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UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DEPARTAMENTO DE ESTUDOS POLÍTICOS CABO VERDE E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: A IMPORTÂNCIA GEOESTRATÉGICA DO ARQUIPÉLAGO NA POLÍTICA EXTERNA PORTUGUESA (1939-1945) ADILDO SOARES GOMES ___________________________________________________ Dissertação de Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais, Especialização em Relações Internacionais MARÇO DE 2011

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UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

DEPARTAMENTO DE ESTUDOS POLÍTICOS

CABO VERDE E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL:

A IMPORTÂNCIA GEOESTRATÉGICA DO ARQUIPÉLAGO NA POLÍTICA

EXTERNA PORTUGUESA (1939-1945)

ADILDO SOARES GOMES

___________________________________________________

Dissertação de Mestrado em Ciência Política e Relações

Internacionais, Especialização em Relações Internacionais

MARÇO DE 2011

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DECLARAÇÕES

Declaro que esta tese de Dissertação é o resultado da minha investigação pessoal e

independente. O seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente

mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia.

O candidato,

__________________________________________

/Adildo Soares Gomes/

Lisboa, Março de 2011

Declaro que esta Dissertação se encontra em condições de ser apreciado pelo júri a designar.

O orientador,

__________________________________________

/Tiago Moreira de Sá/

Lisboa, Março de 2011

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Ao meu filho, Diogo.

Aos meus pais e irmãos.

À minha avó, Maria Irene.

À minha esposa, Viviane.

À doce memória do meu avô, João do Rosário.

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Adildo Soares Gomes Índice

i

ÍNDICE

LISTA DE SIGLAS E ACRÓNIMOS ........................................................................................................... iii

AGRADECIMENTOS........................................................................................................................ iv

RESUMO ................................................................................................................................................ v

ABSTRACT ........................................................................................................................................... vi

FIGURA 1 – CABO VERDE: AS ILHAS E A SUA LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA .......................................... vii

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 1

1. OBJECTO DO TRABALHO ............................................................................................................ 2

2. ÂMBITO CRONOLÓGICO ............................................................................................................. 3

3. METODOLOGIA........................................................................................................................... 3

4. ESTADO DA QUESTÃO ................................................................................................................ 4

5. NOTAS SOBRE FONTES E BIBLIOGRAFIA ..................................................................................... 5

6. ESTRUTURA DO TRABALHO ........................................................................................................ 6

CAPÍTULO I: A GEOPOLÍTICA E A GEOESTRATÉGIA .............................................................. 7

1.1. A GEOPOLÍTICA .......................................................................................................................... 8

1.2. A ESTRATÉGIA E A POLÍTICA .................................................................................................... 12

1.3. PERSPECTIVAS RESTRITAS DO PENSAMENTO GEOPOLÍTICO ..................................................... 14

1.3.1. RUDOLF KJELLEN (1804-1922) ......................................................................................... 14

1.3.2. HALFORD MACKINDER (1861-1947) ................................................................................ 15

1.3.3. ALFRED MAHAN (1840-1914) E O PODER MARÍTIMO ....................................................... 17

1.3.4. KARL HAUSHOFER E A GEOPOLÍTICA ALEMÃ ................................................................... 19

1.3.5. NICOLAS SPYKMAN (1893-1943) ...................................................................................... 20

1.3.6. FRIEDRICH RATZEL (1844-1904) E A GEOGRAFIA POLÍTICA ............................................. 22

1.3.7. PAUL VIDAL DE LA BLACHE (1845-1918) ......................................................................... 24

CAPÍTULO II: CABO VERDE ANTES DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL........................... 25

2.1. O ESPAÇO GEOESTRATÉGICO DE CABO VERDE E A SUA IMPORTÂNCIA ................................ 26

2.1.1. CABO VERDE NO ATLÂNTICO (MAPA GEOESTRATÉGICO) ............................................. 33

2.2. CABO VERDE E A IMPORTÂNCIA DO ATLÂNTICO ...................................................................... 34

2.3. CABO VERDE NO CRUZAMENTO DAS PRINCIPAIS LINHAS DE NAVEGAÇÃO DO ATLÂNTICO ..... 37

2.4. CABO VERDE E OS CABOS SUBMARINOS .............................................................................. 40

2.5. A IMPORTÂNCIA DE CABO VERDE NA GUERRA HISPANO-AMERICANA (1898) ..................... 43

2.6. PROJECTO DE DEFESA DO PORTO GRANDE DA ILHA DE SÃO VICENTE (1898) ...................... 45

CAPÍTULO III: PORTUGAL E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL ........................................... 49

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Adildo Soares Gomes Índice

ii

3.1. A NEUTRALIDADE COMO INTRUMENTO DE PAZ E SALVAGUARDA DA SOBERANIA NACIONAL 50

CAPÍTULO IV: CABO VERDE E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL ...................................... 56

4.1. A IMPORTÂNCIA GEOESTRATÉGICA DE CABO VERDE NA POLÍTICA EXTERNA PORTUGUESA

(1939-1945) .................................................................................................................................... 57

4.2. A BATALHA DO ATLÂNTICO E A IMPORTÂNCIA GEOESTRATÉGICA DE CABO VERDE E DOS

AÇORES .......................................................................................................................................... 62

4.3. CABO VERDE E A OPERAÇÃO “FÉLIX” ..................................................................................... 73

4.4. A RESPOSTA DOS PAÍSES ALIADOS À OPERAÇÃO “FÉLIX” ....................................................... 77

4.5. A PRESENÇA ITALIANA EM CABO VERDE ................................................................................. 80

4.6. A VITÓRIA DOS PAÍSES ALIADOS NA BATALHA DO ATLÂNTICO ............................................... 81

CAPÍTULO V: A DEFESA DE CABO VERDE .............................................................................. 84

5.1. PLANO DE DEFESA DO PORTO GRANDE DE SÃO VICENTE (1939) ............................................. 85

5.2. PLANO DE DEFESA DE CABO VERDE (1942) ............................................................................. 87

5.3. A CONFERÊNCIA LUSO-BRITÂNICA E A DEFESA DOS ARQUIPÉLAGOS PORTUGUESES DO

ATLÂNTICO ..................................................................................................................................... 90

5.4. OS ALIADOS E A DEFESA DO ARQUIPÉLAGO DE CABO VERDE ................................................. 93

CAPÍTULO VI: A OCUPAÇÃO DE CABO VERDE .................................................................... 100

6.1. OS ALIADOS, O EIXO E A OCUPAÇÃO DE CABO VERDE .......................................................... 101

6.2. CONSTRUÇÃO DE BASES EM CABO VERDE? ........................................................................... 105

6.3. CABO VERDE E A NECESSIDADE DE UM SISTEMA DE DEFESA PARA O ATLÂNTICO SUL: AS

AMEAÇAS SOVIÉTICAS .................................................................................................................. 110

CONCLUSÃO ................................................................................................................................. 113

FONTES E BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 118

1. FONTES .................................................................................................................................. 119

1.1. Arquivo .......................................................................................................................... 119

1.2. Fontes Impressas ............................................................................................................ 119

1.3. Jornais ............................................................................................................................ 119

1.4. Memórias ....................................................................................................................... 120

1.5. Sites na Internet .............................................................................................................. 120

2. BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................ 121

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Adildo Soares Gomes Lista de Siglas e Acrónimos

iii

LISTA DE SIGLAS E ACRÓNIMOS

AHD Arquivo Histórico-Diplomático

AHM Arquivo Histórico Militar

AHU Arquivo Histórico Ultramarino

AOS Arquivo Oliveira Salazar

CCTIEPC Comissão dos Correios e Telégrafos e Indústrias Electrónicas do Parlamento

CNO Chief of Naval Operation

CS Chief of Staff

DAPE Dez Anos de Política Externa

EUA Estados Unidos da América

FCSH-UNL Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa

FO Foreign Office

HGCV História Geral de Cabo Verde

IAC Instituto Açoriano de Cultura

IBERLANT Iberian Atlantic Área

ISCSP Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas

JCS Joing Chief of Staff

LATI Linhas Aéreas Transatlânticas Italianas

MNE Ministério dos Negócios Estrangeiros

MPLA Movimento Popular para a Libertação de Angola

NATO Organização do Tratado do Atlântico Norte

ONU Organização das Nações Unidas

PAIGC Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde

RMMC Repartição Militar do Ministério das Colónias

U-boot Unterseeboot

URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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Adildo Soares Gomes Agradecimentos

iv

AGRADECIMENTOS

Quero aqui expressar o meu profundo agradecimento ao Professor Doutor Tiago Moreira de

Sá, o orientador, que criou à volta deste trabalho um clima de liberdade e rigor sem o qual não seria

possível, e pelo seu apoio que sempre me dispensou, apesar dos seus inúmeros afazeres, na

elaboração desta dissertação de mestrado.

Agradeço à minha tia, Maria Júlia Gomes, pelo seu apoio incondicional e por tudo o que tem

feito por mim desde a minha vinda a Lisboa, e aos meus primos. Um especial agradecimento é

endereçado ao meu primo Ajerson Fermino. Os meus agradecimentos, também, são dirigidos ao

Professor Doutor Luís Nuno Rodrigues, Professora Doutora Cláudia Correia, Dr. António Pinto

Almeida, Mestre Susano Costa, Manuel Salomão, Dr.ª Ariana Ramalho, Dr. José Joaquim Cabral,

Mestre Maurino Évora e a todos os meus colegas de mestrado, especialmente ao meu amigo Dr.

Midana Fernandes Pinhel.

Particular nota de agradecimento aos funcionários das Bibliotecas e dos Centros de

Informação, Investigação e Documentação, por facilitarem o acesso às consultas e análise dos seus

dados e acervos bibliográficos: Arquivo Histórico-Diplomático (MNE), Arquivo Histórico Militar,

Arquivo Histórico Ultramarino, Arquivo Oliveira Salazar, Biblioteca do Instituto da Defesa

Nacional (Lisboa), Biblioteca Municipal de Lisboa (Palácio Galveias), Faculdade de Ciências

Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Biblioteca Pública e Arquivos Regionais de

Ponta Delgada.

Esta tese não seria possível sem o apoio da minha mãe, Antónia, e da minha esposa, Viviane.

Não posso deixar de mencionar o apoio e incentivo dos meus familiares – tios, primos, avós e

bisavós –, assim como o dos meus sogros, cunhados e amigos.

A necessidade de não alongar excessivamente esse agradecimento impede-me de mencionar,

de forma excessiva, todos os que me apoiaram. A todos, muito obrigado.

Nenhuma das pessoas referidas tem qualquer responsabilidade nos erros e incorrecções deste

trabalho, nem partilha necessariamente das suas teses.

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Adildo Soares Gomes Resumo

v

RESUMO

A escolha do presente trabalho partiu de um interesse particular pela importância do

arquipélago de Cabo Verde num dos períodos mais conturbados da história contemporânea – a

Segunda Guerra Mundial. Sendo este trabalho destinado à elaboração final de Mestrado,

procuraremos desenvolver aspectos fundamentais para o esboço de Cabo Verde na Segunda Guerra

Mundial, tendo como suporte a política externa portuguesa durante o conflito.

O presente trabalho visa demonstrar a importância geoestratégica de Cabo Verde, assim como

a importância que esse arquipélago teve na política externa portuguesa durante aquele conflito. O

principal objectivo consiste em compreender as relações entre Portugal, a Inglaterra e os Estados

Unidos da América e avaliar a importância geoestratégica das ilhas cabo-verdianas no Oceano

Atlântico.

Assim sendo, a escolha do tema a que nos propusemos desenvolver oferece o espaço ideal

para a abordagem da situação de Portugal durante a Segunda Guerra Mundial, pela perspectiva da

estratégia diplomática, uma vez que reúne os componentes que permitem a existência de uma

estratégia. Ou seja, métodos de actuação fundamentado na negociação, mediação e arbitragem, que

caracterizou a estratégia diplomática de Portugal durante aquele que foi o maior conflito bélico da

humanidade. Procuraremos proceder à identificação dos objectivos e das ameaças através das

acções ofensivas de outros Estados.

O presidente norte-americano, Roosevelt, mencionava Cabo Verde “como local para saltar ao

ataque (Jumping-of spots) ao hemisfério ocidental que estava ameaçado pelo poder dos nazis”1,

deixando a impressão que não hesitaria em opor aos nazis o poder armado dos Estados Unidos, caso

se desenvolvesse uma luta para a posse desse ponto estratégico. Pois Hitler tinha planos para invadir

e ocupar Cabo Verde. O mesmo acontecia com os Aliados que defendiam uma “ocupação de

protecção” ao arquipélago cabo-verdiano.

Palavras-chave: Cabo Verde, Segunda Guerra Mundial, Portugal, Estados Unidos da

América, Inglaterra, Alemanha, Geoestratégia, Política Externa Portuguesa.

1 Arquivo Histórico-Diplomático, (doravante AHD), MNE, AW, Maço 123.

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Adildo Soares Gomes Abstract

vi

ABSTRACT

The choice of the theme – Cape Verde and World War II: The Geostrategic Importance of

Archipelago to the Portuguese Foreign Policy (1939-1945) as object of a thesis in Political Science

and International Relations, is a result of a particular concern about the role played by the

archipelago of Cape Verde during one of the most turbulent times in contemporary history - the

World War II. Broadly, this research aims to examine key aspects related with the role of Cape

Verde islands under the World War II, having as its background the Portuguese foreign policy at the

time.

This research discusses the prevalence, mainly geostrategic, of Cape Verde islands in

the context of Portuguese foreign policy during the conflict. Specifically, we intend to understand

the relations between Portugal, England and the United States, relating it with the geostrategic

significance of Cape Verde under the Atlantic Ocean.

This theme is ideal for addressing the situation of Portugal during World War II, under

the diplomatic perspective, because it brings together all the components that permit the existence

of a Strategy. That is, methods of operation based on negotiation, mediation and arbitration, which

represented the Portuguese diplomatic strategy during the greatest armed conflict of

humanity. Thus, we highlight the objectives and threats through offensive actions of other states.

Roosevelt, American president at the time, advocated that Cape Verde could serve

as “place of attack on the Western Hemisphere, under the threat of the Nazis”, which

revealed that he would not hesitate to use firepower to the United States, if there was a Nazi

interest for that strategic point. Actually both Germany and the Allies had interests in the

archipelago. Hitler had an invasion plan, while the Allies intended what they called a “protective

occupation” of the archipelago.

KEYWORDS - Cape Verde, , World War II, Portugal, United States of America, England,

Germany,, Geostrategic, Portuguese Foreign Policy.

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vii

FIGURA 1 – CABO VERDE: AS ILHAS E A SUA LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA

Adaptado pelo autor, a partir do livro HGCV.

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INTRODUÇÃO

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Adildo Soares Gomes Introdução

2

1. OBJECTO DO TRABALHO

A posição de Portugal, desde que deflagrou a Segunda Guerra Mundial, e até que a mesma

terminou, seguiu uma linha que se traduz na tentativa de manutenção da neutralidade, jogando com

todos os recursos disponíveis para que o país não fosse obrigado a optar por um dos lados em

confronto.

A política externa seguida por Oliveira Salazar durante a guerra, traduzida numa oportuna

aproximação aos aliados na fase final do conflito, viria a garantir a Portugal uma posição

confortável face aos “novos perigos” que ameaçavam os seus territórios2.

Este trabalho tem como objectivo principal analisar a importância geoestratégica do

arquipélago de Cabo Verde na política externa portuguesa durante o segundo conflito mundial.

Funda-se em compreender as relações entre Oliveira Salazar, Roosevelt e Churchill durante o

período em apreço e avaliar a “luta” entre as maiores potências europeias, a continental (Alemanha)

e a marítima (Inglaterra) e os Estados Unidos da América para a ocupação de Cabo Verde.

Isto é, interessa-nos perceber de que modo, em que grau e com que resultados os países

Aliados na Segunda Guerra e a Alemanha nazi pretendiam controlar e ocupar Cabo Verde para

dominarem o Atlântico Sul.

Quer Hitler, quer Churchill tinham planos secretos para ocupar Cabo Verde, antes de

Roosevelt pensar no caso. Relativamente aos Estados Unidos, no decorrer da guerra, Roosevelt, que

defendia que as ilhas de Cabo Verde pertenciam a Portugal e se devia respeitar a soberania

portuguesa, apresentou a Lisboa propostas para ocupar Cabo Verde, devendo a operação ser

conduzida pelas forças norte-americanas com a colaboração do Brasil. Segundo o presidente norte-

americano, a Alemanha tinha poder suficiente para ocupar e controlar o arquipélago a qualquer

momento, o que comprometia a segurança da América do Norte e do Sul3.

A escolha do tema surge na sequência do crescente interesse pela história contemporânea de

Cabo Verde, mais concretamente durante a Segunda Guerra Mundial, período em que o arquipélago

cabo-verdiano desempenhou um dos papéis mais importantes, do ponto de vista geoestratégico, de

toda a sua história. A luta estratégica pelo arquipélago cabo-verdiano foi um dos assuntos

significativos nos quartéis-generais de Londres, Washington e Berlim durante o período aqui em

apreço.

2 David Castaño, Paternalismo e Cumplicidade: As Relações Luso-britânicas de 1943 a 1949, Lisboa, Associação dos

Amigos do Arquivo Histórico-Diplomático, 2006, p. 15. 3 Discurso do Presidente norte-americano, Franklin Roosevelt, a 27 de Maio de 1941, em: http://www.ibiblio.org/pha/7-

2-188/188-26.html. (29 de Janeiro de 2010).

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Adildo Soares Gomes Introdução

3

O interesse pelo tema surge também da percepção de que o caso de Cabo Verde se encontra

ainda insuficientemente estudado, aspecto sobre o qual praticamente não existem trabalhos

monográficos.

2. ÂMBITO CRONOLÓGICO

Os limites temporais deste trabalho situar-se-ão entre 1939 e 1945, abrangendo o processo

conducente à concessão de facilidades nos Açores e que caracteriza a passagem do estatuto de

neutralidade estrita, para o estatuto de neutralidade colaborante.

Durante o período em estudo, o arquipélago de Cabo Verde desempenhou um papel

importante do ponto de vista geoestratégico, no âmbito da política externa portuguesa. Apesar de

termos definido este âmbito cronológico, consideramos essencial proceder a alguns recuos e

avanços temporais.

Assim, fizemos uma abordagem sobre Cabo Verde antes da Segunda Guerra Mundial para

que possamos compreender melhor a sua importância geoestratégica e as principais “negociações”

entre o Governo norte-americano e o de Portugal para a construção de bases em Cabo Verde ao

longo dos anos de 1946 a 1948.

A “estratégia global” a que assistimos após a Segunda Guerra Mundial não diminuiu a

importância de Cabo Verde, pois tanto os EUA como a U.R.S.S. tentaram adquirir bases

ultramarinas para atingirem os seus objectivos.

3. METODOLOGIA

A presente investigação de mestrado, localizada na fronteira entre a História e as Relações

Internacionais, situa-se no campo da história político-diplomática contemporânea. Esta opção

metodológica levou-nos a concentrar a análise nos aspectos políticos do relacionamento luso-

americano e luso-inglês, entre 1939 a 1945, e nas causas que levaram Portugal a uma “neutralidade

colaborante” com os países Aliados tendo como fundo a importância que o arquipélago cabo-

verdiano teve na política externa portuguesa durante a Segunda Guerra Mundial.

Teremos como ponto de partida a neutralidade portuguesa e como Cabo Verde, apesar da sua

pequena dimensão, foi “grande” pela posição geoestratégica decorrente de se situar na encruzilhada

entre a América, a Europa e a África.

Os procedimentos metodológicos a desenvolver permitem-nos determinar o tipo de relações

que ocorrem ao nível da História Política, no que concerne às relações entre a política interna e

política externa. A política externa portuguesa e a política de defesa de Cabo Verde são as partes

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Adildo Soares Gomes Introdução

4

mais relevantes: capítulos II, III e IV, abrangendo o período de 1939 a 1946. Sentimos a

necessidade de as enquadrar como as descrições gerais da evolução das estratégias das grandes

potências de então, sem a qual a política externa portuguesa não se pode compreender.

São muitos os factores – política interna e externa – que levaram Portugal a “colaborar” com

outros países, nomeadamente com os EUA e a Inglaterra (sua velha aliada), para seguirem o mesmo

propósito: não deixar que a Alemanha de Hitler ocupasse as ilhas atlânticas. Para analisarmos esta

“colaboração” entre Portugal e estes países, centrar-nos-emos numa pesquisa documental.

Contextualizaremos a importância geoestratégica de Cabo Verde e das consequentes

operações da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos para a sua ocupação, sempre dificultadas por

Salazar que defendia a neutralidade e a soberania de qualquer parcela do território português.

Finalmente, analisaremos as “artimanhas” encontradas pela América para objectivar a

utilização de Cabo Verde e dos Açores. Procuraremos destacar os factos históricos, como os

encontros de Salazar com Roosevelt e com Churchill. É preciso enquadrar estes momentos e atentar

para os factos que neles se inserem.

4. ESTADO DA QUESTÃO

Sobre a importância geoestratégica das ilhas do Atlântico na política externa portuguesa

durante a Segunda Guerra Mundial, existe uma bibliografia apreciável, mais concretamente sobre os

Açores (quer nacional, quer estrangeira).

A primeira obra relevante foi elaborada por António José Telo, Portugal na Segunda

Guerra Mundial (1939-1945)4, que “estuda os acontecimentos em Portugal durante o período de

1939-1946, privilegiando duas vertentes: a política externa, directamente ligada à política militar e a

política económica e a sua relação com a evolução social”; trata-se de uma obra de referência sobre

a política externa portuguesa durante a Segunda Guerra Mundial, podendo-se encontrar muita

informação original dada as pesquisas realizadas pelo historiador nos arquivos centrais ingleses

(Public Record Office) e americano (National Archives).

Em 1993, o historiador acima citado levou a cabo uma investigação exaustiva sobre as ilhas

portuguesas do atlântico que nos oferece uma enorme quantidade de informação trabalhada com

todo o rigor científico. Esta obra analisa a forma como as ilhas atlânticas, nomeadamente as dos

Açores, “se inseriram na estratégia das grandes potências”5.

Ainda a nível dos autores nacionais, o livro de José Freire Antunes, Roosevelt, Churchill e

Salazar – A Luta Pelos Açores (1941-1945) é-nos útil para a elaboração do nosso trabalho, uma vez

4 António José Telo, Portugal na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Lisboa, Edições Vega, vol. I, 1991.

5 António José Telo, Os Açores e o Controlo do Atlântico, Porto, Edições ASA, 1993.

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Adildo Soares Gomes Introdução

5

que aborda as “dezenas de planos elaborados para a ocupação das ilhas atlânticas”, nomeadamente

nas batalhas para o domínio do Atlântico e nas conjunturas críticas de 1941 e de 19436.

Outro ensaio de leitura obrigatória sobre a política externa luso-americana durante a Segunda

Guerra foi produzido pelo historiador Luís Nuno Rodrigues, em 2005. A obra intitulada No

Coração do Atlântico: Os Estados Unidos e os Açores (1939-1948), versa sobre os primeiros anos

da presença norte-americana no arquipélago dos Açores, abarcando um período que decorre desde o

início da Segunda Guerra Mundial até à assinatura do acordo luso-americano Fevereiro de 1948

que, pela primeira vez, autorizou os norte-americanos a utilizar as bases das Lajes por um período

de 3 anos7.

Ainda sobre esta matéria está publicado um número considerável de memórias e testemunhos

dos próprios protagonistas8, sendo que não obstante o seu carácter parcial e essencial justificativo,

constituem no conjunto uma boa fonte de informação.

5. NOTAS SOBRE FONTES E BIBLIOGRAFIA

Esta investigação assenta prioritariamente em fontes primárias, muito em especial em fontes

de arquivo. A maioria desta documentação encontra-se disponível no Arquivo Histórico-

Diplomático, Ministério dos Negócios Estrangeiros (Lisboa) e nos Arquivos de Oliveira Salazar,

Instituto dos Arquivos Nacionais/Torres do Tombo (Lisboa) e compreende uma larga variedade de

documentos que vão desde a correspondência trocada entre Lisboa/Estados Unidos/Lisboa e

Lisboa/Londres/Lisboa, através dos embaixadores portugueses António de Bianchi e Armindo

Monteiro e dos embaixadores de Inglaterra e dos Estados Unidos da América em Portugal, aos

memorandos das conversas entre os Presidentes dos Países Aliados na Guerra e Oliveira Salazar,

passando pelos memorandos dos encontros entre dirigentes norte-americanos, portugueses e

europeus até aos documentos internos dos vários departamentos do Governo português da época,

assim como telegramas entre os Governadores da província de Cabo Verde, Amadeu Gomes de

Figueiredo e José Diogo Ferreira Martins e a metrópole (estas correspondências internas foram

consultadas nos arquivos Histórico Militar e no Histórico Ultramarino).

Estas correspondências externas também podem ser consultadas nos volumes de Dez Anos de

Política Externa (1936-1947). A Nação Portuguesa e a Segunda Guerra Mundial, vol. I-XIII,

Lisboa, MNE, Imprensa Nacional – Casa da Moeda.

6 José Freire Antunes, Roosevelt, Churchill e Salazar, A Luta pelos Açores 1941-1945, Madrid, Ediclube, 1995.

7 Luís Nuno Rodrigues, No Coração do Atlântico: Os Estados Unidos e os Açores, (1939-1949), Lisboa, Prefácio, 2005.

8 Destacamos a de Pedro Teotónio Pereira, Memórias, vol. II, Verbo, 1973 e de Winston S. Churchill, Memórias da

Segunda Guerra Mundial, vol. I e II, 3.ª Edição, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2005.

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Adildo Soares Gomes Introdução

6

Finalmente, foram consultados periódicos portugueses, tais como: o Açoriano Oriental (1939-

1948), Diário de Notícias (1898 e 1939-1948), disponíveis na Hemeroteca Nacional (Lisboa) e na

Biblioteca Pública e Arquivos Regionais de Ponta Delgada.

6. ESTRUTURA DO TRABALHO

O presente trabalho foi dividido em seis capítulos.

No primeiro capítulo, esboçamos sobre a Geopolítica, Geoestratégia e as perspectivas restritas

do pensamento geopolítico.

No segundo, abordamos o valor geoestratégico de Cabo Verde, isto é, a importância que o

arquipélago teve entre os países europeus e americanos na luta para o controlo do Oceano Atlântico,

assim como o valor estratégico que o arquipélago detém neste Oceano.

No capítulo seguinte, falamos da neutralidade portuguesa durante a segunda guerra mundial,

ou seja, os interesses que a anunciação da neutralidade envolveu, a quem serviu e como foi utilizada

no decorrer do conflito.

No quarto capítulo, analisamos a utilidade que o arquipélago cabo-verdiano teve na política

externa portuguesa durante a Segunda Guerra Mundial, assim como os planos que os países do Eixo

e os Aliados elaboraram para a conquista e ocupação de Cabo Verde, demonstrando como a

conjuntura da guerra fez despertar o interesse pela posição estratégica que estas ilhas ocupam.

A política interna de defesa de Cabo Verde é objecto de estudo no quinto capítulo, onde

tentamos esboçar as suas grandes linhas e os planos de defesa das ilhas elaborados, desde o início

do conflito, pelo Governo português e pelos países Aliados, nomeadamente a Inglaterra.

No sexto e último capítulo, procuramos compreender as negociações encetadas entre Portugal

e os Estados Unidos sobre a construção de bases em Cabo Verde por parte do Governo norte-

americano, assim como a luta entre a Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha pela ocupação do

arquipélago.

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CAPÍTULO I: A GEOPOLÍTICA E A

GEOESTRATÉGIA

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Adildo Soares Gomes Capítulo I: A Geopolítica e a Geoestratégia

8

1.1. A GEOPOLÍTICA

A geopolítica apareceu como conceito científico nos finais do século XIX, sendo o seu

precursor Rudolf Kjellen da escola alemã. O seu intuito foi o de conceder um cariz político, e não

meramente geográfico, à geopolítica como disciplina que estuda as relações entre os territórios e os

habitantes de um determinado Estado. Como notou Adriano Moreira, o critério geopolítico “[…]

não considera o Estado e a sua dimensão do ponto de vista das possibilidades do bom governo”9. O

que visa, e na perspectiva organicista fundamentada na obra de Friedrich Ratzel, Geografia

Política, é desenvolver “uma explicação do comportamento das sociedades políticas em função do

meio físico [...]”10

. Nesta óptica, a geopolítica tem como objectivo a segurança e a força do Estado,

assentando para o efeito no estudo do Estado como organismo geográfico.

A partir destes conceitos, podemos afirmar que a geopolítica visa analisar a conduta externa

de um Estado com base na sua situação geográfica. É essa situação geográfica que irá determinar a

importância geopolítica e geoestratégica de qualquer país. No caso de Cabo Verde, a sua situação

geográfica concedeu-lhe uma importância “fora do vulgar” no que concerne especificamente à

geopolítica e à geoestratégia.

A partir de meados do século XX, os “grandes pensadores militares” que deram continuidade

às obras anteriores sobre a estratégia e a táctica – como as de Clausewitz e de Jomini –, começaram

a publicar as suas teses. Entre estas, a obra do norte-americano Alfred Thayer Mahan – The

Influence of Sea Power upon History (1890) – exerceu uma maior influência nos países atlânticos

mais industrializados na luta pela supremacia político-militar. Desde a publicação do livro de

Mahan e do de karl Haushofer, Die Geopolitik des Pazifischen Ozeans (1924) que o pensamento

geopolítico procurou integrar os espaços marítimos à conhecida equação de Ratzel, “Espaço é

Poder”.

As escolas geoestratégicas foram as primeiras a ensaiarem uma explicação para algumas

constantes assinaladas na política externa dos Estados, desde que os defensores do Poder Terrestre

como Mackinder e Ratzel, aos defensores do Poder Marítimo como Mahan e Spykman ou ao Poder

Aéreo teorizado por Douhet, Seversky e Lepotier11

.

Mahan é por vezes apontado como um estratego que um geopolítico ou geoestratego.

Enquanto os das escolas europeias, MacKinder, Ratzel, Vidal de la Blache tinham uma orientação e

as suas propostas são de carácter nacional, isto é, as preocupações estratégicas dos seus países.

9 Adriano Moreira, “A Europa em Formação”, in: Separata do Boletim da Sociedade Geográfica, Lisboa, 1974, p. 86.

10 Idem, ibidem.

11 José Medeiros Ferreira, Estudos de Estratégia e Relações Internacionais, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da

Moeda, 1981, p. 14.

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Adildo Soares Gomes Capítulo I: A Geopolítica e a Geoestratégia

9

Segundo J. Borges de Macedo, a Geopolítica surgiu “quando os transportes rápidos e de

grandes dimensões tornaram acessível a área geográfica rapidamente percebida; acrescentando-lhe a

capacidade política e militar das sociedades humanas para se assegurar delas”12

.

A geopolítica é um estudo das relações entre os atributos naturais da geografia e a política dos

Estados. É o estudo das decisões que o Estado toma com base na sua situação geográfica. A

geografia política que representa a relação entre a geografia e a política tem tido uma importância

permanente, tanto do ponto de vista teorético como do ponto de vista de decisão política13

.

A geopolítica pode ser definida como o “estudo das constantes e das variáveis do espaço

acessível ao homem que, ao adjectivarem-se na construção de modelos de dinâmica de poder,

projecta o conhecimento geográfico no desenvolvimento e na actividade da Ciência Política”14

. A

palavra geopolítica encontra-se intimamente relacionada e contribui para expandir o estudo do

poder na sua dimensão geopolítica. Assim, a geopolítica consiste na relação entre o poder político15

.

Saul Bernard Cohen advogou que a essência da análise geopolítica consistia “na relação entre

o poder político internacional e o contexto geográfico e com a interpretação que os indivíduos

fazem da natureza desta alteração”16

.

Para Colin S. Gray, a geopolítica devia ser diferenciada da geopolitik. Defendeu que a

primeira provém da Ciência Política, ou seja, da exploração das estruturas da política sem

necessariamente defender uma acção política particular, enquanto a segunda engloba um vasto

conjunto de escritos geopolíticos, mas o seu objectivo era a propaganda. Afirmou que a primeira

virtude da geopolítica é a de focar a sua atenção nos factores permanentes e duráveis. Gray ainda

escreveu que “a geografia física, ao mesmo tempo que representa importantes constrangimentos e

oportunidades, só adquire um significado estratégico por referência ao tempo, à tecnologia, ao

esforço nacional relativo e às escolhas realizadas entre diferentes estratégicas e tácticas”17

.

A geopolítica pode ser considerada como a política feita em decorrência das condições

geográficas, daí percebe-se que, embora o contributo da geografia seja essencial em todos os seus

aspectos, a geopolítica se tenha revelado no âmbito da política. De facto, foi Kjellen, politólogo

12

“Europa: Que Geopolítica?” Revista Portuguesa, n.º 1, Dezembro de 1987, p. 25-27, por cit. António Neves Berbém,

O Atlântico (a) Sul como questão estratégica mundializada: a Vertente Sul-Americana Africana; in: Estudos Políticos e

Sociais, Lisboa, ISCSP, 1991/92/93, p. 94. 13

James E. Dougherty e Robert L. Pfaltzgraff, Jr., Relações Internacionais, As Teorias em Confronto, Lisboa, Gradiva,

2003, p. 198. 14

Instituto de Altos Estudos Militares, Elementos de Análises Geopolítica e Geoestratégia, ME 71-00-08, Lisboa,

Instituto de Altos Estudos Militares, 1993, p. 9. 15

E. Dougherty e Robert L. Pfaltzgraff, Jr., op. cit., p. 199. 16

Saul Bernard Cohen, Geography and Politics in a World Divided, citado por James E. Dougherty e Robert L.

Pfaltzgraff, Jr., op. cit., 2003, p. 199. 17

Colin S. Gray, The Geopolitics of Super Power, citado por James E. Dougherty e Robert L. Pfaltzgraff, Jr., op. cit., p.

199.

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Adildo Soares Gomes Capítulo I: A Geopolítica e a Geoestratégia

10

sueco, que a baptizou como parte da política, duma geopolítica um tanto organista, claramente

situada no campo político.

O estabelecimento de conexões entre a geopolítica e a geografia vem desde o tempo da

antiguidade, embora não ainda conhecida como geopolítica. Na Grécia antiga, as observações

produzidas por diversos observadores gregos não tiveram em geral intenção teorizante sobre o

assunto; tiveram um carácter ocasional e instintivo.

Como Carlos Manuel Mendes Dias parafraseou, “os termos «geopolítico/geoestratégico»

transportam-nos ao mesmo tempo de forma inconsciente, para a Geografia ou pelo menos e já com

uma certa dose de elaboração, para elementos de índole geográfica. […] Estes mantêm com o Poder

que os diversos actores do Sistema Internacional, com maior aplicabilidade nos Estados, vão

detendo ou que poderá vir a ser percepcionado”18

.

Gearóid Tuathail sugeriu que a verdadeira preocupação da geografia incide sobre o poder:

“por muito que nos pareça inocente, a geografia do mundo não é um produto da natureza; ela é um

produto de variadas histórias de luta entre autoridades que competem pelo poder com o objectivo de

organizar, ocupar e administrar o espaço”19

.

Com Alexandre, a geografia apareceu como uma parte integrante da empresa que utilizou os

seus geógrafos no reconhecimento da terra mal conhecida, de forma a avaliar as possibilidades de

sustentação dos seus exércitos e a natureza da administração a implementar. Assim, viu-se pela

primeira vez a geografia não só a ser utilizada na ordem estratégica, mas também ao serviço da

acção política20

.

Esta noção de utilização da geografia ao serviço da acção política, já detectada em

Heródoto21

e que era expressa em Políbio22

na época helenística perfeitamente consciencializada em

Estrabão23

, quer pela noção de geografia que perfilou, quer pelo método que utilizou. Vale a pena

sublinhar que para Estrabão, a geografia é obra política mais do que científica e deve servir o

interesse dos governantes, devendo-se também tanto as particularidades físicas e atmosféricas que

explicam em parte a vida e o comportamento dos habitantes, como os recursos económicos aos

modos de vida, às tradições ancestrais e aos usos e costumes que revelam muitas vezes dos acasos

18

Carlos Manuel Mendes Dias, Geopolítica: Teorização Clássica e Ensinamentos, Lisboa, Prefácio, 2005, p. 219. 19

Gearóid Tuathail, Critical Geopolitics: The Politics of Writing Global Space, cit. por James E. Dougherty e Robert L.

Pfaltzgraff, Jr., op. cit., p. 198. 20

Ver B. H. Liddell Hart, As Grandes Guerras da História, 5.ª Edição, São Paulo, Instituição Brasileira de Difusão

Cultural, 1999, p. 30-48. 21

Historiador grego, nascido em Halicarnasso e viveu entre 484 a.C. e 425 a.C. Foi o autor o primeiro ensaio de

geografia descritiva do mundo conhecido pelo gregos. 22

Historiador grego, nascido em Megalopolis e viveu entre 205 a.C. a 123 a.C. 23

Nasceu em Amásia e viveu entre 60 a.C. e 21 d.C., sendo o primeiro a expressar uma visão tipicamente geopolítica na

sua obra Geografia com 17 volumes. (Dias, p. 33-34).

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Adildo Soares Gomes Capítulo I: A Geopolítica e a Geoestratégia

11

de existência24

. Na concepção de Estrabão, Roma foi talvez a única potência na história que num

determinado momento conseguiu juntar a supremacia terrestre à naval e por seguinte obter o

domínio territorial do chamado Mundo que interessa.

Com Alexandre Von Humbolt, a geografia ganhou o estatuto de ciência sistemática, quando

comparou as paisagens das áreas que estudou com as outras partes da terra. Karl Ritter desenvolveu

fenómenos com o mundo. Com estes dois, acentuou-se o carácter sistemático da geografia

descritiva, utilizando ao mesmo tempo o método empírico e indutivo, cujo objectivo era a abstenção

de uma lei geral.

Após a publicação da Geografia da Paz, de Nicholas J. Spykman, em 1944, a fisionomia

político, estratégica do mundo foi alterada devido às grandes inovações tecnológicas ocorridas no

âmbito dos armamentos e da disseminação e generalização das armas de destruição maciça. A partir

do fim da Segunda Guerra Mundial, a configuração político-social do mundo sofreu profundas

alterações. A hierarquia dos Estados não é igual à da primeira metade do século XX.

Actualmente, as variantes da geopolítica, válidas antes da Segunda Guerra Mundial, são

postas em causa pela nova configuração mundial. O determinismo geográfico, quer dizer a

predestinação de um Estado resultante de um posicionamento particular no mundo, já não é um

“argumento de peso”. Existe uma inversão patente do postulado da geopolítica. A natureza e o

ambiente físico têm menos influência no comportamento e nos destinos da comunidade. O espaço

era a condição do poder para a geopolítica, a fonte de subsistência para o Estado e assegurava-lhe a

segurança e o poder. Há outras formas de poder, como exemplo o factor de haver num pequeno

território recursos energéticos e matérias-primas raras e indispensáveis para a comunidade das

nações. Por outro lado, o espaço perdeu muita da sua importância estratégica com o aparecimento

das novas armas. Como exemplo as armas atómicas, os mísseis balísticos, armas de precisão

balísticas. A velocidade dos engenhos balísticos diminuiu as distâncias.

Antes da Segunda Guerra Mundial, a atitude das populações não era tida em conta pela

geopolítica. Actualmente, o desenvolvimento dos meios de comunicação e a democracia levaram os

povos a participarem nos assuntos da Nação e a fazer reflectir a vontade dos governos em caso de a

população não concordar com as decisões.

Observamos que mesmo na época dos mísseis intercontinentais o raciocínio geopolítico

manteve necessário. Era o único meio susceptível de ter em consideração a complexidade da

situação interna e das suas relações internacionais.

Durante a Guerra Fria, o essencial das rivalidades do poder assentou-se nos territórios, na

medida em que o desafio era o aumento das esferas de influência de cada um dos dois campos. Os

24

Carlos Manuel Mendes Dias, op. cit., p. 33-34.

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Adildo Soares Gomes Capítulo I: A Geopolítica e a Geoestratégia

12

desafios eram em primeiro lugar de natureza geopolítica. Por consequência, a palavra geopolítica

estava banida, mas era praticada. A palavra geopolítica apareceu, com o começo do conflito entre

Cambodja e Vietname, no final dos anos de 1970, princípios de 1980.

1.2. A ESTRATÉGIA E A POLÍTICA

No âmbito da geoestratégia, é sabido que os factores geográficos condicionam os elementos e

fundamentos do Poder e do Potencial Nacional, sejam políticos, económicos psicossociais ou

militares. Portanto, proporcionam uma fundamentação e a proposição de directrizes a qualquer das

componentes admitidas da Estratégia Geral25

.

Os Estados têm como finalidade principal a prossecução dos seus objectivos nacionais

permanentes e a sua afirmação enquanto soberanos. Como notou João Carlos Gonçalves Caminha,

o grau de soberania de um Estado “é sempre directamente proporcional à capacidade de definir

unilateralmente objectivos políticos e estratégicos. Quanto mais for a relatividade de poderes, maior

a flexibilidade na selecção de objectivos […]”26

.

Cada Estado tem a necessidade de maximizar a sua capacidade de determinar as atitudes ou

de condicionar a conduta e as decisões de outros Estados. O primeiro dever de um estadista é de

fazer com que a Nação alcance os seus objectivos, de preferência sem apelo a acções de força e não

consiste em evitar confrontos internacionais. Enquanto o segundo não é evitar confrontações de

poder, mas impedir que estas ocorram dentro de alinhamentos desfavoráveis27

. Proporcionar os

meios que permitem a um Estado alcançar os seus objectivos, num enquadramento internacional

que lhe seja favorável, constitui uma das importâncias/competências da Estratégia, decorrendo a sua

concretização da capacidade de assegurar a independência e integridade territorial.

Segundo Raymond Aron, a Estratégia consiste “no emprego de forças armadas”28

, mas é claro

que estas não constituem o único meio de estratégia. Clausewitz considerou a guerra como uma luta

entre Estados, consistindo a condução da mesma na arte do combate, vendo na arte de combinar os

combates uma forma de determinar com sucesso uma campanha. À estratégia competiria operar ao

nível da arte do combate29

.

Para Liddel Hart, a estratégia é (praticamente) sinónimo de política, tendo a seu cargo a

direcção da guerra, diferenciando a “grande estratégia” da política por ser esta que define o

25

Golbery do Couto e Silva, Conjuntura Política Nacional, O Poder Executivo e Geopolítica do Brasil, 3.ª Edição, Rio

de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981, p. 167. 26

João Carlos Gonçalves Caminha, “Estratégia e Relações de Poder”, in: Política e Estratégia, Vol. V, n.º 4, Out.-Dez.,

São Paulo, Centro de Estudo Estratégicos, 1987, p. 445. 27

Idem, p. 446. 28

Raymond Aron, Penser la Guerre, Clausewitz L´Age Européen, Paris, Editions Gallimard, 1976, p. 83. 29

Idem, ibidem.

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Adildo Soares Gomes Capítulo I: A Geopolítica e a Geoestratégia

13

objectivo. Procedeu a um desenvolvimento pormenorizado da estratégia, considerando-o a dois

níveis: (i) ao nível da “grande estratégia” (ou estratégia total encontra-se associado ao nível

hierárquico mais elevado de concepção da conduta da guerra), onde a estratégia se exerce a um

nível subordinado ao da “grande estratégia”. Esta tem por objectivo executar uma política sendo o

seu papel “coordenar e dirigir” todos os recursos de uma nação ou de um agrupo de nações para a

execução do objectivo político; (ii) A estratégia militar propriamente dita é caracterizada pela arte

de distribuir e aplicar os meios militares para atingir os fins da política30

.

De um modo geral, a Estratégia é vista como um método de exame dos aspectos dos

problemas considerados, propondo soluções após considerar todos os elementos e possibilidades

das adversárias. A estratégia pode ser considerada como um esquema de procedimento.

Raúl François Martins definiu a estratégia como “um método de pensamento, uma forma

peculiar de avaliar situações que permite classificar e hierarquizar os acontecimentos e depois

escolher os processos mais eficazes, trata-se de perceber, de prever, de perspectivar, quando estão

em jogo os interesses nacionais e quando opõem vontades de outras unidades políticas”31

. Quando

há “necessidades de falar em conflitos e não apenas em guerra e em meios de coação e não apenas

em meios militares”32

. Quer dizer que a estratégia não ocorre apenas em situações de guerra, mas

sempre que se verifique uma dialéctica de vontade em que o Estado A Procura impor a sua vontade

e objectivos ao Estado B, quer em caso de conflito, quer em competição.

A estratégia é orientada para a optimização da acção. O seu vertente de ciência está patente na

“formulação de hipótese e elaboração de teorias, leis e princípios”33

. É um instrumento da política,

sendo a ciência e arte de preparar e aplicar o poder para conquistar objectivos vitais para a nação.

Amerino Raposo Filho considerou a estratégia nacional como “a arte de preparar e aplicar o poder

nacional para, superando os óbices, conquistar e manter os objectivos nacionais permanentes, de

acordo com a orientação estabelecida pela política nacional”34

.

Abel Cabral Couto estabeleceu as relações existentes entre a Estratégia e a Política, enquanto

ciência e actividade. Enquanto ciência, a estratégia auxilia a formular objectivos, procede a estudos

e avaliações interna e externamente, informando a política sobre possíveis ameaças e hipóteses de

conflito. Enquanto a política fixa os objectivos a serem alcançados. Com base nos mesmos, a

estratégia estabelece conceitos de acção, doutrinas de preparação e indica meios e processos para

atingir os objectivos. A política enquanto actividade escolhe o conceito e o quadro de acção.

30

B. H. Liddel Hart, op. cit., p. 406. 31

Raúl François Martins, “Acerca do Conceito de Estratégia”, in: Nação e Defesa, Ano IX, n.º 29 Jan./Mar., 84, Lisboa,

Instituto da Defesa Nacional, p. 125. 32

Idem, p. 108. 33

Idem, p. 112. 34

Amerino Raposo Filho, op. cit., p. 8.

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Adildo Soares Gomes Capítulo I: A Geopolítica e a Geoestratégia

14

Por sua vez, estratégia pormenoriza a doutrina escolhida, fixa os objectivos intermédios,

emprega e orienta recursos para atingir objectivos35

. Relativamente ao objectivo da estratégia,

Liddell Hart notou que “[…] mesmo que a batalha decisiva seja o objectivo primordial, a finalidade

da estratégia é fazer que essa batalha seja travada nas condições mais vantajosas possíveis, e quanto

mais vantajosas forem essas condições tanto menor será a luta” e que a estratégia ideal “seria, então,

aquela que produzisse uma decisão sem a necessidade de grandes combates”36

.

Compete à estratégia escolher os meios e fixar os objectivos intermédios, empregando e

orientando recursos base do poder nacional. A política define o que se pretende. O poder é o que se

tem. A estratégia é o que se faz, ou seja, a acção, com o que se tem para o que se pretende.

1.3. PERSPECTIVAS RESTRITAS DO PENSAMENTO GEOPOLÍTICO

1.3.1. RUDOLF KJELLEN (1804-1922)

Pertenceu à escola alemã de Munique. Foi necessário esperar pelos seus trabalhos para que

fosse utilizado o termo “Geopolítica”. Na sua obra o Estado Como Forma de Vida (Staten som

Lifsform), publicado em 1916, definiu a geopolítica como “a ciência do Estado como organismo

geográfico”, isto é “como fenómeno localizado em certo espaço da terra – logo, do Estado como

país, como território, como região ou, mais concretamente, como domínio político (Reich)”37

. Por

outro termo, a geopolítica devia dedicar-se à análise da natureza do Estado, restringindo o campo da

geografia política ao estudo das comunidades humanas.

Para Kjellen, a geopolítica pura define-se como “o estudo dos processos políticos que

ocorrem em dependência do solo dos Estados”; quanto à dualidade fundamental dos estudos

geopolíticos, a Geopolítica pode ser encarada em dois quadros diferentes, harmónicos entre si,

embora cada um visando o seu próprio objectivo (o quadro geral e o quadro particular); enquanto

que a Geopolítica aplicada “é feita em decorrência das condições geográficas”38

.

Professor de História e da Ciência Política, parlamentar sueco e germanófilo (apoiava a

Alemanha), Kjellen teve a influência de Ratzel e, tal como este, sacralizou também o espaço, ao

notar que “o espaço é para o Estado fonte de vitalidade e de poder. É o fundamento material da

Nação e esta está na origem do Estado que não tem senão consistência espacial”39

.

35

Abel Cabral Couto, “Relações entre a Estratégia e a Política”, in: Nação e Defesa, Ano VI, n.º 21, Jan./Mar., Lisboa,

Instituto da Defesa Nacional, 1982, p. 21. 36

B. H. Liddell Hart, op. cit., p. 410. 37

Golbery do Couto e Silva, op. cit., p. 160. 38

Idem, p. 161. 39

Carlos Manuel Mendes Dias, op. cit., p. 78.

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Adildo Soares Gomes Capítulo I: A Geopolítica e a Geoestratégia

15

Kjellen advogou que a geopolítica é o estudo do Estado, considerado um organismo

geográfico, ou ainda, como um fenómeno espacial, quer dizer, como uma terra, um espaço ou mais

exactamente, um país. É a “ciência que concebe o Estado como um organismo geográfico ou como

um fenómeno no espaço”40

. Distinguindo a Geopolítica da Geoestratégia, Rudolf Kjellen esclareceu

que como Ciência Política, a Geopolítica “tem sempre em vista o Estado como uma unidade e

contribui para um entendimento de sua natureza. Enquanto a Geografia Política estuda a terra como

sede de comunidades humanas, em relação aos seus outros atributos”41

. Efectuou a distensão entre o

Estado e a Nação, ao afirmar que o Estado “é um indivíduo geográfico” e a Nação “é um indivíduo

étnico”42

.

Os Estados, no domínio do poder, entrem em competição uns com os outros. A preservação e

o aumento do seu espaço são garantias da sua sobrevivência. Urge citar Tomas Hobbes e as suas

teses acerca da permanência dos conflitos entre Estados, sobretudo naquilo a que se chama o Estado

da Natureza.

Este pensador sueco defendeu a tese de que “o Estado é direito por dentro e força por fora”.

Para analisar o Estado Total, Kjellen caracterizou-o como sendo um organismo constituído por

cinco órgãos ou componentes – três dimensões internas e duas externas. As dimensões internas ou

endógenas são: a Etno ou Denopolítica – que se ocupa do povo, como entidade natural e cultural; A

Sociopolítica – ocupa-se da sua estrutura interna e correspondente a instituições; e por fim, a

Cratopolítica – que se ocupa do sistema integrador de interesse e das formas de exercício do poder.

No que às dimensões externas ou exógenas diz respeito, Kjellen defendeu o Território e a Riqueza

do Estado43

.

1.3.2. HALFORD MACKINDER (1861-1947)

MacKinder44

foi um dos pais fundadores da geopolítica. Talvez o representante mais eminente

da escola anglo-saxónica. Publicou o artigo The Geopolitical Pivot of History (O Pivot Geográfico

da História), em 1904, no qual desenvolveu as suas precursões das suas relações entre a história e a

geografia, bem como a sua visão de ordem internacional no início do século XX. Depois desse

40

Júlio Botelho Moniz, Visões Estratégicas no Final do Império: Condutas das Operações Coloniais – 1944, Lições de

Estratégia – 1953, Lisboa, Tribuna, p. 246. 41

Golbery do Couto e Silva, op. cit., p. 160. 42

Carlos Manuel Mendes Dias, op. cit., p. 81. 43

Idem, Ibidem., p. 78. 44

Nasceu em Lincolnshire, Inglaterra, a 15 de Fevereiro de 1861, e faleceu em Dorset, no dia 16 de Março de 1947. Foi

professor de geografia em Oxford e Director do Colégio Universitário de Reading assim como da London School of

Economics and Political Sciences.

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Adildo Soares Gomes Capítulo I: A Geopolítica e a Geoestratégia

16

artigo, completou a sua análise na obra Democratic Ideals and Reality, editada em 1919, e, depois,

Around World Offers, em 1943.

MacKinder fez evoluir a sua tese em três fases:

1.ª – Uma inicial (em 1904), partindo da ideia que o mais decisivo dos triunfos para um

Estado era beneficiar de uma posição central. A noção do pivot geográfico da história, desenvolvido

em 1904, no artigo The Geographical Pivot of History defendeu a existência de um pivot do mundo,

tendo em conta a sua massa terrestre, que era constituído pela parte continental da eurásia;

2.ª – Uma intermédia (em 1919), em que surgiu com a designação Heartland. No seu livro,

Democratic Ideals and Reality, MacKinder aumentou a zona pivot para fazer corresponder às

fronteiras do bloco soviético. Este pivot central ou Heartland era envolvido por anel interior ou

marginal, correspondente à Europa Ocidental, ao próximo, e Médio Oriente e a Ásia do Sul e de

Leste. O anel interior estava flanqueado por dois sistemas insulares: a Oeste as ilhas britânicas e a

Leste o Japão, que são os dois elementos avançados de um segundo crescente que é o primeiro anel

insular ou exterior, do qual fazem parte as Américas45

;

3.ª – A última fase foi em 1943. A fórmula apresentada na anterior foi substituída e advertiu

que o controlo do Heatland passava pelo domínio da Europa de Leste46

. Segundo MacKinder, a

evolução do planeta resulta das variações de forças existentes entre o tal pivot central (Heartland) e

as terras do anel exterior, quer dizer, entre potências da terra e potências do mar. Era necessário

controlar primeiro o Heartland para, a partir daí, poder, eventualmente, controlar o mundo. A sua

tese era que quem comandasse o Heartland, comandava a maior ilha do mundo, aquele que

dominasse a maior ilha do mundo, controlava o mundo47

. Pois Heartland era a maior fortaleza do

mundo.

Neste texto publicado em 1943, The Around World and the Wenning of the Pease, MacKinder

deu uma interpretação ao pivot e especificou a sua visão, no que diz respeito à organização da futura

paz. Com a sua política isolacionista, os Estados Unidos entraram em guerra contra a Alemanha e

Japão. A entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra permitiu inverter, aos poucos, o rumo da

guerra, a favor das potências marítimas, mas também da URSS – dotada de um potencial militar e

que representa o Heartland, o objecto de todo o interesse de MacKinder. Na sua posição final,

MacKinder concebeu duas figuras geopolíticas de idêntico significado: “o Heartland e o Midland

45

James E. Dougherty e Robert L. Pfaltzgraff, Jr., op. cit., p. 207. 46

Carlos Manuel Mendes Dias, op. cit., p. 108. 47

James E. Dougherty e Robert L. Pfaltzgraff, Jr., op. cit., p. 208.

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17

Ocean, este com toda a potência que lhe davam os seus quatro mares adjacentes, o Mediterrâneo, o

Báltico, o Ártico e o Mar das Caraíbas”48

.

1.3.3. ALFRED MAHAN (1840-1914) E O PODER MARÍTIMO

Foi o primeiro a conceptualizar a estratégia marítima, que chamou de Sea Power, no âmbito

da política contemporânea. Segundo este norte-americano, é graças ao controlo dos mares que um

Estado podia ocupar o primeiro lugar na hierarquia das potências. Analisou a história dos

antagonismos europeus para daí tirar ilações no que concerne à geopolítica dos mares e estudou a

potência marítima francesa. Mahan entendeu o poder marítimo como “a soma de factores,

instrumentos e circunstâncias geográficas que cooperam para conseguir o domínio do mar, garantir

o seu uso e impedi-lo ao adversário”49

. Enumerou seis factores decisivos para o desenvolvimento do

poder marítimo: (i) a posição geográfica; (ii) a configuração física; (iii) a extensão do território; (iv)

o número da população; (v) o seu carácter nacional; (vi) o carácter governamental50

.

Em 1892, publicou The Influence of Sea Power upon French Revolution. Segundo Mahan, a

fraqueza da política naval francesa estava ligada às características da posição geográfica da França.

Se a França não se conseguiu impor nos mares, isto deveu-se à falta de um esforço de longo prazo

para estabelecer uma verdadeira armada e sobretudo uma verdadeira estratégia naval. Tal não foi o

caso da Inglaterra, na medida em que a sua política foi sempre orientada no sentido de ser a maior

potência marítima.

Na obra acima referida, Mahan especificou os pontos fortes da Inglaterra face à Holanda e

sobretudo à França. Notou que a posição geográfica é um factor chave que determinava a estratégia

a adoptar. A grande força da Inglaterra foi de saber garantir o controlo das vias de comunicação

marítimas, graças a uma hábil política de pontos de apoio (Gibraltar, Suez, Singapura, Cidade de

Cabo)51

e também aos sectores chaves das grandes rotas marítima.

Segundo este norte-americano, a extensão da costa e a qualidade dos portos eram factores

importantes, muito embora a extensão de território pudesse constituir uma fonte de fraquezas no

caso de não dispor de um nível adequado de população e de recursos naturais52

.

Em relação aos Estados Unidos, Mahan encontrou muitas semelhanças com a Inglaterra. Em

1897, sustentou na sua obra The Interest of America in Sea Power a doutrina que norteava a acção

48

Políbio F. A. Valente de Almeida, Ensaios de Geopolítica, Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e

Instituto de Investigação Científica Tropical, p. 32. 49

Cit. por Carlos Manuel Mendes Dias, op. cit., p. 147. 50

José Luís Pinto Ramalho, “A Estratégia de Futuro da OTAN e a Posição de Portugal”, in: Estratégia, Vol. III, Lisboa,

Instituto de Relações Internacionais, ISCSP, 1992, p. 35. 51

James E. Dougherty e Robert L. Pfaltzgraff, Jr., op. cit., p. 204. 52

Idem, p. 205.

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18

do seu país, se também quisesse chegar aos lugares cimeiros da hierarquia das potências mundiais.

Os Estados Unidos garantiam a sua prosperidade com base na segurança proveniente da sua

insularidade e na liberdade do comércio nos oceanos. O controlo dos mares aparece como condição

indispensável para a influência mundial dos Estados Unidos. Mahan não se interessou apenas pelos

oceanos.

Mahan notou que para os Estados Unidos fossem o número um a nível marítimo era preciso

“uma associação com a potência naval britânica, oposição às tensões alemãs no que concerne aos

mares, vigilância face à expansão do Japão no Pacífico e defesa coordenada dos europeus e

americanas contra os povos da Ásia”53

. Para atingir todos esses objectivos, o controlo dos mares é

de facto essencial.

Mahan advogou ainda que para ser uma potência marítima é preciso a posição geográfica do

Estado, as suas características físicas, a extensão territorial, o carácter nacional e o governamental54

.

Para o teórico do Sea Power, a força comercial e a força militar eram uma única força, cujo

principal objectivo de uma marinha devia ser a marinha do seu adversário. A segurança dos navios

e dos portos dependiam uma dos outros e os portos tinham mais necessidade da arma que esta tem

deles55

.

No seu livro, Problem of Asia, publicado em 1900, sublinhou a importância que MacKinder

designou como Heartland. Para Mahan, a Rússia representava uma potencial ameaça a que se

juntava à China. Concluiu com a necessidade de uma aliança entre as armadas e as potências

marítimas56

.

As ideias de Mahan tiveram uma influência real na elaboração da política das grandes

potências, durante os primeiros anos do século XX, designadamente Theodore Roosevelt, primeiro

como Secretário-adjunto da Armada e mais tarde como presidente dos Estados Unidos da América.

Para Mahan, a fórmula que opunha a MacKinder era que “a unidade dos mares constituía uma

via de comunicação única, cujo domínio eram necessárias algumas bases terrestres – quem dominar

essas bases terrestres controla os mares; quem controlar os mares domina o mundo”57

.

Sustentou a tese de que o domínio dos mares é imprescindível se um país marítimo dotado de

uma longa costa quiser sobreviver como nação independente. Aludindo-se aos Estados Unidos da

América, acrescentou que este país, com as especificidades que possui, necessitaria “de um poder

53

Idem, Ibidem. 54

José Luís Pinto Ramalho, op. cit., p. 35. 55

António Neves Berbém, “O Atlântico (a) Sul como Questão Estratégica Mundializada: a Vertente Sul-Americana

Africana”; in: Estudos Políticos e Sociais, Lisboa, ISCSP, 1991/92/93, p. 101. 56

Carlos Manuel Mendes Dias, op. cit., p. 145-146. 57

José Luís Pinto Ramalho, op. cit., p. 35.

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19

naval apoiado nas bases militares e estratégicas ultramarinas”58

. Na sua análise, “a extensão da

costa e a qualidade dos portos eram factores importantes, muito embora a extensão do território

possa constituir uma fonte de fraquezas no caso de não dispor de um nível adequado de população e

de recursos naturais”59

. O caso do arquipélago de Cabo Verde, ou seja, o Porto Grande da Ilha de

São Vicente, enquadra-se como exemplo nesta tese que Mahan advogou. Pois o arquipélago não

possui recursos, mas tem um excelente porto.

É com base nesta perspectiva de análise que se pode compreender que, durante os conflitos

que envolveram o Oceano Atlântico, tenha havido a necessidade por parte de algumas potências em

guerra de ter o controlo/domínio de Cabo Verde e das outras ilhas Atlânticas. Para essas potências

era importante obter bases de apoio no Oceano Atlântico. Assim, apercebemo-nos do valor do

arquipélago cabo-verdiano. Importância essa imediatamente percebida pelas potências marítimas da

altura, principalmente devido às comunicações marítimas entre os continentes.

1.3.4. KARL HAUSHOFER E A GEOPOLÍTICA ALEMÃ

Karl Haushofer60

foi um militar com características diplomáticas, fortemente influenciado

pelas teses do britânico Halford Mackinder. Haushofer notou que a Geopolítica “é a consciência

geográfica do Estado” e que a sua finalidade é “o estatuto das grandes conexões vitais do homem de

hoje com o espaço de hoje e a coordenação dos fenómenos, relacionando o Estado com o Espaço” e

que consiste “na ciência das relações de âmbito mundial dos processos políticos. Está baseada nos

sólidos alicerces da geografia, especialmente da geografia política, a qual constitui a ciência dos

organismos políticos no espaço da estrutura dos mesmos”61

.

A visão política de Haushofer aperfeiçoou-se durante a Primeira Guerra Mundial quando leu a

obra de Kjellen – O Estado como Forma de Vida – (corrente organicista). Haushofer sentiu-se

“humilhado” pela dureza e pelas consequências do Tratado de Versalhes e começou a combater a

favor da defesa dos interesses alemães e da “germanidade” (esta comunidade civilizacional na qual

todos os alemães se deviam encontrar) e para a promoção do lebensraum, onde os alemães podiam

atingir em pleno as suas capacidades. Restaurar o poder alemão significava juntar todos os povos de

descendência alemã sob uma autoridade política única e num espaço territorial suficiente. A

geopolítica alemã é o prolongamento natural da geografia política de Ratzel e de Kjellen.

Defendeu cinco teorias: (i) a do «Espaço Vital» (Lebensraum), ou seja, a “capacidade de um

determinado espaço geográfico necessário para atender às necessidades da sociedade que o habita”;

58

Citado por Adriano Moreira, op. cit., 1974, p. 87. 59

James E. Dougherty e Robert L. Pfaltzfraff, Jr., op. cit., 2003, p. 205. 60

Nasceu em Munique em 1869 e faleceu em 1946. Foi professor da escola alemã de Estado-Maior. 61

Citado por Júlio Botelho Moniz, op. cit.,, Lisboa, Tribuna, p. 248.

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20

(ii) a da mítica das «Fronteiras», Haushofer concedeu-lhe vários conceitos, nomeadamente o de

Lage e de Raum, para os integrar construção intelectual mais vasta que postula a existência de uma

criação orgânica entre o território e a população que aí habita. Daí deduziu a lei da «fronteira» e do

«Espaço» Vital, ao notar que os Estados crescem até atingirem uma superfície que satisfaça as suas

necessidades, até atingirem o seu Espaço Vital. Quer dizer, uma área geográfica delimitada por

fronteiras naturais ou artificiais, no interior das quais uma população tenha os meios que lhe permita

sobreviver62

; (iii) a «Autarcia», que correspondia à necessidade de poder fazer face a situação

eventual de «fortaleza sitiada»63

; (iv) as «Pan-Regiões»; (v) os «Fundamentos Geográficos da

Hegemonia Mundial». Nestas duas últimas duas teorias, o objectivo era dividir o mundo em quatro

áreas, geograficamente compensadas, combinando continentes do Norte e do Sul, auto-suficientes e

dispondo de um Estado director64

. O princípio da Hegemonia Mundial sustentou que “a Ilha

Mundial do geopolítico britânico MacKinder e a visão de quem controlasse o Heartland e a Europa

e Leste dominaria o mundo.

Haushofer advogou que a Alemanha devia ser uma grande potência, o Estado pivot da

Europa. A anexação da Checoslováquia pela Alemanha e o Anschaluss justificavam-se plenamente,

segundo Haushofer. O objectivo não era a guerra, mas sim a emergência na cena internacional de

um número limitado de Estados, entre os quais a Alemanha, controlando cada zona de influência,

equilibrando-se então as ambições através do equilíbrio da força. Isto seria natural para a Alemanha,

pois a Europa, sobretudo a de Leste, representa a esfera de influência natural da expansão alemã65

.

Adolf Hitler deixou-se sugestionar pela teoria geopolítica defendida por Haushofer e que, no

campo da estratégia militar do Eixo, se traduziu na Segunda Guerra Mundial, “pela tentativa da

conquista da lha Mundo – Europa, Ásia e África – território cuja posse significaria o procurado

domínio do mundo”66

.

1.3.5. NICOLAS SPYKMAN (1893-1943)

Professor de Relações Internacionais na Universidade de Yale, Spykman aceitou a oposição

entre o poder marítimo e terrestre. Introduziu um novo conceito – Rimland. Spykman críticou os

trabalhos de MacKinder e Haushofer.

62

Ver Instituto de Altos Estudos Militares, Origens e Evolução Histórica do Pensamento Geopolítico: Síntese

Histórica, Lisboa, IAEM, 1982, p. 64-65. 63

Idem, p. 66. 64

José Luís Pinto Ramalho, op. cit., p. 37. 65

João Mariz Fernandes, “Tendências Hegemónicas da Alemanha no Quadro Europeu: Fundamentos Históricos,

Filosóficos e Geopolíticos”, in: A Nação e a Defesa, n.º 105, Lisboa, Instituto da Defesa Nacional, 1991, p. 86. 66

Júlio Botelho Moniz, op. cit., p. 251.

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21

No que diz respeito a Haushofer, a sua posição foi clara. Na sua obra America´s Strategy in

World Politics, de 1942, e, sobretudo, no seu livro The Geography of the Peace, de 1944, Spykman

indicou claramente que a sua análise era totalmente diferente da “metafísica”, tão característica da

Escola Geopolítica Alemã (referiu-se sobretudo a Haushofer). Criticou também o carácter místico

das fronteiras que Haushofer concedeu. No que concerne a MacKinder, a crítica foi mais subtil,

recusou a existência da dialéctica terra-mar, como funcionamento do raciocínio político.

Ainda relacionado com o pensamento de MacKinder, há uma área que Nicolas Spykman

denominou de Rimland – constituída pelos espaços periféricos do Heartland, que são essenciais

para que “as potências marítimas possam dominar as potências continentais que ocupam a área

central da eurásia (heartland)”67

. Para Spykman, quem dominar o rimland, domina a Eurásia; e

aquele que controlar a Eurásia tem o destino do mundo nas suas mãos. A teoria do anel marítimo,

contendo a potência continental, desenvolvido por Spykman, teve uma grande importância na

elaboração política externa norte-americana. Isto é, o Rimland de Spykman corresponde ao

Crescente Interior de MacKinder.

Spykman analisou as duas concepções que “se colocam aos EUA na formulação da sua

estratégia global – o isolamento e a intervenção – levantado a questão se no futuro aquele país

poderia defender os seus interesses, sem sair da sua zona de influência ou teria de se projectar para

o Atlântico e para o Pacífico, impondo a sua vontade”68

quer aos mais fracos, quer aos outros

igualmente poderosos. Defendia a segunda opção e que os EUA “dimensionassem a sua capacidade

militar estratégica para intervir, activamente no Rimland”69

.

Spykman sustentou que quem controlar o espaço periférico do heartland tem mais

possibilidades de controlar os mares circundantes e, logo, a massa continental. O exemplo é a

NATO, que surgiu para conter o expansionismo soviético. Spykman refutou a Escola Geopolítica

Alemã, devido à sua tendência expansionista. A teoria de Spykman está na política externa norte-

americana, no pós-Segunda Guerra Mundial – a Teoria de Contenção – para combater o avanço

soviético. Ainda, relativamente ao domínio dos mares, Spykman afirmou que “Cabo Verde, apesar

de desprovido de recursos e equipamentos e afastado do continente americano, é muito importante

para os Estados Unidos da América controlarem o Oceano Atlântico”70

.

67

José Augusto Barahona Fernandes, “Novo Significado das Políticas Portuguesas no Atlântico e no Índico”, in: Anais

do Instituto Superior de Naval e Guerra, Separata n.º 4, Lisboa, 1974, p. 54. 68

José Luís Pinto Ramalho, op. cit., p. 38. 69

Idem, ibidem. 70

Citado por António Neves Berbém, op. cit., 1991/92/93, p. 57 e 106.

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22

1.3.6. FRIEDRICH RATZEL (1844-1904) E A GEOGRAFIA POLÍTICA

Os trabalhos de Ratzel71

foram precursores e para alguns foi o fundador da geopolítica alemã.

Foi num contexto muito particular que procurou estabelecer as leis da geografia política para as

quais assentou o seu raciocínio nas configurações permanentes ou estáticas, ou seja, as da geografia

física. Ratzel interrogou-se acerca do seu país, do seu lugar, da sua identidade e do seu papel que

desempenha no mundo.

Em 1869, Ratzel publicou O Ser e o Dividir do Mundo Orgânico, de seguida Os Quadros da

Guerra com a França, nos quais relatou a campanha militar alemã na Guerra de 1870, com a

França. Após uma visita aos Estados Unidos, Ratzel publicou dois trabalhos importantes, de

carácter geográfico: Quadros das Cidades e das Civilizações Norte-americanas e Estados Unidos

do Norte da América. Em 1876, foi editada a sua tese de doutoramento, consagrada a Emigração

Chinesa, na qual abordou as questões da migração e inovação. Em 1882, na sua obra intitulada

Antropografia, que foi um dos seus principais trabalhos, abordou a evolução dos povos da terra, as

relações entre civilizações e demografia e dos diferentes métodos de cartográfica das deslocações

humanas72

.

A acção e o pensamento de Ratzel inscreveram-se plenamente no contexto fortemente

nacionalista da sua época. Defendeu a tese de que a Alemanha devia ter uma política de nível

mundial, criando um império colonial à medida das suas ambições ao escrever: “para que uma

potência seja mundial, convém que esteja presente em todas as partes do universo em todos os

lugares estratégicos”.

A sua obra mais importante, Geografia Política, editada em 1887, exerceu uma grande

influência nos seus contemporâneos. Nesta obra, Ratzel advogou que o solo é um dado intangível e

é, obviamente, objecto de uma viva competição entre todos os Homens73

. Os Estados, em todos os

estádios do seu desenvolvimento, eram considerados organismos que mantinham uma relação

necessária com o seu solo e deviam ser por esta razão estudados numa perspectiva geográfica. O

espaço – dei Raum – foi um elemento essencial para Ratzel, que inspirou os desígnios e as políticas

dos Estados. No entanto, o seu raciocínio estava desconexado das análises concretas e das situações

na medida em que não teve em conta as mutações e as alterações da natureza política.

O seu objectivo foi definir as leis que ele queria que fossem universais e que determinassem o

comportamento dos Estados. Esta tese foi recusada pelos jovens geógrafos que, após a Primeira

Guerra Mundial e “revoltados” com do Tratado de Versalhes, entenderam que as suas ideias (as de

71

Geógrafo alemão, professor de geografia na Universidade Técnica de Munique e na Universidade de Leipzig. 72

Carlos Manuel Mendes Dias, op. cit., p. 67-74. 73

Golbery do Couto e Silva, op. cit., p. 141.

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Ratzel) não davam conta da realidade do pós-guerra. Esta realidade exprimiu-se em termos de

relação de forças militares, de capacidades industriais e humanas, de redes de comunicação, do

número de habitantes, bem como factores que explicavam as modificações ocorridas nos traços das

fronteiras.

Na sua obra No que diz Respeito às leis de Expansão Espacial dos Espaços, Ratzel apontou

sete leis de expansão no espaço, em síntese: (i) a expansão dos Estados aumenta com acultura; (ii) o

aumentos espacial dos Estados diversas outras manifestações do seu desenvolvimento, tais como a

ideologia, a população, a actividade comercial, o poder da sua influência, do seu esforço e do seu

proselitismo; (iii) os Estados estendem-se, assinalando ou absorvendo as unidades políticas de

menor importância; (iv) fronteira é um órgão situado na periferia do Estado, que é considerado um

organismo. Através desse alargamento, ele materializa o crescimento, a força e as mudanças

territoriais; (v) ao preceder a sua extensão ou aumento espacial, o Estado esforça-se por absorver

regiões importantes para o seu desígnio nacional, o litoral, os estatuários fluviais, as planícies e os

territórios mais ricos; (vi) é do exterior que vem o primeiro impulso que leva o Estado para a

extensão ou aumento do seu território, movido por uma civilização inferior à sua; (vii) a tendência

geral à assimilação ou à absorção das nações mais fracas ou inferiores, convite a multiplicar as

apropriações de territórios num momento que se assemelha à auto-alimentação74

.

Um ponto essencial a retirar das leis de Ratzel é que as fronteiras são chamadas a evoluir.

Outro aspecto importante é o catecismo dos imperialismos. Para alguns, a geografia política de

Ratzel deu lugar a críticas. A geografia política nesta altura foi um instrumento para os dirigentes

prussianos; uma teoria de questão de poder do Estado e das suas formas territoriais. As leis

formadas por Ratzel eram todas germânicas e só tinham como objectivo encontrar a justificação

teórica para o aumento do Estado alemão – o Reich devia compensar, em espaço, os inconvenientes

da sua situação geográfica.

No que diz respeito ao mar, é interessante notar que Ratzel também se interessou pelas

questões marítimas. Na sua obra O Mar, Fonte do Poder dos Povos, publicada em 1900, defendeu a

criação de uma frota alemã para fazer face às forças britânicas e reforçar o poder internacional

alemão.

74

Júlio Botelho Moniz, op. cit., p. 247-248.

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Adildo Soares Gomes Capítulo I: A Geopolítica e a Geoestratégia

24

1.3.7. PAUL VIDAL DE LA BLACHE (1845-1918)

Paul Vidal de la Blache75

defendeu que a geopolítica consiste nas decisões de natureza

política que o Estado toma com base na sua posição geográfica. É reconhecido como o fundador da

geografia francesa, tendo também contribuído para as primeiras reflexões geopolíticas em França,

ao publicar em 1903 Tableau de la Geographie de la France. A referência sistemática da geologia,

então uma ciência nova e muito popular, conferiu-lhe um valor científico. Opôs-se à geopolítica

alemã. Advogou que o Homem é um factor geográfico tal como a natureza, uma vez que tem

iniciativa, é actor e não apenas espectador e que o espaço não é o único objectivo; o tempo, a

história e a relação entre outros fenómenos, geográficos ou não, também são importantes. Os factos

não permanecem idênticos, não são estáticos, variam concedendo aos fenómenos geográficos uma

natureza fluida76

. A ideia fundamental de Vidal de la Blache é que a influência humana permite

reduzir a influência do meio. Com base nestes elementos, ele estabeleceu as bases de geografia

humana completa.

Dedicou-se mais tarde ao estudo da questão das fronteiras a Leste, isto é, ao tema patriótico

mais mobilizador após a anexação da Alsácia e da Lorena pela Prússia, em 1871. No seu livro

France de L´Est, publicado em 1917, refutou a tese alemã de que os habitantes da Alsácia e da

Lorena eram alemães. De facto, ocupou-se de demonstrar que as províncias perdidas eram francesas

e as regiões profundas que explicam o facto que a Alsácia e a Lorena deviam ser devolvidas à

França na sequência da Primeira Guerra Mundial.

75

Historiador e geógrafo francês. 76

Instituto de Altos Estudos Militares, op. cit., p. 32.

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CAPÍTULO II: CABO VERDE ANTES

DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

“O valor estratégico das ilhas de Cabo Verde marcou

desde o início o seu destino:

posto avançado no domínio do Atlântico,

escala de abrigo e abastecimentos de navios

que sulcavam o mesmo oceano […]”.

(Artur Teodoro de Matos)77

77

Artur Teodoro de Matos, “Rotas Portuguesas do Atlântico”, in: Oceanos, n.º 10, Abril de 1992, p. 81.

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Adildo Soares Gomes Capítulo II: Cabo Verde antes da Segunda Guerra Mundial

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2.1. O ESPAÇO GEOESTRATÉGICO DE CABO VERDE E A SUA IMPORTÂNCIA

As ilhas de Cabo Verde foram descobertas entre 1460 e 1462, por António de Noli, Diogo

Gomes e Diogo Afonso78

. O arquipélago cabo-verdiano é um território insular, situado no Atlântico

central, a 445 km da costa ocidental africana (do Senegal, ao largo do «Cabo Verde», o qual lhe deu

o seu nome), entre as latitudes de 14º W 23` e 17º W e 12` N. e as longitudes de 22º 40` e 25º 22` O.

Cabo Verde tem uma área total de terra emersa de 4033 km2, o que estende até, aproximadamente,

300 milhas do litoral do Senegal e a 1500 milhas da Costa do Nordeste Brasileiro (Natal) e a cerca

de 2783 km de Lisboa. Ou seja, a igual distância (aproximadamente) do Cabo de São Vicente (2622

km) e do Cabo de São Roque na América do Sul (2519 km)79

, mas perto da Costa Ocidental

Africana. Cabo Verde ocupa uma posição funcionalmente cêntrica no Atlântico e constitui o marco

fronteiriço entre o Atlântico Norte e Sul.

O território cabo-verdiano é composto por dez Ilhas e oito ilhéus que se distribuem em dois

Grupos: a Norte, o grupo de Barlavento, com 2230 km2, constituído pelas ilhas de São Antão, São

Vicente, Santa Luzia, São Nicolau, Sal, Boa Vista e pelos ilhéus Pássaros, Branco e Raso; a Sul, o

grupo de Sotavento, com 1803 km2, formado pelas ilhas do Maio, Santiago (a maior ilha com 930

km2), Fogo e Brava (a menor ilha com 64 km

2) e pelos Ilhéus de Santa Maria, Grande, Luís

Carneiro, Sapado e de Cima. O espaço marítimo exclusivo de Cabo Verde ultrapassa os 600.000

km2.

Situado na encruzilhada entre a Europa, as Américas e África, Cabo Verde dispõe de uma

posição muito valiosa e privilegiada que lhe permite desempenhar um papel importante como ponto

de navegação marítima e aérea que liga estes três continentes. Este posicionamento estratégico

determinou a “obrigatoriedade” do seu povoamento para poder servir de base de apoio logístico à

navegação.

Cabo Verde aparece dotado de grande extensão geográfica na direcção Leste-Oeste,

perpendicularmente aos dois feixes principais da linha de navegação, permitindo flanqueá-los duma

posição central em relação a ambos. É a situação geográfica, definida por largas fronteiras em

latitude e longitude, que determina a razão principal do eminente valor estratégico que este

arquipélago detém.

Como parafraseou Cláudia Correia, a função geoestratégica de Cabo Verde “iniciou-se por

volta do século XV, começando pela ilha de Santiago que actuou durante esse período grande parte

78

Existem várias análises que se referem ao conhecimento do arquipélago de Cabo Verde antes da chegada dos

portugueses, não falaremos delas por as considerarmos irrelevantes para o que se prende com este trabalho. O certo é

que, à chegada dos portugueses, as ilhas cabo-verdianas encontravam-se desertas. 79

António Neves Berbém, “O Atlântico (a) Sul como questão estratégica mundializada: a Vertente Sul-Americana

Africana”; in: Estudos Políticos e Sociais, Lisboa, ISCSP, 1991/92/93, p. 88.

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Adildo Soares Gomes Capítulo II: Cabo Verde antes da Segunda Guerra Mundial

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do século XVI até meados do século XIX, como ponto de apoio seguro no controle do comércio

com a costa africana, como ponto de escala para diversas carreiras atlânticas […] e, como centro

reexportador de produtos (africanos, europeus e americanos), para diversos destinos”80

.

O arquipélago de Cabo Verde, devido ao seu posicionamento, transformou-se na escala para

os aprovisionamentos e reparação das armadas portuguesas, particularmente nas primeiras décadas

do século XVI81

. Constituía, também, um “porto de abrigo” para os barcos que vinham de outras

partes da Europa, da Índia, do Brasil e do continente africano. Com a expansão do tráfico de

escravos, Cabo Verde transformou-se numa das “melhores escalas do Reino Português”82

. O Porto

Grande, na Ilha de São Vicente, servia muitos navios que navegavam entre a Europa e América do

Sul, tornando-se uma paragem quase obrigatória.

Cabo Verde desempenhou desde o início da progressão dos portugueses em direcção à ponta

meridional de África “o papel de placa giratória no quadro do abastecimento dos navios e

víveres”83

. Nos séculos XV e XVI, este arquipélago exerceu um papel de grande relevância nas

viagens de exploração empreendidas nomeadamente por navegadores portugueses, na perspectiva

de descobrirem novas terras. Em 1497, quando Vasco da Gama se encontrava a caminho da Índia

fez escala na ilha de Santiago para se abastecer em víveres e água. Três anos mais tarde, em 1500,

Pedro Álvares Cabral, a caminho do Brasil, desembarcou no porto da Preguiça, em São Nicolau. No

ano de 1628, o capitão holandês Van Uytgeest, no seu esforço de conquistar e ocupar o Brasil,

utilizou, sistematicamente, o arquipélago de Cabo Verde, nomeadamente a ilha de São Vicente.

Com estes três exemplos paradigmáticos podemos concluir que, no decurso da sua história, Cabo

Verde serviu de ponto de apoio à expansão portuguesa.

O período entre 1580 e 1640, quando Portugal e as suas conquistas ficaram sob a soberania do

Rei de Espanha84

, ficou marcado pelas sucessivas guerras dos espanhóis contra franceses, ingleses e

holandeses, transformando o Oceano Atlântico no palco por excelência das inúmeras batalhas então

travadas. A união ibérica levou o antagonismo ao confronto aberto. As consequências sobre o

Atlântico foram imediatas. Se, por um lado, a união aumentou a capacidade de defesa militar das

posições portuguesas neste oceano, nomeadamente Cabo Verde, por outro, provocou a

intensificação das violações do exclusivo85

. Nas primeiras três décadas da dominação dos Filipes, as

80

Cláudia Correia, “A Cidade do Mindelo Nos Séculos XIX-XX”, in: Africana, n.º 4, Porto, Universidade Portucalense

/ Arquivo Histórico Nacional de Cabo Verde, 1996, p. 99-100. 81

Maria Emília Madeira Santos (Coord.), História Concisa de Cabo Verde, Lisboa/Praia, Instituto de Investigação

Científica Tropical – Portugal, Instituto Nacional de Investigação Cultural de Cabo Verde, 2007, p. 121. 82

Idem, p. 143. 83

Daniel A. Pereira, Estudos da História de Cabo Verde, Praia, Alfa-Comunicações, 2005, p. 35. 84

Filipe II de Espanha passa a ser também o monarca de Portugal, com o cognome de Filipe I de Portugal. 85

Maria Emília Madeira Santos (Coord.), op. cit., 2007, p. 158-159.

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ilhas cabo-verdianas viveram o seu período mais dramático, tendo sido atacadas e saqueadas

repetidas vezes86

.

Ilídio Cabral Baleno notou que o “monarca espanhol tomou a iniciativa de se inteirar da

situação militar de Cabo Verde e incumbiu, em 1581, o capitão da armada Diego Flores de Valdez

da missão de lhe enviar um relatório com os dados necessário”87

. Após percorrer as ilhas cabo-

verdianas, Diego Flores de Valdez considerou imprescindível a presença de forças navais de

patrulha costeira para desencorajar os actos de corso na região. Portanto, em 1586, foram enviadas

ao arquipélago duas galeotas, tendo sido nomeado seu capitão-mor Francisco Barroso, por um

período de cinco anos. Mas dois anos mais tarde, em 1588, esta medida foi suspensa devido ao

assassinato do capitão-mor por uns soldados colaboradores que pretendiam entregar as galeotas aos

ingleses88

.

Nos finais da década de noventa do século XVI, o governador de Cabo Verde, Brás Soares de

Melo, informou o rei da “imperiosa necessidade” de se retomar a patrulha das águas de Cabo

Verde89

. Em Agosto de 1593, foram apresentadas duas galeotas “para andarem d´armada na costa

das ilhas de Cabo Verde”90

, sob o comando de Manuel Ferreira Valdevesso, então nomeado capitão-

mor. Em virtude de Cabo Verde ser uma importante escala de referência da navegação atlântica, as

suas ilhas transformaram-se num objectivo muito mais exposto à acção dos corsários.

De acordo com o Conselho da Índia, em 1628, os holandeses ter-se-iam interessado pela ilha

do Maio, da Boavista e do Sal (onde se reabasteciam do sal) e pela de São Vicente, a qual haveriam

de transformar numa “importante base para minar a hegemonia ibérica sobre as costas atlânticas de

África e da América”91

. Uma década mais tarde, à ilha de São Vicente chegaram os franceses,

quando o capitão Lambert, vindo da Senegâmbia, se instalou por uns tempos na ilha do Porto

Grande, “onde fez desembarcar homens e uma peça de canhão”92

. Durante o século XVII, o

Atlântico foi um oceano “retalhado em múltiplas áreas de influência e profundamente marcado pela

86

Esta nova situação fez com que Cabo Verde, assim como outros territórios sob a jurisdição da Coroa Filipina fossem

alvos de constantes ataques de outras potências europeias. Como exemplo, destacam-se, entre muitos outros, os ataques

de Francis Drake em 1568; em 1583, a Cidade da Ribeira Grande, na ilha de Santiago, foi atacada por partidários de D.

António Prior de Crato; de Jacques Maher e Sir Cordir em 1598; de Jacob Willekens que comandava a frota holandesa

com destino à Baía no Brasil e de Duguay Trouin em 1711; e o ataque de Jacques Cassard, em 1712, devastando a

cidade de Ribeira Grande. Para mais desenvolvimento, ver História Geral de Cabo Verde, vol. II, 2.ª edição, 2001. 87

Ilídio Cabral Baleno, “Pressões Externas. Reacções ao Corso e à Pirataria”, in: História Geral de Cabo Verde

(doravante HGCV), vol. II, 2.ª edição, 2001, p. 150. 88

Idem, p. 151. 89

Carta do Governador de Cabo Verde, Brás Soares de Melo, ao rei de Espanha, cit. por Ilídio Cabral Baleno, “Pressões

Externas. Reacções ao Corso e à Pirataria”, in: HGCV, vol. II, 2.ª edição, 2001, p. 151. 90

Idem, Ibidem. 91

Zelinda Cohen “A Administração das Ilhas de Cabo Verde Pós-União Ibérica: Continuidade e Rupturas”, in: HGCV.,

vol. III, 2002, p. 138. 92

Idem, p.139.

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instabilidade e zonas de conflito”93

. Com a Restauração de Portugal, em 1640, segundo João Lopes

Filho, “o novo monarca, D. João IV, encontra um império a braços com graves carências”94

.

Como já notamos, as ilhas cabo-verdianas também ofereceram aos demais impérios coloniais

a oportunidade de as escalarem. Com efeito, segundo Artur Teodoro de Matos, “os navios da

Companhia Holandesa e das Índias Orientais” e, a partir de 1721, “os da similar francesa paravam

em Santiago, constituindo a última escala possível antes de iniciarem o grande percurso de três ou

quatro meses no Atlântico Sul”95

.

Já no século XVIII (por volta de 1781), durante o reinado de D. Maria I, os mares de São

Vicente tornaram-se num espaço de passagem obrigatório nos percursos da pesca da baleia. Cabo

Verde, em consequência, converteu-se numa importante paragem de baleeiros norte-americanos que

rumavam para os mares do Sul perto do Cabo Horn. A intensidade com que estes baleeiros

visitavam o arquipélago, mais concretamente a ilha de São Vicente, fez “temer as autoridades

portuguesas que acreditavam estar iminente a ocupação da ilha por estes mareantes norte-

atlânticos”96

.

Os mares e portos de Cabo Verde contavam com forças regulares de protecção naval. Os

navios da armada da Coroa efectuavam operações de patrulhas no arquipélago. Porquanto, o Porto

Grande transformou-se numa fronteira internacional e, em 1852, a presença militar tornou-se nele

imperiosa para defender a ilha. Deste modo, o brigadeiro Fortunato José Barreiro ordenou o “Fortim

d’el Rei” e estabeleceu no Mindelo a quarta bateria de batalhão de artilharia de primeira linha de

Cabo Verde. A frota militar foi reforçada sempre que a cidade foi “inundada” por “ondas de

marinheiros” e soldados ingleses recrutados face à possibilidade, real ou suposta, de uma

intervenção britânica nas terras do sul97

.

A posição geográfica de Cabo Verde, que tinha sido uma vantagem estratégica por ser uma

importante escala da navegação no Atlântico, passou a ser a razão dos repetidos ataques de que foi

alvo após a união das monarquias ibéricas. Estes ataques a Cabo Verde tinham como objectivo criar

bases de apoio a países europeus98

. Cabo Verde tinha um papel essencial no desenvolvimento do

comércio e da navegação no Atlântico. Não possuindo meios para enfrentar o corso, a coroa viu-se

na necessidade de conjugar medidas de defesa preventivas e diplomáticas que foram

93

Maria Emília Madeira Santos (Coord.), op. cit., 2007, p. 159. 94

João Lopes Filho e João Paulo Aparício, O Forte do Príncipe Real e a Defesa da Ilha de São Nicolau, Cascais,

Patrimonia Histórica, 1998, p. 25. 95

Artur Teodoro de Matos, “Rotas Portuguesas do Atlântico”, in: Oceanos, n.º 10, Abril de 1992, p. 81. 96

António Correia e Silva, Espaços Urbanos de Cabo Verde. O Tempo das Cidades-Porto, A.D.F.A., 1998, p. 28. 97

Idem, p. 36. 98

Maria Emília Madeira Santos (Coord.), op. cit., 2007, p. 198.

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complementadas por um sistema de defesa naval e terrestre99

. Em meados do século XVI, por volta

de 1565, “a marinha portuguesa detinha 43 embarcações no Oceano Atlântico e com uma guarnição

de 2825 homens. Pelos meios e efectivos envolvidos, os Açores (por ser a principal escala das naus

da carreira da Índia na torna-viagem) e a Mina (devido ao transporte de ouro) constituíam a

prioridade máxima100

.

Como acima referimos, os mares e os portos do arquipélago de Cabo Verde não tinham forças

regulares de protecção naval, assim sendo, o arquipélago estava à mercê dos corsários. Segundo

Carlos Alberto de Carvalho, o ciclo de edificação de fortificações militares nas ilhas de Cabo Verde

condiz, grosso modo, a dois períodos fundamentais de ocupação das mesmas. “O primeiro

corresponde à ocupação do primeiro aglomerado populacional, a cidade de Ribeira Grande de

Santiago, e o segundo corresponde à ocupação e consolidação dos principais centros urbanos das

outras ilhas: vila de Sal-Rei, na Boavista, Vila da Ribeira Brava/Preguiça, em São Nicolau, vila do

Poro Inglês, no Maio, cidade do Mindelo, em São Vicente, e Vila da Praia Maria, em Santiago”101

.

O mesmo autor nota ainda que “as ilhas não citadas não possuem fortificações militares na

verdadeira concepção do termo, sendo que, mesmo nalgum dos casos citados, as fortificações

edificadas tiveram mais uma função de persuasão”102

. Como refere o antropólogo cabo-verdiano

João Lopes Filho, “em certas épocas, a soberania portuguesa nas ilhas de Cabo Verde era mais

consentida pelas grandes potências da época, nomeadamente França, Inglaterra e Holanda, do que

pela defesa nela implementada”103

.

Assim, desde a união Real de Portugal com a Espanha, Cabo Verde vê a sua proficuidade para

o poder no Atlântico a aumentar, enquanto o poder de Portugal (metrópole) nesse oceano diminui.

Várias nações começaram a progredir no Atlântico. Sobre este assunto, Jorge Borges de Macedo

advoga que, “no plano marítimo, do século XV para o século XVIII, os oceanos tinham deixado de

ser superfícies indiscriminadas para tomarem finalidade estratégica concreta, com uma dimensão

onde os portos, as rotas, as zonas de abastecimento e de consumo, por onde se podiam conduzir

tropas, mercadorias, riquezas e cultura tinham passado a ter presença na vida quotidiana da

Europa”104

. Mas o domínio do Atlântico seria decidido pela capacidade naval e o uso estratégico

dessa capacidade.

99

Idem, p. 183-187. 100

Idem, p. 185. 101

Carlos Alberto de Carvalho, “Panorama do Sistema Defensivo das Ilhas de Cabo Verde, com Incidência na Ex-

Cidade de Ribeira Grande”, in: Arquitectura Militar, do conhecimento histórico à sua função actual, Angra do

Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura, 2005. 102

Idem, Ibidem. 103

João Lopes Filho e João Paulo Aparício, op. cit., 1998, p. 25. 104

Jorge Borges de Macedo, História Diplomática Portuguesa – Constantes e Linhas de Forças – Estudo de

Geopolítica, Lisboa, Instituto de Defesa Nacional, 1987, p. 231.

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No que ainda diz respeito à luta pela conquista do arquipélago de Cabo Verde, no verão de

1940, a questão da protecção das ilhas atlânticas quanto a uma eventual agressão das potências do

Eixo105

era uma preocupação central da diplomacia norte-americana.

A Segunda Guerra Mundial incumbiu-se de demonstrar (ou de relembrar) que Cabo Verde tem

um interesse estratégico vital no Atlântico. As tensas relações sociais, políticas existentes entre os

países Aliados e os do Eixo deram a este arquipélago uma forte importância na luta para a conquista

e defesa do Atlântico durante a Segunda Guerra Mundial. Desde que o Mediterrâneo foi

praticamente fechado à navegação inglesa, as ilhas de Cabo Verde adquiriram grande importância

estratégica.

Utilizando as palavras de Artur Teodoro de Matos, “o valor estratégico das ilhas de Cabo

Verde marcou desde o início o seu destino: posto avançado no domínio do Atlântico, escala de

abrigo e abastecimentos de navios que sulcavam o mesmo oceano […]”106

. Assim, em vários

conflitos ocidentais, o arquipélago de Cabo Verde viu reforçada a sua função no Atlântico, numa

conjuntura em que o Oceano funcionava como espaço fulcral.

Panorâmica do Forte do Príncipe Real, na Preguiça, ilha de São Nicolau, após a sua “reconstituição”,

levada a cabo em 1993, com canhões (encravados com projecteis de calibre superior e com o logótipo do

fundidor, com o escudo português e a data de 1791) no seu interior.

105

Constituído pela Alemanha, Itália e Japão. 106

Artur Teodoro de Matos, op. cit., p. 81.

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No canto noroeste do Forte, foi implantado, em 1993, o padrão comemorativo da passagem de Pedro Álvares

Cabral por São Nicolau, aquando da sua viagem ao Brasil. À esquerda da imagem, visualizamos o Padrão

comemorativo do quinto centenário do nascimento de Pedro Álvares Cabral, inaugurado em 1966.107

Fortaleza de São Filipe, Ribeira Grande (Cidade Velha), Ilha de Santiago

107

Estas imagens foram gentilmente cedidas pelo Dr. José Joaquim Cabral.

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2.1.1. CABO VERDE NO ATLÂNTICO (MAPA GEOESTRATÉGICO)

(Distâncias aproximadas referidas no trabalho)

(Elaborado pelo autor)

Estamos convictos de que o simples vislumbre deste mapa seja o suficiente para nos

apercebermos da situação privilegiada de Cabo Verde como ponto estratégico determinante no

“Atlântico Médio”. Atendendo à posição geográfica do arquipélago, logo se torna evidente a sua

natural vocação para se transformar no que desde sempre foi: ponto crucial de interligação entre

ambas as margens do Atlântico, entreposto por excelência entre África, as Américas e a Europa.

Em suma, as vias da importância estratégica do arquipélago de Cabo Verde podem ser

enumeradas da seguinte forma:

I. Em relação ao Atlântico.

I.I. Zona de ligação entre a Europa, África e as Américas.

a) Tráfego brasileiro;

b) Tráfego africano;

c) Ligação com as Caraíbas.

I.II. Posição a Sul no triângulo estratégico (Lisboa-Açores-Cabo Verde), o que lhe

permite controlar a navegação do Atlântico Sul para Norte e vice-versa.

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I.III. Na perspectiva do Atlântico Sul, no âmbito da Comunidade de Países de Língua

Portuguesa (CPLP) Cabo Verde coroa, como vértice a Norte, o triângulo formado por

Angola-Cabo Verde-Brasil.

I.IV. Zona de passagem obrigatória, para reabastecimento e não só, em direcção à

América do Sul, à Índia e a outras partes da Ásia.

II. Em relação ao Norte da África e ao Mediterrâneo.

II.I. Ponto de apoio rápido em qualquer actividade costeira.

2.2. CABO VERDE E A IMPORTÂNCIA DO ATLÂNTICO

Entre o século XVI e finais do século XVIII, o Oceano Atlântico “foi o centro da História

Portuguesa, cenário dos percursos marítimos que desenhavam um novo mundo, horizonte de trocas

comerciais e culturais”108

. As ilhas cabo-verdianas, “para além do seu valor estratégico, tiveram um

papel relevante na consolidação do relacionamento entre povos e culturas diferentes. Paragem

ocasional ou obrigatória, Cabo Verde, juntamente com os Açores, foi peça importante para o

conhecimento do Atlântico Sul”109

.

A partir de 1898, o começo da corrida naval anglo-alemã e o reajustamento do sistema de

alianças europeu alteraram o papel de Portugal e deram uma nova e acrescida importância ao

espaço atlântico português110

– “o centro das preocupações inglesas passa a estar no Atlântico”111

.

Os responsáveis ingleses defendiam que para a Inglaterra “o domínio naval é tudo”112

. Face a

essa importância que o Atlântico passou a ter, e à visão expansionista que a Alemanha tinha em

África, Cabo Verde tornou-se extremamente importante, quer para a Inglaterra, quer para a

Alemanha, que disputavam estações navais no Atlântico. Mas Londres, que não precisava de Cabo

Verde como base activa, já conhecia as ambições alemãs e não estava disposta a aceitar a hipótese

de uma base naval alemã neste arquipélago, pois “era impensável dar a Berlim uma base na zona

mais sensível para o tráfego marítimo do império – o Atlântico Norte”113

.

Só assim é que a Inglaterra conseguiu manter um potencial inimigo fora das zonas

estrategicamente importantes. Porquanto “a Alemanha só tem bases seguras na sua costa” e “as suas

colónias da África Ocidental estão longe”114

. Com base activa em Cabo Verde, a Alemanha podia

pôr em perigo a supremacia inglesa nos mares.

108

Artur Teodoro de Matos, op. cit., 1992, p. 80. 109

Idem, Ibidem. 110

António José Telo, Os Açores e o Controlo do Atlântico, Porto, Edições ASA, 1993, p. 10. 111

Idem, p. 25. 112

Idem, p. 68 113

Idem, p. 28. 114

Idem, p. 43.

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Segundo António José Telo, em 1916, a Inglaterra mantinha um esquadrão de cruzadores

rápidos na ilha de São Vicente, visando proteger a navegação que vinha do Atlântico Sul contra os

corsários alemães de superfície. O Porto Grande não possuía redes anti-submarinas, nem protecção

adequada, sendo as únicas defesas que possuía três pequenas canhoeiras da marinha portuguesa115

.

Quando começou a terceira campanha submarina contra a navegação, em Outubro de 1916,

havia cerca de 100 unidades operacionais, das quais 58 estavam no Atlântico. No mesmo ano, os

submarinos alemães passaram a visitar Cabo Verde. A falta de segurança tornou-se visível. Devido

à falta de defesa, os britânicos retiraram-se de Cabo Verde quando os submarinos alemães

começaram a operar na costa ocidental africana.

Na noite de 4 de Dezembro de 1916, um submarino alemão tentou aproximar-se do Porto

Grande, na ilha de São Vicente, onde estava uma importante estação de cabos ingleses. Acabaram

por se afastar devido a alvos significativos no porto e à presença de uma canhoneira portuguesa116

.

Mas, oito dias mais tarde, no dia 12, um submarino alemão – U-151 – atacou Cabo Verde,

afundando dois navios aliados no Porto Grande, em São Vicente.

Durante este período, o arquipélago cabo-verdiano surgia como a segunda ordem de

prioridade, depois da Madeira que tinha sido atacada pelos submarinos alemães (4 de Dezembro de

1916). Cabo Verde adquiriu uma importância especial desde meados de 1917, por ser um ponto

ideal para concentrar os comboios do Atlântico Sul.

Em Fevereiro de 1917, Walter Lippman escreveu que “a segurança do Atlântico é algo pelo

qual os Estados Unidos devem lutar. Porquê? Porque nas duas costas do Oceano Atlântico cresceu

uma profunda rede de interesses que contribuiu para unir o mundo ocidental. Se essa comunidade

fosse destruída, dar-nos-íamos então conta daquilo que tínhamos perdido”117

. Durante a Segunda

Guerra Mundial, Lippman acrescentou que “o Oceano Atlântico não é a fronteira entre a Europa e

as Américas. É o mar interior de uma comunidade de nações aliadas umas às outras através da

Geografia, da História e da sua necessidade vital”118

.

Cabo Verde, como uma zona de circulação para abastecimento e transporte de bens e

mercadorias entre a Europa, as Américas e África, foi muito importante para a luta anti-submarina.

Em 1918, a canhoeira Beira chegou a Cabo Verde equipada com cargas de profundidade. São

Vicente passou a ser protegida nesse mesmo ano com redes anti-submarino119

.

115

Idem, p. 97. 116

Idem, p. 105-6. 117

Citado por Luís Andrade, “Os Açores e a II Guerra Mundial”, in: Luís Nuno Rodrigues (Coord.) Franklin Roosevelt

e os Açores Nas Duas Guerras Mundiais, Fundação Luso-Americana, Lisboa, 2008, p. 125 e 339. 118

Idem, Ibidem. 119

António José Telo, op. cit., 1993, p. 97.

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A liberdade do mar atlântico tem a sua chave em Portugal. O triângulo Açores, Madeira e

Cabo Verde tem o seu vértice no arquipélago africano. Deste facto ressalta logo a importância de

Cabo Verde como ponto estratégico de extrema importância120

. Este triângulo estratégico, formado

pelas ilhas acima referidas, permitia uma fiscalização eficiente do Oceano Atlântico Central e Sul.

São essas particularidades que ajudam a explicar o interesse por parte dos Estados Unidos, da

Inglaterra e da Alemanha pelo arquipélago cabo-verdiano durante a Segunda Guerra Mundial. O

interesse chegou a tal ponto que tanto o Governo norte-americano como o Governo de Sua

Majestade da Grã-Bretanha manifestaram-se a favor da ocupação de Cabo Verde, caso fosse

necessário.

Relativamente à defesa do Atlântico Sul, o arquipélago de Cabo Verde confere garantias de

segurança. Cabo Verde é fundamental para a na contenção das ameaças de Sul. É “a primeira

posição estratégica de todo o vasto Atlântico Sul”121

.

Assim, não seria supérfluo afirmar que Cabo Verde é e continuará a ser fundamental para a

fiscalização aero-naval, anti-submarina, de comunicação e de transporte. O arquipélago de Cabo

Verde desempenhou, ao longo dos séculos, um papel importante no apoio aos navios que

demandavam novas paragens. O seu próprio povoamento foi determinado pela necessidade de

estabelecer, no arquipélago, uma base para as carreiras da Europa, África e Américas.

Com o advento da navegação a vapor, no século XIX, foram instalados na ilha de São Vicente

depósitos de carvão, visando reabastecer os navios que nas suas viagens demandavam no Porto

Grande. Foi esta mesma ilha que recebeu os cabos submarinos que estabelecem comunicações

telegráficas (ingleses, italianos e outros) entre a Europa, a América e a África.

Foi, ainda, no século XIX que o arquipélago de Cabo Verde, durante a luta entre a França e a

Inglaterra pelo domínio da Europa, teve alguns dos mais decisivos episódios nas águas do Oceano

Atlântico. Na Guerra Hispano-americana (ou Guerra de Cuba), devido à sua localização geográfica,

Cabo Verde passou a estar, novamente, no centro das decisões. Foi ponto de escala para a

navegação espanhola. A partir desta altura, e até à Segunda Guerra Mundial, a importância

estratégica de Cabo Verde aumentou gradualmente.

Em 1906, o Governo inglês alertou o seu congénere português “para que não atribuísse a

qualquer potência concessões para depósitos de carvão ou de quaisquer outras facilidades nos

120

Boletim Geral das Colónias, Número especial dedicado à viagem de S. Ex.a o Presidente da República a Cabo

Verde, Moçambique e União Sul-Africana, 1939, p. 82; Arquivo Histórico Ultramarino (doravante AHU), cota 2025. 121

Boletim Geral das Colónias, Número especial dedicado à viagem de S. Ex.a o Presidente da República a Cabo

Verde, Moçambique e União Sul-Africana, 1939, p. 82; AHU, cota 2025.

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portos do Atlântico”122

. Isso demonstra-nos que a maior potência marítima na altura via com

preocupação a eventualidade de outra potência controlar o Oceano Atlântico.

2.3. CABO VERDE NO CRUZAMENTO DAS PRINCIPAIS LINHAS DE NAVEGAÇÃO DO ATLÂNTICO

Na primeira metade do século XIX, devido a uma profunda revolução na tecnologia dos

transportes e comunicações marítimas o Oceano Atlântico emerge. Dotado de um magnífico porto

natural – o Porto Grande – Cabo Verde (nomadamente a ilha de São Vicente), “pela sua posição

geográfica na rota da América do Norte, África, América do Sul e Oriente, emergia no Atlântico

como um ponto geoestratégico fundamental”123

. Sendo o Atlântico o eixo central da economia

mundial de então, as ilhas portuguesas deste oceano foram objecto de um especial interesse da Grã-

Bretanha. O papel destes arquipélagos, na viabilização comercial e técnica da navegação a vapor, é

visto como sendo de valor inestimável. O surgimento da navegação a vapor permitiu ao arquipélago

de Cabo Verde recuperar a importância estratégica que fora perdendo gradualmente entre meados

do século XVII e meados do século XIX. Assim sendo, os ingleses solicitaram a Portugal

facilidades para a construção de estações de carvoeiras em Cabo Verde124

.

O arquipélago de Cabo Verde desempenhou um lugar de destaque devido à sua posição

geográfica. Para as novas linhas de tráfego, cujas virtualidades se realizam, em força, nos finais da

década de 40 de século XIX, isto é, as que ligam o Norte da Europa à América do Sul e a região à

rota do Cabo, Cabo Verde configura-lhes uma escala muito mais propícia do que os demais

arquipélagos do Atlântico125

. O arquipélago cabo-verdiano é, nesta rota, a última fronteira do

Atlântico oriental. A seguir, só a América do Sul. Portanto, Cabo Verde é aqui o ponto certo para

transpor o equinocial.

As rotas marítimas cruzam-se, confluem ou aproximam-se em determinados locais e bem

definidos geograficamente, chamados de Choke Point – pontos focais. Pode dizer-se que Cabo

Verde pertence a uma “zona de concentração na navegação”. A direcção Norte-Sul, o Cabo da Boa

Esperança-América Central e Norte, Cabo da Boa Esperança-Europa, Cabo Horn-Europa, Cabo

Horn-América Central, constituem as rotas mais importantes no Atlântico Sul. Todas estas rotas

122

José Medeiros Ferreira, Estudos de Estratégia e Relações Internacionais, Estudos Gerais, Série Universitária,

Lisboa, 1981, p. 103. 123

Cláudia Correia, op. cit., p. 101. 124

Em meados do século XIX, instalaram-se em Cabo Verde várias comerciais pertencente a ingleses. Nomeadamente,

Royal Mail, Steam Packet, Patent Fuel, Thomas & Miller, Visger & Miller e Cory Brothers & Co. Ver Cláudia Correia,

op. cit., p. 101. 125

António Leão de Aguiar Cardoso Correia e Silva, Os Ciclos Históricos da Inserção de Cabo Verde na Economia

Atlântica: O Caso das Cidades Porto (Ribeira Grande e Mindelo, Tese de Doutoramento, Lisboa, Faculdade de

Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2007, p. 245.

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cruzam o equador geopolítico, apenas a rota do Cabo Horn-América do Norte poderá não passar

próximo de Cabo Verde126

.

O facto de as ilhas serem extensas confere uma maior importância ao arquipélago cabo-

verdiano. Assim sendo, Cabo Verde, por estar no caminho das grandes linhas de comunicação, tem

um valor excepcional por causa da importância da sua posição geográfica no apoio e no controlo

das mais importantes rotas atlânticas. No seu papel entre as duas margens do Atlântico, Cabo Verde

foi um suporte vital para as comunicações, quer marítimas, quer aéreas, que então davam os seus

primeiros grandes passos na travessia atlântica comercial, quer gráficas, quer telefónicas, com

estações de amarração de cabos submarinos que no arquipélago se cruzam entre os continentes.

Em 1839, a Companhia das Índias Inglesas, através de Jonh Lewis, já tinha obtido licença

para estabelecer um depósito flutuante de carvão e a partir de 1840 foi aumentando o número de

navios que deram entrada no Porto Grande. Em 1850 o cônsul inglês John Rendall pediu permissão

para criar um depósito que pudesse servir a navegação a vapor entre a Inglaterra e o Brasil. Daí até

fim do século, instalaram-se em Mindelo várias companhias inglesas de carvão. Em 1875, o Porto

Grande já era o maior porto carvoeiro no Atlântico Médio, sendo que, de 199 vapores de longo

curso entrados em 1875, se passou para 1865 no ano de 1889, tendo a partir dessa data começado a

diminuir o número de vapores entrados127

.

Entre 1850 e 1859, Cabo Verde surgiu como “o mais estratégico dos arquipélagos Atlânticos

do ponto de vista da náutica a vapor”128

, devido ao Porto Grande e ao carvão. Como nota Ana Rita

Amaro Monteiro, no ano de 1879, a maior parte dos países com interesse nas rotas que passam por

Cabo Verde possuíam representação consular ou vice-consular na ilha de São Vicente. Eis alguns

exemplos: A Alemanha (cônsul), Bélgica (cônsul geral), Brasil (agente comercial e vice-cônsul),

Dinamarca (vice-cônsul), Estados Unidos da América (agente consular), Inglaterra (vice-cônsul),

Itália (agente consular), Países-Baixos (vice-cônsul), República do Uruguai oriental (vice-cônsul),

Rússia, vice-cônsul), Suécia (vice-cônsul) Noruega (vice-cônsul), Espanha, França, Peru e a

Turquia (vice-cônsul)129

.

No quadriénio 1896-1890, houve um aumento de tráfego de vapores no Porto Grande, em São

Vicente, o que levou as empresas italianas, inglesas, alemães e portuguesas a abrirem

representações na cidade de Mindelo e a enviarem mãos-de-obra qualificadas para o arquipélago. Já

126

António Emílio Sacchetti, “Geopolítica e Geoestratégia do Atlântico” in: Estratégia, vol. I, Lisboa, Instituto de

Relações Internacionais, ISCSP, 1990, p. 26. 127

Ana Cordeiro, “Mindelo: entre a ficção e a realidade”, em: http://www.buala.org/pt/cidade/mindelo-entre-a-ficcao-e-

a-realidade. (14/09/2010). 128

António Leão de Aguiar Cardoso Correia e Silva, op. cit., 2007, p. 246. 129

Para mais desenvolvimento, ver Ana Rita Amaro Monteiro, “O Movimento Consular em Cabo Verde nos Finais do

século XIX”, in: Africana, n.º 4, Porto, Centro dos Estudos Africanos e Orientais da Universidade Portucalense,

Setembro de 1996, p. 120 a 123.

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nos finais do século XIX, Cabo Verde passou a estar ligado, regularmente, às grandes metrópoles

portuárias, tais como: Londres, Liverpool, Hamburgo, Lisboa, Marselha, Génova, Rio de Janeiro,

Buenos Aires, Montevideu, Cidade do Cabo e Sidney.

Mas, em 1891, trinta anos depois do início da aventura do carvão, devidos às políticas

adoptadas pela coroa portuguesa, as ilhas das Canárias passaram a ser mais importantes de que o

arquipélago cabo-verdiano. Conforme nos elucida Cláudia Correia, “[…] a abertura do canal de

Suez , o desenvolvimento dos portos de Tenerife e Las Palmas (Canárias), e Dakar (Senegal, que

concorrendo com o porto grande, pela oferta de novas vantagens sobre este, que lhe retirariam a

importância geoestratégica”130

. António Correia e Silva nota que “o segredo foi o seguinte: onde os

portugueses agravaram os impostos, os espanhóis criaram porto franco; onde aceitaram cartéis e

duopólios, os segundos refizeram incessantemente as condições de concorrência; onde os lusos

jogaram tudo num único porto (S. Vicente), os espanhóis apostaram na rivalidade inter-ilhas, nos

tais pleitos insulares, abrindo dois portos, o de La Luz, em Las Palmas e o de Santa Cruz, em

Tenerife”131

.

Conquanto a Guerra anglo-boer, ganhando intensidade no segundo semestre de 1899, fez do

Porto Grande da ilha de São Vicente um dos portos mais procurados do Oceano Atlântico,

nomeadamente pelos ingleses. A Inglaterra, que considerava o espaço entre Cabo Verde, os Açores

e Lisboa um triângulo estratégico (por onde passava o tráfico vital para o seu reabastecimento e o

não controlo deste espaço, em caso de conflito, torná-la-ia vulnerável), estava disposta a inviabilizar

toda a tentativa de estabelecimento em Cabo Verde de empresas carvoeiras de outras

nacionalidades. Logo, era vital assegurar as estações carvoeiras, assim como os postos da emergente

rádio telegrafica, para que não caíssem em mãos inimigas, nomeadamente aos alemães132

.

Nos princípios do século XX, o valor geoestratégico de Cabo Verde não cessou de aumentar,

continuando a ser vital para a Royal Mail poder assegurar o controlo britânico sobre as rotas do Sul.

Sobre este assunto, o historiador Cabo-verdiano, António Correia e Silva, escreveu que “esta

sensibilidade acerca da importância das ilhas atlânticas portuguesas – Açores e Cabo Verde – era,

no quadro das autoridades britânicas, mais acentuada ainda no Foreign Office do que na própria

Rayal Mail”133

.

Em 1912, a Comissão dos Correios e Telégrafos e Indústrias Electrónicas do Parlamento

(CCTIEP) avaliou o projecto n.º 143-A, referente à instalação da rede rádio telegráfica nos portos

130

Cláudia Correia, op. cit., p. 106. 131

António Correia e Silva, “Canárias no Horizonte”, in: Estratégia, n.º 20, Primeiro Semestre 2004, Instituto de

Estudos Estratégicos Internacionais, Volume especial dedicado a Cabo Verde, em:

http://www.ieei.pt/files/Canarias_horizonte_Antonio_Correia_Silva.pdf, p. 4. (09/09/2010). 132

Ver José Medeiros Ferreira, Cinco Regimes na Política Internacional, Lisboa, Editorial Presença, 2006, p. 26. 133

António Leão de Aguiar Cardoso Correia e Silva, op. cit., 2007, p. 341.

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atlânticos e emitiu um parecer a informar que “pelo lado militar, sendo Lisboa a base natural e

conveniente das operações do Atlântico, não pode deixar de ligar directamente com Cabo Verde,

ponto de apoio importantíssimo para uma esquadra própria ou aliada que opere no S.E. e no S.W.

do Atlântico, sendo muito falíveis as ligações por cabo submarino, em caso de guerra134

.

Durante a Primeira Guerra Mundial, na qual Portugal esteve envolvido, é largamente

conhecida a importância atribuída às ilhas atlânticas, no qual o arquipélago de Cabo Verde era um

essencial ponto de reabastecimento de carvão. A Alemanha e a Inglaterra cobiçaram as ilhas cabo-

verdianas devido à sua posição estratégica valiosa. A Alemanha pretendia o domínio explícito do

Atlântico e tinha a percepção perfeita do interesse vital de Cabo Verde para os seus intentos de se

afirmar como potência europeia, pois, qualquer país que quisesse afirmar-se como potência tinha,

incontornavelmente, de deter na sua posse “a chave” dos transportes e comunicações através do

Atlântico.

Situado estrategicamente na rota dos acessos ao Mediterrâneo projectando-se para o Atlântico

Central e Sul, o arquipélago cabo-verdiano é vital como posto de transbordo e reabastecimento. Por

razões de "técnica náutica ou aeronáutica, por motivos de segurança ou ainda por imperativos

geopolíticos ou mesmo pelas exigências decorrentes da arquitectura mercantil a ligação comercial e

demográfica entre os grandes blocos civilizacionais e económicos peri-atlânticos e a localização do

arquipélago cabo-verdiano como escala náutica, como lugar de provimento de água e de víveres,

como ponto de descanso das tripulações, de reparação naval e de provimento de combustíveis, são

algumas das condições susceptíveis que tornam a posição geográfica de Cabo Verde, de excêntrica

e remota, a central e nodal”135

.

A posição geográfica de Cabo Verde “reservar-lhe-ia uma função importante como local de

ensaio, e sobretudo de relacionamento privilegiado entre povos e culturas diferentes”136

. Assim, a

localização geográfica de Cabo Verde converte-se num valor global.

2.4. CABO VERDE E OS CABOS SUBMARINOS

Uma das mais antigas, senão a primeira proposta feita ao Governo português para a imersão

de um cabo submarino, foi a do General inglês Wilde, a 30 de Maio de 1855, e referente a uma

linha de Portugal aos Açores e deste arquipélago para os EUA. Mais tarde, o pedido foi modificado,

134

Diário da Câmara dos Senhores Deputados, Acta de 15/07/1912, p. 16, cit. por António Leão de Aguiar Cardoso

Correia e Silva, op. cit., 2007, p. 341. 135

António Leão de Aguiar Cardoso Correia e Silva, op. cit., 2007, p. 353. 136

Artur Teodoro de Matos, op. cit., 1992, p. 85.

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41

sendo a linha projectada de Inglaterra a Portugal, devendo seguir para os Açores e Cabo Verde. Fez-

se a concepção, mas não foi levada à execução e, por isso, foi anulada a 1 de Junho de 1867137

.

Entretanto, continuavam as tentativas de ligar Portugal com a América do Sul. Foram

numerosas as propostas recebidas neste sentido pelo Governo de Portugal, mas nenhum chegou a

ter execução prática. Foi Jules Despecher, representante da companhia inglesa Companhia Falmout,

“que obteve, a 30 de Novembro de 1871, a concepção do cabo, ainda em plena e perfeita

exploração, mas pertencente à Western Telegraph Company, que ligava Portugal à Madeira, Cabo

Verde e Pernambuco (Brasil)”138

. Estavam, pois, obtidas as ligações telegráficas, por meio de cabos

submarinos, entre Portugal e a Inglaterra e Portugal com a Madeira, Cabo Verde e América Central.

Mais tarde, em 1874, uma subsidiária da Eastern Telegraph Company lançou um outro cabo

vital da «rede vermelha» que uniu a Inglaterra, à América do Sul. Cabo Verde passou a estar ligado

a Bathurst, estação intermédia no trajecto para a África do Sul. Em 1900, a ilha de São Vicente foi

ligada a Ascensão, escala numa linha directa para a Cidade do Cabo139

.

Finalmente, por contrato de 25 de Janeiro de 1906, foi “concedido à companhia Western

Telegraph e Eastern Telegraph o direito de estabelecer um cabo entre a ilha de São Vicente, em

Cabo Verde, e a Grã-Bretanha, com um ponto intermédio de marcação, que foi escolhido na ilha do

Faial, nos Açores”140

.

No final do século XIX, havia na cidade da Praia a estação telegráfica da Brazilian Submarine

Telegraph Company Limited, ligando-a à ilha de São Vicente, Guiné, São Tomé e aos Açores. Do

Porto Grande, na Cidade do Mindelo, partia um cabo submarino para a América do Sul. Outras,

como a African Direct Telegraph e a Western African Direct Telegraph, também ligavam os

continentes do Atlântico Sul através de Cabo Verde.

Na viragem para o século XX, a rede mundial de telegrafia submarina era já muito extensa e

competitiva, conservando Portugal no centro dos circuitos estratégicos das ligações transatlânticas.

No início de 1920, a companhia italiana ITALCABLE solicitou a Portugal a concessão de

cabos tocando nos Açores, em Lisboa e em Cabo Verde. Dois anos mais tarde, o Director Geral dos

Negócios Comerciais e Consulares entregou ao Ministério do Comércio e Comunicações as

condições especiais que julgava conveniente serem incluídas no processo relativo à amarração de

um cabo submarino na ilha de São Vicente.

As condições especiais eram as seguintes:

137

Paulo Benjamim Cabral, “Telegraphos”, in: Notas Sobre Portugal, vol. I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1908, p. 199. 138

Idem, p. 200. 139

António José Telo, op. cit., 1993, p. 169. 140

Paulo Benjamim Cabral, op. cit. p. 20.

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1) A concessão para a amarração de um cabo submarino em São Vicente poderia ter lugar

sem envolver qualquer exclusivo ou responsabilidade do Governo português;

2) A empresa concessionária pagaria, de uma só vez, ao Governo da província de Cabo

Verde e na sua Sede, após a concessão e como compensação desta, a quantia de 5.000 libras,

destinadas ao melhoramento do Porto de São Vicente;

3) As taxas de trânsito e terminais não poderiam ser inferiores às que eram cobradas às

outras empresas que amaram os seus cabos em São Vicente, ou que de futuro se vierem a

estabelecer;

4) As taxas de trânsito e terminais que forem estipuladas seriam integralmente e

trimestralmente pagas na seda da Província de Cabo Verde;

5) O Governo das Colónias fiscalizaria pelos meios que julgar mais convenientes e

necessário as receitas, na sede da empresa em São Vicente, dívidas à província que lhe seriam

creditadas mensalmente, como o número de palavras transitadas;

6) Os telegramas do Governo teriam a redução de 50% da tarifa ordinária;

7) O local para amarração do cabo seria fixado com audição prévia do Governo;

8) A empresa concessionária teria na ilha de São Vicente uma estação telegráfica com

empregados seus. Sendo possível, esta estação funcionaria na casa onde for a estação principal do

Governo, pagando a empresa a renda que se ajustar. Se nesta estação, porém, não houvesse

acomodações necessárias, a estação da empresa seria estabelecida em local aprovado pelo Governo.

Nesta última hipótese a empresa poderia ser obrigada a destinar, na sua estação, uma ou mais casas

destinadas aos empregados do Governo encarregados da recepção e distribuição dos telegramas,

pagando o Estado a renda que for convencionada. Se forem em edifício separados, as estações

telegráficas do Estado e da empresa, o Governo as poria em comunicação pelos meios mais

convenientes;

9) Se ao tempo em que começar a exploração do cabo da empresa não existir ainda, na

localidade, estação de Estado, o serviço de recepção e distribuição dos telegramas seria feito por

empregados da empresa pertencendo a esta, por este serviço, à respectiva taxa terminal;

10) Ao Governo ficaria o direito de tomar as medidas necessárias para fiscalizar a execução

das disposições que forem estabelecidas na concessão;

11) A empresa deveria ser obrigada a ter em Portugal um agente que a represente para todos

os efeitos e com o qual possa estar em relação141

.

141

Ofício 296/21, da Direcção Técnica do Fomento das Colónias, AHD, MNE, Piso 3, Maço 132, Armário 10.

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43

Em 1924, foi assinado o contrato, entre o Governo português e a Companhia Italiana de

Cabos Submarinos (ITALBACLE), “para a colocação de um cabo submarino italiano na ilha de São

Vicente, em Cabo Verde”142

. Um ano mais tarde, inaugurou-se a ligação, com cinco cabos.

Assim, ficaram ligados por cabos italianos os vértices do “triângulo estratégico Lisboa-

Açores-Cabo Verde” que só se encontravam ligados por cabos ingleses. Trata-se de um “caso muito

especial de concessão” solicitada em virtude da importância estratégica que é notório ligar-se ao

triângulo acima mencionado e por isso é que o Ministério do Comércio e das Comunicações “fez os

reparos aludidos”143

.

Em suma, o ponto mais importante da rede inglesa, a seguir aos Açores que têm um

significado estratégico especial, é Cabo Verde (São Vicente), “uma verdadeira placa giratória nas

comunicações para a África e América do Sul”144

. António José Telo, acrescenta que “nenhuma das

outras «encruzilhadas» na «rede vermelha» – Gibraltar, Malta, Suez, Áden (Iémen), Seicheles,

Maurícias, Ascensão, Singapura, Barbados (Caraíbas) – tem uma importância semelhante”145

.

2.5. A IMPORTÂNCIA DE CABO VERDE NA GUERRA HISPANO-AMERICANA (1898)

Talvez seja a declaração de neutralidade portuguesa por ocasião da Guerra Hispano-

americana ou Guerra de Cuba, em 1898, aquela que revela melhor a importância dos portos

atlânticos insulares nas relações luso-americanas146

. Com a declaração da neutralidade na referida

guerra, Cabo Verde e os Açores estavam no centro da decisão147

. O Porto Grande, em São Vicente,

serviu de precioso recurso para as esquadras das nações exclusivas do acesso ao Atlântico Austral e

Ocidental pelas cláusulas do Tratado de Tordesilhas. O movimento de redistribuição do mundo

atlântico, sob as cinzas do exclusivo ibérico, vai passar decisivamente por São Vicente148

.

A 20 de Abril de 1898, Ferreira Almeida, deputado regenerador e antigo membro da Marinha,

referindo-se à insuficiência de meios navais para assegurar o respeito, alertava para os perigos que

se levantariam para os portos portugueses de uma possível guerra entre Madrid e Washington.

Assim sendo, foram reforçados com artilharia os fortes de Lisboa e enviados navios de guerra para

Cabo Verde e Açores149

.

142

AHD, MNE, piso 3, Maço 132. 143

Ofício 296/21, da Direcção Técnica dos Fomento das Colónias, AHD, MNE, Piso 3, Maço 132, Armário 10. 144

António José Telo, op. cit. 1993, p. 181. 145

Idem, Ibidem. 146

José Medeiros Ferreira, “José Bruno Carreiro, o Almirante Dunn, e o Presidente Wilson: O Triângulo que Nunca

Existiu?”, in: Luís Nuno Rodrigues (Coord.), op. cit., 2008, p. 61. 147

Idem, Ibidem. 148

António Correia e Silva, op. cit., 1998, p. 26. 149

José Medeiros Ferreira, “José Bruno Carreiro, o Almirante Dunn, e o Presidente Wilson: O Triângulo que Nunca

Existiu?”, in: Luís Nuno Rodrigues (Coord.), op. cit., 2008, p. 62.

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44

No dia seguinte, 21 de Abril, foi a vez do deputado Teixeira de Sousa levantar o problema da

presença da força naval espanhola em Cabo Verde, numa interpelação dirigida ao Ministro da

Marinha, em que, ante a "gravidade dos perigos" que o facto encerrava, pedia explicações a Dias

Costa. Este “esquivou-se”, afirmando que ainda se vivia uma situação de paz e que o Governo

adoptaria as "providências que [fossem] impostas pelo bem do Estado", caso rompesse a guerra

entre os EUA e a Espanha150

.

Sérgio Campos Matos nota que, de acordo com o periódico Mala da Europa,"parece correr

com insistência que os Estados Unidos se mostram carrancudos connosco por causa da demora em

Cabo Verde da esquadra espanhola. Vamos, que querem de nós, os Estados Unidos? Cabo Verde?

Os Açores? No Pacífico as Filipinas e no Atlântico um arquipélago [...] uma ilha a menos que seja,

não nos parece mal. É melhor tomarem as Canárias. Tomarem a Portugal! [...] Que diria a

Inglaterra? Vamos! Se a guerra tem de se alargar, vamos a isso […]"151

.

Desde meados do mês de Abril de 1898, circulava na imprensa a ideia de que os navios de

Cervera fariam da ilha de São Vicente, em Cabo Verde, a base das suas operações contra a armada

norte-americana que bloqueava Cuba. A permanência da esquadra espanhola em Mindelo,

comandada pelo Almirante Cervera, causou a maior das perturbações no relacionamento entre

Portugal, Espanha e Estados Unidos152

. Segundo o jornal Açoriano Diário dos Açores, citado por

José Medeiros Ferreira, o Governo espanhol esperava reunir com as suas esquadras na ilha de São

Vicente, onde se abasteceriam de carvão, para rumar conjuntamente para a Cuba153

.

Relativamente a este assunto, no dia 27 de Abril, o Diário de Notícias publicou que o

Governo norte-americano notificara o seu congénere português "na conveniência de mandar retirar

de imediatamente a esquadra espanhola das águas de Cabo Verde, porque, quando isso não se desse,

o Governo dos Estados Unidos considerava Portugal como aliado de Espanha”154

.

Uma semana mais tarde, o periódico O Século fazia constar que McKinley, presidente dos

EUA, chamara o embaixador português em Washington “questionara-lhe” sobre o consentimento

que o Governo português concedera à esquadra de Cervera para que estacionasse em Cabo Verde.

No arquipélago, onde já se encontrava a esquadra espanhola, estavam estacionadas mais

canhoneiras: Diu e Rio Ave155

.

150

Diário de Notícias, 21/04/1898. 151

“A Guerra”, Mala da Europa, n.º 126, 6-VI-1898, cit. por Sérgio Campos Matos, “A Guerra Hispano-americana

(1898): Repercussões em Portugal”, em: http://ler.letras.up.pt (06/05/2010). 152

José Medeiros Ferreira, “José Bruno Carreiro, o Almirante Dunn, e o Presidente Wilson: O Triângulo que Nunca

Existiu?”, in: Luís Nuno Rodrigues (Coord.), op. cit., 2008, p. 61. 153

Idem, Ibidem. 154

Diário de Notícias, 27/04/1898. 155

“A guerra hispano-americana", 0 Século, n.º 5848, 24-IV-1898 e "Primeira vitória espanhola?", Idem, 5853, 29-IV-

1898, cit. por Sérgio Campos Matos, op. cit., em: http://ler.letras.up.pt (06/05/2010).

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45

Assim, concluímos que houve uma extraordinária relevância estratégica dos territórios

portugueses no Atlântico, sem esquecer as ilhas de Cabo Verde, onde se abasteceu a esquadra

espanhola, poucos dias antes de enfrentar a esquadra inimiga do almirante Sampson.

2.6. PROJECTO DE DEFESA DO PORTO GRANDE DA ILHA DE SÃO VICENTE (1898)

A 14 de Outubro de 1898, a Comissão Superior de Guerra, à qual foi presente o projecto de

defesa do Porto Grande da ilha de São Vicente, apresentou o resultado do estudo baseado somente

nas informações contidas no relatório e no parecer referentes ao projecto.

Subordinada a defesa a um plano baseado no princípio e nas combinações judiciosas e

práticas de uma organização defensiva completa, poderiam ser atribuídos a essa defesa os meios de

acção e ser executados os trabalhos mais urgentes à medida que o permitissem os recursos do país.

Elemento importante de uma tal organização seria “uma marinha de guerra apropriada às

necessidades coloniais e dotadas de condições defensiva e ofensivamente suficientes para a acção

que lhe fosse destinada e para a luta em que houvesse de tomar parte. De imprescindível dever, e de

verdadeiro interesse para a metrópole, era assegurar a defesa do seu tão invejado domínio

ultramarino. Não é a ilha de São Vicente digna de menção pela riqueza do seu solo; tem, porém,

considerável importância pela sua singular posição geográfica”156

.

As ilhas de Cabo Verde, avançadas no Oceano Atlântico, estão situadas na linha internacional

da navegação que liga o “Velho e o Novo Mundo”, e a ilha de São Vicente, uma das mais

ocidentais do arquipélago, oferece um grande porto de escala: “o primeiro porto de Portugal, no

movimento de navios”157

.

O Porto Grande da ilha de São Vicente, cuja defesa se refere ao projecto submetido ao exame

da Comissão Superior de Guerra, é formado por uma extensa baía numa pequena enseada situada na

cidade de Mindelo. Próximo do porto há algumas praias: a denominada Matiota é essencial a

desembarques. O mesmo não sucede na praia da Galé, esta e o resto da costa são bordadas de rocha

e o terreno de difícil percurso.

À vantagem da posição geográfica e às condições naturais do porto juntaram-se os meios de

abastecimento e os de comunicação telegráfica, reclamados pela exigente indústria de navegação.

Para abastecer os navios que demandavam havia junto à cidade três depósitos e mais distante, na

praia Galé, um quarto depósito de carvão. Na praia da Matiota, “amarram dois cabos telegráficos

submarinos da companhia Brasilian Telegraph, comunicando a Europa com a América e um cabo

156

Comissão Superior de Guerra, Projecto de defesa do Porto Grande da ilha de São Vicente, no Arquipélago de Cabo

Verde, Arquivo Histórico Militar (doravante AHM), 2.ª Divisão, 3.ª Secção, Pasta 2, p. 1. 157

AHM, 2.ª Divisão, 3.ª Secção, Pasta 2.

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da African ligando a Europa à rede africana”158

. Assim, o Porto Grande representou não só uma das

principais estações carvoeiras da navegação transatlântica, mas também uma das estações mais

importantes de telegrafia submarina, estabelecendo comunicação da Europa com as restantes partes

de mundo.

Úteis na paz, não eram de menos utilidade na guerra os recursos de que dispunha o portol,

como o conflito travado entre a Espanha e os Estados Unidos bem o demonstra.

“Não parece necessário aduzir mais considerações para fundamentar a necessidade de

proceder à defesa do Porto Grande da ilha de São Vicente”159

. De Acordo com a Comissão Superior

de Guerra, “para um porto como este que dispõe de importantes recursos e é frequentado por grande

número de embarcações mercantes e por navios de guerra de todas as nacionalidades,

suficientemente justificada a necessidade de nele haver os meios de fazer manter os regulamentos

policiais e de fazer respeitar a neutralidade, afirmada pelo país num dado conflito, entre potenciais

amigos. E não menos necessário, em caso de guerra, obstar a que o inimigo possa apoderar-se do

porto para aproveitar as vantagens que lhe adviriam dos recursos que possui”160

.

A Comissão de Cartografia do Ministério da Marinha procurou satisfazer quanto possível

esta necessidade, apresentado o projecto submetido ao exame da Comissão Superior de Guerra.

Nas relações preliminares do relatório que precedeu o mesmo projecto começaram os seus

autores por estabelecer que podiam ser adoptadas para a sua elaboração as seguintes hipóteses:

1) Colocar o Porto Grande ao abrigo de um ataque dirigido por uma poderosa esquadra em

que se compreendiam couraçados de 1.ª classe;

2) Defender o Porto Grande e a cidade de Mindelo contra a esquadra em que somente

entravam couraçados de segunda ordem ou simples cruzadores protegidos;

3) Impedir que se abastecessem nos depósitos de carvão e se servissem dos cabos

telegráficos, sem a necessária licença, navios de guerra não protegidos, mesmo isolados, e simples

embarcações mercantes161

.

Tendo “discriminado os diversos meios de ataque, que podiam ser empregues contra o porto,

no prosseguimento do seu estudo”162

os autores do projecto examinaram, de uma forma geral, os

elementos de defesa que havia de opor.

Relativamente à primeira hipótese, foi declarado no relatório que “não poderá ser atendida

sem o emprego de poderosos meios defensivos”163

. Para realizar uma defesa completa, de modo a

158

AHM, 2.ª Divisão, 3.ª Secção, Pasta 2. 159

AHM, 2.ª Divisão, 3.ª Secção, Pasta 2. 160

AHM, 2.ª Divisão, 3.ª Secção, Pasta 2. 161

Comissão Superior de Guerra, Projecto de defesa do Porto Grande da ilha de São Vicente, no Arquipélago de Cabo

Verde. AHM, 2.ª Divisão, 3.ª Secção, Pasta 2, p. 3. 162

Idem, Ibidem.

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colocar o Porto Grande ao abrigo de um ataque, dirigido por uma poderosa esquadra da composição

a que se refere a hipótese considerada, seria preciso “recorrer, além da defesa pelas operações das

tropas em campanha, à construção de importantes obras de fortificação e ao emprego de numerosa

artilharia e especialmente de dispendiosas bocas-de-fogo de grande calibre para tiro de perfuração e

para tiro curvo; seria necessário empregar defesas subaquáticas de flutuantes e por último

estabelecer os convenientes serviços de iluminação, exploração e informação que completam

aqueles meios de acção”164

.

À organização de uma tal defesa opunham-se considerações que não podiam ser

menosprezadas. Seria esta organização, como afirmou a comissão das fortificações do reino,

“certamente uma aspiração perfeitamente justificável, se acaso a organização defensiva do reino se

achasse em via de acabamento, e dentro dos nossos recursos financeiros coubessem as verbas

consideráveis despender, para se poderem levar a cabo os poderosos meios de acção que seriam

necessários”165

.

A Comissão Superior de Guerra reconheceu o interesse que “sob o ponto de vista político,

estratégico e comercial merece o Porto Grande e sente aspiração igual à da comissão do reino, mas

também como esta comissão julga dever ter em atenção as circunstâncias financeiras do país e

entende que a defesa de Lisboa é de importância primordial e com ela a defesa do reino são as

principais garantias do seu domínio ultramarino pela sua importância e urgência […]”166

.

Na impossibilidade económica de ser executada a organização defensiva do Porto Grande, em

harmonia com as exigências de uma defesa completa, a comissão de cartografia do Ministro da

Marinha procurou estudar a defesa do porto, tendo em vista os meios de ataque compreendidos nas

duas últimas hipóteses que lhe afiguravam traçados pelas circunstâncias financeiras do país.

O sistema defensivo deste projecto consistiu em “estabelecer a defesa da entrada do porto

duas baterias”, cada uma com “três bocas-de-fogo de tiro rápido de 15 cm e 40 calibres de

comprimento, respectivamente, na ponta do Morro Branco e nas proximidades do Tarrafinho,

extremos a baía e distantes um do outro cerca de 3 mil metros”167

.

Segundo o mesmo autor, para a defesa interior do porto e com o fim de evitar operações de

desembarque era necessário “abater navios protegidos e conter em respeito embarcações

mercantes”. Propunha-se “a execução de duas outras baterias cada uma a três peças de tiro rápido

de 75 milímetros e 40 calibres de comprimento, situada à distância de 1 km aproximadamente, nas

163

Idem, Ibidem. 164

AHM, 2ª Divisão, 3.ª Secção, Pasta 2, 165

AHM, 2.ª Divisão, 3.ª Secção, Pasta 2. 166

AHM, 2.ª Divisão, 3.ª Secção, Pasta 2. 167

AHM, 2.ª Divisão, 3.ª Secção, Pasta 2.

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alturas do Forte Velho e do Fortim d´El-Rei que constituíam os extremos da enseada interior da

cidade do Mindelo”168

.

Cintando o relatório, as condições das baterias propostas eram “de excelente cota” e os navios

de ataque queriam manter-se distante delas. Para dirigirem os seus fogos com mais segurança

teriam de “estacionar no canal entre a ilha de São Vicente e a de Santo Antão”, o que tornaria os

seus tiros mais incertos devido às correntes que aí existem e dos fortes ventos que se faz sentir”169

.

De acordo com os autores do projecto, “só por uma imperiosa necessidade se balançaria a

forçar a entrada de um porto, defendido conforme o sistema proposto, tendo por isso de se colocar

sob os fogos da sua bateria”. Para tomar posse dos depósitos de carvão e da estação telegráfica que

existiam no Porto Grande julgavam mais prováveis “os golpes de mão” que podiam ser

realizados”170

.

Finalmente, considerando que o projecto representava “um mínimo de trabalhos” a efectuar

para a defesa do Porto Grande, terminou o seu parecer acerca do mesmo projecto, julgando-o no

caso de ser aprovado. A Comissão Superior de Guerra não pôde deixar de reconhecer o ponto de

vista prático das considerações feitas pela comissão de cartografia do Ministério da Marinha e pela

comissão das fortificações do reino e estava convencida de que “o projecto de defesa completa teria

que ser consideravelmente reduzido, em presença das dificuldades financeiras do país”171

. Entendeu

que a execução do sistema proposto, conveniente para aprovar a intenção firme de não consentir

violação alguma do direito e domínio português, seria útil e eficaz para evitar ou repelir, na maioria

dos casos, “um golpe de mão”.

A conclusão do parecer da comissão das fortificações do reino reconheceu como mais urgente

“a construção e artilharia das baterias para as bocas-de-fogo de 75 mm, destinadas à defesa interior

do porto”172

. Ainda considerou “o sistema do projecto como um mínimo de meios a empregar e de

trabalhos a executar para a organização defensiva do Porto Grande da ilha de São Vicente do

arquipélago de Cabo Verde”173

.

168

Comissão Superior de Guerra, Projecto de defesa do Porto Grande da ilha de São Vicente, no Arquipélago de Cabo

Verde, AHM, 2.ª Divisão, 3.ª Secção, Pasta 2, p. 4. 169

Comissão Superior de Guerra, Projecto de defesa do Porto Grande da ilha de São Vicente, no Arquipélago de Cabo

Verde. AHM, 2.ª Divisão, 3.ª Secção, Pasta 2, p. 4. 170

AHM, 2.ª Divisão, 3.ª Secção, Pasta 2. 171

AHM, 2.ª Divisão, 3.ª Secção, Pasta 2. 172

Comissão Superior de Guerra, Projecto de defesa do Porto Grande da ilha de São Vicente, no Arquipélago de Cabo

Verde. AHM, 2.ª Divisão, 3.ª Secção, Pasta 2, p. 4. 173

Comissão Superior de Guerra, Projecto de defesa do Porto Grande da ilha de São Vicente, no Arquipélago de Cabo

Verde. AHM, 2.ª Divisão, 3.ª Secção, Pasta 2, p. 4.

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CAPÍTULO III: PORTUGAL E A

SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

“Felizmente os deveres da nossa aliança com a Inglaterra,

que não queremos eximir-nos a confirmar em momento tão grave,

não nos obrigam a abandonar nesta emergência a situação de neutralidade”.

(Oliveira Salazar)174

174

António de Oliveira Salazar, Discursos e Notas Políticas 1938-1943, Vol. III, 2ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora,

p. 174.

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Adildo Soares Gomes Capítulo III: Portugal e a Segunda Guerra Mundial

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3.1. A NEUTRALIDADE COMO INSTRUMENTO DE PAZ E SALVAGUARDA DA

SOBERANIA NACIONAL

Com a invasão da Polónia por parte da Alemanha, a 1 de Setembro de 1939, deu-se o início

da Segunda Guerra Mundial. Neste mesmo dia, Salazar, num discurso dirigido ao país, disse que

“felizmente os deveres da nossa aliança com a Inglaterra, que não queremos eximir-nos a confirmar

em momento tão grave, não nos obrigam a abandonar nesta emergência a situação de

neutralidade”175

, declarando assim a neutralidade portuguesa perante o conflito. A manutenção do

estatuto de neutralidade era o principal objectivo político-estratégico de Salazar durante o decorrer

do conflito.

A rapidez com que Salazar anunciou a neutralidade de Portugal, os interesses que esta

anunciação envolveu, a quem serviu e como foi utilizada no decorrer do conflito, consoante pendia

o domínio de um dos dois blocos beligerantes, passando pela “neutralidade colaborante” associada à

cedência das pretensões do Reino Unido na concessão de facilidades nos Açores, leva-nos a

percorrer toda a política interna e externa do Governo português durante os seis anos de Guerra.

Em primeiro lugar, a neutralidade como um dever da aliança portuguesa com o Governo

britânico leva-nos a incluir Portugal na esfera dos interesses estratégicos da Inglaterra e a

neutralidade no quadro da aliança luso-britânica. Lisboa queria seguir com Londres a neutralidade

mais benevolente possível, mas desde que essa situação parecesse ser de maior vantagem mútua e

essa garantia foi dada pela Inglaterra176

. Em segundo lugar, a rapidez da declaração de Salazar,

antecipando-se à tomada de decisão de Franco, teve como objectivo “arrastar” a Espanha para a

neutralidade, aproveitando o facto de Madrid estar esgotada e debilitada em resultado de três anos

de Guerra Civil. Assim, objectivou-se o interesse comum dos dois países da aliança: a neutralidade

da Península Ibérica. Salazar salvaguardou a paz, alcançou a neutralidade e manteve a velha aliança

luso-britânica.

Como notou Luís Nuno Rodrigues, a independência nacional, a integridade do país no seu

todo pluricontinental e a manutenção do regime e das instituições vigentes eram os três objectivos

fundamentais de Portugal durante a Segunda Guerra Mundial177

. A tomada de posição tão rápida da

neutralidade portuguesa perante a deflagração da guerra foi previamente estudada e analisada pelos

Governos de Londres e Lisboa, em 1939.

175

Diário de Notícias, 2 de Setembro de 1939. 176

Ministério dos Negócios Estrangeiros, Dez Anos de Política Externa (1936-1947) – A Nação Portuguesa e a

Segunda Guerra Mundial (doravante DAPE), vol. X, imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, p. 294-296. 177

Luís Nuno Rodrigues, No Coração do Atlântico: Os Estados Unidos e os Açores (1939-1949), Lisboa, Prefácio,

2005, p. 14.

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Adildo Soares Gomes Capítulo III: Portugal e a Segunda Guerra Mundial

51

Apesar de Portugal e Espanha terem assinado o Pacto Ibérico178

e declarado a neutralidade

logo após a eclosão do conflito, era latente a instabilidade em Espanha e a hipótese de Madrid se

inclinar para o lado do Eixo. Neste contexto de incerteza, Lisboa e Londres receavam que Espanha

não resistisse às pressões de Hitler, permitindo que este atravessasse o seu território, e daí invadir

Gibraltar e Portugal. Assim, Portugal ao “dar as mãos” aos dois países historicamente antagónicos

(Grã-Bretanha e Espanha) criou um equilíbrio insólito do ponto de vista da História destes três

países, vislumbrando-se aqui uma outra perspectiva da neutralidade portuguesa.

Numa conversa com o Secretário-Geral, o embaixador inglês reconheceu que caso Portugal

mantivesse a Espanha neutral em caso de guerra era “o melhor serviço que podia prestar”179

ao

Governo Inglês. Numa carta enviada ao embaixador Armindo Monteiro, Salazar escreveu que

queria seguir com a Inglaterra a neutralidade mais benevolente possível, mas desde que tal situação

fosse de vantagem mútua e julgava que “só devia comprometer por necessidade imperiosa da

aliança, e não questões secundárias, que ela pudesse resolver por outros meios”180

.

Assim sendo, não há quaisquer dúvidas de que a neutralidade portuguesa, na Segunda Guerra

Mundial, correspondeu aos interesses estratégicos da Grã-Bretanha. Esta neutralidade era encarada

pela Inglaterra “como o elemento central de um desígnio mais vasto que era a neutralização da

Península Ibérica”181

.

As relações luso-britânicas durante a II GM são pautadas por uma série de conflitos centrados

essencialmente em cinco tipos de problemas principais: (i) os rigores do bloqueio britânico; (ii) a

definição das condições em que Portugal face a um ataque alemão à península devia abandonar a

neutralidade; (iii) Governo retirar-se para os Açores; (iv) o consequente plano de destruições a

178

Apesar de inicialmente o conflito estar circunscrito à Europa central, Portugal apresenta-se como um país periférico.

É com Espanha a sua única fronteira terrestre que tinha de se afirmar para salvaguardar a paz e estabelecer um

relacionamento estreito de forma a preservá-la. Foi com o intuito de salvaguardar a neutralidade que foi assinado a 17

de Março de 1939 com a junta de Burgos, liderada por Franco, o Tratado de Amizade e Não Agressão Luso-Espanhol,

também designado por Pacto Ibérico. Foi desenvolvido enorme esforço diplomático entre Lisboa-Madrid-Londres e do

qual resultou, a 29 Julho de 1940, o aditamento do Protocolo Adicional ao Pacto de Amizade e Não Agressão, onde se

reitera a declaração conjunta de neutralidade estrita pelo prazo estabelecido de cinco anos, prazo durante o qual, o

tratado foi respeitado entre os dois “irmãos ibéricos”. É de realçar que este protocolo foi concretizado com o acordo da

Inglaterra. Foi mais uma estratégia da Inglaterra para manter a península fora do conflito.A parte relevante do Protocolo

Adicional diz que “os dois Governos se obrigam a consertar entre si acerca dos melhores meios de salvaguardar quanto

possível os seus mútuos interesses, sempre que se prevejam ou verifiquem factos que pela sua natureza possam

comprometer a inviolabilidade dos respectivos territórios metropolitanos ou constituir perigo para a segurança e

independência de uma ou outra das duas partes” (AHD). Este Protocolo Adicional vinha obrigar os dois Estados a um

processo de consultas mútuas sempre que previssem ou ocorressem factos que pela natureza pudessem comprometer a

inviolabilidade dos seus respectivos territórios metropolitanos ou constituir perigo para a segurança ou independência

de uma ou de outra das partes. 179

DAPE, vol. II p. 489 e vol. VI, p. 6-7. 180

Idem, vol. VI, p. 25. 181

Luís Nuno Rodrigues, op. cit., 2005, p. 15.

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Adildo Soares Gomes Capítulo III: Portugal e a Segunda Guerra Mundial

52

realizar em caso de ocupação estrangeira; (v) a questão do volfrâmio”182

. Quando a Inglaterra se

apercebeu-se da inevitabilidade da vitória de Franco e na força adquirida pela Alemanha e pela

Itália no seio da Espanha nacionalista, Portugal reassumiu um papel estratégico vital para a política

internacional britânica que antecedeu e preparou o conflito. Salazar tornava-se o pivot da

neutralização no espaço peninsular, o garante de Gibraltar, do mediterrâneo e das ilhas atlânticas183

.

Foram relações de altos e baixos.

Conquanto, durante uma grande parte do conflito “a neutralidade portuguesa serviu os

interesses da Alemanha”, que acabou por beneficiar de “inegáveis vantagens”. Foi através de

Portugal que a Alemanha recebeu alguns produtos fundamentais, tais como o “petróleo americano e

os seus derivados”, “fosfato do Norte da África, várias matérias-primas coloniais” e o volfrâmio184

.

Depois do colapso da França, o comércio entre Portugal e Alemanha aumentou consideravelmente e

Salazar ampliou muito a disponibilidade portuguesa185

.

Assim sendo, a neutralidade portuguesa foi vantajosa, quer para o país, quer para os Aliados,

quer para os do Eixo. Durante o conflito, no contexto internacional, Salazar utilizou a seu favor um

conjunto de elementos que lhe permitiram obter vantagem acima do seu peso e força relativa186

. A

transformação de Lisboa numa espionagem de guerra foi uma outra facilidade que Salazar soube

estender ao Eixo e aos Aliados, como contributo para a aceitação mútua da neutralidade

portuguesa187

.

Contudo, a lógica da neutralidade portuguesa também decorreu da sua capacidade financeira,

longe de satisfazer as necessidades mínimas que o esforço de guerra envolveria, como também “não

é de excluir que entre os vários factores esteja até a própria capacidade militar do sistema de defesa

português da altura”188

, cuja debilidade foi referida “sem cabeça e sem membros” num relatório

apresentado em 1939 pelo Major-General Morais Sarmento189

. Sobre este assunto, a Legação dos

EUA em Lisboa disse que a preparação militar de Portugal e o seu equipamento eram

“negligenciáveis”, que o Exército e a Polícia eram suficientes para a manutenção da ordem interna,

mas “para pouco mais serviam”190

. No que ainda diz respeito à situação militar português, o

182

Júlia Leitão de Barros, “Anglofonia e a Germanofolia em Portugal Durante a Segunda Guerra Mundial”, in: AAVV,

Portugal na Segunda Guerra Mundial, Contributos para uma Reavaliação, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989, p.

94. 183

Idem, ibidem. 184

Luís Nuno Rodrigues, op. cit., 2005, p. 16. 185

José Freire Antunes, Roosevelt, Churchill e Salazar, A Luta Pelos Açores 1941-1945, Madrid, Ediclube, 1995, p. 21. 186

António José Telo, “Os Açores e a neutralidade portuguesa na 2.ª Guerra Mundial”, in: Os Açores e a Segunda

Guerra Mundial, Angra do Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura (IAC), 2007, p. 17. 187

José Freire Antunes, op. cit.,, 1995, p. 25. 188

José Medeiros Ferreira, O Comportamento Político dos Militares – Força Armadas e Regimes Políticos em Portugal

no Século XX, Lisboa, Estampa, 2.ª Edição, p. 204. 189

Idem, ibidem. 190

José Medeiros Ferreira, Cinco Regimes na Política Internacional, Lisboa, Editorial Presença, 2006, p. 69.

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Adildo Soares Gomes Capítulo III: Portugal e a Segunda Guerra Mundial

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General Humberto Delgado, numa carta dirigida ao Ministro da Guerra, Fernando Santos Costa,

escreveu que lamentava “imenso ver o país tão partido, que estava como em 1808,

(desgraçadamente) e o próprio exército”, o que era “lamentável”191

. Timor era o rosto deste “país

partido”, ou seja, da ausência do factor militar para manter a soberania.

Até aqui, analisámos a neutralidade portuguesa, contextualizando-a no país real à data do

início do conflito e como resolveu e correspondeu aos interesses e desígnios do país, mas também

como correspondeu ao interesse estratégico e serviu o mais alto desígnio Inglês.

Salazar escreveu a Teotónio Pereira, embaixador de Portugal em Madrid, a dizer que a guerra

parecia-lhe “ter extensão demasiada” e quanto a Portugal, os motivos de preocupação tinham

aumentado – no Extremo Oriente e no Atlântico –, não sabendo se os maiores perigos nos viriam

dos “nossos amigos ou se daqueles que os nossos amigos têm como inimigos”192

. Em Macau e

Timor, a situação era, em virtude do alargamento e formas do conflito, bastante difícil”193

. Qualquer

agressão inimiga ao território ou soberania de Portugal advinha de ambos os grupos beligerantes.

Salazar viu que a “neutralidade estava a expirar”, admitiu que tal ocorrência pudesse constituir um

precedente e que o arquipélago dos Açores era a região do país que se seguia e quiçá Cabo

Verde194

. Uma vez que a orientação do ataque dos Alemães era desde o início dirigido pelo

mediterrâneo.

Perante a ocorrência da invasão de Timor e pelo litígio que o volfrâmio provocou, Salazar

“mudou o tom” e depois de discurso perante os Aliados, (agora “aliados democráticos”), e com

receio de que a política externa portuguesa tomasse outros rumos.

Se Portugal participasse ao lado dos Aliados atrairia a hostilidade da potência continental (a

Alemanha) com a possível consequência a invasão do território continental metropolitano por parte

de alemães e espanhóis; apoiar o Eixo significaria potenciar às potências marítimas, (EUA e a

Inglaterra) o ensejo de ocupar e dominar os arquipélagos dos Açores e de Cabo Verde e as posições

costeiras do Atlântico195

. Sobre este assunto, o General Humberto Delgado notou que “na verdade,

entre o factor geográfico – o primeiro dominador da política internacional através da história, o que

nos fez sempre passar maus bocados quando o atropelámos (factor que nos aproxima da Inglaterra)

e o factor político interno de momento, semelhança de regimes, (que nos puxa para o Eixo)” fazia-o

191

Manuel Braga Cruz, Correspondência de Santos Costa, 1936-1982, Verbo, 2004, p. 162. 192

Salazar refere às forças do Eixo não como nosso inimigo, mas sim “aqueles que os nossos amigos têm como

inimigos”. 193

DAPE, vol. X, p. 284. 194

Luís Nuno Rodrigues, op. cit.,, 2005, p. 20. 195

José Freire Antunes, Roosevelt, Churchill e Salazar; A Luta Pelos Açores 1941-1945, Madrid, Ediclube, 1995, p. 17.

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“inclinar a querer” que uma vitória retumbante do Eixo podia trazer desgraças para um país que é

atlântico como é Portugal”196

.

Assim, a posição estratégico-militar de Portugal constituía um factor dilemático,

aconselhando a neutralidade197

. Portugal, durante a Segunda Guerra Mundial, manteve uma

neutralidade duplamente permitida pelos Aliados e pelo Eixo198

. Salazar soube explorar a

complexidade geográfica deste “Portugal mediterrâneo por natureza e Atlântico por posição”199

,

quer no seu espaço europeu e das colónias, quer na África, quer na Ásia, para prosseguir os

objectivos da sobrevivência nacional e da salvaguarda territorial200

.

Durante 1941-1942, a neutralidade portuguesa baseou-se em três factores: (i) lealdade de

princípios à aliança luso-inglesa e a aceitação do mínimo dos mínimos, que seria o apoio de

Churchill em caso de ataque de Hitler; (ii) satisfação dos interesses de Hitler, mas bloqueio à

entrada inglesa nas ilhas atlânticas; (iii) repúdio de qualquer compromisso político com

Roosevelt201

.

Em suma, a neutralidade portuguesa divide-se em três fases: (i) a primeira ocorreu desde o

início do conflito até à conquista da França por parte da Alemanha, de 19 de Setembro a Junho de

1940. A supremacia do Eixo era clara; (ii) a segunda sucedeu entre Junho de 1940 a Junho de 1941.

Segundo António José Telo, este foi o período de maior perigo para a neutralidade portuguesa, pois

a Alemanha se sentia “tentada a investir numa estratégia marítima” e elaborou planos para dominar

as ilhas atlânticas portuguesas202

; (iii) a última decorreu quando o conflito se tornou mundial com a

invasão a Rússia por parte da Alemanha e a Ocupação do Norte da África por parte dos Aliados, ou

seja entre Junho de 1941 e Maio de 1943203

. Nesta fase, a Alemanha já não pretendia ocupar as ilhas

atlânticas portuguesas.

Na nossa modesta opinião, a neutralidade portuguesa não pode ser globalmente entendida fora

do quadro da aliança luso-britânica, pois esta correspondeu ao próprio interesse estratégico de

ambos os países. Para Portugal, representou a garantia da paz, da soberania e do império. Enquanto

para a Inglaterra, a defesa das rotas do atlântico – “a Inglaterra precisava do Atlântico, não da

Europa” – era essencial para manter a hegemonia económica que o império sustentava, bem como

196

Manuel Braga Cruz, op. cit., p. 162. 197

Maria Carrilho, “Política de Defesa e de Rearmamento”, in: Portugal na Segunda Guerra Mundial, Contributos

para uma Reavaliação, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989, p. 20. 198

José Freire Antunes, Salazar e Caetano, Cartas Secretas 1932-1968, Difusão Cultural, 1994, p. 45. 199

Pequito Rebelo, cit. por Orlando Ribeiro, Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, Livraria Sá da Costa Editora,

1991, p. 39. 200

José Freire Antunes, op. cit.,, 1994, p. 45. 201

José Freire Antunes, op. cit.,, 1995, p. 66. 202

António José Telo, “Os Açores e a neutralidade portuguesa na 2.ª Guerra Mundial”, in: Os Açores e a Segunda

Guerra Mundial, Angra do Heroísmo, IAC, 2007, p. 23. 203

Idem, p. 28.

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Adildo Soares Gomes Capítulo III: Portugal e a Segunda Guerra Mundial

55

indispensáveis na luta contra as forças do Eixo travadas necessariamente pelo mediterrâneo,

determinada pelo bloqueio do Norte da Europa continental.

Estamos convictos que, acima de tudo, o comportamento neutral de Portugal se deveu a

muitos factores. Foi motivado não apenas pelo seu posicionamento político e ideológico face ao

conflito, mas também por uma conjugação variável de tradições históricas (a aliança luso-inglesa),

factores domésticos ou internos (volfrâmio) e por peculiares definições do “interesse estratégico

nacional” do país (soberania e integridade do império).

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CAPÍTULO IV: CABO VERDE E A

SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

“The Cape Verde Islands are only 7 hours' distance from Brazil by bomber

or troop-carrying planes. They dominate shipping routes to and from the

South Atlantic”. (Franklin D. Roosevelt)204

204

Discurso do Presidente norte-americano, Roosevelt, a 29 de Maio de 1941, em: http://www.ibiblio.org/pha/7-2-

188/188-26.html.

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Adildo Soares Gomes Capítulo IV: Cabo Verde e a Segunda Guerra Mundial

57

4.1. A IMPORTÂNCIA GEOESTRATÉGICA DE CABO VERDE NA POLÍTICA EXTERNA PORTUGUESA

(1939-1945)

Como já referimos, o interesse dos Estados Unidos da América e da Inglaterra pelas ilhas

portuguesas do Atlântico vinha de longa data. Durante a Segunda Guerra Mundial, a administração

Roosevelt manifestou apreensão pelo que pudesse vir a acontecer ao arquipélago de Cabo Verde, o

que explica o facto do Governo de Oliveira Salazar ter podido contar com o seu auxílio, caso fosse

necessário.

É o que podemos constatar quando, a 18 de Junho de 1940, Bianchi, embaixador de Portugal

em Washington, escreveu o seguinte: “[…] fazer saber a Oliveira Salazar o alto interesse dos

Estados Unidos da América pela situação das ilhas pertencentes a Portugal e pedir ao Governo

português que comunique ao seu congénere norte-americano qualquer suspeita de facto ou

circunstância que possa afectar. A qualquer informação deste género dará o Governo dos Estados

Unidos a mais imediata e séria consideração […]”205

.

Do ponto de vista dos EUA, a estratégia não só é imediatamente compreensível como

perfeitamente justificada. Tanto mais quanto, se tivermos em atenção a sua posição nos Açores e a

conjugação das magníficas potencialidades da rede natural de Portos de Cabo Verde, logo nos

percebemos do sentido e da importância de uma possível linha de defesa e segurança que importa

aos EUA instituir e garantir.

Este interesse por parte dos EUA em Cabo Verde tinha a ver, fundamentalmente, com a

defesa e integridade do seu território, devido ao expansionismo alemão. Era neste contexto que

Cabo Verde e os Açores desempenham um papel primordial na política externa portuguesa durante

o conflito206

.

Roosevelt reconheceu este facto quando se referiu às ilhas Atlânticas no seu discurso de 29 de

Dezembro de 1940, proclamando a existência de um estado de emergência nacional ilimitado e

delineando a política dos Estados Unidos face aos desenvolvimentos da situação mundial. O

Presidente norte-americano comunicou que o programa de ajuda do seu Governo às democracias

“had been based on a hard-headed concern for our own security and for the kind of safe on a

civilised world in which we want to live” e que os alemães não poderiam atingir os seus objectivos

de dominação mundial “unless they first obtain control of the seas”. Referiu-se ainda à Batalha do

Atlântico, dizendo que “the rate of nazi sinkings of merchant shimps was more than three times as

205

Telegrama do Ministro de Portugal em Washington ao Ministro dos Negócios Estrangeiro, em DAPE, p. 270. 206

Telegrama do Ministro dos Negócios Estrangeiros ao Ministro de Portugal em Washington, em DAPE, vol. VII, p.

285-287.

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Adildo Soares Gomes Capítulo IV: Cabo Verde e a Segunda Guerra Mundial

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high as the capacity of British Shipyards to replace those ships; the rate was more than twice the

combined British and American output of merchant ships at that time […]”207

.

Referindo um trecho publicado por Lippman, Roosevelt expressou que “devemos perguntar-

nos se não será preciso declarar que as ilhas do Atlântico estão incluídas no Acto de Havana, na

Doutrina Monroe208

e na necessidade de defesa do hemisfério como fundamento de que é mais

seguro impedir que caiam nas mãos dos agressores do que emendar consequências quando já

tiverem caído”209

. É notório a preocupação não só por parte de Governo norte-americano, como

também da sua opinião pública, com a importância dos arquipélagos portugueses no Atlântico para

a defesa do território norte-americano.

O arquipélago de Cabo Verde constituía uma peça fundamental na defesa avançada dos

Estados Unidos e não só. Tanto era assim que a nação norte-americana ver-se-ia forçada a “[…]

estender o seu manto protector da Doutrina Monroe até e aos Açores”210

, mas também a Cabo

Verde, caso a Espanha e Portugal fossem invadidos pelos nazis. Claramente, o que aqui está

implícito é a preocupação do Governo de Roosevelt pelo destino dos mares, imprescindível às

potências marítimas da altura, como era o caso dos Estados Unidos e da Inglaterra.

Sobre este assunto, o embaixador de Portugal em Londres, Armindo Monteiro, escreveu a

Oliveira Salazar a informar-lhe que “a linha geral da política dos Estados Unidos não nos deixa

olhar com optimismo para o problema da defesa dos Açores e de Cabo Verde – sobretudo tendo em

conta o facto, confirmado por longa experiência, de que para as grandes nações, quando os seus

interesses entram em jogo, pouco são ou pouco representam os direitos, mesmo velhos e bem

fundamentados, dos povos fracos”211

.

Daí a necessidade de proteger as ilhas de Cabo Verde e as açorianas, a fim de tentar evitar

qualquer ocupação por parte da Alemanha e salvaguardar qualquer pretexto dos Estados Unidos e

da Inglaterra para ocuparem o arquipélago cabo-verdiano e/ou dos Açores. Sabendo que fazia parte

dos planos de guerra da administração Roosevelt a ocupação pela força dos dois arquipélagos acima

referidos se tal fosse necessário, Salazar estaria disposto a resistir a qualquer agressão212

.

207

Discurso de Roosevelt, a 29 de Dezembro de 1940, em: http://www.ibiblio.org/pha/paw/193.html. (27/01/2010). 208

A Doutrina Monroe foi elaborada em 1823 e inspirada pelo Secretário de Estado John Quincy Adams, assinala a

americanização da política externa dos EUA e postula a ideia de que o Hemisfério ocidental seria uma área

essencialmente aberta à influência económica e ao controlo político dos EUA, negando às potências Europeias o direito

de interferência nos seus assuntos. 209

Telegrama do Embaixador de Portugal em Londres ao Ministros dos Negócios Estrangeiros, em DAPE, vol. VII, p.

539-540. 210

Ofício do Ministro de Portugal a Washington ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em DAPE, vol, VIII, p. 31. 211

Telegrama do Embaixador de Portugal em Londres ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, em DAPE, vol. VIII, p.

297. 212

Telegrama do Ministério dos Negócios Estrangeiros ao Ministro de Portugal em Washington, DAPE, vol. VIII, p.

291.

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Adildo Soares Gomes Capítulo IV: Cabo Verde e a Segunda Guerra Mundial

59

O interesse dos EUA pelos arquipélagos portugueses do Atlântico era grande, existindo

planos estratégicos específicos para os ocupar se a conjuntura internacional assim o exigisse. As

referências à ocupação de Cabo Verde nos EUA continuavam a ser o pretexto, como já exposto:

assegurar a defesa dos Estados Unidos e garantir o acesso à África, e ao Atlântico Sul.

Relativamente a este assunto, o Senador Wheeler deu a entender que a sua opinião sobre a

medida diferiria conforme ela fosse puramente defensiva ou ofensiva e, mostrando não acreditar no

aspecto defensivo, “declarou em atitude crítica que não passará antes que estejamos ocupando

Dacar, os Açores e Cabo Verde”213

. O Senador Pepper proferiu “esperar que os EUA estivessem

prontos a ocupar os Açores, Cabo Verde, Madeira e as Canárias se o Presidente encontrar os provas

de que Hitler se preparava para as ir tomar, pois sabemos que ele só os tomaria para fins

agressivos”214

. Pois “estavam numa categoria nacional e geográfica diferente”215

.

Ainda sobre os discursos de Roosevelt, no dia 27 de Maio de 1941 o Presidente norte-

americano aludiu aos Açores e a Cabo Verde como sendo essenciais para a defesa dos Estados

Unidos e da América do Sul.

Foram várias as correspondências e encontros entre o Governo norte-americano e o brasileiro

sobre a defesa das ilhas de Cabo Verde e a importância do arquipélago na defesa do Atlântico Sul.

Os contactos entre os dois chefes de Estado descrevem que os Estados Unidos estava “seriamente

preocupado” com o que poderia vir a acontecer em Portugal, mais concretamente nas ilhas

Atlânticas216

.

O Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Oswaldo Aranha, afirmou que “o Brasil tem

um interesse primordial na manutenção da integridade do Império Ultramarino Português,

sobretudo em África. Devido à expansão atlântica do Brasil, não convém que as costas portuguesas

de África mudem de mãos. Não se trata, como se vê, de razões sentimentais. A nossa liberdade,

presente e futura, funda-se em razões políticas”217

. Assim, para a salvaguarda do seu território face

a uma invasão por parte da Alemanha, ao Brasil interessava que Portugal preservasse as ilhas

atlânticas, nomeadamente o arquipélago de Cabo Verde que fica a poucas horas de voo de Natal.

Num telegrama que Bianchi endereçou a Oliveira Salazar, no dia 11 de Junho de 1941, o

embaixador português notou que o seu homologo brasileiro em Washington, Carlos Martins, lhe

213

Telegrama do Ministro de Portugal em Washington ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, em DAPE, vol. IX, p.

43. 214

Idem, Ibidem. 215

Distinção feita entre a ocupação da Islândia, e Gronelândia e a ocupação de Cabo Verde e dos Açores, pelo Senador

George, Presidente da Comissão dos Negócios Estrangeiros do EUA, ver telegrama de Bianchi a Oliveira Salazar, em

DAPE, vol. IX, p. 43. 216

Telegrama de Bianchi a Oliveira Salazar, em DAPE, vol. VIII, p. 536-537. 217

Relato de algumas conversas do Sr. Dr. Augusto de Castro, como membro da embaixada especial portuguesa, em

Julho e Agosto de 1941, como o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Dr. Oswaldo Aranha, em DAPE, vol. IX,

p. 205.

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entregou “uma interessante declaração confidencial de que o Presidente Roosevelt, em conversa

com ele sobre o perigo alemão e referindo-se sempre a Dacar, Açores, Cabo Verde e Natal e outros

pontos da costa do Brasil, sugeriu a conveniência de tentar um acordo com Portugal, contando para

isso com a influência do Brasil”218

.

Ainda, de acordo com a mesma carta, “o embaixador Carlos Martins disse a Roosevelt

categoricamente que o Governo brasileiro só poderia entrever tais propostas se a iniciativa partisse

do Governo português, mas nunca dar-lhe iniciativa”219

. Segundo Oswaldo Aranha, “os Açores e

Cabo Verde são as fronteiras comuns entre o Brasil e Portugal, e não fronteiras com os Estados

Unidos da América. A sua segurança e a integridade portuguesa são problemas luso-brasileiros”220

.

Como já mencionamos, o arquipélago de Cabo Verde, assim como os Açores, era de grande

importância para os EUA, como constata num memorandum of oral conversation do Assistente do

Secretário de Estado norte-americano a Oliveira Salazar, que escreveu que “i appreciate this

opportunity to meet you, to bring you the personal respects of Secretary Byrnes and to discuss with

you in broad outline the negotiation of a Satisfactory agreement between our to Governments for

the use of the Azores and Cape Verde Islands in the interest of security in the Atlantic. […] The

Government of de United States desires to come an agreement with Portugal for joint use and

operation of extensive airbase rights and privileges in the Azores and Cape Verde Islands”221

.

Acrescentou que “the Secretary has asked me to come here in order to submit for your

consideration an assurance such as has never been proposed by the Government of the United

States to any power outside of the Western Hemisphere. This assurance would contemplate an

understanding that any threat to the territorial security of Portugal would constitute a threat to the

security of the Atlantic and of the world as a whole and would therefore represent a problem of

paramount interest to the Government of the United States, by reason of its commitments under the

United Nations, is obliged to use force against any aggressor in the maintenance of peace. Should

the United Nations, through the Security Council, fail for any reason to act in the event of such

aggression, the Government of the United States would be prepared to consult immediately with the

Portuguese Government with regard to this situation. This assurance would be predicated upon the

218

Telegrama do Ministro de Portugal em Washington ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, em DAPE, vol. VIII, p.

537. 219

Idem, Ibidem. 220

Relato de algumas conversas do Sr. Dr. Augusto de Castro, como membro da embaixada especial portuguesa, em

Julho e Agosto de 1941, como o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Dr. Oswaldo Aranha, em DAPE, vol. IX,

p. 205. 221

DAPE, vol. XIII, p. 461

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Adildo Soares Gomes Capítulo IV: Cabo Verde e a Segunda Guerra Mundial

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Portuguese Government granting the desired airbase rights and privileges in the Azores and in the

Cape Verde islands”222

.

Com bases nestas afirmações, apercebemo-nos da importância que Roosevelt atribuía a Cabo

Verde na medida em que compreendia que quem controlasse o arquipélago poderia garantir o

controlo do Atlântico Sul e das telecomunicações a partir de Cabo Verde, decorrendo daí garantir

que as ilhas não caíssem nas mãos de algum inimigo dos Estados Unidos da América.

Temos o triângulo Estados Unidos da América – Inglaterra – Portugal. Durante o início da

Segunda Guerra Mundial, “Portugal foi aliado da Inglaterra e amigo dos EUA”. Este era um caso

sério e grave que Portugal tinha. Com os Aliados ingleses, Oliveira Salazar podia tomar medidas

que pudessem ferir a neutralidade de Portugal. Mas a sua neutralidade é condenada à aliança que foi

o centro da sua política. Com os americanos, Portugal nada podia fazer, a não ser a quebra da

neutralidade; “são amigos, mas não Aliados”.

Para finalizar este ponto, de acordo com o Major-General do Exército norte-americano,

Laurence S. Kuter, o arquipélago cabo-verdiano era muito valioso para os Estados Unidos. “Os

Estados Unidos teriam muito prazer em continuar a discussão sobre o valor estratégico de bases

aéreas em Cabo Verde” e “o Governo norte-americano podia ter interesse em oportunidades de

utilizar os aeródromos nas ilhas de Cabo Verde, e podendo estar em posição”, se Portugal desejasse,

“de lhe prestar auxílio para o desenvolvimento e construção de bases”223

. Mas Oliveira Salazar “não

gostava” de tocar no assunto sobre as facilidades em Cabo Verde, quer com a Inglaterra, quer com

os Estados Unidos da América.

222

Idem, vol. XIII, p. 461-462. 223

Idem, p. 395.

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No dia 11 de Abril de 1942, chegaram estes dois barcos hospitais italianos ao Porto Grande, em S. Vicente para

irem fazer troca de prisioneiros e doentes com os ingleses224

.

4.2. A BATALHA DO ATLÂNTICO E A IMPORTÂNCIA GEOESTRATÉGICA DE CABO VERDE E DOS

AÇORES

No que diz respeito à Batalha do Atlântico, estamos convictos que se iniciou antes da Segunda

Guerra, porquanto os submarinos Alemães U-boot (unterseeboot, “nave submarina”) se instalaram

no Atlântico em Agosto de 1939, com o objectivo de ganhar posição na guerra que se viria a travar

nesse oceano. A defesa do Atlântico foi protagonizada pela Inglaterra e pelos Estados Unidos da

América – países cujo interesse do Atlântico era de capital importância –, apesar de apresentarem

natureza diferente, mas que em ambos sustentava a sua sobrevivência.

Para a Inglaterra, a importância do Atlântico, para além de natureza essencialmente

económica, tinha a ver com a sua própria história de país atlântico e colonizador, cujo Império

intercontinental era o maior do mundo. Era a maior potência económica e a sua hegemonia

marítima incontestável. Enquanto para os EUA, além da importância económica do Atlântico,

estava associada à sua própria defesa ditada pela Doutrina Monroe. Os dirigentes dos Estados

224

Foto de Luís Henriques, expedicionário, no tempo da Segunda Guerra Mundial, em Cabo Verde, publicada por Luís

Graça, “Meu pai, meu velho, meu camarada: Memórias de Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, 1941/43”, em:

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2009/03/guine-6374-p4059-meu-pai-meu-velho-meu.html.

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Unidos da América haviam ameaçado englobar Cabo Verde e os Açores no espaço estratégico

definido pela Doutrina Monroe225

.

A defesa do Atlântico passou a ser a prioridade para os EUA depois da invasão da França por

parte da Alemanha e do enfraquecimento da Marinha inglesa. Após esses acontecimentos, Roosevelt

e o seu Estado-Maior concluíram que, caso a Península Ibérica fosse arrastada para a órbita do Eixo,

os Açores, as Canárias e Cabo Verde, se não fossem ocupados pela Inglaterra, seriam tomados pelo

Eixo e transformados em bases operacionais226

.

Depois da queda da França, Roosevelt sublinhou cada vez mais a ameaça iminente à

segurança dos EUA. Para o Chefe de Estado dos EUA, segundo Henry Kissinger, “o Atlântico tinha

o mesmo significado que o canal da Mancha para os estadistas britânicos. Considerava um interesse

vital que este não viesse a ser dominado por Hitler”227

.

Os planos de Hitler para ocupar o Atlântico “preocupavam” o Presidente norte-americano,

como ficou claro numa reunião quando afirmou que: “prefiro morrer de pé do que de joelhos

dobrados”. Roosevelt acrescentou ainda que “está a chegar o momento de embarcar a nossa

marinha para varrer o Atlântico da ameaça alemã”228

.

Num discurso dirigido ao Congresso norte-americano, em 22 de Janeiro de 1938, Roosevelt

defendeu que “é preciso manter qualquer potencial inimigo a muitas centenas de milhas dos nossos

limites”229

. Assim, o papel dos EUA na Batalha do Atlântico estava subordinado à imprevisibilidade

direccional da ofensiva de Hitler e as suas projecções secretas enquadravam-se no esquema de

contenção do expansionismo nazi230

.

No início da Segunda Guerra Mundial, os arquipélagos atlânticos já surgiam entre uma das

preocupações da Grã-Bretanha231

, quando o Governo britânico fez saber que não precisava de

qualquer ajuda imediata de Portugal, à excepção da garantia de segurança das estações de cabos

submarinos instalados em Cabo Verde e nos Açores e a partir de onde a Inglaterra estava ligada a

todas as suas colónias e ao mundo, nomeadamente aos Estados Unidos da América – o seu mais

poderoso aliado.

Enquanto a guerra decorria na Europa Central, Portugal era um país periférico e apenas

preocupação da sua velha aliada, a Inglaterra. Mas a deslocalização geográfica do conflito para a

Europa Ocidental, com a chegada das forças alemãs aos Pirenéus e a expectativa latente da invasão

225

Pedro Aires Oliveira, Armindo Monteiro, Uma Bibliografia Política, Venda Nova, Bertrand Editora, 2000, p. 212. 226

José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 49. 227

Henry Kissinger, Diplomacia, 3.ª edição, Lisboa, Gradiva, 2007, p. 336-337. 228

AHD, AW, Maço 123. 229

Cit. por António José Telo, op. cit., 1987, p. 132. 230

José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 49. 231

António José Telo, op. cit., 1987, p. 132.

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da Península Ibérica daí decorrente, colocou Portugal e as suas ilhas atlânticas no primeiro plano

das preocupações dos EUA. Isso ficou claro, a partir do momento em que Roosevelt declarou que

“os Açores estão mais perto da nossa costa atlântica do que está o Havai da nossa costa do

Pacífico”232

, que “Cabo Verde dista apenas sete horas do Brasil de voo de bombardeiros ou de

aviões de transporte de tropas” e que “a guerra aproxima-se muito da nossa terra”233

. A partir deste

discurso, Portugal e as ilhas atlânticas entraram na arena política internacional e passaram a ser, não

preocupação de um só país, mas sim dos Aliados. Ainda não se tinha encerrado o capítulo da

neutralidade, que viria a ser legitimada bilateralmente com muita astúcia, já outra preocupação se

levantava a Portugal: a defesa das suas ilhas atlânticas.

A 20 de Maio de 1940, o Governo inglês advertiu Portugal através do embaixador em

Londres, Armindo Monteiro, que transmitiu a Salazar as preocupações que lhe foram relatadas pelo

Secretário de Estado Britânico dos Negócios Estrangeiros ( FO) sobre “os cuidados que estava a dar

ao Governo inglês a segurança dos cabos submarinos que passam por Cabo Verde e pelos

Açores”234

.

No dia seguinte, foi a vez do Almirantado informar a Embaixada portuguesa que, desde que o

mediterrâneo foi praticamente fechado à navegação inglesa, as ilhas de Cabo Verde e as dos Açores

adquiriram grande importância estratégica (sobretudo os Açores, em virtude do cabo submarino e da

TSF)235

. Nestas circunstâncias, parecia de extrema urgência que o Governo português mandasse

unidades operacionais para os arquipélagos que se encontravam indefesos.

A 22 de Maio de 1940, o embaixador Armindo Monteiro recebeu uma carta do Secretário de

Estado Britânico do Forein Office, decorrente da conversa que ambos tinham tido dois dias antes,

em que se reitera veementemente a extrema urgência e acuidade quanto à defesa dos arquipélagos e

de forma eloquente escreveu: “estamos impressionados pela situação potencialmente perigosa

existente nos Açores e nas ilhas de Cabo Verde. Estas ilhas ocupam uma posição estratégica

extremamente valiosa que os nossos inimigos teriam grande vantagem em ocupar para as usar como

bases aéreas e de submarinos e para interromperem as comunicações. […] Nestas circunstâncias, o

Governo de Sua Majestade está ansioso para que o Governo Português tome medidas a tempo para

a protecção destas ilhas”236

.

232

Discurso de Roosevelt, 29 de Dezembro de 1940, em: http://www.ibiblio.org/pha/7-2-188/188-21.html (29 de

Janeiro de 2010). 233

Discurso de Roosevelt, 27 de Maio de 1941, em: http://www.ibiblio.org/pha/7-2-188/188-26.html (29 de Janeiro de

2010). Ver também alguns excertos traduzidos no telegrama enviado pelo embaixador Bianchi a Oliveira Salazar a 28

de Maio de 1941, em DAPE, vol. VIII, p. 451-456. 234

DAPE, vol. VI, p. 36. 235

Idem, p.598. 236

Tradução da carta do Secretário de Estado Britânico dos Negócios Estrangeiros ao Embaixador de Portugal de

Londres, em DAPE, vol., VII, p. 65-66.

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Às preocupações manifestadas pelo Governo britânico, Salazar respondeu que “embora não

nos pareça haver motivos para sérios receios neste momento, temos na maior conta a segurança dos

arquipélagos e por isso se estudou o reforço das medidas de defesa a pôr em execução

imediatamente pelos Ministérios da Guerra, da Marinha e do Interior”237

.

Em Junho de 1940, ainda nas vésperas da Itália entrar na guerra e da capitulação da França, a

importância que a Inglaterra atribuiu aos Açores e a Cabo Verde, decorrente da “posição estratégica

extremamente valiosa” e “dos interesses que aí tem” a defender, não passou desapercebida à

Espanha e levou a que Franco transmitisse ao embaixador Português em Madrid, Pedro Teotónio

Pereira, o seu receio de “que os Ingleses acabariam de pôr o pé nos Açores”238

.

Foi nas últimas duas semanas do mesmo mês, com a entrada da Itália na guerra, que o conflito

tomou contornos preocupantes com a capitulação da França ao jugo nazi e com a intensificação dos

bombardeamentos aéreos sobre a Inglaterra. Com a chegada do Reich junto aos Pirenéus e com a

perspectiva de uma eventual invasão da Península Ibérica, ou, pelo menos, com o receio real de que

esta ficasse refém da influência e poder da Alemanha, Portugal, os Açores e Cabo Verde passaram

para o primeiro plano das preocupações dos Aliados.

Não é difícil perceber o porquê da importância dos arquipélagos de Cabo Verde e dos Açores:

toda a Europa (continental) do Norte estava ocupada pelas forças do Eixo. A Alemanha, nessa data,

estava a ganhar a guerra. Toda a navegação pela Baía de Biscaia, Canal Inglês, Canal da Mancha e

Mar do Norte impossibilitava qualquer ataque com sucesso à Alemanha ou minimizava a sua

efectiva operacionalidade por mar (só os ataques aéreos eram possíveis), não só porque este estava

empestado pelos submarinos U-boot junto à costa dominada pelas forças germânicas, como também

pelo facto de que só na França os Alemães tinham dezenas de divisões e toda a costa foi fortificada.

Por isso, toda a estratégia de ataque marítimo aos países que constituíam o Eixo teria que ser

realizada pelo mediterrâneo e para que isso fosse concretizável era condição sine qua non dominar

o Atlântico.

Acrescente-se ainda que com a queda da França, as colónias do Norte de África também

caíram, apesar de algumas terem resistido por algum tempo. Portanto, se a Península Ibérica

cedesse ao Eixo, Gibraltar “ia de arrasto” e ficava fechada a porta de entrada ocidental para o

mediterrâneo, bem como a costa da Península Ibérica, os arquipélagos dos Açores, da Madeira, das

Canárias e o de Cabo Verde e as dificuldades dos Aliados seriam exponencialmente maiores,

porquanto o bloqueio naval à Inglaterra seria perfeito.

237

Documentos relativos aos Acordos entre Portugal, Inglaterra e os Estados Unidos Para a concessão de facilidade

nos Açores durante a Guerra de 1939-1945, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lisboa, 1946, p. 14. 238

Telegramas enviados entre Armindo Monteiro e Oliveira Salazar, em DAPE, vol. VIII, p. 202, 206 e 257.

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Neste contexto de incertezas que recaiu sobre a Península, as ilhas atlânticas figuraram-se

como o último reduto dos Aliados, sempre em posição de stand-by perante a perda de Gibraltar.

Estrategicamente localizados entre as Américas – a do Sul e a do Norte – e a Europa, no caminho

das principais rotas mercantes do Atlântico Norte e do Sul, os arquipélagos eram demasiados

importantes para que fossem ignorados no apoio logístico que podem dar à marinha e à força aérea.

As ilhas atlânticas eram fundamentais na estratégia dos Aliados, pois garantiam a segurança da

navegação no Atlântico. Era indispensável enviar reforços para a frente de combate na Europa e no

Norte da África. Assim sendo, foram elaborados vários planos para uma intervenção armada em

Cabo Verde e nos Açores.

Estiveram preparados, em Plymouth, 3 batalhões dos Royal Marines (nomes de código

Accordion, Brisk e Alloy), prontos a ocupar os Açores e Cabo Verde em operações calculadas para

não durar mais de 48 horas e que incluíam procedimentos especiais para destroçar qualquer

resistência que os açorianos intentassem. A Operação Brisk previa um ataque simultâneo de

surpresa à ilha do Faial e à Terceira. A Inglaterra “empenhava 9 batalhões de infantaria e dois

comandos de forças espaciais, transportados em 18 navios com 130 lanchas de desembarque e

apoiados por um porta-aviões de escala, 2 cruzadores, 10 destroyers, e 8 corvetas”239

.

Mas a Operação Brisk não foi necessária, pois o Governo britânico aprovou o pedido prévio

para a cedência de base nos Açores. As bases nos Açores foram cedidas à Inglaterra e ocupadas pelo

Governo de Sua Majestade em Outubro de 1943. Contudo, em Junho do mesmo ano, a Inglaterra

preparou a Operação Lifebelt240

(sucessora da Brisk) e de seguida Bracken, para ocupar este

arquipélago.

Os discursos de Roosevelt sobre a localização geográfica e importância estratégica dos

Açores e de Cabo Verde levam-nos a crer que estes arquipélagos eram vistos como pontos mais

orientais da América, em vez do ponto mais ocidental da Europa. Entende-se que tinha alterado

mais para ocidente a linha que dividia os hemisférios de modo a permitir que os Açores ficassem no

interior do hemisfério Ocidental e portanto incluindo-os – juntamente com Cabo Verde – entre os

territórios a defender para a protecção das Américas e deste modo era necessário classificá-los como

outpost (posto de defesa) da América no atlântico.

239

António José Telo, “Os Açores e a Neutralidade Portuguesa na 2.ª Guerra Mundial – a disfunção em acção”, in: Os

Açores e a Segunda Guerra Mundial – actas do colóquio internacional comemorativo dos 60 anos sobre a capitulação

alemã, Angra do Heroísmo, IAC, 2007, p. 34. 240

Envolveria a ocupação imediata dos Açores caso as negociações com Portugal falhassem. Esta operação foi desfeita

em virtude do resultado das negociações e da necessidade de forças no Mediterrâneo. Após indecisões e impasses, o

acordo entre Salazar e Churchill sobre a cedência dos Açores foi assinado a 17 de Agosto de 1943, sendo previsível o

início da ocupação das bases a partir do dia 8 de Outubro do mesmo ano.

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67

Nesta altura, a Inglaterra sofreu sérios reveses no Atlântico e sentiu necessidade de garantir

uma base de reforço no Oceano Atlântico para poder ripostar em força ao inimigo, expulsando-o

desse espaço vital. Simultaneamente, tentou agregar à sua causa os Estados Unidos da América. De

acordo com as informações do Ministro das Colónias, Álvaro da Fontoura, havia navios alemães

nas águas de Cabo Verde e a Majoria Geral da Armada comunicou “que se recebeu um S.O.S. de

dois vapores ingleses que se localizavam a 17-13 Norte 21-22 Oeste 18-16 Norte 21-26 Oeste cerca

de 200 milhas de São Vicente, pedindo socorro e que os náufragos se dirigiam para o Porto Grande

em embarcações”. Notou, ainda, a Majoria “que não está actualmente nenhum navio de guerra

próximo das águas de Cabo Verde. Seria conveniente pedir socorro urgente a Cabo Verde”241

.

Como nos elucida George Monk242

, um sobrevivente do navio Auditor – um dos navios

ingleses que foi atacado ao largo de Cabo Verde por um submarino alemão, em Março de 1941 – da

Marinha Mercante Inglesa, com 70 tripulantes a bordo, que saiu de Londres e teve que seguir a

Norte, pois, o Canal Inglês, que normalmente, é a via mais rápida, estava sempre vigiada por vários

submarinos alemães. O Auditor teve que dar a volta pela Escócia e entrar no Atlântico, pelo lado

Norte, para se juntar a um comboio de 47 navios.

O aparecimento de submarinos alemães nas águas cabo-verdianas e açorianas preocupava os

Governos dos países Aliados. Numa conversa com o embaixador de Portugal em Washington, o

Conselheiro Político norte-americano, Senhor Dunn, relatou que quanto ao Atlântico “são três as

principais preocupações”: Primeira, “o aparecimento de submarinos inimigos na zona declarada de

protecção do hemisfério ocidental”, questão que estava a merecer “a séria atenção” das forças

patrulhadoras; A segunda estava relacionada com “os dois couraçados alemães operando no

Atlântico Ocidental que parece constituir a maior ameaça à Terceira preocupação”, ou seja, “à

intenção de navegar por unidades americanas, até ao meio do Atlântico, os fornecimentos

destinados à Inglaterra”243

.

A 23 de Abril de 1941, Churchill mandou preparar dois batalhões para ocupar os Açores e

Cabo Verde (nome de código “Puma”) e enviou um telegrama a Roosevelt, “convidando-o” a

ordenar um patrulhamento americano amigável aos arquipélagos durante essa operação. Churchill

pretendia ocupar “as posições das quais estes monstros – os alemães – se preparam para nos

atacar”244

.

241

AHU, Ofícios Expedidos de Março de 1941. 242

George Monk foi Segundo Oficial (operador) de rádio do Auditor. Ver uma entrevista do mesmo concedida ao

alfacomunicações.cv, a 8 de Novembro de 2007, “A Odisseia de Monk”, em:

http://www.alfa.cv/index.php?option=com_content&task=view&id=818&Itemid=189. (07/01/2011). 243

Telegrama Expedido da Legação de Portugal em Washington, no dia 22 de Março de 1941. AHD, AW, Maço 123. 244

Mensagem de Churchill para Franklin Roosevelt, cit. por Luís Nuno Rodrigues, op. cit., 2005, p. 31.

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Ainda em meados de Abril, a legação norte-americana em Lisboa tinha solicitado a Salazar

autorização para que o navio de guerra Milwaukee visitasse por dois a três dias os portos de Lisboa,

Ponta Delgada e São Vicente245

. Receando uma ocupação das ilhas portuguesas logo a seguir à

Gronelândia, Salazar, informado das intenções de Churchill, protestou veementemente em defesa da

soberania portuguesa nas ilhas246

e chamou o embaixador dos EUA em Lisboa e informou-lhe que

“neste conjunto de circunstâncias e se o Governo americano não encontrava meio de esclarecer uma

situação cujos inconvenientes já lhe tinham sido assinalados, confessamos que, embora as visitas de

navios americanos fossem sempre bem-vindas nos portos portugueses, esta se tornava importuna,

pela interpretação que dentro deste mesmo conjunto de circunstâncias lhe podia ser dada”247

.

A 1 de Maio de 1941, Roosevelt enviou uma carta a Churchill, informando-o que o Governo

norte-americano tinha recebido “fortes protestos” de Salazar em relação à projectada “visita

amigável” a Cabo Verde e aos Açores248

. Assim sendo, “suspendeu a ideia […] e nova patrulha

naval em preparação estender-se-ia ao ocidente das ilhas dos Açores e de Cabo Verde, mas os

aviões não sobrevoarão as ilhas […]”249

. Numa conversa com Halifax, Roosevelt transmitiu-lhe que

“mantinha a vigilância ao largo dos arquipélagos”250

. A 3 do mesmo mês, Churchill respondeu em

telegrama a Roosevelt, a demonstrar formalmente a sua indignação pelas afirmações do Presidente

norte-americano: “estamos longe de querer acrescentar o nosso território; o que queremos é

preservar a nossa vida e talvez a vossa também”251

.

Nesta altura, eram altas as pressões que a Inglaterra exercia sobre Portugal para a cedência de

bases nas suas ilhas atlânticas. Campbell escreveu a Salazar a dizer que “o Governo de Sua

Majestade […] chegou a conclusão de que o uso de facilidade nas ilhas portuguesas do Atlântico,

particularmente nos Açores, para o emprego de aviões e de navios de superfície seria um factor

decisivo na rápida derrota da campanha submarina alemã no Atlântico […]”252

.

Segundo o Governador da província de Cabo Verde, a ilha de São Vicente foi “sobrevoada por

um hidroavião de guerra, bimotor” que parecia “tratar-se de um aparelho «consulidated Catalina»

de bombardeamento e de reconhecimento do serviço dos Estados Unidos e da Inglaterra”253

.

Ainda em Maio de 1941, as partilhas aéreas iam até 600 km a Oeste da Inglaterra, o que

obrigou os submarinos a deslocarem-se para o centro do Atlântico. No Atlântico Central, manteve-

245

DAPE, Vol. VIII, p. 314-315. 246

AHD, AW, Maço 123. 247

AHD, AW, Maço 123. 248

Citado por Luís Nuno Rodrigues, op. cit., 2005, p. 143. 249

Carta de Roosevelt a Churchill, enviada a 1 de Maio de 1941, cit. por José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 51. 250

Conversa entre Roosevelt e Lord Halifax, cit. por José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 60. 251

Citado por José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 54. 252

Carta de Campbell a Salazar, Documentos Relativos aos Acordos entre Portugal, Inglaterra e EUA para Concessão

de Facilidades nos Açores durante a Guerra de 1939-1945, Lisboa, Ministérios dos Negócios Estrangeiros, 1946, p. 3. 253

AHM, FO/037/3/521/44.

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se a actividade dos submarinos na Primavera, sendo 30 navios afundados, em Maio, nas águas

próximas de Cabo Verde. No dia 25 de Junho de 1941, José Diogo Ferreira Martins, Governador da

colónia de Cabo Verde, telegrafou que “na noite de 23 e 24 um submarino desconhecido pairou em

frente à Cidade Velha (ilha de Santiago) e no dia 25, de manhã, foi visto um navio de guerra na zona

de Santa Maria (ilha do Sal)254

. Na ilha de São Nicolau, a população local avistava, com alguma

frequência, submarinos desconhecidos.

A partir de meados de 1941, a Batalha do Atlântico entrou numa fase crítica. Quando os U-

Boats passaram a operar no Atlântico Central, a importância de Cabo Verde aumentou, sendo a

localização ideal para uma força de hidroaviões que cobria a zona255

. Em Setembro, vários U-Boats,

do tipo IX, que operavam na zona de Freetown, foram reabastecidos secretamente nos portos de

Cabo Verde sem o conhecimento das autoridades portuguesas ou sem a sua autorização formal256

.

Neste mesmo mês, a baía de Tarrafal de Santo Antão foi ponto de encontro de três submarinos

alemães que acabaram por ser surpreendidos por outro submersível inglês, daí surgir uma

escaramuça entre os quatro. Foram ainda afundados oito submarinos. Um deles era japonês – os

restantes pertenciam ao III Reich. Em Dezembro, foram afundados quatro navios perto de Cabo

Verde257

.

No que se refere ainda aos afundamentos de navios no Atlântico, de acordo com Mário Neves,

“em Janeiro de 1942, foram afundados 46 navios com 297 toneladas; em Fevereiro, 71 navios (384

mil t.); em Março, 81 navios (460 mil t.); em Abril, 67 navios (336 mil t.); em Maio, 120 navios

(600 mil t.); em Junho, 114 navio (627 mil t.); em Julho, 69 navios (350 mil t.) e em Novembro,

700 mil toneladas”258

. Estes dados mostram-nos claramente como o Atlântico Norte e Central eram

muito importantes e que os meados de 1942, assim como os primeiros meses do ano de 1943, foram

decisivos para a Batalha do Atlântico.

É o que podemos constatar também na obra de António José Telo, onde o autor nota que o

pior período dessa batalha foi de Janeiro a Março de 1943, sendo caracterizado pelo historiador

como “meses terríveis”, “onde a Alemanha conta com uma frota de 418 U-Boats, dos quais uma

média de 110 está operacional no Atlântico”; a situação era “negra” para os Aliados259

. Os alemães

conseguiram 627 377 t de navios afundados. Daí, a importância dos Açores e de Cabo Verde para

que os Aliados pudessem vir a vencer a Batalha do Atlântico. Importância esta que foi maior em

254

AHU, Ofícios Expedidos de Junho de 1941. 255

António José Telo, op. cit., 1987, p. 408. 256

Idem, p. 410-11. 257

Idem, p. 408. 258

Mário Neves, “A Diplomacia Portuguesa nas Duas Guerras do Século”, in: AAVV, Portugal na Segunda Guerra

Mundial, Contributos para uma Reavaliação, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989, p. 175. 259

António José Telo, op. cit., 2007, p. 31-32.

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“Maio de 1943, quando os Aliados ganharam a batalha no Norte, mas os combates continuam no

centro”260

. Em Setembro, os alemães reconheceram a derrota e afastaram-se do Atlântico Central.

Não esquecendo os acidentes ocorridos no Atlântico, mas sem os referir, e com o sentido

pedagógico de preparar a opinião pública americana para uma eventual necessidade de o país ter

que entrar na guerra ao lado da Inglaterra, Roosevelt no seu discurso de 27 de Maio de 1941

declarou que: “Os nazis têm poder militar para, a qualquer momento, ocupar a Espanha e Portugal

[...] mas também [...] o posto avançado do Novo Mundo – as ilhas dos Açores e as de Cabo Verde

[...]261

. O controlo ou a ocupação de qualquer uma das ilhas do Atlântico pelas forças nazis poria em

perigo imediato a segurança da [...] América do Norte e [...] do Sul e as possessões insulares dos

Estados Unidos e, em última análise, a segurança do próprio território continental dos Estados

Unidos [...] Igualmente, os Açores e Cabo Verde se ocupados ou controlados pela Alemanha,

poriam directamente em perigo a liberdade no Atlântico e a nossa segurança física [...] Insistimos na

vital importância de manter o hitlerismo afastado de qualquer ponto do mundo que possa ser usado

e venha a ser usado como base de ataque contra as Américas”262

.

Estas declarações foram mal recebidas em Portugal e deram azo a muita especulação, feriram

a sensibilidade do orgulho nacional, com oito séculos de história. Salazar fez informar todas as

delegações diplomáticas portuguesas para que não dessem por mal empregue as horas que

pudessem disponibilizar para chegar até Washington porquanto estas declarações perturbaram o

País, por entender terem sido uma ameaça de agressão à soberania portuguesa nos Açores.

Armindo Monteiro interrogou, então, se assim era “por que razão os Americanos não faziam

abertamente esta afirmação como seria simples e honesto?” Winant retorquiu “que iria fazer tudo o

que pudesse para que Washington desse a resposta neste sentido”. Outra resposta veio em 21 de

Julho de 1941, por forma de carta do Presidente Roosevelt dirigida a Salazar263

e entregue pelo

embaixador Americano creditado em Lisboa, Bert Fish, cujo teor sossegou Salazar, já que este após

a leitura da carta dirigiu a sua análise ao embaixador em Londres, Armindo Monteiro, onde

expressou terem sido sanadas todas as dúvidas e receios, porquanto pôs “termo aos mal-

entendidos”, pois “o desejo dos Estados Unidos é que não haja infracção aos nossos direitos

soberanos”264

.

Em 1943, Hitler disse ao seu Chefe de Estado-Maior da Armada que “o Atlântico é o meu

acesso ocidental e travar uma guerra defensiva aí é melhor do que apenas poder defender as costas

260

António José Telo, Os Açores e o Controlo do Atlântico, (1898/1948), Edições ASA, 1993, p. 365. 261

Discurso de Roosevelt, 27 de Maio de 1941, em http://www.ibiblio.org/pha/paw/210.html. (27/10/2010). 262

DAPE, vol. VIII, p. 451-452. 263

Ver carta de Roosevelt a Oliveira Salazar, escrita a 8 de Julho de 1941, Capítulo III, ponto 3.5. 264

Cit. por José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 68-73.

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da Europa”. Era nítido que a acção dos submarinos alemães estava votada ao fracasso265

e que

Portugal “não pode afastar-se da Inglaterra, pois neste caso, verá as ilhas ocupadas”266

. Assim

sendo, o “problema português só pode ser resolvido militarmente aquando do ataque a Gibraltar” e

não com “pressões diplomáticas sobre Lisboa”267

.

Numa nota muito breve, temos ainda a juntar ao cenário que precedeu a Conferência do

Atlântico a reacção da Espanha de Franco à entrada da URSS como força Aliada. O seu

anticomunismo foi visceral, e a entrada do novo Aliado “azedou” ainda mais o discurso ácido e

violento contra Inglaterra e EUA, desesperando Churchill e Roosevelt de tal modo que os levou a

admitir que a neutralidade espanhola tinha os dias contados e que, mais dia, menos dia, a Espanha

integraria os países do Eixo. É neste cenário efervescente que, entre 9 e 12 de Agosto de 1941,

decorrer no tema Nova Conferência do Atlântico, onde pela primeira vez o Presidente Norte-

americano Franklin Roosevelt e o Primeiro-Ministro do Reino Unido W. Churchill se encontraram.

A Conferência abriu com o caso de Portugal. O Presidente norte-americano leu a Churchill a

carta que lhe foi enviada pelo Oliveira Salazar. Ambos os presidentes concordaram que a carta era

altamente satisfatória e que tornava possível, sem qualquer dificuldade, o planeamento da ocupação

dos Açores para assegurar que as ilhas não fossem ocupadas pela Alemanha. [...]. O Governo

britânico tinha aprovado uma operação altamente secreta que passava pela ocupação das ilhas

Canárias porque cria que a situação em Espanha ia de mal a pior, e que Hitler ocuparia Espanha e

Portugal. Gibraltar ficaria isolada e a ocupação britânica das Canárias seria da maior importância

para salvaguardar a rota do Atlântico Sul. “Com esta operação, o Governo britânico deixaria de

poder respeitar o seu compromisso com o Governo português para ajudar a defender os Açores”268

.

A carta de Salazar nota a dado passo que, na eventualidade dos ingleses não poderem garantir

a ajuda, seria bem-vinda as facilidades dos E.U.A. “Se, porém, a Inglaterra viesse a encontrar

dificuldades nos fornecimentos acima referidos, ou noutros reconhecidos necessários, ser-me-ia

grato encontrar da parte do Governo dos Estados Unidos facilidades para a consecução de um fim

que tão particularmente lhes interessa também”269

. Aproveitando esta brecha concedida

oficialmente por Salazar, Churchill resolveu três assuntos de uma só vez: (i) com consentimento de

Salazar e não violando a aliança luso-britânica podia deslocar as sua forças militares para outras

zonas (Ilhas Canárias) que complementassem o ataque pelo mediterrâneo invocando incapacidade

ou “dificuldades” de Inglaterra em ajudar Portugal; (ii) esta “dificuldade” da Inglaterra em ajudar

265

Ian kershaw, Hitler, 1936-45, Nemesis, cit. por Adam R. Seipp, “Chegar como Conquistadores: As Bases

Americanas e o Teatro Europeu, 1941-45”, in: Luís Nuno Rodrigues (Coord.), op. cit., 2008, p. 113 e 328. 266

António Telo, op. cit., 1987, p. 212. 267

Idem, p. 204. 268

Beard, Presidente Roosevelt, cit. por José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 77. 269

José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 75-80.

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Portugal podia ser substituída pela ajuda Americana tal como foi admitido na carta; (iii) tentou

envolver os EUA (país ainda neutro) na guerra, empurrando-os a assumir o protectorado sobre os

Açores tal como Roosevelt tinha admitido no seu discurso, considerando Cabo Verde e os Açores o

outpost americano no Atlântico.

Com a entrada dos EUA na guerra, com a dificuldade dos russos em suster as forças do Eixo e

com a necessidade de coordenar a nova força dos Aliados, as ilhas atlânticas foram relegadas para

um plano secundário, mas também porque já estava em curso um Plano de Defesa coordenado pela

Inglaterra e Portugal e que por isso sossegavam as preocupações de Churchill e de Roosevelt, pois

este foi informado pelo primeiro de que “as defesas das ilhas tinham sido aumentadas ao máximo”.

Salazar também fez constar esta informação para Washington ao escrever a Bianchi a notar

que “é bom não esquecer e convém dizer no State Department que as nossas posições nos Açores

estão militarmente defendidas segundo plano que a Inglaterra conhece e em proporções que

excedem as que ela própria considerava necessária”270

. Com base nestas garantias, o plano de

ocupação dos Açores por parte dos norte-americanos estabelecido na Conferência do Atlântico foi

temporariamente abandonado.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha valorizou o Atlântico e subalternizou o

Mediterrâneo e quando pensou invadir a Península foi com a intenção de atingir a costa atlântica271

.

Segundo José Freire Antunes, durante 1940-1943, entre a adiada operação de Hitler para ocupar a

península Ibérica e a decisiva batalha do pelo controlo do Atlântico, os generais de Churchill

elaboraram 27 planos secretos para ocuparem os Açores e Cabo Verde272

.

Quando a Batalha do Atlântico estava no seu auge, fazendo perigar o apoio à campanha do

Norte de África e a preparação da invasão da Europa, uma boa coordenada acção de aviões

britânicos e americanos servindo-se dum apoio em território português, os Açores e Cabo Verde

conseguiram manter aberta a rota com um ritmo de perda aceitável. Com o aumento das perdas

causadas pela Batalha do Atlântico e os afundamentos dos comboios aliados, o controlo dos acessos

à Grã-Bretanha e ao Mediterrâneo passou a ser necessário, e para isso, Cabo Verde e os Açores

desempenharam um papel crucial.

Em suma, ficamos com a firme convicção de que Cabo Verde e os Açores, principalmente o

último, cumpriram, mais uma vez, a sua função ao permitir que Portugal negociasse com as maiores

potências do mundo, e deste modo tenham colocado o país acima do seu peso político.

É surpreendente que nenhuma das operações acima citadas e outras que foram desenvolvidas

durante o conflito tenham sido levadas a cabo, tanto pelos Aliados como pelas forças do países do

270

Telegrama 72 de 4 de Abril e 78 de 15 de Abril entre Salazar e Bianch, AHD, AW, Maço 123. 271

José Medeiros Ferreira, op. cit., 1981, p. 102. 272

José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 40.

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Eixo. Como já mencionamos, qualquer uma das facções não teria dificuldades praticamente

nenhuma em ter invadido o arquipélago de Cabo Verde. Estamos convictos que qualquer que fosse

o invasor, a Batalha teria durado menos tempo.

4.3. CABO VERDE E A OPERAÇÃO “FÉLIX”

Na segunda fase do conflito, quando a Alemanha dominava a Europa Ocidental e virou-se

para a Europa do Sul e Mediterrâneo, esta procurou os mares, nomeadamente o Atlântico, para

seguir em direcção ao Sul e ao Oeste europeu. Hitler, nesta fase da guerra, pensava “num conflito

entre uma Europa dirigida pela Alemanha e a América”273

. Tendo em vista estes objectivos e o

isolamento da Inglaterra, a marinha alemã propôs a Hitler a elaboração de um plano apontando

dominar o Mediterrâneo, o Norte da África e o Atlântico. Realmente, não era a primeira vez que os

planificadores nazis se ocupavam deste assunto. Antes da guerra “já circulava por altas esferas nazis

o chamado Mittelafrika Projeckt, que resumia os interesses de Hitler no continente africano e no

Atlântico”274

.

O arquipélago de Cabo Verde, devido à sua posição no Atlântico, não passou despercebido à

Alemanha que elaborou planos, visando ocupá-lo, bem como outros territórios próximos – as outras

ilhas atlânticas, Norte da África e Gibraltar. Os interesses de Hitler “chocavam”com os de

Roosevelt, que advogou a construção de bases nos Açores, nas Canárias e em Cabo Verde, visando

controlar os movimentos no Atlântico.

Enquanto os Aliados preparavam a ocupação das ilhas atlânticas, prevendo com todo o

pormenor desembarques de tropas em Cabo Verde e nos Açores, o Führer assinou a 12 Novembro

de 1940 a directriz nº18, conhecida sob a designação “Félix”, que determinava a tomada de

Gibraltar para o encerramento do Mediterrâneo e o desencadeamento de possíveis operações que

impedissem a todo o custo os ingleses de se apoderarem de qualquer outro ponto da Península ou

das ilhas atlânticas, o que representaria a irremediável ocupação de Portugal. Desembarcar nas

Canárias ou em Cabo Verde era uma das ideias “preferidas” de Hitler275

.

As instruções de Hitler eram as seguintes: “Espanha e Portugal. Têm sido tomadas iniciativas

políticas para levar a Espanha a entrar o mais rapidamente possível na guerra. O objectivo da

intervenção alemã na Península Ibérica (sob o nome de código Félix) é o de expulsar os ingleses do

Mediterrâneo Ocidental […] deve ser feita a mobilização de tropas para invadir Portugal, se os

britânicos ganharem posições lá. As unidades destinadas a este objectivo marcharão para Espanha

273

António José Telo, op. cit., 1993, p. 314. 274

David Solar, La Caída de los Dioses; Los Erros Estratégicos de Hitler, La Esfera de los Libros, S/L., 2005, p. 41. 275

Mário Neves, “A Diplomacia Portuguesa nas Duas Guerras do Século”, in: Portugal na Segunda Guerra Mundial,

Contributos para uma Reavaliação, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989, p. 160.

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imediatamente a seguir às unidades destinadas a Gibraltar. […] As unidades a manter em alerta para

a possível invasão de Portugal devem ser predominantemente de natureza móvel […] os

comandantes-chefes da Marinha e da Força Aérea estão a examinar como é que podemos apoiar a

defesa espanhola das Canárias e como é que as ilhas de Cabo Verde podem ser ocupadas […]276

.

A Operação “Félix” previa que as forças militares alemães entrassem na Península Ibérica em

princípios de Janeiro de 1941277

, atacar Gibraltar no dia 10, por unidades alemães, com a ajuda da

Espanha, enquanto uma divisão Panzer e duas motorizadas desembarcassem278

, atacar Lisboa a

partir de Badajoz e atacar Cabo Verde a partir de Dakar, em 48 horas279

.

A campanha a Gibraltar realizar-se-ia em quatro tempos: (i) primeiro, constituído pela reunião

dos elementos e dos meios ofensivos. Oficiais, em traje civil, deveriam estudar as imediações de

Gibraltar em colaboração com os espanhóis, tomar as disposições necessárias para impedir os

ingleses de alargarem a sua frente terrestre; (ii) o segundo tempo seria a surpresa. Forças aéreas

alemãs, partindo de bases em França, deveriam atacar a esquadra inglesa e, simultaneamente, o

Exército alemão transporia os Pirenéus; (iii) o terceiro tempo, após o assalto a Gibraltar, seria a

invasão de Portugal caso os ingleses tentassem qualquer desembarque nas costas portuguesas; (iv) o

quarto tempo previa a tomada de Marrocos Espanhol e o encerramento do estreito. Em

consequência da ocupação de Gibraltar, Cabo Verde e as Canárias adquiriram uma maior

importância para a condução da guerra naval280

. Esta ocupação das ilhas era encarada com cautela e

estava dependente de reacções encontradas281

.

Em Outubro de 1940, Erich Raeder explicou a Hitler que a Alemanha conseguia ocupar as

Canárias e Cabo Verde (a partir de Dakar) quando fosse lançada a Operação “Félix”, estando os

Açores demasiado longe282

. As ilhas de Cabo Verde não eram de grande valor (estando próximas de

Dakar) e ocupá-las só provocaria uma reacção da Inglaterra e dos Estados Unidos nos Açores ou em

Portugal continental283

.

Segundo o almirante do Estado-Maior Naval alemão, Cabo Verde podia ser uma alternativa a

Gibraltar para a Inglaterra, mas não tinha grande valor para a Alemanha, desde que esta usasse

Dakar; também era difícil ocupar o arquipélago por falta de bases para montar a operação. Mesmo

com o uso de Dakar, o ataque a Cabo Verde era muito perigoso e não havia garantias de que se

276

Cit. por José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 45. 277

Stetson Connn e Byron Fairchild, cit. por Luís Nuno Rodrigues, op. cit., 2005, p. 22. 278

António José Telo, op. cit., 1987, p. 258-60. 279

António José Telo, op. cit., 2007, p. 25. 280

Pedro Cardoso, “A Evolução do Conceito Estratégico Nacional no século XX”, in: Estratégia, vol., IV, Instituto de

Relações Internacionais, Lisboa, ISCSP, 1992, p. 47-49. 281

António José Telo, op. cit., 1987, p. 258-60. 282

Idem, p. 310. 283

José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 45.

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conseguia manter o arquipélago. Os argumentos que aconselhavam a não tentar ocupar o

arquipélago cabo-verdiano surgiram multiplicados. Mesmo assim, Hitler insistia que se estudasse

melhor o caso de Cabo Verde284

.

A marinha alemã ultimou os planos para as ilhas, visando atacar Gibraltar. Hitler e o exército

insistiam numa ocupação prévia de Cabo Verde, mas a marinha sabia que, tendo em conta a

existência da “força H” (forças inglesas) em Gibraltar, esta operação seria arriscada. Se a Alemanha

conseguisse executar a Operação “Félix” e instalar bases para Stukas, Ju 88 e Fw 200 nas Canárias e

em Cabo Verde, colocaria sérios problemas às ligações da Inglaterra com o Atlântico Sul e com

Ásia285

.

Segundo a marinha alemã, Cabo Verde, ao contrário dos outros arquipélagos, “era fácil de

atacar”, pois seria possível ter apoio dos aviões que operassem a partir de Dakar e da África

Francesa286

. Numa reunião, em Novembro de 1940, a marinha alemã defendeu que só se podia

pensar numa operação contra Cabo Verde contando com uma base de operações em Dakar e com o

apoio da França287

. Sendo Dakar uma alternativa, Cabo Verde perdeu grande parte da sua

importância estratégica, mas o exército insistiu na ocupação preventiva do arquipélago288

.

A 12 de Novembro de 1940, o Führer e o comando responsável pela execução da conhecida

Directiva n.º 18, formularam duas ordens de factores que influenciaram decisivamente as diversas

modalidades de acção: (i) obter a cooperação franco-alemã no auxílio à Alemanha, quer em

território francês metropolitano, quer nas colónias; (ii) conseguir que a Espanha entrasse em guerra,

ao lado da Alemanha, visando a intervenção alemã no espaço ibérico com vista a afastar

definitivamente a Inglaterra do Mediterrâneo Ocidental: para afastar a Inglaterra do mediterrâneo

era preciso ocupar Gibraltar, encerrar o estreito e evitar o desembarque inglês na península ibérica e

nas ilhas atlânticas289

. As forças aéreas apoiariam o ataque a Gibraltar, enquanto os submarinos

enfrentavam a esquadra inglesa.

Hitler contava com o apoio de Franco para o reforço das Canárias e ocupação de Cabo Verde.

Mas “qualquer violação da neutralidade portuguesa pelos alemães, para além de alienar a opinião

pública dos Estados Unidos, Brasil e Países da América do Sul, significaria uma ocupação imediata

dos Açores pelos britânicos e possivelmente das ilhas de Cabo Verde […]”290

. A ocupação de Cabo

284

Cit. por António José Telo, op. cit., 1993, p. 324-25. 285

António José Telo, op. cit., 2007, p. 23. 286

José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 25. 287

António José Telo, op. cit., 1993, p. 323. 288

António José Telo, op. cit., 2007, p. 25. 289

H. R. Trevor-Roper, Hitler´s War Directives 1939-1945, London, Sidgwick and Jackson, 1942, p. 39-40. 290

Katherine Duff, “Portugal”, in: The War and the Neutrals Survey of International Affairs, London, Oxford

University Press, 1956, p. 328-329.

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Verde dependia do consentimento da França para a Alemanha poder controlar Dakar, pois,

ocupando Dakar, os Aliados estariam comprometidos nesta zona291

.

Devido à incapacidade para ocupar as ilhas britânicas, Hitler repensou a estratégia de forma a

limitar as acções dos países Aliados. Nesta fase do conflito o Mediterrâneo transformou-se no palco

de operações decisivas para o corte das comunicações pelo mar mediterrâneo e domínio do

Atlântico Central e Sul pela aquisição de bases nas zonas costeiras da Península Ibérica e África.

Com a conquista de Gibraltar e do Suez, a Inglaterra ficaria “separada” das suas colónias. Assim

sendo, o controlo das ilhas atlânticas, sobretudo as do arquipélago de Cabo Verde, dificultariam a

circulação pela rota alternativa do Cabo da Boa Esperança.

No Mediterrâneo Oriental, a Turquia recusou a adesão ao Pacto Tripartido e a Alemanha,

perante esta renúncia, considerou uma movimentação militar com o auxílio da Rússia e Itália,

alterando a situação de equilíbrio conseguida por Berlim. Franco adiava, constantemente, a data do

envolvimento espanhol na guerra.

Assim, estavam levantados os primeiros entraves reais à Operação “Félix”. A 10 Janeiro de

1941, “farto do jogo de Franco”292

, Hitler abandonou a Operação “Félix” e deslocou as suas tropas

para a Grécia. Num interrogatório em Nuremberga, o nazi Alfred Jodl revelou que a ocupação das

Canárias e de Cabo Verde era um dos projectos preferidos de Hitler293

. A conquista de Gibraltar

“fortalecia as posições alemãs em África onde os Aliados não poderiam ter desembarcado como

fizeram”, por isso a não-execução da Operação “Félix” foi “lamentável”, segundo o chefe da

Luftwaffe, Herman Goering294

.

Em Maio do mesmo ano, a Alemanha elaborou o plano “Isabela”, onde incluía a ocupação

dos portos da Península, incluindo Portugal. Na medida em que ambos previam um avanço sobre a

Península, assim os preparativos para a “Isabela”, poderiam ser aproveitados igualmente para

“Félix” (no futuro).

Segundo uma carta escrita pelo Governador de Cabo Verde, José Diogo Ferreira Martins, ao

Ministro das Colónias, Álvaro da Fontoura, a 28 de Junho de 1941, o interesse da Alemanha para

conquistar o arquipélago cabo-verdiano manteve-se mesmo após o fracasso da Operação “Félix”. O

Governador notou que “a polícia descobriu que o alemão Adolfo Fernando Errarssol fizera um

relatório sobre o arquipélago” e que “esse relatório deveria seguir em mão de um outro alemão

chamado Carlos Kurtvelten autorizado a sair (de Cabo Verde) de avião”295

.

291

Idem, Ibidem. 292

António José Telo, op. cit., 1987, p. 262. 293

Cit. por José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 47. 294

Idem, Ibidem. 295

AHU – 2966, 1A, UM, GM, MÇ, 1940-1941, Cópias Ofícios, UTL, Ofícios Expedidos de Julho de 1941, p. 1648.

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Há que referir que estes alemães eram passageiros do navio Prometheus e estavam a ser

“vigiados” pelo Governo do arquipélago. Devido ao sucedido, o Governador de Cabo Verde

solicitou ao Ministério do Interior para “manter na colónia, especialmente em São Vicente, o

serviço secreto de informações […]”296

para “fazer face ao desembarque clandestino e permanência

ilegal de um súbdito alemão” naquela ilha297

. Com todos estes acontecimentos e aos protestos do

Governo inglês junto a Oliveira Salazar, os alemães tornaram-se persona non grata em Cabo Verde.

Quanto ao Cônsul da Alemanha em São Vicente, a “intenção” do Ministro das Colónias era

“mandá-lo para a outra ilha”298

.

Em suma, as ilhas de Cabo Verde podiam ser utilizadas como base pelos submarinos alemães

e como postos avançados para a invasão do Hemisfério Ocidental. O objectivo da intervenção

alemã na Península Ibérica foi o de expulsar a Inglaterra do Mediterrâneo Ocidental e impedi-la de

se apoderar de qualquer outro ponto da Península ou das ilhas atlânticas. E assim: (i) Gibraltar devia

ser tomada e o estreito fechado; (ii) os ingleses deveriam ser impedidos de se apoderarem de

qualquer outro ponto da Península ou das ilhas atlânticas. Os comandantes da aviação e da marinha

examinariam como as ilhas de Cabo Verde poderiam ser ocupadas.

A partir de 1941, a Península Ibérica e as ilhas atlânticas portuguesas adquiram uma grande

importância estratégia enquanto pontos de apoio e de projecção do poder militar de Inglaterra e dos

Estados Unidos da América. A questão de Gibraltar alargava as ameaças da Alemanha a Cabo

Verde, de forma a contra-atacar qualquer acção hostil por parte da Inglaterra.

4.4. A RESPOSTA DOS PAÍSES ALIADOS À OPERAÇÃO “FÉLIX”

A Inglaterra tinha conhecimento da Operação “Félix” e, caso Cabo Verde fosse invadido pela

Alemanha, havia um plano de contra-ataque a partir de Freetown (Serra Leoa Britânica), através de

“uma pequena força anfíbia”299

. Como comentou o historiador britânico Michael Alpert, “Churchill

tinha estudado bem Hitler e estava seguro de que este cometeria erros na condução da guerra, pelo

que bastava esperá-los e aproveitá-los”300

. Conquanto, só defendendo as ilhas atlânticas é que a

Inglaterra e os EUA faziam face aos ataques alemães.

A Inglaterra pretendia ocupar Cabo Verde como resposta à operação “Félix”. A 27 de

Setembro de 1940, Churchill propôs ao Gabinete de Guerra inglês informar os americanos dos

296

AHU – 2966, 1A, UM, GM, MÇ, 1940-1941, Cópias Ofícios, UTL, Ofícios Expedidos de Julho de 1941, P. 1479. 297

Ministro das Colónias, 19 de Dezembro de 1940 – AHU – 2965, UM, GM, MÇ, 1940-1941, Cópias Ofícios, UTL,

Ofícios Expedidos Dezembro de 1941. 298

Ministro das Colónias, 19 de Dezembro de 1940 – AHU – 2965, UM, GM, MÇ, 1940-1941, Cópias Ofícios, UTL,

Ofícios Expedidos Dezembro de 1941. 299

António José Telo, op. cit., 2007, p. 26. 300

Citado por David Solar, op. cit., 2005, p. 45.

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planos em relação aos Açores e a Cabo Verde de modo a planear uma acção conjunta no caso de um

ataque alemão a Gibraltar. A 9 de Outubro do mesmo ano, Roosevelt foi oficialmente informado

dos planos para ocupar os dois arquipélagos, se a Espanha entrasse em guerra ao lado de Hitler. Os

Estados Unidos concordaram em ocupar Cabo Verde e os Açores, caso fosse preciso.

O Governo inglês estava consciente de que Salazar nada faria contra os interesses britânicos,

isto é, não se opunha a que a Inglaterra ocupasse as ilhas atlânticas de forma a impedir as intenções

de Hitler. A Península Ibérica surgiu como alternativa a Gibraltar e às ilhas, em virtude da “situação

potencialmente perigosa existente nos Açores e em Cabo Verde”301

.

O arquipélago de Cabo Verde é vital como posto de transbordo e reabastecimento. Podemos

constatar a necessidade de evitar que estas ilhas ficassem sob o controlo do inimigo. Numa conversa

com o Secretário de Estado Britânico dos Negócios Estrangeiros, Armindo Monteiro referiu as

posições vitais para o Império Britânico que Portugal tinha no mundo – “os Açores e Cabo Verde”.

Afirmou ainda que “a nossa amizade representa para a Inglaterra a segurança do Atlântico, a

entrada do Mediterrâneo, a certeza do caminho do Oriente sempre aberto. Porque é que tanta vez e

durante tanto tempo [...] se obstinaram, nestas condições em nos tratar como quantité

negligeable?”302

A 10 Janeiro de 1941, a operação “Félix” foi cancelada devido às discórdias existentes entre

Alemanha, Espanha, Itália e Turquia. Hitler retomou as conversações com o propósito de fazer

renascer a operação, mas a situação política e estratégica não lhe eram favoráveis, uma vez que

Churchill, com o apoio de Roosevelt, deu nova expressão aos seus objectivos e a Rússia insistia nas

suas reivindicações sobre o Báltico e no acesso aos mares.

Nos primeiros meses de 1941, reuniram-se em Londres e em Lisboa os representantes de

Portugal e de Inglaterra para serem discutidos os problemas relacionados com a defesa de Portugal

continental e insular. Ficou acordado que a Inglaterra daria auxílio para a construção de campos de

aviação e apoios técnicos na organização da defesa, tanto nos Açores como em Cabo Verde.

Depois dos sinais da intervenção da Alemanha na Grécia, Churchill temeu uma ofensiva do

Eixo no Mediterrâneo. Assim, em Março de 1941, o Primeiro-Ministro britânico, com mais forças

disponíveis, mencionou a intenção de desencadear uma nova ocupação de Cabo Verde, designada

de operação Shrapnell303

, para “afastar de vez” as intenções de Hitler de ter “um golpe de mão bem

sucedido” neste arquipélago. O Estado-Maior norte-americano também estava atento à situação do

301

Carta secreta de Lord Halifax ao embaixador de Portugal em Londres. Citada pelo próprio Armindo Monteiro num

telegrama enviado a Oliveira Salazar, em DAPE, vol., VII, p. 63. 302

DAPE, vol. IV, p. 157. 303

Curiosamente, Roosevelt só toma conhecimento destes preparativos dos ingleses em finais de Abril de 1941.

Contudo, não deixou de apoiar Churchill na ocupação de Cabo Verde, porém, apelou que quando concluída a guerra, a

Inglaterra de abandonar o arquipélago.

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arquipélago. A Inglaterra não precisava de usar Cabo Verde para fazer a ligação à América do

Norte, mas Cabo Verde era importante para se ligar a América do Sul e às suas colónias.

Desassossegado com a defesa de Cabo Verde, Bluter escreveu a Armindo Monteiro, no dia 16

de Abril de 1941, a dizer que o Governo britânico estava disposto a enviar “dois ou três peritos de

guerra a cada grupo de ilhas” para aconselharem sobre as defesas de Cabo Verde e dos Açores304

.

Poucos dias depois, Churchill enviou uma carta a Roosevelt a comunicar-lhe que “a capacidade

ibérica para resistir às pressões alemães podia ceder a curto prazo, o que implicava a ocupação dos

Açores e de Cabo Verde”305

.

Neste mesmo mês, o Senador norte-americano Pepper anunciou no Senado a “ocupação dos

Açores e de Cabo Verde”. O Governo comunicou que, à excepção da defesa aérea, a defesa dos

Açores estava completa e que as guarnições de Cabo Verde iriam ser reforçadas. Assim, a defesa se

fazia contra qualquer ameaça, quer viesse o Eixo, quer viesse os Aliados306

.

Nestes dois arquipélagos era patente a fragilidade do dispositivo militar português307

. Com a

evolução da guerra, as medidas da preocupação militar na região do Atlântico tomaram um volume

considerável.

Segundo Roosevelt, “o controlo ou a ocupação de qualquer uma das ilhas atlânticas pelas

forças nazis comprometeriam a segurança imediata de tractos da América do Norte e do Sul e das

posições insulares norte-americanas e, finalmente, a segurança do próprio território continental dos

Estados Unidos”308

. E caso Cabo Verde e os Açores fossem invadidos pela Alemanha “poriam

directamente em perigo a liberdade do Atlântico e a nossa própria segurança física”309

.

Em suma, os governos dos país Aliados estavam “extremamente preocupados” com a defesa

das ilhas atlânticas portuguesas, pois “do muito que se tinha colhido, de palavras e de atitudes dos

chefes militares e políticos do Reich, incluindo o próprio Führer, conclui-se que a expansão

germânica se orienta em vários sentidos, tomando, alguns deles, grande raio de acção”310

. A

possibilidade da Alemanha avançar sobre a Península Ibérica fazia o executivo americano recear

pela segurança do eixo Dakar-Natal.

304

DAPE, vol. VIII, p. 314. 305

Idem, Ibidem. 306

Pedro Cardoso, “Evolução do Conceito Estratégico Nacional no Século XX” in: Estratégia, vol. IV, Instituto de

Relações Internacionais,Lisboa, ISCSP, 1992, p. 47-49. 307

Maria Carrilho, “Política de Defesa e de Rearmamento”, in: Portugal na Segunda Guerra Mundial, Contributos

para uma Reavaliação, Lisboa, Dom Quixote, 1989, p. 32 e 33. 308

Telegrama de Bianchi a Oliveira Salazar, em DAPE, vol. VIII, p. 451-456. 309

Idem, Ibidem. 310

In: Açoriano Oriental, nº 5506 de 8 de Novembro de 1941.

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Um reforço da frota do Atlântico poderia significar a necessidade de operar no “teatro” da

Islândia, no dos Açores e de Cabo Verde, com o volume de forças navais disponíveis e com um

deficit de forças armadas terrestres ainda pouco preparadas para operar em tempo de guerra.

4.5. A PRESENÇA ITALIANA EM CABO VERDE

Em 1939, pouco antes do início da II Guerra, Portugal autorizou o Governo de Benito

Mussolini a construir um aeroporto na ilha do Sal, para servir de ligação com os países da América

do Sul.

Em Dezembro do mesmo ano, foi inaugurada esta linha aérea Itália-América do Sul, com

escala em Cabo Verde311

. A presença italiana neste arquipélago gerou insatisfações por parte da

Inglaterra que “pediu satisfações a Teixeira de Sampaio sobre as facilidades de comunicação

concedidas aos italianos relativamente à continuação da construção de uma pista na Ilha do Sal”312

.

Circulavam informações de que o aeródromo do Sal, que se tinha desenvolvido com

“surpreendente rapidez”, continuava a ser utilizado pelos italianos313

.

O embaixador italiano referiu a Salazar que a presença da companhia LATI314

em Cabo Verde

era muito importante para manter a influência europeia na América do Sul e combater o

«expansionismo» americano315

. Esta importância foi expressa, em Janeiro de 1941, pelo Governo

italiano ao comunicar ao Ministro das Colónias que tinha uma “urgente necessidade de Portugal

construir infra-estruturas no aeroporto de Cabo Verde”, pois as sugestões do Ministro Italiano iam

“ao ponto de lembrar a possibilidade de considerar a ilha do Sal como um ponto franco para a

LATI, a troco de uma pensão anual”316

.

Quanto à companhia LATI, o Governo português pretendia diminuir o número de italianos na

Ilha do Sal, dando apenas autorização a um “número de tripulantes já fixado” entre os dois

Governos. Pois, segundo informou o Governo do arquipélago, parecia “inconveniente autorizar a

entrada de mais súbditos italianos e alemães em Cabo Verde”317

. Em meados de 1941, a base

italiana na ilha do Sal funcionava “a título precário”318

.

Assim sendo, em Agosto, o Governo italiano pretendia substituir a sua tripulação residente na

ilha, sem fazer referência a Portugal. Devido a este incidente, o Ministro das Colónias “apresentou

311

António José Telo, op. cit., 1987, p. 128. 312

Idem, p. 122. 313

DAPE, vol. VII, p. 60. 314

Linhas Aéreas Transatlânticas Italianas. 315

Citado António José Telo, op. cit., 1987, p. 308-9. 316

Carta do Ministro das Colónias ao Ministério dos Negócios Estrangeiro, 04/02/1941, AHU, Ofícios Expedido,

Fevereiro de 1941. 317

AHU – 2966, 1.ª, UM, GM, MÇ, 1940-1941, Cópias Oficiais, UTL, p. 143. 318

AHU – Ofícios Expedido de Junho de 1941.

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protestos”319

, alegando que o envio de italianos a Cabo Verde em tempos de guerra podia “dar lugar

a incidentes desagradáveis”320

. Por motivos de ordem militar, no final de Setembro de 1941, o

Governo português ocupou as instalações da base Aérea da LATI321

. Com o decorrer da guerra, os

bens da mesma companhia foram “confiscados” para não haver “possibilidades de comunicações

clandestinas”322

. Anos mais tarde, depois de vários protestos por parte dos italianos, esses bens

foram-lhes devolvidos.

Em Outubro de 1941, a Inglaterra, que tinha conhecimento das movimentações alemãs no

Atlântico (e por isso “advertiu” Portugal), exprimiu a sua “preocupação” pela segurança dos cabos

telegráficos existentes nos Açores e em Cabo Verde e sobre as actividades da companhia LATI,

garantindo que os hidroaviões que faziam escalas no arquipélago transmitiam informações ao nazis

sobre a navegação aliada na zona323

.

Relativamente a este assunto, Salazar escreveu ao embaixador em Roma, Teixeira de

Sampaio, a comunicar-lhe que não tinha “dúvidas em recusar o pedido inglês de cessar os voos da

companhia de viação LATI a partir de Cabo Verde”. Salazar informou Roma que estava “a ser feito

um esforço para proteger os interesses italianos”324

.

No que diz respeito à “guerra secreta”, os Serviços de Informação Italianos que funcionavam

em ligação com os alemães, dispunham de um ponto em Cabo Verde, onde Roma desenvolveu a

base para hidroaviões da LATI, na ilha do Sal. Assim, o arquipélago cabo-verdiano funcionava

como ligação às extensas relações do Eixo na América Latina, sendo a LATI utilizada para

transportar alguns produtos raros para a Europa, como a platina, por exemplo325

. Citando o

historiador António José Telo, “nesta fase da guerra, Cabo Verde era um dos pontos mais sensíveis

do império”326

.

4.6. A VITÓRIA DOS PAÍSES ALIADOS NA BATALHA DO ATLÂNTICO

Após a rendição da Alemanha, os submarinos alemães começaram a chegar aos portos navais

da costa sul de Inglaterra em obediência às ordens dadas pelas Nações Unidas. A Batalha foi ganha

após uma luta não menos perigosa e por meios de esforços tão difíceis e prolongados como na que

319

AHU – 2966, 1A, UM, GM, MÇ, 1940-1941, Cópias Ofícios, Correspondência Expedida de Setembro de 1941,

UTL, p. 2171. 320

AHU – 2966, 1A, UM, GM, MÇ, 1940-1941, Cópias Ofícios, UTL, Correspondência Expedida de Outubro de 1941,

p. 2192. 321

AOS/CO/NE – 2F. 322

AHM – FO/037/1/518/4. 323

António José Telo, op. cit., 1987, p. 425. 324

Telegrama 72 de Salazar o Ministro em Roma, em 28 de Novembro de 1941, citado por António José Telo, op. cit.,

1987, p. 441. 325

António José Telo, op. cit., 1987, p. 428-9. 326

Idem, p. 438.

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terminou em Novembro de 1918, embora não tivesse sido coroada com o “esplendor trágico” da

rendição da orgulhosa esquadra alemã no alto mar, que depois foi afundada em Scapa Flow.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha nazi não possuía “navios de superfície em

quantidades suficientes e não esteve em condições de travar uma batalha naval como a da

Jutlândia”327

.

Todavia, os “poucos” navios principais dos nazis eram rápidos e potentes e enquanto andaram

nos mares só a sua existência causou embaraços à Esquadra Real se o facto de os terem aplicado

isoladamente, ou em pequenas esquadras, deu ocasião àquelas “acções brilhantes” em que foi

derrotado o almirante Graf Spee, em Dezembro de 1939, e à destruição de Bismarck, em 1941. Daí

em diante, o valor principal dos restantes navios alemães, tais como Tripitz, Gneisenau, e

Scharnhorst consistiu em conter forças superiores com a sua presença nos portos, onde

normalmente se limitavam a espiar.

Mais do que na Primeira Guerra Mundial, o submarino continuou a ser a principal arma da

Alemanha. A princípio, houve esperança de que os estratagemas empregues, principalmente o

sistema de comboios seriam agora suficientes para manter os submarinos dentro de limites

moderados visto que os progressos técnicos na construção de submarinos e na táctica não tinham

sido grandes. Porém, a Alemanha começou a explorar “duas novas grandes vantagens – a produção

extremamente rápida de submarinos e o uso, como bases, de todos os portos na Noruega e da

França vencidas”328

.

A Esquadra Real, por seu lado, já não tinha à disposição os portos da Irlanda do Sul. Chegou-

se à conclusão de que operar com submarinos em “alcateias de lobos” compensava a perícia

deficiente dos oficiais e das tripulações, mas o número insuficiente de unidades de escolta deixava

muitas vezes a sua “presa completamente indefesa”. Uma vez mais, o Almirantado teve razões para

mostrar as mais sérias inquietações a respeito da manutenção da linha vital do Atlântico.

A ameaça foi vencida, pouco a pouco, graças, principalmente, à acção de três factores:

a) O primeiro foi a construção intensiva de unidades ligeiras de escolta, principalmente

corvetas e fragatas para protegerem os comboios. Suprida esta necessidade, os cinquentas

destroyers, então cedidos pelos Estados Unidos (país ainda neutro), em troca de bases nas

Caraíbas, prestaram auxílio indispensável no momento mais crítico;

b) O segundo factor diz respeito a transferência de maior número de aviões ingleses para

defender os comboios em águas ao alcance da protecção aérea com bases terrestres e para

contra-atacar os próprios submarinos;

327

AHM – FO/037/2/512. 328

Idem.

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Adildo Soares Gomes Capítulo IV: Cabo Verde e a Segunda Guerra Mundial

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c) O terceiro tem a ver com a construção de unidades de escolta e a sua adstrição aos

comboios, a fim de os guardar na passagem mais perigosa no meio do Atlântico, onde não

podiam ser protegidos da costa britânica nem da americana329

.

Com o emprego destes métodos, a ameaça foi vencida – os afundamentos de submarinos

começaram a exceder os dos navios mercantes. Durante toda a guerra foram afundados mais de 500

submarinos330

. Após um período em que a Alemanha “parecia tão intimidada com as suas perdas

que nem se quer ousava fazer-se ao mar”, começou a notar-se certa actividade dos submarinos, mas

os seu êxitos não “perturbaram seriamente” a fase da ofensiva final da estratégia aliada.

A campanha contra os submarinos, que não se tinha limitado ao Atlântico, mas sim a todos

os mares onde navegavam navios aliados, era a principal preocupação da Marinha através da guerra.

A política britânica “baseava-se ao máximo” na opinião do Coronel Henderson, segundo a qual “a

força naval do inimigo devia ser o primeiro objectivo das forças navais tanto em terra como no

mar”331

. O poder naval representava o controlo das comunicações marítimas com todas as armas

que fosse possível empregar. Era evidente que era necessário haver a mais íntima coordenação entre

as forças navais e aéreas, quer fossem transportadas, quer tivessem bases terrestres, além da

cooperação dos exércitos332

.

Os Aliados combateram com perseverança e conseguiram dominar as vias marítimas,

impedindo que a Alemanha se apossasse delas, utilizando-as continuamente para o seu próprio

tráfego. Não se conseguia o domínio das comunicações marítimas no Báltico. O Mediterrâneo foi

perdido com a queda da França e toda a campanha do Norte de África, incluindo a defesa da Malta

travada para recuperar aquele domínio. Nos oceanos, não houve esforços alemães que conseguissem

perturbá-lo.

Em virtude da supremacia britânica no Canal, para a qual muito contribuíram os aviadores

que combateram na Batalha de Inglaterra, o adversário teve de desistir da ideia de invadir as ilhas

britânicas. Com o domínio do Atlântico foi mantida a subsistência da Grã-Bretanha e concentrado o

poderoso exército americano necessário para a invasão da Europa. Acrescido a isto, o domínio do

Ártico permitiu que os recursos industriais do Novo Mundo prestassem o auxílio à defesa russa.

329

Para mais desenvolvimento, ver o ponto 2.2. A Batalha do Atlântico e a Importância Geoestratégica de Cabo Verde e

dos Açores; António José Telo, Portugal na Segunda Guerra, Lisboa, Perspectivas & Realidades, 1987; e Luís Nuno

Rodrigues, No Coração do Atlântico: Os Estados Unidos e os Açores, (1939-1949), Lisboa, Prefácio, 2005. 330

AHM – FO/037/2/512. 331

Idem. 332

Idem.

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CAPÍTULO V: A DEFESA DE CABO

VERDE

“[…] está a ser preparada uma força expedicionária de 25 000 homens

[…] e está a pressionar as autoridades militares para acelerarem os preparativos

para a defesa de Cabo Verde e dos Açores”. (Roosevelt)333

333

Citado por, José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 60.

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Adildo Soares Gomes Capítulo V: A Defesa de Cabo Verde

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5.1. PLANO DE DEFESA DO PORTO GRANDE DE SÃO VICENTE (1939)

Antes do início da Segunda Guerra Mundial, a aviação naval portuguesa apresentou um plano

que visava instalar uma base em Cabo Verde. Com o início da guerra, verificou-se que os planos

anteriores tinham grandes erros. No dia 18 de Setembro de 1939, o Ministério da Guerra “analisou e

deu o seu parecer sobre um projecto de defesa do Porto Grande de São Vicente” elaborado pela

Repartição Militar do Ministério das Colónias (RMMC). O projecto foi elaborado na própria

província de Cabo Verde, pelo Tenente da Artilharia João António Nunes de Andrade, em serviço

na mesma província. O projecto elaborado no dia 24 de Agosto com “todo o cuidado, continha um

estudo técnico preciso e seguro”334

.

O projecto apresentava duas partes: uma com o vasto armamento que seria necessário à defesa

completa da ilha de São Vicente e do seu porto como base naval; outra com “as restrições que se

entendia poderem fazer-se como medida económica”. Estas aproximavam-se das que constavam no

parecer do Ministério da Guerra sobre o projecto da RMMC e “não havia motivo para o

modificar”335

. Segundo o Coronel José Mascarenhas, o porto de São Vicente devia “ser considerado

como um ponto de apoio (porto de refúgio) e não como base naval”336

.

Foram consideradas as possíveis operações em terra. Embora os desembarques fossem

possíveis em vários pontos da ilha de São Vicente, era opinião do Ministério da Guerra que devia

“ter apenas em conta aqueles que poderiam ser feitos nas proximidades do objectivo principal a

atingir – Porto de Mindelo – onde estavam concentrados todos os órgãos vitais e não em pontos

afastados que obrigariam o inimigo a longas e difíceis marchas e operações demoradas que

exigiriam efectivos e meios de que certamente ele não poderá dispor”337

. Não se deviam “considerar

quaisquer desembarques e consequentes ataques que se pudessem fazer fora das baías de Porto

Grande, Salamansa e São Pedro […]”338

.

Pelo decreto-lei n.º 29886, de 14 de Junho de 1939, o efectivo de tempo de paz destinado à

defesa de Cabo Verde era de duas companhias de caçadores, tendo adstritas cada uma um pelotão

de morteiros. Segundo as notas do Ministério de Guerra, desde que à ilha de São Vicente fosse

“dada uma destas companhias e fosse criada uma bateria de obuzes de montanha”, tal seria

suficiente para a sua defesa. A província de Cabo Verde devia ainda “dispor de uma reserva de

334

AHM – FO/029/10/365/230. 335

Idem. 336

Coronel José Mascarenhas, Chefe da Segunda Repartição, AHM – FO/029/10/365/236. 337

AHM – FO/029/10/365/236. 338

Idem.

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Adildo Soares Gomes Capítulo V: A Defesa de Cabo Verde

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material – espingardas e metralhadoras – para armar em caso de guerra, todo o pessoal instruído de

milícias, como a Legião Portuguesa”339

.

Se examinarmos o Porto Grande, vemos que qualquer navio para o alcançar terá de entrar e

caminhar por qualquer dos canais formados pela ilha de São Vicente com a de Santo Antão. “O

Porto Grande poderá começar a ser batido pela artilharia de qualquer vaso de guerra, antes de

instalar baterias de costas que forcem esse vaso a manter-se a uma distância tal que a sua artilharia

não possa alcançar o objectivo, ou a impedi-lo de forçar os canais e vir a atacar directamente o

Porto”340

.

De acordo com o relatório de José Mascarenhas, com “três baterias de duas peças cada, com

alcance entre 25 a 30 km”, o Porto Grande estaria defendido contra qualquer ataque feito por

unidade de superfície. As baterias poderiam ser instaladas respectivamente no Canalinho (ilha de

São Vicente), na Tope Susana (ilha de São Vicente) e o terceiro no Morro Brejo (ilha de Santo

Antão). A bateria instalada em Santo Antão alcançava toda a frente de onde o Porto Grande podia

ser alvejado.

As baterias deveriam ser instalas sobre plataformas giratórias de forma a permitir-lhe um

sector de tiro, de pelo menos 180º. “Sobre qualquer alvo que apareça poderão incidir, desde o caso

mais desfavorável do fogo de uma só bateria, ao fogo conjunto das três baterias, e isto em qualquer

direcção”341

. Continuando a citar o relatório do Coronel, “poder-se-á […], como reforço, instalar no

Fortim D´El Rei e na posição de Lazareto, respectivamente em cada uma, uma divisão de duas

peças de material misto para a costa e anti-aéreo. O complemento da defesa pertence à marinha,

como o fundeamento de minas, redes submarinas, […]”342

.

Analisamos, agora, a defesa anti-aérea: era necessário “pôr de parte a existência de navios

porta-aviões inimigos ou que este dispunha de bases aéreas próximas que lhe permitissem o

emprego de ataques com grande número de aviões. O que, portanto, seria o ataque causal de

quaisquer aviões isolados do tipo dos transportados pelas unidades de superfície ou submersíveis

[…]”343

. A defesa contra a sua acção seria feita pelas “duas divisões de artilharia mista”, que

podiam ser completada pela de uma bateria automóvel anti-aérea de 40m/m e por algumas

metralhadoras colocadas nos pontos vitais. Como meio mais eficaz e económico, poderia ser dotado

o Porto Grande de uma artilharia de “dois ou três hidroaviões rápidos, mistos de combate e

reconhecimento”344

. Devia igualmente ser preparada com todo o cuidado a defesa passiva. Seria

339

Idem. 340

Idem. 341

Coronel José Mascarenhas, Chefe da Segunda Repartição. AHM – FO/029/10/365/236. 342

Idem. 343

Idem. 344

Idem.

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Adildo Soares Gomes Capítulo V: A Defesa de Cabo Verde

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necessário adquirir e montar todos os elementos que formavam o complemento de qualquer

organização deste género, como: posto meteorológico, posto rádio-telegráfico, rádio-goniométrico,

projectores, aparelhos de escuta, etc.

A partir de 1940, foi considerado “imprescindível” manter pelo menos um contra-torpedo em

Cabo Verde como defesa mínima de um golpe-de-mão, mas se verificou que tal não era possível345

.

Assim, os portos das ilhas estavam virtualmente indefesos.

A 4 de Novembro de 1941, o Cônsul americano em Cabo Verde escreveu ao State

Departament a chamar a atenção a um possível desembarque de tropas alemães em Cabo Verde.

Para defender o arquipélago de um possível ataque da Alemanha foram enviados,

aproximadamente, 5 000 soldados para o arquipélago, mas que, praticamente, só possuíam

armamento ligeiro. A defesa do Porto Grande, na ilha de São Vicente, baseava-se quase só em três

peças de 150 mm, reforçadas em 1941 com quatro peças antiaéreas, 12 metralhadoras e uma secção

de morteiros de 81 mm346

.

5.2. PLANO DE DEFESA DE CABO VERDE (1942)

Como já foi referido, durante a Segunda Guerra Mundial, Portugal foi um país neutro.

Sabedor da importância estratégica do arquipélago de Cabo Verde e dos Açores, alvos apetecidos

por qualquer dos contendores, Portugal entendeu que seria crucial guarnecer aqueles territórios com

forças militares suficientes para dissuadir qualquer veleidade por parte dos beligerantes.

Durante o conflito, estes arquipélagos eram, com efeito, muito cobiçados por serem detentores

de elevado potencial estratégicos, sobretudo do ponto de vista aero-naval. Uma fraca presença de

forças nacionais poderia indicar um sintoma de desleixo susceptível de encorajar uma ocupação

estrangeira à revelia do direito internacional, em manifesto atropelo da soberania portuguesa.

No dia 12 de Agosto de 1942, foram aprovadas as directivas para a organização do plano de

defesa do arquipélago de Cabo Verde tendo-se em conta as precisões seguintes:

a) As forças metropolitanas destacadas para reforçar a guarnição militar da colónia de Cabo

Verde destinavam-se exclusivamente à defesa de São Vicente;

b) À ilha de Santiago foram afectas duas companhias de caçadores indígenas da colónia que

eram rapidamente colocadas em estado de completa eficiência. Na hipótese da colónia não

poder assumir as despesas com a sua guarnição militar privativa, o Ministério da Guerra

tomaria parte das mesmas. Procurar-se-ia prover num oficial superior da arma de infantaria

345

António José Telo, op. cit., 1996, p. 161-162. 346

António José Telo, op. cit., 1993, p. 280.

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(Major ou Tenente Coronel) o comando militar da ilha de Santiago, que simultaneamente

exerceria o comando das duas companhias indígenas de caçadores”347

;

c) A guarnição da ilha de São Vicente seria constituída pelas tropas aí presentemente

estacionadas, reforçadas, logo que fosse possível, com a bateria de artilharia de campanha de

75 m/m. A bateria antiaérea de 40 m/m seria elevada a 6 peças logo que as disponibilidades

em material o permitam;

d) Não poderiam ser deslocadas da ilha de São Vicente para a ilha de Santo Antão os

efectivos superiores a uma companhia de atiradores, reforçada com um pelotão de

metralhadoras pesadas e uma secção de morteiros de 81 m/m. Visto não ser possível reunir

nesta ilha efectivos que garantissem a sua defesa integral, em todas as circunstâncias deviam

apenas contentar-se com a vigilância do canal em frente ao Porto Grande de São Vicente,

tendo como base principal a ocupação de Carvoeiros;

e) A guarnição da ilha do Sal seria constituída por um regimento de infantaria de dois

batalhões e uma bateria A.A. de 40 m/m, provisoriamente a quatro peças, mas elevada a seis

logo que o permitissem as disponibilidades em material. Não sendo possível por dificuldades

de reabastecimento manter na ilha os dois batalhões do regimento, e um batalhão do

regimento devia ali ficar apenas o comando do regimento e um batalhão, transferindo-se o

outro batalhão para a ilha de Santo Antão onde permaneceria durante oito meses, recolhendo

então a São Vicente todas as tropas da guarnição desta ilha.

Nesta hipótese, o conceito da ocupação da ilha de Santo Antão devia prever a vigilância da

sua zona norte e noroeste e a defesa, a todo o custo, da zona sul. Em contrapartida, o conceito

da defesa da ilha do Sal devia modificar-se no sentido de ser defendido o planalto da zona do

aeródromo, vigiando-se com elementos não superiores a um pelotão de atiradores cada um

dos portos de Santa Maria e Pedra de Lume.

As tropas que guarneciam a ilha do Sal não deviam manter-se na ilha por um período de

duração superior a oito meses. Para esse efeito, o Comando Militar da Colónia ficava

autorizado a trocar entre si os batalhões e as baterias das guarnições da ilha de São Vicente e

do Sal, bem como as formações de comando dos dois regimentos se tal se fosse conveniente.

Na hipótese de se verificar que não podia ser mantido mais de um batalhão na ilha do Sal a

troca far-se-ia no que respeita à infantaria, apenas entre os dois batalhões do regimento;

f) Por falta de elementos, não foi possível destacar para o arquipélago forças de aeronáutica;

347

AHM – FO/037/1/518/5.

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Adildo Soares Gomes Capítulo V: A Defesa de Cabo Verde

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g) O Ministério da Guerra procurou assegurar por meios próprios os transportes militares

entre as ilhas do Sal e de São Vicente, bem como transporte de água entre as ilhas de Santo

Antão e São Vicente;

h) Procurar-se-ia manter no arquipélago reservas de munições e de combustíveis para dois

meses e de víveres para um período de quatro a seis meses;

i) Dever-se-ia procurar instruir no arquipélago pessoal indígena para pelo menos dois

batalhões de infantaria. Em qualquer das hipóteses, seria sempre possível contar com um

importante reserva de mobilização para a defesa das ilhas348

;

Segundo o Governador da província de Cabo Verde, José Diogo Ferreira Martins, “na ilha do

Sal devia ficar instalada uma companhia de atiradores, reforçada por um pelotão de metralhadoras

pesadas em Santa Maria”349

. Os restantes elementos do batalhão “em barracas a construir, no Morro

Carvão Purpura e no campo de aviação, mas sem prejuízo na aterragem ou largada de aviões”350

. Na

Pedra de Lume, à excepção do Campo de Espargos, “todos os locais da ilha do Sal onde seja

possível aterrar aviões devem ser obstruídos”351

. Foi comunicado ao Administrador do Concelho do

Sal para “realizar trabalhos de obstrução com os trabalhadores que devem ir para a ilha de São

Nicolau e estudar as possibilidades de alojamento para tropas locais”352

. Para a defesa da ilha de

Santiago, deviam ser criadas “duas companhias de caçadores previstas na organização em

substituição dos pelotões mistos que devem ser dissolvidos [...]”353

.

No aspecto de planeamento de operações, os planos de defesa existentes foram elaborados de

1941 a 1944. Não existiam directivas para a elaboração de planos de defesa e segurança interna.

Pois a ocupação com forças expedicionárias do arquipélago ou de alguma das suas ilhas foi sempre

resultante de causas cujo estudo cabe ao departamento de Defesa.

No aspecto de segurança interna, havia que prever a intervenção das forças da Província em

qualquer das ilhas do arquipélago e estudar as medidas a tomar para a segurança de unidades em

trânsito. Era trabalho “que estava dentro das possibilidades do Comando Militar”354

. Tornou-se

“necessário dar ao Comando Militar uma directiva da defesa e segurança interna do

Arquipélago”355

.

Ainda para evitar a ocupação de Cabo Verde, havia que “dispor de um comando com os

órgãos suficientes para se organizar de informações eficientes, elementos capazes de

348

AHM – FO/037/1/518/5. 349

Idem. 350

Confidencial: Telegrama da Praia para o Comando de São Vicente (Cabo Verde), AHM – FO/037/1/518/5. 351

Idem. 352

Idem. 353

Idem. 354

AHM – FO/032/1/398/6. 355

Idem.

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Adildo Soares Gomes Capítulo V: A Defesa de Cabo Verde

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instantaneamente observar unidades de reforço destacadas para o arquipélago e os órgãos de serviço

para a manutenção do material existente na província”356

. As unidades estabelecidas e preconizadas

eram as seguintes: Quartel-General, duas Companhias de Caçadores, Depósito Geral de Material e

Tribunal Militar Territorial.

5.3. A CONFERÊNCIA LUSO-BRITÂNICA E A DEFESA DOS ARQUIPÉLAGOS PORTUGUESES DO

ATLÂNTICO

Entre 3 e 12 de Março de 1941, os oficiais do Estado-Maior português e britânico reuniram-se

para fazerem uma “demorada análise e um cuidadoso exame de todos os elementos” que, para

Portugal, “condicionavam a situação actual da Península e do problema da defesa de Portugal”357

.

A partir do momento em que Portugal se apercebeu da impossibilidade da guerra ser evitada,

não deixou de encarar com particular atenção o problema da defesa das suas ilhas do atlântico. Não

ignorou a sua importância em relação às comunicações e ao comércio marítimo de qualquer dos

países em luta e foi para si sempre ponto assente que, uma vez declarada a guerra, seria sempre de

recear um golpe contra os Açores e Cabo Verde. Por isso mesmo, o Governo britânico mandou o

seu congénere português tratar deste problema durante as conversações militares luso-britânicas de

1938 e não deixou de constituir surpresa para os britânicos a circunstância de os delegados militares

ingleses nessas conversações se mostrarem relativamente desinteressados desse aspecto do

problema militar português.

Naquela conformidade, o Governo português mandou em devido tempo formular um plano

para a defesa dos Açores, de Cabo Verde e da Madeira, plano esse que vinha sido executado com

alguma lentidão devido à escassez de recursos imediatamente disponíveis e ainda reduzidos pela

acção do bloqueio marítimo resultante da guerra358

.

Nesta mesma conferência luso-britânica, realizada em Lisboa, foram tratados os seguintes

problemas:

a) “Escala de um ataque a Portugal, partido dos Pirenéus;

b) Datas do início provável deste ataque;

c) Zonas portuguesas de defesa;

d) Forças de que Portugal dispõe para as guarnecer;

e) Armamentos de que imediatamente precisa;

f) Auxílios e reforços indispensáveis;

356

Idem. 357

DAPE, vol. VIII, p. 395-396. 358

Idem, p. 403.

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g) Defesa dos Açores e de Cabo Verde”359

.

Foram então aprovados oito planos para defender as ilhas atlânticas portuguesas, que

compreendiam:

1) Instalação de baterias de artilharia de costa nos postos praticáveis, de forma a fazer

respeitar a soberania portuguesa por parte da navegação comercial ancorada ou em trânsito e a

repelir qualquer ataque levado a efeito por flotilhas ligeiras submarinas ou de superfície;

2) Elevação aos efeitos da guerra das guarnições militares normais;

3) Reforço das guarnições normais por contingentes militares partidos do continente;

4) Formação de novas unidades locais para desdobramento das existentes em tempo de paz

efectuado através da mobilização dos recursos em pessoal existente;

5) Organização defensiva das ilhas de maior importância militar de forma a tornar

impossível qualquer desembarque ou aterragem ou amaragem de forças aéreas;

6) Organização de segurança interna das mesmas ilhas de forma a impedir o assalto por

pára-quedistas ou a actuação de elementos organizados no interior;

7) Organização da segurança e da vigilância naval pela atribuição a título permanente de

navios de guerra nos três arquipélagos (Açores, Cabo Verde e Madeira);

8) Organização da segurança aérea dos Açores pela atribuição de algumas baterias anti-

aérea e de esquadrilhas de caça e de reconhecimento enviadas da metrópole360

.

Todas as partes do plano encontravam-se a ser realizadas, ou prestes a sê-lo, excepto o

disposto n.º 8, devido à carência de meios. Assim, a partir do mês de Maio do mesmo ano, o

Governo português estaria em condições de se opor eficazmente a uma tentativa de ataque à sua

soberania nas ilhas portuguesas do Atlântico361

.

Para remover a carência de meios a fim de realizar o disposto n.º 8 era necessário que as

autoridades britânicas fornecessem, de imediato:

a) 3 baterias de artilharia antiaérea móvel de 3,7´´ (9,4 cm) com os respectivos tractores,

projectores e aparelhagem de escuta;

b) 36, de 40 mm, sistema Bofors, ou seja, 9 baterias de 4 peças362

.

De acordo com as palavras do embaixador Armindo Monteiro, o ponto da defesa dos Açores e

de Cabo Verde era “extremamente importante, tanto sob o aspecto da defesa da retaguarda

359

Idem, p. 426. 360

Idem, p. 403-404. 361

Idem, p. 404. 362

Idem, Ibidem.

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portuguesa como sob o de segurança britânica no Atlântico” – e tanto no que respeitava aos Açores

como a Cabo Verde363

.

Devido à queda da França, em Maio de 1940, e ao domínio do continente europeu por parte

da Alemanha, os planos para a defesa das ilhas foram alterados. Assim sendo, em finais do mesmo

mês, os Comandos Militares do Reino Unido notaram num memorando interno que Cabo Verde e

os Açores eram “da maior importância e de grande valor estratégico” e “em caso de hostilidade

portuguesa, deveriam ser ocupados”364

.

Nessa fase da guerra, a esquadra francesa, que era a principal força naval no Mediterrâneo,

estava neutralizada e a Itália dominava o Mediterrâneo Central. Assim sendo, à Inglaterra só

restavam as bases no Suez e em Gibraltar. Esta última era muito importante pois fechava o

Mediterrâneo, impedindo que a esquadra italiana saísse para o Atlântico. Perante essa situação, a

Royal Navy reforçou o Mediterrâneo com a chamada “força H”. Caso a Espanha entrasse em guerra

(e Gibraltar fosse atacado), o desvio da “força H” para Portugal ou para as suas ilhas era essencial

para “o controlo do Atlântico”365

.

Com a assinatura do armistício por parte da França, com a entrada da Itália na guerra e com o

receio que a Espanha deixasse de ser neutro e passasse para o lado do Eixo, Cabo Verde ganhou

uma maior importância, pois era uma das poucas alternativas no Atlântico que poderia ser ocupada

para substituir Gibraltar (caso fosse ocupado pelas forças do Eixo).

Sobre Cabo Verde e os Açores, António José Telo nota que os Comando Militares Britânicos

recomendaram a ocupação destes dois arquipélagos logo que se tornasse “evidente” que “a Espanha

pretendia entrar na guerra”, ou se houvesse “um risco sério de os Açores e Cabo Verde serem

ocupados” pelo Eixo366

.

A 17 de Julho de 1940, Dunn, (Conselheiro Político norte-americano para questões europeias)

confessou a Bianchi, embaixador de Portugal em Washington, “o alto interesse dos Estados Unidos

da América pela situação das ilhas pertencentes a Portugal”, acrescentando que o Governo norte-

americano pretendia que Portugal lhe comunicasse “qualquer suspeita, facto ou circunstância” que

pudesse afectar a situação nas ilhas para lhe poder dar “a mais imediata e séria consideração”367

.

363

Idem, p. 428. 364

Citado por António José Telo, op. cit., 1993, p. 310. 365

Idem, p. 312. 366

Idem, p. 313. 367

AHD, AW, Maço 123.

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Foi dito que os EUA “forneceriam a Portugal o material que carecia desde que o houvesse”368

.

Luís Nuno Rodrigues acrescenta que Bianchi escreveu a Salazar a dizer-lhe que lhe tinha sido dito

que Roosevelt, “com o conhecimento que tem de questões navais, interessava-se particularmente

pela situação dos Açores e de Cabo Verde […]”369

.

5.4. OS ALIADOS E A DEFESA DO ARQUIPÉLAGO DE CABO VERDE

Em 17 de Agosto de 1939, Portugal assinou com o Reino Unido um acordo de cooperação

militar pelo qual Londres participaria directamente no esforço de rearmamento e de modernização

das Forças Armadas Portuguesas. Esse acordo só começará a ser cumprido em Setembro de 1943,

quando são concedidas facilidades militares nos Açores aos britânicos.

A primeira medida relativamente à defesa de cabo Verde e dos Açores tomada pelos ingleses

foi a implantação de British Consular Shipping Advisor370

, nos Açores, em 1939, poucos dias antes

da guerra eclodir. Em Cabo Verde, procedeu-se igualmente a uma outra operação, mas com

dimensões mais limitadas.

O Governo britânico estava perfeitamente informado, sobre a defesa das ilhas portuguesas do

Atlântico, muito embora as autoridades militares portuguesas não partilhassem da opinião das

autoridades britânicas acerca das possibilidades de um ataque alemão àquelas ilhas. O Governo

português não poupou esforços para que as ilhas pudessem eficientemente resistir a um eventual

ataque alemão, ao menos durante o tempo necessário à presença naquelas águas da esquadra inglesa

e à prestação do seu auxílio. Enviando tropas, armando-as convenientemente, organizando a defesa

por todos os meios ao seu alcance, solicitando até ao Governo britânico o fornecimento imediato

dos elementos aconselháveis para tornar ainda mais perfeita a defesa371

.

Segundo José Freire Antunes, a 15 de Maio de 1940, começaram, em Londres, os planos para

a intervenção militar inglesa em Cabo Verde quando “Churchill temia a ocorrência de um golpe de

Estado promovido em Portugal pela Alemanha e pela Itália”372

. Preocupado com a defesa de

Portugal, o Primeiro-Ministro britânico concluiu que “era necessário e urgente preparar a ocupação

militar de Cabo Verde e dos Açores […]”373

. Decidiu então pedir aos chefes militares a elaboração

de um plano para “garantir pontos estratégicos nas ilhas de Cabo Verde e dos Açores ou em

368

Telegrama da Legação Portuguesa em Washington para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, cit. por Luís Nuno

Rodrigues, “Franklin Roosevelt e os Açores na II Guerra Mundial”, in: Franklin Roosevelt e os Açores nas Duas

Guerras Mundiais, Lisboa, FLAD, 2008, p. 140. 369

Idem, Ibidem. 370

Um centro de inteligência naval. 371

Arquivo Oliveira Salazar (doravante AOS) – CLB/FSM-3 pasta VI. 372

José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 40. 373

Idem, Ibidem.

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Adildo Soares Gomes Capítulo V: A Defesa de Cabo Verde

94

Portugal continental”374

. A 14 de Julho do mesmo ano, ficou concluído o documento Atlantic

Islands Project que visava “impedir o seu uso pelo inimigo, garantir a segurança do cable station e

assegurar nos Açores uma base aérea para restabelecimento, isto se Gibraltar se tornasse inútil”375

.

De acordo com os planos ingleses, citados por António José Telo, Cabo Verde estava

“defendido por 30 soldados indígenas com um oficial português”, contando com duas baterias

obsoletas de defesa de costa no Porto Grande (São Vicente). Por excesso de zelo, foi destacada uma

brigada de infantaria para a sua ocupação, não por causa das forças portuguesas, mas porque se

temia o contra-ataque de unidades do Eixo a partir das Canárias. O desembarque devia ser feito

simultaneamente no Sal (onde existia um aeródromo civil italiano) e São Vicente, sendo Maio e

Santiago ocupadas logo a seguir”376

– Operação Alloy. Em meados de Junho de 1940, os planos da

referida operação já estavam prontos, sendo então entregues à 3ª Divisão de Bernard

Montgomery377

.

Em Março de 1941, o Subsecretário de Estado do FO comunicou a Armindo Monteiro a

preocupação “causada às autoridades navais pela presença em São Vicente da tripulação do antigo

petroleiro alemão Prometheus e a influência exercida nos habitantes da ilha”378

. Devido ao

sucedido, José Diogo Ferreira Martins379

, logo após ter sido nomeado Governador de Cabo Verde,

pediu ao Ministério do Interior para “manter na colónia, especialmente em São Vicente, um serviço

secreto de informações […]”380

. Armindo Monteiro verbalizou que se tratava de “cerca de trinta e

oito homens, tendo em vista a batalha do Atlântico”, alvitrando ainda que fossem tomadas

providências para impedir qualquer actividade que pudesse ser danosa381

.

Quanto à presença dos alemães no arquipélago, Campbell pediu a Portugal “vigilância sobre

Cabo Verde e a linha italiana que por ali passa”382

. O embaixador britânico em Lisboa, ainda,

transmitiu a Oliveira Salazar que “havia que economizar toda a tonelagem possível e que os

alemães começavam de novo a atacar os comboios ao largo de São Vicente, passando os aviões por

cima do território português, recomeçando as perdas importantes. Era necessário fechar a brecha

dos Açores”383

. Porém, a proibição pura e simples de voo sobre o território português era

374

Idem, Ibidem. 375

PRO FO 371/244495. CTM, cit por José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 42. 376

Ver António José Telo, op. cit., 1993, p. 313. 377

Idem, p. 314. 378

DAPE vol. VIII, p. 231. 379

Capitão de Artilharia, Governador de Província do quadro comum do Império e antigo Governador da província de

Malange, foi nomeado em 17 de Fevereiro de 1941 (conf. Decreto de 17.2.1941, DG, n.º 49, II Série, 1 de Março de

1941) e governou até 28.8.1943 (conf. Portaria de 28.8.1943, DG, n.º 204, II Série, de 1 de Setembro de 1943). Foi

exonerado a seu pedido. 380

AHU – 2966, 1A, UM, GM, MÇ, 1940-1941, Cópias Ofícios, UTL, Ofícios Expedidos de Julho de 1941. 381

DAPE vol. VIII, p. 231. 382

Idem, p. 288. 383

DAPE, vol. XII, p. 212.

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95

impossível, mas o assunto teria de ser condicionado com o bom senso de todos. Portugal “deve

pensar muito neste problema pela posição muito especial das suas posições – Lisboa, Açores, Cabo

Verde, […]”384

.

Quanto à vigilância de Cabo Verde, Amadeu Gomes de Figueiredo385

, enquanto Governador

do arquipélago, em Janeiro de 1941, mandou suspender a vigia das costas das ilhas “por não dar

resultados práticos” e por ter sido classificado pela Capitania de Cabo Verde como “inútil”. Devido

à importância das ilhas, o Ministro da Marinha “pediu informações” ao Governador de Cabo

Verde386

. A vigilância passou a ser exercida, em terra, permanentemente, pela guarnição militar,

pela população e por diversos funcionários, espontâneo e gratuitamente. O Governador declarou

que “se em determinado local ou locais fosse notada a assiduidade de submarinos ou navios

desconhecidos, imediatamente lá montaria uma vigilância permanente”387

.

O Coronel Artur L. Antunes Cabrita solicitou “organização ao Administrador do Concelho de

defesa passiva de São Vicente e a evacuação da população civil em caso de alarme ou ataque”388

. E

na Baía de São Pedro e na Baía das Gatas, as posições que flanqueavam as praias deviam ficar,

durante a noite, guarnecidas pelo menos ½ (um meio) do efectivo, “mantendo-se permanentemente

nelas munições e rações de reservas”. Semelhante sistema devia ser “observado nas posições das

praias de galé e Matiota” e o serviço de vigilância nocturna deveria “merecer especial cuidado em

todos os sectores”389

.

Em Maio de 1941, o Ministro do Ultramar indagou “com urgência” se o Governo de Sua

Majestade podia dispensar alguns canhões de defesa costeira para as ilhas de Cabo Verde. O

Almirantado comprometeu-se a fornecer imediatamente 3 canhões de 4,7´´ para este fim, bem como

o pessoal técnico necessário para os instalar e ensinar a manejar390

.

No dia 25 de Junho de 1941, o adido naval britânico entregou um memorando ao chefe do

Estado-Maior Naval em que lhe comunicava ter recebido informações do cônsul inglês em Cabo

Verde anunciando “a entrada de submarinos do Eixo nas baías de Fateixas e na de Salamansa, em

São Vicente”391

. Assim sendo, o chefe do Estado-Maior solicitou “vigilância terrestre nas costas

[…] e montagem de um serviço de vigilância nas águas territoriais das ilhas para que tivessem os

384

Idem, p. 472. 385

Capitão de Infantaria e promovido a Major, foi Governador de Cabo Verde a partir de 10 de Janeiro de 1931 (conf.

Decreto de 10.1.1931, Sup. ao B.O. n.º 6 de 12 de Fevereiro de 1931) até 17 de Fevereiro de 1941 (conf. Diário do

Governo, n.º 49, II Série, 1 de Março de 1941). O Decreto que o exonera de Governador de Cabo Verde, nomeia-o

Governador de S. Tomé e Príncipe. Foi substituído por José Diogo Ferreira Martins. 386

AHU – 2966, 1A, UM, GM, MÇ, 1940-1941, Cópias Ofícios, UTL, Ofícios Expedidos de Agosto de 1941. 387

AHU – 2966, 1A, UM, GM, MÇ, 1940-1941, Cópias Ofícios, Ofícios Expedidos de Agosto de 1941. 388

AHM – FO/037/1/518/5. 389

AHM – FO/037/1/518/5. 390

DAPE, vol. VIII, p. 477. 391

AOS/CO/NE – 3E.

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Adildo Soares Gomes Capítulo V: A Defesa de Cabo Verde

96

elementos necessários e, muito especiais, nas águas interiores dos portos onde estivessem navios

mercantes das potências beligerantes”392

.

A 15 de Agosto de 1941, o Gabinete do Ministério das Colónias comunicou que a Junta

Nacional da Marinha Mercante autorizava o paquete Colonial a escalar na ilha de São Vicente, na

sua próxima viagem, a fim de transportar vários materiais de guerra e algum pessoal para reforço da

guarnição militar daquela colónia393

. Em Outubro do mesmo ano, o Gabinete do Ministério das

Colónias transmitiu ao Ministério de Guerra que era “de capital importância que o Ministério da

Guerra tivesse a seu cargo a defesa do arquipélago […]”394

.

Ao logo do ano de 1941, intensificou-se o envio de tropas para Cabo Verde e deslocaram-se

batalhões pertencentes a vários regimes da infantaria da metrópole. Em princípios de Maio de 1941,

o navio Mouzinho levou tropas para Cabo Verde395

. Este mesmo navio voltou a deslocar-se a Cabo

Verde, a 16 de Julho de 1941, com novas tropas. Viajaram ainda para Cabo Verde os seguintes

navios: o vapor Angola, a 7 de Outubro de 1941; paquete Serpa Pinto, a 22 de Outubro de 1941;

paquete Guiné, a 7 de Novembro de 1941. Foram enviados, ao todo, 4500 homens – batalhões da

infantaria recém-formados – para Cabo Verde396

.

Em meados de 1941, existia em Cabo Verde uma força que permitia responder a um golpe de

surpresa por um pequeno contingente aerotransportado ou uma unidade tipo comando, mas a defesa

das ilhas era incapaz de enfrentar uma invasão em força, apoiada por unidades aéreas e navais397

,

pois em Cabo Verde estavam posicionados cinco mil homens e a defesas dos portos só contavam

com três peças de artilharia costeira antiga de 150 mm, quatro peças anti-aérea, 12 metralhadoras e

uma secção de morteiro de 81 mm.

O Regimento n.º 15 da infantaria de Tomar foi uma das unidades do exército que enviaram

forças expedicionárias para Cabo Verde. Adriano Miranda Lima, que serviu neste Regimento

durante longos anos, escreveu que “a par de outros Regimentos do Exército, competiu ao

Regimento da Infantaria n.º 15 organizar e mobilizar para Cabo Verde um Batalhão de Infantaria

(cerca de 800 homens). As quatro companhias de batalhão ficaram instaladas na ilha de São Vicente

e em Santo Antão, tendo partido de Portugal agrupadas em três contingentes. O primeiro embarcou

392

Idem. 393

AHU – 2966, 1A, UM, GM, MÇ, 1940-1941, Cópias Ofícios, UTL, Ofícios Expedidos de Agosto de 1941. 394

AHU – 2966, 1A, UM, GM, MÇ, 1940-1941, Cópias Ofícios, UTL, Correspondência Expedida de Outubro de 1941. 395

António José Telo, op. cit., 1987, p. 321. 396

Idem, p. 461-2. 397

Idem, p. 321.

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Adildo Soares Gomes Capítulo V: A Defesa de Cabo Verde

97

em Portugal em Outubro de 1941, o segundo em 17 de Novembro do mesmo ano e o terceiro em 8

de Janeiro de 1942”398.

Segundo nos relata Luís Henriques399

, a 23 de Julho de 1941 chegou a São Vicente, o 1.º

Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria n.º 5 e n.º 7 das Caldas da Rainha, com mil e

tal homens. Outro corpo expedicionário que foi para Cabo Verde foi o do Regimento de Infantaria

11, de Setúbal400

.

[Chegada do 1.º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria n.º 5 das Caldas da Rainha, a São

Vicente, Cabo Verde, a 23 de Julho de 1941. No porto do Mindelo, foram “entusiasticamente recebidos”]401

.

398

Adriano Miranda Lima, “Tropas Expedicionárias a Cabo Verde Durante o Período da Segunda Guerra Mundial –

Memória que Pendura”, em: www.islasdecaboverde.com.ar/san_vicente/adriano_lima, (27/05/20010). 399

1.º Cabo, n.º 188/41, 1.º Pelotão, 3.ª Companhia, 1.º Batalhão do Regimento de Infantaria n.º 5 das Caldas da Rainha,

expedicionário em Cabo Verde, na Ilha de São Vicente, cidade do Mindelo, de 1941 a 1943. 400

Ver “Viver em Cabo Verde à espera da invasão", in: Diário de Notícias. 14 de Abril de 2005. 401

Foto de Luís Henriques, publicada por Luís Graça, “Meu Pai, meu velho, meu camarada: Memórias de Cabo Verde,

São Vicente, Mindelo, 1941/1943” em: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2009/03/guine-6374-p4059-meu-

pai-meu-velho-meu.html. (29 de Novembro de 2010).

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98

[Tripulação do navio de guerra] – Instituto de Investigação Científica Tropical.

As peças antiaéreas do Monte Sossego; também havia artilharia contra-costa. “Esta peça, depois de montada, só

ao fim de seis meses é que poderia ser usada... Em Janeiro de 1942, a ilha foi sobrevoada por um avião não

identificado (possivelmente alemão) e esta anti-aérea ainda não estava montada. Houve alarme geral... O pelotão

dele (o 1º da 3ª Companhia do Batalhão de Infantaria nº 5) foi destacado, por uns dias, para o Calhau...”402

.

402

Foto de Luís Henriques, publicada por Luís Graça, “Meu Pai, meu velho, meu camarada: Memórias de Cabo Verde,

São Vicente, Mindelo, 1941/1943” em: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2009/03/guine-6374-p4059-meu-

pai-meu-velho-meu.html. (29 de Novembro de 2010).

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Adildo Soares Gomes Capítulo V: A Defesa de Cabo Verde

99

[Posição das peças anti-áereas no Monte Sossego, São Vicente, Cabo Verde, 21 de Março de 1943]403

.

A 30 de Dezembro de 1940, dia seguinte ao seu discurso sobre as posições estratégica dos

Açores e de Cabo Verde, Roosevelt proferiu ao Lord Halifax, embaixador britânico em

Washington, que “[…] está a ser preparada uma força expedicionária de 25 000 homens […] e está

a pressionar as autoridades militares para acelerarem os preparativos […]404

” para a defesa desses

dois arquipélagos.

403

Foto de Luís Henriques, publicada por Luís Graça, “Meu Pai, meu velho, meu camarada: Memórias de Cabo Verde,

São Vicente, Mindelo, 1941/1943” em: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2009/03/guine-6374-p4059-meu-

pai-meu-velho-meu.html. (29 de Novembro de 2010). 404

José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 60.

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CAPÍTULO VI: A OCUPAÇÃO DE

CABO VERDE

“[…] A Inglaterra teria invocado a Aliança

Luso-britânica de 1373 e estabelecido uma base nas ilhas de Cabo Verde,

cuja operação seria designada por Shrapnel,

o que lhes facultaria obter bases aéreas

e navais que lhes permitissem controlar a rota do Cabo”.

(Winston Churchill)405

.

405

Winston Churchill, The Second World War, their Finest Hour, Houghton, Mifflin Company, Boston, 1949, p. 625.

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Adildo Soares Gomes Capítulo VI: A Ocupação de Cabo Verde

101

6.1. OS ALIADOS, O EIXO E A OCUPAÇÃO DE CABO VERDE

Se olharmos para um mapa, apercebemos da relevância que tem do ponto de vista

geoestratégico e geopolítico a área marítima delimitada por Lisboa, Açores e Cabo Verde, que

constitui o “triângulo estratégico”. Portugal possuía uma extensa área marítima, com um extremo

valor em caso de conflito entre a potência marítima (Inglaterra) e a continental (Alemanha). Foi isso

que se verificou durante o último conflito mundial. Assim, uma das preocupações fundamentais no

âmbito da política externa norte-americana e britânica, durante esse período, foi a manutenção da

liberdade de navegação no Oceano Atlântico.

Com uma importância fundamental desde que os Reis Filipes conquistaram Portugal, devido à

sua excelente localização, as ilhas de Cabo Verde, junto à costa ocidental africana e a meio do

Oceano Atlântico, constituíam uma posição importante quer para os países do Eixo, quer para os

Aliados. Pois servia de “trampolim” para os EUA entrarem na Europa e era uma posição importante

para servir de base à Alemanha num possível ataque ao continente americano e controlo do

Atlântico Sul.

A ocupação de Portugal daria aos nazis a oportunidade de se apoderarem dos Açores e de

Cabo Verde. Os EUA nunca podiam admitir que isso acontecesse porque estas ilhas constituíam

ricas bases para um possível ataque ao Hemisfério Ocidental e ainda uma séria ameaça para as

comunicações inglesas. Em qualquer dos casos, tal facto viria de encontro aos interesses vitais

norte-americanos. A Ilha do Faial, nos Açores, fica apenas a 1800 milhas das Bermudas, e a 2100

milhas de Nova Iorque. As ilhas de Cabo Verde situam-se a 1500 milhas ao sul do Faial, a 2000

milhas da Guiana Francesa e a 2300 milhas das Bermudas406

. Estas bases ficam perfeitamente

dentro de um raio de ataque ao hemisfério norte-americano407

.

O perigo seria muito grande para os Aliados e para Portugal se a Alemanha de Hitler tivesse

invadido a Espanha e ocupado Gibraltar. Se isso tivesse acontecido, os ingleses, segundo Churchill,

tinham pronta uma poderosa força para ocupar algumas ilhas atlânticas, ou, como alternativa, “a

Inglaterra teria invocado a Aliança Luso-britânica de 1373 e estabelecido uma base nas ilhas de

Cabo Verde, cuja operação seria designada por Shrapnel, o que lhes facultaria obter bases aéreas e

navais que lhes permitissem controlar a rota do Cabo”408

.

Por conseguinte, eram muitos os estrategas e elementos da Marinha e do Governo norte-

americano que defendiam a ocupação daquelas bases navais e aéreas durante a guerra para não

caírem nas mãos da Alemanha. Com Dakar sob o controlo nazi, as bases norte-americanas nas ilhas

406

Distâncias aproximadas. 407

AOS/CO/NE – 2D. 408

Winston Churchill, The Second World War, their Finest Hour, Houghton, Mifflin Company, Boston, 1949, p. 625.

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Adildo Soares Gomes Capítulo VI: A Ocupação de Cabo Verde

102

de Cabo Verde “fariam mais do que contrabalançar este factor”409

. Foram frequentes as sugestões

feitas pela imprensa norte-americana ao Governo de Roosevelt para a ocupação de posições no

Atlântico, que se caíssem no poder do inimigo “seriam perigosas” para a defesa daquela nação410

.

Nos princípios de 1941, Myron Taylor, um Delegado do Presidente Roosevelt, chamou a

atenção para os perigos que corriam as ilhas portuguesas no atlântico. Em Maio do mesmo ano, o

Senador Pepper, levantou no Senado de Washington a necessidade de se tomar disposições vastas e

ousadas para a defesa do Arquipélago de Cabo Verde e dos Açores, para onde foram enviados

reforços de tropas portuguesas411

. O Governo de Lisboa só tomou medidas para reforçar a defesa

dos arquipélagos sob a pressão dos acontecimentos. Embora chegassem sucessivos reforços

provenientes do território continental desde 1940, foi a partir de 1942 é que foi possível identificar

um conceito de defesa para os Açores. O conceito político da defesa do arquipélago dos Açores foi

elaborado tendo em conta as ameaças provenientes do Eixo ou dos Aliados412

.

Cabo Verde, devido aos seus apropriados meios aéreos e navais fazia parte das bases

importantes para a Alemanha “controlar grande parte do Atlântico Sul e dificultar as comunicações

entre a Inglaterra e o Império que passam pela rota do Cabo”413

. A Espanha e a Alemanha tinham

como objectivo impedir que Salazar cedesse aos Aliados bases em Cabo Verde e nos Açores antes

que a Alemanha entrasse na Península414

, pois Hitler e Franco receavam a intervenção dos Estados

Unidos nos Arquipélagos. A intenção inglesa em relação a Cabo Verde e aos Açores era

desenvolver, de imediato, as infra-estruturas navais e aéreas e consolidar as defesas dos

arquipélagos, de modo que estes pudessem funcionar com alternativa a Gibraltar415

.

Entre Janeiro e Março de 1941, mantiveram-se em Washington conversações do Estado-

Maior com a Inglaterra, de onde saiu um Joint Basic War Plan para o caso dos EUA entrarem em

guerra, o que se admitia ser possível a qualquer momento. A zona de responsabilidade americana

nesta eventualidade, estender-se-ia até 30º W. Os EUA aceitaram a responsabilidade pela ocupação

dos Açores e de Cabo Verde, se tal fosse necessário416

. Entre Março a Abril do mesmo ano, os

Açores e Cabo Verde começaram a ser abordados ao mais alto nível entre Roosevelt e Churchill.

Em Março, com base nas informações dos seus serviços secretos sobre a infiltração alemã e a

409

AOS/CO/NE – 2D. 410

AOS/CLB/FSM -3 pasta VI. 411

Mário Neves, “A Diplomacia Portuguesa nas duas Guerras do Século”, in: Portugal na Segunda Guerra Mundial,

Contributos para uma Reavaliação, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989, p. 160. 412

Maria Carrilho, “Política de Defesa e de Rearmamento” in: Portugal na Segunda Guerra Mundial, Contributos para

uma Reavaliação, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989, p.32 e 33. 413

António José Telo, op. cit., 1987, p. 192. 414

Idem, p. 308. 415

Idem, p. 347. 416

Idem, p. 352.

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Adildo Soares Gomes Capítulo VI: A Ocupação de Cabo Verde

103

presença dos submarinos em Cabo Verde, o que constituía uma ameaça à rota comercial inglesa

para a África Austral, Churchill dispunha-se a ordenar a ocupação imediata do arquipélago417

.

Em princípios de Maio de 1941, chegaram a Lisboa dois oficiais ingleses, o Coronel Myrtle e

o Major Cartwright, a fim de prestarem esclarecimentos e darem indicações técnicas na organização

da defesa dos arquipélagos de Cabo Verde e dos Açores418

. A imperiosa necessidade dos Açores

como alternativa a Gibraltar, caso este ficasse sob poder da Alemanha, fechando o Mediterrâneo

Ocidental, esteve “muito clara na mente de Hitler que se dispunha a ter militares em Cabo Verde”.

Para este efeito, seria evocada a aliança luso-britânica e a sua cláusula «Friends to friends, and foes

to foes» (“Amigos dos amigos e inimigos dos inimigos”)419

. Os Açores e Cabo Verde estavam nas

rotas comerciais a partir do Atlântico Sul e tinham cable stations ingleses. O Governo de Sua

Majestade considerou-os “demasiado importantes para caírem nas mãos do inimigo”. Assim sendo,

“desde que a Alemanha se apoderou do litoral europeu do Atlântico, ao longo de 1940, a Inglaterra

ponderou a vantagem de adquirir militarmente os Açores e Cabo Verde: os dois arquipélagos

viabilizariam a protecção dos comboios marítimos e a cobertura aérea das rotas da América do Sul,

da África Ocidental e do Mediterrâneo”420

.

Com a invasão da Rússia, por parte da Alemanha, Salazar informou Armindo Monteiro que

deviam ser combatidas as “ambições americanas”421

, especialmente no Atlântico, onde Roosevelt,

segundo Churchill, estava “ansioso” para ocupar os Açores, mas também Cabo Verde422

. Segundo

Armindo Monteiro, para fazer face aos perigos e ameaças, que rodeavam o império, a aliança com

“os senhores do Atlântico” era decisiva: “a aliança inglesa tem-nos dado, desde o século XVII, com

os altos e baixos inseparáveis da natureza humana, a segurança de que precisamos. Pode dá-la

enquanto comandar o atlântico, em certos pontos, como no Oriente por exemplo, o nosso domínio

depende da conservação do domínio inglês. […] Da aliança, tira a Grã-Bretanha vantagens

preciosas, mas nós tiramos razões de vida; a Inglaterra precisa que lhe asseguremos a ocupação de

certos pontos estratégicos em épocas angustiosas […] pela exigência das coisas, a política

portuguesa jamais deveria cortar caminho dos grandes interesses britânicos”423

.

A 10 de Julho de 1941, Roosevelt enviou uma carta ao Presidente do Brasil, Getúlio Vargas, a

solicitar-lhe a sua “colaboração” na defesa de Cabo Verde424

. O arquipélago não podia ficar sob o

controlo do Eixo, pois significaria uma ameaça ao Brasil e a outros países do Atlântico Sul.

417

José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 50. 418

Manuel Braga Cruz, op. cit., p. 379. 419

José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 40. 420

Idem, p. 39. 421

Carta de Salazar a Monteiro, 30 de Junho de 1941,citada por António José Telo, op. cit.,1995, p. 417. 422

Carta da Salazar a Monteiro, enviada no dia 30 de Junho de 1941,citada por António José Telo, op. cit., 1987, p. 420. 423

Ofício do embaixador de Portugal em Londres ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, em DAPE, vol. X, p. 426-7. 424

António José Telo, op. cit., 1987, p. 468.

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Adildo Soares Gomes Capítulo VI: A Ocupação de Cabo Verde

104

Relativamente aos encontros entre Roosevelt e Vargas, sobre a defesa do Atlântico, os dois

presidentes reuniram-se na Casa Branca onde fizeram uma declaração conjunta e apresentaram um

memorando à imprensa. Transcrevemos as suas passagens essenciais: (i) “ambos os Presidentes

estão de completo acordo que deve ser permanente e definitivamente assegurado que as costas da

África ocidental e Dakar nunca mais, em quaisquer circunstâncias, possam vir a ser uma ameaça de

bloqueio ou de invasão contra as duas Américas”; (ii) “o objectivo do Brasil e dos Estados Unidos é

tornar o Oceano Atlântico livre de perigos para todas as partes […]”; (iii) o Presidente Roosevelt

considerou a conferência da Casa Branca tão “vital para esforço de guerra que julgou conveniente

informar o presidente Vargas acerca da conferência e discutir com ele vários detalhes adicionais de

ajuda mútua”425

.

A partir de Julho de 1941, depois de rever os planos para o Atlântico, a Inglaterra colocou de

prevenção as forças de desembarque em Freetown, Gibraltar e no Sul de Inglaterra. Eram “24 mil

homens a desempenhar a operação Springboard (para a Madeira), Thruster (para os Açores) e

Puma (para as Canárias). A ocupação a Cabo Verde pode ser dispensada se a operação nas Canárias

fosse bem sucedida”426

.

Num encontro entre Roosevelt e Churchill, a bordo do navio Augusta, em 11 de Agosto de

1941, o Primeiro-ministro de Inglaterra deixou claro que pretendia antecipar-se a Hitler e invadir as

Canárias em Setembro do mesmo ano, sendo uma acção dos Estados Unidos em Cabo Verde e nos

Açores bem-vinda427

.

Neste mesmo mês, Roosevelt apresentou uma proposta ambiciosa, mas errada na opinião do

Estado-Maior do Exército Americano e de Churchill, que pretendia um lançamento simultâneo de

expedições contra os Açores, Cabo Verde, Dakar e Natal, pois a ocupação de Dakar era muito cara,

envolvia vários homens e o seu valor era simplesmente defensivo, ou seja, não se justificaria

estrategicamente; e a ocupação de Cabo Verde e dos Açores era evitável se o Brasil deixasse que

uma pequena força defendesse as bases de Natal428

.

Em Dezembro de 1941, a Inglaterra estava interessada nos Açores e os Estados Unidos

estavam interessados, a curto prazo, em Cabo Verde, de modo a assegurar a invulnerabilidade do

“hemisfério ocidental”. Numa conversa com Churchill, Roosevelt defendeu que o essencial era

manter o continente americano fora de perigo, assim sendo era prioritário ocupar Cabo Verde de

modo a manter a segurança e aberta a rota do Atlântico Sul429

.

425

Telegrama Expedido de Bianchi ao Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, AHD, Maço 123A. 426

António José Telo, op. cit., 1993, p. 342. 427

António José Telo, op. cit., 1987, p. 468-9. 428

Idem, p. 471-2. 429

António José Telo, op. cit., 1993, p. 354.

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Adildo Soares Gomes Capítulo VI: A Ocupação de Cabo Verde

105

Numa reunião dos Estados-Maiores, a 24 do mesmo mês, o Almirante norte-americano, Stark,

perguntou ao seu congénere inglês, Pound, qual era a importância de Cabo Verde para a Inglaterra.

Pound respondeu-lhe que a Inglaterra só estava interessada em negar o uso de Cabo Verde ao

Inimigo. Ouvindo esta resposta, o Almirante King disse que “o interesse dos Estados Unidos em

Cabo Verde era estratégico, tendo em conta a sua localização entre Dakar e o Brasil”430

.

Assim sendo, podemos concluir que a responsabilidade dos Açores estava entregue à

Inglaterra e a de Cabo Verde aos EUA, caso houvesse uma invasão de Espanha por parte da

Alemanha. Mas, em 1943, a situação inverteu-se, ou seja, os Estados Unidos encararam os Açores

em termos de defesa do hemisfério. Para os EUA, Cabo Verde passa a ser secundário perante os

Açores.

Em 1942, na Conferência Arcádia, Washington avisou Londres que ao enviar tropas para a

Irlanda e a Islândia ficaria sem recursos para ocupar Cabo Verde em caso de emergência. Pediu à

Inglaterra que se responsabilizasse por essa operação. Não querendo que Cabo Verde caísse nas

mãos do inimigo, Londres concordou e preparou os planos secretos. O plano para a ocupação do

arquipélago de Cabo Verde foi denominado de operação Bibulous. Este plano previa desembarque

simultâneo de uma brigada na ilha do Sal e de pequenas unidades em Santo Antão com um apoio

naval formado por dois cruzadores, quatro destroyers e seis corvetas. As forças deviam partir de

Freetown e Cabo Verde seria entregue aos EUA assim que estes o pretendessem431

.

6.2. CONSTRUÇÃO DE BASES EM CABO VERDE?

Em Junho de 1939, José Augusto, jornalista do Diário de Notícia, questionou o Ministro das

Colónias, Francisco Vieira Machado, sobre o estabelecimento de bases para carreiras aéreas

transatlânticas em Cabo Verde. Francisco Vieira Machado respondeu-lhe que “é esse um dos

problemas mais importantes para o arquipélago e que ia solucionar agora. Os técnicos estrangeiros

variam de opinião quanto à escolha da ilha. Se fosse possível estabelecer a base em São Vicente

seria ideal”432

.

O Ministro acrescentou que pretendia “enviar uma missão técnica portuguesa para estudar o

problema” e que se construiria “a base com a aparelhagem necessária e perfeita sinalização

nocturna. Defendeu ainda que se gastaria “o dinheiro que fosse necessário para dar a Cabo Verde

430

Idem, p. 355. 431

Idem, p. 356. 432

Francisco Vieira Machado, titular da pasta das Colónias, em entrevista ao jornalista José Augusto, enviado do Diário

de Notícias a Cabo Verde, Boletim Geral das Colónias, Número especial dedicado à viagem de S. Ex.a o Presidente da

República a Cabo Verde, Moçambique e União Sul-Africana, 1939, p. 82; AHU, cota 2025.

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106

um aeródromo digno da sua importância como ponto estratégico do Atlântico Sul”433

. E o Porto

Grande de São Vicente devia ser melhorado. O Governo sabia “avaliar quanto vale e qual a sua

importância […].

Devido à sua posição geográfica privilegiada, o arquipélago de Cabo Verde confere aos EUA

algumas garantias de segurança. Mais concretamente como base de apoio aeronaval no circuito de

reforço e de reabastecimento dos EUA para a Europa (Batalha do Atlântico) e como contenção das

ameaças provenientes do Sul, protegendo o importantíssimo fluxo de tráfego marítimo proveniente

de todos os quadrantes, particularmente da rota do Cabo, América do Sul e Central434

.

Em Janeiro de 1941, publicou-se uma comunicação conjunta do Chief of Naval Operation

(CNO) e do Chief of Staff (CS) de acordo com o seu conteúdo, se o Governo norte-americano

decidisse entrar em guerra ao lado do Commonwealth britânico devia seguir as seguintes directivas:

(i) o objectivo das operações militares dos Estados Unidos seria a derrota da Alemanha e dos seus

aliados; (ii) o objectivo da guerra seria levado a cabo pelos EUA, através de um esforço militar

centrado nas regiões do Mediterrâneo e Atlântico; (iii) os EUA e a Grã-Bretanha deviam encetar

esforços no sentido de evitar a entrada do Japão na guerra e o ataque às colónias holandesas; (iv) se

o Japão entrar na guerra, as operações no pacífico e Extremo Oriente seriam conduzidas de forma a

equilibrar as suas acções com o esforço de guerra principal no Atlântico e Mediterrâneo; (v) as

forças norte-americanas operavam, dentro da sua área de responsabilidade, sob comando norte-

americano, de acordo com os planos emitidos pela comissão conjunta anglo-americana; (vi) as

conversações entre os EUA e a Inglaterra deveriam cingir-se aos acordos preliminares sobre a

cooperação militar, relativamente às principais áreas de responsabilidade (principais linhas de acção

estratégica militar pelas duas nações)435

.

A estratégia norte-americana para o Atlântico era proteger as vias de comunicação das

potências associadas e as bases militares de importância estratégica contra operações de ataque por

mar, terra e ar436

. Nesta fase do conflito, evidenciava-se a importância estratégica dos arquipélagos

de Cabo Verde e dos Açores, avançando-se a hipótese de “ocupação de protecção” das ilhas de

forma a salvaguardá-las de qualquer ofensiva por parte da Alemanha.

Em qualquer uma das ilhas de Cabo Verde poderia ser constituída uma boa base, quer aérea,

quer naval, para as finalidades das potências, estando a Ilha de Santiago (por ser a maior ilha e

possuir mais infra-estruturas), a do Sal (por possuir aeroporto internacional, que era também

433

Idem, p. 80-81. 434

Mark Skinner Watson, The War Department Chief of Staff: Prewar Plans and Preparations, Historical Division

Department of the Army, Washington D C, 1950, p. 372-373. 435

Idem, Ibidem. 436

Maurice Matloff e Edwin M. Snell, The Strategic Planning for Coalition Warfare 1941-1942, Office of the Chief of

Military History, Department of the Army, Washington D C, 1953, p. 40.

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107

utilizado pela Itália) e a de São Vicente (devido ao Porto Grande) como as melhores posicionadas. A

dispersão das ilhas, a sua dimensão geográfica e o relevo irregular tornavam algumas delas

bastantes vulneráveis e facilmente conquistáveis, sendo outras de fácil defesa.

Tendo os EUA estudado a possibilidade de estabelecer linhas de comunicações através do

Atlântico Norte, constataram que a isso se opunha a verificação constante de condições climatéricas

desta zona do Atlântico que tornaria muito difícil o abastecimento desta nova linha aérea e muito

precário o seu funcionamento437

. Procurando a solução do problema no Atlântico Sul, “foi fácil

concluir que a sua extensão é ainda superior à do pacífico e, portanto, inaceitável”438

.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento do sistema de bases dos EUA, no

teatro europeu, deu-se em três fases: (i) a primeira teve início após o acordo sobre contratorpedeiros

em troca de bases de 1941, visou o estabelecimento de instalações destinadas a proteger a

navegação americana, que foram utilizadas para os Estados Unidos vencerem a Batalha do

Atlântico; (ii) a segunda foi constituída pelo estabelecimento de bases, inicialmente na Grã-

Bretanha, destinadas a permitir que o Estados Unidos e a sua aliada levassem a guerra para a

Europa continental, com o recurso a aviação; (iii) a terceira fase envolveu instalações construídas

para dar apoio às invasões do Sul e do oeste da Europa depois de 1943439

.

A estratégia inicial norte-americana, em matéria de bases, consistiu, em grande medida, em

impedir os esforços alemães para estabelecer bases no Atlântico440

. O crescente envolvimento dos

EUA na guerra intensificara o interesse dos Aliados pelo arquipélago de Cabo Verde e dos Açores.

Um entendimento entre Churchill e Roosevelt conduziria a uma política mais ou menos concertada

entre a Inglaterra e os EUA no que dizia respeito à solicitação de facilidades nos dois arquipélagos

acima citados.

No dia 24 de Setembro de 1945, foram apresentados aos Joing Chiefs of Staff (JCS) 570/34

documentos essenciais na elaboração da estratégia americana para o pós-guerra. O Estado-maior

norte-americano pretendia criar uma versão reduzida da rede de bases pensada em 1943. As bases

foram classificadas segundo três prioridades: (i) a prioridade 1 abarcava o Panamá, o Havai,

Marianas, Filipinas e Alasca, as ilhas Aleutas, Terra Nova, Porto Rico e os Açores (a fronteira

estratégica dos Estados Unidos); (ii) a prioridade 2 era constituída pelas bases que protegessem os

acessos a 1 e pudessem funcionar como alternativas, incluindo a Islândia, as Bermudas, a

Gronelândia, Cabo Verde, Ascensão, Cuba, Trindade e a zona do Natal (Brasil); (iii) à prioridade 3

437

AOS/CLB/FSM – 3 pasta VI. 438

AOS/CLB/FSM – 3 pasta VI – Carta do General Tasso de Miranda Cabral ao Subsecretário de Estado da Guerra, em

23/7/1944. 439

Adam R. Seipp, “Chegar como Conquistadores: As Bases Americanas e o Teatro Europeu, 1941-45”, in: Luís Nuno

Rodrigues (Coord.), op. cit., 2008, p. 108-109 e 324. 440

Idem, p. 110 e 325.

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Adildo Soares Gomes Capítulo VI: A Ocupação de Cabo Verde

108

pertenciam as bases subsidiárias. Eram bases que dariam flexibilidade ao sistema e impediam o seu

congestionamento441

. Para os americanos, ter uma base em Cabo Verde era “importante”, mas não

“essencial”.

Em Outubro de 1945, um novo estudo revisto foi aprovado pelo JCS. Este classificou as bases

como primárias, secundárias, subsidiárias e menores, que eram em menor número. A necessidade

dos EUA de ter uma base em Cabo Verde passou de “importante” para “essencial”.

Nos finais do mesmo mês, o Estado-Maior pediu ao State Department que se negociasse, de

imediato, os direitos em 9 bases essenciais e 25 secundárias. Cabo Verde e os Açores estavam

abrangidos nas bases “essenciais”442

. Os EUA pretendiam direitos de “obter o uso” em Cabo

Verde”443

.

A 19 de Novembro do mesmo ano, os planos mais detalhados relativamente a Cabo Verde e

aos Açores estavam elaborados. Em relação ao arquipélago de Cabo Verde, os americanos apenas

pretendiam “para já” adquirir direitos, mas não instalar ou construir qualquer base num futuro

próximo444

.

Entretanto, o Governo norte-americano enviou ao seu congénere britânico um aide-memoire a

solicitar apoio nas negociações a estabelecer com Portugal sobre eventuais direitos de utilização de

bases aéreas e navais em Cabo Verde. Mas os ingleses responderam que julgavam ser prejudicial

aos “interesses da paz mundial” que Cabo Verde e os Açores fossem discutidos enquanto futuras

localizações de bases militares445

.

Em Julho de 1946, o Secretário de Estado norte-americano, James F. Byrnes, endereçou uma

carta pessoal a Oliveira Salazar, apresentando a pretensão americana para a obtenção de bases

aéreas nos Açores e em Cabo Verde, “no interesse da segurança Atlântica”. Foi sublinhada que a

questão era “exclusiva para nós e entre nós”, no objectivo de excluir logo qualquer pretensão

inglesa446

.

Como notámos no parágrafo acima, os planos norte-americanos para a construção de bases no

Atlântico deixavam a Inglaterra de fora. Assim sendo, estes planos dos EUA não eram “bem vistos”

pelo Governo de Sua Majestade que não aceitava ficar de fora e pretendia ser tratado como um

“parceiro” em igualdade de circunstâncias.

Como notou Luís Nuno Rodrigues, “para além do «interesse vital» e «estratégico» do

Governo britânico nesta área do globo, a sua «longa e íntima ligação» com Portugal tornavam-no

441

António José Telo, op. cit., 1993, p. 471. 442

Luís Nuno Rodrigues, op. cit., 2005, p. 152. 443

António José Telo, op. cit., 1993, p. 473. 444

Luís Nuno Rodrigues, op. cit., 2005, p. 151-152. 445

Citado por Luís Nuno Rodrigues, op. cit., 2005, p. 152. 446

DAPE, XIII, p. 464.

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Adildo Soares Gomes Capítulo VI: A Ocupação de Cabo Verde

109

um parceiro «politicamente essencial» para qualquer iniciativa tendente à criação de bases militares

em Cabo Verde e nos Açores”447

.

Em meados de 1946, Cabo Verde deixou de estar na lista das bases “essenciais” dos Estados

Unidos. Apenas os Açores continuaram a sê-lo. Segundo António José Telo, no último documento

sobre a rede de bases norte-americana, JCS 570/68, defendeu-se ser necessário pelo menos direitos

de trânsito em Cabo Verde. O uso de Cabo Verde era secundário e a sua importância só seria

aumentada se os Estados Unidos não tiverem direitos de trânsito em Dakar”448

.

A 25 de Julho de 1946, os EUA apresentaram a Portugal as bases do acordo pretendido:

1) Estabelecer, operar e manter base nas Lajes, Santa Maria e noutros locais dos Açores e

Cabo Verde;

2) Facilidades navais nos Açores e em Cabo Verde;

Outras facilidades no âmbito das comunicações, rádio, instalação de estações meteorológicas,

detecção e alerta, ajudas à navegação, instalação de pessoal e material, depósito e armazéns,

jurisdição sobre o pessoal e facilidades para a contratação de pessoal civil:

3) Declaração por parte dos Estados Unidos da continuidade do respeito da soberania de

Portugal em todos os territórios portugueses;

4) Assistência por parte do Governo americano a Portugal em caso de agressão, no âmbito

da ONU, através do Conselho de Segurança;

5) O acordo seria por um período de 99 anos449

.

Como se verifica, a questão de uma base em Cabo Verde foi colocada. Já nos contactos

anteriores, a hipótese de Cabo Verde havia sido levantada, mas nunca foi discutida em termos de

considerar essa pretensão. Sempre deixada cair por parte de Portugal.

A hipótese de Cabo Verde era ventilada por parte dos EUA, como matéria que podia ser

abandonada com o significado de uma transigência compensatória. Não houve, naquela época, um

real interesse por parte dos EUA numa base em Cabo Verde. Não constituía um objectivo

primordial na sua estratégia definida para o período imediato, até porque “não houve pressões por

parte dos EUA”450

.

447

Luís Nuno Rodrigues, op. cit., 2005, p. 153. 448

António José Telo, op. cit., 1993, p. 488. 449

AHD, PEA, Maço 460. 450

Rogério de Carvalho, Portugal e a NATO, Lisboa, Edições Avante, 1990, p. 413.

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Adildo Soares Gomes Capítulo VI: A Ocupação de Cabo Verde

110

6.3. CABO VERDE E A NECESSIDADE DE UM SISTEMA DE DEFESA PARA O ATLÂNTICO SUL: AS

AMEAÇAS SOVIÉTICAS

Aquando, na luta pela independência de Angola, Agostinho Neto (na altura líder do

Movimento Popular para a Libertação Angola – MPLA) consultou Moscovo antes de solicitar ajuda

de Fidel Castro no âmbito da “Operação Carlota”, tendo os primeiros contingentes desta “ponte de

Poder” chegado à capital angolana, vindos de Havana, com escala na Ilha do Sal, em Cabo

Verde451

.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a Marinha russa começou a desenvolver e a

preparar-se para o domínio dos mares, atingindo uma grandeza tão considerável que tornava a

União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) uma das maiores potências navais do mundo a

partir de 1960. Os seus navios e submarinos passaram a navegar em todos os oceanos. Há

indicações de que o ritmo de construção de submarinos por parte da URSS, nessa época, era de 7 a

8 por ano e que o seu total ultrapassava os 450 submarinos. Destes, cerca de 90 estavam

apetrechados com engenhos balísticos e cerca de 200 poderiam ser facilmente adoptados ao

lançamento de mísseis452

.

Como sustenta Ibsen de Gusmão Câmara, “o esforço soviético para a construção de uma

marinha gigantesca e bem equilibrada, dotada de aproximadamente 800 navios com capacidade

oceânica […] propiciar-lhe-á, afinal, condições favoráveis para exercer políticas e executar

operações navais nas proximidades de áreas marítimas de alta importância estratégica: Caribe e

canal do Panamá, Guiné-Bissau, Cabo Verde, rota do Cabo, Golfo Pérsico, Suez e Mar Vermelho,

Gibraltar […]”453

.

A sua frota, quer mercante, quer de pesca, possuía um número elevado de navios e de barcos

bem apetrechados. Barcos esses susceptíveis a serem transformados em unidades de transporte de

armamentos e de desembarque de tropas. Segundo as informações prestadas pelo Presidente da

Sociedade Estadual Soviética “Sovrybflot”, a frota pesqueira russa dispunha, só no Atlântico, em

1969, de 2.500 navios tripulados por 25 mil homens454

.

Possuindo navios e aviões modernos e maior raio de acção, mais viável se tornava o percurso

de longas distâncias e mais fácil o controlo das comunicações. Se se considerar a circunstância de

muitos países da Europa terem abandonado as suas posições políticas e estratégicas em África,

451

António Neves Berbém, “O Atlântico (a) Sul como questão estratégica mundializada: a Vertente Sul-Americana

Africana”, in: Estudos Políticos e Sociais, Lisboa, ISCSP, 1991/92/93, p. 189. 452

Circular PEA, Necessidade de um Sistema de Defesa para o Atlântico Sul, Lisboa, 09/03/1970, p. 3, AHD, P.E.A.

Maço 8, Confidenciais. 453

Citado por António Neves Berbém, O Atlântico (a) Sul como questão estratégica mundializada, Separata da Revista

de Estudos Políticos e Sociais, Lisboa, ISCSP, 1991/1992/1993, p. 154. 454

AHD, P.E.A. Maço 8.

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Adildo Soares Gomes Capítulo VI: A Ocupação de Cabo Verde

111

melhor se compreenderá as perspectivas abertas à URSS para o domínio do Atlântico Sul. Dispondo

de uma grande marinha, a URSS não deixou de actuar em algumas áreas de concentração de tráfego

como o Cabo de Boa Esperança, o nordeste brasileiro e Cabo Verde – empregando nelas

submarinos, aviões e navios de superfície455

. Tornou-se visível quando foi efectuado o acordo pela

superpotência de Leste para serem efectuados melhoramentos no Porto Grande, na ilha de São

Vicente456

.

Uma vez instalados no Golfo Pérsico e no Mediterrâneo, e tendo alcançado posições chaves

no Índico e no Atlântico Sul, os russos ficaram então habilitados a controlar linhas aéreas e rotas

marítimas essenciais ao Ocidente, podendo, em consequência deste domínio, exercer pressões

políticas sobre os Estados Unidos, a América do Sul e a África Meridional. Com esse objectivo, a

URSS procurou estabelecer bases no Atlântico que facilitassem o abastecimento das suas frotas.

Nessa zona geográfica, a atenção URSS virou-se particularmente para Cabo Verde e para a

Guiné Portuguesa, que eram considerados pontos estratégicos de maior relevância. O arquipélago

cabo-verdiano fica muito próximo da rota marítima da Europa para a América do Sul: um ponto-

chave da navegação no atlântico. Cabo Verde poderia proporcionar a qualquer grande potência

marítima o controle do tráfego do Atlântico Norte para a União Sul-Africana e para o Índico (que

passa geralmente entre Cabo Verde e a Guiné) e a África Ocidental e Meridional para as Américas

(que transita a poucas distâncias do arquipélago).

A sua posição excepcional a poucas milhas da costa ocidental africana e a, aproximadamente,

1.400 milhas do porto de Natal (o mais próximo da América do Sul) poderia facultar a quem o

dominasse um apertado controle sobre uma vasta área do Atlântico Central. Há por isso mesmo

quem considere que o valor estratégico de Cabo Verde é superior ao dos Açores no Atlântico Norte.

Nestas circunstâncias, não é de surpreender o incremento do auxílio soviético ao povo da Guiné.

Dominando a Guiné, não lhe seria difícil alcançar Cabo Verde. Recorda-se de passagem que, em 29

de Junho de 1968, Amílcar Cabral declarou à France Press que o próximo objectivo do seu

movimento era “estender a acção militar do Partido Africano para a Independência da Guiné e de

Cabo Verde (PAIGC) a Cabo Verde”457

.

Segundo informações das autoridades portuguesas, podemos afirmar que os portos do

arquipélago de Cabo Verde foram estudados em pormenor por técnicos da URSS e que numerosos

elementos do PAIGC partiram para aquele país e para a Cuba a fim de serem treinados com vista à

455

António Neves Berbém, op. cit., 1991/92/93, p. 204. 456

Idem, p. 170. 457

AHD, PEA, Maço 8, Confidenciais.

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Adildo Soares Gomes Capítulo VI: A Ocupação de Cabo Verde

112

ocupação de Cabo Verde. Muitos deles estiveram em bases navais do Mar Negro, onde foram

instruídos em tácticas de desembarque e preparados como “homens-rãs”458

.

Além disso, a presença da URSS nas costas da África Ocidental oferecer-lhe-ia não só o

controle sobre as rotas marítimas, mas também excelentes bases de apoio naval e aéreo e o domínio

total de importantes fontes marítimas como as da região mineira do Catanga.

Durante a Segunda Guerra Mundial, verificou-se que a Alemanha, começando apenas com 60

submarinos, conseguiu destruir ou inutilizar cerca de 600 barcos ao longo do Atlântico Sul; ora, a

URSS, em 1968, dispunha de 400 submarinos com 20 anos de aperfeiçoamento459

.

A presença da URSS fez-se sentir sobretudo no Mediterrâneo e no Atlântico Sul, isto é, nas

zonas adjacentes e vitais à área da NATO. Todavia, a pressão exerceu-se no Pacífico e no Índico,

até porque neste último se situa um importante segmento da rota que contorna o Cabo. Em face

dessa ameaça, o presidente do Partido Conservador Britânico, Edward Heath, declarou, em 16 de

Janeiro de 1969, que se o seu partido ganhasse as eleições, restabeleceria as bases inglesas no

Índico460

.

A 18 de Janeiro de 1968, Sir Alex Douglas-Home, no decurso de um debate na Câmara dos

Comuns, proclamou a necessidade de defender o Atlântico Sul e as costas ocidentais da África e de

criar um sistema de protecção às rotas marítimas naquela zona”461

.

A 18 de Fevereiro do mesmo ano, o antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros inglês, Selwin

Lloyd, afirmava, em Londres, que o movimento subversivo na Guiné Portuguesa tinha como

objectivo o arquipélago de Cabo Verde, com a base aérea na ilha do Sal e a base naval em São

Vicente, “de onde é possível fazer controlo estratégico da rota marítima do Cabo”462

. Declarou ser

de maior interesse estratégico para a Grã-Bretanha que Cabo Verde continuasse nas mãos de um

aliado da NATO, salvaguardado, portanto, de um eventual ataque comunista. Pois, o perigo da

tomada de poder pelos comunistas em Lisboa podia significar o início das facilidades militares em

Cabo Verde para a URSS. O Governo de Sua Majestade e o de Washington só tinham razões para

estarem atentos ao que se passava no arquipélago e delinearam uma política que lhes permitisse

responder ao «problema cabo-verdiano»

A esse respeito, o Secretário-Geral da Defesa Nacional informou ao Foreign Office da

“necessidade de se procurar um acordo bilateral com Portugal que permitisse a eventual utilização

de aeródromos (nomeadamente o do Sal) por aviões britânicos”463

.

458

Idem. 459

Idem. 460

Idem. 461

Idem. 462

Idem. 463

AHD, P.E.A. Maço 8, Confidenciais, Circular n.º 835, Secreto.

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CONCLUSÃO

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Adildo Soares Gomes Conclusão

114

Após a análise que foi feita nos capítulos precedentes, podemos afirmar que Cabo Verde

desempenhou ao longo do período em estudo um papel importante na política externa portuguesa.

Como já referimos, durante a Segunda Guerra Mundial e logo após ao seu término, Cabo

Verde foi cobiçado pelas maiores potências mundiais da época. Assim, creio não ser errado

sustentar que a importância deste arquipélago seria ainda maior caso Oliveira Salazar o tivesse

“negociado”. No que diz respeito à conjuntura internacional da época, Portugal era detentor de um

grande império colonial e um dos objectivos fundamentais de Oliveira Salazar era salvaguardar a

integridade territorial do país. Constatamos ao longo deste trabalho que as relações bilaterais entre

Portugal e os países Aliados durante o conflito foram de grande tensão.

O arquipélago de Cabo Verde ministrou uma ajuda significativa no que diz respeito à guerra

no Oceano Atlântico e permitiu um fluxo expressivo nas comunicações entre os países atlânticos.

Posteriormente, Cabo Verde desempenhou um papel proeminente nos conflitos entre os países

americanos e europeus (Guerra Hispano-americana entre outras), papel que nas suas características

essenciais assenta na mesma que fundamentara a sua importância geoestratégica durante o segundo

conflito mundial.

Apesar de Portugal possuir um vasto império ultramarino, não tinha uma voz forte na política

internacional. Por exemplo, quando Cabo Verde esteve para ser invadido, tanto por ingleses, como

por americanos, no início da Segunda Guerra Mundial, se tal tivesse acontecido Portugal não

possuía meios para o impedir.

Oliveira Salazar conseguiu que Portugal mantivesse a sua neutralidade e garantiu, com a

ajuda dos Estados Unidos e da Inglaterra, aqueles que eram os seus principal objectivo: a

integridade e a soberania do território português.

É legítimo afirmar-se que o papel desempenhado por Cabo Verde foi fundamental no decorrer

do último conflito mundial, relativamente ao Atlântico Sul e Central, como também a outras áreas

ocidentais. Pois, quando a Segunda Guerra Mundial deflagrou, a 1 de Setembro de 1939, e o

arquipélago de Cabo Verde viu-se envolvido desde logo “nas teias” que a guerra teceu, embora já

estivesse enredado nos seus preparativos.

No seu papel de “pilar” entre as duas margens do Atlântico, Cabo Verde foi um suporte vital

para as comunicações, quer marítimas, quer aéreas, que então davam os seus primeiros passos na

travessia atlântica comercial, quer gráficas, quer telefónicas com estações de amarração de cabos

submarinos que no arquipélago se cruzam entre os continentes.

Como tivemos a oportunidade de constatar ao longo deste trabalho, o arquipélago cabo-

verdiano era, de facto, fundamental para a segurança dos Estados Unidos e do Brasil.

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Adildo Soares Gomes Conclusão

115

Segundo José Augusto Barahona Fernandes, “existia um paralelismo entre o conjunto Estados

Unidos da América – Europa, no Atlântico Norte, e o conjunto Brasil – África Austral, no Atlântico

Sul, com relevância para a Costa de Angola”. Segundo o mesmo autor “também se notava a posição

privilegiada de Cabo Verde e dos Açores na estratégia do Ocidente”464

.

No que concerne a Cabo Verde, verificou-se que as suas ilhas tinha uma importância muito

significativa.

Apesar das suas relações bilaterais com a Alemanha, Portugal foi sempre um país Atlântico,

muito mais ligado às potências marítimas. Assim sendo, há que realçar a importância que as

províncias ultramarinas portuguesas tiveram até 1974 como um factor importante no âmbito das

relações externas de Portugal.

A Alemanha pretendia o domínio explícito do Atlântico e tinha a percepção perfeita do

interesse vital de Cabo Verde para os seus intentos de se afirmar como potência europeia. Quem

quisesse afirmar-se como potência tinha de deter na sua posse a “chave” dos transportes e

comunicações através do Atlântico.

Como já aludimos, uma das maiores preocupações de Salazar, senão a maior, ao longo da

Segunda Guerra Mundial, foi a manutenção da integridade territorial portuguesa, tanto no

continente europeu e ilhas como nas colónias. Para fazer vingar o estatuto de neutralidade, além do

seu engenho pessoal, Salazar dispunha de três recursos: (i) O Tratado de Amizade e Não Agressão;

(ii) as ilhas atlânticas; (iii) as minas de Volfrâmio (material estratégico precioso para o fabrico de

armamento, e de que Portugal era o maior extractor europeu)465

.

Embora Cabo Verde e as outras ilhas atlânticas portuguesas, nomeadamente as dos Açores,

estivessem no centro da política externa portuguesa durante o segundo grande conflito mundial, os

arquipélagos dependeram de uma estratégia nacional.

A Inglaterra não pretendia ocupar Cabo Verde, mas sim que o arquipélago não fosse ocupado

pelo Eixo. Só a neutralidade portuguesa pouparia os cabo-verdianos a maior sacrifício dos que os

que lhes foram exigidos. Os cabo-verdianos viveram a guerra de fora, mas sentiram os seus efeitos

no interior das ilhas.

O cenário da invasão ao arquipélago de Cabo Verde foi ponderado pelos Aliados e pelo Eixo.

Não há dúvidas que, caso a Espanha tomasse alguma atitude bélica a favor da Alemanha ou fosse

invadida pelo exército nazi, o arquipélago de Cabo Verde seria, de imediato, ocupado pelas forças

aliadas. Portugal não tinha capacidade para se opor aos interesses estratégicos dos países que

pretendiam ocupar Cabo Verde.

464

José Augusto Barahona Fernandes, “O novo Significado das posições Portuguesas no Atlântico e no Índico”, in:

Anais do Instituto Superior Naval de Guerra, Separata n.º 4, Lisboa, 1971, p. 4. 465

José Freire Antunes, op. cit., 1995, p. 18.

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Adildo Soares Gomes Conclusão

116

O arquipélago teve um papel central na Batalha do Atlântico e no controlo das rotas para o

Atlântico Sul. A importância estratégica de Cabo Verde levou o Governo Português a tomar

medidas defensivas, mas as suas forças armadas não possuíam armamento suficiente para o

defender, ou seja, não tinham grande poder de actuação. Durante a Segunda Guerra Mundial, a

Alemanha valorizou o Atlântico e subalternizou o Mediterrâneo e quando pensou invadir a

Península foi com a intenção de atingir a costa atlântica466

.

Ficámos com a firme convicção de que Cabo Verde e os Açores cumpriram a sua função para

com o país, ao permitir que este negociasse com as maiores potências do mundo, e deste modo

colocaram Portugal a lutar acima do seu peso político.

Os pressupostos básicos de natureza geopolítica e geoestratégica subjacentes à importância de

Cabo Verde foram basicamente as necessidades permanentes por parte dos Aliados e do Eixo de

disporem de um ponto de apoio a meio do Atlântico que lhes permitisse deslocar tropas e material

de guerra para uma zona de conflito, nomeadamente em direcção ao Atlântico Sul. Em todos os

contextos transcritos, o arquipélago de Cabo Verde desempenhou sempre um papel de grande

importância, voltando a desempenhá-lo durante a Segunda Guerra Mundial.

O arquipélago de Cabo Verde teve, entre 1939 e 1945, umas das suas mais importantes

funções em termos estritamente geopolítico e geoestratégico. A tal ponto que, por várias vezes,

esteve iminente a sua ocupação militar, quer pelos alemães, quer pelos Aliados.

No aspecto de planeamento de operações, a situação era a seguinte: os planos de defesa

existentes foram elaborados de 1941 a 1944. Não existiam directivas para a elaboração de planos de

defesa e segurança interna.

Parecia mais lógico que a actualização dos planos de defesa fosse entregue ao Estado-Maior,

pois a ocupação com forças expedicionárias do arquipélago, ou de alguma das suas ilhas era sempre

resultante de causas cujo estudo cabe ao Departamento de Defesa.

A ocupação poderia verificar-se pelas seguintes razões: (i) conflito generalizado, como em

1941, e a responsabilidade do país (Portugal), no campo internacional, obrigar a ocupar os pontos

do seu território sobre os quais podiam recair os interesses de qualquer dos partidos em luta; (ii)

informações pessimistas, princípios de sobrevivência ou mesmo da luta na totalidade ou em parte

das províncias de África, que obrigassem a ocupar Cabo Verde como meio de segurança na defesa

das rotas aéreas e marítima, pela ocupação efectiva de, pelo menos, as ilhas do Sal e de São

Vicente.

No aspecto de segurança interna, havia que prever a intervenção das forças da Província em

qualquer das ilhas do arquipélago e estudar as medidas a tomar para a segurança de unidades em

466

José Medeiros Ferreira, op, cit., 1981, p. 102.

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Adildo Soares Gomes Conclusão

117

trânsito. Era trabalho “que estava dentro das possibilidades do Comando Militar”467

. Tornou-se

“necessário dar ao Comando Militar uma directiva da defesa e segurança interna do arquipélago”468

.

A importância estratégica e geopolítica do arquipélago de Cabo Verde durante a Segunda

Guerra Mundial teria de ser entendida num contexto global e não apenas europeu, entre a potência

marítima (a Inglaterra) e a potência continental (a Alemanha).

Fundamentamos esta afirmação, citando a carta que Armindo Monteiro, embaixador de

Portugal em Londres, expediu a Oliveira Salazar, no dia 1 de Julho de 1943, a referir que devido à

necessidade dos Aliados de “[…] acumularem no Norte da África grandes massas de material e de

homens para as ofensivas que se desenham no litoral do Mediterrâneo e uma vez desencadeadas

estas manter ininterrupta a corrente de material e de homens para as alimentar sem desfalecimento

ou interrupção”469

.

Esta necessidade exigia plena liberdade e segurança de movimentos no Atlântico, tanto

possível pela linha mais curta. O simples enunciado destas necessidades mostrava a importância que

as ilhas atlânticas desempenharam no plano dos Aliados. A importância geoestratégica de Cabo

Verde foi, e é ainda hoje, muito relevante. Pois, o arquipélago continua a desempenhar um papel

relevante no controlo do Atlântico Sul.

Situado praticamente a meio do Atlântico, vital para as comunicações intercontinentais, Cabo

Verde foi um dos “perturbadores” da neutralidade portuguesa.

467

AHM/FO/032/1/398/6. 468

AHM/FO/032/1/398/6. 469

DAPE, vol. XII, p. 183.

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