breves anotações sobre o sistema de controle interno
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Breves Anotações sobre o Sistema de Controle Interno: Redefinição do Denominado Modelo de Gestão “Gerencial”1, Exercício da Função e a Necessidade de uma Lei Geral de Controle Interno
Rodrigo Pironti Aguirre de Castro2
A desmitificação do que chamamos de modelo de gestão pública “gerencial”: o problema do rótulo e a redefinição para construção de um conceito de modelo responsável
Como se sabe, no ano de 1967 algumas alterações substanciais
ocorreram na gestão administrativa brasileira, principalmente com a
publicação do Decreto-Lei n.o 200/67, que, dentre outros buscava a
1 Colocamos o termo “gerencial” entre aspas, pois, como veremos, essa expressão
carrega uma forte rejeição em face de alguns contornos e tentativas de flexibilização da
gestão pública brasileira com a utilização desse rótulo. Dessa forma, o modelo gerencial
do qual trataremos, e ainda acreditamos, não é este tachado negativamente pelo rótulo,
mas pode ser entendido e será assim nominado, como modelo de Estado “responsável”
2 Doutorando e Mestre em Direito Econômico e Social pela Pontifícia Universidade
Católica do Paraná. Especialista em Direito Administrativo Instituto de Direito Romeu Felipe
Bacellar Filho. Especialista em Direito Empresarial Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
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superação da noção estanque de burocracia e sinalizava a preocupação em
fornecer ao Estado princípios racionais que possibilitassem o planejamento e
a gestão orçamentária, a descentralização e a coordenação das atividades
administrativas e um controle por resultados, tornando-se assim o primeiro
marco da Administração Pública “Gerencial” no Brasil.
Ocorre que as alterações trazidas pelo citado Decreto-Lei não
prosperaram, uma vez que, com a noção de maior liberdade na gestão
administrativa, não demorou para que houvesse um desvirtuamento
das regras de direito na criação de entidades da administração indireta3
e um completo descontrole das empresas estatais ante a sua autonomia
e desregrada proliferação, o que fez com que alguns princípios e regras
racionais-burocráticas tivessem que ser reforçadas.4
A Emenda Constitucional n.o 19/98 teve como fundamento5
“avançar no caminho da administração, promovendo flexibilidade,
eficiência e cidadania”.6
Importante frisar desde já, que não se estará a dizer que o modelo
burocrático não serve ao Estado Brasileiro, ou que a perspectiva de adoção
do modelo “gerencial” pressupõe a completa inefetividade da burocracia,
3 Como, por exemplo, a burla à proibição de acumulação de cargos públicos
e à regra precípua de realização de concurso público para ocupação de cargos na
Administração.
4 Para alguns doutrinadores a introdução de regras e princípios racionais-
burocráticos na condução da máquina pública engessou a Administração e representou um
retrocesso no processo de flexibilização do Estado. Porém, tal posicionamento me parece
radical no sentido de que existia, à época, a necessidade de se frear a desorganização
administrativa para que, posteriormente, fosse permitida uma adequação sustentável e
responsável do sistema.
5 Fundamento este declarado no Plano Diretor da Reforma do Estado.
6 MOREIRA. Direito administrativo: da rigidez autoritária a flexibilidade
democrática, p. 160.
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mas sim que, ante a evolução das relações entre o setor publico e o setor
privado, não se pode aguardar que o modelo burocrático cumpra seu estágio
no Estado Brasileiro7 ou que seja readequado ao que dele se espera, pois
seguramente, para uma maior eficiência da “máquina” pública no Brasil, é
necessário um choque de gestão e urge a adoção de um modelo de gestão
que combine aos ditames burocráticos existentes, um direcionamento
da política pública ao atendimento dos anseios da coletividade e uma
administração proba e transparente.
Não há dúvida de que o estágio do modelo burocrático no Brasil foi
tímido e não operou os efeitos esperados. Não se questiona, da mesma forma,
que muito há que se fazer para existir em nosso Estado um desprendimento
7 Nesse sentido, veja-se: “Nos documentos e nos trabalhos sobre a Reforma
da Gestão Pública de 1995/98, distingui com clareza a administração pública gerencial
ou do modelo da gestão pública, das duas formas históricas básicas de administração do
Estado que a antecedem: a administração patrimonialista, que confundia o patrimônio
público com o privado, e a administração pública burocrática, que torna o serviço público
profissional e baseado no princípio do mérito. A Reforma da Gestão Pública de 1995-
98 não subestimou os elementos patrimonialistas e clientelistas ainda existentes em um
Estado como o brasileiro, mas, ao invés de continuar se preocupando exclusivamente com
ele, como fazia a reforma burocrática desde que foi iniciada nos anos 1930, avançou na
direção de uma administração mais autônoma e mais responsabilizada perante a sociedade,
a partir do pressuposto de que a melhor forma de lutar contra o clientelismo e outras
formas de captura do Estado é dar um passo adiante e tornar o Estado mais eficiente e
mais moderno. É preciso lutar contra a corrupção e o desperdício, mas essa luta não
alcança êxito se nos limitamos a travar a administração pública com controles e mais
controles. Ao invés disso, é preciso tornar a combinar confiança com controle, dar mais
autonomia ao gestor público, e fazê-lo mais responsabilizado pelos seus atos. Dessa forma,
a reforma brasileira rejeitou a crença burocrática de que não se pode jamais colocar
o carro na frente dos bois, que, primeiro, é preciso completar a reforma burocrática
para depois avançar na da gestão pública. Ao aceitarmos esse tipo de crença, deveríamos
também defender a tese de que, primeiro, deveríamos terminar a revolução mecânica
para podermos entrar na eletrônica...” (PEREIRA. Da administração pública burocrática à
gerencial. Revista do Serviço Público, 1996, p. 13).
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do modelo patrimonialista e um maior aproveitamento da máquina pública.
Porém, é inquestionável também que, muito embora exista uma necessária
percepção de crescimento nesse sentido, há uma necessidade de evolução
da Administração Pública brasileira, para que não sufrague em modelos
ultrapassados e que não acompanham o desenvolvimento da sociedade.
Esse modelo, até para que não haja nenhuma confusão com aspectos
conceituais e pressupostos prejudiciais do chamado modelo gerencial,
chamaremos de modelo de gestão pública “responsável”.
Aqueles mais atentos podem imaginar que há, nesse posicionamento,
uma alteração de postura desse autor em relação ao chamado Estado
“Gerencial”8, ao contrário, há apenas uma redefinição do rótulo utilizado,
para que não haja um pré-conceito em relação às ideias que são manifestadas
ao tratar do tema de Controle Interno.
Por certo o modelo responsável não pode ser implementado com
desatenção a realidade da Administração Pública brasileira,9 ou seja,
haverá também neste novo modelo um controle de meios e de resultados
— a depender do ato que se está a controlar — porém, com a perspectiva
evolutiva de que, pouco a pouco, a gestão administrativa se medirá pelo
alcance do interesse público de maneira eficiente e substancial.
É dizer, não se pode, em pleno século XXI, esperar que solicitações
de leitos em hospitais sejam atendidas e autorizadas dias após o falecimento
do solicitante; da mesma forma, impossível imaginar em dias atuais que
com tantos controles e exigências legais a que está submetido o gestor, lhe
seja facultado, no orçamento, destinar mais recursos a publicidade e(ou)
gastos de gabinete do que para infraestrutura e implemento de ações fins e
8 Cf. publicado na obra: CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de.“Sistema de
Controle Interno: uma perspectiva do modelo de gestão pública gerencial”. 2 ed. Belo Horizonte:
Ed. Fórum.
9 Neste diapasão, vide JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras
independentes, p. 287.
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de comprometimento sociais, por exemplo. Ou ainda, em tema de direito
disciplinário, não se pode permitir que sanções administrativas sejam
aplicadas ao arbítrio da Lei, com simulacros de processo administrativo ou,
ainda, desvios de conduta do gestor no sentido de não atender a requisitos
mínimos da função, como qualificação (profissionalização) e requisitos
constitucionais comezinhos.
Ora, parece-me que nunca é despiciendo reforçar a necessidade do
retorno de políticas públicas efetivas ao interesse público e ao cidadão,
o que não se permite, é uma desarrazoada e custosa necessidade de
agigantamento de ações secundárias do Estado em detrimento de ações
primordiais da Administração (estas, frise-se, entendidas como aquelas que
são tomadas em prol do cidadão).
A gestão administrativa responsável é, pois, um modelo que verifica
sim os meios, mas se preocupa precipuamente com a realização dos
resultados, do alcance primeiro do bem comum, da realização do interesse
público, da máxima eficiência do ato administrativo, em outras palavras, da
efetivação da justiça social por meio de uma gestão eficiente.
A aceitação de cargos comissionados quando utilizados para cumprimento de sua real função constitucional
No livro intitulado “Sistema de Controle Interno: uma perspectiva
do modelo de gestão pública gerencial”10, adotou-se uma postura de maior
segurança aos desmandos que ocorrem em nosso país ao se tratar do tema
da nomeação para cargos comissionados. Talvez por se imaginar um texto
muito mais prático e que servisse para dotar a Administração Pública de
meios efetivos para o implemento de um controle razoável e justo, infenso
10 CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de.“Sistema de Controle Interno: uma
perspectiva do modelo de gestão pública gerencial”. 2 ed. Belo Horizonte: Ed. Fórum.
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aos desvios de condutas e da utilização do direito para o cometimento de
atos fraudulentos e prejudiciais ao erário.
Porém, no período em que sucederam a primeira e a segunda edição
da referida obra e percebendo a realidade de alguns controles internos já
instalados e a complexidade de tratar de um tema tão relevante num cenário
de multiplicidade técnica e funcional dos (principalmente) municípios
brasileiros, agrega-se, ao posicionamento anteriormente adotado, a
possibilidade de nomeação do responsável pelo Controle Interno para o
exercício de cargo comissionado originário, sem que nessa conduta haja
qualquer irregularidade pré-concebida.
A razão – muito embora demande amadurecimento científico para
sua tratativa e razoável entendimento pelo gestor – é simples.
O texto constitucional é claro ao permitir a utilização de cargos
comissionados para as funções de direção, chefia e assessoramento11,
desde que, por óbvio (e essa exigência é abarcada pelos demais princípios
constitucionais expostos no artigo 37), a pessoa nomeada detenha expertise
e condições técnicas para o exercício do munus que lhe fora conferido.
Tal concepção se reforça quando se constata que o exercício do controle
interno em alguns casos, por sua tecnicidade e importância, depende de um
profissional que muitas vezes o corpo de servidores não detém, ou, ainda que
detenha, não parece oportuno e conveniente ao gestor utilizar desse corpo
técnico para uma função que pode ser atendida por servidor comissionado
que, frise-se, deve deter reconhecida capacidade para exercê-la.
11 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)V - as funções de confiança,
exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos
em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e
percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção,
chefia e assessoramento; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
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Claro que mecanismos de reforço a independência e autonomia do
Controlador interno nesse caso devem ser buscados e fomentados – muito
pela característica de exoneração ad nutum própria desses cargos –, como
por exemplo, a criação na Lei instituidora de Controle de instrumentos
autônomos de atuação e controle, ou ainda, como um implemento dessa
autonomia, buscar definir claramente os aspectos “gerenciais” de controle
por meio de contratos de gestão com prazos e metas bem definidos em uma
matriz de risco.
A opção pelo cargo comissionado, portanto, não é residual; é dizer,
pode ser realizada independentemente de haver servidor efetivo e estável
para esse exercício, desde que, frise-se, seja inequívoca a qualificação
técnico-profissional desse servidor.
Por um dever de cautela do gestor em relação a sua opção discricionária
– e para que mesmo com um amadurecimento da postura outrora adotada
haja, em nosso entender, uma afinação com o texto constitucional – em
havendo servidor efetivo e estável com capacidade para o exercício da
função de controlador, deverá pelo gestor ser demonstrada a capacidade do
servidor escolhido quando da opção pela nomeação do cargo comissionado,
para que se atendam aos requisitos constitucionais (explícitos e implícitos)
da referida nomeação.
Nesse sentido, o exercício do Controle Interno por cargo
comissionado não é vedado e, em alguns casos, pode ser a única solução
viável para que se tenha a qualidade almejada nessas ações de Controle.
O estabelecimento de uma métrica de controle interno uniforme e que permita o mínimo de conformação entre os sistemas
O tema de controle não é apenas complexo pela sua amplitude e
dificuldade em um país de dimensões continentais como o Brasil, mas
principalmente, pela falta de uma metodologia clara que oportunize o
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exercício desse controle e a mensuração de seus resultados, mormente
quando se vinculam esses resultados a possível realização ou não da
eficiência administrativa.
Ora, já não se pode mais imaginar um controle interno extremamente
burocrático, pautado em rígidas instruções normativas, resoluções e atos
normativos, jungido a uma programação de conduta de seus servidores
coordenada por “check-lists” estanques e que na maioria das vezes não
cumprem a sua função primeira, qual seja, permitir informação de qualidade
para tomada de decisões.
É nesse sentido que se propõe, com base em estudos da teoria da
Administração, uma metodologia eficiente, pautada na análise de riscos e
atuação responsável do gestor.
Essa metodologia pressupõe, em um primeiro momento, a elaboração
de um planejamento estratégico de controle, no qual cada aspecto do
controle interno existente na estrutura administrativa em que está sendo
implementado ou melhorado será analisado e servirá para determinação do
ponto de partida do “novo” enfoque dado àquele controle.
Essa proposta pode ser representada, exemplificativamente, pelo
seguinte quadro esquemático:
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Em um segundo momento, será elaborada a matriz de risco da
estrutura administrativa, onde o responsável pelo controle mapeará e terá
em mãos – pautado em critérios de relevância financeira e vulnerabilidade
– todos os aspectos relevantes de controle determinados pelo Gestor e pelas
normas de controle, podendo, assim, priorizar ações, ordenar condutas e
atingir de forma mais eficiente os resultados pretendidos.
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Vejamos um possível esquema de formatação de matriz de risco na
Administração Pública, mais especificamente no Poder Executivo Municipal:
Essa matriz de risco deverá ser aplicada em cada estrutura e será
determinada pelo plano de governo do gestor, pelas regras constitucionais e
legais e, ainda, pelas exigências dos Tribunais de Contas estaduais e municipais
(onde houver) e pelo Tribunal de Contas da União. Senão vejamos:
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Em um terceiro momento, após aplicada a matriz de risco, será
elaborado pelo responsável pelo controle interno um plano de auditoria,
que como regra será anual (nada obstante possa ser realizado em período
inferior a depender da realidade de cada ente) e terá como finalidade o
cumprimento dos ditames estabelecidos principalmente pelos artigos 70 e
74 da Constituição da República de 1988.
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Essa metodologia possui como requisito fundamental dois aspectos,
quais sejam: a) um aprimoramento dos controles administrativos, com
menor dispêndio de tempo e recursos (humanos e financeiros) para o
mapeamento das necessidades estatais; e b) uma resposta acertada e
temporalmente satisfatória do poder público aos anseios dos cidadãos, é
dizer, a realização – senão plena – razoável do interesse público.
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A necessidade de cr iação de uma Lei Geral de Controle Interno
Embora a Constituição da República de 1988 tenha se preocupado
com a implantação e efetivação prática de um sistema de controle interno
na Administração Pública, o tema, como já mencionado, já mereceu
destaque nos textos legais anteriores à Constituição, mormente no que
tange à Lei nº 4.320 de 17 de março de 1964.
A Lei supramencionada inovou quando, já na década de 1960,
introduziu no ordenamento jurídico as expressões controle externo e
interno, especificamente nos seus artigos 75 a 80, propondo-lhes as
respectivas atribuições, porém, sem delimitar qualquer vínculo entre eles.12
Nesse sentido, uma das formas encontradas para delimitar o
conceito de controle interno foi o estabelecimento pelo legislador ordinário
no artigo 75 da Lei nº 4.320/64, do exercício do controle de execução
orçamentária. Como se não bastasse, vinculou o exercício deste controle
ao Poder Executivo, sinalizando um ideal fiscalizador nas atividades executivas
do Estado, sem prejuízo dos entes de controle externo responsáveis
constitucionalmente pelo controle dos bens e recursos públicos.
A “Constituição”13 de 1967, por sua vez, dotou de força constitucional
o conceito de controle interno, estabelecendo em seu artigo 71, inciso I,
que o controle interno possuía como uma de suas atribuições fundamentais
propiciar a máxima eficácia do controle externo.
Porém, foi com a promulgação da Constituição de 1988 que o sistema
de controle interno ganhou status relevante no cenário da Administração
Pública brasileira.
12 GUERRA. Os controles externos e internos da administração pública, p. 257.
13 Autores como Paulo Bonavides e Paes de Andrade sustentam que não houve
propriamente uma tarefa constituinte, mas uma farsa constituinte. In MENDES, Gilmar
Ferreira, Et alli. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva. p 175.
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O sistema de controle interno passou, então, a corresponder ao
controle que compreendia a fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
patrimonial e operacional, relativamente à legalidade, legitimidade e
economicidade, tanto na Administração direta ou indireta, por força dos
artigos 70 e 74 do texto constitucional.
Para além disso, o artigo 31 da Constituição da República evidencia
a imperatividade do controle interno no âmbito municipal, fazendo espraiar
o entendimento de sua aplicação a todas as esferas de poder.14
Nesse aspecto, o controle interno deveria ser implantado, como
decorrência de uma interpretação sistemática do texto constitucional, no
Poder Executivo – tanto em sua administração direta como na indireta –,
no Poder Legislativo, no Poder Judiciário e, ainda, no Ministério Público
e Tribunais de Contas, todos no âmbito Federal, Estadual e Municipal
(quando houver).
A Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, se preocupou
em estabelecer regras voltadas à responsabilidade na gestão fiscal, mormente
no que tange à legalidade e transparência no trato das finanças públicas,
14 A parte final do artigo 31 da Constituição remete à expressão “na forma da
Lei”. Neste sentido abre-se o questionamento sobre qual Lei seria esta à qual fez menção
o texto constitucional, se lei ordinária ou lei orgânica? Neste sentido, Guerra aduz:
“tratando-se de matéria de fiscalização, atividade típica do Estado, deverá estar prevista
na Lei maior do Município” (GUERRA. Os controles externos e internos da administração
pública, p. 258). Data vênia, não parece ser este o melhor entendimento, uma vez que a
Lei Orgânica do Município estabelece critérios orientadores e fundamentais da estrutura
do Poder Executivo Municipal e seu relacionamento com os demais entes da estrutura do
Estado e fixa parâmetros para o pleno exercício dos ditames constitucionais no âmbito
municipal; e é à legislação ordinária quem cabe estruturar as normas estabelecidas no
texto constitucional e inovar, exaustivamente, a matéria objeto de versação constitucional,
como, por exemplo, estabelecer as regras do sistema de controle interno municipal. Ou
seja, poderia a Lei orgânica mencionar, como no texto constitucional, a obrigatoriedade
de criação do sistema de controle interno municipal, porém não se vislumbra óbice à lei
ordinária dispor sobre sua realização e ordenação prática.
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trazendo a obrigatoriedade da assinatura do responsável pelo órgão de
controle no relatório de gestão fiscal do ente controlado,15 vinculando-o,
assim, ao cumprimento moral e detalhado de todas as normas relativas à
responsabilidade fiscal do ente16.
Em síntese, a Lei nº 101/2000, por delegação, repassa aos sistemas de
controle interno de cada Poder a verificação e fiscalização das normas de
responsabilidade e gestão fiscal por ela previstas, mormente no tocante a) ao
cumprimento das metas estampadas na Lei de Diretrizes Orçamentárias; b)
aos limites e condições para que seja viável assumir obrigações de operação
de crédito e inscrições em restos a pagar; c) fiscalização do limite de gastos
totais referentes a despesa com pessoal e providências de controle deste
limite; d) verificação das medidas adotadas para restabelecer os montantes
da dívida consolidada e mobiliária aos respectivos limites; e) controle das
restrições constitucionais e legais de gestão fiscal no tocante aos recursos
advindos da alienação de ativos; e f) o controle do cumprimento dos gastos
totais dos legislativos municipais.17
Nota-se, portanto, que os pressupostos de ordem jurídica, ou seja, a
obrigatoriedade legal da implantação do controle e os fundamentos desta
implantação, são de fundamental importância para o entendimento da
necessidade e adoção imediata em todos os poderes e esferas de governo de
um sistema de controle interno adequado.
Como se não bastasse, a International Organization of Supreme Audit
15 Vide artigo 54, parágrafo único da Lei de Responsabilidade Fiscal.
16 Nesse passo, sendo obrigatória também a assinatura dos relatórios pelo chefe
de cada Poder, a Lei de Responsabilidade Fiscal coloca o responsável pelo controle como
responsável solidário das obrigações e informações prestadas no referido documento,
como preconiza também o texto constitucional de 1988.
17 Vide artigo 59 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
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Institutions – INTOSAI18 preocupou-se em estabelecer um marco de
normas minimamente exigidas e que seriam aplicadas a todos os níveis
de governo para criação de um sistema controle interno adequado, quais
sejam: a) O estabelecimento de uma norma geral que se preocupe com a
segurança do sistema de controle, ou seja, a formatação jurídica no sentido
de que as estruturas de controle interno devem oferecer uma razoável
segurança de que os objetivos institucionais estampados na norma serão
cumpridos; b) A fixação de uma regra geral de cooperação entre os
envolvidos no controle, no sentido de que todos da cadeia de controle
adotem atitudes positivas e de cooperação na efetivação do controle
interno; b) A estipulação de uma norma que privilegie, como conditio sine
qua non, critérios de moralidade e competência para fazer parte integrante
do quadro de controle interno; c) regramento dos objetivos buscados
pelo sistema de controle interno, que devem ser identificados e razoáveis
no contexto geral dos objetivos da instituição de que faz parte; d) e,
principalmente, uma norma que permita o acompanhamento constante
do sistema de controle e sua independência diante da determinação de
irregularidades encontradas no decorrer de sua atividade.
Ora, é por meio do pressuposto normativo que se estabelecem as
regras de conduta na implantação do Sistema, bem como sua formatação
estrutural, com vistas ao atingimento dos fundamentos legais que balizam
o controle.
Mas como cumprir com todas essas exigências, se não existem
parâmetros mínimos e razoáveis para a criação e adequação do Sistema de
Controle Interno dentro de qualquer estrutura da Administração Pública?
Nota-se que a estruturação dos controle internos no Brasil é realizada
de forma desregrada e sem qualquer critério técnico determinante, sendo
18 INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SUPREME AUDIT INSTITUTIONS
– INTOSAI. Guia para normas de controle interno. Revista do Tribunal de Contas do Distrito
Federal, p. 68-69.
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formatada de acordo com a interpretação dada por cada um dos entes/
entidades para os conteúdos das Leis acima mencionadas, quando não são
objeto de reprodução de textos legais achados na Internet ou importados
de outros entes/entidades sem qualquer compatibilidade.
É medida de rigor, portanto, que para além da inclusão na pauta de
discussão do Congresso Nacional, haja a efetiva criação de uma Lei Geral de
Controle Interno, que consiga, de forma sintética e responsável, agregar os
conceitos legislativos aqui expostos e conferir o mínimo de previsibilidade
e segurança ao Sistema de Controle.
Nesse sentido, em se considerando que os aspectos aqui versados
são essenciais para a busca da eficiência administrativa, do controle de
resultados, e do ponto de equilíbrio entre modernização e segurança na
gestão pública brasileira, vale repisar a importante lição de Gilles Deleuze,
“não cabe temer ou esperar, mas buscar novas armas”.19
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