamos de nos compenetrar pelo seu espírito. Pois bem, o espírito de S. Inácio (e o espírito de S. Inácio como o de todos os santos que deixaram escritos é muito fácil de

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conhecer): o seu é mais fácil do que o dos outros porque o condensou numa só obra: Os Exercícios.

Derrubado como S. Paulo e ouvindo como ele - mas interiormente - a voz de Deus, a exemplo também de S. Agostinho, S. Inácio medita a grandeza da verdade cristã. A sua grande inteligência abarcou-a bem depressa e sentiu-se fortemente cativado por ela. Como todo o homem que foi fortemente cativado por uma verdade, experimenta a necessidade de comunicá-la. S. Inácio sente também o zelo pelo apostolado unir-se ao zelo pela sua própria perfeição, mas vivendo a sua vida de soldado imprópria para este duplo fim e sentindo que só a vida religiosa pode alcançar este fim, retira-se para Manresa para aí escutar a voz de Deus.

Ali compõe o livro dos Exercícios para servir à perfeição dos seus religiosos e para o seu apostolado. Está dividido em 4 partes e encerra como que um quádruplo espírito que caracteriza S. Inácio e a sua Companhia.

A primeira parte, chamada o fundamento, aponta para uma ponto: a indiferença. Colocando o homem diante de Deus, ela faz-lhe compreender que ele pertence a Deus e foi criado por Deus e que o meio para ir a Deus é servir-se das criaturas que Deus pôs entre ele e o Criador. A indiferença quanto aos meios e às faculdades que Deus lhe dá para trabalhar para sua glória, já na terra por meio do apostolado já no céu por meio do louvor. Aí tendes o fundamento do seu espírito como de toda a vida religiosa em geral.

S. Inácio apresenta, para meditar e contemplar, o mistério da Incarnação, do Nascimento como modelo dessa indiferença em Nosso Senhor Jesus Cristo.

A segunda parte abarca a vida evangélica de Nosso Senhor e desemboca no zelo pelo apostolado e é aí que encontramos o espírito próprio de S. Inácio e é a nota principal que quis dar à sua Companhia.

E é de realçar que propõe a eleição nesta segunda semana, quando o exercitante está completamente sob a influência desse espírito de zelo para fazer com que ele inspire os que desejam tornar seus filhos.

Na terceira e na quarta semana o espírito que as domina, também pretendido por S. Inácio, é querido como auxiliar do espírito de zelo.

Na terceira semana ensina-se o espírito de penitência e mortificação pela meditação dos mistérios da vida dolorosa de Jesus desde o Getsémani até ao sepulcro. Se se tivesse proposto a eleição quando se está sob a influência deste espírito, as Congregações penitentes ter-se-iam aproveitado da eleição feita nesse momento, que é o que não quis S. Inácio, que se propõe ao apostolado.

Na quarta semana desemboca-se no espírito de amor pela meditação dos mistérios gloriosos: com Madalena na Ressurreição ou os Apóstolos na ceia. A eleição não foi sequer posta nesta quarta semana pelo mesmo motivo.

Aí tendes o quádruplo espírito de S. Inácio que, apesar de tudo, é um só: o zelo baseado na indiferença quanto aos meios e aos resultados, com a penitência e o amor como auxiliares.

Este espírito deve ser também o nosso na medida em que se coadune com o nosso fim.Antes de mais, a indiferença deve ser-nos muito cara porque é a base de tudo; logo depois

vem o zelo, mas para nós o apostolado é menos exterior. Para os jesuítas é o ardor do guerreiro, de um general de um exército diante do inimigo que se encara de frente e recebe os primeiros golpes. Entre nós é a actividade mais restrita e mais amável do pastor que guia o seu rebanho. Nós temos sempre obras, mas a nossa principal ocupação será a adoração do Santíssimo Sacramento.

Devemos amar a penitência tanto como S. Inácio, mas devemos penetrar nela mais a fundo a exemplo de S. Francisco, segundo patrono da Congregação e como correspondendo mais à vida dolorosa de Jesus, a quem queremos consolar. O espírito de amor será também nosso, já que nos consagramos ao Coração de Jesus, e este quer sobretudo o nosso coração. Jesus fez dos filhos de S. Inácio os arautos do seu Coração, nós somos seus filhos. Ele quis difundir por todas as plagas, por meio do seu apostolado, a devoção ao Sagrado Coração. Para nós Ele abriu os

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tesouros do seu Coração muito especialmente com uma abundância milagrosa. Aqueles são guerreiros, nós somos pastores. S. Inácio tem por estandarte o nome de Jesus que leva a todos os povos; o nosso escudo de armas é o Coração de Jesus que temos de consolar, sobretudo na Eucaristia. Aqueles representam o espírito, nós o coração; eles, a vida evangélica; nós, a vida de reparação e de amor.

Olhemo-los como uma Companhia nossa irmã, sem jamais ter inveja deles, já que S. Inácio também é nosso Pai. Imitemos o seu espírito mais especialmente ainda no que se refere à nossa vocação.

Quarta-feira, 4 de Agosto

(não há conferência: entrega de prémios)15

Sexta-feira, 6 de Agosto de 1880

Da Santa Missa

Depois de nos levantarmos, da meditação e de alguns instantes que a seguem, vem a santa Missa. Os poucos instantes que separa a meditação da santa Missa podem ser usados para anotar as luzes que se tenham recebido, tal como os propósitos da meditação e depois em anotar as impressões do dia. Esta prática de ter assim a sua pequena agenda de notas é prática dos santos.

S. Luís de Gonzaga tinha intitulado a sua: Monita et proposita pietatis.Depois vem o acto sublime: a santa Missa que se classifica comumente entre os

exercícios de piedade e não é um deles, pois não deveria contar-se entre eles, tal como Deus não se conta entre os seres que Ele contém com a sua qualidade de excelso e os ultrapassa, como tampouco somamos o finito com o infinito. É um estranho abuso considerar a santa Missa como um exercício. Nos nossos exercícios de piedade somo nós que oferecemos a Deus ora uma oração ora um trabalho espiritual ou corporal. Ali é o próprio Deus que se oferece e é oferecido. O sacerdote não é mais do que uma sombra, uma aparência, as suas mãos são um instrumento de que Jesus se serve para se oferecer como vítima. Há neste mau costume de considerar a santa Missa como um exercício comum uma causa do pouco fruto que dela tiram muitos cristãos.

Diz-se comummente: vou dizer missa (eu mesmo talvez o digo algumas vezes, mas é como que consequência da influência que sofremos com pesar num grupo que tem este costume). Aqui nós devemos dizer e os Oblatos devem dizer: vou oferecer o santo sacrifício da missa, vou celebrar o santo sacrifício; falando assim, sereis compreendidos e isso será tudo o que podeis desejar.

É o acto culminante do dia, o acto divino, é o acto que nos caracteriza e parece-me que é a razão de ser dos Oblatos e diríamos tudo o que devemos ser quando nos for perguntado o que fazem os Oblatos: dizem santamente a missa, assistem santamente à missa.

Quando assistimos à missa ou a celebramos, removemos o céu ao fazer-lhe mostrar a potência, a justiça, a misericórdia; o purgatório, ao levar uma gota refrescante aos lábios sedentos; à terra ao fazê-la elevar-se um degrau para o céu por virtude deste sacramento.

É aí que nós melhor respondemos à nossa vocação, aí onde Jesus nos quer mais Oblatos do que em qualquer outro lugar, pois é também aí que está Ele mesmo.

Não olhemos, pois, a santa Missa como um exercício e se falo disso neste momento é para protestar contra esse costume de a olhar desse modo, e unicamente porque estou no instante do dia em que ela tem lugar, mas nunca como um exercício.

15 Entrega de prémios no Colégio S. João.

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Durante a santa Missa (é uma verdade que seria temerário contradizer) há uma legião de anjos que assistem a ela e os próprios santos se emocionam nela; eles levam-lhe o seu amor, o seu louvor, o respeito, e nós, para assistir a ela dignamente, devemos estar angelicamente.

A não ser que caiam raios ou a casa arda, devemos afastar qualquer outro pensamento que não seja o do grande sacrifício que vamos oferecer. Temos que unir-nos a ele, abismar-nos nele no momento da consagração para o sacerdote, da elevação para os outros, quando Deus aí revela o seu poder, a sua justiça, a sua misericórdia. Se não o podemos sensivelmente, sigamos as palavras da Santa Missa e a atenção virá. Compreenderemos que somos uns deuses, já que realizamos acção divina. Sejamos grandes então e dignos da nossa missão.

Domingo, 8 de Agosto de 1880

Disposições que se hão-de levar para a Santa Missa

O espírito de imolação fundado sobre cinco motivações:1º A justiça de Deus. Depois do pecado, Deus tinha ratificado a sentença: Morte morieris

(Gen 2, 17). A carne culpada tinha que perecer. Jesus, o Verbo divino, assume um corpo e Ele também pronuncia a sentença de morte: Morte morieris. A justiça de Deus reclamava este castigo e o Verbo, ao carregar sobre Si todas as faltas da humanidade, submete-a n´Ele a esta sentença pela sua morte na cruz. A misericórdia triunfa sobre a justiça. Deus não pede outra coisa senão que amemos e a sua graça é um princípio de fecundidade que tende por si mesmo a difundir-se, a fecundar na paz as almas que se entregam à sua acção. É uma água benfazeja que corre calma e fecunda, mas que quando encontra uma represa, que é a má vontade do homem, então se embalsa, cresce, se transforma em justiça e como uma torrente arrasta todos os horrores da devastação. Foi essa torrente que Jesus deixou passar sobre Si para nos salvar e restabelecer a corrente benfazeja da misericórdia.

2º A aversão por si mesmo. Quem não estará disposto para estes sentimentos e para a vida de imolação ao ver em si o miserável que mereceu todos os castigos da justiça divina? Ultimamente a imprensa relatava-nos que uns ímpios tinham entrado num santuário de nossa Senhora, amarrado uma corda grossa ao pescoço da sua estátua e a tinham arrastado desse modo pelas valetas durante a noite. Estes miseráveis somos nós. Nós somos imagem de Deus e arrastámos esta imagem pelo lodo do pecado. Não somos, portanto, dignos de aversão e podemos admirar-nos de que Jesus nos convide tão frequente ao ódio por nós mesmos?

3º A prudência de espírito. Prudentia carnis mors est (Rom 8, 6). É a prudência da carne que sacrifica a alma toda. Precisamos de colocar este corpo sobre um colchão de penas, alegrar os nossos olhos com espectáculos graciosos, o ouvido com concertos. Prudentia spiritus vita et pax (Rom 8,6). S. Paulo fala assim. A prudência de espírito imola este corpo que ela sabe que é um inimigo encarniçado da alma. Sente-se feliz com tudo o que o enfraquece e faz sofrer e imola implacavelmente tudo o que vê capaz de lhe dar vantagem.

Este três sentimentos, com que podemos ocupar-nos até à consagração, purificam a alma. Há outro que a une a Jesus, é o amor. O amor de imolação, a imolação por amor como Jesus. Imolar-se para imitar Jesus imolado, por amor a Jesus, por amor a nós mesmos e por amor das almas. Esta motivação, que já não é especial, encontra-se em cada página da Beata Margarida Maria, que a tinha tirado do Coração de Jesus: consumir-se por amor. Da consagração à comunhão isso será o nosso alimento para nos unirmos a Jesus que se imola sobre o altar.

Por fim, uma quinta motivação: o espírito de religião: reconhecer o soberano domínio de Deus, dando-se completamente pelo espírito de holocausto: o corpo, a alma, a vontade. Dizer a Deus: aqui me tens todo inteiro, faz de mim o que quiseres, submeto-me a tudo, à alegria e à

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tristeza, à saúde e à doença, a estar aqui ou estar ali, quero fazer a vossa vontade. Dar-se para ser consumido em sacrifício de holocausto, em comunhão.

Aqui tendes aquelas que devem ser as disposições durante a santa Missa. Não a olhemos, pois, como um exercício comum; ela deve (ser) como o sol do dia para o qual convergem e o que a precede como a preparação, e aquilo que a segue como consequência. Estejamos, pois nela como se deve e entremos nos sentimentos em consonância com as quatro finalidades do sacrifício.

Quarta-feira, 11 de Agosto de 1880.

Pequeno almoço, recreio, aula, trabalho

Dissemos qual o espírito que devemos tirar da santa Missa. Este exercício desse ser o pleno meio-dia de todos os outros, e iluminá-los com a sua luminosidade, isto é, que os sentimentos que tenhamos tido nela devem reproduzir-se em cada um dos outros exercícios.

Logo depois vem o pequeno almoço. Como parece que este exercício não serve senão para o corpo, S. Paulo deu-se à maçada de o assinalar de modo particular: Sive bibitis, sive manducatis, omnia in gloriam Dei (cf. 1 Cor 10, 31).

Para fazê-lo bem devemos observar três coisas; com elas havemos de fazê-lo perfeitamente:

1º Alimentar a alma: no pequeno almoço podemos servir-nos do ramalhete espiritual da meditação ou da acção de graças para saboreá-lo enquanto damos ao corpo instintivamente aquilo de que precisa; ao meio-dia e à noite, temos a leitura à mesa.

2º Mortificação: fazer sempre uma mortificação. É necessário ao religioso, e mais necessário ao Oblato que repara; mortificar-se na quantidade pela manhã, o que redundará numa melhor aptidão para os trabalhos intelectuais até ao meio-dia; e à noite a saúde sempre beneficiou com isso.

Na qualidade ao meio-dia, comendo menos ou abstendo-se do prato ou da bebida preferidos, de tal sobremesa.

3º Caridade: Tendo o cuidado de que nada falte aos nossos vizinhos, suportando mesmo que falte a si mesmo, sem chegar, apesar de tudo, a um zelo obsequioso que aborrece mais do que agrada. Um obstáculo a isto são as distracções por que nos deixamos levar, este porque pensa na sua aula, aquele nas suas obras, um terceiro por uma leitura que devia ou não permitir-se. Se pelo menos as distracções proviessem do facto do espírito estar absorto num pensamento piedoso procedente da meditação ou da leitura da mesa... então ainda se poderia perdoar porque pelo menos ainda estaríamos a pensar em Deus.

Com estes três princípios sereis perfeitos durante estes exercícios e a santidade consiste nisso: ser santo em cada um dos seus exercícios. Não foi sem razão que dois Papas disseram: Dai-me um noviço que tenha observado fielmente os conselhos das suas regras e eu o canonizarei16.

Depois vem o recreio. Isto não se usa nos outros noviciados, nos quais se dedicam imediatamente ao trabalho material. Aqui, como não podemos ter esse tipo de trabalho por causa dos seminaristas e alunos aos quais devemos o respeito pela batina, tomamos estes curtos instantes de recreio antes de retomar uma ocupação intelectual. Ainda que dure um pouco é, creio eu, conforme à vontade de Nosso Senhor que exista este recreio.

Que devemos observar neste recreio para ser santos? Uma coisa, e isto vale para os outros recreios; um só princípio: a caridade. Sede caritativos com os presentes e com os ausentes e passareis santamente o recreio; caridade que cede a palavra principalmente ao mais velho, ao mais antigo, sem que por causa disso pareça que somos uns insociáveis e mudos.16 A frase atribui-se originariamente a Bento XIV.

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Em certos noviciados o recreio passa-se à volta do Mestre de noviços e pede-se-lhe de joelhos licença para falar. Penso que Nosso Senhor não nos exige tal austeridade.

Entre os Jesuítas passa-se o recreio em grupos com o conselho de que se dedique uma grande parte a temas piedosos. É o que podemos fazer também nós mas sem tensão de espírito, sem tratar de alta espiritualidade o que cansaria os nossos ouvintes.

O mundo tem duas motivações para as suas conversas: ou o interesse se fala de negócios - ou a troça, isto é: a avareza e o orgulho. Não falo do mundo imoral que tem por motivação a luxúria. Nós não temos mais do que uma motivação: a caridade; o resto virá por si mesmo.

Depois do recreio matinal, a aula, isto é, uma obra de zelo que para nós ocupa o lugar do trabalho material dos noviciados. O que faz falta nisto é a caridade acompanhada pelo zelo que lhes acrescenta a actividade, a diligência e considera o interesse daqueles de quem se ocupa. Esta aula será ocupada para alguns, no mês de Outubro por uma lição de teologia.

Vem depois o trabalho pessoal do tempo livre. Um princípio que se deve observar: dedicar-se com fé: Justus ex fide vivit (Rom 1, 17). Contar tanto com as luzes do Espírito Santocomo com as da natureza.

Por outro lado, este estudo não tem nem pode ter normalmente por finalidade mais do que a ciência da santidade: teoria e prática.

Qualquer outro estudo é contrário ao noviciado: este não é o momento para se instruir noutras coisas. Fazei, pois, todos os exercícios com o espírito que lhes é próprio.

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Cadernos Falleur

IVConferências e Pregações

13 de Agosto - 17 de Dezembro de 1880

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Sexta-feira, 13 de Agosto de 1880

Admissão à tomada de hábito do Pe. Berchmans1.

Laudate pueri Dominum (Sl 112, 1).Uns dos aspectos mais interessantes da vida do Salvador são as manifestações de afecto

para com as crianças: gosta de vê-las à sua volta e convoca-as para as abençoar: Sinite parvulos venire ad Me (Mc 10, 14). Ouvimo-las também no meio da multidão que O aclama quando da sua entrada triunfal em Jerusalém, e por crianças podemos entender no seu sentido mais amplo os próprios adolescentes e um destes é aquele que se dirige ao Salvador para ser instruído na vida perfeita.

Não satisfeito por as chamar para as abençoar e torná-las participantes das suas alegrias, não as dispensa do apostolado. E assim vemos João, adolescente ainda, ocupar um lugar entre os Apóstolos e mesmo chegar a ser o predilecto: e é talvez porque tinha algo de infantil que agrada, esse algo necessário até para o céu: Nisi efficiamini sicut parvuli... (Mat. 18, 3).

Mas parece que os afectos do Senhor deviam limitar-se a isso. Podia chamar para o sofrimento inocentes que desconheciam o mal? E todavia são precisamente crianças as primeiras entre as gloriosas milícias de mártires que vão seguir Jesus para o céu. Depois dos Santos Inocentes houve muitos meninos mártires e chamados prematuramente para o céu e, pode-se dizer muito bem, à Igreja triunfante: Senes cum junioribus, laudate... (Sl 148, 12).

Vemos também alguns deles chamados à santidade no decurso dos séculos e hoje celebramos a festa de um deles, acolhido pela Igreja como o Salvador acolhia os do seu tempo, pois a Igreja, seguindo o divino Espírito do seu Fundador, sempre admitiu a prática da vida perfeita a estes adolescentes de 16, 17 e 18 anos: temos admiráveis exemplos disso nos S. Luís Gonzaga e nos Estanislau de Koska.

Jesus mostrou neles os privilegiados do seu Coração (e posso afirmar sem presunção hoje que ainda agora, quando um menino se vê chamado assim, não é o menos amado). (Disse isto para dar a entender que o novo Padre era objecto de um afecto muito especial por parte de Nosso Senhor).

Para nossa edificação e para instrução daquele que dentro de momentos vai ser admitido, tenho que realçar para nós dois aspectos salientes da vida do Beato cujo nome vai ser imposto ao novo membro.

A simplicidade e a ternura.A simplicidade: manifestou-a em tudo, obedecendo como uma criança sem se preocupar

com o que se passava à sua volta e recebendo tudo como ordens de Deus, seu Pai.A sua ternura filial tinha tomado uma orientação muito suave e levava-o para o amor da

Santíssima Virgem. Sempre teve para com ela um terno afecto e a história da sua vida proporciona-nos bastantes provas disso. Acrescentemos outro título para o nosso afecto: pertencia a essa Companhia de Jesus a que devemos muito e que tem sobre nós direitos de paternidade, pois que ainda que nosso patrono seja especialmente S. Francisco, a quem nos unimos pelo espírito de penitência e de reparação e pela regra fundamental, reconhecemos também como pai a S. Inácio, do qual imitámos as Constituições e nos seus filhos vemos também irmãos que Jesus escolheu para serem arautos do seu Coração, tal como também a nós destinou para sermos Apóstolos na medida em que Ele quiser.

O Beato Berchmans, atrevo-me a dizê-lo, pertence quase tanto à nossa Congregação: pois a sua vida e a sua morte fazem dele mais um amigo oculto de Jesus do que um soldado de vanguarda.

1 Este Pe. Berchmans não aparece em nenhum dos documentos que conhecemos. O próprio registo dos votos do Pe. Dehon não está completo no que se refere aos primeiros anos da Congregação. Este Pe. Berchmans abandonou certamente o Instituto dos Oblatos, não sabemos quando.

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CF IV

Hoje há audiência especial no céu para falar das coisas do céu e da terra, para se poder fazer compreender: pois bem, creio que pedirá duas coisas: primeiro, que a graça da purificação seja para os seus confrades mais uma purificação do que uma destruição; depois, que Deus tenha compaixão desta pequena Companhia que nasce composta por miseráveis e que precisa que corações mais generosos a impulsionem pelo caminho que Jesus quer vê-la seguir para consolar o seu Coração.

Domingo, 15 de Agosto de 1880

Sobre a Assunção: (Audivimus in Ephfrata... in loco ubi steterunt pedes ejus) (Sl 131, 6-72) no paraíso.

Quae est ista quae ascendit de deserto (Ct 8, 5)

Nesta gloriosa festa de Maria há como que duas cenas, duas partes: uma celeste, "ascendit", outra terrestre, "de deserto".

Diante de Maria desfilam todas as glórias do céu e ela ultrapassa-as a todas: todos os que foram glorificados (foram-no) nas faculdades por que mais mereceram; ela é glorificada em todas as suas faculdades.

Ela é a rainha dos que levam as palmas do martírio conquistadas pelos sofrimentos e torturas ou equivalentes, os sofrimentos do corpo.

É a Rainha dos Apóstolos e dos Doutores, e senta-se sobre um trono mais elevado que os seus 12 tronos. Pode dizer-se dela: Sedes ad dexteram Dei (Mc 16, 19), à direita de Deus seu Filho, como o Filho à direita de Deus seu Pai, e neste dia aniversário da sua Assunção há como que um amor e um louvor renovados de todos os bem-aventurados que lançam sobre a sua Rainha um olhar de admiração por todas as graças de que está repleta.

Mas há uma segunda cena, o deserto: o deserto do mundo, o deserto das almas. Maria reconhece-o e procura nele um oásis, porque há oásis neste deserto de aridez e secura: estes oásis são as almas que lhe entregam um coração cheio de amor e de louvor, as almas consagradas, as comunidades que a servem e imitam.

Aí pára e procura sombra, água, frutos, e se não os encontrar, sobretudo o amor e a reparação nas comunidades consagradas, não pronunciará a sentença da figueira estéril? Não serão cortadas e lançadas fora estas almas infrutíferas?

Procura descanso no amor e na reparação, nos corações que se lhe abrem de par em par. Vamos nós recusá-lo? Hoje, nesta cena celeste de que estamos a falar, figura um grupos das nossas irmãs, e neste itinerário de Maria pelo deserto, vão trazê-la para aqui como para um oásis?3 Quereis que ela se encontre bem nele? Sim, quereis. Pois bem, disponde os vossos corações para lhe dar esse descanso que procura nele o consolo e a reparação. Não concedais ao corpo esse descanso perigoso que noutros lugares se concede inclusivamente nesta festa e reparai com a vossa vigilância neste ponto o descuido das outras almas. Oferecei o Coração de Maria com todas as suas grandezas ao Coração de Jesus e o Coração de Jesus à SS. Trindade, na qual devem desaguar todas as nossas homenagens.

2 Os parêntesis encontram-se no manuscrito3 Cf. nota 1; II, 1.

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CF IV

Quarta-feira, 18 de Agosto de 1880.

Bondade maternal de Maria para com os Apóstolos e os discípulos.

Mas não devemos passar a oitava da Assunção sem falar de Maria. É uma necessidade estimulante para nós todos louvar a esta boa Mãe e todos sentimos zelo por Ela.

Um dos meios para sustentar e aumentar este zelo é meditar juntos ou, melhor, contemplar algum aspecto deste tema que é demasiado amplo para abarcar totalmente.

Quero falar-vos da bondade de Maria para com os Apóstolos e como o que pretendo é atrair a sua bondade sobre vós, quero louvar, louvar convosco essa bondade, pois os Santos nos ensinam que é um meio para obter a misericórdia do Coração de Jesus e de Maria é louvar e bendizer a sua misericórdia.

Amando extremamente Maria a Jesus, amava do mesmo modo tudo o que se relacionava com Ele, velando com uma solicitude maternalíssima sobre o que lhe dizia respeito.

Daí vemos a priori que amava muito os Apóstolos que Jesus destinava a ser outros "Ele mesmo".

Além disso, o Evangelho confirma-nos neste pensamento. Nas bodas de Caná, onde Jesus estava no meio dos seus discípulos, Maria apercebe-se de que falta vinho: era uma coisa que não é necessária senão por conveniência; não importa, o coração desta boa Mãe comove-se e a vivacidade dos seus desejos obtém um milagre porque de certo modo adianta o momento da Redenção. A resposta, aparentemente fria, que foi um ganho para a sua humildade, não a desconcerta; foi dada para nosso ensinamento.

Mais tarde, em Cafarnaúm, onde Nosso Senhor tinha o seu domicílio e vivia já juntamente com a sua Mãe durante uma curta e íntima estância, já em casa de algum dos seus discípulos ricos, ela teve certamente ocasião de dar aos Apóstolos mostras da sua bondade, seja relatando-lhes as conversas com seu Filho, seja contando-lhes pormenores da sua vida. Também cuidava das suas necessidades materiais e do decoro das suas túnicas e das suas capas. Tornava-se mendiga diante de Lázaro e das suas irmãs para atender às necessidades do seu Filho, e Jesus que andava habitualmente rodeado de um certo número de discípulos, recorria por isso a alguns discípulos ricos como Lázaro ou José de Arimateia.

Maria, seguindo a Jesus, assistia com os seus Apóstolos às diversas pregações de Jesus; estava com eles na Ceia; reconfortou João ao sair do Getsémani e esteve com ele ao pé do Calvário, onde o evangelista a menciona: Stabat... (cf. Jo 19, 35); no momento da Ascensão, e depois no Cenáculo ela está também no meio deles animando-os e rezando por eles; mas quando se dispersaram, o seu Coração acompanha-os e trabalha com eles na difusão do Evangelho com uma eficácia superior à deles; a Igreja autoriza-nos a acreditar nisso, pois a chama: Regina Apostolorum.

Finalmente, vive com S. João e S. João com ela durante o tempo em que permanece ainda na terra...

Está do mesmo modo connosco; e ainda que a nossa missão seja mais limitada, Maria não nos ama menos por isso, pois nós também trabalhamos pelo seu Filho, participamos no seu sacerdócio e vivemos na religião com uma missão muito especialmente querida ao seu Coração.

Como os Apóstolos, também nós temos a cabeça muito dura, mas Maria está pronta para nos ajudar e, se a nossa confiança corresponder à sua bondade, não há santidade, obra, missão que nos seja impossível. Pensemos, pois, em invocá-La e renovemo-nos nos sentimentos de fé, esperança e amor para com esta boa Mãe.

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CF IV

Sexta-feira, 20 de Agosto de 1880

Da regularidade em geral e do exame particular e adoração

Já mostrámos toda a importância da exactidão e da fidelidade à regra dizendo que nela está a vontade de Deus e com a sua vontade, o seu Coração, as suas graças, as suas bênçãos. Mas a importância da fidelidade à regra é tão grande que vamos meditar ainda sobre algumas das suas motivações.

Nosso Senhor insiste neste ponto e volta a ele com frequência: Sint lumbi vestri praecinti et lucernae ardentes in manibus vestris (Lc 12, 35).

Que quer isto dizer senão que é preciso estar naquilo que Deus quer com discernimento e actividade tal como está simbolizado na lâmpada e no cinto, e Nosso Senhor confirma ao proclamar ditoso aquele que o Mestre encontrar desse modo vigilante: Beatus ille servus..." (Mat 24, 46).

A parábola das virgens insensatas e das virgens prudentes tem o mesmo sentido; a do banquete nupcial do filho do rei tem também um significado parecido; sobretudo a dos cinco talentos tem o mesmo significado.

E Nosso Senhor pede esta exactidão e esta fidelidade com promessas generosas e com ameaças terríveis: euge serve bone... Ânimo! quia super pauca... (Mat 25, 21).

A mínima coisa feita com exactidão atrai-nos uma bênção, um estímulo. Se fôssemos inteligentes não desperdiçaríamos nenhuma ocasião para receber estas preciosas bênçãos, pois cada exercício, por pequeno que seja, contém-nas e diz-nos: ânimo!: euge...; mas não o diz se durante esse tempo nos dedicamos a dormir ou a alguma leitura fantasiosa. Então há ameaças: tirará o talento àquele que o esconde por medo do risco e lança-o às trevas exteriores. Disso resulta a perda da vocação para alguns, se se obstinam nas suas irregularidades, e da própria salvação, pois é certo que não se pode alcançar a salvação senão muito dificilmente fora da própria vocação; vai nisso o interesse pela Obra que prejudicam, atrasando o seu crescimento, o interesse das almas, do mundo, do Coração de Jesus, a quem a sua liberdade opõe um obstáculo que o seu amor não pode ultrapassar. Muito cuidado, pois a sua misericórdia, ainda que se sobreponha à sua justiça, não a destrói e Ele não pode renunciar aos seus direitos.

A Igreja tem igual solicitude pela regra religiosa. Poderia deduzir-se isto a priori, mas vê-se bastante claramente em todas as bênçãos, favores que testemunha a todas as Congregações por meio de bulas, decretos, etc., as leis canónicas que são as provas e a voz desta solicitude. Os Santos, que receberam do Espírito Santo uma assistência especial para falar sobre este tema, aconselham a dirigir a própria simpatia para as Congregações em que a regra está em vigor. Assim tudo nos convida à regularidade: a palavra de Nosso Senhor, o espírito da Igreja, a doutrina dos Santos, a razão, a regra. Ponhamos mão à obra resolutamente.

Um exercício que contribui muito para a regularidade é o exame particular. Devemos fazê-lo primeiro sobre a matéria que lemos, depois sobre o modo de estar na presença de Deus que nos propusemos de manhã, e finalmente sobre a virtude semanal que determinámos na confissão e na qual pensamos ao levantar-nos. Esta virtude é uma virtude difícil conforme os indivíduos desde o princípio, enquanto o defeito predominante causa obstáculo todo o progresso por fazer; depois a matéria do exame será de preferência uma das virtudes da nossa vocação: o amor ou a reparação. Mas há que nunca descuidá-lo e uma vez ou outra perguntarei depois da conferência a um ou outro qual o tema para viver na presença de Deus que escolheu de manhã e a sua virtude semanal. Se ele não responder receberá uma penitência. Um pouco antes do Angelus cada um determina a sua presença de Deus para a tarde. É o momento do Calvário e pode-se escolher seja uma das 7 palavras de Nosso Senhor na Cruz, seja qualquer outra circunstância, seja mesmo uma das estações da Via Sacra e dos incidentes desde a prisão de Jesus.

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CF IV

Resta ainda a adoração: a maneira de a fazer difere conforme as pessoas mas é preciso exercer de preferência actos das virtudes da nossa vocação. Também nos ajudaremos com as visitas ao Santíssimo Sacramento. Far-se-á sempre seguir da visita à Santíssima Virgem em que nos podemos ajudar com as orações de Santa Gertrudes e de qualquer outro livro que trate deste tema.

Por favor, sejamos observantes e exactos nos exercícios, não só com a presença corporal que é a exactidão dos fariseus, mas também com as disposições com que Nosso Senhor nos quer encontrar neles para nos dar as suas graças.

Observação: a salmodia do Ofício tende a mudar-se em recitação privada por causa da excessiva precipitação com que se faz, resultando que ao começar depressa o primeiro, os outros correm seguindo o seu exemplo.

Domingo, 22 de Agosto de 1880.

Da exactidão e da presença de Deus nos exercícios

Sendo os exercícios da tarde uma reprodução dos da manhã, resulta que já estão indicadas as disposições que devemos levar para eles.

Hoje, mais duas observações sobre os exercícios.

1º. Ser exacto neles. A exactidão relaciona-se com a virtude da diligência, virtude sumamente preciosa que pertence, ela mesma, ao grupo da virtude da fortaleza. A exactidão é uma condição para as graças: sustento que se falteis à décima ou vigésima parte do exercício, perdeis metade das graças que neles vos estão destinadas. Ainda que Nosso Senhor não se porte como os homens, segundo as impressões, não é menos certo que experimenta uma impressão fastidiosa que não se baseia sobre as aparências mas sobre a própria verdade que descobre no fundo do coração.

A inexactidão faz parte da tibieza e a tibieza, sabei-lo perfeitamente, provoca o enjoo de Nosso Senhor; é, pois, algo parecido o que Jesus sente diante da inexactidão.

Pode-se estranhar que diminua as suas graças por este motivo? Um camareiro que chegasse atrasado cinco minutos perderia certamente metade do favor que tivesse ganho durante uma hora junto do seu príncipe.

Por outro lado a exactidão é sinal de amor. É generosidade mostrada ao divino Mestre obedecer instantaneamente e ir onde Ele quer: Hilares datores diligit Deus (cf. 2 Cor 9, 7): dar-se com prontidão, com alegria, isto atrai a graça e caracteriza o amor. Por isso os Santos, sobretudo os santos noviços, levaram a sua exactidão até ao escrúpulo, entendido em bom sentido; não há uma só vida de S. Luís Gonzaga, de Berchmans, de S. Estanislau que não lembre que chegavam a deixar uma carta meia por escrever, uma palavra meia por pronunciar, para se submeterem ao sinal da regra. Não sei o que se passa no fim do estudo, pois não estou lá, mas há um ponto que já recordei e que foi esquecido; é que o recreio termina ao toque da campainha: já não há três minutos para falar mas para tomar as suas pequenas precauções e para as idas e vindas. Isso observa-se até nos colégios e seminários.

2º. O exercício da presença de Deus. Recordai bem isto: que de todos os avisos que vos posso dar ao longo do ano, este é dos mais importantes: estruturar bem a manhã e observar bem a presença de Deus. Há várias presenças de Deus: os autores espirituais também a chamam união com Deus.

"União" diz mais, mas "presença" é mais utilizada. Por outro lado há a presença para todo o mundo: todo o mundo está na presença de Deus; o demónio e os próprios condenados e nós

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CF IV

também participamos eternamente nela; mas nós falamos aqui da presença de união por meio do pensamento ou da imaginação dirigidos para o seu Deus.

Há uma presença que é sobretudo descanso aos pés de Nosso Senhor, como Madalena em Betânia: a alma, suspendendo as suas operações, queda-se para aos pés de Jesus, contenta em considerá-lo sob o aspecto que se lhe representou.

Há a presença mais activa que produz actos diferentes, conforme os seus diferentes exercícios e os diferentes pensamentos que se apresentam a ela, mas sempre aos pés de Jesus tal como se apresentou a alguém.

Alguns representam-no a si mesmos imaginativamente colocando-se diante do seu divino ser.

Para vós todos em geral, a presença de Deus que vos aconselho é a que consiste em representar-se a sua humanidade numa circunstância, que podeis escolher livremente três vezes por dia: de manhã, desde o levantar-se, escolhendo do nascimento até à sua Paixão; ao terminar o exame particular, desde a sua prisão até à sua morte; por volta do Angelus da tarde, durante a sua agonia no Getsémani.

A grande, imensa vantagem desta presença de Deus, tão apreciada por todos os mestres da vida espiritual, tão essencial para a perfeição, é poder cair sempre de pé diante de qualquer imprevisto que aconteça: imediatamente nos colocamos diante de Jesus ao menor alerta. Exorto-vos também muitíssimo a praticá-la continuamente em tudo, a ter presente a Deus em tudo, nos vossos confrades, nos acontecimentos, nos vossos superiores em que não está, é certo, por meio de uma presença substancial mas por meio de uma presença de representação com muita mais certeza do que podeis pensar. Acostumai-vos a vê-Lo em tudo.

Há certamente uma ocasião em que esta presença ordinária de Deus não é suficiente: é quando alguém se sente repentinamente arrebatado por uma paixão. As paixões produzem como que em arrastamento e para aquele que as observa na sua alma, há um fenómeno fisiológico muito curioso e digno de estudo. Que fazer quando alguém a sente embravecer-se assim? É como um rio que chega impetuoso e que vai arrasar a casa que encontra na sua passagem. Pode contê-lo com a construção de um sólido e elevado dique ou uma imensa represa que receba as suas águas, mas isto exigiria não pouco tempo; um meio mais expedito é escavar um pequeno canal que o faça desaguar lateralmente e assim todo o ímpeto se veria desviado. O mesmo acontece com a paixão: se buscais motivos para combatê-la de frente, se não vos apoiardes senão na vossa comum presença de Deus, não conseguireis travar o seu ímpeto; há que mudar o seu objecto, e deixar-lhe o seu ímpeto; encontrastes desse modo uma ocasião de grande mérito e pregastes uma boa partida ao demónio que, por sua parte, tem frequentemente muito a ver com o surgir da paixão.

Temos como exemplo a paixão do amor: por qualquer motivo dirige-se para um objecto proibido; deixai-lhe a sua fogosidade mas dirigi-a para Nosso Senhor a Quem tendes mil motivos para amar. O mesmo com o ódio que gera a aversão, a audácia ou a tristeza; dai-lhe como alimento tal ou tal circunstância da vossa vida em que mais ofendestes a Deus e que muito frequentemente tendes lamentado amargamente por consideração a Nosso Senhor.

Já não é o momento de tratar por manter-se sereno, é o momento do combate: guerreemos e não batamos nos nossos amigos mas nos nossos inimigos; esta táctica é o resumo do "combate espiritual" que S. Francisco de Sales praticava sempre consigo e que, apesar destes conselhos bélicos, não lhe impediu proporcionalmente esse carácter cheio de doçura que nele admiramos4.

4 "Combate espiritual" na literatura espiritual é uma expressão que serve frequentemente para designar o esforço humano que deve acompanhar a graça e permitir a vida moral, o reino interior da caridade, a união com Deus. S. Paulo já usou esta comparação em várias ocasiões (cf. 2 Tim 2, 5). Nos tempos modernos a expressão foi divulgado por um livrinho italiano: Il Combattimento spiritule, aparecido em 1589, de que S. Francisco de Sales fez um grande elogio. O seu autor parece ser o Pe. Lourenço Scupoli (1530?-1610).

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Domingo, 29 de Agosto de 1880.

Da intenção nos actos

À prática geral da presença de Deus que consiste em representar a si mesmo Jesus numa das suas actividades ou palavras, devemos acrescentar outra importante, a da direcção ou intenção dos nossos actos. Outrora dir-se-ia "direcção", hoje emprega-se mais "intenção".

Esta prática capital foi-nos ensinada pelo próprio Nosso Senhor e a Escritura dá-nos muitos exemplos.

No momento de iniciar a Redenção, formulou a sua intenção: Tunc dixi: ecce venio... ut faciam... (Heb 10, 7), e com toda a certeza a renovou antes de cada um dos seus actos.

O Evangelho recorda com bastante frequência esta renovação que Ele fez e a Igreja nos autoriza a acreditar pela oração que precede a reza do Ofício divino: In unione illius divinae intentionis qua ipse in terris laudes Deo persolvisti.

Também nós devemos ter uma intenção, devemos oferecer em primeiro lugar o começo de cada dia. Já vimos que há duas coisas muito simples a fazer desde o acto de nos levantarmos:

1º Colocar-nos na presença de Deus, quer dizer, representa-lo a nós mesmos numa atitude ou palavra de livre escolha mas que deveríamos determinar se esta liberdade conduzisse à inacção, e renovar esta representação no começo de cada acto principal e cem vezes ao dia.

2º Lançar um olhar sobre a virtude semanal, olhar que é mais um exame de previsão que uma reparação e que consiste em dizer a si mesmo: eu procurarei praticar hoje esta virtude em tal e tal ocasião. Depois destas duas coisas pode-se dirigir a nossa intenção e desenvolvê-la. Nosso Senhor não se contentou em dizer: Ecce venio, nem sequer: Ecce venio... ut faciam, Deus, voluntatem tuam (Heb 10, 7), mas expressou os quatro fins do sacrifício, fins que por outro lado estavam tão nitidamente figurados nos diferentes sacrifícios da antiga lei em previsão do holocausto perfeito que Ele mesmo havia de realizar.

O desenvolvimento desta intenção geral do dia pode fazer-se também na meditação ou durante a santa missa cujos fins são os mesmos e em que a oferenda, a intenção ou a direcção têm tão amplo lugar e isto pode ajudar nestes exercícios aos que se vêem incapazes de ocupar-se disso fora dos mesmos.

Também nos podemos servir para o desenvolvimento desta intenção da oração que se recita antes de Matinas e está-se de agradar a Nosso Senhor. Quanto ao resto, para esta intenção basta um duplo olhar sobre Deus:

Ele é perfeito, logo digno de louvor,É bom, é preciso amá-lo por gratidão,É ofendido, é preciso reparar,É misericordioso, é preciso pedir-lhe.Logo, sobre nós mesmos: miseráveis como somos, não temos direito senão à humilhação,

ao aniquilamento, ao desprezo e ao ódio.Aí tendes a razão por que temos de oferecer.Mas, como? Em união com o Sagrado Coração de Jesus, engastar o nosso dia como

uma pedrinha no ouro dos méritos de Nosso Senhor; isso é o principal, mas há que não descuidar o secundário e unir-se também ao Coração de Maria, a todos os santos da Igreja triunfante ou militante; é, pois, um acto de comunhão dos santos que dá ao nosso dia todo o seu valor.

Esta oferenda formula-se, mas insuficientemente, na oração da manhã, em que a oferecemos ao Coração de Jesus e à Santíssima Virgem. Não nos esqueçamos, depois de a ter oferecido a Jesus, de oferecê-la à Santíssima Virgem com um sentimento de filial respeito e honra.

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Em resumo, devemos oferecer o nosso dia em união com Jesus, Maria e todos os santos e as almas consagradas para louvor, acção de graças, reparação e petição, e como um acto de desprezo e aversão a nós mesmos.

Mas à intenção geral há que acrescentar a intenção particular, a intenção antes de cada acto, e não basta renovar antes de cada acto a presença de Deus. Vimos quais eram as virtudes a praticar em cada um dos nossos actos, que a nossa intenção antes de cada acto seja a de nos recordar a prática destas virtudes e que consista em pedir essa graça, por exemplo ao comer: "Meu Deus, vou comer, os meus pecados mereceram-me muito outra coisa; apesar de tudo, a Tua Providência quer generosamente oferecê-la a mim; concede-me alimentar o meu espírito e praticar a caridade e a mortificação".

O mesmo no que se refere aos outros actos como o recreio e o sono, que podem proporcionar ocasião de pecados.

Isto não exige muito tempo: enquanto se vai para a cadeira ou se passa de um lugar para outro pode-se fazer muito bem.

Durante os 9 dias que precedem a Festa da Natividade (da Santíssima Virgem) vamos fazer uma novena por uma tripla intenção:

1º Para reparar todas as nossas faltas destes últimos tempos.2º Para contrapor um pouco de reparação a superabundância de ofensas que o

relaxamento das vocações provoca por todo o lado, inclusivamente entre as almas consagradas.3º Para obter da Santíssima Virgem um aumento da nossa confiança filial n´Ela.No exercício das 3 horas recitar-se-ão os salmos penitenciais e as ladainhas dos santos.

Há nesta prática uma eficácia real de que os que são tentados poderiam fazer a miúdo uma experiência útil se a usassem.

Podeis pedir para fazer também alguma mortificação corporal.

Domingo, 5 de Setembro de 1880

Necessidade reconhecida da reparação pelos sacerdotes

Para nos convencermos mais uma vez de que o Espírito que sopra aqui é o mesmo que inspira a Igreja, leiamos algumas páginas dos "Estudos Eclesiásticos". Estas páginas, colocados como um exórdio solene nas primeiras páginas do último número, foram escritas em Paray-le-Monial no regresso de uma peregrinação a Roma.

"Um cataclismo universal está prestes a transtornar a sociedade; não reconhecê-lo seria dar provas de optimismo cego. Os horrores da Comuna vão renovar-se um dia ou outro em escala muito mais vasta. A Igreja não perecerá, pois tem as promessas de Jesus Cristo, mas muitas almas podem perder-se para a eternidade. É preciso que a justiça divina receba satisfação ou por açoites que ela imponha ou pela expiação e pela penitência voluntárias por parte dos homens. Sacerdotes do Senhor, vós sois aqueles que têm nas mãos a Salvação da sociedade em perigo... a oferenda da Hóstia santa, essa é a expiação soberana... é a santa Missa que conserva o mundo... Como será possível que pela oferenda multiplicada e ininterrupta da Hóstia de propiciação não se apazigúe suficientemente a cólera de Deus? Talvez o santo Sacrifício não seja suficientemente oferecido especialmente com a intenção de expiar e de reparar, e por outro lado não seja sempre e em toda a parte acompanhado por disposições suficientemente perfeitas por parte do próprio sacerdote que a partir desse mesmo instante provoca uma nova maldição.

Conviria, pois, em primeiro lugar multiplicar as missas reparadoras... logo seria desejável que se dispusesse a celebrar estas missas reparadoras com uma revisão séria de si mesmo... nela examinaria o sacrifício especial que Jesus Cristo pede rigorosamente ou deseja simplesmente... para o unir mais estreitamente ao S. Coração no santo altar...

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É que, de facto, ... o sacerdote deve ser mediador e vítima com Jesus Cristo... ele deve, pela sua imolação pessoal e pelos seus sacrifícios diários, completar particularmente o que falta à Paixão do Salvador.

A Providência..., no seu curso ordinário, açoita... o povo culpado onde faltem os Moisés para rezar na montanha ou quando, cedendo ao cansaço, deixam cair os braços em vez de os ter constantemente levantados... pela generosidade perseverante do sacrifício.

Os Moisés da nova Lei, os sacerdotes dos nossos dias, parece, pois, que deixam a desejar, já que a cólera do Senhor está prestes a transbordar...

É o que nos dá a entender a voz divina ao falar em nossos dias umas vezes pelo órgão misterioso de muitas almas privilegiadas, unânimes todas elas quanto a este tema; outras vezes solenemente pelas queixas expressas pela Santíssima Virgem chorando em La Salette; e, finalmente, de modo mais autêntico e abertamente por meio do venerado Chefe da Igreja. Pio IX não parou, sobretudo nos últimos anos, do seu Pontificado, de despertar a atenção particularmente para a tribo sacerdotal. O seu digno sucessor, Leão XIII, na sua alocução de 14 de Dezembro de 1879, insistiu principalmente sobre este ponto capital...

Segue-se, daqui, que todo o sacerdote está sempre obrigado, em razão do seu estado, a dedicar-se incessantemente ao trabalho da sua santificação pessoal; as circunstâncias críticas do momento obrigam-no a isso de modo mais estrito e forte e pedem-lhe um esforço mais que comum de generosidade e entrega.

Além disso, esta generosidade e esta entrega deverão inclusivamente elevar-se até ao heroísmo do mártir, muito provavelmente, num futuro próximo, pelo menos em certos países (França e Itália). Por conseguinte, será bom estar prontos e, com a ajuda da graça, aceitar antecipadamente o sacrifício com disposições apropriadas para o tornar abundantemente meritório diante de Deus e para a Igreja.

O sacerdote deve dizer-se: Bonus pastor animam suam dat (Jo 10, 11) e também: Sine sanguinis efusione non fit remissio... (Heb 9, 22).

Ainda que não tivesse de ser uma das vítimas marcadas nos eternos decretos, não seria menor o mérito precioso do seu sacrifício e da expiação diante de Deus, que coroa a disposição sincera do coração, a aceitação antecipada da imolação sangrenta do mesmo modo que a sua realização real.

Se estas belas disposições se encontrassem milagrosamente na alma de cada sacerdote da Igreja católica neste momento no grau de perfeição que se verifica em todos no concernente à fé e à união de crenças com o soberano pontífice, se houvesse um parecido grau de sacrifício de amor por Nosso Senhor no altar... depressa estaria o céu apaziguado... Que cada um trabalhe na realização deste feliz desiderato. Mais do que nunca, nos nossos dias há graças extraordinárias reservadas nos santos Corações de Jesus e de Maria para os sacerdotes de boa vontade. Almas desconhecidas para o mundo solicitam desde há muito essas graças milagrosas de santificação especial para o clero e os seus sacrifícios e imolações, unidos aos seus suspiros ardentes e às suas incessantes orações, já acumularam tesouros magníficos para esta transformação destinada a reproduzir Curas de Ars e Vicentes de Paulo.

A recomendação para todos está no altar. Oh! Sacerdotes, - diz-lhes Ele -vós, os meus amigos, vós, meus cooperadores eleitos, sitio: tenho sede da honra do meu Pai... sede da felicidade das almas; apressai-vos a mitigar um pouco a minha sede devoradora, vertendo no cálice que vos confio as lágrimas da vossa expiação e das vossas santas reparações... Rezai, humilhai-vos, imolai-vos!".

A esta leitura o Padre João acrescentou alguns comentários para indicar a surpreendente semelhança da nossa obra com estas aspirações. Estes Moisés, - disse - somos nós mais do que os outros, pois também são precisos Josués na planície e quando falou do provável martírio, o Padre João expressa um Deo gratias que demonstra bem os seus desejos. Convida-nos a demonstrar esta boa vontade à qual os Corações de Jesus e de Maria reservam as graças extraordinárias conquistadas por almas desconhecidas: é um bem para nós que as almas lá em

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cima ofereçam diariamente imolações. Quantas graças, se a nossa tibieza não lhes puser obstáculo!

Nesta aspirações resume-se toda a nossa vocação. Consagrar por um voto formal, esta maneira de reparar pela santa missa e pelo espírito de imolação, comunicado a cada um dos nossos actos.

Daí a nossa vocação: abandono total, resignação absoluta, renúncia contínua a nós mesmos nas mãos de Deus. É assim que devemos responder para adquiri essas graças5.

Sexta-feira, 1 de Outubro de 1880

Tendo faltado esta manhã o Padre encarregado do retiro dos professores, o P. João começou, ele mesmo e aqui, algumas reflexões que sugeriu na meditação6.

"Vimos na meditação fundamental o fim do homem: amar e servir a Deus; esta é uma verdade que não se demonstra. Santo Inácio considera logo as outras coisas fora do homem como meios para chegar ao seu fim: estas criaturas são não só as coisas da natureza, o céu e a terra, mas também os acontecimentos, sejam quais forem, que nos acontecem por sua permissão expressa e pela sua própria vontade no que têm de positivos; Ego creans malum... creans tenebras (Is 45, 7), disse ele nos livros sapienciais e frequentemente se declara nas Sagradas Escrituras como autor dos males que afligem os indivíduos ou as nações7.

Estas criaturas são, portanto, um meio para ir até Deus. Aqui começa o nosso exame: temo-las visto assim?

I - As criaturas repetem-nos o poder de Deus, a sua bondade no-las proporciona, a sua formosura cujos fulgores reflectem. É essa a imagem que em nós formámos delas?

II - As criaturas satisfazem as nossas necessidades como os alimentos, o vestuário; a nossa utilidade ou, por fim, um prazer razoável e legítimo; é a segunda maneira de usar as criaturas; este uso não degenerou em intemperança? Privámo-nos das ocasiões de cair?

III - O terceiro uso das criaturas mais relacionado com a condição actual do homem é a privação das criaturas, a mortificação que procura a expiação e a reparação; é o melhor uso que se possa fazer.

Terça-feira, 5 de Outubro de 1880.

Hoje, as circunstâncias indicam-nos o tema a meditar: a próxima separação convida-nos a que estreitemos a união. Nosso Senhor jamais falou da caridade e da união a não ser na véspera da dispersão. É mesmo como que a clausura do ano para um certo número que entraram por esta época.

Comentário do capítulo 5º do terceiro livro da Imitação.

5 Passaram 25 dias sem conferências aos noviços. A conferência seguinte tem a data de 1 de Outubro de 1880. Recordemos que o Pe. Dehon fez os seus exercícios espirituais junto dos Padres Jesuítas de Notre-Dame de Liesse (cf. NHV XIV, 71).6 São os exercícios espirituais para os professores do Colégio S. João, no começo do ano escolar.7 Trata-se evidentemente da vontade permissiva de Deus.

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SEGUNDO ANO

Segunda feira, 11 de Outubro de 1880

Depois de ter tratado das paixões, das virtudes e dos vícios, falaremos dos votos; acrescentaremos à conferência de sexta-feira o exercício da modéstia, também chamado "capítulo" nas grandes Ordens antigas e também "culpa". Isso quanto ao nome.

A natureza deste exercício consiste na acusação das faltas externas de cada um contra a regra. Esta acusação pode-se fazer pessoalmente ou reciprocamente. A segunda maneira, adoptada também pela Companhia de Jesus, será a nossa, mas só serão objecto desta acusação recíproca os noviços. É uma provação séria e a que não resistem os que entraram em religião com objectivos humanos e mundanos.

O primeiro voto é o de pobreza.Põe-se em primeiro por causa da predilecção particular que Nosso Senhor teve pela

pobreza; Nosso Senhor também a assinala como o princípio da perfeição: Si vis perfectus esse, vade, vende omnia quae habes... (Mat 19, 21); depois porque é a pobreza, isto é a renúncia aos bens externos o que primeiro choca o novo noviço; é pela pobreza que se deve começar ao entrar.

A razão primordial para abraçar a pobreza é o exemplo de Nosso Senhor: Ele fê-lo, logo está bem. Assim deve pensar todo o cristão e sobretudo o Oblato que se apressa seguindo os passos de Jesus. O exemplo de Jesus é muito surpreendente: no presépio, no Egipto, na sua vida pública quando não tem onde repousar a cabeça, e enfim e sobretudo na cruz, onde morre despojado de tudo.

Porque amou assim Nosso Senhor a pobreza? Isto é, qual é a razão última para abraçá-la? É porque viu nela a nossa salvaguarda e uma reparação: instruiu-nos com o seu exemplo para nos fazer aceitar esta salvaguarda de que não precisava; mas aproveitou divinamente esta qualidade que ela tem de reparar. Os homens tinham-se perdido em grande número por causa do apego aos bens externos; Ele quis despojar-Se dele para expiar as faltas que este apego tinha feito cometer: quis, sobretudo, comprometer-nos a expiar com Ele, por meio de um desapego voluntário, o apego culpável de tantos nossos irmãos: do mesmo modo tem tantos louvores para os pobres quantas ameaças para a riqueza: Vae vobis divitibus (Lc 6, 24), e quando levanta uma ponta do véu que cobre o inferno, é para pôr em cena o rico malvado. A pobreza é, pois, reparadora mas também preservadora.

As riquezas aprisionam a liberdade por causa das preocupações e dos embaraços que ocasionam àqueles que as possuem. S. Paulo sublinha-o como sublinha também que a esposa é menos livre do que a virgem para pensar em Deus e nas coisas de Deus, e, de facto, o rico não se preocupa mais do que com os meios para conservar e sobretudo aumentar a sua fortuna. O pobre não tem nenhum desses quebra-cabeças e não está nada amarrado.

A riqueza excita a cobiça ou desejo de possuir. Este desejo de possuir é bom em si mesmo; só o objecto é mau no rico que acumula tesouros. Por outro lado, os ricos dividem-se em duas classes: os ricos que acumulam para gozar e os que acumulam por avareza. Estes dois vícios, a sensualidade e a avareza, mas sobretudo a primeira, enchem o inferno de ricos. O pobre tem na sua pobreza uma salvaguarda omnipotente: é um perigo a menos para cair no inferno.

Para os oblatos a pobreza tem um atractivo muito particular: abraçam-na não só porque Nosso Senhor a prefere, mas também sobretudo para reparar as ofensas que a riqueza fez cometer. É um facto verificado na história que a relaxação e a desordem da maioria dos conventos no momento de uma revolução provinham das suas grandes riquezas; com as riquezas vieram os apegos, as comodidades, a tibieza e, finalmente, a ruína. Se, pois, queremos reparar essas faltas, é por meio da pobreza que podemos consolar a Nosso Senhor das amarguras que lhe

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proporcionou a riqueza; e como foi nisso que mais foi ofendido e foi por isso que mais almas se perderam, é também nisso que mais devemos sobressair na reparação.

Quarta-feira, 13 de Outubro de 1880

Necessidade da pobreza para uma comunidade

Nosso Senhor estabeleceu-o perfeitamente por meio de uma comparação: Se alguém quiser construir uma torre, - diz -, primeiro calcula os gastos da obra para não cair na vergonha de ter que a suspender.

Um rei que quer ir fazer guerra contra um vizinho calcula se não lhe é inferior em forças... (cf. Lc 14, 28-32).

À primeira vista pareceria que não se trata nada da pobreza, pois se trata de procurar riquezas para uma guerra ou para uma construção; mas, apesar de tudo, é dela que se trata: Ele acaba de falar das condições para a vida perfeita, o ódio a tudo o que não seja Ele e a necessidade de tomar a própria cruz.

Então faz estas duas comparações e conclui: Sic ergo...1 com duas palavras que atestam a ligação do que acabou de dizer com o que diz a seguir: assim, pois, se não sois pobres não podeis pensar na vida religiosa que é a vida de perfeição em que O seguimos como discípulos.

Para construir o edifício da perfeição precisais de ter como fundamento o vazio, ao contrário das construções materiais; para fazer a guerra às paixões, ao mundo e ao demónio, há que estar desapegados de tudo.

Sábado, 30 de Outubro de 1880

( não há apontamentos )

Segunda-feira, 1 de Novembro de 1880

Profissão do P. José2

Alleluia! Credidi propter quod locutus sum (Sl 115, 10)

Acreditei na minha miséria, tive fé na misericórdia de Deus, e por isso falei não com simples palavras mas também com promessas, com votos.

Credidi, esta palavra significa fé e confiança: Dixi in excessu meo: omnis homo mendax (Sl 115, 11).

Vi a miséria dos meus irmãos pelo mundo, dos meus irmãos que me estão mais intimamente unidos por uma consagração e disse ao ver a sua miséria: todo o homem é mentiroso; eu também fui humilhado e por isso creio e falo; humilhado por faltas e quedas numerosas e repito: todo o homem é mentiroso e pecador.

1 Sic ergo omnis ex vobis, qui non renuntiat omnibus quae possidet, non potest meus esse discipulus (Lc 14, 33).2 O P. José Maria Paris, no século Eugénio, nascido em Buironfosse (Aisne) a 24-1-1858, entrou no Oblatos a 4-10-1878. Assim anota o P. Dehon no Registo dos votos (p. 1). Nas "Memórias", por erro, escreve: O P. José (Paris) e o P. Estanislau (Falleur) vieram em Outubro de 1879, quando foi inaugurado o curso (NHV XIII, 151). Fez a sua profissão a 1-11-1880, foi ordenado sacerdote em Soissons a 17-12-1881. Foi conselheiro geral (1893-1896), secretário geral (1902-1903), superior da casa de Quévy (Bélgica) de 1913 a 1920. Morreu em Neussargues (França) a 13-1-1941.

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Tive confiança porque ao lado da grandeza de Deus que a minha miséria ofendeu, vi a sua misericórdia; acreditei na sua bondade e diante dos seus benefícios, à vista dessa bondade que por tanto tempo suportou a minha miséria, disse: Quid retribuam? Farei ao Senhor um sacrifício: Calicem salutaris accipiam (Sl 115, 12-13): o sacrifício do holocausto figurado por aquele que se fazia com o cálice no pórtico do templo: In atriis domus Domini (Sl 115, 19), e este holocausto vou fazê-lo emitindo os meus votos: Vota mea... reddam (Sl 115, 18); admirai esta expressão: reddam. O profeta sabe muito bem que tudo é de Deus, não diz: darei mas devolverei: devolverei a Deus pelos votos aquilo que me deu: o meu entendimento, a minha vontade pela obediência, a faculdade de gozar pela castidade, os bens exteriores ou pelo menos a facilidade de dispor do pouco que eu tinha, pela pobreza. Devolverei tudo isso ao Senhor pelo sacrifício do holocausto: essa é uma morte preciosa e santa, pois todo o sacrifício, toda a imolação é uma morte ou parcial ou total: Pretiosa in conspectu Domini mors sanctorum (Sl 115, 15).

E tu, que vais fazer este sacrifício, oh!, diz depois disto: O Domine, quia ego servus tuus... et filius ancillae tuae... (Sl 115, 16): sim, Senhor, sou teu servo ligado e preso pelos meus votos, escravo do teu amor, e como o profeta, repito-o para melhor o afirmar; e o filho da tua serva, quer dizer, que esta graça de ser teu foi para mim preparada por almas santas que a pediram ao Senhor para mim, e que se entregaram com este fim: Ego filius ancillae.

E nós também, digamos todos o mesmo: Sacrificabo hostiam laudis (Sl 115, 17): nós devolveremos ao Senhor os votos do coração, como eles faremos votos formais, e como o Senhor não se arrepende dos seus dons, oxalá também não nos arrependamos dos nossos.

Quarta-feira, 10 de Novembro de 1880

Na passada sexta-feira não houve conferência (exposição), nem na segunda-feira (viagem do P. João a St. Médard)3.

Lemos as cinco obrigações do voto de pobreza: não dar nada... Mas tudo isso é comum a todas as Congregações que têm este voto.

Para nós há algo mais e esse será o tema desta conferência e das duas seguintes.O nosso quarto voto exerce influência sobre o de pobreza e sobre o de obediência, não

sobre o de castidade que deve ser sempre absoluto, quer dizer, interno e externo.Para entender bem o que o nosso espírito de vítima acrescenta aos nossos outros votos, é

preciso distinguir três coisas: o voto, a virtude e a perfeição, isto é, o que é aconselhável para a prática excelente da virtude.

Quanto ao voto, acabámos de vê-lo, as suas obrigações não comprometem mais do que a algo de exterior de tal modo que se pode estar interiormente apegado a tudo e não faltar ao voto, se se observar todas as obrigações4.

A virtude exige as disposições interiores: a virtude da pobreza não se contenta com o despojamento efectivo ou exterior mas pede o despojamento afectivo ou interior.

Ela consiste sobretudo em três coisas: não ter saudade do que se deixou, não apegar-se aos bens que se tem para uso próprio, não desejar o que não se tem para uso próprio; estas três disposições interiores são rigorosamente para nós em consequência do nosso quarto voto e faltar-se-ia aos próprios votos infringindo-as.

Depois disto vem o que é de conselho para a perfeição da virtude: há graus:1º desejar, procurar o que é pobre - como escritório, vestuário, etc.; por exemplo, os

nossos irmãos de St. Médard têm serviço penoso e humilde; ao aceitá-lo não fazem mais do que

3 A pedido de Mons. Thibaudier, o P. Dehon tinha enviado a St. Médard três dos seus religiosos : Lamour, Philippot e Falleur. Era um instituto para surdos-mudos (cf. NHV XIV, 63-64).4 Trata-se de um conceito jurídico dos votos religiosos, muito restritivo e completamente antiquado, sobretudo se se consideram os votos religiosos como dom de amor e como entrega total de amor por parte do homem.

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cumprir o voto de pobreza; não estar nele e desejar estar nele por nenhuma outra razão senão por ser pobre e humilhante, seria a perfeição.

2º grau, o mais elevado: alegrar-se com a falta do necessário e isto pode acontecer. Nosso Senhor talvez nos reserva essa provação; talvez alguns Padres se vejam obrigados a pedir esmola; as nossas irmãs fazem-no. Isto é tão próprio do espírito de vítima e da Ordem Franciscana que eu ficaria mais admirado se isso não viesse a acontecer.

Ir e pedir esmola como S. José no Egipto e alegrar-se por isso seria o cúmulo da perfeição.

(O Padre João conta em seguida alguns pormenores da sua viagem a St. Médard).

Sexta-feira, 12 de Novembro de 1880

Obrigação especial dos Oblatos quanto à pobreza

O quarto voto de vítima, além das suas obrigações particulares, acrescenta algo aos outros votos, mas não ao de castidade, que é completo em todo o lado, isto é, abarca o interior e o exterior...

O voto de pobreza é como que um meio para chegar à perfeição da pobreza, mas o nosso voto de vítima inclui neste voto a própria virtude da pobreza com as suas três partes: não ter saudades, nem reter, nem desejar os bens usados pela comunidade ou renunciados: isto seria como que voltar a apropriar-se do seu sacrifício, do seu holocausto no próprio altar: ter saudade, apegar-se ou desejar; pecar-se-ia não contra o voto de pobreza mas contra o voto de vítima.

Estes três pontos: nostalgias, apegos, desejos, que são algo interior, estão, pois, incluídos no voto e a nossa é uma obrigação especial. Existe a perfeição deste voto, o que senão aconselhado: 1º desejar, escolher o que é mínimo como tarefa, vestuário, etc.; 2º privar-se do necessário uma que outra vez, mas com autorização, e alegrar-se quando vier a faltar o necessário.

Esta conferência é o resumo da anterior, segundo o Padre João e insistiu sobre isso para gravar mais esta obrigação especial em nós.

Depois do Sub tuum acrescenta: oferecemos as nossas felicitações no Coração de Jesus ao P. Estanislau Falleur cujo patrono festejamos amanhã. Todos rezarão amanhã pelas suas intenções.

Segunda-feira, 15 de Novembro de 1880

Santa Gertrudes

Afastemo-nos hoje do curso normal das nossas conferências para nos ocuparmos de um tema de circunstância e tomemos Santa Gertrudes como objecto da exortação de hoje.

Ela tem perfeito direito às nossas homenagens, pois foi o arauto da devoção ao S. Coração: falou dela antes dos outros instrumentos escolhidos por Deus para difundir o culto do seu Coração.

Tendo entrado ainda menina, como a Santíssima Virgem, no templo, viveu desde a idade dos cinco anos na abadia de Helfta, um dos grandes mosteiros beneditinos de mulheres que eram como que uma universidade feminina onde se ensinavam as Letras; conseguiu um saber e dominava perfeitamente as Humanidades. As suas obras revelam-nos que se expressava muito bem em latim.

Era da família de Santa Matilde e tal como ela e como Santa Hildegarda trouxe à Ordem de S. Bento a glória de ter produzido o que há de mais prodigioso e profundo como efusão da

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graça numa criatura e de ter chegado muito longe no misticismo sobrenatural. Pode conhecer-se Santa Gertrudes pelo seu carácter especial e pelas suas principais devoções.

Foi a Santa do louvor: louvou a Deus como um anjo; possuía além disso uma grande pureza e isto proporcionava-lhe uma familiaridade íntima com Nosso Senhor. Como S. João ia ela própria a Nosso Senhor e se reclinava sobre o seu peito, gozou também ela deste favor, e também desta graça outorgada somente a algumas almas: trocar o seu coração pelo do seu Esposo celeste de tal sorte que amava a Deus com o Coração de Jesus de que se servia como do seu. Louvava a Deus porque O amava; todas as suas orações respiram este amor do Coração de Jesus e do seu amor. É nosso modelo na vida de amor ao Coração de Jesus por este terno amor que a consumia; é também modelo na nossa vida de imolação, pois Jesus a fez passar pelos sofrimentos e pela doença.

Ele deve ser também neste dia particularmente benevolente para com esta Ordem do Sagrado Coração a que tanto amou e que deve como ela honrar este divino Coração, sobretudo pela vida interior, e isso reserva-nos graças especiais.

Depois da devoção ao Coração de Jesus, que a torna nosso modelo, vem a sua devoção a Maria. Não é estranho: quem ama o divino Coração, ama a sua Mãe, pois a sua Mãe vive no seu Coração e o seu Coração vive na sua Mãe. A santa conversou muitas vezes com Ela. Depois é S. João, o apóstolo do Sagrado Coração, que atrai as suas homenagens; em seguida, S. Bento, o patriarca da sua Ordem: a sua devoção para com ele era grande, quis honrá-lo mesmo hoje, dando-nos neste dia um Padre Bento e em breve um Padre Gregório5, em honra de S. Gregório o Grande, também da sua Ordem e restaurador da nossa liturgia. Santo Agostinho, considerado o apóstolo do amor na Igreja, recebia também especiais homenagens da sua parte; por fim, Santa Madalena era uma das suas Santas preferidas.

Devemos a Santa Gertrudes uma grande gratidão por nos ter dado nela um modelo da devoção ao Sagrado Coração; além disso, pelos benefícios de hoje.

Deus prometeu escutar quem Lhe pedisse em seu nome; nós estamos particularmente certos de obter sobretudo o que diz respeito à nossa Ordem como vocação, conversão, etc., e também os demais bens espirituais que as nossas relações nos fazem desejar para os outros.

Devemos-lhe ter-nos facilitado a intelecção da devoção ao Sagrado Coração com esse manual das suas orações e que nos ajudou desde a nossa entrada aqui a compreender e saborear esta devoção6.

Demonstremos-lhe a nossa gratidão servindo-nos deste manual mais frequentemente e com mais carinho e peçamos-lhe que nos ajude a responder ao que nos impõe a nossa vocação nesta Ordem do Coração de Jesus.

Quarta-feira, 17 de Novembro de 1880

Deixemos também hoje as nossas conferências sobre a pobreza, porque a conveniência nos impõe o dever de nos determos noutro tema: o nosso novo costume de celebrarmos a missa votiva do Sagrado Coração nos dias semi-duplos e a da Santíssima Virgem se o semi-duplo cai ao sábado (este costume, disse o Padre João na última conferência, foi determinado pelo próprio Nosso Senhor que acrescentou inclusivamente que isso se poderia ter adivinhado pelas suas revelações anteriores).

Hoje, que começámos a dizer essa missa votiva, é conveniente tratarmos dela. Por outro lado, uma vez que Nosso Senhor o quer, devemos dar nela graças especiais para aproveitarmos dela e entrar totalmente no espírito das palavras da liturgia e um dos seus meios comuns é servir-

5 Não sabemos quem são.6 São as Preces Gertrudianae, recolhidas em duas obras que nos deixou Santa Gertrudes: Exercitia spiritualia septem, que se interna na vida da alma de Gertrudes e que revela os ímpetos amorosos do seu coração sob a acção de Deus e o Legatus divinae pietatis, que é a sua autobiografia espiritual e também o seu testamento espiritual.

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se do Padre como intermediário para com os filhos. Enfim, como não devemos formar senão um só coração e uma só alma, o que se diz dos cristãos, e mais ainda dos sacerdotes e de modo muito especial dos sacerdotes Oblatos. Meditando em comum as palavras da liturgia é como se tivéssemos todos os mesmo sentimentos sobre este ponto.

Nestas palavras encontramos o que Jesus nos mostra e o que devemos oferecer-Lhe.1º Jesus apresenta-se como em Paray: Eis o Coração que tanto amou os homens:

Miserebitur secundum multitudinem miserationum suarum (Lm 3, 32): Cum dilexisset suos, usque in finem dilexit eos (Jo 13, 1). O seu amor infinito: multitudinem; in finem: bonus est Dominus (Lm 3, 25). É a primeira coisa que nos apresenta.

Em segundo lugar a sua dor: e que não recebe da maior parte senão indiferenças e ingratidões.

Attendite si est dolor sicut dolor meus (Lm 1, 12): Non humiliavit ex corde suo (Lm 3, 33): não rebaixou no seu Coração os homens por causa das suas ofensas mas sofreu-as.

Depois da sua dor (opprobium hominum; vermis et non homo; deriserunt me (Sl 211, 7-8-) o que nos oferece como meditação são as suas virtudes, a sua perfeição: Discite a me quia mitis sum et humilis corde (Mat 11, 29).

O seu amor infinito, a sua dor profunda, a sua perfeição, aí tendes os três grandes rasgos sob os quais se apresenta a nós nas palavras da liturgia: assim se mostrou em Paray-le-Monial.

Mas na mesma liturgia encontramos também o que devemos oferecer a este divino Coração. Em primeiro lugar, um sacrifício de louvor: Misericordias Domini in aeternum cantabo (Sl 88, 2). Celebrar o seu amor, pois a palavra misericordias significa muito bem um Coração compassivo e afectuoso. Exulta et lauda, habitatio Sion (Is 12, 6); o profeta convida aqui Sião, mas esta Sião é também a Igreja, é muito especialmente a nossa pequena comunidade de Oblatos de Jesus. É também dela que deve elevar-se o louvor ao Coração de Jesus: Mementote quoniam excelsum est nomen ejus (Is 12, 4). A epístola está repleta destes sentimentos de louvores. Já o intróito começou a loa: Bonus est Dominus... (Lm 3, 25).

Depois do sacrifício de louvor, o sacrifício de reparação. Nosso Senhor pede-o sobretudo no Gradual: Attendite si est dolor sicut dolor meus (Lm 3, 33); depois, na comunhão: Improperium exspectavit cor meum... sustinui qui simul contristaretur et non fuit (Sl 68, 21).A sua misericórdia é grande: Miserebitur secundum multitudinem misericordiarum suarum (Lm 3, 32), não repeliu os homens: Non abjecit filios hominum (Lm 3, 33), mas a sua dor é imensa, pede para ser consolado... Quid consolaretur et non inveni (Sl 68, 21).

O sacrifício de acção de graças ocupa uma grande parte: no ofertório expressa-se claramente: Benedic animam mea Domino, et noli oblivisci retributiones ejus... qui replet in bonis desiderium tuum (Sl 102, 2-5), todas as graças que Ele concedeu e que são tão numerosas na sua obra.

Já o Gradual tem uma palavra de agradecimento: Bonus est Dominus sperantibus in eum (Lm 3, 25); mas a epístola está cheia dele: Ecce, Deus salvator meus... fortitudo et laus mea Dominus... Cantate Domino quoniam magnifice fecit... exulta quia magnus... (Is 12, 2-6).

Quanto ao sacrifício de oração, expressa-se nas diferentes orações: na que segue ao intróito onde se pedem os frutos do amor do Coração de Jesus; depois na secreta, em que, para chegar a ser vítima, se pede para ser consumido nas chamas do amor divino; finalmente, na oração depois da comunhão onde se solicita as suas virtudes de doçura e humildade para se desapegar do vício e do século.

Aí tendes, pois, o que devemos oferecer ao Coração de Jesus: o quádruplo sacrifício de louvor (de reparação, de acção de graças e de petição). Uns talvez se inclinem mais para o louvor, outros para a reparação, outros para a petição, mas tudo isso não constitui mais do que um único holocausto. Meditemos, pois, nestas palavras pronunciando-as e entendendo-as; Nosso Senhor descobrir-nos-á nelas sempre novas intuições sobre o que encerram.

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Sexta-feira (quinta-feira?) 18 de Novembro de 1880.

Da perfeição da pobreza

Vimos as obrigações do voto de pobreza e as obrigações da virtude da pobreza; estas últimas são para nós obrigações de voto, não de pobreza mas de imolação, que exige uma pobreza interior. Estas obrigações da virtude da pobreza resumem-se a quatro: não ter saudades daquilo a que se renunciou, não apegar-se aquilo que se usa, não procurar possuir aquilo que não se tem para uso próprio, não amar as próprias comodidades.

Depois vem aquilo que é de perfeição, e se aconselha:1º considerar de boa mente que vivemos de esmolas que nos são dadas para a

comunidade;2º considerar que esses bem que usamos são dom de Deus. Fazer com frequência actos

interiores de pobreza deste modo para avançar nesta virtude e perseverar nela na ocasião, pois é então que ela se comprova. Neste momento dizemos a nós mesmos que não estamos apegados a nada, mas quando alguém utiliza objectos do nosso uso, sentimos que nos revoltamos interiormente e que temos ganas de protestar.

Não pavonear-se dos bens que se proporcionam à comunidade, sobretudo com os forasteiros no locutório, onde tantas vocações se perdem ou se debilitam. Posto que já não temos nada, porque pavonear-nos do que já não possuímos? É o mais vão que pode haver na riqueza: a vanglória de possuir.

Domingo, 21 de Novembro de 1880

Tomada de hábito do P. Tadeu7

Quam dilecta tabernacula tua, Domine virtutum... (Sl 83, 2)

Foi esse o pensamento de Maria quando entrou no templo; desejou viver nele; concupiscit et deficit anima mea in atria Domini (Sl 83, 3). Como o pássaro activo encontra uma morada e a rola contemplativa um ninho para os seus filhinhos, assim Maria encontrou ali a sua morada para ai se ocupar no serviço do templo de Deus e rezar nele a esse Deus a que servia.

Ditosos, dizia ela, os que habitam no teu templo: Beati qui habitant in domu tua... (Sl 83, 4), ditoso o homem que ajudais, Tu o hás-de abençoar, ele irá de virtude em virtude por degraus que estabeleces no seu coração. Mais vale um dia nos teus tabernáculos do que mil anos no mundo, mais vale ocupar neles o último lugar do que o primeiro no mundo.

Deus tem tanto amor: Misericordiam diligit (Sl 83, 12), tem um coração tão compassivo que dará ao que habita no seu templo a graça aqui na terra e a glória no céu, a graça de amá-lo e a glória de ver o seu coração cheio de amor no céu.

7 O Pe. Tadeu Maria Captier, no século João Pedro, nasceu em St. Bonnet de Cray (Saône et Loire) a 28-1-1831, entrou como Irmão Cooperador, dedicado ao ensino, nos Missionários do S. Coração de Issoudum. Afectado por uma doença nervosa constitucional, não pôde aceder ao sacerdócio. Com a autorização de Pio IX, foi ordenado sacerdote por Mons. Lynch a 26-2-1874, com 43 anos de idade. A 21-11-1880 entrou nos Oblatos, com quase 50 anos. Fez a sua profissão religiosa a 3-6-1881. Era um homem de grande cultura, mas desequilibrado. Inclinava-se para o "quietismo". Afirmava que ouvia vozes angélicas e fazia-se passar por fundador. O Pe. Dehon descreve-o como um homem muito perigoso, com algumas ideais boas e muitas ilusões. Teve uma parte importante nos acontecimentos que provocaram a supressão dos Oblatos por parte do Santo Ofício. Teve de deixar a Congregação a 11-1-1884. Morreu a 14-12-1900 (cf. RV, 2; VP, pp. 593-601).

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Esses eram os sentimentos de Maria ao entrar no templo e sem dúvida naquele templo não havia mais do que a sombra de Deus, enquanto nós temos o próprio Deus: Habemus altare... (Heb 13, 10).

Nós temos um templo onde os sacerdotes da Antiga Lei carecem de poder, pois é infinitamente superior ao seu templo: Habemus altare de quo edere potestatem non habent sacerdotes (cf. Heb 13, 10). Nós, sacerdotes que servimos este templo como Maria no antigo, não devemos dizer também: Quam dilecta tabernacula tua!? (Sl 83, 2).

Estes são os altares do próprio Deus: Altaria tua, Domine (Sl 83, 4). Ditosos nós por estarmos aqui e oferecer aqui a vítima imaculada, pois seremos abençoados por ele: Benedictionem dabit legislator, para crescer na virtude: Ibunt de virtute in virtutem (Sl 83, 8). É de nós que o salmista dizia tais coisas e era a nossa felicidade que ele cantava.

Mas também o religioso pode dizer: Quam dilecta... pois também ele está na casa do Senhor; nele encontra os seus belos dias, muito superiores aos do mundo: Melior est dies una (Sl 83, 11), e prefere estar sepultado aí no último lugar a estar em qualquer outra parte; nela experimente estes desejos ardentes de amor: Concupiscit et deficit (Sl 83, 3). E se esse religioso é Oblato, tem muitíssima mais razão para dizer: Quam dilecta tabernacula... encontra no templo de Deus um tabernáculo místico onde vive de amor, onde o amor lhe é comunicado, onde oferece o seu amor.

E quando este bendito lugar foi procurado durante anos e desejado com todo o ardor da sua alma, (Concupiscit et deficit...) como o veado sequioso procura a fonte das águas, quando encontra esta Ordem do Sagrado Coração, então repete com o salmista: Cor meum et caro mea exultaverunt in Deum vivum (Sl 83, 3). Sim, o Senhor conduziu-o pela mão, a Providência encaminhou-o gradualmente: Ascensiones in corde suo disposit (Sl 83, 6) e fê-lo por fim desembocar no lugar que o próprio Deus tinha escolhido: In loco quem posuit (Sl 83, 7). Como o pássaro e a rola, encontrou onde habitar, está finalmente contente, ainda que lhe toque o último lugar, compraz-se mais aqui do que nos outros sítios onde viveu8. Sim, repitamo-lo: Misericordiam diligit Deus (Sl 83, 12), Deus é bondoso, Deus está cheio de amor por nós. Ele também nos dará a sua graça aqui na terra para responder à nossa vocação, para O amar, para O consolar, e depois desta vida outorgar-nos-á a glória que possa desejar um Oblato, o de O amar para sempre no céu: Et gloriam dabit Dominus (Sl 83, 12).

Segunda-feira, 22 de Novembro de 1880.

O voto de pobreza obriga-nos à pobreza exterior, pelo voto de imolação estamos obrigados ao desprendimento interior; eis aqui alguns conselhos relativos à perfeição deste desprendimento e que convém por em prática se se quer observar o voto, pois há que apontar para o mais alto para acertarmos no que é justo. Por outro lado, para nós, que queremos consolar o Coração de Jesus, sabemos que a um amigo se consola oferecendo-lhe aquilo de que mais gosta e não o que é imperfeito.

Vimos um primeiro conselho, que é comprazer-se em considerar-se como não possuindo nada mas despojado de tudo e vivendo das esmolas da comunidade: não pavonear-se nem exterior nem interiormente do bem que se proporciona à comunidade.

8 A pregração do Pe. Dehon, preparada a partir do salmo 83, aparece em toda a sua beleza e originalidade, se se tiverem presentes certas circunstâncias relacionadas com a vocação do Pe. Captier. Este sustentava que o santo Cura de Ars lhe tinha predito que um dia chegaria a ser sacerdote e religioso numa Ordem consagrada ao Sagrado Coração (Nos Oblatos do Coração de Jesus?). Era uma profecia que devia ser recebida com extrema precaução da parte de um sujeito neurótico como o Pe. Captier. O Pe. Dehon interroga-se nas suas Memórias (NHV): Porque o recebi? Eu tinha uma confiança muito grande nos pareceres da Irmã Inácio e ela era-lhe favorável... Ele queria saber se a nossa Congregação era precisamente a Ordem do Sagrado Coração com que tinha sonhado. A voz de Nosso Senhor respondeu-lhe com palavras de Nosso Senhor aos enviados de João Baptista: Renuntiate Joanni quid vidistis... O Pe. Captier chamava-se precisamente João Baptista. Era como dizer-lhe que a obra que tinha visto era sem dúvida a obra divina. Veio. Deus permitiu-o... (NHV XIV, 61).

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Outro conselho é despojar-se do que é inútil e fazer, de vez em quando, uma revisão dos objectos do nosso uso para devolver a quem pertençam os que já não são úteis. Os professos podem conservar os livros que usam diária ou semanalmente, e nada mais. Os noviços, nenhum mais além dos que lhe sirvam para o trabalho assinalado para o tempo livre.

S. Luís Gonzaga era fiel a esta revisão de todos os objectos do seu uso.Uma observação sobre os livros de piedade na capela. Antes de mais nada não nos

mostremos ciumentos por causa dos objectos do nosso uso e permitamos que outros possam servir-se deles. Logo não amontoemos livro sobre livro, formando uma biblioteca na capela. Há-de retirar-se o que não serve para os noviços e hão-de arrumar-se os livros de piedade que agora estão na capela e que não se usam diariamente, como por exemplo, os manuais da Hora Santa, que se poderão encontrar aqui se alguém deles precisar às quintas-feiras.

Para sistematizar bem isto, cada um fará uma pequena lista do que tem na capela e entregá-la-á a mim. Não conservará daí em diante mais do que for autorizado. Têm-se ali muitos livros e dizeis: tal livro faz-me muito bem; pelo menos acreditais nisso porque encontrais nele algum prazer espiritual.

Quanto à pobreza no vestuário: deveis tender a duas coisas: a simplicidade e o asseio. A simplicidade que se contenta com vestuário limpo e não rebuscado. S. Paulo contentava-se com viver e vestir-se. Não diz: festins e elegâncias, observa S. Basílio. O requinte, diz S. Crisóstomo, indica que a alma é pobre: quando o corpo vai luxuosamente vestido a alma está pobremente (vestida) e ao contrário. Quanto ao valor dos objectos, não pertence aos noviços determiná-lo; quanto ao número, parece-me que um vestuário pobre para todos os dias e outro mais limpo para os dias de saída ou outros podem ser suficientes. Aquele que tiver mais, deve devolvê-los ao vestuário comum onde o poderá encontrar quando for conveniente.

Quanto ao asseio, a pobreza exige-o, pois a sujidade é filha da riqueza, porque é preguiça. Um desfruta do seu tempo pela manhã; em vez de se levantar, fica-se na cama como os ricos; aí tendes a razão porque alguns se atrevem a apresentar-se na capela de manhã com os sapatos sujos ou com um vestuário manchados de barro na parte inferior.

O asseio do quarto também está a cargo do noviço; deve ser ele mesmo a deitar fora as águas; neste momento já não se faz, por estar o dormitório temporariamente no primeiro andar, mas voltar-se-á a fazer. Deve também varrer ele mesmo o seu quarto. Quando dispusermos de um quarto de arrumações, os noviços poderão ser abastecidos do que é preciso para limpar a sua cela; entretanto podem perfeitamente encontrar uma vassoura em qualquer lugar. Também fazem a sua cama.

É por meio de todas estas práticas, que nos desembaraçamos desses mil costumes de riqueza aprendidos no mundo e contrários ao espírito de pobreza. Não temamos submeter-nos a elas: é por meio delas que merecemos a graça. Pode ser que alguns venham a ter a graça de que lhes falte tudo: é assim que se hão-de preparam para isso. É por meio destas pequenas coisas que se farão merecedores das grandes: Quia super pauca fuisti fidelis, supra multa te constituam (Mat 25, 21-23).

Sejamos-lhes, portanto, fiéis. Sobretudo nos livros: neste momento experimentamos um pouco a pobreza neste aspecto, não temos sala de biblioteca onde se possa trabalhar e que seja uma sala de trabalho para os professos. Tanto melhor, assim poderemos merecer pela pobreza: temos ocasião de fazer isto frequentemente e é o que nos atrai os favores do Coração de Jesus; suportemos esta pobreza.

Quarta-feira, 24 de Novembro de 1880

Perfeição da pobreza

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CF IV

O primeiro conselho para a perfeição da pobreza é fazer frequentemente actos interiores de desprendimento; o segundo é não conservar nada de inútil; o terceiro (é) observar no vestuário a simplicidade e o asseio. O quarto é seguir a vida comum quanto for possível.

Mortificatio mea, vita comunis, dizia S. Luís Gonzaga. Todos os bons religiosos observam esta regra. Os Padres Framzelin e Perrone que o Pe. João conheceu em Roma e que por motivo dos seus grandes trabalhos teriam podido dispensar-se da vida comum, viviam muito pobremente, habitavam numa cela, arrumavam o seu quarto e trabalhavam na biblioteca comum.

Sem dúvida que, em caso de doença, quando a indisposição sai um pouco do comum das pequenas indisposições naturais, deve-se avisar e logo ater-se simplesmente ao que for disposto; deve manifestar-se com simplicidade o que se sente e submeter-se ao regime imposto, por muito contrário que seja ao comum.

Sobretudo nada de fazer valer o bem que se tenha trazido à comunidade para pretender dispensas da vida comum: nem a idade nem a velhice são tampouco razões.

O último conselho é não dispor dos bens provenientes de herança ou doação senão depois de se aconselhar com os superiores ou pessoas competentes e virtuosas. Isso não acontecerá entre nós, já que devemos dispor antes da profissão dos bens adquiridos ou que possamos vir a ter, como antes dos votos solenes, que teremos onde quer que isso seja possível.

Quanto à disposição destes bens, não nos faltarão razões para deixá-los aos parentes; mas é melhor seguir o Evangelho: Da pauperibus (Mc 10, 21). Pois bem, há os pobres forçados, materialmente. Estes jamais serão muito agradecidos e podem viver sustentados por associações caritativas. Há pobres voluntários que rezam pelos seus benfeitores, os pobres religiosos que o mundo esquece facilmente e que não podem dispor dos bens que possuem.

Nós encontramo-nos agora num período de vocações. Nosso Senhor compromete-se a multiplicá-las na medida da nossa generosidade. Por tanto, quanto mais nos imolarmos, sobretudo por meio da fidelidade às pequenas coisas tanto mais hão-de ser suscitadas vocações para nós, tanto mais, por conseguinte, avançaremos e apressaremos a obra querido pelo seu Coração.

Sexta-feira, 26 de Novembro de 1880

Considerações para excitar á prática da pobreza

Depois de termos visto como que o lado material da pobreza, vamos ver algumas considerações mais edificantes do que instrutivas.

Antes de mais, entre as razões para amar a pobreza, estão as motivações de interesse: estas são para todos os cristãos comuns, para nós também quando tivermos perdido a nossa bússola que é o Coração de Jesus e quando nos sentimos fora do nosso caminho particular. Além disso estas motivações são boas porque o próprio Nosso Senhor as aconselha e as dá; mas como em todas as palavras do Senhor há, até nas que incitam a fazer obras por interesse, um sentido particular para nós, pois a palavra divina tem um sentido múltiplo e de uma riqueza considerável.

A primeira motivação que incita à pobreza é: Beati pauperes spiritu, quia ipsorum est regnum caelorum... (Mat 5, 3); (Vos qui reliquistis omnia, centuplum accipietis et vitam aeternam possidebitis) (cf. Mat 19, 29). Há, para todos, o cêntuplo nesta vida por praticar a pobreza. Como? Porque se é mais feliz. A riqueza proporciona preocupações sem número: medo de perder o que se tem; sobretudo preocupação em duplicar, triplicar a própria fortuna; tristeza por ser enganado, amargura por ver os outros triunfar mais; parece que roubam o que conseguem, por mais habilidosos ou com melhores circunstâncias; tristeza e inquietação na morte, quando se separam de todas essas riquezas que tanto procuraram para si e de que apenas se vê a vaidade.

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CF IV

O pobre voluntário não tem esses desejos: não anela aumentar nem está desejoso de possuir. A medida da felicidade é a dos desejos e necessidades. Deus, diz Sócrates, é feliz porque não necessita de nada; o pobre é ditoso porque para ele não existem necessidades; e o homem mais feliz é aquele que mais se parece com Deus cuja felicidade consiste em não precisar de nada. Aí tendes a dita que a pobreza a todos proporciona, (porque) livra da tirania dos desejos.

Mas para nós, qual é o cêntuplo prometido por Nosso Senhor? Que ganhamos em ter menos desejos e mais liberdade?

A facilidade de pensar mais no Coração de Jesus, de nos dar mais a Ele, de Lhe outorgar mais do que o nosso coração e do que o nosso espírito. É o que dizia S. Paulo, ao falar dos esposos: Cogitat quae Dei sunt, quomodo placeat Domino (cf. 1 Cor 7, 34); Volo vos sine sollicitudine esse ( 1 Cor 7, 32); não quer inquietações para que se possa viver, como ele, para Jesus: Vivo... Jam non ego, vivit vero in me Christus (Gal 2, 20) quer dizer: não busco o meu interesse mas a consolação do meu Jesus. É o cêntuplo de um Oblato na pobreza; consolar mais o Coração de Jesus. Não é melhor do que a felicidade pessoal prometida? Que relação existe entre estas duas proposições: minha felicidade, meu interesse, e a satisfação do Coração de Jesus?

Qual das duas é mais importante? Podemos preferir-nos a Jesus? Não vivamos senão para Ele e desapeguemo-nos o mais possível de todo o bem para nos apegarmos só a Ele.

Por outro lado, como prometeu a Santa Catarina de Sena, se nos esquecermos de nós mesmos, Ele encarrega-se de pensar em nós.

Esqueçamo-nos, pois, totalmente, desapeguemo-nos, nenhum outro desejo senão o de consolar o seu Coração: afecto, não o desapego porque nos dá mais felicidade...; vivamos para Jesus: Vivo, non ego, e então nada nos poderá separar d´Ele.

Sexta-feira, 10 de Dezembro de 1880

Cada ordem de pessoas chamadas à perfeição imita uma das qualidades de Nosso Senhor, por exemplo, as Ordens Mendicantes, a sua pobreza. O que nos caracteriza a nós é a vida interior do coração segundo a do Coração de Jesus.

Vemos já Congregações consagradas em parte ao seu Coração, mas a Ordem do Sagrado Coração tem como carácter próprio consagrar os corações dos seus membros à vida interior de imolação, de amor e de reparação: vida interior: Omnis gloria ejus... ab intus (Sl 44, 44), vida do coração que foi a vida do Coração de Jesus: uma imolação contínua à vontade do seu Pai para Lhe demonstrar o seu amor e levar a cabo a reparação; Coração vítima: Oblationes et holocausta noluisti, tunc dixi: ecce venio (cf. Heb 10, 8-9).

Desde a Encarnação Ele Se imolou, tomando o lugar das vítimas da Antiga Lei; imolou-se a essa vontade santa: non mea voluntas, sed tua fiat.

É o que devemos fazer também; só nessa condição realizaremos a nossa vocação e nos santificaremos muito, pois todos somos chamados a uma santidade pouco comum. A imolação atrai-nos graças abundantes, mas se não quisermos fazer mais do que a nossa vontade, não teremos mais do que as estritamente necessárias e cairemos muito em baixo: Optimi cujusque corruptio pessima. A imolação interior por amor e reparação é o que nos é muito especialmente pedido porque é a de Nosso Senhor. Um coração atravessado por flechas de amor e ferido pela espada dos pecados dos homens: esse foi o de Nosso Senhor. Não foi a lança de Longuinhos que o atravessou por primeiro; tinha-o sido muito antes; aquela (lança) não era senão secundária e não o atingiu senão depois da morte, apenas como um sinal da ferida interior.

Aí tendes a nossa vocação: viver interiormente da vida imolada do Coração de Jesus; é sublime, mas não digamos: eu não sou digno dela; se os Apóstolos tivessem raciocinado assim, quem teria ficado? Mas a graça do Pentecostes fortaleceu-os e ajudou. Confiemos também nós no Coração de Jesus.

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CF IV

Segunda-feira, 13 de Dezembro de 1880

Sobre as motivações da pobreza

Vimos um: Beati pauperes (Mat 5, 3), e nestas palavras o sentido principal é: ditosos os pobres porque a pobreza permite-lhes que Deus reine neles: desapegados dos mil apegos que traz consigo a riqueza, são mais livres para se entregarem inteiramente a Deus e para fazê-lo reinar no seu coração e no seu espírito.

Eis aqui três belos pensamentos de S. João Crisóstomo:

Quanto mais nos afastamos do mundo, tanto mais nos aproximamos de Deus.Quanto mais nos esvaziamos do mundo, tanto mais nos enchemos de Deus.Quanto mais nos despojamos do mundo, tanto mais nos revestimos de Deus.Quanto mais nos despojamos do mundo, tanto mais nos enriquecemos de Deus.

Cada um destes pensamentos bastaria para longas meditações, pois se prestam a muitas aplicações.

Escutemos a bela oração de S. Francisco de Assis, que tanto amava a pobreza. Devemos imitar a sua pobreza interior posto que é nosso Pai. Nós não podemos imitar a sua pobreza exterior porque não temos como ele esse fim particular, mas a vida de amor e de imolação do Coração de Jesus, e a pobreza é um meio, um modo de imolar-se que Jesus, por outro lado, pôs bem em prática. S. Francisco pede que se ame sempre a pobreza porque, - afirma - está abandonada e perseguida por aqueles, inclusivamente, que fazem profissão de honrá-la de um modo especial. Este grande santo cumpria, também ele, um fim reparador ao praticá-la.

Façamos também nós a mesma oração. Se não levamos os sinais exteriores da pobreza como ele, devemos sem dúvida ser pobres interiormente. É possível que tenhamos que pedir esmola, as nossas irmãs fá-lo-ão sempre. Se não o fazemos, peçamos pelo menos para jamais ter riquezas à nossa disposição; sobretudo não ser jamais privados pela Santa Sé, por quaisquer razões que sejam, deste belo privilégio de celebrar a Santa Missa sem estipêndio para ter mais liberdade de não pensar durante a mesma senão no Coração de Jesus: ele no-lo devolverá em esmolas.

Sim, nós que temos a honra - ainda que indignos - de ser os primeiros chamados e como que os Patriarcas da Ordem, pedimos isso para os nossos filhos e netos, e Deus escuta particularmente a oração dos primeiros.

Peçamos que nos vejamos sempre obrigados a viver neste aspecto no abandono e na confiança na Providência.

Quarta-feira, 15 de Dezembro de 1880

Considerações preliminares sobre a obediência

Consideremos a obediência de Jesus: foi por aí que começou a Redenção: Ecce venio... ut faciam voluntatem tuam (Heb 10, 7). Um desobedecera, outro obedeceu. Por uma desobediência havia muitos pecados e pecadores, pela obediência de um só há muitos justos.

Não contente em obedecer ao seu Pai, obedeceu a José, a Maria, e para prevenir a objecção de que não se tinha submetido senão a vontades santas, obedeceu a César que manda por orgulho, à Lei de Moisés que, sem dúvida, vinha abolir. Depois obedeceu a Pilatos, a Herodes, aos verdugos, obedeceu até à morte para espiar a falta d Adão que desobedecido até à morte. Antes morrer que obedecer, tinha dito este. Antes morrer que desobedecer, replica o Redentor.

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CF IV

Vemo-l´O obedecer a todas as criaturas que são para Ele os órgãos da vontade do seu Pai.Aprendamos daí o mérito da obediência. É uma virtude universal: ela despoja-nos de

tudo e sobretudo do que nos é mais íntimo que é a nossa vontade, a faculdade mestra, e, mandando-lhe, ela manda às outras. Por ela nos santificamos muito depressa e subimos muito alto na perfeição, porque não há nada de mais perfeito do que submeter a própria vontade e o próprio juízo à vontade e ao juízo de Deus e assim ela é a chave do céu.

Sexta-feira, 17 de Dezembro de 1880

Excelência da obediência

A obediência torna-nos parecidos a Nosso Senhor, pois Ele foi sobretudo obediente. Não se compreende suficientemente o sentido das palavras ditas pelo Profeta: Oblationes et holocausta noluisti (cf. Sl 39, 7-9. Heb 10,8), quer dizer, tu não quiseste mais oblações, isto é: sacrifício de coisas sem vida, nem holocaustos, isto é: coisas vivas. Por outras palavras: nem a pobreza que imola coisas sem vida, nem a castidade que sacrifica a parte animal são suficientes, o que é necessário é um sacrifício mais íntimo, um sacrifício mais elevado, o da vontade e do juízo; por isso, eis-nos aqui para fazer a tua vontade e imolar o meu juízo e a minha vontade ao teu juízo e à tua vontade.

Tunc dixi: ecce venio (Heb 10, 7). Para demonstrar a sua obediência interior, diz: Non quaero voluntatem meam, e para indicar quanto ama a seu Pai, declara que ela é o seu alimento: Meus cibus est ut faciam voluntatem Patris (Jo 4, 34).

Como não apreciar o que Jesus apreciou e amou tanto?- A obediência é a fonte e a guardiã das virtudes. O obediente, cumprindo a Lei de

Deus e a sua regra, cumpre por isso mesmo os actos das outras virtudes, ainda que os faça por obediência. Não há virtude que não pratique se for verdadeiramente obediente. Por isso em algumas Ordens não pediam outros votos além do da obediência; este, bem observado, inclui os outros.

- A obediência é uma prenda de predestinação; o obediente dirá a Nosso Senhor: sempre fiz a tua vontade; para estar contigo no céu era preciso estar contigo na cruz; pois bem, a obediência fixou-me sempre a ela, sempre me reteve na mesma, não quis mais do que a tua vontade, que podes censurar-me?

E para acrescentar o que nos é especialmente próprio, digamos que a nossa obediência, tendo que ser não só obediência de execução mas também obediência interior, quer dizer, a submissão do espírito e do juízo, tem eminentemente as vantagens da obediência que explicámos.

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CF V

Cadernos Falleur

VConferências e Pregações

20 de Dezembro de 1880 - 21 de Outubro de 1881

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CF V

Segunda-feira, 20 de Dezembro de 1880

Necessidade da obediência

Vimos quão excelente é a obediência que nos aproxima de Jesus e nos assemelha a Ele, que é a fonte e a guardiã das virtudes, que é uma prenda de salvação. Mas devemos amá-la também pela sua necessidade, pois é necessária para a Ordem e para nós mesmos.

Em toda a comunidade é necessária a unidade, sem a qual reina a desordem. Vejamos a Santíssima Trindade: há três pessoas, mas unidade nesta Trindade; há a obediência substancial do Filho que assegura esta unidade e o Espírito Santo fortifica a união entre o Pai e o Filho, estabelecendo a autoridade de um e a obediência de outro.

Na cidade celeste, a mesma unidade: os habitantes do céu, ainda que diferentes entre eles, formam um só corpo de santos cantando os louvores de Deus.

Na natureza, apesar dos mistérios que nela se encontram ainda, digam o que quiserem sobre isso as pretensões da ciência, distingue-se muito bem a lei geral que une a todos os seres, que submete uns aos outros para os centralizar e unificar.

Na Igreja vemos também a unidade dos membros e da cabeça, dos fieis e dos pastores; não há senão um só rebanho e um só pastor. Na sociedade, na família, sempre unidade entre os membros, sem a qual a desordem imediatamente reina. Sim, pois, vemos a necessidade da unidade onde quer que haja sociedade, não deveremos admiti-la numa Congregação que é uma pequena família na Igreja? Para a Ordem é precisa a unidade e para a unidade é precisa a obediência, é preciso que cada um aceite o papel que lhe é destinado. Que se diria se o pé quisesse ser olho? Isso causaria riso, mas não é menor a monstruosidade quando um sujeito recusa a obediência e quer algo diferente do que lhe é atribuído no corpo da Ordem.

A obediência é além disso necessária para a nossa liberdade.Liberta e livra-nos dos erros do nosso próprio juízo e da nossa vontade própria, erros tão

fáceis e tão profundos, mostrando-nos o juízo e a vontade de Deus.Oferece sempre à nossa liberdade um caminho seguro pelo qual pode correr sem temor.

Sem dúvida, pareceria que a obediência põe entraves à nossa liberdade; à má, sim, mas não à boa, pois há em nós, diz Bossuet num sermão sobre a tomada de hábito, duas liberdades, a de actuar mal e a de actuar bem; frequentemente se contradizem e anulam; a obediência suprime a má e favorece a outra. Isto explica-se com muitas comparações: temos uma locomotiva: tem, segundo parece, fortes entraves, não pode ir para a direita nem para a esquerda; está sobre carris que impedem a sua liberdade em ambos os sentidos; e sem dúvida estes entraves favorecem a liberdade da sua marcha para diante, do correr, de voar no sentido que lhe está traçado; esses entraves livram-na dos obstáculos que encontraria por parte do terreno.

Consideremos a água de um canal: não é livre de derramar-se e inundar a seu gosto o que está à sua volta; mas, que força tem com os entraves que se lhe impõem! Pode arrastar barcos e regar regularmente o que está à sua volta.

Mons. Plantier dá também uma comparação poética:Como um satélite, por exemplo a Lua, gravita regularmente à volta do seu centro e recebe

dele o movimento e a luz, assim a obediência nos liga a Deus1.

1 Plantier Cláudio Henrique, Bispo de Nimes. Nascido em Ceyzérieux (Ain), em 1813. Professor de Sagrada Escritura e Hebraico na Faculdade Teológica de Lyon, ofereceu o fruto do seu ensino nos seus Etudes litteraires sur les poètes bibliques. Eleito para suceder ao P. de Ravgnan em Notre-Dame de París como pregador quaresmal (1847) e do Advento (1848), publicou as suas conferências, que tratam temas filosóficos e da autoridade doutrinal da Igreja. Bispo de Nimes em 1885, Mons. Plantier escreveu um número considerável de cartas pastorais. Homem austero, cumpridor do dever e autoritário, Mons. Plantier foi na França de 1875, data da sua morte, o representante mais autorizado, juntamente com Mons. Pie, das tendências ultramontanas e o adversário mais decidido do liberalismo.

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CF V

Quarta-feira, 22 de Dezembro de 1880

Sobre as circunstâncias

Hoje, na nossa última conversa antes do Natal, convém ocupar-nos um pouco das festas que estão próximas. Apresentam-se cinco circunstâncias que nos pedem disposições particulares. Primeiro a festa do Natal, a de S. João, o Ano Novo, as efusões de graças com que nos cumula o Senhor desde há meses e finalmente as resistências e as misérias que encontra em nós.

Não temos mais do que um desejo, o de agradar a Jesus. Pois bem, nesta festa do Natal não será buscando o lado sensível da graça e procurando para nós uma alegria natural que o satisfaremos. Ele não subiu senão uma vez ao Tabor, e mesmo aí falava da sua paixão e proibia aos três discípulos deleitar-se no futuro com a sua transfiguração, contando-a. Nunca se diz que Ele risse e, pelo contrário, está escrito que chorou 7 ou 8 vezes. Sem dúvida que Ele não nos quer tristes, mas que nos abandonemos a Ele tanto na alegria como na tristeza. Ele não nos proíbe a paz prometida aos homens de boa vontade, mas o que pede especialmente é a vida de amor e de reparação para o compensar com a nossa imolação da pena que experimenta todos os dias ao ver, também os seus amigos, procurar demasiado avidamente alegrias e contentamentos.

No dia de S. João peçamos-lhe, sobretudo na comunhão, em memória do privilégio do discípulo muito amado, as graças que nos são necessárias para O consolar.

Este ano foi o ano da contradição; eu sei-o melhor do que ninguém porque não pôde dizer tudo, mas os que foram postos um pouco ao corrente também o sabem: Pela graça do Coração de Jesus triunfámos2. É a preparação para a provação e para o Consumatum est. Recebemos graças imensas este ano, graças de fortalecimento da obra por fora e por dentro, nos vossos corações. Ninguém de vós se atreveria a duvidar já do seu carácter divino. A dúvida seria uma blasfémia; graça de crescimento pelas vocações ou realizadas ou em esperança; graças interiores recebidas por cada um. Tudo isto exige a nossa gratidão. Assim, vamos terminar com uma novena de acção de graças cantando o Magnificat 5 minutos antes das 3 (horas).

Mas sobre o sentimento de gratidão, que é a forma menor do sacrifício, deve dominar o sentimento da expiação e da reparação por todas as nossas misérias. O reconhecimento é algo demasiado suave para uma vítima; a reparação convém-lhe melhor e é neste sentido que Jesus nos dirigirá, a menos que se dê um atractivo particular que Ele mesmo desenvolva em algum. Acrescentaremos ao Magnificat o canto de um salmo penitencial para expiar todas as nossas faltas do ano e não terminá-lo com a ligeira penitência de um dia.

Finalmente, por ocasião do Natal e em vista das graças tão abundantes derramadas sobre nós pelo Coração de Jesus, expressemos os nossos desejos ao divino Menino, mas sem pressa nem inquietação mas com um pleno abandono quanto ao resultado. Não nos inquietemos por causa da expansão e do desenvolvimento da obra: será só tempo de pensar no Consumatum est e no Pentecostes.

Expressemos os nossos sentimentos ao divino Infante com uma cartinha que depositaremos no seu presépio durante a Oitava do Natal. Peçamos-lhe, se quisermos, a vocação de algumas almas que nos sejam queridas, para que Ele as chame a ser ou suas pombas ou seus cordeiros, mas façamos tudo com paz e abandono. É a melhor maneira de pedir bem.

2 Cf. nota 1, II;nota 9, II, 38; nota 2, III, 7; notas 7-8, III, 28.

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CF V

Domingo, 26 de Dezembro de 1880

Votos pela festa de S. João

O Pe. Afonso Rasset, em nome de todos, disse essencialmente:Em vez de um ramalhete, vamos apresentar-lhe uma coroa, a coroa dos nossos santos

patronos: S. Afonso, o último dos doutores, falando em nome de todos; S. Bartolomeu, que não encontrou nada melhor para dar que a sua pele; S. Tadeu... S. Estanislau e S. Berchmans, os meninos mimados pela Santíssima Virgem; S. Matias, que deve ter tido confidências como as de S. João, uma vez que toma o lugar daquele a quem Nosso Senhor se confiou menos; S. Marcos, um dos íntimos do Cenáculo; S. Martinho, que entre outros milagres fazia, como S. João, andar os coxos; S. João Baptista, um amigo de Jesus e de S. João; S. André, que teve um afecto muito especial à Santíssima Virgem e cujo apostolado não frutificou a não ser por Ela, segundo a

tradição3.O Pe. João acrescentou: a esta coroa devem agregar-se as pedras preciosas que o futuro

promete. Esperava os vossos votos como vós contais com os meus, - disse a seguir -, ofereçamo-los juntos a S. João na sua festa. A nota para hoje e para amanhã deve ser esta: fomos um pouco gulosos nos nossos pedidos ao Menino Jesus. Pedimos muitos nascimentos. Pois bem, in dolore parturies (cf. Gen 3, 16). Não há nascimento sem dor. Se quisermos ser escutados, ainda que não só parcialmente, devemos oferecer a Jesus por meio de S. João corações cheios de um amor compassivo. Foram esses os sentimentos da Santíssima Virgem: ela não foi a mãe de todos os cristãos senão porque foi super-abundantemente a mãe das dores.

Conservabat verba haec in corde suo conferens (cf. Lc 2, 19).Ao ver as portas fechadas, via os corações rebeldes contra Jesus; gemia e amava-O ainda

mais para reparar esta dureza; ao ver a pobreza do estábulo via Jesus a entrar em corações não purificados, abertos a todos os ventos das paixões, mesmo os corações consagrados. Excitava o seu amor para com Jesus e oferecia-se para reparar por meio de uma maior pureza do seu.

Peço a todos que façam hoje uma meia hora de adoração suplementar diante do presépio, voltando a meditar no coração o que acabamos de dizer.

O Pe. João anuncia que as irmãs reclamam o seu turno da missa de S. João. Para unir um pouco as comunidades, o Pe. João aproveitará para ir ali para ajudar os noviços mais velhos não

sacerdotes4. Termina com um abraço que dá paternal e amavelmente a todos. Em seguida dirige umas palavras aos hóspedes que vieram para o felicitar na festa.

Quarta-feira, 29 de Dezembro de 1880

Sobre a mística das Festas do Natal

Depois das quatro semanas de preparação para a vinda do Salvador, que nos lembram os quatro mil anos anteriores ao nascimento de Jesus, que são consagradas à penitência e à purificação e são o símbolo da via purgativa, chega o Natal, a grande festividade, Natal, o dia em

3 Consultando o registo dos votos (p. 1-2), a coroa de noviços que rodeia o Pe. Dehon no dia da sua festa (no ano de 1880) é formada pelo Pe. Afonso Rasset, o Pe. Bartolomeu Dessons, o Pe. Tadeu Captier, o Pe. Estanislau Falleur, o Pe. Matias Legrand, o Pe. Marcos Templet, o Pe. Martinho Waguet. O Pe. André Ozenfent, segundo o registo dos votos, entrou nos Oblatos a 2-2-1881. O Pe. Dehon não é sempre exacto quanto aos dados dos primeiros religiosos. São desconhecidos o Pe. Berchmans e o Pe. João Baptista.4 Quanto aos religiosos nomeados na página 7, os dois noviços mais antigos, não sacerdotes, são o Pe. Matias Legrand de 31 anos, ordenado sacerdote a 29-6-1884 e o Pe. Falleur de 23 anos, ordenado sacerdote a 23-9-1882.

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CF V

que aparece o sol da justiça para iluminar tudo com a sua divina luz. É a imagem da via iluminativa: serão graças de iluminação as que vamos encontrar junto ao Presépio.

No período do ano em que as trevas duram mais e que simbolizam bem o estado do mundo quando o Senhor nasceu, no tempo em que a luz também começa a ganhar às trevas da noite, Nosso Senhor quis nascer e vir iluminar todos os homens com a sua graça. Vamos ao Presépio, e ali seremos iluminados sobre as virtudes da infância do Salvador.

Sem dúvida que há graças para outras virtudes, mas agora estão ali as mais abundantes: a sua humildade, a sua doçura, sobretudo a sua simplicidade, estas virtudes sinal distintivo de um Oblato, de uma vítima.

Ao lado do Natal estão as grandes oitavas que a santa liturgia associou à grande festividade. É como que uma homenagem que as diferentes categorias de santos vêm prestar ao divino Infante.

Primeiro Santo Estêvão, oferecendo-lhe a coroa do martírio: porta-coroa e porta-estandarte. S. Estêvão, chefe dos mártires, vem em nome de todos os 20 milhões de mártires oferecer o seu sangue a Jesus para corresponder ao dele. Vem em primeiro lugar porque o martírio sangrento é o sinal mais vivo do amor: Majorem hac dilectionem nemo habet... (Jo 15, 13). Vem representar a era dos mártires, a primitiva Igreja que dura 300 anos.

Depois dele, S. João Apóstolo, doutor, evangelista. S. João virgem, vem oferecer as primícias da era dos doutores, que segue à dos mártires e dos virgens de ambos os sexos que brilham na Igreja depois dos mártires e dos doutores. Apóstolo nas suas epístolas, evangelista no seu Evangelho, profeta no Apocalipse, S. João une a esta tripla coroa a da virgindade, que o tornou privilegiado.

Segundo a tradição deixou, para seguir a Jesus, não só as suas redes mas também um casamento prometido. Daí o seu privilégio na ceia, o seu privilégio de ser associado à virgindade de Maria e de recebê-la como Mãe. S. João vem oferecer ao divino Infante todas as virgens que vieram depois dele por amor a Jesus.

Finalmente os Santos Inocentes encabeçam essa multidão de meninos mortos em tenra idade e cujas almas inocentes vão para o céu adorar o seu Deus. Aqueles são primícias de todos os outros e oferecem, com a sua inocência, o seu próprio sangue. Eles ensinam-nos que Deus ama a inocência e a simplicidade.

Unamo-nos a estes misteriosos simbolismos da santa liturgia e aproveitemos as graças de iluminação que o santo Menino Jesus nos reserva junto ao presépio. Apressemo-nos, se ainda não saímos da via purgativa, a aproveitar este tempo por meio de uma penitência solícita para receber quanto antes as graças de iluminação.

Sexta-feira, 31 de Dezembro de 1880

Votos de Ano Novo

Nestes dias renovaram-se e consolidaram-se os laços da gratidão.Cada um comece pelo que mais mover o seu coração. O filho vá à sua mãe, a irmã ao seu

irmão, a esposa ao esposo. Mas, não encontras tu todos estes títulos no meu divino Coração? Por isso, é a Mim a Quem deves dirigir-te por primeiro, mas com sentimentos de arrependimento e perdão pelas graças e benefícios desperdiçados.

Que me podes tu desejar que seja mais agradável do que o amor das almas que resgatei com o meu sangue e sobre tudo das almas que me são especialmente queridas e que frequentemente são mais ingratas do que os cristãos comuns, que não receberam as mesmas luzes e as mesma graças? Que desejo eu mais do que ver essas almas levar uma vida cheia de fé, de esperança, de fidelidade, de abandono?

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CF V

Convida a minha santa Mãe e S. José, meu Pai adoptivo e vosso, para que eles mesmos te apresentem a Mim para ser aceite com maior complacência.

Acaso não sabem eles melhor do que ninguém o que agrada ao seu divino Filho e a sua presença não predispõe o meu divino Coração em favor dos que se acolhem sob a sua protecção? Dirige-te também ao Coração de Maria e de S. José. Saúda-os por meio do meu divino Coração, que foi na terra a sua maior felicidade e que constitui agora eternamente o seu gozo e a sua dita. A sua felicidade é a deles, a sua alegria é a sua; do mesmo modo se entristecem se o vêem tristes e a sua pena e sofrimento são novamente os seus. Diríge-te também a todos os Santos, principalmente aos que Eu vos dei como Patronos e que pela sua vida de sofrimentos e de sacrifício reproduziram mais fielmente a vida do meu Coração. Oferece-lhes este divino Coração que é para eles manancial de graças e de felicidade; faz isto como agradecimento pelas graças que obtêm pela sua protecção.

Mas como ninguém é esquecido neste dia de alegria, pensa também nos Anjos e especialmente nos vossos Anjos da guarda que os assistem com uma tão benévola protecção e como correspondência aos seus serviços oferece-lhes o meu divino Coração em que encontram toda a sua felicidade. Louvai a Deus nos seus anjos e nos seus santos...

Segunda-feira, 3 de Janeiro de 1881

O ano que acaba de terminar foi um ano de contradições5; menos sensíveis para vós, sobretudo as referentes à direcção e administração, não foram por isso menos reais; quanto ao resto, as contradições exteriores não foram feitas para os noviços; já têm bastantes com o trabalho da sua formação.

Segundo todas as previsões e o curso normal das coisas sobrenaturais, há que esperar por estas sacudidelas que a Providência proporciona a toda a obra que começa para a consolidar. As vocações mais numerosas deste ano alargaram a obra e tornaram-na conhecida. Satanás inquieta-se, vai agitar todos os seus sequazes, e como ele imita as obras de Deus, saberá também fazer-lhes conhecer o que espera deles a respeito desta obra. Para nos protegermos contra os seus ataques, vamos tomar por patrono secundário um santo poderosíssimo contra ele e esta devoção responderá sem dúvida aos vossos desejos: vamos recorrer a S. Miguel Arcanjo. Faremos uma novena recitando o terço de S. Miguel que não é muito longo e suplicar-lhe-emos que proteja a obra do Coração de Jesus. Como um general que deixa as muralhas aos seus soldados para que as defendam e que se encarrega pessoalmente da defesa da cidadela, S. Miguel tomará a peito defender o Coração de Jesus, que é a cidadela da Igreja.

Outro santo a quem vamos iniciar uma novena é S. Francisco Xavier: sexta-feira vamos

fazer-lhe um presente que não é grande, certamente; um Padre vai emitir os seus votos6. Nesta ocasião peçamos em troca duas graças, uma temporal: ganhar um julgamento não por causa do resultado temporal em si mesmo, mas para evitar o escândalo de ir de apelação em apelação e também para não nos vermos obrigados, para ganhá-lo, a sustentar uma coisa menos exacta que

no-lo faria ganhar7. Peçamos-lhe também que nos dê uma irmã tal como nos deu um Padre. Esta vocação está ainda pendente. O santo apóstolo não nos negará o que lhe pedimos; fá-lo-á. Nesta novena rezaremos a oração usada na novena da graça. Começaremos as duas novenas em Soissons e em Lille; o que fizerem depois de nós será em acção de graças.

5 Cf. nota 2, V, 5.6 O Pe. Francisco Xavier Lamour fez os seus primeiros votos a 7-1-1881 (Cf. RV, 1).7 Cf. nota 8, III, 28. A conclusão do processo sobre o testamento da Irmã Maria das Cinco Chagas foi desfavorável para as Servas e para o Pe. Dehon tanto na primeira instância como na apelação. O Pe. Dehon escreve nas suas "Memórias": Proceso incoado contra a "Chère Mère” e ganho em primeira instância e na apelação pelo herdeiro da Ir. Maria das Cinco Chagas, e em consequência, perda de todos os nossos recursos (NHV XIV, 59).

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CF V

Ontem foi-nos dado um Padre Agostinho e hoje foram designados dois nomes anunciados. Mas para vencer as resistências que alguns chamados põem à graça, especialmente o

Pe. Agostinho, é preciso rezar muito8.Hoje faremos uma estação diante do Santíssimo Sacramento desde do meio-dia até às 7

horas, com dois adoradores sem interrupção. Esperemos e rezemos.

Sexta-feira, 7 de Janeiro de 1881

Afferte Dominum filios arietum (Sl 28, 1).Hoje vamos oferecer um sacrifício ao Senhor. Um padre que se consagra inteiramente à

imolação, outro que dá um passo em frente neste caminho e um terceiro que não faz mais do que entrar9.

Nesta oferenda convém meditar bem este salmo de oblação que a santa liturgia punha ontem no início do Ofício. Adorate Dominum in atrio sancto ejus (Sl 28, 2): adorai o seu Coração porque aí está o santuário mais íntimo e mais santo. Sim, adoremo-lo, pois ele falou; a sua voz deixou-se ouvir sobre as águas, isto é, no meio do mundo. Aqua multa, populi multi (cf. Apoc 17, 15), diz S. João. A sua voz teve o fulgor do raio, Deus... intonuit (Sl 28, 3) e falou mais alto do que um mundo bem forte, Super aquas multas (Sl 28, 3), estendeu o seu poder, Vox Domini in virtute, ou também: Falou aos fortes, in virtute, e aos que viviam no luxo, in magnificentia (Sl 28, 4). Quebrou as resistências como um cedro do Líbano e fê-los saltar como a novilha do Líbano. Extinguiu todos os ardores de afectos terrestres, vox Domini concutientis flammas (cf. Sl 28, 7), ele falou no meio do deserto deste mundo.

E em seguida, depois de se ter manifestado assim pelo seu poder, manifesta-se como um dilúvio de graças: Dominus diluvium inhabitare facit (Sl 28, 10). Recompensa o sacrifício com graças proporcionadas. Dá a força: Virtutem populo suo dabit (Sl 28, 11); depois, o que segue ao sacrifício, a sua bênção com a paz do coração: Benedicet populo suo in pace (Sl 28, 11).

Segunda-feira, 10 de Janeiro de 1881

Vantagens e necessidade da obediência

Vimos a sua excelência, a sua extensão, depois a sua necessidade para o próprio religioso e para a Ordem de que é a base e a força, porque realiza a sua união. A obediência é, além disso, uma fonte de méritos. É a imolação do que há de mais íntimo em nós e por conseguinte é o sacrifício mais agradável a Deus. Não há um só acto cujos méritos não sejam duplicados pela obediência. Rezar uma oração é coisa excelente, rezá-la por obediência é duplamente excelente. Ela santifica tudo ao imolar em tudo a nossa vontade e o nosso juízo.

A perfeição da obediência é-nos necessária a nós, Oblatos, as vítimas do Coração de Jesus. Nós não temos as austeridades dos Capuchinhos, dos Cartuxos, dos Trapistas; não temos outro remédio, para ser vítimas, senão praticar a imolação interior; pois bem, a forma habitual desta não é a obediência?

8 O Pe. Agostinho Maria Herr, no século Leão, irmão do Pe. Tiago Maria Herr (cf. nota 6, III, 15), nasceu em S. Quintino a 15-5-1855. Entrou nos Oblatos a 7-1-1881, fez a sua primeira profissão a 23-10-1882 e foi ordenado sacerdote a 20-12-1884. Em 1888 foi o primeiro pároco do bairro de S. Martinho (em S. Quintino) com a tarefa de recolher fundos para construir a igreja. Esta foi parcialmente aberta em 1896. Como consequência das dificuldades financeiras para construir a igreja, apresentou a sua demissão. Foi também de 1888 a 1896 Conselheiro Geral. Saiu da Congregação e tornou-se sacerdote diocesano em 1897 ou 1898. Morreu a 23-8-1904 (cf. RV, 2; Lugdunensia, p. 42, pp. 56-58).9 O Pe. Francisco Xavier Lamour fez a sua primeira profissão a 7-1-1881. No mesmo dia o Pe. Martinho Maria Waguet tomou o hábito e o Pe. Agostinho Maria Herr entrou nos Oblatos (cf. RV 1-2).

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CF V

Não teremos que fazer todos os dias sacrifícios extraordinários, perda de pais, penas interiores, mas a obediência dá-nos todos os dias os elementos da imolação interior que é a única que Nosso Senhor nos pede habitualmente a nós. Ou a nossa obediência será perfeita ou nós não seremos nós mesmos. As promessas do Sagrado Coração são para os que lhe têm devoção, mas especialmente para a Ordem do seu Coração. Se não formos vítimas como Ele, não teremos parte nas suas promessas e graças e, se faltasse a graça, os que assim se vissem privados dela perderiam a sua vocação.

Pois bem, não somos vítimas, sem dúvida, senão pela obediência, que é de todos os instantes e em todos os aspectos, sejam os que forem, no silêncio, por exemplo, ainda tão frequentemente infringido; não se deve falar sem uma verdadeira necessidade, e inclusivamente falar quando bastasse um gesto é faltar à regra do silêncio. Na medida em que nos deixarmos imolar pela obediência, Nosso Senhor dá as suas graças; mas na medida em que lhe resistirmos,

as graças terminam. É uma experiência, infelizmente, frequente10.

Quarta-feira, 12 de Janeiro de 1881

Necessidade da obediência

Na segunda-feira vimos que a obediência multiplica os nossos méritos ao fazer de cada acto um sacrifício, um holocausto, uma imolação do que nos é mais íntimo; faz-nos mais semelhantes a Jesus, cuja vida não foi mais do que imolação da sua vontade.

Consideremos hoje a necessidade da obediência para êxito das nossas obras. Quando actuamos por obediência, não somos nós, mas é Deus que actua; é Ele Quem se compromete: a acção é sobrenaturalizada e vivificada pela vida divina que realiza tudo o que é sobrenatural. Qui regula vivit, Deo vivit. Deus é actor e nós instrumentos, e se Ele não é suficientemente poderoso para alcançar êxito, vamos sê-lo nós mais do que Ele? Pode assegurar-se melhor o êxito do que quando é Ele mesmo que o procura? Pode ser que, aparentemente, estejamos longe do sucesso; apesar disso obedeçamos cegamente; vede Isaac; obedece cegamente; leva lenha sem ver a vítima; estende-se sobre o monte de lenha à palavra de seu pai sem saber porquê, mas adivinhando a sua morte. Que poderia esperar, humanamente falando? E contudo Deus fez começar ali a glória de ser o pai do Messias e de todos os crentes. Que imenso resultado teve este acto de obediência! S. José, depois de ter obtido milagrosamente uma esposa casta, vê-a tornar-se mãe; não entende nada do assunto; um anjo tranquiliza-o e instrui-o. Diz que este Menino há-de reinar sobre Israel e vê-o nascer num estábulo; deve ser adorado e é perseguido; é preciso fugir para o Egipto - é-lhe ordenado -; já não entende nada disso; mas apesar de tudo obedece e enfrenta os perigos da viagem e da estadia. Esta obediência heróica merece-lhe também cooperar com Jesus na obra da Redenção, apressando o momento.

Nós também, obedeçamos cegamente: é garantia de êxito: Vir obediens loquetur victorias (cf. Prov 21, 28). Quanto mais obedecermos, menos há de nós e mais há de Deus, e quanto mais houver de Deus tanto mais perfeita será a obra.

Ainda que eu fale raramente de mim por não ter nada de bom que dizer, confesso que o acto de obediência que me fez vir para S. Quintino, apesar das minhas repugnâncias pelo

10 Podemos estranhar de ver a imolação centrada na obediência, enquanto nos nossos dias se denuncia sobretudo a possibilidade de uma certa desobrigação, de uma falta de compromisso que poderia esconder-se sob a aparência de obediência. Todavia esta maneira de falar está na tradição bíblica constante: vocação de Abraão; espiritualidade da Aliança (tudo o que disse Javé, nós o faremos) (Ex 24, 7); Ecce venio de Jesus... Longe de ser uma coacção sofrida, submissão passiva, a obediência, livre adesão ao desígnio de Deus ainda encerrado no mistério, permite ao homem fazer da sua vida um serviço de Deus e entrar no seu gozo (cf. M. Denis, PPD, pp. 33-34).

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CF V

ministério secular, foi o ponto de partida de graças imensas: aqui encontrei a Ordem do Sagrado

Coração11.

Segunda-feira, 11 de Janeiro de 1881

Dos pecados contra a obediência

Peca-se contra o voto de obediência pela desobediência exterior, pois o voto não impõe outra coisa. Esta desobediência é grave:

1º quando o superior tiver mandado em nome da santa obediência,2º quando mandou com um tom solene,3º quando, ordenando simplesmente, a desobediência acarrete um mal grave para a

comunidade ou um terceiro.Peca-se contra a virtude da obediência quando se resmunga interiormente contra o que foi

mandado, isto é, quando não se une a obediência interior ou de juízo e da vontade à obediência da acção.

A obediência, como a pobreza, também tem a sua perfeição, que não é mais do que aconselhável e que não acarreta pecado se não for observada, e é:

1º considerar Jesus Cristo na pessoa do Superior,2º não descuidar nenhuma regra, mas dar a todas a mesma importância.Para nós, a quem o voto de imolação impõem a virtude da obediência, pecamos contra os

votos pecando contra a virtude da obediência. A solenidade do voto tira a quem o faz toda a livre disposição de si mesmo e todo o acto que provém dele fora da obediência é inválido. O voto simples não faz mais do que tornar ilícitos esses actos.

A solenidade dos votos que dá à obediência toda a sua perfeição é um motivo bem legítimo para nós para pedirmos a Nosso Senhor e desejar a aprovação de Roma sem a qual é impossível. Esta aprovação far-nos-ia entrar mais na ordem da Igreja e colocar-nos-ia na hierarquia que a compõe.

Exercitemo-nos durante o noviciado na obediência para que no momento de fazer os votos não tenhamos nem temores nem escrúpulos nem os violemos depois.

Quarta-feira, 19 de Janeiro de 1881

Vamos continuar a falar da obediência durante algumas semanas para nos firmarmos nela cada vez mais. Ela deve constituir a essência da nossa vida, já que só por meio dela podemos imolar-nos sem cessar, de tal modo que nunca saberemos dedicar-nos demasiadamente a ela. Deve ser como que o selo da nossa vida. Por meio dela podemos ser mártires. É muito possível que a graça do martírio seja concedida a alguns, mas se nem todos podem dar assim a vida duma só vez, todos podem dedicá-la ao louvor instante após instante. E certamente Nosso Senhor concederá algo da glória do martírio aos que se tenham imolado assim durante toda a vida.

Um conselho de perfeição da obediência é observar as regras mais pequenas.O voto não obriga a isso, pois não obriga mais do que à execução dos mandatos formais e

das regras mais importantes. Não obstante, para obedecer perfeitamente não devemos descuidar as regras mais pequenas. Um segundo conselho para se aperfeiçoar na obediência é fazer tudo por obediência e não deixar nada ao nosso livre arbítrio; regulamentar tudo o que o não esteja, praticar por obediência em todos os exercícios das virtudes especiais que neles se recomendam, prevenir as ordens e os desejos dos superiores e pedir inclusivamente o seu consentimento nas

11 A 3 de Novembro (1871) foi enviado para S. Quintino unicamente pela vontade de Deus... Era absolutamente o contrário do que tinha desejado desde há anos: uma vida recolhida e estudiosa. Fiat. (NHV, IX 70-71.

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coisas deixadas ao nosso livre arbítrio. Assim é como que multiplicar as nossas imolações e correspondermos ao desejo do Coração de Jesus, que agora espera muito. Agora somos 16 e é coisa prodigiosa as graças que podemos atrair. Cada imolação traz uma graça para a Obra e quando se sabe o prémio da mesma, quando não se ignora que cada graça é como que um elo de uma corrente, que uma graça desdenhada a quebra, é preciso ser muito cruéis para não corresponder a ela e lacerar desse modo o Coração de Jesus. Nosso Senhor espera o nosso concurso. Sem dúvida que o seu Coração realiza a parte maior, mas em toda a obra divina se precisa de uma participação do homem, que é o seu instrumento: Adimpleo ea quae desunt passionem Christi (Col 1, 24). Este concurso é a obediência que o assegura, realizando a nossa imolação. É ela que nos faz perfeitos, pois se queremos obedecer, praticaremos as virtudes e essa é a maior mortificação conforme pensa S. Luís Gonzaga; Pio IX dizia de um religioso obediente: dai-me um noviço que tenha observado sempre bem a sua regra e eu o canonizarei.

Houve algum relaxamento neste ponto em alguém. É hora de voltar a uma obediência perfeita e de ser finalmente muito generoso.

Sexta-feira, 21 de Janeiro de 1881

Da perfeição da obediência

Cumprir as mais pequenas regras como as mais importantes, prevenir e pedir mesmo ordens acerca das coisas livres, são dois conselhos de perfeição da obediência. Um terceiro é considerar a Deus nos superiores. Obedecer com amor, respeito, alegria e confiança: onde faltem estes quatro sentimentos, não se encontra o espírito de Deus. A autoridade do superior vem de Deus por meio da Igreja: é incontestável e é ao próprio Deus que se obedece: Obedite praepositis vestris etiam dyscolis (cf. Pe 2, 18; Cor 3, 22): até a superiores imperfeitos. Para melhor fundamentar esta doutrina, leiamos algumas linhas, cuja origem adivinharão alguns, pronunciadas na ocasião dos cumprimentos de Ano Novo dirigidos aos superiores.

"São-lhes oferecidas umas estátuas... Sois vós mesmo que deveis oferecer-vos como estátuas vivas representando os santos cujos nomes levais ou pelo menos como uma matéria que

se ofereça sem resistência ao operário que quer transformá-la12; são-lhes oferecidas estampas e flores, sede vós mesmos essas flores, como a açucena e a violeta que oferece o jardineiro, como obséquio, ao dono do jardim. Sede cordeiros e pombas que possa oferecer em sacrifício e não ouriços que não podem ser oferecidos em sacrifício. (Aviso aos que não querem perder a sua vocação, diz o Pe. João).

Segunda-feira, 24 de Janeiro de 1881

Este ano vamos celebrar a Purificação de um modo especialíssimo: Nosso Senhor une a ela imensas graças de purificação para nós se a celebrarmos bem. Quem sabe se nos excedemos no desejo de ver crescer a Obra. Já não faz falta senão um sentimento: deixar-nos absorver inteiramente pela purificação. Vamos fazer uma novena preparatória: antes de mais, abstinência rigorosa ao meio-dia em tudo para cada um dos Padres; depois, o terço, os salmos penitenciais e as ladainhas; durante a jornada e privadamente rezar as 10 dezenas do terço que hão-de completar o Rosário.

12 Cf. Conferência do domingo 26-12-1880 (Cf V, 7-8).

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Quarta-feira, 26 de Janeiro de 1881

(não há anotações)

Segunda-feira, 31 de Janeiro de 1881

O diabo está furioso com o crescimento da Obra; procura algum a quem devorar. Vigiar e rezar. Haverá para cada um uma sacudidela, um golpe de vento inevitável. É preciso para a consolidação da vocação.

Por outro lado está nos desígnios de Deus: Ele mesmo realizará a nossa purificação permitindo que sejamos atacados pelo lado sensível.

Um pouco de jejum, não é grande coisa; uma hora santa faz-se sem demasiado incómodo; por isso, para completar bem isso, Nosso Senhor encarrega-se de dar a cada um uma cruz especial para ele, a cujo sofrimento vai unida a purificação de muitas faltas, negligências, nos anos anteriores.

Quarta-feira, 2 de Fevereiro de 1881

(Tomada de hábito dos Padres Agostinho e Marcos; profissão do Pe. Simeão;

postulantado do Pe. André)13.Ego tuli Levitas pro... primogenito (Núm 3, 12).Era um costume estabelecido consagrar a Deus os primogénitos como vítimas pelos

outros; este sacrifício foi imposto por Deus ao Egípcios na sua justiça; e a sua misericórdia permitiu aos Hebreus resgatar os seus primogénitos. Mas Ele adoptou toda uma tribo para ocupar o lugar dos primogénitos assim resgatados. No censo haveria 22.000 adultos na tribo de Levi, e 22.000 primogénitos em todo o Israel.

Estes foram substituídos por aqueles, que receberam desde então a missão de oferecer sacrifícios pelo povo. Vigiai, diz o Senhor: Ne oriatur indignatio Domini super populum (cf. Núm 18, 5).

Por isso não era mais do que a figura do grande Primogénito oferecido neste dia por Maria e que oferece como sacerdote o sacrifício que devia salvar o mundo. Era o Salvador que Simeão tinha diante dos olhos, pois que salutare (Lc 2, 30) em hebraico é o mesmo que Salvador ou Jesus.

Uma nova tribo tomou o lugar da antiga. Ela também se deve imolar para salvação do povo e afastar o obstáculo que encontra a misericórdia para se derramar sobre o mundo.

Esse obstáculo é o pecado; e se esse obstáculo é colocado por aqueles mesmos que o deviam tirar, quem o tirará senão outros sacerdotes?

Aí tendes de novo a nossa Obra em toda a sua simplicidade.Compreendamos, pois, a sua grandeza: ofereçamos o sacrifício que há-de salvar o

mundo, quer dizer, o sacrifício de nós mesmos, da nossa vontade. Deixemos de ser crianças para corresponder à grandeza dos desígnios de Deus. Que os antigos renovem o seu sacrifício com ardor e os novos comecem sem vacilações.

13 Tomada de hábito do Pe. Agostinho Maria Herr (cf. nota 8, V, 18) e do Pe. Marcos Maria Stemplet, no século Jorge, nascido em Isenheim (Novembro de 1863), saído em Agosto de 1881, reingressado em Agosto de 1886 e saído em Dezembro de 1886 (Registo de votos do Pe. Dehon, p. 2). Do Pe. Simeão não sabemos nada. O Pe. André Mª Azenfant, no século Desiré, nascido em S. Quintino (Março de 1864), entrado nos Oblatos a 2-2-1881, saiu em Junho de 1883 (RV, 2).

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CF V

Primeira sexta-feira do mês, 4 de Fevereiro de 1881

Ainda que não costumemos reunir-nos para a conferência nos dias de exposição, quis reunir-vos hoje para nos unirmos mais pela união de pensamentos e sentimentos que devemos ter.

Em primeiro lugar tenho que vos falar de um santo adorador do Coração de Jesus, o Pe. Cláudio de la Colombière, cuja festa é a 15 de Fevereiro.

Ainda não está canonizado, mas um Padre da Companhia de Jesus, um dos meus bons

amigos, ocupa-se disso activamente, e quando o for, a sua festa será celebrada entre nós14.O Pe. De La Colombière foi o primeiro promotor da devoção ao Sagrado Coração.

Nomeado superior dos Jesuítas de Paray, foi o confessor da Beata Margarida Maria e reconheceu depois a divindade das suas revelações. Então consagrou-se como vítima ao Sagrado Coração, foi aceite por Nosso Senhor, pois bem depressa foi enviado para a Inglaterra, onde teve que sofrer toda a espécie de contradições, inclusivamente a prisão, e finalmente foi expulso.

É que Nosso Senhor dá às vítimas do seu Coração uma cruz a levar. Proporciona-a às suas forças, mas não as dispensa dela. O Padre recebia por meio da Superiora da Visitação umas notas da Beata para lhe anunciar o que teria que sofrer e lhe indicar o que tinha de fazer. Regressado a França, regressou a Paray, onde morreu com a idade de 42 anos. É para nós um modelo e também um protector. Vamos começar domingo uma novena em sua honra para lhe pedir duas graças:

Uma espiritual...

E mais outra: a rápida chegada daquele que há-de ser no meio de nós o Padre Cláudio15.Falemos também da Purificação, cuja festa foi tão boa para nós. Nela sentimos, como

hoje, a presença sensível de Nosso Senhor. Não esqueçamos o agradecimento pelas graças que nos foram então concedidas. Mas ao mesmo tempo não correspondemos a tudo o que nos pediu; arrependamo-nos dessa frouxidão e que o sentimento de arrependimento seja vivo em nós. Finalmente, estejamos vigilantes. De acordo com todas as probabilidades este ano é o da provação necessária a toda a obra de Deus. Há já três anos que nasceu a nossa Obra, pois a sua

existência data deste dia16, e do mesmo modo que a Paixão teve lugar a meio do 4º ano da vida pública de Nosso Senhor, a nossa Obra não tardará a passar também ela pela cruz. Seja dispersão oficial, seja qualquer outra coisa, estejamos vigilantes para não fraquejar senão o menos possível, sejamos todos uns S. João nesse momento; sem dúvida que este teve um instante de esquecimento; foi junto a Maria, que o reenviou para junto de Jesus e da Cruz. Roguemos-lhe que nos ajude nesse momento.

14 Cláudio de la Colombière (1641-1682). Atingido pela desconfiança que rodeou durante o século XVIII a devoção ao Sagrado Coração, La Colombière, apesar da admiração que tinham suscitado as suas virtudes, permaneceu longo tempo, como João Eudes e Margarida Maria, na penumbra. Até 1874 não foi aberto o seu processo de beatificação e até 1929 a Igreja não o declarou "Beato".15 É o Pe. Cláudio de la Colombière Lobbé, no século Alberto, nascido em Jeancourt (Aisne) a 11-12-1856. Ingressou nos Oblatos a 23-10-1881, fez a sua primeira profissão a 27-6-1884 e foi ordenado sacerdote a 9-6-1886. Foi superior da casa de Lille de 1889 a 1894 e conselheiro geral de 1893 a 1902. Morreu em S. Quintino a 22-11-1933 (cf. RV, 5; Nec 113).16 O Pe. Dehon relaciona a "morte mística" da Irmã Maria de Santo Inácio, acontecida a 2-2-1878, com uma espécie de "nascimento místico" da sua obra. A 12 de Fevereiro de 1878 recebeu o sacerdote Rasset e comunicou-lhe o seu projecto de uma obra reparadora e teve em conta as luzes de oração da Irmã Maria de Santo Inácio, muito especialmente o "êxtase" de 2 de Fevereiro de 1878. Esta data é importante na vida do Fundador, seja qual for o juízo que se faça sobre a realidade dos acontecimentos ou da sua interpretação. Basta ler sobre esse tema a relação posterior que dele fez o Pe. Fundador em NHV XIII, 72 (M. Denis, "Le Projet du P. Dehon", p. 64.

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Terça-feira, 8 de Fevereiro de 1881

Sobre a prática da obediência

Ver Deus nos Superiores, e em particular, habituar-se a considerar cada acto de obediência como feito ao próprio Deus. Do mesmo modo que o pai ocupa o lugar de Deus na família, o príncipe no Estado, assim o superior é o intermediário das ordens de Deus para os religiosos. S. Paulo aconselha isso, mas aos escravos, quer dizer, a propósito de uma autoridade mais discutível do que todas as outras: a do dono do escravo.

Servi, obedite... dominis carnalibus sicut Christo (Col 3, 22). Sem dúvida que se não virmos a Deus nos nossos superiores, somos os piores dos escravos. Era o pensamento de S. Luís Gonzaga. Mas se obedecemos a Deus nas suas pessoas, somos os mais honrados dos servidores.

Quarta-feira, 9 de Fevereiro de 1881

Vimos que um conselho sobre a prática da obediência é ver a Deus até no superior; mas isso é para todos os religiosos; quanto a nós, devemos acrescentar a consideração que inspira acima disso o nosso próprio espírito. Em lugar de Deus ponhamos o Coração de Jesus.

Assim a nossa vida é uma imolação. Pois bem, a obediência é a forma habitual da imolação. Portanto devemos praticá-la como uma imolação directo vendo a Deus nos nossos superiores.

O mesmo quanto às outras reflexões sobre este tema. Compara-se a obediência do religioso à da criança nos braços da sua ama, ou à do cordeiro que segue o seu dono. Quem nos alimenta melhor do que o Coração de Jesus? Quem quer ver em nós cordeiros, mais do que o Coração de Jesus, cordeiro Ele mesmo até ao céu, e donde tem esse nome e figura? Também é comparada à cera mole que se deixa modelar sem resistência, tomando qualquer forma. Não é isso o que quer o divino Coração: modelar-nos à semelhança dele?

Sejamos, finalmente, generosos. Respondamos às suas graças com uma obediência completa. Apenas espera isso para realizar a sua obra salvadora no mundo. É indubitável que Ele depende de nós para apressar a sua obra. Deixa isso à nossa generosidade. Não o contristemos com a nossa tibieza.

Sexta-feira, 11 de Fevereiro de 1881

Sobre a perfeição da obediência

Ver a Deus nos superiores e (primeira consequência) em particular, considerar as suas ordens como as do próprio Deus, é o primeiro conselho sobre a perfeição da obediência.

Uma segunda consequência do princípio do que se deve ver nos superiores é pôr-se inteiramente nas suas mãos como nas de Deus.

S. Antão estimava extremamente a disposição para apoiar nela o seu discípulo S. Paulo, o Simples. Mandava-lhe fazer cestos para os desfazer em seguida, preparar a mesa como para comer, sentar-se e logo levantar-se e deixá-la como se tivesse comido, colher legumes durante dias para atirá-los ao chão. É que, com efeito, ainda que não houvesse para isso outra razão mais do que o sacrifício da vontade, o que há de mais íntimo em nós, isso já seria uma excelente razão. Por isso para nós, que estamos obrigados à obediência interior do juízo e da vontade, a primeira e melhor razão será: o superior quer imolar a minha vontade. Por muito estranhas que nos pareçam as ordens recebidas, seja qual for a parte que o capricho ou a fraqueza que

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pareça haver nelas, sempre podemos supor que é para imolar a parte mais íntima de nós mesmos, quer dizer, para nos fazer viver a vida de imolação que viemos procurar.

S. Francisco de Assis gostava muito deste abandono do religioso ao seu superior; tomai - dizia ele - o corpo de um homem morto há umas horas, vestido de púrpura ou de farrapos, colocai-o sobre um trono ou sobre a terra nua, pensais que fará reflexões sobre isso? Assim deve ser o religioso, a indiferença de um cadáver para com o que se fizer dele; e é dele que tomou a expressão S. Inácio.

S. Bernardo, que era conhecido na vida religiosa pela sua obediência, admirava-se com estas palavras de S. Paulo: Domine, quid me vis facere? (Act 9, 6). Ir para a frente, ou voltar atrás, desta ou daquela maneira, nada se reserva; é uma frase ainda eficaz para aqueles que a repetem: tenhamos o gosto de a repetir também, mas especificando o próprio da nossa vocação: que fazer para amar e reparar? Este primeiro conselho da obediência a Deus nos superiores pode conduzir à mais alta perfeição da obediência e, por conseguinte, pode ser suficiente para a

obediência que nos é pedida17.Outro conselho é não julgar as ordens dos superiores; acabamos de ver o que pensavam

os santos sobre isso.

Segunda-feira, 14 de Fevereiro de 1881.

Vimos como devemos exercitar-nos na obediência interior e que uma das razões é esta: o superior deve ter boas razões para me mandar isto.

A obediência interior, que entre nós é de rigor, é muitíssimo recomendada por todos os fundadores de Ordens.

Santo Inácio pede uma obediência cega porque - diz - é preciso fazer do religioso um filho de Deus e não um forçado. Sem ela, com efeito, o religioso tem a contradição de um forçado enquanto que com ela tem a de filho de Deus.

Não devemos ter medo de submeter o nosso juízo e a nossa vontade por meio de uma obediência cega.

Qual é, com efeito, a regra suprema do juízo e de toda a vontade? Não é a vontade e o juízo de Deus? Pois bem, onde encontrá-los melhor expressos do que na vontade e no juízo dos superiores que ocupam imediatamente o seu lugar?

A obediência cega é também um remédio contra uma tentação que já teve lugar para alguns noviços: para lhes ensinar o que é o seu juízo próprio, Nosso Senhor priva-os de uma luz sem a qual não vêem mais do que ausência de razão e de sentido comum na conduta do superior; tudo o que faz lhes parece mal; só a obediência cega pode ultrapassar esta tentação.

17 O Pe. Dehon partilha de um conceito rigidamente ascético e "escolástico" da obediência. Sem dúvida S. Tomás concebia a obediência como uma busca coordenada (ainda que subordinada) da autoridade e dos súbditos no que se refere ao bem comum. Santo Inácio admite que os súbditos expressem a sua avaliação pessoal sobre o mandato recebido. Contudo, no conceito ascético e "escolástico" da obediência o contributo do súbdito não é indispensável; pode admitir-se e tolerar-se o diálogo, mas não se exige.Aprofundando a história da salvação, especialmente depois do Vaticano II, compreende-se como todo o povo de Deus, e de forma mais restrita toda a comunidade religiosa, são chamados a realizar o plano de salvação do Pai, na caridade comunitária de Cristo. O superior, por conseguinte, precisa da colaboração de todos os seus irmãos para interpretar os sinais dos tempos e conhecer a vontade de Deus. Daí a necessidade do diálogo entre autoridade e súbditos. A decisão última pertence à autoridade e pode exigir a renúncia às ideias pessoais próprias.A obediência cristã e especialmente religiosa é participação no mistério pascal de Cristo. Assim se chega a viver esta imolação, que é tão querida ao Pe. Dehon.A obediência religiosa tende a conformar o religioso com a vontade divina, frequentemente por meio da oferenda da sua personalidade como hóstia-sacrifício a Deus. A obediência de "olhos abertos", isto é, com adesão total da inteligência e da vontade, por motivos de fé, é muito mais digna de uma pessoa e de um filho de Deus do que a obediência "cega", "perinde ac cadaver".

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CF V

Quarta-feira, 16 de Fevereiro de 1881

Da prontidão da obediência

A submissão do juízo e da vontade implica a prontidão da obediência. Quando se está muito decidido, não se tarda a executar. O nosso voto obriga-nos a submeter prontamente o nosso juízo e a nossa vontade, mas a prontidão na execução não pode ser mais do que um conselho. Caso contrário dava-se matéria ao escrúpulo para saber se o pecado contra o voto começa depois de um ou cinco minutos de atraso.

Mas a prontidão na execução segue a prontidão da obediência do juízo e da vontade. Entre os santos era bem notável; à voz da regra deixavam tudo; também os apóstolos S. João e S. Tiago, ao ouvir o chamamento de Jesus, não ficam a pensar; não ponderam as considerações para o atrasar; são bem diferentes daqueles religiosos que quando recebem uma ordem começam a procurar razões e só a aprovam quando as adivinharam...

Recordai isto como muito importante: tudo o que se faz depois do sinal é a parte do demónio. Dá-se o sinal de levantar; ficais dez minutos na cama; é a parte do demónio, que assim obtém as primícias. O mesmo no estudo: se se continua depois do toque da campainha, é-lhe oferecida a parte final do exercício e as primícias do seguinte.

A prontidão da submissão da vontade e do juízo não proíbe as observações, e às vezes pode até ser coisa boa e útil faze-las; mas é preciso faze-las com absoluta indiferença quanto ao resultado.

Mas o religioso não deve casar o superior com continuas observações, que então tenderiam a que o superior fizesse a vontade do súbdito em vez deste fazer a do superior. Faz falta aceitar o que nos é imposto, expor a própria incapacidade se ela se julga real e logo obedecer. Deus ajudará e suprirá a incapacidade por meio da ajuda da sua providência, pois é próprio da sua providência ordinária ajudar o obediente. Há milagres realizados pela obediência.

Se, pelo contrário, o religioso conseguisse induzir o superior a que faça o que deseja, esse religioso não encontraria já nenhuma graça no cargo assim conseguido: Deus abandoná-lo-ia a si mesmo, por ter feito a sua própria vontade.

Sexta-feira, 18 de Fevereiro de 1881.

As qualidades da obediência perfeita

Vejamos ainda alguns preceitos e exemplos dos santos sobre a prontidão da obediência. Estando S. Bernardo em êxtase, ouviu-se o sino a chamar para um exercício dos mais simples, como é varrer ou outra ocupação semelhante. Abandona Nosso Senhor, dedica-se ao seu dever e volta para rezar; reencontra Nosso Senhor que lhe diz: Se não Me tivesses deixado, Bernardo, Eu mesmo te teria abandonado. Isto prova a importância que Nosso Senhor dá à obediência nas mais pequenas coisas.

Encontrando-se Santa Lutgarda na mesma situação, disse a Nosso Senhor: Esperai-me aqui, Jesus, voltarei em breve. E, de facto, Nosso Senhor esperou por ela. O Beato Pedro Lefèvre, um dos primeiros companheiros de Santo Inácio, encontrando-se enfermo em Nápoles, recebe ordem de regressar a Roma. Os médicos e os seus amigos opunham-se; poderia ter-se composto uma bela dissertação para dispensá-lo de obedecer; mas ele respondeu com estas lindas palavras: Um religioso não fez voto de viver, mas fez voto de obedecer. E efectivamente, ele obedeceu. A sua obediência custou-lhe a vida. Este martírio de obediência mereceu-lhe uma glória imensa no céu como ele mesmo revelou a uma pessoa a quem apareceu.

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CF V

S. Bernardo tem uma expressão exagerada para fazer compreender o que deve ser a prontidão na obediência: o verdadeiro obediente - diz - já obedeceu antes que lhe seja mandado. S. Basílio diz por sua parte que o verdadeiro obediente deve comportar-se na obediência como um faminto no refeitório.

Outra qualidade da obediência perfeita é ser inteira: não ater-se só ao que foi estritamente mandado, mas incluir tudo o que estiver legitimamente contido na ordem.

Santo Inácio dizia: obedecer a uma ordem formal, está muito bem; obedecer a uma simples ordem, está melhor; mas antecipar-se à ordem e executar um desejo é a obediência perfeita.

Finalmente, outra condição ainda: é a alegria, obedecer alegremente. Isto podia inscrever-se no primeiro capítulo das nossas regras; obediência alegre. Com efeito, que viemos fazer senão consolar Jesus? Não O consolamos pala tristeza; aumentamos a Sua quando fazemos uma cara triste ao superior, pois é a Ele mesmo que a fazemos. Queremos consolá-l´O com sacrifícios, mas esta oferta deve ser alegre; Hilarem datorem diligit Deus (2 Cor 9, 7); e não naquilo que fazemos com tristeza e como obrigação. Poderíamos tomar como lema essas palavras de S. Paulo. Devemos considerar-nos ditosos por sofrer, pois então somos mais capazes de corresponder à nossa vocação. Quantos mais sacrifícios houver mais alegres devemos estar; pelo contrário devemos estimar pouco um dia sem qualquer sofrimento. Há alguns religiosos que não querem compreender isto, que fazem ao seu superior uma cara triste e aborrecida, que têm o mérito muito material de pôr à prova a paciência do seu superior e que não compreendem que é ao próprio Nosso Senhor que manifestam tristeza. Estes estão longe da perfeita obediência e o seu sacrifício não é nada agradável a Nosso Senhor.

Segunda-feira, 21 de Fevereiro de 1881

Insistamos ainda na nossa querida obediência; por ela podemos oferecer todos os dias sacrifícios.

Um conselho para chegar à perfeição da obediência é obedecer a toda a espécie de superiores. Quer dizer; primeiro, tanto ao superior intermediário como ao superior maior, àqueles que o seu cargo põe acima de nós. É sempre Deus que age como superior nas suas pessoas, por isso se lhes deve a mesma obediência.

Mas em segundo lugar também devemos obedecer a todo o superior, qualquer que seja, isto é, quaisquer que sejam as suas qualidades ou as suas imperfeições; S. Pedro recomenda-no-lo expressamente. Primeiro prepara para isso os cristãos a quem escreve e indica-lhes com que disposições devem estar: Deponentes igitur omnes malitias; ... sicut modo geniti; como criancinhas desejai o leite razoável, isto é, aquele que alimenta as vossas almas. Sine dolo... concupiscite (cf. 1 Pe 2, 1-2). Pedi com toda a simplicidade aquilo de que precisais.

Sede submissos aos vossos superiores, mesmo aos desagradáveis. Que mérito há, com efeito, em obedecer quando nos é mandado com delicadeza o que nos agrada? Mas obedecer quando a ordem nos desagrada pelo conteúdo ou pela forma, haec est gratia Dei (cf. Rom 7, 25), é isso que torna agradável a Deus quando alguém, tendo consciência de que Deus está no seu superior, ultrapasse todo o desgosto que lhe causa uma ordem e sofre, sem o ter merecido, os sofrimentos que lhe causa: Si propter Dei conscientiam sustinet quis tristitias, patiens injuste (1 Pe 2, 19). Com efeito, onde está o mérito de suportar um castigo que segue ao nosso pecado? Mas se actuamos rectamente e apesar disso sofremos pacientemente, isso alcança-nos a graça de Deus. Essa é a nossa vocação, continua o Apóstolo; com quanta mais razão é a nossa. Christus passus est, Cristo sofreu e, sem dúvida, peccatum non fecit, era inocente, tradebat judicanti se injuste (1 Pe 2, 21-23). Também nós, mesmo quando tivermos que relacionar-nos com superiores imperfeitos, duros, negligentes, os últimos da casa em mais do que um aspecto, obedeçamos também nessa ocasião. Haec est enim gratia apud Deum (1 Pet 2, 20).

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CF V

Hoje, para agradecer a Nosso Senhor ter-nos concedido a graça da exposição todas as sextas-feiras, pois foi ele que o permitiu por meio de Mons. Thibaudier, começaremos uma novena de acção de graças.

Sexta-feira, 25 de Fevereiro de 1881

Avisos e direcção

Há vários pontos que deixam a desejar; um dos primeiros é a recitação do Ofício divino; o costume de o rezar particularmente faz com que nos precipitemos nesta recitação. Sem dúvida, aqui, mais do que noutro lugar, a salmodia deve ser grave, e o ofício, bem recitado para ser reparação. Um meio para chegar a isso é a atenção não só geral que se contenta com uma ideia para cada salmo ou nocturno, mas a atenção literal que se ajusta a cada versículo e a cada frase do salmo. Esta atenção obrigará com a maior naturalidade a moderar a precipitação; e para oferecer um Ofício verdadeiramente reparador esta atenção literal é-nos absolutamente necessária.

Outro ponto muito descuidado é a modéstia. Existem sobre este ponto uma regras da Companhia de Jesus que foram adoptadas pelas Congregações modernas. Cada noviço deve copiá-las para a ler e reler a seu gosto. A modéstia regula todo o nosso exterior; proíbe, por exemplo, correr, como fazeis, nas escadas; toda a ruga na cara, inclusivamente na boca ou no nariz, porque se deve mostrar sempre o nosso sossego e uma alegria tranquila mais do que uma cara triste; é sempre faltar à regra aparecer com a tristeza no rosto.

O silêncio é também uma coisa importante; não o observando, privamo-nos de graças preciosas. Devemos guardá-lo em todo o lado, menos no recreio: por todo o lado, inclusivamente na cozinha, onde tão frequentemente pensais que se pode tagarelar.

Nunca devemos rir às gargalhadas, mas contentar-se em sorrir para não ser arrastados à dissipação.

Primeira sexta-feira, 4 de Março de 1881

(Tomada de hábito dos Padres Miguel e Paulo da Cruz)18.

Exulta et lauda, habitatio Sion, quia magnus in medio tui Sanctus Israel (Is 12, 8).Alegremo-nos por três razões:1º hoje é o aniversário dos votos de vítima feitos por algumas almas santas em favor Obra

do Coração de Jesus;2º hoje é a primeira das sextas-feiras de cada semana em que teremos a dita de ter

visivelmente a Jesus entre nós.Mons. Thibaudier concedeu-nos a adoração nas sextas-feiras.Num dia semelhante, há um ano, concedeu-nos a adoração nas primeiras sextas-feiras.3º hoje é um dia de crescimento para a nossa Obra, que contará com mais dois membros.Repitamos com Isaías o cântico do Sagrado Coração, repitamo-lo com a Igreja que o

converteu em epístola da missa do Sagrado Coração: Confitebor tibi, Domine, quoniam (Is 12, 1)

18 Miguel Maria Venet, no mundo Júlio, nascido em S. Quintino a 20-11-1857, ingressou nos Oblatos a 4-2-1881, e saiu em Novembro de 1895 (RV, 3).O Pe. Paulo da Cruz Maria Delgoffe, no mundo Artur, nascido em Chapelle-St.Laurent (Bélgica) a 1-1-1861, entrou nos Oblatos a 15-2-1881. Fez a sua primeira profissão a 24-3-1882. Ordenado sacerdote em Soissons a 29-6-1886, foi superior da casa de Quévy (1910-1913) e de Brugelette (1914-1917). Morreu a 18-5-1944 em Jolimont (Bélgica) (RV, 3; Nec 47).

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CF V

a sua cólera deu lugar ao seu amor; da lei do temor, o seu povo passou à do amor; porquê? Porque veio - ecce (Is 12, 2), o Deus Salvador ou Jesus, porque tudo isto é uma e a mesma coisa em hebraico: confiança, fiducialiter agens, e nada de temor: Deus é minha força, minha glória e o termo hebraico significa também: cantatio mea, o objecto dos meus cânticos: Dominus (cf. Is.

12, 2) em hebraico será Jehová, isto é, Deus ex Deo, Deus Dei, Jesus Cristo numa palavra19; veio salvar-me: factus est mihi in salutem (Is 12, 2). Haurietis aquas (Is 12, 3): a água da graça, a água do amor encontrá-la-eis no seu Coração e vos alegrará, et dicetis in die illa: sim, direis então nestes últimos tempos, vós que tendes todo o seu Coração: Confitemini Domino (Is 12, 4); reconheçamos a Deus e invoquemos o seu Coração, demos a conhecer a todos os povos as invenções do seu amor: Adinventionis (Is 12, 4), que bonita palavra! Cantemos as magnificências que nos revelou e façamo-las conhecer por toda a terra. Exulta et lauda (Is 12, 6), alegra-te e louva, pequena Sião, porque o Coração de Jesus é grande e está no meio de ti. Estas últimas palavras chegam-nos como anel ao dedo hoje pelos motivos que temos para nos regozijarmos.

(De tarde, às 3 horas, foi benzida e inaugurada a Via-Sacra: o Padre João exortou a fazê-la privadamente todos os dias da Quaresma e à sexta-feira fá-la-emos publicamente).

Segunda-feira, 7 de Março de 1881

Sobre a quaresma

Saiamos mais uma vez do curso normal de conferências para falar da quaresma; há já algum tempo que não temos tido conferência e já é hora de pormos os nossos pensamentos ao ritmo das disposições que devemos ter durante esta santa quarentena.

É um tempo de graças de que devemos aproveitar. Quem o passar com tibieza e negligência é como o marinheiro que antes de partir para uma longa viagem não pense absolutamente nada nas provisões de boca, nas munições de toda a espécie que lhe são necessárias. Expõe-se a perder a sua vocação. Se todos fossem assim, Nosso Senhor, ao ver parar as suas graças, iria para outra parte mendigar corações. Se apenas alguns poucos tivessem esta negligência, poderia acontecer-lhes que não passassem o ano sem serem rejeitados para que não impeçam as graças. Cada uma das vossas acções, por pequena que seja, tem uma imensa importância pois entorpece ou acelera o desenvolvimento e crescimento da Obra.

A mortificação que se nos pede não é a mortificação corporal e as austeridades rigorosas como entre os Franciscanos, por exemplo, pois nós temos por regra unicamente o que é pedido à Terceira Ordem de S. Francisco. É sobretudo a mortificação interior, a mortificação do coração e do espírito. Noutras comunidades restringe-se quanto é possível as satisfações e gostos puramente tais como o locutório. Os que têm licença para ver os seus pais farão bem em perguntar se não seria caso de o restringir. A esta privação de visitas acrescentar a observância do silêncio. Nada de palavras inúteis; num noviciado sempre há faltas interiores, mas não deveria haver faltas exteriores. Quando vos vejo falar inutilmente fora do recreio, preferia receber uma bofetada. É como se então dissésseis a Nosso Senhor: olha, eu não preciso das tuas graças neste momento. Como mortificação de espírito, obrigar-se a conservar-se nas disposições aconselhadas para as práticas quotidianas.

É uma mortificação que leva à perfeição; fazendo cada acção com as disposições aconselhadas, fá-la-emos perfeitamente. Por isso, há que afastar do nosso espírito qualquer outro pensamento. Um noviço não deve pensar senão no momento presente. A sua prudência, no que

19 A aplicação do termo Jehovah a Cristo surpreende e é pelo menos curioso: Jehovah é um barbarismo, criado para não pronunciar a palavra sagrada Jahveh. Originariamente a Bíblia estava escrita só com consoantes. As consoantes de Jahveh era JHVH. Quando o leitor as encontrava no texto, devia ler: Adona i= Senhor. Quando os Massoretas vocalizaram o texto sagrado, puseram sob as consoantes de Jahveh as vogais de Adonai, a título de recordação ou chamada de atenção. Só mudaram o primeiro A em E donde deriva JeHoVaH = Senhor e para o Pe. Dehon = Cristo.

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CF V

se refere ao futuro, é a do seu superior. Não pensar senão em ocupar bem o momento presente é aquilo de que todos precisam e vós também; a todos, segundo a palavra de Nosso Senhor: Nolite solliciti esse de crastino (cf. Mt 6, 34); a vós, para viver em paz e fazer esta acção perfeitamente. Era a conduta de S. Luís Gonzaga. Todo o pensamento estranho à minha ocupação actual vem do demónio, a diabolo est (cf. 1 Jo 3, 8). Devo viver o dia a dia e o hora a hora, de die in diem, de hora in horam. Neste momento, por exemplo, não tenho que pensar senão em assistir perfeitamente à conferência, como dentro de pouco apenas terei que pensar em assistir perfeitamente ao exame particular, depois ao almoço, depois ao recreio. Não me canso de repeti-lo, porque este é um meio seguro de perfeição para vós.

Quarta-feira, 9 de Março de 1881

Um dos últimos conselhos de perfeição da obediência (há 14 destes conselhos) é pôr-se na disposição de fazer perigar toda uma obra, por mais importante que seja, antes do que faltar à obediência. Santo Inácio estava tão seguro desta disposição em S. Francisco Xavier que dizia que lhe bastaria uma letra, o I, que significa "vem", acompanhada pela sua assinatura, para tirar das Índias este grande apóstolo. E certamente poderia ter alegado muitos pretextos para não regressar. A razão deste conselho é que Deus não tem necessidade de nós. Obedecer antes de mais nada: o sacrifício da obediência é mais glorioso para Deus que todas as obras possíveis.

Outro conselho é estar disponível a aniquilar-se por obediência, enterrar os próprios

talentos, se a obediência o quiser20. É uma tentação que virá mais do que uma vez: se tivesse ficado no mundo, poderia fazer muito mais do que aqui. Erro. O sacrifício dá mais glória a Deus e é mais frutuoso para as almas do que qualquer acção, por considerável que seja. E para nós o

sacrifício é a parte principal, a acção ocupa apenas o segundo lugar21. Por isso encontramos sempre muitos obstáculos nas nossas obras exteriores e as nossas próprias obras não terão esse brilho exterior que se nota nas obras nas quais a acção fica com a parte do leão.

Para terminar, recordo o conselho de segunda feira: fazer cada acção como se não faltasse senão ela antes de morrer: assistir santamente à conferência neste momento, depois ao exame particular; nenhuma outra prudência senão a dos últimos momentos da meditação ou do exame particular em que se faz uma previsão.

Este conselho devidamente seguido conduzir-nos-ia muito brevemente à santidadeseguindo os passos dos santos noviços como S. Luís Gonzaga, e Estanislau de Kostka e Berchmans.

Sexta-feira, 11 de Março de 1881

Festa da santa lança e dos cravos

A festa de hoje tem demasiadas relações com a nossa vocação para que não façamos dela o tema da nossa pequena conferência. Esta festa, ainda que de rito secundário, tem para nós uma real solenidade.

O que há de mais admirável na liturgia deste dia é a epístola que a Igreja tomou de uma passagem de Zacarias; vejamo-la juntos (cf. Zac 12, 10ss).20 Nenhum superior louvaria hoje uma obediência semelhante, sem se sentir em contradição com o Evangelho que manda pôr a render os próprios talentos. Além disso, o superior tem o dever de pôr o religioso nas melhores condições para exercer as suas qualidades, as suas graças (dons de Deus) para o bem dos homens, da Igreja, da Congregação, para a sua santificação para glória de Deus.21 Esta primazia do sacrifício só é aceitável se estiver animada por um amor superior àquele que se ponha na realização de uma acção.

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CF V

Effundam, derramarei, super domum David... esta casa de David significa bem as almas privilegiadas, pois David em hebraico quer dizer privilegiado, querido... et super habitatores Jerusalem, estes habitantes de Jerusalém são os filhos da Igreja. Quando o profeta anunciava isto, as suas palavras prolongavam-se certamente até nós, e o Espírito Santo nos incluía no sentido que Ele lhe queria dar - spiritum gratiae... - no texto siríaco o vocábulo quer dizer compaixão e neste sentido concilia-se melhor com o que segue: et adspicient ad me que confixerunt; o espírito de compaixão, que seguirá à oração, se apoderará deles à vista daquele a quem trespassaram. Hão-de chorá-l’O. Esta ferida que arrancará lágrimas, é menos a ferida material do que a ferida feita ao coração pelas almas escolhidas.

Esta ferida é a mais sensível, como o próprio Jesus revelou, e esta ferida do coração é causada pela indiferença, a frieza e a ingratidão do povo escolhido, enquanto que as bofetadas e as cuspidelas da paixão representam as blasfémias dos cristãos comuns.

Et plangent eum... eles hão-de chorar como por um filho único. In die illa magnus erit planctus in Jerusalem... O profeta anuncia a contrição não só dos autores da morte de Jesus mas também dos pecadores penitentes. Toda a terra há-de chorar, - diz - et planget terra: os homens por um lado e as mulheres por outro; e enumera quatro famílias: a de Levi, que representa o sacerdócio; a de David, que simboliza os amigos; quer dizer, os religiosos e as almas consagradas; as de Natã e de Semei, que representam os profetas e doutores, quer dizer, as diferentes congregações consagradas a obras externas e ao ensino. Todos hão-de chorar - diz - e então (cf. Zac 13, 1) erit fons patens domui David et habitantibus Jerusalem: haverá uma fonte aberta à casa de David. Os intérpretes vêem nela o Coração de Jesus revelado nos últimos tempos e derramando as suas graças primeiro sobre os privilegiados, domui David, depois sobre todos os cristãos (et habitantibus Jerusalem). Há-de dizer-se àquele foi tão maltratado e trespassado pela lança e pelos cravos: (Zac 13, 6) Quid sunt plagae istae...; responderá: His plagatus sum in domo eorum qui diligebant me (Zac 13, 6): estas chagas foram-me feitas por aqueles que me amavam.

Não é a queixa de Nosso Senhor a propósito das almas consagradas?Meditemos sobretudo estas últimas palavras.O que se segue refere-se à Paixão; quando a justiça de Deus golpeava a vítima, os

apóstolos fugiram: Percute pastorem et dispergentur oves (Zac 13, 7). Que não aconteça connosco o mesmo. Religiosos na Ordem do Coração de Jesus, devemos ser todos uns S. João, uns discípulos do seu Coração, no momento da provação: uns fugirão, outros renegarão temporariamente como Pedro; é necessário que todos nos mantenhamos como S. João. Por isso devemos fortalecer-nos, levando todas as pequenas cruzes de cada dia para estar fortes quando recebermos a cruz da provação que é necessária a toda a obra de Deus e que não nos faltará.

Quarta-feira, 16 de Março de 1881

Sobre o espírito de sacrifício

É preciso que insistamos hoje neste tema porque há um pouco de “deixa correr”. Ainda nos concedemos demasiada liberdade. Há pontos em que não nos queremos mortificar. E sem dúvida o sacrifício é o melhor que temos: por ele merecemos, por ele fazemos progredir a Obra. Devemos olhar como uma feliz sorte um sacrifício que se nos apresenta para fazer.

No exame particular regozijemo-nos se verificarmos que houve muito que sofrer; pelo contrário, não estimemos o dia em que não houve muito.

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Sábado, 19 de Março de 1881

Não podemos falar senão de S. José, e sobretudo de S. José nas suas relações com Jesus hóstia e vítima, quer dizer, da sua compaixão pelo seu Filho adoptivo. Esta compaixão está muito bem expressa no capítulo 53 de Isaías que a Igreja coloca na festa de Nossa Senhora da Compaixão. O que aí se diz aplica-se a todos os santos cuja vida foi uma vida de compaixão, quer dizer, de união com Jesus sofredor.

Aí está o segredo da santidade. Que veio fazer Jesus senão expiar sofrendo? A Redenção não é outra coisa senão o sofrimento expiatório e a Reparação não é mais do que a redenção continuada e realizada nas almas que seguem as pegadas de Jesus por meio da vida de compaixão, por meio da contemplação dos sofrimentos de Jesus.

Depois de Maria ninguém participou nesta vida de compaixão mais do que S. José. Os outros santos tiveram de recorrer à contemplação para seguir este caminho. S. José não teve mais do que ver com os seus próprios olhos o seu Salvador sofrendo, primeiro no presépio, depois no Egipto, depois em Nazaré.

Também Isaías o viu com uma luz profética e se sentiu totalmente horrorizado: Quis credidit auditui nostro? Quem acreditará em mim? (Is 53, 1). A quem se revelou o poder da justiça divina? Vidimus eum... despectum, novissimum virorum (Is 53, 2-3), o último dos homens; o nosso Salvador deve ser assim para expiar; foi oferecido, oblatus est, e voluntariamente, quia ipse voluit (Is 53, 7).

Aceitou e quis, voluit, este estado de humilhação e de sofrimento porque Deus carregou sobre Ele as iniquidades de todos: Posuit... in eo iniquitatem omnium nostrum (Is 53, 6). Então como um cordeiro não abriu a boca; foi vítima. Dominus voluit conterere eum in infirmitate (Is 53, 10), Deus esmagou-O sob os rigores da sua justiça.

Eis o sacrifício e o sofrimento. Vêm depois as promessas: Si posuerit pro peccato animam suam, videbit semen longaevum et voluntas Domini in manu dirigetur (Is 53, 10). Terá uma grande posteridade e o Senhor fará a sua vontade. Isto diz-se de Jesus, o Redentor, mas também dos que, unindo o seu sacrifício ao d´Ele, continuam a sua obra para a Redenção. Pro eo quod laboravit anima ejus, videbit et saturabitur (Is 53, 11): verá prodígios de graça. Se somos chamados à Reparação, seguimos os passos de Jesus, todas as suas promessas se cumprirão... justificabit... multos (Is 53, 11), resgataremos a muitos e Deus nos concederá muitas conversões e vocações: dispertiam et plurimos (Is 53, 12). Muito mais, os que se encontrem afastados, hão-de ser reconduzidos por nós, ou mesmo lhes obteremos a vocação; as almas fortes que podem pôr ao serviço de Deus uma inteligência viva e uma vontade enérgica, havemos de reconquistá-las pelo nosso sacrifício: fortium dividet spolia (Is 53, 12). Para tudo isso basta carregar bem todas as nossas pequenas cruzes de cada dia, com a cruz normal da regularidade, do silêncio. Sejamos generosos e merecedores de que se realizem estas promessas.

Segunda-feira, 21 de Março de 1881

No sábado passado sentimos que poderíamos ter podido receber mais graças, o que está muito de acordo com o que foi dito por Nosso Senhor: Concedi graças mas não todas as que tinha preparadas. Porquê?

Por causa das nossas disposições pouco favoráveis: alguns tinham-se preparado um pouco friamente, outros não o fizeram mais do que alguns dias antes da própria vigília. Estavam-nos reservadas sobretudo graças interiores, graças de confiança, de abandono à Providência, todas do mesmo género que as que constituem a glória de S. José.

Obtivemos algumas, é certo, pela misericórdia infinita de Deus e por intercessão de S. José.

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Mas podemos recuperá-las com uma generosidade maior; estamos ainda na oitava da festa e na próxima sexta-feira é a Anunciação, de que devemos aproveitar-nos para recuperar essas graças.

Essa festa de que Nosso Senhor disse que há-de ser uma das principais da nossa Ordem. Com efeito, é a festa da oblação, do Ecce venio de Jesus, do Ecce ancilla de Maria, do Servus tuus sum de S. José. Neste dia foi formado o Coração de Jesus, e a união de Maria com Ele foi mais íntima.

Preparemo-nos pela aceitação do sacrifício. Esta palavra "sacrifício" horroriza a natureza; sem dúvida fomos criados para isso e depois da perda do paraíso do gozo é no meio de sacrifícios que se desenvolve a vida. Se não o aceitarmos de bom grado, vamos tê-lo apesar de tudo e não escaparemos dele. Fortaleçamo-nos, pois, no propósito de ser generosos nesta aceitação; façamos do sofrimento um prazer e recuperaremos o que perdemos.

Segunda-feira, 28 de Março de 1881

A obediência aos caprichos dos superiores

Quem quiser obedecer perfeitamente há-de obedecer também ao que pode ser um capricho no seu superior. Os superiores raramente são perfeitos; foram feitos para sofrer mas também para fazer sofrer, porque ao velar pelo interesse geral, frequentemente têm que prescindir dos interesses privados e é nisso que consiste a mortificação da vida comunitária. Por outro lado é-lhes difícil conservar a calma e a imperturbabilidade da alma no meio das suas múltiplas preocupações. Daí esses altos e baixos, essas ordens que podem parecer ou ser mesmo caprichosas. Ainda então há que obedecer: porque - diz Bossuet -, o que é capricho no vosso superior é para vós a puríssima vontade de Deus; é Ele que quer esta provação para aperfeiçoar; o vosso amor próprio e o vosso juízo serão mais mortificados por ela e é o maior bem que vos pode acontecer.

Quarta-feira, 30 de Março de 1881

Da obediência (fim)

Esta é a última conferência sobre a obediência, e quando penso que devereis dar conta de tudo o que ouvistes nestas conferências, temo por vós, que ainda sois tão pouco obedientes e que, longe de ter chegado à perfeição, faltais ainda nos pontos mais elementares da obediência.

Terminemos com alguns pensamentos da Beata Margarida Maria. O que for mais obediente, terá maior crédito sobre o Coração de Jesus. Sublinhemos bem esta expressão de "crédito"; significa que o Coração de Jesus será nosso devedor. Obedeçamos e teremos o que quisermos. Aos cristãos comuns, Jesus diz: pedi e recebereis; aos seus Oblatos tem o direito de lhes dizer: dai e recebereis; dai imolações, sacrifícios e obtereis graças, vocações, tudo quanto pedirdes.

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Sexta-feira, 1 de Abril de 1881

Festa do preciosíssimo Sangue de Jesus

Sobre a mística do Sangue de Jesus.Convém meditar, sobretudo a nós, sobre a mística do Sangue de Jesus.Com efeito, que é que nós amamos, nós, mais n´Ele? Não é o seu Coração?Pois bem, o sangue é fruto do Coração tal como o vinho o é da vinha. Por isso devemos

apegar-nos especialmente a Ele. Por outro lado, é estupendo conhecer esta mística no tempo da Paixão, que recorda as suas principais efusões.

A figura deste sangue divino está no vinho que Deus na sua bondade deu aos homens. O pão e o vinho são figura, aquele da carne, este do Sangue de Jesus. Estes dois elementos que na ordem natural são o alimento do homem, são a figura da Carne e do Sangue que na ordem sobrenatural são alimento da alma. Eles dão a vida e a alegria como a carne e o sangue de Jesus dão a vida e a alegria aos que deles se alimentam.

As efusões deste sangue divino são indicadas em sete circunstâncias: na circuncisão, onde Nosso Senhor para obedecer à lei derramou a primeira gota de sangue; na agonia, na qual um suor de sangue correu até ao chão: este suor milagroso não pôde ser produzido senão por uma dor ímpar, uma dor indizível do Coração de Jesus. Que é, pois, o que mais dor causa neste momento terrível? Disse-o em Paray-le-Monial: É que há almas consagradas que me mostram esta ingratidão. Por isso a recordação desta efusão nos deve afectar muito especialmente.

Uma terceira efusão teve lugar na flagelação sob os golpes dos flagelos metálicos que laceravam a sua carne; outra, ainda, na coroação de espinhos. Ele quis esta coroa de espinhos para expiar especialmente os pecados de cabeça, de pensamento, isto é, dos que, dedicados mais habitualmente a ocupações intelectuais, pecam mais facilmente por pensamentos; ou também, dizem os intérpretes, para expiar os pecados da cabeça da Igreja, isto é, dos sacerdotes e dos religiosos. Motivo para que nos unamos amorosamente à dor que lhe causa esta efusão de sangue.

Uma quinta efusão teve lugar quando Lhe despiram os seus vestidos pegados à carne; a sexta, quando cravaram as suas mãos e os seus pés.

Finalmente, a sétima, a que mais chega ao coração, é a efusão de sangue do seu Coração. Quis dar até à última gota e abrir-nos ao mesmo tempo esse Coração para nos dar asilo nele. Esta, mais do que qualquer outra, deve atrair todos os nossos pensamentos e a nossa contemplação.

A perpetuidade do seu Sangue foi-nos assegurada na Santíssima Eucaristia, esta relíquia e recordação das suas maravilhas. Os santos deixaram-nos relíquias; convinha que o Santo dos Santos os ultrapassasse a todos também nisto: Memoriam fecit mirabilium suorum (Sl 110, 4). É a maravilha por excelência: Quid mirabile frumentum electorum et vinum germinans virgines, dizia um profeta (cf. Zac 9, 17). Este vinho vamos bebê-lo no céu, como diz Nosso Senhor no dia da santa Ceia: Non bibam amodo de hoc genimine vitis, donec bibam illud novum vobiscum in regno Patris mei (Mt 26, 29).

Mas há que vir às aplicações. Os santos mártires foram os que caminharam com mais brilhantismo por este caminho da imolação, e fizeram-no bem generosamente, testemunha um

Santo Inácio de Antioquia (de quem nos sentimos ditosos por ter hoje um filho espiritual)22 que impedindo os seus irmãos de rezar por ele, temia perder a ocasião do martírio: que eu me torne trigo de Cristo e seja macerado como a uva para me tornar um vinho delicioso para Ele.

22 É o Pe. Inácio Lefèvre, no mundo Emiliano, nascido em Le Herie la Viérille a 3-9-1846, que ingressou nos Oblatos a 25-3-1881, fez a profissão a 1 de Junho de 1883 e saiu a 1-6-1884.

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CF V

Mas não há só o martírio com derramamento de sangue: tudo o que desgasta a vida é de certo modo uma efusão de sangue, uma perda, uma consumpção de sangue. E há duas coisas que a desgastam mais do que qualquer outra: o amor e o sofrimento. Por aí é que nos é possível dar o nosso sangue. Alguns talvez venham a ter a graça de o derramar de um modo esplendoroso pelo martírio, pois temos missões, mas todos podem dá-lo, por exemplo, consumindo-se no serviço do Coração de Jesus por meio da regularidade, pelas mortificações que se apresentem e, sobretudo, pelo amor. Os que o derem assim, terão certamente mérito e obterão a palma do martírio.

Segunda-feira, 4 de Abril de 1881

Motivos para nos unirmos à Paixão de Nosso Senhor

Devemos unir-nos à Paixão de Nosso Senhor uma vez que os seus sofrimentos são o fundamento dogmático da nossa Obra. Não é a vida de sacrifício o fundamento da nossa vida como o foi da de Jesus? Como motivos, temos cinco para meditar:

1º a expiação e reparação pessoal; era o motivo mais comum na antiga lei e Job, que tanto sofreu, via perguntar-lhe os seus amigos qual crime tinha cometido para ser provado de tal modo; e ele mesmo, no excesso da sua dor, queixando-se como vítima, perguntava a si mesmo porque sofria daquele modo, já que não tinha consciência de grandes crimes, mas acrescentava que faltas também leves são sempre uma grande ofensa, ao serem cometidas contra o Ser infinito. A este motivo de sofrimento geralmente admitido, acrescentava-se o motivo da prova; e Job também o aceitou. Deus é o senhor, dizia; Ele quer provar a minha fidelidade; que se faça a sua vontade.

A estes motivos de justiça e de prova que dominavam na antiga lei, acrescentam-se sob a nova lei do amor, o motivo da compaixão pelos sofrimentos de Jesus. Jesus sofreu tanto por mim, eu devo sofrer por Ele; posto que Ele me amou até sofrer a morte, eu devo amá-lo até sofrer o que a Providência me impuser. Os Apóstolos S. Pedro e S. Paulo encheram as suas epístolas com estes sentimentos que não eram senão a expressão dos seus: eles consideravam uma dita, um dom, sofrer por Jesus: Ibant gaudentes a conspectu concilii, quoniam digni habiti sunt pro nomine Jesu contumeliam pati... (Act 5, 41). Vobis donatum est pro Christo, ut non tantum in eum credatis, sed ut pro eo patiamini… (cf. Fil 1, 29); Christi passionibus gaudete ( 1 Pe 4, 13).

A este motivo de amor a Jesus acrescenta-se o da glória de Deus. Jesus, a sabedoria infinita, procurou a maior glória de Deus por meio do sofrimento. Por meio dele, portanto, também nós a procuraremos. Quando Deus anuncia que vai fazer de Paulo um vaso de eleição e um grande apóstolo, que meio reserva para o conseguir? O sofrimento: Ego enim ostendam ei quanta oporteat pro nomine meo pati (Act 9, 16).

Último motivo: o amor das almas, a reparação que o sofrimento realiza: Jesus resgatou-nos pelo sofrimento, e pelo sofrimento chegaremos a ser co-redentores como Maria o foi: Adimpleo in carne mea ea quae desunt passionum Christi (Col 1, 24). Jesus quis deixar-nos um pouco a fazer seguindo o seu exemplo: concluamos, pois, como o Apóstolo: Christo igitur passo in carne, et vos eadem cogitatione armamini (1 Pe 4, 1): armai-vos com o seu pensamento; mas Ele não tinha mais do que um, creio eu, um pensamento fundamental de que procedia tudo o demais: Ecce venio... ut faciam voluntatem tuam (Heb 10, 7). Soframos nós também com este pensamento; mas soframos sobretudo por meio do espírito e do coração, não nos contentando em aceitar exteriormente a cruz. Soframos as privações que a regra pede, como o silêncio, a mortificação. Santifiquemos assim este tempo da Paixão dos sofrimentos de Jesus.

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CF V

Quarta-feira, 6 de Abril de 1881

Do voto de imolação

Depois de três meses de conferências sobre a obediência, tudo o que lhe diz respeito deve estar claro para nós. Sabemos que é precisa uma obediência de juízo, que aceite como um bem tudo o que o Superior ordene, obediência de vontade, isto é, obediência pronta.

Em seguida deveríamos falar da castidade, mas como não se pode falar muito sobre estas matérias, não falaremos senão um pouco sobre este tema. Estou impaciente por falar do voto de imolação, que é o fundamento da nossa vida.

A conferência de segunda-feira foi uma boa preparação para este tema, ao fazer-nos pensar nos sofrimentos de Nosso Senhor. Compati, é a palavra que encontramos sempre na boca dos grandes porta-vozes de Jesus, Pedro e Paulo: sofrer em união com Nosso Senhor, imolar-se como Ele e com Ele, demonstrar que compreendemos o seu amor que O imolou por nós, imolando-nos a nós mesmos.

A vida de imolação é o que constitui o fundamento do Evangelho, e a Imitação de Nosso Senhor, que é o Evangelho codificado, a pregação em cada uma das suas páginas. Pois bem, não é legítimo colher nestes conselhos de imolação alguns pontos particulares que nos obriguemos a observar por voto? Que pode haver de mais justo e menos temerário? Os que se ofuscam por isso não experimentam interesse (?).

Antes de passar aos pormenores das obrigações deste voto convém considerar a sua finalidade: quando alguém tem uma finalidade bem determinada, avança mais seguramente; quando alguém se compenetrou bem disso, é capaz de tudo. Até onde não chega o homem que fixa para si um objectivo bem definido de que é entusiasta, por exemplo, a honra? Chegou-se até ao heroísmo para a alcançar; o mesmo com as riquezas, o mesmo quanto ao amor, inclusivamente natural e permitido; nenhum sacrifício é custoso; não se retrocede perante nenhuma imolação para conseguir esse fim que se propôs. Aí tendes aquilo de que é capaz um fim natural. E um fim sobrenatural? A posse de Deus, e com Ele de toda a honra e de todas as riquezas, não gera entre os cristãos heroísmos parecidos?

Para a glória de Deus e em prova da superioridade do sobrenatural sobre o natural, milhões de mártires, de santos de todos os tempos e de todos os lugares estão aí para atestar que o fim sobrenatural é mais poderoso ainda para fazer heróis.

Mas este fim sobrenatural diferencia-se conforme os santos e pode dizer de cada um: Non est inventus similis illi (Sir 44, 20). Cada família de santos tem o seu carácter, o seu fim sobrenatural particular que a conduz à santidade pelo entusiasmo que lhes inspira. Assim uns tinham por fim reproduzir a pobreza de Nosso Senhor. Quanto a nós, o fim sobrenatural pelo qual quereria infundir-vos um entusiasmo extremo é a glorificação do Coração de Jesus vítima de amor e de reparação. Este é o nosso fim especial para o qual deve tender toda a nossa vida. É para isto que apontam as regras e as constituições, que podem resumir-se em duas palavras: oferecer logo de manhã a jornada e aceitar todas as cruzes que a Providência nos prepara ao longo do dia. Aí tendes a imolação que nos é pedida; sejamos generosos em responder a ela e empenhemos em alcançar o nosso fim o mesmo ardor que pomos em fins muito menos nobres.

Sexta-feira, 8 de Abril de 1881

Festa da compaixão da Santíssima Virgem

Esta festa não passaria despercebida para nós, pois é a festa de todos os discípulos da Cruz e não só a da SS. Virgem.

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O pensamento da liturgia é mesmo celebrar neste dia a Compaixão experimentada ao pé da Cruz, por todos os que amam a Jesus. É, pois, a festa das primeiras vítimas do seu Coração, dos nossos irmãos e irmãs mais velhos. Sem dúvida, não houve em absoluto, depois da dor de Jesus, uma dor mais intensa na criação do que a de Maria; mas também foi grande a de S. João, Maria Madalena e outros discípulos da Cruz.

No intróito a liturgia faz memória deste grupo de amigos fiéis e reprodu-la ainda mais claramente na oração, depois na secreta, invocando a intercessão de todos esses santos compassivos.

A intenção da Igreja ao colocar esta festa para todos os cristãos imediatamente antes da Semana Santa foi convidar-nos a unir-nos mais especialmente à paixão do Salvador como o fizeram a SS. Virgem e os outros discípulos da Cruz.

O Stabat, não é outra coisa senão um louvor a Maria e uma oração para lhe pedir este espírito de compaixão que ela possuía tão plenamente. Todo o Stabat que não recitamos frequentemente, excepto uma estrofe que, não obstante, o resume totalmente, não contém outro sentimento senão a compaixão.

Posso assegurar-vos que é também intenção de Nosso Senhor que nos unamos muito especialmente a esta vida de compaixão dos discípulos da Cruz por meio de uma constante generosidade durante estes dez dias, para que Ele nos possa dar graças abundantes no dia da Ressurreição. Se correspondermos, Ele não nos faltará. Sejamos, pois, generosos. Por outro lado, é tão fácil e tão doce este sacrifício da regularidade e do silêncio! E se a estes se acrescentarem alguns excepcionalmente como a tristeza, as obscuridades, as tentações, aceitar também esta prova e sofrê-la unidos ao sofrimentos de Jesus.

Segunda-feira, 11 de Abril de 1881

Como vimos, a imolação é o fundamento da vida cristã. Jesus veio à terra para se imolar à justiça do seu Pai e convidar os homens a segui-l’O por este caminho: Qui vult venire post me, abneget semetipsum, tollat crucem suam et sequatur me (cf. Mt 16, 24; Lc 9, 23). O modo como mais se manifestou foi como vítima, primeiro nas figuras da antiga Lei: Abel, o Cordeiro pascal, o pão do sacrifício, Isaac; na Nova lei: quis que a sua imagem mais comum fosse o crucifixo, que a sua realidade mais frequente fosse a hóstia na Eucaristia. Que quer dizer hóstia senão vítima?

É pois como vítima que O vemos mais frequentemente. Mas do mesmo modo que é justo que certas Ordens adoptem certas virtudes do Salvador para as imitar especialmente e fazem delas a sua característica própria, igualmente é justo que a virtude da imolação se converta no carácter específico da Ordem do seu Coração; por outro lado convinha que fosse assim para responder ao pedido feito à Beata Margarida Maria: Busco vítimas para o meu Coração, e por outras razões mais.

Se, pois, queremos imitar mais especialmente a virtude da imolação examinemos o que faz falta para isso: Ele imolou-se: Ecce venio. Como? Ut faciam voluntatem tuam (Heb 10, 7), fazendo a vontade de seu Pai. Façamos o mesmo. Por isso temos nós, antes de mais nada, no princípio de cada jornada, uma oferenda a fazer: a oferenda das nossas orações, das nossas acções, dos nossos sofrimentos, da nossa vida, em união com o Coração de Jesus, em sacrifício

de reparação, de expiação, de acção de graças e de amor23.

23 Ver mais acima (CF III, 39, nota 12) o que se disse acerca do voto de imolação que é sobretudo um voto de oblação. O Pe. Fundador insiste frequentemente sobre esta obrigação matutina: a oblação no início de cada dia, sentindo-se tão preocupado em formar verdadeiros oblatos que chegou ao ponto de ter sonhado com um voto especial sobre este particular.Toda a oblação supõe a imolação, isto é, a oblação generosa nos sacrifícios que se impõem (cf. M. Denis PPD, pp. 35-36).

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CF V

Segunda-feira, 18 de Abril de 188124

Nestes dias de alegria em que se reúne toda a família, não pensemos que seja preciso passá-los em absoluto descanso; aproveitemo-los para o futuro. O descanso não é cá da terra: Non veni pacem mittere sed bellum (cf. Mt 10, 34). Retemperemo-nos no espírito de imolação: façamos em cada instante o sacrifício que nos pede a regra. É com estes pequenos sacrifícios que merecemos fazer os grandes, nos dias de provação que segundo as previsões também naturais, mas muito mais ainda sobrenaturais, nos estão reservados num futuro não longínquo. Estes grandes sacrifícios são mais fáceis porque a graça é proporcionada, o brilho diminui a sua amargura, mais não se podem merecer senão por meio dos pequenos sacrifícios de todos os dias: Quia super pauca fuisti fidelis, supra multa te constituam (Mt 25, 21-23): se fores fiel nos pequenos sacrifícios, conceder-te-ei fazer outros mais gloriosos ainda.

O sacrifício da nossa vida que todos somos chamados a realizar, que para uns será tardio, para outros muito menos longínquo, e que pode ser um sacrifício bem manifesto ou apenas interior, já que nenhuma morte entre nós será natural, mas que se relacionará sempre com alguma causa sobrenatural, esse sacrifício será preparado pela imolação quotidiana, pela morte de todos os dias: Quotidie morior (1 Cor 15, 31).

Foi o que sucedeu aos Apóstolos que iam alegres por terem tido que fazer um sacrifício. Experimentaremos esta alegria se se apresentar ocasião parecida, se houver imolação quotidiana.

Terça-feira, 19 de Abril de 1881

Comentário sobre as Constituições

Durante estes quatro dias comentaremos o primeiro capítulo das nossas Constituições. "Os Oblatos... têm por fim: 1º Glorificar a Deus"..., fim geral de todos os cristãos e de todos os religiosos. O fim especial é o Coração de Jesus: "louvando, amando e consolando muito especialmente o Sagrado Coração de Jesus"... quer dizer, consagrando-lhe a inteligência pelo louvor, o coração e a vontade pelo amor e todo o nosso ser pela reparação.

Queremos honrar de modo muito especial o seu amor, de que o seu Coração é a forma concreta, tal como outros honraram a sua pobreza e humildade, e como meio para chegar a este fim especial:

1º fazer acto de desagravo. Fazer acto de desagravo é a nossa vocação; foi o que Jesus fez por nós. Assim, pela manhã, alarguemos o nosso pensamento ao recitá-lo, que não seja só uma coisa pessoal mas algo oficial: falemos em nome dos nossos irmãos, de todos os irmãos consagrados; ofereçamo-los connosco e quando a Ordem for reconhecida pela Igreja como Ordem reparadora, então poderemos falar em nome da Igreja.

Mas há o acto de desagravo de acção: é o que devemos fazer todo o dia; caso contrário, o da manhã não é mais do que uma mentira, uma mentira não formal, é certo, porque é por fragilidade ou esquecimento a razão porque faltamos.

2º Oferecer-se como vítima segundo o seu beneplácito. Nós queremos imitar o Coração de Jesus; pois bem o Coração de Jesus foi vítima mais do que outra coisa, já o provamos com o nome e com as figuras que Ele escolheu mais frequentemente. Ele ofereceu-Se como vítima ao beneplácito do seu Pai e nós queremos oferecer-nos com Ele ao seu Pai e oferecer-nos a Ele como Ele se ofereceu ao Pai.

O beneplácito de Deus: aí está toda a nossa vocação, aí somos o que devemos ser; se saímos dele, caímos nas armadilhas de Satanás; se permanecemos nele, tudo está em segurança. Não é que não vamos ter tentações, mas a tentação então é uma graça, enquanto que à margem

24 Segunda-feira de Páscoa neste ano de 1881.

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do beneplácito divino é um castigo. Não tenhamos em vista outra coisa senão isto para não decairmos no espírito de amor e de reparação, quer dizer, para permanecer Oblatos.

Quarta-feira, 20 de Abril de 188125

(Comentário sobre as Constituições)

O segundo fim de todo o homem e de todo o religioso é tender à sua salvação seja pela observância dos preceitos, seja pela dos preceitos e dos conselhos ao mesmo tempo.

O religioso aponta para a perfeição a fim de imitar melhor a Jesus Cristo, mas nós, que temos sempre por centro, por sol, por bússola o Coração de Jesus, para que perfeição havemos de tender? À das virtudes desse Coração, não para as mais perfeitas, uma vez que todas tinham o mesmo grau, mas para as virtudes mais brilhantes, mais manifestas: a mansidão e a humildade; Ele mesmo o declarou, a imolação, porque ela é a mais frequentemente indicada e anunciada na Escritura.

Mas não basta aperfeiçoar-se a si mesmo, é preciso além disso que esta perfeição sirva ao próximo. Como? Empregnando-nos bem do amor do Sagrado Coração é que podemos difundi-lo à nossa volta e sobretudo entre o povo escolhido; e para esta perfeição do próximo não tenhamos qualquer escrúpulo em encaminhar para a vocação religiosa. Para o sacerdócio é precisa uma vocação selecta que a torna mais difícil, mas com a vida religiosa não sucede o mesmo: é nela que a salvação se consegue com mais segurança e temos a nosso favor a autoridade do maior teólogo da Igreja Católica que afirma que é sempre bom aconselhar o estado religioso porque sempre oferece mais segurança para a salvação.

Depois destes diferentes fins vem o espírito que segue o fim.Por isso o coloquei como consequência. As Constituições indicam bem o espírito de

reparação, de compensação oferecida a Nosso Senhor pelas acções nas quais é ofendido; o objecto de culto dos Oblatos é sempre o seu Coração e o seu Coração ferido, e o que mais procuram é curar a chaga mais sensível.

Tudo o que pode agradar mais a este divino Coração é também objecto especial da sua atenção como, por exemplo, as práticas pedidas por Nosso Senhor à Beata Margarida Maria.

A festa do Sagrado Coração será a Festa patronal: nada pareça demasiado esplêndido para este dia que é do mesmo nível que a Páscoa e o Natal.

Devoção também ao sagrado Coração de Maria, mas ao seu Coração trespassado; não se pensa suficientemente nas queixas da SS. Virgem à Beata e que têm também como objecto o povo escolhido.

S. João, como discípulo do Coração de Jesus, é nosso patrono especial: nós devemos ser todos uns S. João para consolar a Jesus que sofre; invocaremos também a Beata Margarida Mariacomo vítima do Coração de Jesus.

Vêm depois S. Francisco de Assis, nosso patrono, não só pela regra que nós imitamos em parte, mas também pelos seus sagrados estigmas; S. Inácio, cujo zelo devemos imitar.

Quinta-feira, 21 de Abril de 1881

Comentário ao primeiro capítulo (Continuação)

25 Por erro o manuscrito coloca esta conferência na quinta-feira.

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"Esta Ordem, unindo a vida contemplativa à vida activa... (responde à necessidade do bem das almas que, atraídas pela graça a uma vida de imolação e de sacrifício oculta aos olhos

do mundo, se abrasam assim num fogo apostólico")26.Estas duas vidas hão encontrar-se na Ordem muito realmente; uns, seguindo as suas

aptidões, hão-de aplicar-se à vida contemplativa; os outros, ainda que dedicados à vida activa, não deixarão por isso de dedicar uma larga parte aos exercícios da vida contemplativa. Esta parte consiste na meditação e oração, exame e santa Missa.

Os Jesuítas e outras Congregações inscrevem nas suas regras que têm vida contemplativa e vida activa, mas a primeira não está representada nelas mais do que pelos exercícios da meditação e outros, enquanto que entre nós haverá uma vida puramente contemplativa.

"Os Oblatos do Coração de Jesus trabalharão na sua santificação pessoal por meio dos exercícios..." Segue a enumeração dos exercícios da vida contemplativa. É estupendo que nesta vida se possa reparar por meio da contemplação dos sofrimentos de Jesus; mas também é preciso reparar na vida activa e é uma razão mais para juntar ambas.

"Não terão o desejo de se multiplicar senão para multiplicar as homenagens e as reparações ao Coração de Jesus, e se ocuparão de modo muito especial em aperfeiçoar-se sossegadamente a si mesmo e em perpetuar a sua Ordem com unidade e solidez por meio da admissão de indivíduos piedosos e cheios de boa vontade que, gostando do seu género de vida, estejam determinados a abraçá-la generosamente".

Este zelo pelas vocações, o único que até agora tivemos a sério, poderia ter motivos naturais, tais como o gosto de ser numerosos ou também a satisfação de ver agregar a si os amigos. Não creio que seja assim, mas para prevenir tal coisa e santificar esse desejo convém explicitar um motivo bem puro: não ter outra razão para multiplicar-se senão multiplicar as reparações. Pois bem, este motivo de multiplicação será assim um motivo de santificação: com efeito, se chegarmos a ser mais santos, não multiplicaremos os actos de reparação em número e valor? E quanto mais santos formos, mais alcançaremos esse resultado. Ponhamos, pois, tanto zelo na nossa santificação como em pedir vocações e chegaremos ao mesmo resultado, a consolação do Coração de Jesus.

"Esforçar-se-ão por procurar a salvação e a santificação do próximo com as obras, mas especialmente com as que melhor se conciliem com a sua vida interior"... aqui se colocam os exercícios da vida activa, mas essa vida activa, seja qual for, jamais deve causar dano à vida interior e toda a obra que não se acomode (a esta norma) não poderá ser aceite senão excepcionalmente; assim as missões quaresmais, as missões isoladas em países longínquos permanecerão sempre excluídas dos nossos costumes. Sempre obras que se possam conciliar com a vida conventual.

"Os membros da Ordem dividem-se em dois graus. Em primeiro lugar estão os sacerdotes professos que têm o grau mais elevado e são os únicos que podem chegar aos principais cargos. Em segundo lugar estão os coadjutores leigos, empregados, seja nos cargos secundários nas obras, seja nos trabalhos domésticos"...

... os coadjutores leigos... Têm estes boas razões para estar na nossa Ordem? Não há - e aos milhares - almas religiosas que não acrescentam o sacerdócio aos seus votos de religião mas que são almas consagradas? Estas são as mais numerosas entre as almas consagradas, os que se entregam ao ensino, por exemplo. Nosso Senhor nas suas queixas não disse "o povo escolhido" somente, mas "as almas consagradas".

Para terminar, um aviso que tem a sua boa razão de ser. Desde domingo que, em vez de nos excitarmos no fervor ao ver este grande número, nos relaxámos, nos amolecemos; também mais graças; somos todos solidários. Não é possível ultrapassar esse desleixo senão por meio de um sacrifício pessoal. Sejamos, pois, generosos; já não estamos autorizados a duvidar da Obra;

26 Completa-se entre parêntesis o texto citado.

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ela está agora bem implantada ao nossos olhos. Queremos que Nosso Senhor a tenha de rejeitar por causa da nossa pusilanimidade? Pensemos nisto e sejamos generosos.

Sexta-feira, 22 de Abril de 1881

Comentário (fim)

Vimos o fim, o espírito, os patronos, os modelos dos Oblatos; depois as duas vidas que estes podem levar com a direcção própria de cada uma, as obras que lhes serão atribuídas, os graus dos diversos membros; finalmente vêm as obras; devemos ainda examinar os laços que unem os membros para conhecer o seu espírito.

"Os que se apresentam a solicitar o seu ingresso..."; até aqui foi muito fácil verificar a vocação: tivemos sempre sinais sobrenaturais da mesma; mas estou convencido que entre todas as graças de eleição reservadas à Ordem do seu Coração, Nosso Senhor concederá sempre uma grande luz para reconhecer as vocações.

Só excepcionalmente se dispensará um ano dos dois de noviciado; mas nunca, a não ser muito excepcionalmente, se dispensará de menos de um ano.

"Todos os membros da Ordem"... A caridade prescrita aqui deve reinar sobretudo entre os religiosos; mas nós, nós temos mais razões ainda do que as outras Congregações, como Ordem do Coração de Jesus, manancial de caridade. É preciso que se possa dizer de nós: "vede como se amam", e é o espírito da nossa vocação que o exige. Como honrar e imitar o amor sem amor?

Outra razão é a reparação; é preciso confessá-lo claramente entre nós que nos amamos pouco entre religiosos, entre sacerdotes. Que fácil é vê-lo nas suas reuniões onde se censura do mesmo modo os ausentes e os presentes! Motivo para nós de nos amarmos e de amar as almas consagradas para consolar o Coração amante de Jesus por esta ofensa. Mas como é um dos nossos principais deveres, o demónio tentar-nos-á sempre por este lado. Quando nos vir um pouco mal dispostos por alguma falta de outro género, aproximar-se-á de nós e nos sentiremos muito frios para com os nossos confrades; poderemos ir longe se não resistirmos.

Outro perigo são os ciúmes espirituais, vício muito odioso, classificado entre os pecados contra o Espírito Santo e que dificilmente é perdoado. É odioso porque ataca directamente a Deus, a quem acusamos das graças concedidas por Ele aos outros quando, se tivéssemos querido corresponder nós mesmos, as teríamos recebido em idêntico número.

É um vício bem triste que leva a tristes consequências.Sente-se alguém desgostado com os que são regulares e fervorosos, e chega até à aversão;

incriminam-se todas as suas acções; até mesmo nas suas melhores acções se vê uma censura, uma acusação, más intenções; não se pode vê-los. Exactamente a antítese da caridade.

Bebamos a caridade no Coração de Jesus; aí, onde os outros bebem abundantemente, bebamos super-abundantemente para nos compenetrarmos mais e mais do espírito da nossa santa e sublime vocação.

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Sexta-feira, 29 de Abril de 1881

Motivos para o fervor

Já é tempo de sair da nossa pusilanimidade. Nosso Senhor não nos dá nada porque nós não lhe damos nada. O que sucedeu de há 15 dias a esta parte é a prova desta asserção: Ego, diligentes me, diligo (Prov 8, 17); procuro os que procuram; dou ao que dá.

É preciso ser fervorosos não só para obter graças mas também pelos nossos irmãos: somos solidários e as faltas de um detêm todas as graças destinadas à Obra.

Preparemo-nos também com fervor para a festa de 6 de Maio27, para o mês de Maria; recitaremos algumas orações às três até ao dia 6 de Maio.

Segunda-feira, 2 de Maio de 1881

Retomemos agora a explicação do nosso quarto voto. Para terminar o que dissemos com considerações gerais, recordemos que a imolação foi o carácter predominante da vida de Nosso Senhor. Foi também sob este aspecto que foi representado pelas figuras mais numerosas e esquecemos uma que indicava bem o que deve ser a nossa vida ao ter como razão de ser a imolação.

Esta figura é o sacrifício perpétuo, juge sacrificium (Ex. 29, 38ss). Consistia no holocausto quotidiano de dois cordeiros semelhantes em tudo ao cordeiro pascal. Este sacrifício tinha lugar em todo o tempo: um cordeiro branco, macho, de um ano: agnus anniculus, masculus, immaculatus, era imolado pela manhã e devia consumir-se lentamente sobre o altar até à noite e à noite quando acabava de se consumir, imolava-se um segundo que tinha que ser consumido do mesmo modo até ao dia seguinte pela manhã.

Era sem dúvida figura da Eucaristia, de Jesus que se imola sem cessar por nós no tabernáculo, da sua vida totalmente consumida em holocausto.

Posto que a vida de Jesus foi antes de mais nada uma vida de imolação, o nosso voto é bem legítimo.

A primeira obrigação deste voto de imolação é o oferecimento do dia desde o despertar: este oferecimento está contido nas orações da regra que se recitam de manhã e também no acto de desagravo. Não devemos ter escrúpulos acerca desta obrigação que se cumpre sempre que se recitem as orações da regra, mas também não há que revogar esta oferenda ao longo do dia, não porque seja preciso pensar nela sem interrupção, mas que não deve ser anulada formalmente.

A segunda obrigação é o abandono à vontade de Deus conhecida através pelos acontecimentos, pelos superiores ou pela regra. Devemos submeter-nos a ela na medida em que a conhecemos formalmente, sejam quais forem as repugnâncias. Dizer a si mesmo: já não tenho direito de ter repugnâncias. Podemos senti-las, mas é preciso afastá-las e superá-las.

Uma obrigação que é corolário da anterior é a de aceitar generosamente os sacrifícios que Deus nos impõe; dar o que temos, a nossa própria vida, se nos for pedida, e Jesus deu-nos exemplo disso. Como Ele, podemos experimentar os desfalecimentos da agonia e gritar: Transeat a me calix iste (Mt 26, 39), mas é preciso erguer-se como Ele e dizer: Non mea voluntas, sed tua fiat (Lc 22, 42).

Pode pôr-se uma objecção: Estamos obrigados também aos sacrifícios que a vontade de Deus aconselha? Não estamos obrigados senão aos sacrifícios que impõe e não aos que propõe como aconselháveis, de tal modo que não se falta ao voto não seguindo aquilo que na regra não é

27 É a festa de S. João "ante portam Latinam".

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mais do que conselho, nem sequer o que a regra ordena e que não seria por si ou pelas circunstâncias mesmo falta grave, porque a regra não obriga sob pena de pecado.

Esta dupla obrigação de abandono à vontade divina e aceitação dos sacrifícios que se encontram, é uma variante da obediência interior com esta diferença: que a obediência interior não se aplica senão às ordens emanadas pelos superiores, enquanto que o voto exige aceitação da vontade divina manifestada pela regra, pelos acontecimentos e pela vontade dos superiores.

O nosso voto de imolação não é tampouco o voto de perfeição: este último não pode ser um voto comunitário, mas apenas um voto emitido por algumas almas de elite.

O voto de imolação obriga ao que impõe a vontade de Deus; o voto de perfeição obriga ao que impõe e ao que propõe como conselho.

Entendamos bem, pois, a nossa vocação e como Jesus imolemo-nos. Tal como a sua, a nossa morte dará vida às almas. É o que verificava o próprio S. Paulo: Mors operatur in nobis, vita autem in vobis (2 Cor 4, 12): a morte de uns à vida da natureza dá a outros a vida da graça.

Quinta-feira de tarde, 5 de Maio de 1881

Cumprimentos festivos28

"Estamos reunidos, - disse o mais velho29, para dirigir-lhe uma palavra de Santo Agostinho que não nos cansamos de repetir, que jamais cansa; vimos dizer-lhe que o amamos com todo o nosso coração; não nos contentamos com palavras, damos-lhe os nossos corações para que os atire para essa caldeira de azeite a ferver que os rejuvenescerá e purificará, no Sagrado Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Permita-me expressar-lhe um voto: é poder desejar-lhe rapidamente a festa em Roma, nessa Igreja do mártir S. João; pedimos um rápido aumento para poder fazê-lo".

O Padre João respondeu: "Obrigado pelos vossos bons desejos; eu também expresso um que formulou o próprio Nosso Senhor: Sede todos uns S. João, isto é, amai a Nosso Senhor mais do que os outros. Vós o reconhecereis como S. João, já que pensareis n´Ele: isto lembra-me uma pequena passagem da sua vida que ele mesmo nos conta. Os Apóstolos, depois da ressurreição, tinham ido pescar no lago de Genesaré; tinham pescado mesmo durante a noite; pelo menos tinham mais ânimo do que certos noviços. De repente vêem o Senhor na praia a chamá-los: eles ficam espantados! João, mais amante do que os outros, reconhece-o por primeiro: Dominus est (Jo 21, 7), é o Senhor, - disse -, e então Jesus dirigiu a sua pesca: lançai as rede para a vossa direita, - disse-lhes -, e apanharam 153 grandes peixes.

Façamos como eles; lancemos as redes como o quer Nosso Senhor e obteremos as graças amanhã; reserva-nos uma pesca milagrosa. Sejamos fiéis em escutá-lo".

Sexta-feira, 6 de Maio de 1881

In hoc cognovimus caritatem Dei, quoniam ille animam suam pro nobis posuit; et nos debemus pro fratribus animam ponere (1 Jo 3, 16).

É S. João quem nos dá este ensinamento e ele mesmo o praticou bem. Um dia semelhante é muito apropriado para uma cerimónia de postulantado e tomada de hábito. Encontramos aí o exemplo de S. João, de um Oblato que passa pelas diversas etapas da vida religiosa para chegar ao seu sacrifício derradeiro.

28 Cf. nota 25, V-9229 O mais velho é o Pe. Tadeu Captier, nascido em 1831, ingressado nos Oblatos a 21-11-1880. Os mais antigos por ordem de entrada são o Pe. Estanislau Falleur e o Pe. Matias Mª Legrand, admitidos no Instituto a 4-10-1879.

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S. João foi primeiro postulante: procurava a vida perfeita e depois de ter seguido S. João Baptista, reconheceu que devia pôr-se a seguir a Jesus e vai à sua procura: Quem quaeris (cf. Jo 1, 38), lhe disse o Senhor. Não é a mesma pergunta que se dirige ao postulante? "Irmão, que pedes?".

Vem depois um noviciado de três anos; o último sobretudo foi um ano de provações; e todo o noviciado deve ser um tempo de provações. Ele vacilou claramente às vezes, adormeceu no Jardim das Oliveiras, e fugiu um instante, mas regressou depois: motivo de confiança para os noviços aos quais a provação por vezes encontra fracos.

Finalmente, fez a sua profissão ao pé da Cruz, onde recebeu dois presentes: Maria como Mãe e a Cruz como herança: um visivelmente e outro também real. Não há profissão que não seja acompanhada pela recepção da cruz e esta teve de ser gravada no coração de S. João com uma impressão mais durável que os outros. Tomemo-lo como modelo e que a sua caridade seja um espelho para a nossa: a sua caridade para com Deus, que o conduziu ao pé da cruz e o sustentou no martírio; a sua caridade para com o próximo, que o levou a empregar a sua longa vida em favor dos seus irmãos e em correspondência ao amor que Deus lhe demonstrou.

Ele arrancou ao Coração de Jesus todos os seus segredos, mas não os comunicou porque ainda não tinha chegado o tempo, disse ele mesmo a Santa Gertrudes. Todavia nos seus escritos sentimos que tem um segredo; repousou - disse ele - sobre o peito de Jesus; não diz: sobre o seu Coração; e falando de Jesus, diz: Hic est qui venit per aquam et sanguinem (1 Jo 5, 6), texto que durante muito tempo embaraçou os intérpretes. Não era mais simples dizer: por seu Coração? Mas tinha que guardar o segredo e não o quis manifestar.

Segunda-feira, 9 de Maio de 1881

Quarta obrigação: oferecer-se à justiça divina

A quarta obrigação do voto de imolação, que assusta bem à primeira vista, é oferecer-se à justiça divina em expiação dos pecados do povo escolhido; não quereríamos oferecer-nos senão à misericórdia. E precisamos tanto disso! Mas, onde estaríamos nós se Jesus não se tivesse oferecido à justiça do seu Pai?

Imaginamos que será preciso levar com frequência a cruz; sim, se formos generosos em aceitá-la; mas então o gozo acompanhará o sacrifício e a cruz não será pesada; por outro lado, S. João no-lo diz: as cargas do Senhor são leves, Onera ejus non sunt gravia (cf. Mt 11, 30). É preciso oferecer-se de boa mente à justiça para que intervenha a misericórdia, pois esta não anula os direitos daquela.

Aqui tendes alguns estímulos para aqueles a quem a vista da cruz de Jesus os espanta: ele deu-os a 15 de Fevereiro, dia em que a Igreja começa a celebrar os mistérios da Paixão; era a festa da Oração no Getsémani. Nosso Senhor, ao recordar os seus sofrimentos naquela hora, declara que esse cálice tão amargo era ver a ingratidão dos que amava; ver a seu Pai irritado era uma dor para Ele: vê-lo irritado contra aqueles que Ele amava, dava à sua dor um novo grau de intensidade; não há dor comparável a de se encontrar entre duas pessoas inimigas que se ama a ambas; por outro lado, se dissermos como Ele: Non mea voluntas, sed tua fiat (Lc 22, 42), o Anjo da consolação acudirá logo; e o mais frequente será que se contente com a boa vontade. Sejamos generosos e ofereçamo-nos à justiça para fazer descer a misericórdia.

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Sexta-feira, 13 de Maio de 1881

Da meditação

Todos devem ter no seu opúsculo de meditação a pequena colecção das práticas quotidianas: essa compilação foi feita especialmente para a nossa vocação e responde tão bem a esse fim que chegaríamos rapidamente à perfeição se não cometêssemos faltas contra ela.

Entre os conselhos que dá, estão os referentes à meditação, que é útil revermos e explicarmos hoje.

A meditação de que já falei no ano passado ainda é mal feita ou não é mesmo feita. Em vez de exercitar o espírito nela, descansa-se; mas a meditação deve ser um trabalho; é uma redacção francesa que se faz, ainda que não se escreva, sobre o tema proposto; no princípio, sobretudo, há que ater-se a este trabalho, exercitando a memória, a inteligência e, sobretudo, o coração, que é entre nós a parte principal.

Quando se tiver já progredido um pouco, agrada mais deter-se em tal estado ou tal mistério da vida de Nosso Senhor.

É a contemplação. O espírito ocupa-se nele e o coração inflama-se mais; a graça actua mais do que nós, mas há que não orgulhar-se com vão nisso. Não é mais do que uma maneira de meditar e não a mais sublime.

Segunda-feira, 16 de Maio de 1881

Antes de passar à explicação do voto de perfeição, uma palavra sobre a primeira obrigação: o oferecimento do dia. Este oferecimento das orações, das obras e dos sofrimentos deve fazer-se não só ao princípio do dia mas também no começo das acções principais que são para os religiosos não sacerdotes a sagrada comunhão, o Ofício divino; para os sacerdotes, todo o acto sacerdotal, como a pregação, a administração de sacramentos, etc.

Agora já conhecemos o que nos pede o nosso voto: ser vítimas; mas todos o somos um pouco sem o voto. Como cristãos, em virtude da grande lei da reversibilidade, da comunhão dos Santos, uns devem expiar pelos outros. Como sacerdotes e religiosos estamos ainda mais obrigados a isso, pois numa família todos são solidários e pertence a uns reparar e sofrer pelas faltas dos outros.

Nós comprometemo-nos a isso por voto: não há, pois, temeridade em oferecer-nos à justiça divina, posto que com isso nos oferecemos tanto pelos nossos próprios pecados como pelos pecados dos cristãos e dos religiosos.

Passemos aos conselhos de perfeição deste voto.1º União constante a Nosso Senhor. Para viver a vida de imolação, podemos fazer algo

melhor do que abandonar-nos inteiramente e em cada instante nós mesmos na nossa totalidade por meio do pensamento, do coração; pode-se consolar melhor do que vivendo continuamente com Ele e na sua graça?

2º Fidelidade perfeita à graça. Que queremos reparar senão infidelidades? Quanto mais fiéis formos tanto mais repararemos essas infidelidades e mais perfeitos seremos na nossa vocação.

Quarta-feira. 18 de Maio de 1881

Estamos a tratar da perfeição do voto de imolação porque, para alcançar um fim, há que apontar para mais alto, exactamente como para chegar às nossas obrigações de imolação é preciso apontar para a aquisição da perfeição da imolação.

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Primeiro conselho. União constante com Nosso Senhor. Devemos apontar sobretudo para os sentimentos do seu Coração: Hoc sentite in vobis quod et in Corde Jesu (cf. Fil 1, 5), e entre estes sentimentos, para os de amor e de reparação. De manhã a nossa união deve fazer-se em Belém e Nazaré; ao meio-dia, ao pé da Cruz; à noite, na agonia, mas qualquer que seja o lugar, sempre união com os sentimentos de reparação e de amor que experimenta o seu Coração. Ao meio-dia, como o recreio segue imediatamente ao colocar-se na presença de Deus, é excelente renová-la. Depois do terço, sobrando uns dois ou três minutos, e à noite, sendo livre o recreio, pode-se empregar na presença de Deus o tempo necessário depois do jantar.

Segundo conselho. Fidelidade em corresponder à graça. Esta fidelidade é a continuação da união com Nosso Senhor. A graça não pode apresentar-se sem esta união que a atrai. Mas se formos fiéis em recebê-la, não deixará de ser super-abundante: a iluminação e a inspiração, estas duas manifestações da graça, nunca faltam numa alma de boa vontade. Não acusemos a graça de que nos falte; somos nós que faltamos; sempre teremos perspectivas de fé que se nos hão-de apresentar; não teremos mais do que acolhê-las e este acolhimento no-las atrairá mais e mais; isto entra na ordem da Providência e não devemos orgulhar-nos com isso.

Sexta-feira, 20 de Maio de 1881

Do capítulo das culpas30

A renúncia a si mesmo é absolutamente necessária, sobretudo para nós: sem ela não há meditação possível e sem meditação tão pouco há santidade. Pela meditação elevamo-nos para Deus. Mas pela renúncia desapegamo-nos da terra, e não podemos elevar-nos para Deus se não estivermos desapegados da terra.

Uma das práticas de mortificação e de renúncia é o capítulo das culpas. O noviço que passa por ele renuncia momentaneamente a uma espécie de direito natural e consente que as suas faltas sejam denunciadas publicamente (também deve consentir por essa mesma renúncia que as suas faltas e afectos defeituosos sejam manifestados ao Superior para seu maior bem).

Renuncia a um direito que tem, ao de que a sua reputação não seja comprometida; mas se as suas faltas forem graves, o dever da correcção fraterna antepõe-se a esse direito.

(O Padre João lê o que a regra diz sobre o capítulo das culpas).Não deve voltar a falar-se do que foi dito no capítulo das culpas durante o recreio ou

noutra parte, porque esta renúncia ao direito no momento da capítulo não implica a renúncia permanente. O noviço recupera logo de seguida o seu direito a conservar a sua reputação intocável. É preciso compreender muito bem este ponto, porque houve muitas faltas sobre este particular durante a semana.

Segunda-feira, 23 de Maio de 1881

Da perfeição do voto de imolação

Depois da união com Nosso Senhor nos diferentes mistérios da sua vida, mas sobretudo naqueles em que Ele é mais vítima; de manhã, desde o presépio até à sua vida pública; de tarde, na sua Paixão; à noite, na agonia, um segundo conselho é a fidelidade à graça, fidelidade sempre fácil quando se quer, pois Nosso Senhor fala sempre quando é escutado.

Vêm em terceiro lugar as orações jaculatórias de amor, de reparação, de acção de graças, de súplica. Há que fazê-las fervorosamente e usá-las quase continuamente. Consistem numa

30 Cf. nota 19, I-67.

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palavra, num sentimento repetido que mantém a união com Nosso Senhor. É como que uma atestação contínua do desejo que temos de nos imolarmos com Ele, e esta forma de união é muitíssimo recomendada pelos autores da vida espiritual; é o prelúdio necessário de toda a vida interior e mantém a presença de Deus em nós.

Finalmente, o quarto conselho que pode assustar as almas fracas, ainda que de modo equívoco, pois ao fim e ao cabo é um conselho e não um voto, é desejar ser conduzido pelo caminho dos sofrimentos. Não se chega aí de repente. Nos momentos de fervor devemos excitar em nós mesmos este desejo; ao fazer a via-sacra (que devemos fazer frequentemente e mesmo diariamente, não empregando mais do que um minuto em cada estação), devemos desembocar neste desejo. Comprazer-se quando se apresenta uma pequena contrariedade, uma pequena cruz imprevista, e desejar carregar assim umas poucas cada dia na medida das nossas forças, para armazenar uma boa provisão, de modo que à entrada do céu possamos demonstrar-nos suficientemente parecidos com Jesus Cristo.

Nestas pequenas provações diárias devemos olhar para o nosso crucifixo: basta um olhar sério sobre Ele para nos animarmos a levar a cruz: não nos são pedidos a agonia nem todos os tormentos da Paixão; a nossa cruz torna-se mais leve à vista dos grandes sofrimentos de Jesus por nós.

Quinta-feira, 26 de Maio de 1881

A Ascensão

Reunimo-nos hoje para nos compenetrarmos do espírito da festa e reparar a nossa meditação matinal que alguns podem ter feito com ligeireza.

É também um festim o que reúne o Salvador e os seus discípulos. Foi no cenáculo onde teve lugar a Ceia: numa sala o Senhor e os 11 apóstolos; por baixo, os discípulos; numa sala à

parte, a SS. Virgem e as santas mulheres31.Estão ali todos como antes da dispersão. Nosso Senhor tem de novo reunido o seu rebalho. Na Ressurreição veio primeiro ao encontro da SS. Virgem, depois aos demais, e todos estão ali com as suas recordações: Pedro pensa na sua negação, João na sua fuga momentânea, os onze no seu abandono. Houve uma refeição eucarística? O Evangelho não o diz; mas era como uma quinta-feira santa, uma refeição de despedida: Nosso Senhor tinha instruído os seus discípulos, conferido as sagradas Ordens aos

apóstolos que não as tinham recebido na Ceia32.Durante esses 40 dias tinha regulado tudo o que se refere à sua Igreja, os sacramentos e a administração.

Ia levar ao Pai os tesouros da Redenção para pagar o nosso resgate e fazer-nos recolher os frutos.

Depois da refeição, dirigem-se para o monte das Oliveiras. Para chegar aí era preciso

voltar a passar pelo Calvário, pelo pretório de Pilatos, pela torrente do Cédron33; era o cumprimento das palavras do rei profeta; De torrente in via bibet, propterea exaltabit caput (Sl 109, 7); beberá a água da torrente, quer dizer, as ondas de amargura e de dor, passará e voltará a passar por todos esses lugares das suas dores, e perto dali, por isso, propterea, levantará a cabeça. O Senhor sobe ao monte das Oliveiras; com os seus discípulos, aumentados pelo caminho com as pessoas simpáticas que se lhes vão agregando, ao chegar eram uns 500, mas

31 Trata-se de uma piedosa suposição.32 Provavelmente o texto não é fiel às palavras originais do Pe. Dehon. Todos os Apóstolos fiéis estavam presentes na última ceia.33 Se Cristo e os Apóstolos vinham do Cenáculo tinham de passar apenas a torrente do Cédron.

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Nosso Senhor não era visível senão para os seus ao atravessar a cidade34. Quais seriam os sentimentos da SS. Virgem e dos discípulos ao vê-lo elevar-se acima da terra e a deixá-los? Tristeza e alegria: tristeza por perderem aquele que amavam apaixonadamente, mas alegria por vê-lo glorificado, alegria ao ver o céu aberto para Ele e para eles mesmos.

Todo o céu saiu ao encontro do seu Senhor, que chegou a ele com milhões de santos da antiga lei: a SS. Virgem e os Apóstolos ouviram talvez um eco dos cânticos dos cânticos da Igreja triunfante. Estavam ali tão absortos que tiveram que os anjos tiveram que chamá-los à realidade: que estais aí a fazer?

Ao descer novamente, quais foram os seus sentimentos? Viver no céu com Jesus pelo pensamento, pelo coração; tal foi a sua vida até ao Pentecostes, no Cenáculo, onde o Salvador lhes tinha recomendado que esperassem o Espírito Consolador. Também nós, vivamos assim no céu e preparemo-nos para o Pentecostes com uma vida de recolhimento. Amanhã de tarde começará um retiro de seis dias para nos prepararmos para a grande solenidade de 3 de Junho: há conferência e temas de meditação e será indicado como ocupar os tempos livres. Os que forem professores do S. João, não participarão; eu preparei-lhes um durante as férias com os nossos irmãos de Soissons e de Lille, que também precisam disso. Posso dizê-lo: Nosso Senhor prometeu graças muito grandes se soubermos responder e fazer bem o retiro; mas o demónio também se vai mobilizar, pois detesta a nossa Obra e tudo o que em geral se faz nela; aborrece-se sobretudo com os retiros; estejamos, pois, atentos: já aconteceu entre as nossas irmãs que o retiro foi ocasião para a perda de uma vocação. Sejamos todos generosos: na fidelidade e na ordem.

Se Nosso Senhor voltasse a vir aqui, provavelmente faria o que fez no Templo: pegar num chicote para escorraçar os noviços dos lugares onde não devem estar; mas nós seremos misericordiosos até ao fim.

Que cada um esteja onde deve e mostre-se fiel.

Sábado, 28 de Maio de 1881.

Terceira conferência do retiro

1ª conferência de abertura: Beatus vir qui in lege Dei meditatur (cf. Sl 1, 1-2).2ª Conferência: meditação fundamental: fim do homem.3ª conferência: do uso das criaturas.Primeiro uso: a contemplação nelas das perfeições de Deus, o uso maior e mais nobre, ao

ser todo para Deus.Segundo uso: a privação. Uso excelente, que nos protege contra os abusos. Pois até ao

presente, seguindo as inclinações consequentes ao pecado, abusámos das criaturas. Uso que repara, e este é o que devemos tomar mais a peito.

As criaturas dividem-se em três grupos. Os bens externos, a que renunciamos pela pobreza; a carne, a que renunciamos pela castidade; a vontade própria e o juízo próprio, aos quais renunciamos pela obediência. Mas como estes votos são menos reparadores do que preservadores, acrescentamos-lhes a aceitação de todas as cruzes que nos podem sobrevir, a fim de reparar mais e responder à lei especial de Deus para nós como à sua lei geral.

Cataloguemos as criaturas que nos são perigosas pela sua sedução ou pela sua repulsão; examinemo-nos, sistematizemos um plano de campanha para o uso das criaturas.

34 São piedosas suposições.

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28 de Maio de 1881 (às três horas)

Poderá acontecer que sejamos tentados uns de dissipação, outros de tristeza, outros de tédio, de um desejo exagerado de perfeição, logo seguido de escrúpulo e de desânimo.

O remédio para tudo será abrir-se; se não se têm essas tentações, deixemos à graça que actue tranquilamente em nós. Vimos o fim do homem que é Deus; o fim das criaturas que é o homem; o uso que devemos fazer das criaturas para alcançar o nosso fim: uso para a contemplação, uso comum, uso por privação. Vejamos com que disposições havemos de usar as criaturas. Temos tão pouco sentido comum e tão pouca fé que temos que alargar-nos nestas considerações e princípios de razão.

As criaturas são em si mesmas indiferentes; pertence-nos a nós fazer bom uso delas; para isso ponhamo-nos nas mãos da Providência com uma indiferença absoluta: a saúde pode ser-nos útil para realizarmos grandes coisas; a outro poderia ser nociva, e assim das outras criaturas, dando este nome de criatura a tudo o que foi criado.

Quanto a nós há uma providência muito especial do Coração de Jesus que se alarga até ao mínimo pormenor: quando ele destina uma alma a uma santidade mais elevada, dá-lhe mais graças; podemos estar seguros de que o mais pequenos incidentes são permitidos ou mandados por Ele; tudo nos vem d´Ele e dimana do seu Coração.

Não usemos as criaturas mais do que para o nosso fim e examinemos como o fizemos até ao presente.

28 de Maio de 1881 (às 6 horas da tarde)

Do abandono

Ecce venio ut faciam voluntatem tuam (Heb 10, 7).Ocupamos todo o dia em considerações que não se dirigem ao espírito: a maioria podem

ser cansativas e, além disso, é bom para nós, que vivemos mais da vida do coração, meditar em alguma coisa que nos fale mais ao coração.

Vimos o fim do homem, Deus; o fim das criaturas, o homem, e a conclusão: a indiferença habitual diante das criaturas em si mesmas.

Esta indiferença, este abandono é toda a vida de Nosso Senhor, a disposição habitual do seu Coração e constitui todo o fundamento da nossa vida de vítima.

Nosso Senhor fez sem cessar a vontade de seu Pai. Sempre disse: Ecce venio; sempre se ofereceu ao beneplácito do seu Pai: na alegria e na tristeza, no Tabor como no Calvário, no meio da multidão e no deserto, no Hosanna e no Tolle, sempre esta disposição. Ele quis sofrer por nós uma tentação contra esta indiferença, na agonia e o Transeat a me calix iste (Mt 26, 39) é sua expressão. Mas ensinou-nos a combatê-la: Non mea voluntas sed tua fiat (Lc 22, 42).

Com esta frase venceu a tentação, ao revoltar-se a natureza contra a vontade de Deus. Repitamos também nós frequentemente esta frase na tentação. Estas palavras de Nosso Senhor, que expressam a indiferença e o abandono à vontade divina, têm uma eficácia maravilhosa. Repitamo-las com fé e experimentá-la-emos.

Se teve alguma preferência, foi pela Cruz: Cum gaudio sustinuit crucem (cf. Heb 12, 2). Improperium excpectavit cor meum (Sl 68, 21). Surgite, eamus (Mt 26, 46). Desiderio desideravit (Lc 22, 15).

E a SS. Virgem? Que modelo de abandono! Fiat mihi secundum verbum tuum (Lc 1, 38). Entrega-se inteiramente à vontade de Deus. O Magnificat respira este abandono. Mesmo ao pé da cruz não se afastou. Stabat Mater, este stabat (cf. Jo 19, 25) é como que o eco do surgite, eamus (Mt 26, 46).

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S. José é também um modelo para nós da conformidade à vontade divina. Os seus actos demonstram-no suficientemente.

Sigamos, pois, a estes três modelos do abandono perfeito ao beneplácito de Deus. É o fundamento da nossa vocação. É a imitação mais perfeita do Coração de Jesus.

29 de Maio (às 5 horas da manhã)

Consideremos hoje o pecado, depois de ter visto ontem de tarde o caminho que nos fora assinalado, a conformidade com a lei geral de Deus e com a lei especial e própria nossa.

Consideremos as consequências de um só pecado, o dos anjos; tinham recebido muito, e assim não tiveram perdão, mas um castigo terrível.

Mas como continuação vemos também o pecado do homem, a desordem em toda a natureza. O pecado de Adão vem também provar-nos a malícia do pecado: todos os seus descendentes herdeiros desta falta e condenados como ele a todos os males e ao mais terrível de todos, a morte depois de uma vida de lutas e sofrimentos. Aprendamos daí a detestar o pecado.

29 de Maio de 1881 (às 10 horas da manhã)

Conferência sobre a natureza do pecado

29 de Maio de 1881 (às 3 horas)

O que se disse sobre o pecado deve aplicar-se, guardada a devida proporção, a todo o pecado venial ou mortal.

Examinemo-nos agora muito seriamente, voltando a percorrer todos os lugares onde estivemos desde a nossa infância: não pecámos depois de uma consagração mais especial a Deus, depois do clericato, das Ordens sagradas, depois das efusões de graça mais abundantes, próximos de uma comunhão, na própria comunhão, no lugar santo? Pertence a cada um fazer um sério exame para preparar-se para a confissão nos dias seguintes.

29 de Maio de 1881 (às 6 horas da tarde)

Considerámos o pecado historicamente esta manhã; às 10 horas vimos o pecado como o mal de Deus por causa da ingratidão e como atentado; às 3 horas examinámo-lo como o mal do homem a quem priva da graça, do amor de Deus, do céu, dos méritos.

Vejamo-lo esta tarde como o mal do Coração de Jesus. Attendite et videte si est dolor sicut dolor meus (Lam 1, 12). Tinha vindo para fazer a vontade do Pai, mas o que Deus quer, o que não despreza, é um coração contrito e humilhado, um coração triturado. Querendo reparar o pecado, tomou-o sobre Si e disse ao seu Pai: Pensa que sou eu quem o cometeu e castiga-me. Carregou sobre si a vergonha de Caim, de Judas; vergonha tão violenta que o fez morrer. A vergonha de todos os traidores, de todos os pecadores. Para sentir devidamente a fealdade do pecado seria preciso compreender a afronta que causa a Deus. Jesus compreendeu-a tão bem que um só pecado foi para Ele tão horroroso à sua vista que, sem um milagre, não teria conservado a vida. Que pensar de todos os pecados juntos? Assim no momento em que essa tortura atingiu o paroxismo, o seu sangue escapou por todos os poros.

Durante toda a sua vida viu o pecado e os pecados, posto que vinha para expiá-los e repará-los. Durante toda a sua vida o seu Coração foi triturado e quebrado. Eis aí o Coração que sofreu tanto.

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Mas aqui há um tema especial a ser considerado por nós: que o que foi mais doloroso foram os pecados das almas consagradas, as que mais amou, que mais participaram nos seus benefícios, essas que pecaram como as outras e o seu Coração sentiu-se mais vivamente ferido.

Se as almas comuns tivessem sido as únicas a ofender-me, eu o suportaria, mas vós, eleitos entre milhares e milhares, vós, favorecidos com uma vocação especial, vós, agraciados com favores diários, vós que recebestes o nome de amigo e um chamamento milagroso, vós que sois os donos de uma Ordem dos últimos tempos, vós ainda me ofendeis, vós ainda me feris, e isso é para mim mais doloroso que todo o resto.

Reflictamos sobre estas queixas. Vejamos até que ponto as provocámos nós mesmo e apressemo-nos a pôr-lhes fim por meio de uma maior generosidade. Se alguém não entender esta dor do Coração de Jesus, seria muito lamentável.

30 de Maio de 1881 (às 5 horas da manhã)

Do juízo final

Libri aperti sunt, cuncti judicati sunt (cf. Apoc 20, 12).É S. João quem assinala esta cena do juízo. Para compreender um pouco a sua

grandiosidade, representemo-nos o céu e a terra transtornados, os homens mirrando-se de pavor, depois, ao toque da trombeta do arcanjo, todos ressuscitam e são alinhados pelos anjos em dois campos: os bons e os pecadores. Por cima, os anjos também em dois campos.

Então aparece o sinal do Filho do homem, a Cruz e finalmente o Salvador, que vem julgar todos os homens.

Os demónios virão e dirão às nossas almas: não me deste tal pensamento, tal acto, tal faculdade, não me entregaste o teu corpo? Depois as nossas obras, como um quadro falante, virão acusar-nos.

O nosso anjo da guarda e os nossos protectores hão-de dizer-nos: e as nossas inspirações, as nossas luzes, que fizeste delas?

Os pecadores dirão: se tivéssemos tido todas essas graças, ter-nos-íamos salvado.Os santos, que não receberam mais graças do que nós, dirão: se tivesses correspondido

como nós à graça, serias dos nossos.Mas acima de tudo, a voz do juiz mais terrível de que tudo; Vai-te, maldito! Depois... a

terrível separação.Pensemos em tudo isto; não podemos escapar disso, e sem temer demasiadamente, é

preciso temer bastante. Não nos exponhamos a perder uma vocação, o que nos poderia conduzir à perdição definitiva.

30 de Maio de 1881 (às 10 horas da manhã)

Do juízo particular

Omnes nos manifestari oportet ante tribunal Christi (Rom 14, 10). Antes do juízo universal, o juízo particular. Consideremos o juiz, o acusado, os acusadores, o exame, a sentença.

O juiz é Cristo, sempre bondoso, mas então armado com o atributo da justiça. O acusado só, diante do juiz, para se defender, vendo claramente as suas faltas. Os acusadores, os demónios, recriminando-lhe tudo: pensamentos, palavras, actos. Os anjos e os protectores declarando a inutilidade da sua intervenção durante a vida. O exame severo versará sobre toda a vida, à luz da

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CF V

verdade. Depois chegará a sentença. Temamos muito pela nossa salvação. Pensemos neste juízo para o preparar.

30 de Maio de 1881 (às 3 horas da tarde)

Da morte

Homo cum mortuus fuerit et nudatus atque consumptus, quaeso, ubi est? (Job 4, 10).Há três coisas, de acordo com estas palavras de Job, para definir a morte: é um

despojamento, nudatus; consumptus, uma consumpção, e para os que sobreviverem, uma incerteza quanto ao estado do morto.

Familiarizemo-nos com o pensamento da morte. Não há nada de mais útil para a vida do que este pensamento. Que seremos nesse momento? Estendido sobre o nosso leito de religioso; praza a Deus que não estejamos sobre um leito no mundo, por termos perdido a nossa vocação, rodeados por pessoas que nos ocultam a proximidade da morte; mas que estejamos numa cela, rodeados de irmãos generosos que rezam, uns à nossa volta, outros diante do Santíssimo, e nos encorajam e ajudam a morrer bem. Quais serão então os nossos pensamentos? Veremos a nossa vida religiosa, o que ela foi. Preparemo-nos desde já para pensamentos consoladores.

Morrendo no mundo com uma vocação perdida, Satanás poderia aproveitar-se disso para nos lançar no desespero, mas morrendo na religião, depois de termos consolado todos os dias Nosso Senhor, levando alguma cruz para resgatar almas como Ele, diremos como uma das nossas irmãs: “Oh! Que bom é morrer no Coração de Jesus!". Seria uma blasfémia pensar que depois de termos vivido toda a vida para este Coração divino, nos iria abandonar no último momento. E Maria, a cujo Filho teremos consolado, poderá recusar-nos consolo? Poderá não nos cumular com a sua ajuda? Sim, se formos fiéis cada dia em viver de acordo com a nossa vocação, em levar cada dia alguma cruz, será para nós dulcíssimo morrer no Coração de Jesus.

Para nos prepararmos bem para esse momento terrível, sejamos fiéis à preparação mensal, à preparação semanal, ao momento da confissão, à preparação quotidiana no momento do exame da noite.

Hoje purifiquemo-nos ou pela confissão ou pelo menos pelo exame e pela contrição. Amanhã é a festa de Nossa Senhora do Sagrado Coração. É preciso renascer para uma vida nova para terminar bem o mês de Maria e começar bem o mês do Sagrado Coração.

30 de Maio de 1881 (às 6 horas da tarde)

Da tibieza

Os seus atributos, suas causas, suas consequências, seus remédios.A tibieza numa alma conhece-se quando dá pouca importância às coisas pequenas,

quando diz: isto não chega a pecado mortal.Também a reconhecemos quando procura os menos fervorosos de preferência aos mais

fervorosos.As suas causas são actos de negligência em pequenos pontos que se acumulam e se

agravam cada vez mais, a indiferença pelo fervor, etc. As suas consequências são provocar o desgosto de Nosso Senhor, dar uma falsa segurança, cegar sobre o próprio estado, conduzir aos abismos.

O seus remédios: são difíceis de aplicar, porque a alma tíbia não está suficientemente degradada para se deixar impressionar pelo seu estado: ela diz a si mesma que está bem assim:

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CF V

Dicis quia dives sum et nullum ego (Apoc 3, 17). Nós temos um grande remédio, o Coração de Jesus, a oração ao Coração de Jesus. Peçamos para sair desse estado. Comparemos a nossa tibieza com o Coração de Jesus, oceano de chamas.

Esta meditação sobre a tibieza é uma comparação do nosso coração com o Coração de Jesus: a oração ao seu Coração, a comparação com o seu Coração, a confiança no seu Coração são poderosos remédios para nós. Aproveitemo-los! E saiamos o mais brevemente possível de um estado que é absolutamente contrário à nossa vocação de reparação e de amor.

31 de Maio de 1881 (às 5 horas da manhã)

Oblação de Jesus

Para imitar bem a Nosso Senhor resta-nos estudá-lo nos seus mistérios, começando pela sua oblação.

Ecce venio ut faciam voluntatem tuam (Heb 10, 7). Se quisermos fixar a nossa atenção por meio de um grande espectáculo, contemplemos o mundo no momento da Encarnação. Os homens entregues a todos os vícios, as almas indo em multidão para o inferno, o povo escolhido de Deus, caindo em diversos erros. A Redenção era bem necessária e Jesus teve que dizer apressadamente: Ecce venio.

Sigamos o seu exemplo e ofereçamos nós também a reparação que pede em união com a sua. Todo o sacerdote deve fazer a sua oblação, mas para nós é a parte principal.

31 de Maio de 1881 (às 10 horas da manhã)

Jesus em Belém

Modelo de humildade, de pureza, de caridade.Tende estas três virtudes e sereis uma perfeita vítima.Humildade. Admiramo-nos tanto das humilhações. A nossa estranheza demonstra o

nosso orgulho. Ide agora procurar as honras, quando Jesus é desconhecido, recusado, alojado num estábulo com um boi e um burro.

Pureza. Que satisfeita se vê a sensualidade! Palha por berço, um estábulo por habitação. É o gosto que é acariciado? Não se compreende absolutamente. Será o ouvido? Menos ainda. A sensualidade ali não encontra nada.

Caridade. Por amor a seu Pai consciente de sofrer assim por nós, sofre para nos dar exemplo.

31 de Maio de 1881 (às 3 horas da tarde)

Jesus em Nazaré

Dos 12 aos 30 anos passa aí a sua vida. É aí que é mais nosso modelo. Nem todos os dias se está no Calvário, mas, sim, está-se todos os dias em Nazaré e Nosso Senhor pediu-nos para encontrar aqui a sua Nazaré. Encontrá-la-á por meio da nossa união com Ele, união de pensamento, de coração a este mistério da sua vida. A vós, que sonhais fazer avançar a reparação com a vossa ciência, com os vossos talentos, com o brilho da pregação... como vos confunde esta

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CF V

longa vida obscura! Jesus nada tem a ver com isso. Ele prefere de nós uma vida oculta, interior, uma vida de união com Ele, uma vida desconhecida para o mundo.

Vede ali também um modelo de obediência. Teve que obedecer não só a Maria e a José, que ao fim e ao cabo não eram mais do que criaturas, mas a gente de toda a condição que o fazia trabalhar, e as pessoas a quem servimos não costumam fazer cortesias.

Obedeçamos a tudo o que Deus quer e manda por meio das suas criaturas.

31 de Maio de 1881 (às 6 horas da tarde)

Jesus no templo

Vai ali rezar com José e Maria.

Sexta-feira, 3 de Junho de 1881

Estote imitatores Dei sicut filii carissimi et ambulate in dilectione sicut et Christus dilexit nos et tradidit semetipsum pro nobis oblationem et hostiam Deo in odorem suavitatis (Ef 5, 1-2).

Com estas palavras, S. Paulo mostra-nos que a vocação sublime pela qual uma vítima é oferecida a Deus, é a própria imitação da de Jesus e que é pelo amor que se consuma esta imolação. Propõe a todos os cristãos, particularmente a todos os sacerdotes e mais especialmente às almas consagradas, que se imite Jesus desta maneira.

Os sacerdotes estão comprometidos nisso como substitutos do antigo sacerdócio, que não era em si mesmo mais do que uma vítima que substituía as grandes vítimas, os primogénitos de cada família à saída do Egipto (Separabis a populo, purificabis et consecrabis oblatos Domino). Os sacerdotes da antiga lei eram eles mesmos substituídos por uma vítima imolada em sua lugar com um cuidado extremo; punha-se de parte (prestai bem atenção ao rito) o coração e parte das patas dianteiras da vítima: separabis pectusculum et armum (cf. Ex 29, 26). Era como que a parte de Deus, escolhida entre as mais delicadas. Até agora tinha imitado Jesus Cristo no holocausto, cravando-se como Ele não à cruz por meio dos três votos de pobreza, obediência e de castidade. Hoje e depois de 200 anos, parece que tenha descido da cruz para nos mostrar o seu Coração e

dizer-nos: imolai também o vosso coração, uma vez que Eu mesmo imolei o meu35.Assemelhemo-nos a essas vítimas da antiga lei e imolemos a Deus o coração e o braço

direito, isto é, o coração por amor e a reparação e o braço pela acção. O meio é aquele que Jesus escolheu: o amor a Deus e às almas: Ambulate in dilectione (Ef 5, 1).

Quinta-feira, 23 de Junho de 1881 (Véspera do Sagrado Coração)

Leiamos hoje alguns excertos da Beata Margarida Maria sobre as revelações que levaram à festa de amanhã. Deste modo é o próprio Nosso Senhor quem nos disporá para esta festa.

(O Padre João lê em seguida o que se refere à instituição da festa do Sagrado Coração e insiste na ferida mais sensível revelada pelo Coração de Jesus).

35 No período em que o Pe. Dehon falava aos seus noviços, tinham passado algo mais do que 200 anos desde as aparições do Sagrado Coração a Santa Margarida Maria.

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CF V

Sexta-feira, 21 de Outubro de 1881

O espírito próprio da Ordem do Sagrado Coração deve ser o amor pelo sacerdote. Sobretudo que a nossa reparação não se baseie num desprezo. Amemos o coração do sacerdote, pois é dele que deve partir a animação de todas as suas funções.

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Ap ICF VI

Apêndice I

Cadernos Falleur

VIConferências

Outubro de 1885 – Outubro de 1886

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Ap ICF VI

V. C. J. P. C. M.

Outubro de 1885

Notas sobre as conferências do nosso Pe. Geral1

1ª conferência sexta-feira, 2 de Outubro de 1885

O tema foi as Regras de modéstia que não estão nas nossas Regras, mas que encontrámos já feitas por Santo Inácio. O Pe. João insiste nestas Regras, porque servem para a vida interior. (Eu estava ausente, substituindo o Pe. Afonso em Santo Eloi)2.

2ª Conferência

O tema foi a vida interior. Pode reduzir-se, - diz - a uma disposição geral que é a conformidade com a vontade de Deus, tal como a indica o nosso exame particular. Esta vontade de Deus varia conforme os exercícios. Ela recomenda para cada um deles algumas virtudes principais que é preciso praticar nos mesmos, e o tema do exame deve consistir em ver se durante cada exercício fomos fiéis à prática destas virtudes.

3ª Conferência - 16 de Outubro de 1885

O Padre João considera estas conferências como uma meditação sobre a nossa vocação. Por isso vai tomar como tema os capítulos das Constituições que falam das virtudes próprias da nossa vocação.

Falou da vida interior, facilitada pela observância das regras de modéstia, procurada e alimentada pela disposição de conformidade com a vontade divina, acomodada de modo diferente aos diversos exercícios previstos pela regra, e resumindo-se ao abandono, paciência, caridade nas provações imprevistas que nos reserve a Providência. Hoje chega à recta intenção.

Nós devemos viver pela vida interior, sobretudo pelo coração. Exteriormente parecemo-nos às Congregações já existentes, salvo pelos exercícios particulares à devoção ao Sagrado Coração: hora santa, exercícios da primeira sexta-feira, etc. Pois bem, é a recta intenção que dá aos actos o seu valor.

Contentar e desagravar o Coração de Jesus, esta é a disposição geral; como cristãos, não estamos dispensados da recta intenção; para eles é mais vaga, para nós é mais determinada; todos devem renovar a intenção antes de cada acção principal do dia, sob pena de trabalhar em vão. Temos umas orações antes dos exercícios para nos orientar para isso..., e a Igreja compô-los com esta finalidade e todos os autores ascéticos os propõem com o mesmo fim.

1 O Pe. Geral é o Pe. Dehon. O Pe. Estanislau Falleur em Outubro de 1885 é sacerdote desde há um pouco mais do que três anos (23-9-1882) e emitirá os seus votos perpétuos a 17-9-1886, com o Pe. Dehon e outros cinco Padres (cf. RV 1-2).2 Santo Eloi era uma paróquia dos subúrbios de S. Quintino. O Pe. Dehon escreve assim nas suas “memórias”: Em Junho e Julho (1885) Mons. (Thibaudier) escrevia-me para nos pedir que nos encarregássemos da igreja de Santo Elói durante a doença de M. Caplain. Encarregaram-se dela M. Rasset e M. Falleur (NHV XV, 16).

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Ap ICF VI

Há diversos matizes desta recta intenção. Se procurarmos formular antes de cada exercício a intenção que nos é própria, fá-lo-emos melhor. Eu sei-o por experiência, diz o Pe. João; nada melhor do que estar dentro da corrente da graça, no canal: faz-se mais comodamente o que se deve. Por isso, na vida religiosa, santificamo-nos mais facilmente, porque nos vemos como que forçosamente conduzidos à recta intenção, pela via da obediência na corrente da graça.

Nosso Senhor formula a sua conformidade à vontade divina tanto para procurar a glória divina Non quaero gloriam meam (Jo 8, 50) – como para cumprir a vontade D

divina, Quae placita sunt ei, facio semper (Jo 8, 29).Eu não estive presente nas conferências seguintes.Só assisti a 30 de Outubro à conferência sobre a abnegação.Ela é a mortificação da vontade e do juízo próprios. A mortificação dos sentidos e da

imaginação chama-se com o nome comum de mortificação.

13 de Novembro de 1885

O Pe. João interrompe o curso normal das suas conferências, em primeiro lugar para recordar na ocasião de Santo Estanislau que devemos fazer bem todas as coisas, sobretudo as pequenas; depois, para expor algumas reflexões práticas sobre o voto e a virtude da pobreza. Diz que se podem cometer facilmente faltas graves por negligência.

20 de Novembro de 1885

Renúncia à própria vontade.O Pe. João relê o que diz a regra sobre a obediência. Do ponto de vista administrativo não

há nada mais importante do que a obediência. Do ponto de vista sobrenatural é o canal da graça.Pode-se pecar gravemente contra a virtude da obediência, sem pecar contra o voto.

Examinar-se sobre isto nas confissões.A disposição habitual, o espírito de obediência parece-me que é o ponto capital da nossa

vocação. Com ele praticamos todas as virtudes como Jesus em Nazaré. Por outro lado todas estão contidas na regra. Conhecemos as que devem dominar em cada exercício. Pratiquemo-las por obediência.

Deveríamos poder justificar sempre cada acção com esta disposição: faço o que quer a obediência. Viver sempre esta disposição: Quid me vis facere (Act 9, 6).

27 de Novembro (de 1885)

Da caridade fraterna.Depois dos três votos, é ela o que mais se recomenda nas Ordens religiosas.Temos o dever de corrigir os defeitos de carácter e devemos ser pacientes com aqueles

com quem vivemos em comunidade.Depois de um ímpeto de humor ou de carácter, pedir sempre desculpa, porque há

escândalo a reparar.Ter mais caridade entre si. Há na (casa) do Sagrado Coração uma inclinação para afastar-

se ou para viver solitariamente apenas com alguns. Os Padres do S. João fariam bem vindo de quando em quando ao recreio do meio-dia.

Mais caridade entre as casas. Interessar-se pelo que se passa nelas. Esquecer as faltas que tenham podido arrefecer as relações.

Meditar um pouco no exame particular o tema da conferência até à conferência seguinte.

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Ap ICF VI

4 de Dezembro de 1885 - primeira sexta-feira do mês

O “Trés Bon Père” afasta-se um pouco do curso normal das conferências para nos falar da corrente reparadora que percorre actualmente a Igreja.

Cita um manual de Monmartre e comenta alguns dos seus pontos de vista. O espírito de vítima não é mais do que a perfeição da penitência cristã. Dos elementos da penitência, o pesar e a satisfação, podem alargar-se para além da pessoa. Isso acontece nas Ordens e Terceiras Ordens penitenciais.

As disposições desejáveis na alma vítima são a renúncia afectiva, a privação efectiva tão fácil de encontrar nas coisas pequenas da vida, escolhida ou providencial, e em terceiro lugar a petição de sofrimentos; é então que uma pessoa se oferece como vítima.

Dirige-se um apelo ao clero, aos religiosos, às almas vítimas. Nós somos das três classes, ainda que em grau ínfimo quanto à terceira. Este apelo reproduz em grande parte a circular de Mons. Gay, que teve aqui o seu ponto de partida no ano passado3.

Fortaleçamo-nos na nossa vocação pela prática quotidiana da penitência por amor, pela união dos nossos sentimentos de penitência com Jesus vítima, já na sua vida mortal, já na sua paixão, já no altar e na Eucaristia.

O “Trés Bon Père” diz que uma das formas da penitência por amor é a adoração ou a união com o Coração vítima de Jesus exposto no SS. Sacramento. Não o podemos fazer por causa do trabalho activo de cada um para ganhar o pão de cada dia. Esperemos e peçamos dias melhores.

10 de Dezembro de 1885

O “Trés Bon Père” fala dos exercícios particulares. Insiste na observância completa de toda a regra: contém tudo o que é preciso para nos proporcionar a seiva e a vida e fazer-nos chegar a um desenvolvimento rápido.

A oração da manhã com as invocações especiais de manhã e à noite.A meditação, que deve fazer-se seriamente durante uma meia hora. O melhor método

para cada um - diz - é o que melhor resulte para si. É tudo quanto impõe. Portanto, que cada um adopte o que lhe aproveite e se se distrai excessivamente, que experimente outro método.

A santa missa deve dominar toda a jornada. Celebrei esta manhã, celebrarei amanhã. Preparemo-nos alguns minutos ou pelo menos no fim da meditação. Se fazemos a acção de graças geralmente distraídos, se nos seguem para o altar pensamentos completamente alheios, não somos o que devemos e então escolher um tema de leitura espiritual durante certo tempo: Le prêtre à l´autel 4.

Devemos sentir uma certa repugnância em celebrar a santa missa com estipêndio. Não esqueçamos a intenção reparadora e apressemo-nos com os nossos desejos e com uma certa delicadeza a seguir esta situação, o momento em que possamos celebrar a nossas missa reparadoras.

3 É a cruzada de orações e de obras reparadoras, proposta pelo Pe. Dehon a Mons. Gay em finais de Agosto de 1882. em Setembro do mesmo ano Mons. Gay enviou um apelo a todos os bispos de França, para que convidassem o seu clero e o povo a participar nesta cruzada de reparação com orações, adorações, missas reparadoras (cf. NHV XIV, 160-165). Ainda que a iniciativa não tenha tido um amplo e estável resultado (cf. VP, pp. 130-132), o Pe. Dehon continuou igualmente por toda a sua vida o apostolado da reparação. Escreveu no seu “Diário”: eu era conduzido pela providência a abrir muitos sulcos, mas especialmente dois deixaram uma profunda marca: a acção social cristã e a vida de amor, de reparação, e de imolação ao Sagrado Coração de Jesus (NQ XXV, 33: Abril de 1910)4 "Le prêtre à l´autel ou le saint sacrifice de la messe dignement célébré" (Angers, 1853) é uma das obras do jesuíta P. Pierre Chaignon (1791-1883).

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Ap ICF VI

18 de Dezembro de 1885

O “Trés Bon Père” crê oportuno insistir na obediência religiosa, na observância da regra e do horário. Ele acrescentará às Regras um regulamento geral e regras especiais, para viver de tradição.

Indica a obediência no referente ao silêncio.Faltar ao grande silêncio é, segundo ele, um grande pecado venial. Observar o silêncio

ordinário, não quebrá-lo fora dos recreios senão brevemente e em voz baixa.Não falar nos quartos senão com a porta aberta.O silêncio exige também que no recreio não haja gritos nem gargalhadas. Há também um

silêncio de acção; não correr, bater com as portas.O silêncio, com a caridade e os três votos, constitui a vida religiosa. É um elemento

que chega ao quinto nível.Quanto às licenças para sair da cidade: quo, ad quid? Ter um companheiro.Outro aviso mais: quando alguém obtiver licença do superior para ter alguma coisa, não

suprima o intermediário. A sua licença significa: dirija-se ao encarregado disso. Se o encarregado vir algum inconveniente, dirá: Tenho que fazer uma advertência ao Superior, mas jamais deve permitir-se dize-la ao que pede.

Quando alguém faltar a um exercício ou não tiver podido advertir da sua ausência, informe sempre depois.

Sexta-feira, 8 de Janeiro de 1886

O “Trés Bon Père” fala dos exercícios de perfeição, oração, exame, caridade, silêncio, regularidade.

Neles temos os meios para corrigir o que há de defeituoso em nós, meio ainda melhor do que a própria explicação do capítulo da regra que se refere a este defeito.

Se verificamos quedas desoladoras, entristecedoras, lamentáveis, é porque fazemos mal um ou vários exercícios. A razão é que sendo nós uma Congregação incipiente e uma Congregação do Sagrado Coração, recebemos graças abundantes. Se as recusamos, somos por nossa vez recusados fortemente: potentes potenter torquentur (cf. Sab 6, 7).

A Obra tem que progredir; é o nosso fervor, quer dizer, os nossos exercícios bem feitos, o que atrairá a bênção divina e as vocações que hão-de vir pelo ascendente não das nossas qualidades e talentos naturais mas pela nossa virtude.

Examinemos cada um os apegos que nos impedem de avançar e sirvamo-nos dos exercícios para corrigi-los.

Ao terminar, o Padre João pede que os Padres do Sagrado Coração vão ao recreio de terça à noite ao S. João, para estreitar a caridade entre os membros das duas casas ou melhor dito: as duas secções da mesma casa.

Sexta-feira, 15 de Janeiro de 1886

Eu estava em St. Eloi5.

5 Cf. Nota 2 VI, 1.

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Ap ICF VI

Sexta-feira, 22 de Janeiro de 1886

A vida interior é indispensável para nós. Como meio para alimentá-la temos a união com Jesus, mas segundo o modo próprio de cada um.

O que melhor nos serve é o melhor para nós, dizia o Superior do Seminário Francês6. Não se podem precisar os meios de união com Jesus de uma maneira demasiado exacta, sob pena de nos expormos à aridez, à confusão interior.

Há uma direcção íntima que se reserva ao Senhor.Cada um se unirá conforme os mistérios que mais o atraiam.

Sexta-feira, 29 de Janeiro de 1886

(Cheguei perto do fim). O Padre João explica esta máxima de S. Francisco de Sales: é preciso permanecer inalterável no santo amor. Este santo interpretava assim as palavras de S. Paulo: quis me separabit... (Rom 8, 35). Ensinava esta igualdade de ânimo às suas religiosas com o nome de conformidade à vontade de Deus, definida pelos mandamentos, os conselhos, as ordens dos Superiores, os deveres de estado, inclusivamente as inspirações prudentemente aprovadas, e a vontade indeterminada ou de beneplácito de Deus: tudo o que nos vem por estações, doenças, acontecimentos, dos que nos rodeiam, etc.

Tratemos de adquirir esta igualdade de ânimo que ninguém de nós possui e que nos é tão necessária.

12 de Fevereiro de 1886

O Padre João lê extractos de folhetos relativos a almas santas que estão completamente dentro do espírito da nossa Obra. Cita palavras chocantes pela sua semelhança. Realça que os santos da terra podem dar-nos uma direcção, como os santos do céu. Lê a carta de Pio IX em 1870 reconhecendo uma reparação sacerdotal.

Sexta-feira, 19 de Fevereiro de 1886

O Padre João lê umas cartas da vida de Madre Teresa de Jesus Lavaur7, para concluir que teve umas perspectivas especiais sobre a dignidade do sacerdote e que o meio que lhe foi dado para cooperar na santificação sacerdotal foi a conformidade com a vontade divina. Não te preocupes com nada nem como amanhã. Momento após momento. Queixa de Nosso Senhor sobre o tempo mal gasto pelo sacerdote.

6 É o seminário francês de Santa Clara, em Roma, de que era superior, no tempo do Pe. Dehon (1865-1871), o Pe. Melchor Freyd.7 Trata-se indubitavelmente da Vie de Mère Thérese de Jésus, de que o Pe. Dehon fala também nas conferências seguintes. Mons. Thibaudier alude também a esta Vie numa carta de 13 de Março de 1886 ao Pe. Dehon (cf. NHV XV, 47-48). A Madre Teresa de Jesus (Xavérine de Maistre) nasceu a 17-4-1838. O seu pai, o conde Rodolphe, era filho do ilustre José de Maistre. A 15 de Maio de 1862 entrou no Mosteiro da Encarnação ou Carnelo em Poitiers, em que era superior eclesiástico M. Charles Gay, que chegaria a ser, mais adiante, bispo auxiliar de Mons. Luís Pie. Em 1869, a Irmã Teresa de Jesus foi eleita prioresa do seu mosteiro e morre dois anos mais tarde, a 6-10-1871. Teve uma grande devoção ao sacerdócio de Cristo, à sua paixão e viveu uma espiritualidade tipicamente reparadora. A Madre Teresa de Jesus sentiu-se intensamente atraída pela reparação sacerdotal. Em 1868-1869 teve luzes especiais sobre a grandeza do sacerdócio de Cristo (cf. Mons. Gay, Vie de la Rèv. Mère Thérèse de Jesus..., Oudin, Paris-Poitiers, 1882, p. 355 e ss) Esta admiração pelas grandezas do sacerdócio ia sempre aumentando na Madre Teresa, à medida que considerava na oração os seus diferentes aspectos (pp. 357-358).

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Ap ICF VI

Sexta-feira, 4 de Março de 1886 (1º do mês)

Perspectivas sobre o sacerdote, da Madre Teresa de Jesus.O que mais prejudica a Igreja não é tanto os maus sacerdotes reconhecidos como tais

quanto o enfraquecimento do espírito sacerdotal, a impureza do zelo.O sacerdote é como uma mãe; não comunica mais do que uma vida lânguida se não tem

as disposições do verdadeiro sacerdote.Reanimemo-nos hoje, relendo os nossos propósitos dos exercícios.Este mês divide o ano em dois. Sejamos fiéis ao dar contas mensais da nossa consciência.

Façamos por escrito um exame.

Sexta-feira, 11 de Março de 1886

O Pe. João recorda o parágrafo das Constituições que se refere à santificação pessoal: eles (os Oblatos) têm obrigação de tender a uma santidade pouco comum. Demonstra esta obrigação e pede que sacudamos toda a tibieza. Desafio da semana: fidelidade às coisas pequenas, tanto no interior como no exterior.

Sexta-feira, 26 de Março de 1886

Leitura de uma carta de Mons. Thibaudier, encorajamentos e conselhos. Aprova as perspectivas da Madre Teresa de Jesus sobre a obra sacerdotal.

Recomenda que comecemos nós mesmos a ser homens ilustrados, de doutrina, modestos, desinteressados, zelosos, indulgentes com os outros com certa severidade para nós mesmos8.

O “Trés Bon Père” recomenda isto sobretudo aos que vão prestar um serviço ao clero durante a quaresma. Considerar-nos e declarar-nos humildes e serviçais auxiliares do clero; demonstrá-lo em tudo. O melhor exercício é sofrer por ele e imolar-se com essa finalidade de instante a instante. Não é preciso demonstrar o valor deste serviço.

Os serviços externos atraem-nos mais simpatia.O “Trés Bon Père” comenta uma a uma as palavras de Mons. Thibaudier: homens

ilustrados e de doutrina pelo estudo... rever todos os anos a sua teologia moral, rubricas da Missa e do Breviário; modestos: o bem não faz ruído e o ruído não faz bem: desinteressados; pureza de zelo, sem isso, estéril; entregar-se totalmente e mortificar o seu juízo e a sua vontade.

Desafio da semana em relação com a Anunciação: Ecce venio (Heb 10, 7).Esta expressão foi uma doação completa, e depois Nosso Senhor jamais fez a sua

vontade.

9 de Setembro de 1886

6:15 da tarde: Abertura do retiro9.

Venite in desertum locum et requiescite paululum (Mc 6, 31).Depois de um ano de trabalho fazemos umas férias. O que é preciso ao corpo para se

repor também o é para a alma. Precisamos de umas férias espirituais como as há corporais; e aquelas são mais importantes do que estas, porque a saúde da alma, a santidade, está muito acima

8 É a carta de 13 de Março de 1886, consignada nas "Memórias" do Pe. Dehon (cf. NHV XV 47-48).9 São os Exercícios Espirituais como preparação aos votos perpétuos que o Pe. Falleur emitiu com o Pe. Dehon, o Pe. Rasset, os Padres Paris, Legrand, Lamour e Jacques-Marie Herr a 17 de Setembro de 1886.

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Ap ICF VI

da saúde do corpo. O que cansou o corpo é um contínuo exercício e tomado com excessivo ardor talvez. O que fatiga a alma é a preguiça espiritual; e o que a repousará, o que a restabelecerá são os exercícios espirituais...

Quem será o superior dos exercícios? Nosso Senhor! É com Ele que devemos fazê-lo; e o grande meio é viver uma estreita união com Ele todos estes dias.

Para manter esta união, observância exacta do silêncio; a ausência desta condição faz fracassar muitos exercícios eclesiásticos.

Prática da modéstia.Escutai Nosso Senhor: Venite in desertum locum. Vinde, quem quer que fordes, ainda

que estejais privados não só da saúde mas também da própria vida espiritual. Novo Lázaro, Jesus diz-vos: Veni foras (Jo 11, 43) saí deste estado de morte e vinde a Mim; Venite ad Me omnes e eu vos curarei, et ego refiam vos (Mt 11, 28).

Sobretudo (é preciso) boa vontade. Nosso Senhor não fará tudo com certeza, mas fazei quanto vos for possível: dai-Lhe o vosso coração. Não é tanto um trabalho intelectual o que vos pede, mas o vosso coração. Não pede a vossa cabeça mas o vosso coração.

8:30 da tarde: pontos de meditação fundamental

1º Tudo o que tenho, tenho-o de Jesus.2º Devo ser totalmente de Jesus.3º Jesus quer dar-se totalmente a mim.

1º Como homem, tenho o ser de Jesus: Omnia per ipsum facta sunt (Jo 1, 3) e actualmente ainda, se o tenho, é graças a Ele: Omnia in ipso constant (Cor 1, 17). Criação.

- Como cristão, a graça que constitui a minha vida vem d´Ele - Redenção.- Como religioso, é d´Ele que tiro a minha salvação - Santificação.- Como sacerdote, é Ele mesmo quem me dá o seu poder.

2º Pertenço, pois, a Jesus mais do que o quadro pertence ao pintor, pois Ele me tirou do nada e eu dependo sempre d´Ele.

3º Jesus quer dar-se totalmente a mim, pela sua palavra, pela sua graça, por Ele mesmo na SS. Sacramento.

(Esta meditação não foi desenvolvida pela manhã pelo Padre João)10.

10 de Setembro de 1886

Às 9:15: segunda meditação: do uso das criaturas.

Reliqua vero creata sunt propter hominem.Creata sunt. Coisas criadas, logo não merecem as minhas homenagens, o meu coração;

são meios e a grande regra de Santo Inácio diz que devemos tomar as que nos aproximam do nosso fim e guardar-nos das que nos afastam dele.

Mas não são mais do que meios. Não devemos apegar-nos a elas mais do que como meios e não como a um fim. Quando se cruza o mar de barco, uma vez desembarcados não nos preocupamos com o navio; o mesmo quanto às criaturas.

Por isso o fim dos exercícios neste dia é o desapego das criaturas.

10 O Pe. Dehon tinha começado os seus Exercícios espirituais a 22 de Agosto de 1886 (cf. NHV XV 52-53). O retiro de que fala o Pe. Falleur foi pregado pelo Pe. Dehon como preparação ao primeiro Capítulo Geral (cf. NQ III 53-54).

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Ap ICF VI

1º Uso das criaturas: considerá-las como imagem das perfeições divinas; invisibilia enim ipsius... per ea quae facta sunt intellecta, conspiciuntur (Rom 1, 20) (um homem vulgar e um artista diante de um formoso quadro de Rafael).

2º Fazê-las servir par o uso a que Deus as destinou.3º Servir-se delas renunciando a elas; "quanto mais se renuncia a elas e as sacrificamos

tanto melhor é o uso que delas se faz". Assim Abraão renuncia ao seu filho; por isso foi tão magnificamente abençoado. Assim o religioso que sacrifica os bens exteriores pelo voto de pobreza, os bens do corpo pelo de castidade, a sua vontade pelo de obediência, faz o melhor uso para o bem das criaturas.

4º Imitando-as; desde há 6.000 anos o sol alumia e as restantes criaturas fazem a vontade de Deus cumprindo o fim que lhes assinalou; nós, glorificamos a Deus e salvamos a nossa alma.

Às 3 horas da tarde: conferência

O Pe. João enuncia e comenta rapidamente das adições de Santo Inácio11. Pensar nelas à tarde na meditação durante o espaço de uma Ave Maria e propor-se levantar-se prontamente (pelo menos - diz o Pe. João - um soldado raso de infantaria).

Pensar nelas de manhã, depois de ter oferecido o coração a Deus.Manter a postura mais favorável durante a meditação. Se se tem um bom pensamento que

impressiona, deter-se nele. A meditação, para ser boa, não precisa de ser um discurso selecto dirigido ao bom Deus. Um pensamento que nos tocou e nos prende é suficiente para torná-la boa.

Revisão: examinamo-nos porque a fizemos mal; pus-me na presença de Deus? É preciso fazer o mesmo para os exercícios de piedade, santa Missa, Ofício Divino. Se se fez bem a meditação, dar graças a Deus.

Praticar o silêncio e a modéstia para viver no recolhimento necessário para a oração. A este propósito, afeiçoemo-nos ao silêncio e à modéstia. Aproveitemos os exercícios para nos retemperar destas condições essenciais da vida interior, "estes traços característicos do verdadeiro religioso"; é preciso que o mundo veja nisso que sois religiosos e não só sacerdotes diocesanos.

Estas recomendações e adições são bem pouca coisa em si mesmas, mas na ordem da santificação Deus produz grandes feitos de coisas pequeníssimas. Os sacramentos: assim na ordem da santificação ex opere operatur.

Depois da meditação fundamental S. Inácio fala seguidamente do exame particular.É porque para reparar a desordem da nossa vida é preciso combater as paixões e os

defeitos: abneget semetipsum (Mt 16, 24). Tem que custar-nos: sem isso não se chega a lado nenhum. Além do mais, não se passa o mesmo com toda a espécie de ciência e de arte? Vamos pretender que na ciência da salvação e para a glória do céu não se deva sofrer nada?

Às 5:30 horas da tarde

O Pe. João completa a conferência das três horas falando do espírito de oração e de mortificação, necessários para a oração.

Um desapega-nos da terra, e outro apega-nos ao céu. A mortificação. Santo Inácio divide-a em três: alimento, vida comunitária, sono. É o que

se dá a todos. A mortificação consiste em deitar-se e levantar-se à hora.Mortificação voluntária: disciplina; é bom dá-la a si mesmo; às vezes, é necessária,

sempre com autorização.

11 Depois da primeira semana dos Exercícios Espirituais, S. Inácio expõe, dia após dia, uns avisos complementares para o andamento dos Exercícios: trata-se das adições para encontrar melhor o que se deseja (n. 73-79).

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Ap ICF VI

A mortificação expia os pecados, como se com 1 franco se pagasse uma dívida de 100.000 francos. Obtém graças: "Tendes um aluno, interessais-vos sinceramente pela salvação da sua alma; oferecei por ele alguma mortificação".

Meditação sobre a indiferença

Esta indiferença ou conformidade com a vontade divina ou abandono pode dividir-se em três:

1º Indiferença quanto à inteligência. Consiste em ver que o fim do homem é Deus, que as criaturas não são para o homem mais do que meios. Nisso está a verdade, a luz; se nos afastamos disso, caímos nas trevas, na vida desordenada. Esta indiferença é a da própria inteligência divina: Qui sequitur me, non ambulat in tenebris (Jo 8, 12).

2º A indiferença da vontade consiste em não amar as coisas mais do que em Deus e por Deus. Também Deus se ama a Si mesmo e ama as criaturas por Ele; e é ter a mesma vontade que Deus, uma vontade conforme à sua.

3º A indiferença na parte sensível consiste em não alimentar voluntariamente inclinações demasiado fortes ou demasiado fortes repugnâncias para tal ou tal coisa. Não somos senhores de não sentir nada, mas, uma vez conhecida a vontade de Deus, é preciso sacrificar as atracções e as repugnâncias a esta divina vontade.

Depois de tudo, não temos que fazer mais do que uma coisa para ser santos: a vontade de Deus. É o segredo da felicidade e da santidade.

Não sejamos para os superiores uma sarça de espinhos em que ninguém se atreva a pôr a mão sem qualquer precaução e apesar disso se pique.

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Ap IIPrimeiros textos das Constituições

Apêndice II

Os primeiros textos das Constituições*

Mons. Thibaudier emitia um juízo sobre o projecto de constituições a 13 de Outubro de 1881. Parecia-lhe “sério, bonito e cheio de verdadeiro espírito religioso. Sem dúvida fazia claras reservas sobre o quarto voto (voto de imolação), não o achando suficientemente determinado, nem sequer determinável na prática".

Mons. Thibaudier foi a Roma três meses mais tarde. Falou ao Santo Padre da Congregação nascente e este aconselhou-o a consultar o Cardeal Ledochowski1. Monsenhor enviou, pois, ao venerável Cardeal o último dos cadernos que continha as comunicações da Irmã Maria de Santo Inácio com o projecto recém-retocado das Constituições2. Mons. Thibaudier confiou também durante dois dias os documentos a um amigo do Pe. Dehon, o Pe. Daum, do colégio de Santa Clara3.

O Cardeal redigiu uma informação para o Santo Padre e escreveu a Mons. Thibaudier, recomendando-lhe prudência e reserva4. Ao Pe. Daum as Constituições pareciam ainda incompletas em diversos aspectos e desejava no que se refere às comunicações da Irmã Maria de Sto. Inácio um excesso de prudência5.

Tendo sido entregues mais tarde ao Santo Ofício estas Constituições com outros documentos infelizes e alguns falsos (como algumas cartas de denúncia de gente malévola), não podemos formular uma ideia exacta do seu conteúdo.

Todavia, no que toca ao primeiro capítulo, o mais importante para nós, restam três cópias dele em litografia6. Estes textos são certamente anteriores ao ano de 1883. A simples formulação, tal como se apresenta, teria sido impensável em 1884 e nos anos seguintes. Por outro lado, temos uma confirmação importante do valor original destes textos no comentário que deles fez o Pe. Fundador. Na terça-feira, 19 de Abril de 1881, declara na sua instrução aos noviços: Comentaremos durante 4 dias o primeiro capítulo das nossas Constituições...7

Os textos comentados são os da folha litografada, texto A8.Para dizer a verdade, não há mais do que esboços de citações, mas convincentes.Observemos que o texto B não fala do voto de imolação, como nem sequer dos outros

três votos, enquanto que no texto A se faz uma menção. É certamente seguro que as Constituições apresentadas a Roma por Mons. Thibaudier em 1882 falavam do voto de imolação. (cf M. Denis, Le project du Père Dehon, pp. 8-9, 18).

1* Os textos faximilados do manuscrito podem encontrar-se na Studia Dehoniana SCJ 10, edição francesa, Roma, Dezembro de 1979; pp. 227-234.? O Cardeal Ledochowski (1822-1902), antigo núncio em Bruchelas, fora eleito em 1865 arcebispo de Gnesma e Posnânia. Depois da sua oposição às leis que proibiam o ensino em polaco, foi encarcerado desde 1874 a 1876. Criado Cardeal em 1875, veio a Roma em 1876, aureolado por uma espécie de martírio . Prefeito da Propaganda em 1892.2 Carta dirigida de Paris ao Pe. Mathieu, e citada em NHV XIV, 101.3 NHV XIV, 101.4 Ibid.5 NHV XIV, 104.6 Estas três cópias reproduzem dois textos aparentados, mas ligeiramente diferentes que serão designados por texto A e texto B. A letra destes textos é da mesma mão que as primeiras litografias do Aigle de St.Jean (revista da instituição S. João) fundada a 17-2-1878.7 CF V, 81: terça-feira 19-4-1881.8 Veja-se a nota 6. Nesta data, na casa do Sagrado Coração de S. Quintino, as pessoas ainda não se encontravam nas perspectivas próprias do Pe. Captier e que parece que aparecem no texto B.

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Ap IIPrimeiros textos das Contituições

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Ap IIPrimeiros textos das Constituições

PRIMEIRO CAPÍTULO DAS CONSTITUIÇÕES O.C.J.

Anexado aos Cadernos Falleur - Abril de 1881

(2 versões: A e B)

Texto A1

O.C.J.

Constituições

Capítulo primeiro

Espírito e finalidade

1. Os Oblatos do Sagrado Coração de Jesus têm por finalidade:

1º. Glorificar a Deus louvando, amando e consolando de modo muito especial o Sagrado Coração de Jesus;reparar as injúrias que se fazem a este divino Coração,desagravando-Oe oferecendo-se a Ele como vítimas do seu beneplácito,no espírito de reparação e de amor,que é o seu espírito distintivo.

2º. Dedicar-se, com a graça de Deus, à salvação e à perfeição das suas almas,esmerando-se em imitar a doçura, a humildade e o espírito de imolação do divino Coração de Jesus.

3º. Empenhar-se com todas as suas forças, com a mesma graça, na salvação e na perfeição do próximo,particularmente propagando a devoção e o amorao Sagrado Coração de Jesus,

1 As palavras e as frases diferentes ou acrescentadas ao Texto A e do Texto B escrevemo-las em caracteres itálicos. Quanto se trata simplesmente da transposição material das mesmas palavras, transcrevemos os dois textos (A e B) em caracteres ordinários, uma vez que expressam a mesma ideia.Os textos idênticos foram retirados por nós para que se possa compará-los, remetendo para o Manuscrito para indicar o seu lugar original exacto: (cf. MS, texto...).

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Ap IIPrimeiros textos das Contituições

e, quanto lhes seja possível, procurando por meio do ensino, dos retiros e das associações,a santificação do clero, que é a partedo rebanho da Igrejamais querida ao seu Coração de Pastor.O seu nome de Oblatos foi escolhido para exprimir esta vida de imolação.

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Ap IIPrimeiros textos das Constituições

PRIMEIRO CAPÍTULO DAS CONSTITUIÇÕES O.C.J.

Anexado aos Cadernos Falleur - Abril de 1881

(2 versões: A e B)

Texto B

O.C.J.

Constituições

Capítulo primeiro

Finalidade da Obra; seu espírito; seus Protectores; noções sumárias sobre a sua Organização e a sua vida própria.

1. Finalidade. Os Oblatos do Coração de Jesus têm como finalidade:

1º. Glorificar a Deus louvando, amando e consolandode modo muito especial o Sagrado Coração de Jesus;desagravando este divino Coraçãopelas injúrias que se fazem contra ele,e oferecendo-se a Ele como vítimasdo seu beneplácito,em espírito de reparação e de amor.

2º. Dedicar-se, com a graça de Deus, à própria salvação eà sua perfeição pessoal,esmerando-se por imitar a doçura, a humildadee o espírito de imolação do divinoCoração de Jesus1.

3º. Empenhar-se com zelona salvação e perfeição do próximo, especialmentepropagando a devoção e o amor

1 Alguns poderão preferir o texto B, mais sóbrio, mas todavia é mais conveniente dar-se conta de que o culto ao Sagrado Coração de Jesus como forma de vida espiritual, como devoção dinâmica é menos doutrina do que vida. Um culto assim, - escreve judiciosamente André Feuillet -, para ser compreendido correctamente, exige toda uma preparação... (Ami du Clergé, 1964, n. de 21 de Maio). O Sr. Feuillet pensa aqui em Mt 11, 28-30s:"... discite a me quia mitis sum et humilis corde".

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Ap IIPrimeiros textos das Contituições

ao Sagrado Coração de Jesus,e procurando quanto lhes seja possível,por meio do ensino,dos retiros e associações, a santificaçãodo clero, que é a parte do rebanho da Igrejamais querida ao Coração do Pastor.O nome de Oblatos foi escolhido para exprimir esta vida de imolação (cf. MS, Texto B, II linha 5ª).

2º. O espírito da Ordem é, pois, um amor ardente e uma terna devoçãoao Sagrado Coração de Jesus,de que os Oblatos se esforçarão por imitara mansidão e a humildade na medida das graças que lhes forem concedidas para este efeito.Eles procurarão responder o melhor que possamàs queixas dolorosas que Nosso Senhor expressouà B(eata) Margarida Maria quando,mostrando-lhe o seu Coração Sagrado, lhe dizia:"Eis aqui o Coração que tanto amou os homense que não recebe, da maioria deles,senão ingratidões",e acrescentava: "Mas o que mais me dóié que são corações que me estão consagradosos que assim abusam".Os Oblatos esforçar-se-ão, pois, por satisfazercom todo o ardor possível os desejos expressospor este divino Coração,desagravando-O pela frieza e indiferençade tantos homens que o abandonam cobardemente e,sobretudo, pela falta de amor e pelas ingratidõese infidelidades do seu povo eleito,por meio da celebração digna do Santo Sacrifício,das suas fervorosas comunhões, orações,adorações, boas obras,numa palavra: por meio de todas as obras de piedade,zelo e de caridade que estejam ao seu alcance.

Mas considerarão uma obrigação especialas práticas santas recomendadas pelo próprio Nosso Senhorà B. Margarida Maria e que são:a comunhão e a missa reparadora;a santificação particular da primeira sexta-feira do mês;a prática da hora santa,todas as noites de quinta para sexta; a adoração perpétuaao Sagrado Coração de Jesus no SS. Sacramento; e finalmente a propagação da devoçãoe do amor ao Sagrado Coração de Jesuspor quanto lhes seja possível.A festa do Sagrado Coração ser-lhes-áparticularmente querida, sendo a sua festa patronal.Celebrá-la-ão com a máxima solenidade e com os sentimentosda mais viva gratidão e do mais ardente amor.

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Ap IIPrimeiros textos das Constituições

II. Espírito. O espírito da Ordem é, pois, um espírito de amor ardente e puro ao Sagrado Coração de Jesus,e por conseguinte, um espírito de sacrifício e de reparação a este divino Coração, para O compensar dos ultrajes que Lhe são feitos.Os Oblatos procurarão, pois, responder o melhor que puderem aos lamentos dolorosos que Nosso Senhor expressava à B. Margarida Maria quando,Mostrando-lhe o seu Sagrado Coração, lhe dizia:"Eis aqui o Coração que tanto amou os homens e quenão recebe da maioria deles senão ingratidões",e acrescentava: "Mas o que mais me dóié que são corações que me estãoconsagrados os que assim abusam".Eles esforçar-se-ão, pois, por satisfazer com todoo ardor possível os desejos manifestados por este divino Coração,desagravando-O pela frieza e indiferençade tantos homens que O abandonam cobardemente e,sobretudo, pela falta de amor e pelas ingratidões einfidelidades do seu povo eleito,por meio da celebração digna do Santo Sacrifício,das suas fervorosas comunhões, orações,adorações, boas obras,numa palavra por meio das obras de piedade, de zelo,que estejam ao seu alcance.Como o Santo Sacrifício é o acto reparador mais eficaz,os sacerdotes da Ordem não celebrarão senão missasreparadoras sem estipêndio2.

Os Oblatos considerarão uma obrigação particular as práticas santas recomendadas pelo próprio Nosso Senhor à B. Margarida Maria e que são:a comunhão reparadora;a santificação especial da primeira sexta-feira de cada mês; a prática da hora santa, todasas noites de Quinta para Sexta; a adoração perpétuaao Sagrado Coração de Jesus no SS. Sacramento;e, finalmente, a propagação da devoção e doamor ao Sagrado Coração de Jesus, quanto lhes for possível.

III. Festas e Protectores. A festa do Sagrado Coração ser-lhes-á particularmente querida, sendo a sua festa patronal.Celebrá-la-ão com a máxima solenidade e com os sentimentos do mais vivo agradecimento e do mais ardente amor.3º. Os Oblatos do Sagrado Coração de Jesus têm também uma devoção especialíssima ao Sagrado Coração de Maria eà Imaculada Conceição. Serão sensíveis às queixas que a SS. Virgem manifestou em Paray-le-Monialjunto com o seu divino Filho, eque parece tê-las renovado em La Salette, a propósitoda ingratidão do seu povo e em particular das pessoas consagradas a Deus.

2 O Pe. Fundador dizia aos noviços na segunda-feira 13 de Dezembro de 1880: Peçamos... para jamais sermos privados... deste belo privilégio de dizer a santa missa sem estipêndio, para ter nela mais liberdade de não pensar senão no Coração de Jesus. Ele no-lo devolverá em esmolas... (Cadernos Falleur).

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Ap IIPrimeiros textos das Contituições

Tomam também o glorioso patriarca S. Josépor seu protector3. Honrá-lo-ão com umaterna devoção e com uma confiança absolutamente filial,como também a S. João Evangelista, a quem não cessamde pedir a graça de possuir as virtudes que lhe mereceram ser o discípulo predilecto do Sagrado Coração de Jesus.S. João Evangelista é o padroeiro do Noviciado coma B. Margarida Maria, que os Oblatos devem particularmente imitar na sua vida de total amor e imolação ao Sagrado Coração de Jesus.Invocarão diariamente como seu protector eseu pai o Seráfico Patriarca, S. Francisco deAssis, cuja a ardente caridadedevem imitar bem como a perfeita imolação para corresponder à finalidadeda sua santa vocação4.Santo Inácio também deve ser honrado como um dos autorese modelos da Ordem, que deve desejar imitaro seu zelo ardente pela glória de Deus e salvaçãodas almas.Esta Ordem, unindo assim a vida contemplativa àvida activa, responde à necessidade de bem das almas que,atraídas pela graça a uma vida de imolação e desacrifício oculto aos olhos do mundo, se abrasam tambémnum fogo apostólico.Os que se apresentem para entrarna Congregação são submetidos primeiramente a um examecuja finalidade é verificar a sua vocação;Depois são admitidos a título de postulantes,recebem o hábito religioso e começam o seu Noviciado.Os Oblatos do Sagrado Coração de Jesus têm também umadevoção especialíssima ao Sagrado Coração de Mariae à Imaculada Conceição. Serão sensíveis àsqueixas que a mesma SS. Virgem manifestou em Paray-le-Monialjunto com o seu divino Filho eque parece ter renovado em La Salette, a propósitoda ingratidão do seu povo e em particular daspessoas consagradas a Deus.Tomam também o glorioso patriarca S. Josécomo seu protector especial. Honram-no com umaterna devoção e uma confiança absolutamente filial,como também a S. João Evangelista, a quem não cessamde pedir a graça de possuir as virtudes quelhe mereceram ser o discípulo predilecto doSagrado Coração de Jesus.S. João Evangelista é o patrono do Noviciado coma B. Margarida Maria, a quem os Oblatos devem imitar

3 O Pe. Fundador parece ter recebido esta grande devoção a S. José de sua mãe. Ela tinha amado e honrado tanto S. José! (NHV XIV, 144). S. José era o patrono da primeira obra fundada pelo Pe. Dehon.4 É preciso recordar que o sacerdote Dehon era "franciscano" por pertencer à Ordem Terceira. Tinha feito a sua profissão a 21 de Março de 1867, no convento da "Piazza Barbarini", nas mãos do Rev. mo Pe. Geral. Deve ter sido influenciado na sua juventude no Colégio comunal de Hazebrouck pela piedade franciscana de M. Dehaene e também pela presença do convento dos Capuchinhos, em cuja capela diz ter recebido a sua vocação.

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Ap IIPrimeiros textos das Constituições

De modo particular na sua vida de total amor eImolação ao Sagrado Coração de Jesus.Invocarão diariamente, como seu protectore pai, o seráfico Patriarca S. Francisco de Assis,cuja ardente caridade e a perfeitaimolação devem imitar, para corresponder à finalidade da sua santa vocação.S. Inácio também deve ser honrado como um dos autorese modelos da Ordem, que deve desejar imitaro seu zelo ardente pela glória de Deus e pela salvaçãoDas almas5.

IV. Organização. Os que se apresentem para entrarna Congregação são submetidos em primeiro lugar a um examecuja finalidade é verificar a sua vocação;depois são admitidos a título de postulantes.Depois de um mês de exercícios espirituais ede postulantado,recebem o hábito religioso e começam o seu noviciado.Depois de dois anos de Noviciado, pronunciam os seus votos.Os que forem sacerdotes podem ser dispensadosdo segundo ano de Noviciado (cf. MS, Texto A, n. 6º).Os membros da Ordem dividem-se em dois graus.Em primeiro lugar estão os sacerdotes professos, que ocupam o grau mais elevado e são os únicos que podem chegar aos cargos principais.Em segundo lugar estão os coadjutores leigos, empregadosseja nos cargos secundários nas obras, seja nostrabalhos domésticos (cf. MS, Texto A, n. 6º).

4º. Os Oblatos do Coração de Jesustrabalharão na sua santificação pessoal por meiodos exercícios normais da vida contemplativa,a oração mental, os exames de consciência,as leituras e conferências espirituais,o exercício da presença de Deus e outras práticasde piedade, inspirando-se para todos estes exercícios noespírito de amor e de imolação ao divino Coração deJesus.Não terão o desejo de se multiplicar senão paramultiplicar as homenagens e as reparações ao Coraçãode Jesus, e ocupar-se-ão muito especialmenteem aperfeiçoar-se tranquilamente a si mesmos e emperpetuar a sua Ordem com unidade e solidezpor meio da admissão de indivíduos piedosos e cheios de boa vontade que, gostando do seu estilo de vida, estejam

5 No seu primeiro ano de seminário, o sacerdote Dehon teve contacto directo com os Exercícios Espirituais de S. Inácio, sob a direcção do "venerável P. Rubillon" (NHV, 124). Mais tarde, ao transcrever as notas deste retiro em Santa Clara, o Fundador acrescentará: "Gostei profundamente destes exercícios e nunca deixei de os amar. Têm certamente algo que não vem ao encontro do meu temperamento nem da minha graça. É que fazem esperar muitos dias antes de nos falarem do amor de Deus. O meu coração diz-me também que o homem foi criado sobretudo para amar a Deus (NHV IV, 125). Apesar de tudo, em todos os momentos críticos da sua vida o Fundador retorna aos Exercícios.

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Ap IIPrimeiros textos das Contituições

decididos a abraçá-la generosamente.

5º. Esforçar-se-ão por procurar a salvação e asantificação do próximo por obras, massobretudo por meio das quemelhor se conciliem com a sua vida interior.Depois de dois anos de noviciado pronunciam os seus votos.Os que forem sacerdotes poderão ser dispensados do segundo ano de Noviciado.Os membros da Ordem dividem-se em dois graus.Em primeiro lugar estão os sacerdotes professos, que têmo grau mais elevado e são os únicos que podemaceder aos cargos principais.Em segundo lugar estão os coadjutores leigos, empregadosseja nos cargos secundários nas obras, seja nostrabalhos domésticos.

V. Meios e forma de vida. No que se refere à formaexterior desta vida de amor e de reparação, umaparte dos membros da Ordem consagram-se à contemplação, aos ofícios do coro e à adoraçãodo SS. Sacramento, no qual vive e reina o divinoCoração de Jesus;Os outros dedicam-se às obras, mas de preferência,segundo o espírito da Ordem,às que têm como finalidade a santificação do clero,como as escolas apostólicas, os Seminários,as casas de retiro, etc...6

VI. Santificação pessoal. Os Oblatos do Coração de Jesustrabalharão na sua santificação pessoal por meiodos exercícios ordinários da vida contemplativa, a oração mental, os exames de consciência,as leituras e conferências espirituais,o exercício da presença de Deus e outras práticasde piedade, inspirando-se para todos estes exercícios noespírito de amor e de imolação ao divino Coraçãode Jesus não terão o desejo de se multiplicar, senão para multiplicar as homenagens e as reparações ao Coração de Jesus. (cf. MS Texto B, n. VIII).

VII. Obras. Esforçar-se-ão por procurar a salvação ea santificação do próximo por obras, massobretudo por meio das queestejam relacionadas com o seu fim e quemelhor se conciliem com a sua vida interior.Poderão ter colégios e seminários eem geral dedicar-seàs obras que são compatíveis com a vidaconventual.

6 Este texto parece denunciar a influência do Pe. T. Captier (1831-1900). (Para as notas, cf. M. Denis, Le Projet du Père Dehon, pp 11-14).

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Ap IIPrimeiros textos das Constituições

Mas actuarão de forma que o pessoal nelas sejasuficientemente numeroso para que todas as práticas depiedade que lhes são próprias possam realizar-seregularmente em cada casa.Podem dedicar-se também à pregação, aoensino do catecismo, à direcçãodas consciências.Mas não se encarregarão, sem graves razões,de pregações ou de Missões que os teriamafastados das suas residências.

6º Os Oblatos fazem os três votos comuns de religiãoa que acrescentam um quarto voto peloqual se oferecem ao Sagrado Coração de Jesus comovítimas de expiação e de amor7.A obrigação deste voto, como a dos outros três,Terá a sua explicação no lugar próprio.

7º Todos os membros da Ordem, sem excepção,se hão-de considerar como membros da mesma família,unidos entre eles pelos vínculos da divina caridade,que devem haurir super-abundantemente no divino Coração de Jesus, que é a sua fonte,e se hão-de esforçar por se compenetrar cada diamais do espírito da sua santa e sublime vocação.

Darão preferência

às obras que são compatíveis com a vidaconventual,actuarão de forma que o pessoal nelas sejasuficientemente numeroso para que todas as práticas depiedade que lhes são próprias, possam realizar-seregularmente em cada casa.Poderão dedicar-se também à pregação, aoensino do catecismo, à direcçãodas consciências.Mas não se encarregarão, sem graves razões,de pregações ou de Missões que os teriamafastados das suas residências.

VIII. União, amor à Ordem. Todos os membros da Ordem, semexcepção, se hão-de considerar membros de uma mesma família, unidos entre eles pelos vínculos da divina caridade,que devem haurir super-abundantemente no divino Coraçãode Jesus como na sua fonte, e para corresponder perfeitamente aos desígnios de Nosso Senhor sobre a Ordem hão-de esforçar-se por se compenetrar cada dia mais do espírito da sua santa e sublime vocação.

7 O leitor recordará como Mons. Thibaudier e o Pe. Daum não admitiam o 4º voto , em primeiro lugar pela sua indeterminação, e em segundo de acordo com as regras da Cúria da Congregação dos Bispos e Regulares.

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Ap IIIAvisos

APÊNDICE III

Avisos comunicados pelo “Trés Bon Père” (Pe. João) aos noviços (do Sagrado Coração) 1880.

19 de Janeiro de 1880

Para ler ao meio-dia

(excluído o estudante leitor)Nosso Senhor é muito ofendido de há uns dias para cá no Noviciado.Seria preciso uma grande expiação para aplacar a sua justiça e consolar o seu Coração. Ofereçamos-Lhe, pelo menos, uma novena de penitência.Durante nove dias:1º. Serão lidos durante o almoço os salmos penitenciais (em francês) depois da Sagrada Escritura.2º. Cada dia jejuará a pão e água um dos religiosos. O Pe. Afonso Maria começará hoje, os outros segui-lo-ão conforme a sua categoria. Se alguém o não puder fazer por causa da sua saúde, deixará passar a sua vez e avisar-me-á.Eu reservo para mim o dia de sexta-feira.3º. Não se falará desta penitência nos recreios.Sacrificate sacrificium justitiae et sperate in Domino.Esperemos que o Senhor aceite o nosso sacrifício e que não nos recuse.

João do Coração de JesusSup. O. C. J.

Pax Xti.O Pe. Matias por-se-á de joelhos durante o pequeno almoço por faltas à caridade que comete frequentemente com o seu ar triste e aborrecido.

João do Coração de Jesus

24 de Fevereiro de 1880

na véspera de S. Matias

6 de Abril de 1880para ler no pequeno almoçoSexta-feira santa

Começar esta tarde uma boa novena de acção de graças ao Sagrado Coração por uma grande graça que nos concedeu hoje.

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Ap IIIAvisos

Por uma vontade muito miraculosa da sua misericordiosa providência o novo José de Arimateia comprou hoje para nós, às 3 horas, a Jardim onde será construída a nossa capela. Não falar por enquanto desta aquisição.Deo gratias.Para a novena ler-se-á uma ladainha, um acto de desagravo e uma consagração.

204

Page 202: Cahiers Faleur

Índices

Índice Remissivo

A

Abandono, 10, 18, 28, 50, 51, 79, 80, 81, 95, 121, 133, 137, 139, 148, 155, 165, 170, 172, 180, 188

Acto de desagravo, 161, 165, 200Adoração, 6, 8, 21, 37, 39, 44, 45, 49, 71,

93, 96, 105, 114, 115, 138, 151, 182, 193, 194, 197

Agradecimento, 16, 31, 32, 37, 38, 41, 49, 99, 127, 140, 146, 194

Alegria, 20, 27, 39, 43, 47, 70, 74, 76, 81, 90, 99, 103, 107, 116, 137, 139, 140, 144, 150, 151, 157, 161, 170, 172

Almas consagradas, 7, 10, 11, 12, 18, 21, 22, 26, 27, 32, 38, 43, 45, 47, 48, 49, 52, 56, 58, 59, 61, 64, 66, 74, 78, 79, 87, 90, 91, 92, 93, 94, 98, 99, 100, 102, 107, 113, 115, 118, 119, 120, 122, 124, 126, 137, 139, 150, 151, 153, 154, 155, 157, 158, 163, 164, 165, 166, 169, 173, 174, 175, 176, 177, 182, 184, 190, 195, 196

Amor, 6, 7, 9, 10, 11, 15, 19, 20, 21, 23, 24, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 37, 41, 44, 46, 47, 49, 51, 54, 57, 58, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 67, 68, 69, 70, 72, 73, 74, 78, 79, 80, 81, 82, 86, 87, 89, 90, 92, 93, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 107, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 120, 124, 126, 127, 128, 129, 132, 133, 137, 138, 139, 144, 152, 153, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 164, 167, 168, 169, 173, 175, 176, 177, 182, 184, 190, 192, 193, 194, 195, 196, 197, 198

Anjo, 38, 39, 45, 50, 51, 96, 101, 125, 142, 174

Ano, 3, 6, 14, 20, 30, 31, 36, 37, 40, 44, 49, 51, 52, 55, 62, 75, 88, 91, 116, 121, 137, 138, 140, 144, 146, 151, 152, 161, 164, 165, 166, 167, 182, 185, 189, 196, 197

Anunciação, 80, 156, 185Aparições, 68, 177Apóstolos, 20, 59, 68, 82, 88, 95, 149, 154,

170Ascensão, 29, 62, 68, 114, 170Assunção, 113, 114

Avareza, 81, 109, 122

205

Page 203: Cahiers Faleur

Ap IIIAvisos

B

Beleza, 25, 35, 46, 73, 129Bem-aventurança, 18, 19, 21, 22, 23Bem-aventurança, 18Berchmans, 112, 116, 138, 153Bondade, 32, 36, 40, 55, 73, 76, 79, 96, 97,

98, 99, 114, 121, 123, 157

C

Caridade, 7, 9, 11, 12, 31, 32, 33, 55, 59, 64, 67, 68, 71, 72, 73, 74, 87, 89, 108, 109, 117, 119, 121, 148, 164, 167, 176, 180, 181, 183, 193, 195, 196, 198, 199

Castidade, 22, 48, 49, 76, 124, 125, 134, 159, 171, 177, 187

Cláudio, 136, 146Coadjutores, 163, 196, 197Coisas pequenas, 40, 43, 175, 182, 185Compaixão, 18, 20, 21, 22, 26, 27, 31, 32,

34, 50, 52, 69, 82, 90, 102, 103, 113, 154, 155, 158, 159, 160

Compilação, 6, 167Comportamento, 12Comunhão, 11, 36, 49, 56, 59, 67, 75, 107,

108, 118, 127, 137, 168, 173, 193, 194Congregação, 3, 4, 5, 7, 12, 13, 14, 15, 36,

49, 54, 87, 89, 91, 97, 99, 101, 105, 112, 128, 129, 136, 141, 153, 183, 189, 195, 196, 198

Consolar, 8, 21, 23, 30, 34, 35, 44, 48, 59, 77, 80, 105, 113, 122, 129, 132, 137, 150, 162, 164, 168, 199

Consolo, 26, 113, 175Constituições, 6, 14, 40, 93, 99, 112, 161,

162, 180, 185, 189, 190, 192Consumatum est, 39, 64, 78, 137Contrição, 44, 71, 97, 154, 175Coração de Jesus, 3, 5, 6, 9, 15, 20, 22, 23,

26, 27, 28, 29, 31, 32, 34, 35, 36, 37, 38, 42, 44, 49, 50, 51, 54, 57, 58, 61, 62, 65, 66, 67, 68, 74, 77, 79, 80, 82, 83, 86, 91, 92, 93, 97, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 113, 114, 115, 118, 125, 126, 127, 129, 130, 131, 132, 133, 137, 140, 141, 143, 146, 147, 151, 152, 154, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 167, 172, 173, 175, 177, 180, 182, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 199

Coração de Maria, 62, 67, 79, 80, 92, 97, 113, 118, 139, 162, 194, 195

Corações, 15, 19, 20, 26, 44, 46, 54, 61, 62, 63, 66, 70, 113, 132, 137, 138, 152, 166, 193, 194

Cruz, 4, 19, 21, 22, 28, 36, 37, 42, 43, 47, 50, 51, 52, 58, 60, 62, 63, 67, 70, 71, 72, 73, 74, 78, 92, 95, 99, 104, 107, 122, 123, 134, 145, 146, 154, 155, 158, 167, 169, 170, 172, 175, 177

Culpas, 14, 45, 50, 169

D

Demónio, 9, 11, 34, 39, 50, 59, 70, 76, 77, 80, 101, 116, 117, 123, 149, 153, 164, 171

Desânimo, 34, 97, 171Desapego, 8, 9, 18, 22, 57, 58, 71, 122, 132,

186Desobediência, 35, 36, 76, 133, 143Diligência, 34, 59, 87, 109, 116Doçura, 20, 21, 33, 82, 117, 127, 139, 190,

192

E

Ecce ancilla, 156Ecce venio, 14, 36, 37, 51, 77, 118, 133,

142, 156, 158, 160, 172, 176, 185Esmola, 86, 125, 133Esperança, 24, 25, 30, 31, 71, 72, 73, 78,

80, 97, 114, 137, 139Espírito Santo, 33, 37, 54, 66, 67, 68, 75,

79, 89, 94, 96, 98, 109, 115, 136, 154, 164

Eucaristia, 51, 67, 74, 77, 78, 82, 106, 157, 160, 165, 182

Exame, 44, 74, 92, 98, 103, 104, 114, 115, 117, 118, 121, 153, 154, 163, 173, 174, 175, 180, 181, 183, 185, 187, 195, 196

Exercícios, 6, 11, 14, 19, 32, 34, 39, 59, 74, 87, 88, 93, 96, 99, 101, 103, 104, 106, 108, 109, 116, 117, 118, 121, 143, 163, 180, 182, 183, 185, 186, 187, 196, 197

Exercícios espirituais, 11, 99, 121, 185, 196

206

Page 204: Cahiers Faleur

Índices

F

Fé, 12, 19, 24, 25, 26, 27, 29, 30, 35, 40, 41, 44, 47, 54, 62, 63, 68, 70, 71, 72, 73, 80, 87, 95, 97, 99, 100, 109, 114, 120, 123, 139, 148, 169, 171, 172

Fervor, 3, 6, 12, 19, 34, 40, 74, 88, 103, 163, 164, 165, 169, 175, 183

Festa, 3, 4, 26, 37, 62, 63, 66, 68, 74, 75, 80, 90, 92, 97, 99, 112, 113, 137, 138, 146, 153, 155, 156, 159, 160, 162, 165, 166, 167, 170, 175, 177, 193, 194

G

Gertrudes, 6, 65, 71, 103, 115, 125, 126, 167

Glória de Deus, 57, 72, 102, 153, 158, 159, 195, 196

Graça, 4, 30, 33, 34, 38, 42, 43, 48, 50, 51, 62, 66, 67, 71, 75, 81, 88, 90, 91, 92, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 104, 107, 113, 116, 117, 119, 120, 124, 125, 126, 128, 129, 130, 132, 137, 138, 140, 142, 143, 149, 150, 151, 152, 155, 157, 161, 163, 166, 168, 169, 171, 173, 174, 181, 186, 190, 192, 195, 196, 199

Gula, 23, 81

H

Hipocrisia, 76Hora santa, 21, 71, 90, 145, 180, 193, 194Humildade, 7, 8, 21, 37, 41, 42, 43, 44, 45,

46, 47, 51, 59, 63, 75, 114, 127, 139, 161, 162, 176, 190, 192, 193

I

Igualdade, 184Imolação, 4, 10, 11, 14, 15, 18, 22, 28, 32,

37, 40, 42, 43, 55, 56, 58, 60, 62, 64, 74, 77, 86, 92, 98, 107, 119, 120, 121, 124, 126, 128, 129, 132, 133, 137, 141, 142, 143, 147, 148, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 165, 166, 167, 168, 169, 177, 182, 189, 190, 191, 192, 193, 195, 196, 197

Impureza, 81, 185Indiferença, 10, 63, 79, 82, 91, 92, 97, 105,

148, 149, 154, 171, 172, 175, 187, 188, 193, 194

Infância, 68, 82, 138, 173Inferno, 23, 25, 26, 43, 77, 98, 122, 176

Inteligência, 19, 22, 29, 33, 69, 93, 96, 105, 148, 155, 161, 168, 188

Intenção, 12, 62, 78, 86, 87, 117, 118, 119, 160, 180, 181, 182

Inveja, 76, 106Ira, 54, 82

J

Jaculatórias, 31, 32, 169Jejum, 71, 86, 90, 145Jesus Cristo, 40, 43, 56, 60, 64, 68, 71, 72,

79, 86, 93, 101, 103, 105, 119, 143, 152, 162, 166, 170, 177

Juízo, 9, 35, 42, 60, 61, 71, 73, 79, 88, 98, 134, 136, 141, 143, 146, 147, 148, 149, 156, 159, 171, 174, 181, 185, 189

Justiça, 10, 11, 12, 19, 33, 35, 36, 37, 38, 40, 42, 74, 77, 79, 101, 102, 106, 107, 115, 119, 138, 145, 154, 155, 158, 160, 167, 168, 174, 199

L

Levantar-se, 6, 32, 34, 59, 103, 117, 147, 187

Limpeza, 8, 9Luta, 19, 34Luxúria, 83, 109

M

Magnanimidade, 61Mandamentos, 19, 32, 43, 184Mansidão, 22, 54, 59, 162, 193Margarida Maria, 13Maria, 4, 8, 12, 13, 20, 21, 22, 28, 29, 32,

34, 36, 37, 38, 40, 42, 45, 46, 48, 49, 50, 51, 54, 57, 61, 62, 63, 65, 66, 67, 80, 81, 82, 86, 91, 95, 96, 97, 98, 99, 104, 107, 113, 114, 118, 120, 123, 126, 128, 133, 139, 140, 141, 145, 146, 151, 155, 156, 158, 159, 160, 162, 165, 167, 175, 176, 177, 187, 189, 193, 194, 195, 199

Mártir, 9, 120, 166Martírio, 29, 42, 60, 63, 113, 120, 139, 143,

149, 157, 167, 189Meditação, 30, 41, 92, 94, 96, 98, 99, 104,

105, 106, 108, 118, 121, 127, 153, 163, 167, 169, 170, 171, 175, 180, 182, 186, 187

Mérito, 43, 78, 117, 120, 134, 150, 158Miséria, 42, 43, 61, 90, 94, 96, 123

207

Page 205: Cahiers Faleur

Ap IIIAvisos

Misericórdia, 10, 30, 31, 33, 36, 38, 66, 72, 79, 106, 107, 114, 115, 123, 127, 145, 155, 167

Missa, 4, 6, 38, 67, 75, 81, 87, 91, 101, 106, 118, 121, 126, 138, 151, 182, 193, 194

Missão, 10, 14, 21, 58, 61, 63, 67, 78, 100, 107, 114, 145

Missões, 59, 157, 163Mistérios, 6, 10, 72, 105, 136, 167, 169,

176, 184Modéstia, 8, 43, 46, 47, 48, 49, 61, 76, 122,

151, 180, 186, 187Momento presente, 152Morte, 10, 13, 32, 37, 50, 54, 56, 57, 71, 73,

77, 79, 82, 86, 92, 103, 107, 112, 117, 124, 131, 132, 133, 136, 142, 146, 154, 158, 161, 166, 173, 174, 175, 186

Mortificação, 7, 8, 32, 33, 37, 39, 40, 45, 48, 50, 61, 73, 78, 81, 90, 99, 105, 108, 119, 121, 144, 152, 156, 158, 169, 181, 187

Mortificações, 40, 42, 44, 45, 58, 79, 86, 101, 158

N

Natal, 26, 27, 38, 137, 138, 139, 162Negligência, 34, 99, 152, 175, 181Novena, 6, 8, 37, 39, 44, 46, 71, 73, 86, 99,

119, 137, 140, 144, 146, 151, 199, 200Noviciado, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 11, 14, 19, 20,

23, 26, 28, 29, 34, 35, 45, 48, 49, 51, 54, 76, 96, 97, 98, 99, 109, 143, 152, 164, 166, 196, 197

Noviço, 4, 8, 9, 11, 14, 23, 29, 34, 35, 50, 55, 65, 75, 76, 108, 122, 130, 144, 151, 152, 169

O

Obediência, 4, 9, 10, 14, 28, 29, 35, 36, 38, 42, 43, 44, 72, 73, 124, 133, 134, 136, 141, 142, 143, 144, 147, 148, 149, 150, 153, 156, 159, 165, 171, 176, 177, 181, 183, 187

Oblação, 11, 14, 15, 86, 98, 141, 156, 160, 176

Oblato, 11, 28, 69, 98Obra, 4, 5, 11, 12, 13, 29, 37, 38, 39, 40,

45, 48, 51, 57, 58, 61, 62, 63, 69, 71, 72, 75, 86, 87, 88, 90, 97, 99, 101, 115, 143, 144, 145, 146, 151, 152, 154, 158, 163, 165, 171, 183, 184, 192

Oferenda, 11, 98, 118, 119, 141, 148, 160, 165

Oração, 6, 11, 13, 14, 18, 19, 23, 29, 32, 43, 46, 47, 48, 49, 71, 75, 78, 86, 88, 90, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 104, 106, 118, 127, 133, 140, 141, 146, 154, 160, 163, 175, 182, 183, 184, 187, 196, 197

Orações, 6, 7, 29, 37, 39, 57, 58, 69, 71, 89, 93, 99, 115, 120, 126, 127, 160, 165, 168, 169, 180, 182, 193, 194

Orgulho, 21, 27, 35, 39, 45, 61, 75, 76, 87, 109, 133, 176

P

P. João, 121, 124Paciência, 20, 47, 59, 60, 61, 150, 180Paixão, 8, 38, 40, 43, 45, 48, 59, 60, 71, 72,

73, 88, 117, 119, 146, 154, 157, 158, 167, 169, 170

Paz, 19, 21, 26, 55, 79, 95, 107, 137, 141, 153

Pecado, 7, 10, 21, 22, 23, 35, 40, 42, 68, 75, 76, 77, 79, 86, 91, 97, 100, 107, 143, 145, 149, 150, 165, 171, 172, 173, 175, 183

Penitência, 6, 8, 9, 20, 36, 37, 38, 40, 42, 44, 45, 47, 49, 50, 61, 78, 86, 102, 105, 112, 115, 119, 137, 138, 139, 182, 199

Pentecostes, 11, 19, 28, 39, 66, 132, 137, 170

Pequeno almoço, 7, 8, 108, 199Perfeição, 7, 9, 10, 19, 21, 30, 35, 36, 44,

47, 56, 60, 66, 69, 70, 96, 101, 105, 117, 120, 122, 123, 124, 125, 127, 128, 129, 130, 132, 134, 141, 143, 144, 147, 148, 150, 152, 153, 156, 162, 165, 166, 167, 168, 169, 171, 182, 183, 190, 192

Perseguição, 52, 57, 71, 72, 79, 90Perseverança, 57, 64, 88Pobre, 8, 9, 18, 19, 28, 88, 93, 122, 124,

130, 131Pobres, 4, 6, 12, 19, 26, 32, 44, 58, 88, 122,

123, 131, 133Pobreza, 18, 19, 22, 28, 44, 56, 70, 76, 78,

81, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 138, 143, 159, 161, 171, 177, 181, 187

Postulante, 166Preguiça, 9, 87, 130, 185Presença de Deus, 8, 46, 96, 104, 115, 116,

117, 118, 119, 168, 169, 187, 196, 197Presunção, 75, 76, 78, 112

208

Page 206: Cahiers Faleur

Índices

Profissão, 3, 4, 10, 20, 27, 28, 91, 123, 128, 131, 133, 140, 141, 145, 146, 151, 157, 167, 195

Promessa, 96Provação, 3, 13, 19, 31, 34, 51, 56, 63, 64,

65, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 78, 87, 88, 90, 91, 92, 95, 101, 122, 124, 137, 146, 154, 156, 161, 166

Provações, 30, 34, 45, 62, 65, 66, 67, 68, 70, 72, 88, 91, 95, 97, 166, 170, 180

Providência, 4, 5, 55, 57, 62, 68, 70, 71, 72, 73, 97, 119, 120, 129, 133, 140, 155, 158, 159, 169, 171, 180

Prudência, 33, 34, 87, 107, 152, 153, 189Pureza, 19, 28, 43, 49, 62, 77, 100, 125,

138, 176, 185Purificação, 71, 74, 113, 138, 144, 145

Q

Quaresma, 152, 185

R

Regras, 23, 35, 47, 55, 81, 104, 108, 143, 144, 150, 151, 159, 163, 180, 183, 198

Reis magos, 32Religião, 3, 38, 39, 87, 93, 107, 114, 122,

163, 175, 198Religiosos, 4, 7, 8, 9, 10, 12, 14, 18, 19, 20,

22, 24, 27, 28, 29, 30, 31, 37, 38, 39, 42, 56, 62, 81, 86, 87, 90, 91, 93, 97, 99, 105, 124, 130, 131, 138, 147, 149, 150, 154, 157, 161, 164, 168, 182, 187, 199

Reparação, 4, 7, 11, 12, 13, 15, 19, 21, 24, 27, 30, 36, 37, 40, 45, 49, 50, 51, 52, 57, 58, 60, 62, 64, 65, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 82, 83, 86, 87, 89, 93, 98, 99, 100, 101, 102, 106, 112, 113, 115, 118, 119, 121, 122, 127, 132, 137, 151, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 168, 169, 175, 176, 177, 182, 184, 190, 192, 194, 197

Retiro, 3, 11, 20, 24, 51, 75, 76, 91, 121, 171, 185, 186, 196, 197

Revelações, 12, 13, 46, 49, 65, 91, 126, 146, 177

S

S. João, 4, 5, 6, 9, 10, 28, 29, 32, 39, 47, 48, 51, 52, 59, 60, 63, 82, 86, 87, 88, 95, 97, 106, 114, 121, 125, 126, 133, 137, 138,

139, 141, 146, 149, 154, 159, 162, 165, 166, 167, 171, 174, 181, 183, 189, 195

S. José, 36, 38, 45, 46, 47, 48, 49, 125, 139, 142, 155, 156, 172, 195

Sacerdote, 3, 10, 11, 14, 27, 28, 49, 63, 67, 69, 82, 89, 91, 106, 107, 119, 120, 123, 128, 129, 138, 140, 145, 146, 151, 176, 177, 180, 184, 185, 186, 195, 196

Sacerdotes, 4, 5, 11, 12, 23, 49, 59, 67, 86, 89, 99, 100, 101, 119, 120, 126, 128, 138, 145, 157, 163, 164, 168, 177, 185, 187, 194, 196, 197

Sacrifício, 8, 11, 18, 22, 28, 32, 37, 40, 46, 50, 51, 55, 56, 58, 61, 77, 78, 93, 98, 99, 106, 107, 108, 118, 119, 120, 123, 124, 125, 127, 134, 137, 140, 141, 142, 144, 145, 147, 148, 150, 153, 154, 155, 156, 158, 159, 160, 161, 163, 165, 166, 167, 194, 195, 199

Sacrifícios, 11, 31, 37, 67, 78, 81, 98, 118, 119, 120, 141, 145, 150, 156, 160, 161, 165

Santidade, 6, 15, 19, 29, 101, 103, 104, 108, 109, 112, 114, 132, 153, 155, 159, 169, 172, 185, 188

Santo Inácio, 9, 12, 13, 37, 46, 49, 86, 104, 121, 146, 148, 149, 150, 153, 157, 180, 186, 187, 189, 195

Santos, 11, 15, 29, 37, 46, 54, 56, 60, 61, 64, 71, 73, 76, 79, 82, 89, 93, 102, 104, 106, 107, 108, 116, 118, 119, 120, 136, 138, 139, 140, 144, 148, 149, 153, 155, 157, 159, 160, 163, 170, 174, 184, 188

Satisfação, 10, 34, 36, 86, 90, 99, 119, 132, 163, 182

Secura, 46, 95, 96, 113Servas, 4, 9, 13, 14, 24, 37, 54, 57, 71, 86,

88, 95, 97, 99, 140Silêncio, 6, 7, 14, 40, 44, 46, 49, 54, 55, 75,

91, 104, 142, 151, 152, 155, 158, 160, 183, 186, 187

Sobriedade, 41Sofrimento, 7, 10, 21, 24, 27, 40, 47, 60,

70, 74, 77, 112, 140, 145, 150, 155, 156, 157, 158

Sorriso, 43Superiores, 5, 9, 10, 26, 29, 33, 35, 36, 41,

52, 61, 117, 129, 131, 143, 144, 147, 148, 150, 156, 165, 188

209

Page 207: Cahiers Faleur

Ap IIIAvisos

T

Temperança, 33, 41, 46, 47, 48, 49, 81Templo, 11, 28, 46, 78, 82, 88, 92, 124,

125, 128, 129, 177Tentação, 25, 34, 50, 59, 64, 148, 153, 161,

172Tibieza, 34, 91, 97, 116, 120, 122, 147, 152,

175, 185Tomada de hábito, 27, 28, 34, 63, 112,

136, 166

V

Vanglória, 76, 128Via, 6, 10, 115, 152Vício, 21, 75, 82, 83, 127, 164Vida activa, 14, 47, 163, 195Vida comum, 9, 130, 131Vida contemplativa, 14, 47, 55, 94, 163,

195, 196, 197Vida espiritual, 14, 33, 117, 169, 186, 192Vida interior, 15, 59, 126, 132, 163, 169,

180, 183, 187, 197Vida religiosa, 7, 11, 20, 23, 27, 28, 29,

105, 123, 148, 162, 166, 175, 181, 183

Vigilância, 88, 91, 95, 113Vítima, 10, 11, 15, 28, 35, 55, 56, 63, 67,

71, 92, 95, 99, 106, 119, 124, 125, 127, 129, 132, 137, 139, 142, 146, 151, 154, 155, 158, 159, 160, 161, 162, 169, 172, 176, 177, 182

Vocação, 10, 11, 12, 14, 15, 20, 21, 22, 25, 28, 31, 32, 33, 34, 36, 39, 40, 41, 43, 47, 49, 50, 52, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 64, 67, 68, 69, 72, 74, 75, 77, 78, 86, 89, 90, 91, 92, 93, 95, 97, 98, 99, 100, 103, 104, 106, 115, 121, 126, 129, 132, 137, 140, 142, 144, 145, 148, 150, 152, 153, 155, 161, 162, 164, 166, 167, 168, 171, 172, 173, 174, 175, 177, 180, 181, 182, 195, 196, 198

Vocações, 8, 21, 36, 39, 46, 61, 67, 76, 119, 128, 131, 137, 140, 155, 156, 163, 164, 183

Vontade, 7, 9, 10, 12, 15, 18, 20, 29, 32, 33, 39, 42, 43, 46, 47, 49, 52, 55, 61, 63, 64, 65, 69, 70, 71, 73, 74, 76, 78, 79, 80, 82, 83, 87, 88, 89, 91, 93, 96, 98, 101, 102,

107, 108, 114, 120, 121, 124, 132, 134, 136, 137, 141, 142, 143, 145, 147, 148, 149, 155, 156, 158, 159, 160, 161, 163, 165, 166, 167, 168, 171, 172, 173, 180, 181, 184, 185, 186, 187, 188, 196, 200

Voto, 10, 11, 14, 18, 19, 22, 35, 56, 98, 99, 121, 122, 124, 125, 128, 129, 143, 149, 158, 159, 160, 165, 166, 167, 168, 169, 181, 187, 189, 198

Voto de pobreza, 125Voto de vítima, 125

Z

Zelo, 13, 19, 21, 26, 33, 47, 60, 100, 105, 108, 109, 114, 162, 163, 185, 192, 193, 194, 195, 196

210

Page 208: Cahiers Faleur

Índices

Índice Geral

INTRODUÇÃO 3

CF I 17

CF II 53

CF III 85

CF IV 111

CF V 135

APÊNDICE I 179

CF VI 179

APÊNDICE II 189

Os primeiros textos das Constituições 189

APÊNDICE III 201

Avisos 201

ÍNDICE REMISSIVO 203

ÍNDICE GERAL 209

Page 209: Cahiers Faleur

(Acabado de traduzir no dia 6 de Fevereiro de 2002, às 18.00 horas. Deo gratias)

Casa do Sagrado Coração de JesusRua das Cardeiras, 28Ap. 7023801-801 AVEIRO

234 300 430

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