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Breve panorama histórico da imigração no estado de São de Paulo e o fluxo
migratório boliviano na região1
Roberta de Morais Mazer (UFABC/ São Paulo)
Resumo: O artigo busca apresentar um breve panorama das imigrações internacionais no
estado de São Paulo através de dados, as mudanças desses fluxos e relacioná-los à
conjuntura nacional. Apesar de ser brevemente comentada as movimentações
populacionais no país desde o momento de sua descoberta, o período aqui considerado
tem início em 1870 e vai até a década de 80 do século XX, momento em que mudanças
na conjuntura internacional trazem novas variáveis ao estudo das migrações. A partir
desse momento a análise volta-se para os fluxos migratórios dentro do cone sul e, mais
especificamente, o fluxo de bolivianos em direção ao Brasil, considerando suas
características e como elas diferem da imigração até então observada.
Palavras-chave: Imigração; São Paulo; bolivianos
Em 1500 o território que hoje pertence ao Brasil era povoado por 1 a 3 milhões de
índios e coberto por floresta em quase sua totalidade (Levy, 1974). Os primeiros a
chegarem aqui foram os portugueses, que foram os responsáveis por tomar posse da terra
em nome do rei de Portugal e estabelecer a colonização que atendesse seus interesses.
Assim, nos primeiros anos após a descoberta do Brasil, temos as migrações de
colonização (Sassen, 1988). Esse movimento populacional era feito da metrópole em
direção à colônia, e era visto como fundamental. Apesar das altas taxas de natalidade
observáveis na Europa como um todo, sua taxa de mortalidade ainda não havia sido
controlada, e o continente se via em constantes lutas, o que fazia com que população fosse
vista como um recurso escasso, que não apresentava excedente para ser “mandado” a
outros locais. Por isso os enviados à essa colônia eram os presos e os indesejáveis (Levy,
1974). “Population was indeed a valuable and scare resource in the context of slow
demographic growth, labor-intensive production, labor-intensive warfare, and the
increasing economic and strategic importance of settling uncolonized areas. (Sassen,
1988, p. 32)”
Ao longo do século XVI Portugal mantinha outras colônias que produziam açúcar
e, no Brasil, a metrópole decide produzir o mesmo. Assim, aumenta a necessidade de
1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN.
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população que servisse como mão de obra. Por isso uma nova maneira de solucionar essa
escassez foi buscada: a organização de transferências de pessoas de um território para
outro. Com isso teve início o tráfico de negros da África2, continente onde Portugal já
possuía colônias, em direção ao Brasil.
Merrick e Graham (1981) concluem que do início do século 18 até princípios do
século 19, a população brasileira passou de 300 mil para mais de 3 milhões,
resultado da imigração portuguesa e da importação de escravos; “foi o período de
mais rápido crescimento relativo da população do Braasil” (p.30). (Baeninger,
2012, p.12-13)
A partir de 1550 até 18503 qualquer negro que entrasse nesse território era visto
como sendo apenas “bagagem”, pertences ou propriedades. Apesar de haver controvérsias
em relação a esse número, estima-se que cerca de três milhões de negros chegaram ao
Brasil4 (Levy, 1974).
Tabela 1 – População livre e escrava: Grandes regiões, Brasil, 1854, 1872, 1887
Os primeiros a chegarem no Brasil enquanto migrantes não ligados à Portugal
foram os suíços, que fundaram a colônia de Nova Friburgo, em 1819. O estabelecimento
dessas pessoas é o que marca o começo do processo de colonização com imigrantes
europeus. (Seyferth, 2007)
Os outros estrangeiros estabelecidos no Brasil após a abertura dos portos
decretada por D. João VI em 1808 estavam ligados a atividades comerciais. As
estatísticas sobre eles são pouco precisas, pois não eram considerados imigrantes.
2 Essa população provinha de regiões que não necessariamente tinham excedentes populacionais, já que era feita a partir das colônias já detidas, e se caracterizava como migração forçada, pois não havia a escolha de migrar. 3 Em 4 de Setembro de 1850 foi assinada a Lei Eusébio de Queiróz pelo ministro de mesmo nome, proibindo o tráfico de escravos. 4 Alguns dos negros que foram traficados e/ou seus descendentes voltaram para a África após a Lei dos Sexagenários , de 28 de Setembro de 1885, mas sobre isso ainda há poucas informações (Levy, 1974).
REGIÕES NORTE NORDESTE SUDESTE SP MG RJ SUL C.OESTE TOTAL POPULAÇ. LIVRE
1854 206.093 3.077.212 2.206.940 382.269 984.392 801.248 283.436 243.161 6.016.842 1872 304.410 4.158.151 3.125.616 680.742 1.669.276 716.120 628.002 203.493 8.419.672 1887 449.889 5.645.305 5.389.873 1.216.602 28.864.995 1.191.644 1.335.013 301.146 13.121.226
POPULAÇ. ESCRAVA
1854 43.907 655.588 846.512 117.731 317.760 398.752 95.264 21.839 1.663.110 1872 28.437 480.409 891.306 156.612 370.459 341.576 93.335 17.319 1.510.806 1887 10.534 205.243 482.571 107.329 191.952 169.909 16.882 8.188 723.418
% POPULAÇ. ESCRAVA NO TOTAL
1854 17,56 17,56 27,72 23,55 24,40 33,23 25,16 8,24 21,66 1872 8,54 10,36 22,19 18,70 18,16 32,29 12,94 7,84 15,21 1887 2,29 3,51 8,22 8,11 6,28 12,48 1,25 2,65 5,23
Fonte: Baeninger, 2012
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Os registros apontam para a existência de aproximadamente quatro mil
estrangeiros – na maioria espanhóis, franceses, ingleses e alemães – antes de
1822. (ibidem, p.15).
A partir de 1822, por causa da Independência do Brasil, é que o estabelecimento
de alguns colonos é buscado como forma de ocupar terras, levando o império a tentar
estabelecer algumas colônias oriundas da Europa5 em determinadas regiões do país, de
forma estratégica. A colônia alemã de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, em 1824, foi
considerada a primeira a ser bem sucedida, apesar dos diversos problemas enfrentados
por essa população. (ibidem)
Em 1830 foi sancionada uma lei que proibia qualquer tipo de gasto governamental
com a colonização por grupos estrangeiros dentro do Império. Isso levou à queda da
migração e da colonização até 1834, quando as províncias foram encarregadas de
promover sua colonização (Seyferth, 2007). Assim, em 1872, são registrados 389.459
estrangeiros de nacionalidades diversas (Levy, 1974).
Em 1850 o tráfico de negros foi proibido e a Europa apresentava um crescimento
populacional significativo. Foi a partir da Abolição da Escravatura que a imigração
internacional ganhou força (Baeninger e Sales, 2000). A necessidade de mão de obra na
lavoura cafeeira é o que levou ao incentivo da imigração, já que a população nacional não
estava disponível a ser mobilizada enquanto mão de obra proletária. (Pacheco e Patarra,
1997). Essa política imigratória permitia que os estrangeiros suprissem a necessidade do
país por mão de obra e aliviasse pressão demográfica nos países de onde essas pessoas
saíam, além de possibilitar o desejado branqueamento da população brasileira ou da
miscigenação da população “de cor” que até o momento representava a maior parte das
pessoas que residiam no país (Sales et al, 2013). Assim,
1850 é, realmente, um divisor quando se leva em conta os interesses do Estado
na imigração europeia para fins de colonização. O modelo colonial foi
considerado diferente e separado do regime escravista – uma política voltada para
a imigração. (...) As mudanças produzidas em 1850 (...) garantiram a
continuidade do processo imigratório, especialmente porque também abriram
mais espaço às empresas particulares de colonização (Seyferth, 2007, p.18-20).
A imigração em massa só acontece no Brasil entre 1887 e 1914, quando chegam
ao Brasil cerca de três milhões de imigrantes. Nesse período os estrangeiros que mais
chegam aqui são, em ordem numérica, os italianos, portugueses e espanhóis (Seyferth,
5A preferência pela migração europeia, em detrimento da migração interna, fazia parte de uma política de branqueamento da população do Brasil, já que essa era vista como superior à população negra, índia e miscigenada que existia no país então.
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2007). O ponto culminante da imigração europeia ocorreu nas duas últimas décadas do
século XIX: entre 1877 e 1903 entraram no Brasil aproximadamente dois milhões de
imigrantes, predominando a migração italiana, que alcançou quase metade desse total
(Pacheco e Patarra, 1997).
As principais nacionalidades da imigração subsidiada foram a italiana, com 1,5
milhão de pessoas, a portuguesa, com 1,2 milhão, espanhola, com 574 mil e a crescente
entrada de outras nacionalidades, que entre 1872 e 1879 representavam 58 mil imigrantes
para mais de 200 mil entre 1920 e 1929 (Baeninger, 2012).
Tabela 2 – Entrada de Imigrantes Internacionais. Estoque de Imigrantes Internacionais
e População Total. Brasil 1930-1959
PERÍODO TOTAL DE ENTRADAS PORTUGUESES JAPONESES ITALIANOS ALEMÃES ESPANHÓIS OUTROS 1930-1939 332.768 102.743 99.222 22.170 27.497 12.746 68.390 1940-1949 114.085 45.604 2.828 15.819 6.807 4.702 38.325 1950-1959 583.587 241.579 33.593 91.931 16.643 94.693 104.629
TOTAL 1.030.440 389.926 135.643 129.920 50.947 112.141 211.344
ANOS POPULAÇÃO BRASILEIRA
ESTOQUE DE ESTRANGEIROS
POPULAÇÃO TOTAL
PROPORÇÃO POPULAÇÃO ESTRANGEIRA NO TOTAL (%)
1920 29.069.644 1.565.961 30.635.605 5,11 1940 39.752.979 1.406.342 41.159.321 3,42 1950 50.730.213 1.214.184 51.944.397 2,34
Baeninger (2012) defende a ideia de que teria sido difícil para o Brasil competir
na busca de imigrantes sem a política governamental de subsídios a esse deslocamento, e
essa, por sua vez, só foi possível devido à prosperidade da economia nacional no período
em que ela foi promovida, e de não coincidir com períodos prósperos da economia
americana, argentina e italiana. Assim, entre 1900 e 1920 a taxa de estoque de imigrantes
no Brasil alcançaria 11%.
Fonte: Baeninger, 2012
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Figura 1 – Entradas anuais de estrangeiros no Brasil (1872-1972)
Um dado que ainda deve ser considerado, de acordo com Seyferth (2007) é o
índice de fixação desses imigrantes em território brasileiro. A autora aponta que entre
1819 e 1959o coeficiente de fixação é de 40%, o que representa que quase metade dos
estrangeiros que chegam ao Brasil deixaram o país. Parte considerável dos migrantes de
fins do século XIX e início do XX retornaram aos seus países de origem (Lattes e Lattes,
1996).
2.1. Imigração no estado de São Paulo
Entre as últimas décadas do século XIX e o início dos anos 1970, o Brasil recebeu
cinco milhões de estrangeiros, sendo que dois milhões e oitocentos mil deles se dirigiram
ao estado de São Paulo (Levy, 1974). Em 1890 a população paulistana era de cerca de
65.000 habitantes, passando para 240.000 em 1900 e atingindo 560.000 em 1920
(Pacheco e Patarra, 1997).
Fonte: Levy, 1974
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Figura 2 – Imigrantes entrados no Brasil e no Estado de São Paulo (1872-1972)
No caso particular desse estado, a economia cafeeira cresceu rapidamente,
proporcionando um excedente de capital que permitiu, entre outras coisas, subsidiar a
imigração que respondeu à necessidade de mão de obra e melhorias em infraestrutura,
como expansão das redes ferroviárias, urbanização e industrialização.
Analisando a figura 2 podemos perceber que há períodos de maior e de menor
migração em direção a essa região do país. O primeiro deles se dá com o fim da escravidão
e o início do uso de trabalho livre assalariado, o crescimento da cultura cafeeira, início
dos subsídios para estímulo das imigrações e a entrada de grandes contingentes italianos6,
que sofreu uma drástica redução devido as restrições do governo da Itália da migração
para o Brasil, em 19027. O segundo período é o do Convênio de Taubaté8, que buscou
revalorizar o café, com intensa imigração espanhola e portuguesa e o início da japonesa.
Esse fluxo voltou a declinar devido ao início da Primeira Guerra Mundial. Após a guerra,
as lavouras cafeeiras começam a serem recuperadas, outros setores da economia
6 Vale lembrar que as pessoas que aqui chegavam eram oriundas de regiões nem sempre que já haviam se tornado um Estado-nação unificado, podendo haver classificações a partir da língua ou etnia que não corresponde corretamente à nacionalidade. “Os poloneses, por exemplo, figuram nos registros oficiais a partir de 1918, mas há indicações da presença de poloneses nas regiões coloniais do sul desde fins da década de 1860, e um número significativo deles entrou no Brasil na década de 1890, classificados como russos” (Seyferth, 2007, p.21-22). 7Em 1902 o governo italiano promulga o decreto Prinetti, que proibia a imigração para o Brasil, devido às más condições que seus cidadãos enfrentavam no Estado de São Paulo. A isso somou-se a crise que a cafeicultura passou no início do século, levando à redução da migração italiana a partir desse período. (Levy, 1974). 8 O Convênio de Taubaté foi um acordo firmado entre os governadores do estado de São Paulo, Minas Gerais e Rio de janeiro para proteger a produção brasileira de café, que passava por um momento de preços baixos com grandes safras.
Fonte: Bassanezi et al, 2008
7
começam a se desenvolver, e há a entrada de portugueses, japoneses e migrantes do leste
europeu. É nesse terceiro período que deixa de haver subsídios para a entrada de
estrangeiros por parte do governo paulista, há a crise global de 1929 e a superprodução
do café em 1930 e temos, ainda, as restrições impostas pelo governo brasileiro, através
das cotas e da política de nacionalização, que pretendia a assimilação. O quarto período
tem início após a Segunda Guerra Mundial, onde as restrições do governo Vargas, que
serão discutidas adiante, são afrouxadas e apresenta um volume migratório menor que os
três anteriores, tendo o café perdido sua importância relativa para o mercado de trabalho,
e “a imigração para essa lavoura e para trabalhos braçais diminui sua proporção em favor
dos operários, dos técnicos industriais e dos quadros intermediários necessários à
expansão do setor fabril.” (Bassanezi et al, 2008, p. 20). A partir de 1961 as imigrações
continuam, mas se mantém em níveis mais baixos se comparadas a esses períodos aqui
citados.
Figura 3–Imigrantes entrados no Estado de São Paulo, segundo a nacionalidade
(1872 – 1971)
Até 1854 ainda há pouca expressão da população imigrante, o tráfico foi proibido
em 1850, mas isso não impedia que a mão de obra escrava já adquirida fosse usada9, o
que fazia com que ela ainda estivesse presente em regiões tradicionais de cultivo de café.
Em 1874 foi realizado o primeiro recenseamento na província de São Paulo, e nele foram
9 A Lei do Ventre Livre foi aprovada em 28 de Setembro de 1871, a Lei dos Sexagenários em 28 de Setembro de 1885 e a Lei Áurea apenas em 1888.
Fonte: Bassaneziet al, 2008
8
contabilizados 837.354 paulistas, enquanto as pessoas de outras nacionalidades
contabilizavam cerca de 17 mil. Essas informações não podem ser comparadas, de forma
adequada, com as informações existentes em 1854, pois elas se apresentavam escassas e
incompletas. Nesse censo foi constatado que os maiores grupos eram os de portugueses e
alemães, nessa ordem. Nele foram computados 6.867 portugueses, 3.812 alemães, 1.185
italianos e 4.703 pessoas de outras nacionalidades. Entre 1854 e 1886, apesar de já terem
sido recenseados, os estrangeiros ainda aparecem como pouco significativos à população
do Estado de São Paulo10, sendo, respectivamente, 6.757 (1,6% da população total) e
36.821 (4,2%). (Bassanezi et al, 2008).
No censo de 1886 já é possível observar maior diversidade nas diferentes
nacionalidades encontradas no estado de São Paulo. Nesse momento os italianos e
espanhóis são os dois maiores grupos, representando, respectivamente, 36% e 27% dos
estrangeiros. Apesar disso, a Proclamação da República, em 1889 fez com que o
recenseamento planejado para ser realizado em 1890 não acontecesse. Em 1900 um censo
foi realizado, mas a falta de recursos e de pessoas qualificadas para realizar tal tarefa fez
com que ele fosse abandonado, e a parte que foi concluída não se encontra integralmente
disponível para consulta. Apesar disso, esse censo relata a existência de 478.417
estrangeiros no estado, representando 21% da população local (Bassanezi et al, 2008).
Figura 4 - População estrangeira segundo a nacionalidade (1886)
10 O total de estrangeiros contados no Brasil no censo de 1872 é de 389.459 (Levy, 1974).
Fonte: Bassanezi et al, 2008
9
Entre 1904 e 1930 há um grande fluxo migratório, quando entram no país 2.142.781
estrangeiros, resultando numa média anual de 79.000 pessoas (Levy, 1974).
Figura 5 – População estrangeira (% no total da população) (1920)
Durante a Primeira Guerra Mundial, entre os anos de 1915 a 1918 o número de
imigrantes no Brasil e, consequentemente, no estado de São Paulo foi reduzido
significativamente: a média anual de entradas no país foi de 27.000 pessoas. Após esse
período a imigração é retomada no Brasil, sofrendo algumas modificações em relação aos
países de origem dessas pessoas.
O recenseamento de 1920 mostra que a presença estrangeira em território paulista
se mostrava muito marcante. Não só pelo seu volume, mas também porque as
famílias imigrantes em idade produtivas e reprodutivas de seu ciclo vital
representaram um papel significativo no crescimento vegetativo da população
paulista, que praticamente dobrou entre 1900 e 1920. (Bassanezi et al, 2008, p.
50)”
10
Figura 6 – população estrangeira segundo nacionalidade: Estado de São Paulo 1920
Em 1920, 205.245 imigrantes se encontravam na capital paulista, sendo eles
35,5% da população local e 25% de toda a população estrangeira total do estado. Nesse
período os municípios que ainda atraiam a maior parte dessas pessoas o fazia devido às
plantações de café que ainda se encontravam em expansão. Apesar da redução de seus
números, os italianos ainda representavam o maior grupo no período, sendo 48,1% das
entradas no estado, seguidos pelos espanhóis, que somavam 20,6%, e dos portugueses,
com 20,1%. A migração japonesa que teve início em 1908, começa a aparecer e se
destacar em 1920, representando 3% dos migrantes no estado (ibidem) e, já na década de
30 o grupo representava o segundo maior contingente do país (Seyferth, 2007).
A partir da segunda metade dos anos 192011, os japoneses aumentam suas
entradas, somando 50.573 pessoas. Em 1927, São Paulo, que ainda era o único estado a
subsidiar a migração, deixa de fazê-lo. Além disso, em Dezembro de 1930 as primeiras
medidas restritivas à imigração são públicas. A Constituição de 1934 determinou que
A entrada de imigrantes no território nacional sofrerá as restrições necessárias à
garantia da integração étnica e capacidade civil do migrante, não podendo porém,
a corrente imigratória de cada país exceder, anualmente, o limite de 2% sobre o
número total dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos 50
anos. (Sales et al, 2013, p.14).
Essas cotas eram calculadas a partir do total de imigrantes no país, contado a partir de 1
de Janeiro de 1884 a 31 de Dezembro de 1933. As restrições vão aumentando, se tornando
obrigatório o aprendizado do português e proibido o uso de outras línguas (Levy, 1974).
11“Foi considerável a entrada de imigrantes estrangeiros entre 1926-1960 em São Paulo ainda respondendo por 26,3% dos trabalhadores que entraram no estado nesse período.” (Baeninger, 2012, p. 26).
11
Nos anos 1920 e 1930 o Brasil já não se mostra como um país muito atrativo como
vemos em períodos anteriores. Durante a Era Vargas os japoneses passam a representar
um pouco mais da metade das entradas no estado. O censo de 1934 contabilizou 931.691
estrangeiros12 no país, enquanto no estado de São Paulo 14,5% da população13 era de
imigrantes. Em 1934 há 287.690 estrangeiros vivendo na cidade de São Paulo, o que
representava 30,9% de todos os imigrantes em território paulista (Bassanezi et al, 2008).
Os fluxos migratórios em direção ao Brasil começam a sofrer reduções devido às
crises econômicas, tanto a crise mundial quanto a crise do café, da política restritiva
presente durante o Governo Vargas e da Segunda Guerra Mundial (Patarra e Baeninger,
1989).
A Constituição de 1934, ao instaurar o artigo 121, parágrafo 6 que “a entrada de
imigrantes no território nacional sofrerá as restrições necessárias à garantia da
integração étnica e capacidade civil do imigrante, não podendo porém, a corrente
imigratória de cada país exceder, anualmente, o limite de 2% sobre o número total
dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos 50 anos”, havia
limitado a entrada dos imigrantes e passado à União a competência de legislar
sobre os assuntos mais gerais da imigração (Salles et al, 2013).
A essa redução devemos acrescentar a II Guerra Mundial quando, entre 1939 e 1945, o
número de entradas no Brasil diminui.
Em 1940 é possível observar uma redução na proporção de estrangeiros em São
Paulo. Nesse momento há grande preocupação em conhecer a população estrangeira que
tem origem tanto do cenário internacional quanto das políticas nacionalistas internas,
restringindo as entradas no país, nacionalizando escolas étnicas, proibindo a circulação
de jornais em outras línguas, promovendo a intolerância com outras origens,
principalmente a alemã e japonesa, que eram vistas como inimigos.
Se mostrava imperativo diluir o caráter étnico presente nas zonas de colonização
estrangeira, e uma forma de fazer isso foi impondo o ensino de português, com
professores brasileiros e a imposição de determinado material didático para isso. Assim,
nesse ano os estrangeiros representavam 11,3% da população paulista.
Em 1940, o Município de São Paulo permanecia não apenas como o polo de maior
atração de estrangeiros, como viu aumentada a proporção desses no conjunto do
estado, embora os números absolutos demonstrassem um declínio desse
segmento na população paulistana. Eles somavam 285.469 pessoas,
12 Isso representa 100.000 pessoas a mais que em 1920. 13 Em 1920, 18,1% da população do estado de São Paulo eram estrangeiros.
12
representando 37,5% de todos os estrangeiros em territórios paulista. (Bassanesi
et al, 2008, p.71)
Figura 7 – População estrangeira e brasileira naturalizada – origem (1940)
De 1942 a 1945 há, em média, a chegada de cerca de 2.000 estrangeiros por ano
(Levy, 1974), sendo que nos anos seguintes, ao final do conflito, também há poucas
entradas no país (Bassanesi et al, 2008). A constituição de 1946 reduz as restrições à
imigração que vigoravam anteriormente, e, durante os anos 1950 acompanhada pela
reordenação do mundo, a migração em direção ao Brasil ressurge, apesar de não ser tão
significativa quanto no passado. Nesse período o cultivo do café já não se mostrava tão
importante à economia do país, e a indústria e colonização agrícola se tornam os
principais destinos dos estrangeiros já presentes no Brasil e dos que chegavam aqui.
Em 1950 temos a continuação da redução no número de estrangeiros do estado de
São Paulo. Nesse ano foram somados 627.43414 estrangeiros, o que representa 6,9% da
população total. As “outras nacionalidades” passam a representar uma parcela
significativa das entradas no país, superando as alemã, espanhola e japonesa e ficando
pouco atrás das portuguesa e italiana (ibidem).
Entre 1950 e 1980, a partir do ponto de vista demográfico, a população brasileira
podia ser classificada como “fechada”, pois seu crescimento decorria, grosso modo, da
diferença entre nascimentos e óbitos, “sendo irrelevante, do ponto de vista quantitativo,
o reduzido número de estrangeiros que adentraram o país depois da Segunda Guerra, bem
como também reduzido número de brasileiros que se dirigiam a outros países.” (Patarra,
2005, p. 358).
14 O que representa 130.000 mil imigrantes a menos na região que em 1940.
Nacionalidade Totais
Homens Mulheres Total
Alemã 17.975 16.515 34.490 Espanhola 67.796 62.478 130.274
Italiana 123.069 111.481 234.550 Japonesa 72.536 59.680 132.216
Portuguesa 97.760 67.782 165.542 Outras 62.430 54.500 116.930
Totais 441.566 372.536 814.102
Fonte: Bassanezi et al, 2008
13
Figura 8 – População estrangeira segundo nacionalidade (1950)
A maior concentração de imigrantes continua a ser na cidade de São Paulo:
Figura 9 – População estrangeira (1950)
Durante os anos 1960, com a ditadura no Brasil e em outros países da América
Latina, a imigração no país volta a declinar, com entradas apresentando números
extremamente baixos se considerados os períodos anteriores. Durante essa década cerca
de 3 mil brasileiros deixaram o país como exilados políticos (Baeninger e Sales, 2000).
Nas últimas décadas do século XX uma mudança ocorre no país: os brasileiros passam a
emigrar em direção ao Japão, Estados Unidos e alguns outros países europeus, eos
imigrantes que aqui chegam são, principalmente, coreanos, bolivianos e angolanos
(ibidem).
Durante a década de 1970 temos no estado de São Paulo 703.526 estrangeiros
contabilizados. Esse número representa uma queda de 110.576 pessoas a menos no local
se comparado a 1940, reforçando a ideia do declínio da imigração no estado e no país.
Fonte: Bassanezi et al, 2008
14
Considerando-se que em 1970 a população total no estado de São Paulo era de
17.670.013 pessoas, fazendo com a população estrangeira fosse de 3,9% da população
paulista. Sendo assim, os portugueses representam 30,4% do total de estrangeiros, os
japoneses 16,6%, os italianos 15,4%, os espanhóis 13,4%, os alemães 3,3% e as outras
nacionalidades representam 20,9% do total.
Tabela 3 – População de nacionalidade estrangeira no estado de São Paulo, segundo
algumas nacionalidades no censo de 1970
Apesar da redução estatística que a imigração sofre durante as décadas de 1960 e
1970, na década seguinte os movimentos migratórios globais aumentam devido à
conjuntura internacional15, e, da mesma maneira, as entradas no Brasil aumentam. É a
partir da década de 80 que fica mais claro que, em âmbito nacional, a emigração se
apresenta em maior número do que a imigração. “De país historicamente grande receptor
de imigrantes estrangeiros, parecia que o Brasil estava se convertendo em forte expulsor
da população. (Carvalho, Campos, 2006, p.55)”.
Atualmente o Brasil não se mostra mais um centro de imigração, nem global nem
regionalmente. Em 2000 o país contava com 700.000 imigrantes, o que representa 0,4%
da população total. Desses, 21% chegaram aqui entre 1995 e 2000. O estado de São Paulo
concentra 29% do total dos estrangeiros do país e 5% do total da população nacional,
enquanto na sua capital o número de imigrantes representa 1,9% da população total
(Sauchaud e Fusco, 2012).
2.2. Migrações a partir dos anos 1980
A partir de meados da década de 1980, no contexto da globalização e
reestruturação produtiva os fluxos migratórios globais invertem sua direção: eles passam
a ter origem no Sul em direção ao Norte, e a mesma tendência pode ser observada no
15 As mudanças trazidas pelo processo de reestruturação produtiva, implicando novas modalidades de mobilidade do capital e da população em diferentes partes do mundo e a expansão do capitalismo. (Patarra, 2005). Cf. HARVEY, D. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança social. São Paulo: Edições Loyola, 1992.; BAENINGER, Rosana. Notas acerca das migrações internacionais no século 21. In: BAENINGER, R. (org.). Migração internacional. Campinas: Núcleo de Estudos de População – Nepo/Unicamp, 2013.
PORTUGAL ITÁLIA ESPANHA ALEMANHA JAPÃO OUTRAS
TOTAL ESTRANGEIROS
SÃO PAULO 214.021 108.633 94.477 23.082 116.566 146.747 703.526 BRASIL 437.983 152.801 130.122 51.728 154.000 302.488 1.229.122
Fonte: Levy, 1974
15
Brasil (Trigo, 2014). No Brasil, por volta de década de 1970, e principalmente durante os
anos 1980, o caráter atrativo da imigração ultramar já apresentava sinais de declínio,
enquanto aumentava a distância socioeconômica dos países mais desenvolvidos (Patarra,
2005). Essas “novas” migrações, ao menos em suas intenções, pretendiam serem fluxos
temporários, e eram pensadas de tal maneira que a ideia de regresso ocupa um lugar
central, tanto do ponto de vista da sociedade receptora quanto dos próprios migrantes. A
evolução da tecnologia nesse momento permite que seja possível aos migrantes manterem
contato com suas famílias e comunidade de origem mais facilmente. Portanto, ao pensar
nos fluxos migratórios atuais, deve-se levar em conta as lógicas de circulação de capital,
de mercadorias e de ideias que acompanham a migração em si mesma (Faret, 2010).
As mudanças sofridas pelos fluxos migratórios globais foram consequências do
aperfeiçoamento dos meios de comunicação e transporte; a difusão das imagens de um
determinado estilo de vida, algo que veio a influenciar padrões de consumo em diversas
áreas pelo globo; o aumento das lógicas de mobilidade e de fluxos em um mundo
globalizado; a necessidade de multiplicar estratégias frente a crises e a adaptação a
condições de entrada, estadia ou acesso a mercados de trabalho sempre flutuantes.
No Brasil a década de 1980 foi marcada pela abertura política e econômica após
a ditadura, crise e pelo início da reestruturação produtiva, processo esse que se efetiva
nos anos 1990 (Silva, 2008).
Os anos 80 e 90 foram marcados pelo processo de reestruturação econômica pelo
qual passaram os países do cone sul. Este processo caracterizou-se pela abertura
e desregulamentação das economias e pela crescente flexibilização das relações
trabalhistas (Sala e Carvalho, 2008).
Também a partir de década de 1980 há a intensificação da imigração de forma
indocumentada, o que fez com que nas últimas décadas desse mesmo século as estatísticas
nacionais não refletissem os reais números de estrangeiros dentro do país. Assim, a partir
desse período começa a ter maior visibilidade a imigração latino-americana e a presença
africana, de coreanos e chineses se mostra significativa (Seyferth, 2007).
Os primeiros registros sobre a saída de brasileiros tiveram início em 1996, e
estimativas entre meados da década de 80 até esse ano variam de 1.042 milhão a 2.480
milhões de pessoas. Dados levantados pelo Ministério de Relações Exteriores junto aos
consulados e embaixadas brasileiras mostram que, em 1996, 1.419.440 brasileiros
encontravam-se fora do país (Patarra, 2005). Em 2000, segundo estimativas do Itamaraty,
havia cerca de 2 milhões de brasileiros residindo em outros países. (Brzozowski, 2012).
16
Em 2012, de acordo com estimativas do Itamaraty, 2.547.079 brasileiros estavam vivendo
em outros países.
Ao longo do século XX, considerando-se os dados levantados pelos censos16, é
possível observar no Brasil um declínio no número de estrangeiros. Em 1980 havia 912
mil residentes provenientes de outros países. Em 1991 esse número caiu para 767.78117,
e 651.226 em 2006, representando cerca de 0,38% da população total do país (Patarra,
2005). Em 2013, de acordo com a Polícia Federal, o Brasil abrigava cerca de 940 mil
imigrantes com visto. Os oriundos do Mercosul, por sua vez, representavam mais de um
quinto desses estrangeiros, um total de 237.31818.
2.3. Migração internacional na América Latina
A migração internacional oriunda de outros países para a América Latina possui
três fases importantes. A primeira vai de 1880 a 1930, e é caracterizada pela entrada de
estrangeiros oriundos de outros continentes, tanto escravos oriundos da África quanto
trabalhadores assalariados provenientes da Europa. O segundo período compreende a
crise de 29 e a Segunda Guerra Mundial, sendo, portanto, reduzido o número de
estrangeiros que chegaram à região. Em compensação é nesse momento que podemos ver
em vários países o êxodo rural redistribuindo a população. A última onda de imigração
na região começa na década de 1960. Nesse período a região já quase não atrai imigrantes,
se tornando, principalmente, uma região expulsora de pessoas. Além disso, é a partir desse
momento que a migração intra regional tem “início” (Lattes e Lattes, 1996).
A maior parte dos estudiosos da América Latina concordam que os principais
determinantes desses deslocamentos dentro da região são: situação agrária, modernização
da agricultura e crescimento urbano, rápido crescimento demográfico, aumento dos níveis
escolares, mudanças nos valores culturais e o desenvolvimento de aspirações individuais,
grandes diferenças no padrão de vida entre diferentes países, instabilidade política, redes
16 Vale lembrar que é a partir desse momento que cresce a migração indocumentada, fazendo com que o censo não consiga refletir a real quantidade estrangeiros no país (Seyferth, 2007). 17 “Outro aspecto que vale a pena destacar na atual fase da globalização é a concentração dos destinos migratórios nos países desenvolvidos. Em 1960, a maioria dos migrantes internacionais residia nos países em desenvolvimento. Em 2000, 63% (110 milhões) de todos os migrantes registrados (e provavelmente uma proporção bastante mais elevada dos migrantes não registrados e documentados) residiam nos países desenvolvidos.” (Martine, 2005, p. 9). 18 Dados disponíveis em http://oestrangeiro.org/2013/05/22/exclusivo-os-numeros-exatos-e-atualizados-de-estrangeiros-no-brasil-2/.
17
entre locais de origem e destino, aumento da interdependência entre países e a melhora
das comunicações e transporte (idem).
Ainda que não seja possível concluir que as correntes migratórias dentro da
América do Sul não se alteraram no último decênio, alguns números apontam para essa
mudança. A Venezuela experimentou um aumento de seu número de migrantes oriundos
dessa região, sendo 81% de colombianos. Esses apresentaram também forte presença no
Equador e no Panamá, principalmente de mulheres. A imigração em direção ao Chile,
principalmente de peruanos, foi importante durante os anos 90, chegando ao ponto de
maior presença de estrangeiros em toda sua história. Em 1970 cerca de 759 mil pessoas
oriundas de países do Mercosul residiam em países diferentes de seu local de nascimento,
enquanto em 1980 esse número para mais de um milhão, e chega a aproximadamente 1,2
milhão em 1990 (Patarra, 2005).
É durante as décadas de 1970 e 1980 que o número de migrantes oriundos do Cone
Sul no Brasil se torna mais significativo: o número de naturais desses países aumentou de
102.757 para 118.612 entre 1991 e 2000, passando de 13,4% para 17,3% do total dos
imigrantes no país. Em 2000 os argentinos, bolivianos, chilenos, paraguaios e uruguaios
estavam entre as dez nacionalidades que apresentavam maior quantidade de residentes no
Brasil. Em 2013, dos 237.318 estrangeiros oriundos do Mercosul Ampliado19, 50.240
eram bolivianos e 42.202 vieram da Argentina.
Tabela 6 – População Imigrante Internacional segundo país de nascimento
Brasil 1981 - 2000
19 O Mercosul Ampliado é constituído dos Estados Membros e Associados: Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Bolívia, Chile, Peru, Colômbia, Equador, Guiana e o Suriname.
PAÍS DE NASCIMENTO IMIGRANTES (N° ABSOLUTO) DISTRIBUIÇÃO RELATIVA (%) INCREMENTO RELATIVO (%) 1981-1991 1990-2000 1981-1991 1990-2000 1981-1991/1990-2000
TOTAL 89.235 98.514 100,00 100,00 9,42 Mercosul 18.303 23.068 20,51 23,41 20,56 Argentina 8.879 8.005 9,95 8,12 -10,92 Paraguai 5.319 11.692 5,96 11,86 54,51 Uruguai 4.105 3.371 4,60 3,42 -21,77
Mercosul Ampliado 35.747 37.727 40,06 38,30 5,25 Chile 6.864 2.060 7,69 2,09 -233,20
Bolívia 8.022 7.615 8,99 7,72 -5,34 Peru 2.558 4.984 2,86 5,05 48,64
América do Sul/Central 5.209 6.763 5,83 6,86 22,98 América do Norte 8.029 9.008 9,00 9,14 10,87
Europa 24.532 22.874 27,49 23,21 -7,25
18
O fluxos migratórios dentro da América Latina são muito diferentes entre si, mas,
no geral, os movimentos de curta distância são compostos por pessoas menos qualificadas
do que aqueles que se direcionam para os países desenvolvidos.
Tabela 7 – Taxas de crescimento médio anual dos imigrantes, por sexo, segundo países
de origem (1991 – 2001)
PAÍSES DE ORIGEM 1991-2000
Homens (%) Mulheres (%)
Argentina 1,5 0,1 Bolívia 3,0 2,9 Chile -1,7 -2,3
Paraguai 4,6 4,8 Uruguais 1,0 1,5
Total 1,6 1,6
2.4. A imigração boliviana
Desde o final do século XIX podemos observar bolivianos morando em diversas
cidades brasileiras, especialmente na região fronteiriça entre os dois países. Nos arquivos
censitários históricos o primeiro registro de entrada de um nacional da Bolívia é de 1938,
quando foram contabilizadas 38 entradas. Já no ano seguinte temos 40 entradas de
bolivianos no país, o que representa um número baixo se comparado a outros grupos do
mesmo período, como alemães, italianos e portugueses. Durante os anos 1930 e 1940 as
entradas desse grupo se mostra pouco expressiva, acompanhando a redução da imigração
no Brasil (Xavier, 2010). Há algumas explicações diferentes sobre seu início, mas, de
acordo com Silva (1997)20, tal movimento de pessoas teve início na década de 5021,
20 A tese mais difundida (senão a única) a respeito dos bolivianos no Brasil é a de Silva (1997), e ecoou em diversos outros trabalhos sobre o mesmo grupo. 21 Em 1958 um acordo bilateral Brasil-Bolívia foi firmado, e possuía objetivos diversos, como a exploração de petróleo, a demarcação de fronteiras entre os dois países, transporte ferroviário, comércio, intercâmbio cultural, entre outros, e foi denominado “Ata Roboré”. Além disso, durante os anos 1950 houve um projeto de cooperação científica entre os dois países em Física. Nas décadas de
África 2.517 4.466 2,82 4,53 43,64 Ásia 18.205 12.361 20,40 12,55 -47,28
Japão 3.361 4.822 3,76 4,89 30,30 Oceania 45 260 0,05 0,26 82,69
Outros/Sem especificação 635 233 0,71 0,23 -172,53
Fonte: Patarra, 2005
Fonte: Sala e Carvalho, 2008.
19
através de estudantes universitários bolivianos que vinham para o Brasil através de
intercâmbios entre faculdades. Após o período de intercâmbio, alguns desses estudantes
procuravam emprego no Brasil e permaneciam aqui, já que conseguiam empregos
melhores do que conseguiriam em seu país natal. É possível que seja a partir desses
acontecimentos que o país passou a ser tido como um local economicamente melhor que
a Bolívia, e o imaginário popular fez com que tal visão sobre o Brasil se mantivesse
mesmo após tantas histórias de imigrantes que fracassaram em alcançar seu sonho, já que
a decisão de emigrar é sempre feita a partir de ideias positivas sobre o local de destino
(Silva, 2005).
O número de bolivianos que chegam ao Brasil se mantem baixo até 1980, quando
há um grande aumento: nesse ano temos 12.980 entradas desse país.
Tabela 8 – Migrantes residentes no Brasil segundo país de origem e década de
chegada, 1970-2000
É, ainda, a partir desse momento que o perfil do migrante boliviano que chega ao país
muda, e isso está relacionado à migração coreana. Em 1962 a primeira leva de migrantes
oriundos da Coréia do Sul chega ao Brasil com apoio do governo dos dois países. A
princípio eles vinham para trabalhar no campo, mas com o tempo muitos desses coreanos
passaram a se instalar em São Paulo e a trabalhar no setor de confecções. Esse fluxo
migratório para o Brasil se torna tão intenso que em 1969 ambos os governos impõem
restrições à esse fluxo. Por isso, como estratégia de inserção no Brasil, era uma prática
comum os coreanos se dirigirem à Bolívia ou ao Paraguai22, onde ficavam alguns meses
e depois se dirigiam ao Brasil ou à Argentina com vistos de turistas emitidos pelo primeiro
país em que estiveram, e aqui permaneciam de forma indocumentada. Esses migrantes
1930 e 1940 entraram 261 bolivianos. Em 1947 temos 256 entradas de oriundos desse país, em 1948 temos 306, em 1949 há uma redução para 129 entradas. Já entre 1950 e 1951 há registro da chegada de 855 bolivianos ao Brasil, período que coincide com o acordo. Após isso as entradas voltar a declinar, havendo, em 1969, apenas 45 entradas (Xavier, 2010, p. 44-45) 22 A Bolívia era usada como residência temporária pelos coreanos que desejavam se dirigir ao Brasil e o Paraguai era usado temporariamente por aqueles que desejavam ir para a Argentina (Silva, 2009).
País de nascimento 1970 1980 1990 2000 Bolívia 10.712 12.980 15.691 20.398
Argentina 17.213 26.633 25.468 27.531 Uruguai 13.582 21.238 22.143 24.740 Paraguai 20.025 17.560 19.018 28.822
Peru 2.410 3.789 5.833 10.841 Chile 1.900 17.830 20.437 17.131
Fonte: Xavier, 2010.
20
coreanos passam, então, a se aproximar dos bolivianos e muitas vezes os traziam para
trabalhar no mesmo ramo que esses coreanos se inseriam: o da costura. É a partir de 1975
que as oficinas de costuras de coreanos começam a se multiplicar em São Paulo. Isso teria
certa influência na mudança de perfil do migrante boliviano que se dirigia ao Brasil, bem
como no tipo de atividade econômica na qual os bolivianos se inseriam, e inserem, no
Brasil, já que eles passaram a substituir a mão de obra recém chegada da Coréia
(Baeninger e Sales, 2000; Silva, 1998).
Hoje em dia o estado de São Paulo mostra-se como um dos lugares prediletos
dos migrantes bolivianos que entram no Brasil. Em 2000, 50,1% dos bolivianos residentes
no Brasil moravam no estado de São Paulo. Dentro do estado a Região Metropolitana de
São Paulo conta com 44% dos bolivianos, e a cidade de São Paulo com 38% do total de
bolivianos residentes no país23. A região central da cidade de São Paulo é a primeira
escolha de muitos desses migrantes. Isso porque a região pode se mostrar como uma
“porta de entrada” da cidade: um local para se estabelecer os primeiros contatos no Brasil
além de ser a região em que se concentra a maior parte das oficinas de costura e muitos
desses migrantes preferem morar próximo aos seus locais de trabalho.
Muitos dos bolivianos que se encontram em São Paulo são indocumentados.
Sendo assim, existem diversas estimativas sobre seu número. As coletas de dados oficiais
geralmente não conseguem abarcar aqueles que não possuem status legal no país, mas,
por outro lado, as estimativas da Igreja Católica e de organizações sócio-culturais
geralmente são superestimadas já que essas buscam visibilidade e reconhecimento
perante a sociedade local. A Pastoral de São Paulo, em 2008, estimou em 80.000 o número
de bolivianos residentes no Brasil, enquanto, no mesmo ano, a Polícia Federal afirmou
existirem 32.416 bolivianos no país, e o Censo de 2000 computou 20.015 (Silva, 2008).
23 Tais números são fornecidos com base no Censo de 2000, porém tratam-se de estimativas, já que há no Brasil diversos migrantes ainda indocumentados.
21
Figura 12 – População Latino-americana na Região Metropolitana de São Paulo a partir
dos dados do Censo de 2010
2.5. Considerações finais
Por muito tempo o Brasil foi um país de imigração, com o número de estrangeiros
representando cerca de 6% da população total do país em 1900 e 21% da população do
estado de São Paulo. No entanto as migrações internacionais assumem novas
características a partir da acumulação flexível, da internacionalização da economia e da
“compressão do espaço-tempo” (Harvey, 1992, p. 140). O país deixa de ser um local
atrativo para, a partir da década de 80, se tornar um local de emigração. Apesar disso, há,
a partir desse momento, uma crescente importância dos movimentos populacionais dentro
da América Latina, não tanto por seu volume, mas por sua diversidade e implicações; a
atual fase do capitalismo impulsiona novas transferências populacionais e novas formas
de mobilidade espacial, impactando nas metrópoles e cidades cuja posição geográfica e
competitividade atraem novas indústrias e inicia um processo de transformação (Patarra,
2005). É nesse quadro que podemos situar a migração de bolivianos para o estado de São
Paulo, fluxo que através dos anos tem apresentado maior volume já se apresentando como
o maior grupo estrangeiro oriundo da América Latina.
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