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 Identidade, diferença e pluralidade: um olhar para a sala de aula Eliane BRENNEISEN Ana Maria de F. L. TARINI Universidade Estadual do Oeste do Paraná R e sumo: Este artigo propõe abordar o tratamento comumente dado às múltiplas identidades assumidas pelo s alunos na sala de aula. Para tanto, busca-se discutir o conceito de identidade, diferença, e a necessidade de se construir a qualificação de professores baseada na pluralidade. A partir de dados coletados no “livro de ocorrências” de um colégio estadual, procura-se compreender as origens da indisciplina. Observa-se que há um apagamento das diferenças na sala de aula e que não se problematizam questões de identidade e diferença. Compreende-se que tal atitude é um dos possíveis fomentadores da chamada indisciplina na escola. Conclui-se que o papel do professor é fundamental tanto na escolha e utilização de textos sobre o tema, quanto na seleção do material didático, o qual traz implicações para o processo de construção de identidade e, principalmente, de auto-identificação do aluno. Palavras-chave:  identidade; diferença; educação. I NTRODUÇÃO Em vez de fugir de suas próprias ideologias e valores, os educadores deveriam confrontá-las criticamente de forma a compreender como a sociedade os moldou como indivíduos, no que é que acreditam, e como estruturar mais positivamente os efeitos que têm sobre estudantes e outros. Em outras palavras os pensadores e administradores em particular, devem esforçar-se para compreender como as questões de classe, gênero e raça deixaram uma marca sobre sua maneira de  pe nsa r e ag ir . (Giroux, 1997) Observando os livros de registros da equipe pedagógica de uma escola estadual em Foz do Iguaçu, Paraná, nos quais se relatam as “atitudes indisciplinares” dos alunos, e analisando a extensa “lista de reclamações” dos professores 1  a respeito do comportamento 1 As informações contidas neste trabalho foram fornecidas pelos trabalhadores que compõem o ambiente escolar – professores, pedagogos e membros da direção da escola – e colhidas pela professora, também da escola, Ana Maria de F. L. Tarini, co-autora deste artigo.

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Resumo: Este artigo propõe abordar o tratamento comumente dado às múltiplasidentidades assumidas pelos alunos na sala de aula. Para tanto, busca-se discutir o conceitode identidade, diferença, e a necessidade de se construir a qualificação de professores baseadana pluralidade. A partir de dados coletados no “livro de ocorrências” de um colégioestadual, procura-se compreender as origens da indisciplina. Observa-se que há umapagamento das diferenças na sala de aula e que não se problematizam questões deidentidade e diferença. Compreende-se que tal atitude é um dos possíveis fomentadores dachamada indisciplina na escola. Conclui-se que o papel do professor é fundamental tantona escolha e utilização de textos sobre o tema, quanto na seleção do material didático, oqual traz implicações para o processo de construção de identidade e, principalmente, deauto-identificação do aluno.

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  • Identidade, diferena e pluralidade:um olhar para a sala de aula

    Eliane BRENNEISENAna Maria de F. L. TARINI

    Universidade Estadual do Oeste do Paran

    Resumo: Este artigo prope abordar o tratamento comumente dado s mltiplasidentidades assumidas pelos alunos na sala de aula. Para tanto, busca-se discutir o conceitode identidade, diferena, e a necessidade de se construir a qualificao de professores baseadana pluralidade. A partir de dados coletados no livro de ocorrncias de um colgioestadual, procura-se compreender as origens da indisciplina. Observa-se que h umapagamento das diferenas na sala de aula e que no se problematizam questes deidentidade e diferena. Compreende-se que tal atitude um dos possveis fomentadores dachamada indisciplina na escola. Conclui-se que o papel do professor fundamental tantona escolha e utilizao de textos sobre o tema, quanto na seleo do material didtico, oqual traz implicaes para o processo de construo de identidade e, principalmente, deauto-identificao do aluno.

    Palavras-chave: identidade; diferena; educao.

    INTRODUO

    Em vez de fugir de suas prprias ideologias e valores, os educadores deveriamconfront-las criticamente de forma a compreender como a sociedade os moldou

    como indivduos, no que que acreditam, e como estruturar mais positivamenteos efeitos que tm sobre estudantes e outros. Em outras palavras os pensadores e

    administradores em particular, devem esforar-se para compreender como asquestes de classe, gnero e raa deixaram uma marca sobre sua maneira de

    pensar e agir.(Giroux, 1997)

    Observando os livros de registros da equipe pedaggica deuma escola estadual em Foz do Iguau, Paran, nos quais se relatamas atitudes indisciplinares dos alunos, e analisando a extensalista de reclamaes dos professores1 a respeito do comportamento

    1 As informaes contidas neste trabalho foram fornecidas pelos trabalhadoresque compem o ambiente escolar professores, pedagogos e membros dadireo da escola e colhidas pela professora, tambm da escola, Ana Mariade F. L. Tarini, co-autora deste artigo.

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    dos adolescentes, sentiu-se a necessidade de compreender por que aescola defronta-se diariamente com a indisciplina ou, pelo menos,com o que considera como tal. Com o intuito de contribuir para oesclarecimento do que tem sido caracterizado como indisciplina emsala de aula, busca-se neste artigo, com base em bibliografia pertinenteao tema, refletir a respeito do tratamento que se tem dado questoda coexistncia das mltiplas identidades no mesmo espao escolar.As anlises aqui apresentadas apiam-se em consultas ao livro-atada escola e na coleta de algumas falas dos professores, pedagogos ediretora, por serem ilustrativas da relao estabelecida entreprofessores e alunos.2

    Na primeira seo, sero abordados os conceitos de Identidadee diferena, demonstrando a importncia de se facultarem discussesa respeito dessa temtica nas salas de aula, j nas sries iniciais. Emseguida, na seo Formas de resistncia homogeneizao, analisam-seos dados coletados em um livro em que se registram as ocorrnciasindisciplinares dos alunos na escola. Por fim, explicita-se aimportncia do trabalho do professor no efetivo debate a respeito doMulticulturalismo, hibridismo e pluralidade na sala de aula.

    IDENTIDADE E DIFERENA

    Os pressupostos tericos considerados neste trabalho deconsulta a documento escolar partem da concepo de identidade ediferena sob a perspectiva de Hall (2005), Bauman (2005), Woodward(2005) e Silva (2005). O estudo de Hall (2005) assume relevncia aoconceituar identidade sob trs aspectos: iluminista, sociolgico e ps-moderno. No primeiro caso, conforme assinala o autor, o sujeito doIluminismo estava baseado numa concepo de pessoa humanacomo um indivduo totalmente centrado, unificado, dotado dascapacidades de razo, de conscincia e de ao, cujo centro consistianum ncleo interior. O centro essencial do eu era a identidade de umapessoa (Hall, 2005, p.11). Havia, ento, uma concepoindividualista e essencialista de sujeito e, tambm, de sua

    2 importante ressaltar, no entanto, que, neste primeiro momento, no se tratade um trabalho fundamentado na etnografia escolar como o proposto porAndr (1995). Para efeito de reflexo inicial, to-somente nos baseamos naliteratura terica sobre o tema das identidades e recorremos s informaesdisponveis na escola em questo.

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    identidade, a qual seria constituda desde o nascimento. Com relaoao sujeito sociolgico, o autor afirma que a identidade formada nainterao entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um ncleo ouessncia interior que o eu real, mas este formado e modificadonum dilogo contnuo com os mundos culturais exteriores e asidentidades que esses mundos oferecem (Hall, 2005, p.11). Assim,continua sendo essencialista, ou seja, h uma essncia do eu, mas aidentidade do sujeito sociolgico seria constituda pela fuso do eucom a sociedade. Ainda segundo o autor, no ltimo sculo, a concepode sujeito passou por vrias mudanas, tendo a identidade passadoa ser vista como fragmentada ou composta por mltiplas identidades,algumas vezes contraditrias, outras vezes, mal resolvidas,produzindo o sujeito ps-moderno, concebido como desprovido deuma identidade fixa, essencial ou permanente. Ento, a identidadeps-moderna torna-se uma celebrao mvel: formada etransformada continuamente em relao s formas pelas quais somosrepresentados ou interpelados nos sistemas culturais que nosrodeiam (Hall, 2005, p.13). Neste sentido, a identidade definidahistoricamente e no biologicamente. O sujeito assume identidadesdiferentes em diferentes momentos, identidades que no so unificadasao redor de um eu coerente (ibid.). Quando pensamos num sujeitouno, estamos nos baseando numa histria cmoda que construmossobre ns mesmos para nos sentirmos confortveis. Porm, aidentidade plenamente unificada, completa, segura e coerente umafantasia (ibid.). Muitas identidades so assumidas na vida moderna:de acordo com a necessidade, o indivduo identifica-se como mulher,como me, filha, profissional tal, como representante disso ou daquilo,pertencente a este ou quele grupo.

    Para Bauman (2005), a idia de identidade tem uma estreitaligao com a idia de pertencimento, pois podemos viver emcomunidades de vida e de destino. Na primeira, vivemos juntosnuma ligao absoluta; na segunda, fundidos unicamente por idias,por interesses ou por uma variedade de princpios. No entanto,tornamo-nos conscientes de que a identidade no tem a solidez deuma rocha, ou seja, ela no garantida para toda a vida. Para o autor,as identidades so bastante negociveis e revogveis, e, dessaforma, as decises que o prprio indivduo toma, os caminhos que elepercorre e at a maneira como age bem como a determinao de semanter firme a tudo isso so fatores cruciais tanto para o

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    pertencimento, quanto para a identidade. Em outras palavras, a idiade ter uma identidade no vai ocorrer s pessoas enquanto opertencimento continuar sendo seu destino, uma condio semalternativa (Bauman, 2005, p.17-18). Bauman (2005) escreve, ainda,que as identidades flutuam no ar, algumas de nossa prpria escolha,mas outras infladas e lanadas pelas pessoas em nossa volta, e preciso estar em alerta constante para defender as primeiras emrelao s ltimas (ibid., p.19). Ao afirmarmos uma identidade,estamos negando outras, isto , afirmamos a nossa identidade enegamos a dos outros sujeitos. Ao discutir os processos de marcaoda diferena e da construo do forasteiro e do outro, utilizamo-nos de sistemas culturais criados na interao social entre o eu e ooutro. Produzimos estruturas classificatrias que do certo sentidoordenado a nossa vida e distines fundamentais entre o ns e oeles, entre o sagrado e o profano, entre o masculino e ofeminino (Woodward, 2005, p.67-68).

    Ao demarcar a fronteira entre o ns e o eles, classificamos eestabelecemos posies binrias de identificao entre o certo/errado,bom/ruim, rico/pobre, homem/mulher, heterossexual/homossexual, enfim, estamos afirmando nossa identidade,diferenciando-nos de outros, e essa afirmao constitui umposicionamento poltico. Desta forma, a afirmao da identidade ea enunciao da diferena traduzem o desejo dos diferentes grupossociais assimetricamente situados, de garantir acesso privilegiadoaos bens sociais (Silva, 2005, p.81). Cada indivduo fecha-se no seugrupo, tenta valoriz-lo em detrimento de outros grupos contrapostos,afirmando-se pertencente a ele e contra os que no o aceitem. Ao seauto-identificar, reclama para si seus direitos e diferencia-se dosoutros, a exemplo do que ocorre com os movimentos sociais ou comos grupos feministas, classistas, sindicais, ambientalistas, etc. Issono significa dizer que tais grupos repudiam-se, pois existe umaigualdade subjacente entre eles: todos almejam o reconhecimento desuas diferenas e rejeitam privilgios para um nico grupo. Nessaperspectiva, Silva (2005) avalia que as relaes de identidade ediferena esto sempre ordenadas por posies binrias e quequestionar tais posicionamentos questionar a constituio decontextos histricos de produo de identidades. As posies deidentidade so definidas pelas relaes de poder que se travam emsituaes do cotidiano, e as polarizaes do binarismo nada mais so

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    que positivao e/ou negativao dos posicionamentos, sendo umlado mais forte do que o outro.

    O reconhecimento de nossas diferenas individuais e culturaisno pode ser usado em detrimento das causas igualitrias, afirmaPierucci (1999. Esse pesquisador nos chama a ateno para as ciladasda diferena, pois o discurso em defesa da valorizao das diferenastem sido usado tanto pelos partidos polticos de direita, quanto pelosde esquerda; porm, necessrio avaliar o interesse de determinadosgrupos na manuteno das desigualdades. De qualquer forma, deve-se dar ateno aos discursos, pois o reconhecimento das diferenasno pode representar o fortalecimento das desigualdades.

    Os estudos culturais de Canclini (2006), Hall (2005) e Silva(2005) do conta de que a identidade e a diferena habitam em todoe qualquer espao em que coexistam sujeitos sociais. Num pas comoo Brasil, onde desde sua colonizao houve hibridao foradaentre europeus, indgenas e africanos, falar em mltiplas culturaspoderia ser o mesmo que falar da histria da constituio identitriade uma nao. Entretanto, na viso de Silva (2005), o chamadomulticulturalismo apia-se em um vago e benevolente apelo tolerncia e ao respeito para com a diversidade e a diferena (ibid.,p.73). Sendo o multiculturalismo parte integrante das diversidadesencontradas no mbito sociomulticultural, no h como neg-lo.Assim, se naturalizam as identidades e as diferenas para melhorcontrolar os sujeitos da diversidade em vez de se problematiz-las ou discuti-las. Ao no se problematizar nem se discutir a questo,pode-se criar a sensao de que os conflitos sero minimizados ou queo assunto ser esquecido, mas os corpos indceis acabam nosendo controlados, como muitos desejam. Como conseqncia disso,a discriminao e as ofensas experimentadas em certos espaos,como o escolar, explodem em atitudes consideradas indisciplinaresna comunidade escolar, tanto em relao aos colegas, quanto emrelao ao professor.

    FORMAS DE RESISTNCIA HOMOGENEIZAO

    A indisciplina tem sido considerada pelos educadores um dosproblemas mais representativos do cotidiano profissional, pois aescola ainda reconhecida pela sociedade como espao disciplinar(Foucault, 2004), ou seja, uma das instituies responsveis porenquadrar e moldar o sujeito para o convvio social. Sendo assim,

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    a escola procura fazer adequaes em seus alunos, utilizando-sede diversas estratgias disciplinares; no entanto, defronta-se, cadavez mais, com casos de indisciplina e de indocilidade dos estudantes.

    Conforme afirma a diretora de uma escola estadual de Foz deIguau, Paran, na qual se coletaram os dados para este artigo,adolescentes no respeitam a autoridade dos pais, muito menos a dosprofessores, e o comportamento indisciplinado na sala de aula temestressado e torturado todos da escola. Reclamao semelhante temsido freqentemente verbalizada nos intervalos das aulas, na sala deprofessores, nos corredores e nas reunies com os pais ou responsveis.

    Observando os assuntos dos dilogos travados na sala deprofessores, percebe-se que, rotineiramente, se referem a queixasrelacionadas a alunos indisciplinados. O intervalo das aulas parececonstituir um dos raros momentos em que os educadoresdesvencilham-se dos sentimentos de revolta e repdio aos problemasde indisciplina enfrentados em aulas anteriores. Nos dias quandoeram coletados os dados no livro de registros do colgio, observaram-se professores que compartilhavam sua indignao com os demaiscolegas at mesmo enquanto tomavam gua ou cafezinho.

    As aflies por parte da equipe pedaggica evidenciam anecessidade de se compreender o que vem ocorrendo nas salas deaulas e o porqu dos eventos observados. Para tanto, recorreu-se aosdocumentos escolares livros-ata em que so registrados oschamados problemas de indisciplina. Importa, antes de tudo,delinear-se o contexto em que a escola est inserida: trata-se, como jse mencionou, de uma escola estadual de ensino fundamental emdio, situado na periferia de Foz do Iguau, num bairro de classemdia-baixa, no qual vivem professores, advogados, funcionrios daprefeitura, funcionrios da Usina Hidreltrica Itaipu, pequenosempresrios e alguns poucos com ocupaes de menor renda, comodomsticos e trabalhadores informais que transportam mercadoriasdo Paraguai para o Brasil (conhecidos como laranjas ouatravessadores). Embora o colgio esteja localizado em um bairrodistante do centro, possui boa estrutura fsica, contando, inclusive,com ambiente climatizado, para mais conforto e comodidade, umavez que est situado em uma cidade de clima extremamente quentee vero prolongado. Quanto ao poder aquisitivo dos pais, segundo oProjeto Poltico Pedaggico (PPP) da escola do ano de 2006, hdisparidade entre a renda de uma famlia para outra. Alguns

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    sobrevivem com a renda familiar de pouco mais de um salriomnimo, enquanto outros recebem doze salrios mnimos ou mais.

    A princpio, foram consultados, no livro-ata, os registros dasocorrncias do ano de 2006, selecionando-se dados do dia 9 defevereiro (incio do ano letivo) a 30 de setembro. Escolheram-seapenas registros referentes a alunos do ensino fundamental (5 a 8srie), pois o ensino mdio encontrava-se em processo de adaptao,uma vez que fora implantado h pouco mais de um ano, no perodonoturno. Da consulta ao livro-ata denominado livro de ocorrnciase anteriormente livro negro , obteve-se o total de 199 ocorrnciasnos perodos matutino e vespertino, horrios em que funciona oensino fundamental, com mais de novecentos alunos.

    Lendo-se os relatos, percebeu-se a necessidade de dividir ediferenciar os problemas que, por respeitarem a questes muitodiferentes, geraram trs grupos: grupo 1 (doravante G1) caracterizadopor relatos de problemas de indisciplina, ou os que assim foraminterpretados por professores e pedagogos; grupo 2 (doravante G2) composto por registros de ocorrncias diversas;3 e grupo 3 (doravanteG3) integrado por problemas de aprendizagem. No G1, havia 166casos registrados; no G2, 13 e, no G3, 20.

    No G1, incluem-se ocorrncias de agresses verbais entre osprprios alunos e, s vezes, agresses de alunos a professores.Encontram-se registradas, tambm, agresses fsicas, situaes emque o Conselho Tutelar e a Patrulha Escolar (policiais militares quese ocupam de resolver conflitos na escola e arredores) foramenvolvidos, na tentativa de dirimir os conflitos. Com relao aosdenominados registros de ocorrncias diversas (G2), h abrangnciade situaes e atitudes no agressivas, tais como no usar o uniforme,mascar chicletes na sala, correr nos corredores da escola durante orecreio, fazer bolinhas de papel ou aviozinho durante as aulas echegar atrasado na primeira aula ou depois do intervalo, entre outras.

    Por no sugerir a mesma escala de gravidade de atos, o G2(ocorrncias diversas) foi separado do G1 (problemas de indisciplina).Sabe-se que crianas e pr-adolescentes de 10 a 15 anos brincam ecorrem sempre que h oportunidade; alunos ficam dispersos quandoa aula no lhes interessa; chegam atrasados porque a fila da cantina imensa ou porque, conforme constatado, h somente um banheiro

    3 Situaes que no se relacionavam disciplina ou aprendizagem.

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    para mais de quatrocentos alunos; estudantes mascam chicletes ecomem o tempo todo, por ansiedade, por necessidade ou devido fasede desenvolvimento na qual se encontram. Quanto ao uniforme, seno o usam porque isso pode representar a oportunidade paramostrar uma roupa nova ou at mesmo para testar o controle e aautoridade da escola. Diante disso, indaga-se: esses atos do G2 soto indisciplinares ao ponto de terem necessariamente seu registro nolivro-ata da escola e de suscitarem convocao dos pais ou atsuspenso dos alunos envolvidos? Os treze casos relatados fazemrefletir sobre o conceito de indisciplina, considerada neste contextoato de insubordinao e desobedincia a regras subjetivas, comomascar chicletes, por exemplo.

    Possivelmente, os problemas de aprendizagem no selimitam queles registrados no livro-ata da escola; contudo, aquantidade de relatos referentes indisciplina aproximadamente83% parece tomar o espao do livro de ocorrncias e, em decorrncia,o tempo dos professores e pedagogos. Isso faz pressupor que o tempodispensado indisciplina incomparavelmente superior quele quemenos aparece nos registros (os do G3). Assim, as atenes da equipepedaggica parecem estar focalizadas na coibio de atos queviolentem a integridade fsica e moral dos alunos. As dificuldades deaprendizagem podem ser um dos reflexos do excesso de conversa(intrigas, em sua maioria), das brigas e ofensas verbais e no-verbaisvividas diariamente e at da falta de limites dos adolescentes, ou seja,resultado da indisciplina.

    Cunha (1980) destaca, em seus estudos, a existncia de umsistema educacional altamente discriminatrio no Brasil. Situaesde discriminao foram descritas tambm por Marin (1998) quasevinte anos depois. Ambos acreditam que a escola, por abrigar umsistema discriminatrio, uma das maiores responsveis pelaindisciplina. Os autores ressaltam que a indisciplina causada,tambm, pelas precrias condies fsicas e pedaggicas do ambienteescolar e pela deficitria formao de professores, associada ao seuigualmente precrio desempenho profissional, salrio insuficiente ebaixa auto-estima.

    Discriminar o outro, ou distanciar-se do outro, o diferente, uma maneira de auto-afirmar a identidade do eu. sob esse olhar queSilva (2005) compreende a identidade como algo que sou e a diferenacomo algo que no sou, num jogo de afirmao/negao. Nesse jogo,

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    discriminar apagar, eliminar ou esconder a diferena. Assim, ao sehomogeneizar as diferentes identidades em uma sala de aula natentativa de negar a discriminao entre os sujeitos, apagar asdiferenas sociais, culturais, tnicas, etc., ou, em outro sentido, paraminimizar as diferenas que subjazem ao discurso da diversidade, aescola deixa de considerar as diferenas, o que resulta em uma formade discriminao.

    As ocorrncias do livro-ata selecionadas so reveladoras deum sistema educacional em que alunos estudam em espaospadronizados e de grande concentrao discriminatria, onde osestudantes sentem-se preteridos pelo sistema, devido a sua etnia,sexo, orientao sexual, classe social ou por no possurem o bitipode modelos e artistas, ou seja, no possurem os padres de belezaestabelecidos pela sociedade moderna, os da ditadura da beleza e dascirurgias plsticas. Segundo artigo de Goldenberg (2005) sobre Gneroe corpo na sociedade brasileira, o brasileiro tem buscado o corpo perfeito,tanto que, conforme dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plstica,o brasileiro, especialmente a mulher brasileira, tornou-se, logo apso norte-americano, o povo que mais faz cirurgia plstica no mundo.Estima-se que 621.342 brasileiros tenham se submetido aprocedimentos cirrgicos em 2003, e 800.000 em 2004; 70% dascirurgias so feitas em mulheres. De 2002 a 2003, cresceu em 43% onmero de jovens que se operam: 13% do total dos que fazem plsticaso jovens com menos de 18 anos, fato que chamou a ateno daSociedade Internacional de Cirurgia Plstica [...] (Goldenberg, 2005,p.72).

    Os ndices apresentados acima demonstram como as pessoasconcebem o significado do belo. A preocupao com o corpo faz comque os estudantes sejam os protagonistas e os antagonistas dassituaes de discriminao na escola, isto , discriminam e sodiscriminados. Segundo os registros pedaggicos, aps as ocorrnciasde discriminao, alguns abandonaram a escola. Buscando nessesregistros, percebeu-se que algumas ocorrncias aconteceram nadisciplina de Educao Fsica. O que chamou a ateno foi o fato dedeterminados alunos rejeitarem a realizao de aulas prticas, porquesentiam-se gordos, e outros, magros demais. Nos casos em quea presena dos pais e/ou responsveis havia sido solicitada, forammencionados, no registro, os relatos de presso esttica e cultural daadequao descritos pelos adolescentes e casos de depresso em

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    alunos com apenas onze anos de idade. Circunstncias como essas,no registro do livro-ata, so geralmente descritas apenas como: oaluno ou a aluna apresentava-se depressiva, e a escola pede queos pais encaminhem-na a um psiclogo. Apenas quando osresponsveis fazem alguma reclamao sobre a negligncia da escolana busca de solues, registram-se as argumentaes da famlia. Emcasos de desistncia e abandono, registra-se que a escola tomoutodas as medidas cabveis para que o aluno retornasse, entrando emcontato com a famlia vrias vezes, at que esta optou por transferi-lo para outra escola.

    Com a acelerao dos processos de globalizao,4 no ltimosculo, as identidades tornaram-se mais fluidas, fragmentadas, e otema das identidades tem invadido amplamente os espaosacadmicos, incitando polmicas e posicionamentos acerca doconceito tanto de identidade, quanto de sujeito. Pesquisadores daAntropologia, Sociologia, Filosofia e Psicologia Social tm discutidoamplamente a questo da identificao dos sujeitos. Entretanto, naescola pesquisada, pode-se observar que impera o discurso dahomogeneizao, ou seja, da busca da padronizao. O discursoobservado na sala dos professores o de que todos so tratados damesma forma, pois todos so iguais, mesmo naqueles casos em queo aluno meio assim (comentrio exposto por uma professora,fazendo um gesto com o pulso, para fazer referncia orientaosexual do aluno).

    Situaes como as descritas acima parecem ser comuns emcontextos escolares, pois, em grande parte do sistema educacionalbrasileiro, adota-se o princpio de que todos so iguais e no o de quetodos so diferentes. Os contedos programticos, as metodologiasde ensino e as avaliaes so as mesmas, mas os alunos so diferentese do indicativos equipe pedaggica de que no aceitam sercontrolados. Assim, mister tratar do assunto, mesmo nas sriesiniciais, no para manipular ou controlar o comportamento, maspara refletir sobre a dicotomia igualdade/ diferena.

    Segundo informaes contidas na pgina do INEP Institutode Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira , a escola naqual os dados foram coletados apresentou ndices de 12,6% dereprovao e 6,3% de abandono no ltimo censo escolar, em 2004, ou

    4 Entende-se como globalizao, neste contexto, a integrao e ainternacionalizao econmica, social e cultural.

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    seja, 18,9 % dos adolescentes que entram na escola no avanam desrie anualmente (cf. Brasil, 2006). Mais grave que isso saber que, noBrasil, os ndices, em geral, so semelhantes. Curiosamente, essesdados, no contexto escolar em anlise, esto em posio de importnciasecundria, pois a maior preocupao da equipe pedaggica parecesituar-se no esforo de manter a integridade fsica e moral dos queconvivem na escola. No se pode negar a importncia do esforovoltado para esses segmentos; no entanto, aspectos como reprovaoe evaso sugerem mais diretamente o fracasso escolar e, alm disso,convocam pela gravidade ao debate e reflexo sobre as causasque desencadeiam o problema.

    Com relao aos ndices do INEP, em alguns casos deabandono, as pedagogas da escola conseguiram chegar ao motivo daevaso. Muitos pais e/ou responsveis desistiram de comparecer aconvocaes de professores e/ou pedagogas para resolver brigas dosadolescentes, ento, preferiram manter os filhos em casa. H situaesem que os adolescentes foram levados a outras cidades ou at mesmoao Paraguai, casa de algum parente, para que assim os paisconseguissem mant-los longe das drogas e dos traficantes que osrodeavam. H tambm relatos segundo os quais, simplesmente, osalunos no queriam mais freqentar o estabelecimento, por motivosdesconhecidos da equipe de trabalho da escola. Fatos como essesdeixam entrever um campo frtil para o pesquisador que busca refletirsobre o tratamento proposto a essas questes por parte dos professores,pedagogos e diretores.

    Em se tratando de violncia na escola, a preocupao parececoncentrar-se nos eventos de ordem criminal. Nos casos mencionadosneste artigo, tambm h relatos de violncia fsica ou simblica;entretanto, essas so situaes que devem ser resolvidas no mbitopedaggico. preciso, na escola e nas salas de aula, que se contemplemas diferenas e os preconceitos que so gerados pela prpria sociedade.

    A despeito de todas as questes conflituosas que acontecemnas escolas, a preocupao dos educadores ainda paira sobre oscontedos programticos das disciplinas. Da mesma preocupaocompartilham diretores e pedagogos, que chegaram a afirmar, numquestionrio5 sobre a indisciplina, que a indisciplina existe onde os

    5 O questionrio foi aplicado por estudantes do Mestrado em Letras daUnioeste campus Cascavel , como parte de uma pesquisa sobre indisciplinae violncia na escola, feita para a disciplina de Metodologia Cientfica.

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    professores no dominam o contedo e no tm didtica, de modoque, para tais profissionais, a culpa do sujeito-professor. Por umlado, a hemiplegia do sistema educacional nas questes sociais nose apresenta no imaginrio dos profissionais da educao: elesacreditam que, de fato, o professor que no d conta do contedoou no sabe ensinar, que no tem jogo de cintura. Por outro lado,os professores que esto nas salas de aula dos ensinos fundamentale mdio no podem ser vistos como meros reprodutores do saber.

    Giroux (1997) argumenta que a concepo de professor comointelectual transformador cria expectativas de que as tradies econdies profissionais passem por um questionamento ou umareavaliao, na busca de solues para os problemas de seu entorno.Sobretudo, o autor entende que intelectuais transformadoresnecessitam desenvolver um discurso que coadune a linguagem dacrtica e a linguagem da possibilidade da mudana. Sob a tica daurgncia de mudanas, ao discutir os rumos de uma pedagogia crticada aprendizagem, Giroux (1997) avalia as causas do desinteresse dosalunos com relao quilo que ensinado na escola e reverbera quepara os estudantes de baixo padro, o tempo na escola poderepresentar mais uma carga do que um bem. Tais estudantes muitasvezes vem o conhecimento desligado de suas vidas, e a instruocomo um roubo de seu tempo. A escola torna-se um lugar parasuportar o tempo (Giroux, 1997, p.226).

    A escola uma perda de tempo: como educadores, em algummomento, ouvimos tal comentrio por parte dos alunos, por parte dospais e at mesmo de colegas professores. Para essas pessoas, osconhecimentos difundidos na escola esto desvinculados darealidade, e a escola no representa o espao formal de aquisio doconhecimento cientfico, mas , no mximo, um lugar para seencontrarem colegas ou estar longe das ruas e, conseqentemente,longe das drogas. De certa forma, essas pessoas esto corretas aoacreditar que a escola esteja desvinculada da realidade quando noaborda, no discute, no questiona a prpria realidade interna.Paradoxalmente, as mesmas pessoas tomam atitudes cujo intento tentar apagar as diferenas, fingindo para si mesmas e para os que asrodeiam que todos so tratados com o mesmo afeto e ateno, o quena realidade no acontece. Nesse contexto, a indisciplina apresenta-se como uma demonstrao de resistncia ao apagamento dasdiferenas, indicando que as pessoas que esto no espao escolar noaceitam a invisibilidade a elas imposta.

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    MULTICULTURALISMO, HIBRIDISMO E PLURALIDADE:AS DIFERENAS NA SALA DE AULA

    Ao refletir a respeito do multiculturalismo, hibridismo epluralismo, pautamo-nos na necessidade de compreender associedades modernas globalizadas como constitudas por mltiplasidentidades flutuantes e fragmentadas, afixadas em espaos fsicos.Entretanto, no se pode asseverar que o advento dos sistemas em redenas ltimas dcadas tornou a sociedade hbrida, multicultural eplural, pois sabe-se que, desde o comeo das navegaes, estamospassando por processos de miscigenao, justaposio e aglutinaode raas, culturas e etnias. Nesse sentido, Canclini (2006) afirma quehibridaes so processos socioculturais nos quais estruturas ouprticas discretas existiam de forma separada, mas que passaram porcombinaes para gerar novas estruturas, objetos e prticas. Essascombinaes, s vezes, podem ter ocorrido de modo no planejado ousonhado, enfim, de forma imprevista, mas so resultados de situaesprprias da globalizao, tais como os intercmbios culturais,econmicos, comunicacionais ou tursticos, e at mesmo conseqnciados processos migratrios que continuam ocorrendo.

    A despeito dessas discusses, os Parmetros CurricularesNacionais (Brasil, 1998) tratam do assunto apenas como temastransversais. Assim, uma ou outra disciplina desenvolve projetos queressaltam a diversidade cultural brasileira, mas apenas quando hexigncia das secretarias regionais de educao ou da direo daescola. Com tantas diversidades, no basta que, nos livros dehistria, figure um captulo abordando a escravizao de negros noBrasil, enquanto estes ainda vivem inferiorizados. O que se percebe que nosso currculo continua eurocntrico. Um exemplo disso ofato de os livros didticos no contemplarem estudos sobre os pasesafricanos.

    Por questes como essas permanecerem afastadas doscurrculos escolares, professores mantm, no imaginrio, a utopia daturma perfeita, aquela em que todos os alunos tm o mesmotemperamento, a mesma educao familiar, a mesma religio, amesma etnia e a mesma facilidade de compreenso dos contedos(para que no seja necessrio explicar vrias vezes). Parece ser odesejo de qualquer educador trabalhar em turmas homogneas, salasde aula com corpos dceis e disciplinados e, principalmente,

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    interessados. No entanto, as salas de aulas das escolas brasileirasesto abarrotadas de alunos cultural e socialmente diferentes, atmesmo na nacionalidade, como , principalmente, o caso das escolassituadas em regies de fronteira. Alm disso, deve-se considerar queas identidades sociais de classe social, gnero, orientao sexual,raa, idade, profisso etc. so simultaneamente exercidas pelasmesmas pessoas (Moita Lopes, 2002, p.309), e o so tanto por alunos,como por professores. necessrio lidar com todas as diversidadesanlogas sala de aula; melhor ainda, importante que se adote umapostura que demonstre que a diferena no um problema ou umapatologia a ser curada. A forma como educadores abordaro asdiferenas que far a diferena.

    O multiculturalismo, os hibridismos e o pluralismo so temasvaliosos ao PPP da escola; precisam, pois, constar no planejamentoanual, no planejamento das atividades prticas e, principalmente, nomaterial didtico. Ao escolher o material didtico, o educador deveavali-lo pensando nas diferenas presentes em sua sala de aula, nonas igualdades. Textos que abordam a incluso e as relaes degnero e sexualidade praticamente no aparecem nos livros didticos,e mesmo os que tratam das questes sociais de raa ou etnia esexualidade, s vezes, fazem-no de forma preconceituosa, uma vezque apregoam a igualdade entre indivduos. Na tentativa de promovero apagamento das diferenas, prevalece, por exemplo, o mito dademocracia racial (cf. Rosemberg; Bazilli; Silva, 2003).6 O discurso deque todos so iguais perante a lei no faz sentido para quem discriminado, tampouco para quem no alfabetizado, ou poucoescolarizado.

    O aparato editorial parece no eleger a representao dasdiferenas em suas pginas: muitos alunos so invisveis, no soconsiderados nos livros e, no processo de seleo e escolha do livrodidtico, no so lembrados por professores que escolhem o livropreferido. No processo de avaliao do material didtico, as escolasno costumam dar voz aos alunos, e somente os profissionais das

    6 Os pesquisadores citam vrias aes que vm sendo desenvolvidas para secombater o racismo nos livros didticos, entre as quais a obrigatoriedade doitem preconceito na avaliao feita pelo Plano Nacional do Livro Didtico(PNLD). No entanto, a no-recomendao dos livros pelo PNLD no garanteque eles deixem de ser usados. De acordo com a pesquisa, houve reprovaode quase 40% dos livros de 5 a 8 em 2002, o que no demonstra, efetivamente,uma estatstica do racismo, mas de problemas relacionados apresentaopreconceituosa de textos e imagens.

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    disciplinas opinam e decidem pelo que consideram melhor, semrelevar a expectativa da comunidade que o adotar. Os cidadosesto sendo formados em escolas que no os autorizam a intervir nasua prpria formao.

    Cabe aos diretores, pedagogos e professores ficarem atentos atodas essas situaes. Alm disso, preciso observar o preconceitoexistente no tocante nacionalidade, pois, para as naesconsideradas de menos prestgio devido a situaes econmicas eculturais diferenciadas, como o caso do Paraguai, o preconceitorecai sobre os sujeitos que delas provm.

    Se a identidade est diretamente ligada ao pertencimento, deacordo com a avaliao de Bauman (2005), no h como o sujeito-aluno sentir-se pertencente escola, uma vez que no est identificadonela ou por ela. Alm de no ser representado em suas diferenas ouem suas especificidades, o aluno , muitas vezes, marginalizadopelo(a) professor(a) e pela escola, em geral por atos conscientes aoser chamado por apelidos, por exemplo , ou mesmo inconscientes como em piadas contadas na inteno de animar a turma.

    A indisciplina na sala de aula no to-somente geradaporque faltam limites na educao familiar, ou porque a autoridadede pais e professores est em xeque. Ela concerne a questes quetranscendem o mbito da residncia e podem estar em todas as turmasde qualquer escola, no s das pblicas. Ento, no h como convivercom os problemas de relacionamento sem resolver as ocorrnciasindisciplinares e nelas intervir; porm, o caminho no simplesmentechamar os pais, registrar o comportamento no livro-ata da escola edizer toma, resolva, porque o filho teu. O inverso tambm verdadeiro, ou seja, os pais no podem delegar integralmente escolaa educao de seus filhos. Nesse contexto, o(a) professor(a) acabasendo pai, me, psiclogo, amigo... embora perceba as dificuldadesque isso acarreta, tendo em vista a sua histria e a sua formao(Coracini, 2003, p.245).

    Por mais que parea difcil ser multifuncional, papis sociaiscomo os mencionados precisam ser assumidos, j que flagrante anecessidade de serem abordados temas que realmente reflitam sobrequestes envolvendo as mltiplas identidades encontradas nas salasde aula. O problema que as identidades dos educadores, comoassinala Moita Lopes (2003), entram em confronto com a dos alunos.A maioria dos professores que atua em sala foi educada no perododa ditadura, num sistema autoritrio e tradicional, no qual somente

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    o professor tinha o poder de conduzir a aula, de falar e argumentar,restando, ao aluno, ouvir e obedecer. Mas atualmente as autoridadesesto sendo colocadas em xeque, e as crianas e os adolescentesquerem, na condio de sujeitos, ser reconhecidos como tal. Segundoa pesquisa de Tureski (2005), realizada com alunos de 5 srie, h nasescolas uma desvalorizao da capacidade de cognio infantil,verificada por meio da excluso do discurso dos alunos. O fenmenoinclui a adolescncia tambm, em que o educando impedido departicipar do processo educacional como um todo. Isso aponta paraa inexistncia da prtica de ouvir o aluno.

    O professor, por sua vez, diante da expectativa de reviso dosprprios princpios e da construo identitria gerada pelo processoda multifuncionalidade, depara-se com a fobia da incompetncia.Sente-se desiludido, incompreendido e vitimado por uma sociedadeinjusta e ingrata para com a sua dedicao, alm de no ser remuneradoadequadamente. A verdade que as diferenas entre professor ealuno so tantas que acabam por agravar, ainda mais, os conflitos noespao escolar. Coracini (2003) relata os resultados de uma pesquisasobre a viso que os alunos e os livros didticos apresentam dosujeito-professor e, sinteticamente, concluiu que os professores sovistos pelos alunos tanto de forma positiva, como tambm negativa.Positivamente, o professor visto como sbio, amigo, modelo, servocacionado, modificador de destinos, heri, paciente, responsvel;negativamente, como incompetente, desocupado (s d aula, notrabalha), mal-educado, insuportvel, autoritrio, esnobe, sofredor,humilhado. J os livros didticos sugerem que tais profissionais sodespreparados para exercer a profisso, incapazes de, sozinhos,construir atividades, decidir o qu e como ensinar. So professoresreprodutores de contedos, despolitizados e ideologicamente neutros,meros executores de tarefas, despreparados at mesmo para aquelasque pretendem ou precisam ensinar (Coracini, 2003, p.250).

    Os professores no necessitam buscar foras na viso idlicadaquele que precisa e que deve continuar sua misso, apesar de tudo,mas procurar aprimorar sua formao, ampliando o leque depossibilidades didtico-metodolgicas para resolver os problemasque encontram na sala de aula. As sugestes de outros educadoresdevem ser levadas em considerao. Todos dizem no haver receitas,mas h algumas possibilidades prticas de mudana de conduta epostura que podem contribuir para a melhoria da convivncia na sala

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    de aula, lembrando sempre, porm, que cada caso nico, e o que dcerto com um, pode no dar certo com outros. Nesse processo,conforme Tuleski (2005), necessrio levar outro aspecto emconsiderao, o de que tanto para o desenvolvimento do indivduo enquanto pessoa , quanto para a sociedade, faz-se necessrio adquirirtransgresso e agressividade, e essas caractersticas apresentam-secomo componentes inerentes ao ser humano. Sobretudo, necessrioque os professores aliem suas prticas teoria, buscando solues,testando-as na prxis diria, pois teoria e prtica so indissociveise, por essa razo, primordial que haja programas de formaocontinuada a fim de dar suporte ao professor que esteja distante daacademia. Sabe-se que, ao terminar a graduao, o professor recm-formado geralmente sente-se abandonado, solitrio num trabalhoque deveria se consolidar em conjunto no espao escolar. Ao enfrentardiariamente os mesmos problemas, o profissional, sem sada, cedera um ou a outro esteretipo de professor (Coracini, 2003).

    CONSIDERAES FINAIS

    Conforme mencionado, o sistema educacional como um tododiscrimina esta ou aquela identidade, tentando padronizar ehomogeneizar. Entretanto, ao dar um tratamento adequado questodas mltiplas identidades, o(a) professor(a) contribui para que nohaja apagamento e invisibilidade em nome da harmonia em sala.Assim, tarefa do professor repensar sua prtica, (re)elaborarmetodologias, adequando-as e (re)avaliando at mesmo a linguagemque use na sala de aula.

    A questo polmica, sem dvida. Pode-se dizer que difcildesenvolver alguns temas em sala, com alunos muito diferentes unsdos outros. No entanto, assim como no colgio estadual em Foz doIguau, os casos de indisciplina vm aumentando, sugerindo quealgo deva ser mudado nesse e em outros ambientes escolares. preciso buscar entender e minimizar os ndices de abandono e dereprovao (qui esses podem estar relacionados no s a problemascognitivos).

    Sabemos que a complexa questo da indisciplina no se limitaao que aqui expusemos; contudo, neste artigo, buscamos sugerir queas atitudes do educador, nas prticas educativas, devem priorizar aeducao para as diferenas. Sugerimos, tambm, que o processo de

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    escolha do livro didtico inclua os que iro manuse-lo e,principalmente, que cada educador avalie no s o que o alunoaprendeu, mas a metodologia de aplicao e abordagem de cadatema. Alm dessas particularidades, primordial que a formao deprofessores prepare melhor o profissional que ensina nesse contextoplural, desigual e discriminatrio.

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    Recebido em maro de 2007e aceito para publicao em agosto de 2007.

    Title: Identity, difference and plurality: a look at the classroomAbstract: This article proposes to investigate the treatment commonly given to themultiple identities adopted by students in the classroom. We discuss the concepts ofidentity and difference, and also the urgent need of buiding the teachers qualification basedon plurality. From data collected from the occurrence book of a Brazilian public school,we seek to undretsnd the origin of indiscipline in the classroom. It is observed that differencesin the classroom are ignored, and that issues of identity and difference are not adequatelyaddressed as problematic subjects. It is argued that such an attitude is one of the possiblereasons of indiscipline in schools. We conclude that the teachers role is crucial in the selectionand use of adequate teaching material dealing with identity-building process and,especially,with the learners self-identification.Key words: identity; difference; education.

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