“brasil em contra reforma – desestruturaÇÃo do estado e perda de direitos”
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BRASIL EM CONTRA REFORMA DESESTRUTURAO DO ESTADO E PERDA DEDIREITOS.
Autora: Elaine Rossetti Behring.
Ed. Cortez. SP, 2003.
BRASIL EM CONTRA REFORMA DESESTRUTURAO DO ESTADO E
PERDA DE DIREITOS.
Autora: Elaine Rossetti Behring.
Ed. Cortez. SP, 2003.
Captulo 3: Brasil: entre o futuro e o passado, o presente dilacerado
Captulo 4: a Contra Reforma do Estado brasileiro: projeto e processo
Captulo 5: Ilustraes particulares da Contra Reforma
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Captulo 3 Brasil: entre o futuro e o passado, o presente dilacerado
1. Crise econmica e o processo de democratizao no Brasil dos
anos 1980
A autora caracteriza algumas precondies econmicas, polticas, sociais e culturais que delinearam
o contexto da formulao e implementao do Plano Real a partir de 1994 (FHC), e a hegemonia do
projeto neoliberal no Brasil, com seu conjunto de contra reformas.
Ao sublinhar o fenmeno da passagem da ditadura para a democracia brasileira,
Behring cita Fernandes que denominou-o transio conservadora sem ousadia e
turbulncias.
A adeso brasileira s orientaes conservadoras esteve bastante condicionada, porum lado, ao processo de transio democrtica e resistncia ao desmonte de uma
estrutura produtiva construda no Brasil no perodo substitutivo de importaes. Segundo
Fiori, houve uma adeso tardia no Brasil ao neoliberalismo.
A implementao das reformas orientadas para o mercado, em que pese a presso
pela sua universalizao no chamado terceiro mundo, em especial aps a crise da dvida,
deparou-se com as condies internas de cada pas, determinando ritmos e escolhas.
Como o Brasil adentra os anos 80?
A compreenso do problema do recrudescimento do endividamento externo e suas
conseqncias, a partir de 1979, crucial para responder a esta pergunta. a partir deste
momento que se aprofundam as dificuldades para formulao de polticas econmicas de
impacto nos investimentos e na redistribuio de renda no conjunto da Amrica Latina. Para
Kuanski e Branford (1987) localiza-se no processo do endividamento as principaisdecorrncias da reorientao da poltica econmica norte americana em busca da
hegemonia do dlar, e o incio das presses cujos resultados derrubaram a possibilidade
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de ruptura com a heteronomia contida no desenvolvimentismo, este, por sua vez, fundado na
substituio de importaes (poltica de juros flutuantes ao invs de juros fixos).
Com os juros flutuantes, a dvida no pde (e no pode...) ser redimida, sendo alm de
mecanismo de extrao de renda, tambm de dominao poltica. A opacidade de regimes
militares, financiados e estimulados pelos EUA na Amrica Latina, permitiu a condio
institucional para tais acordos, que favoreciam a aliana entre as oligarquias exportadoras e
o capital financeiro internacional.
Segundo Toussaint (1998) houve uma inverso explosiva da transferncia de divisas
em prazos muito curtos, mas que foi acompanhada tambm da queda das exportaes de
matrias primas; ocorreu um verdadeiro estrangulamento da economia latino americana,
com um crescimento mdio do PIB de cerca de 2,3% entre 1981 e 1985.
Houve pases (Bolvia e Costa Rica), em que a dvida passou a ser maior que o PIB.
O constrangimento do endividamento gerou uma queda na taxa de inverso, em
especial do investimento do setor pblico, ao longo de 16 anos (de 26% em 1974, para
15/16% em 1989), dificultando o que designa como ao de um Estado estruturante e,
ainda, o ingresso do pas na 3 Revoluo Industrial (Cano, 1994: 26 e 42).
A maior parte da dvida externa foi contrada pelo setor privado, por presses do FMI
o feitor da dvida , houve na seqncia uma crescente e impressionante socializao da
mesma. No Brasil, 70% da dvida tornou-se estatal. O fenmeno da estatizao de 2/3 da
dvida muito importante para compreender a crise do Estado no Brasil e o quanto
ideolgica sua satanizao (Cano, 1994). Para Cano, desde ento, o gasto pblico passa
a ser estruturalmente desequilibrado.
Dessa feita, Behring assinala que as caractersticas regionais preexistentes crise da
dvida foram exacerbadas no contexto dos anos 80, saber:
empobrecimento generalizado da Amrica Latina, especialmente no seu pas maisrico, o Brasil;
a crise dos servios sociais pblicos;
o desemprego;
a informalizao da economia;
o favorecimento da produo para exportao em detrimento das necessidadesinternas.
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A maior dvida da Amrica Latina, a brasileira, cresce vertiginosamente a partir de uma articulao
exemplar entre a burguesia nacional, o Estado e o capital estrangeiro, que fundou o milagre brasileiro
(quando a economia, sob a ditadura militar cresceu entre 1968/1973, a mdia de 11,2%).
Esse milagre foi sustentado a partir de alguns processos:
um xodo rural de grandes propores, concentrando fora de trabalho barata no
espao urbano, que foi absorvida pela construo civil e pela indstria manufatureira
de bens durveis;
o oferecimento de facilidades para emprstimos privados a juros flutuantes, mesmo,
muitas vezes, sem garantias de investimento produtivo.
Os governos democrticos no foram capazes de romper com a submisso,estabelecendo acordos que expressavam a mais absoluta capitulao, e riscos para a
soberania.
Aps a crise da dvida, diante da possibilidade de colapso financeiro internacional,
impe-se o discurso da necessidade dos ajustes e dos planos de estabilizao em toda a
regio. Tratou-se, na verdade, de parte de um ajuste global, reordenando as relaes entre
o centro e a periferia do mundo do capital. Houve uma espcie de coordenao da
reestruturao industrial e financeira nos pases centrais, cujo custo foi pago duramente pelaperiferia (Tavares e Fiori, 1993).
De um ponto de vista econmico, tm-se, na entrada dos anos 90, um pas derrotado
pela inflao a dura pedagogia da inflao a que se refere Oliveira (1998:173) e que
ser o fermento para a possibilidade histrica da hegemonia neoliberal; paralisado pelo
baixo nvel de investimento privado e pblico; sem soluo consistente para o problema do
endividamento; e com uma situao social gravssima. Tem-se a mistura explosiva que
delineia uma situao de crise profunda.
Em 1989, a partir da derrota da coalizo comprometida com os avanos democrticos
preconizados na Constituio de 1988, a agenda poltico-econmica passa a assumir o
perfil desejado pelas agncias multilaterais: reformas liberais, orientadas para o mercado.
Velasco e Cruz identificou, j no incio da dcada de 80, dois discursos e diagnsticos
para uma sada da crise, contemplando a formulao de uma poltica industrial: o neoliberal
e o desenvolvimentista, este ltimo decorrente da articulao entre segmentos de indstriase economistas crticos, a exemplo de Belluzo e Cardoso de Melo, que sero assessores de
Dilson Funaro, na 1 fase da Nova Repblica.
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O Colgio eleitoral foi a sada institucional para assegurar o controle conservador da
redemocratizao, numa espcie de contra revoluo, se observado o aspecto no qual as
elites no Brasil sempre tiveram uma profunda unidade poltica: conter a emancipao dos
trabalhadores.
O estudo de Velasco e Cruz importante porque mostra, a partir de um ngulo
especfico, como se operou a mudana de mentalidades, bem como as dificuldades do
processo de democratizao. A partir de 1987, o discurso governamental sobre poltica
industrial volta-se para advogar a adoo de medidas conseqentes para atrair o capital
estrangeiro, desregulamentar a atividade econmica e facilitar a adoo de tecnologias
novas (1997:79).
Na constituio de 1988 havia claramente a nfase na priorizao de uma poltica
industrial. Essa poltica sugerida em 88 previa fortes subsdios do Estado e instrumentos
indutores e estruturantes. A poltica proposta em 1988 foi recebida com cautela peloempresariado e foi duramente criticada pelos economistas liberais, porque, segundo eles,
mantinha ainda ultrapassadas iluses dirigidas.
O movimento operrio e popular era, naquele contexto um ingrediente poltico decisivo
da histria recente do pas, que ultrapassou o controle das elites. Sua presena e ao
interferiram na agenda poltica ao longo dos anos 1980 e pautaram alguns eixos na
Constituinte, a exemplo de:
reafirmao de uma vontade nacional e da soberania, com rejeio das ingerncias
do FMI;
direitos trabalhistas;
reforma agrria.
Dessa feita, todos os movimentos da transio democrtica ao longo da dcada
sero tensionados por essa presena incmoda para as classes dominantes brasileiras. Otexto constitucional refletiu a disputa de hegemonia, contemplando avanos em alguns
aspectos, a exemplo dos direitos sociais, humanos e polticos, pelo que mereceu a
caracterizao de Constituio cidad, de Ulisses Guimares.
Na boa sntese de Nogueira (1998), observa-se que ao longo dos anos 1980 as
dificuldades do Estado brasileiro adquiriram transparncia em alguns aspectos: sua intensa
centralizao administrativa; suas hipertrofias e distoro organizacional, por meio do
empreguismo, sobreposio de funes e competncias e feudalizao; sua ineficincia naprestao de servios e na gesto; sua privatizao expressa na vulnerabilidade aos
interesses dos grandes grupos econmicos e na estrutura de benefcios e subsdios fiscais;
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seu dficit de controle democrtico, diante do poder dos tecnocratas e, dentro disso, o
reforo do Executivo em detrimento dos demais poderes.
A orientao neoliberal encontrou solo frtil, ainda que sua introduo mais intensa
tenha sido retardada pelos processos delineados, e consolida-se como doutrina dos anos
1990. Tal ambiente poltico, econmico e cultural foi reforado tambm pelo que se passou
a conhecer como Consenso de Washington, com seu receiturio de medidas de ajuste.
O Consenso de Washington estabelece-se a partir de um Seminrio realizado naquela
cidade, entre 14 e 16 de janeiro de 1993, para discusso de um texto do economista John
Willianson, e que reuniu executivos de governo, dos bancos multilaterais, empresrios e
acadmicos de onze pases. Ali foram discutidos os passos polticos necessrios para
implementao de programas de estabilizao que, de acordo com a tima sntese de Fiori
(1994:2) passaria por 3 fases:
A primeira consagrada estabilizao macroeconmica, tendo como prioridade
absoluta um supervit fiscal primrio envolvendo invariavelmente a reviso das relaes
fiscais intergovernamentais e a reestruturao dos sistemas de previdncia pblica; a
segunda, dedicada ao que o Banco Mundial vem chamando de reformas estruturais:
liberao financeira e comercial, desregulamentao dos mercados, e privatizao das
empresas estatais; e a terceira etapa, definido como a da retomada dos investimentos e do
crescimento econmico.
2. O passaporte brasileiro para a mundializao: a ofensiva neoliberal
dos anos 1990
O desfecho do pleito eleitoral de 1989, etapa to esperada do processo de democratizao, e mais
um momento do embate entre os projetos societrios antagnicos, favoreceu, por uma diferena pequena
de votos, a candidatura presidncia que defendia explicitamente as reformas orientadas para o
mercado, que implicariam um forte enxugamento do Estado, como sada para a crise econmica e social
brasileira.
A promessa de Fernando Collor de Mello foi a de heroicamente derrotar a inflao
com um nico tiro, ao lado de medidas gerais de orientao claramente neoliberal, em
sintonia com a cultura econmica monetarista que vinha ganhando terreno desde o final do
governo Sarney.
Sua interveno (de Collor) de maior flego e largo prazo foi a implementaoacelerada da estratgia neoliberal no pas, por meio das chamadas reformas estruturais, na
verdade o incio da contra reforma neoliberal no pas.
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A poltica industrial, fundada na abertura comercial, programas de qualidade industrial
e de capacitao tecnolgica e facilidades para ingresso dos capitais externos, no sentido
de fomentar a competitividade internacional, foi um elemento central e de efeito duradouro
dessa estratgia.
Assim, a poltica econmica nos dois anos de governo Collor pautou-se por uma
adequao destrutiva ao reordenamento mundial. No houve qualquer ao mais ousada
em relao ao problema do endividamento, sem o que impensvel uma perspectiva de
investimento e de crescimento, somando elementos ao processo de desarticulao
progressiva do padro de desenvolvimento da economia brasileira, em especial da
capacidade do setor pblico.
Fernando Collor de Mello optou por uma estratgia poltica meditica, cujo discurso
massificado voltava-se para os indivduos atomizados, evitando os segmentos organizados.
Assim, dirigia-se aos descamisados. No que se refere enorme expectativa democrticaquanto ao enfrentamento das refraes dramticas da questo social no pas, seu pouco
tempo de governo pautou-se no clssico clientelismo, como o demonstraram o escndalo
das subvenes sociais e a performance da primeira dama frente da Legio Brasileira de
Assistncia (LBA). Deve-se recordar que Collor de Mello vetou a regulamentao da Lei
orgnica da Assistncia Social, demonstrando pouca disposio de implementar o conceito
de seguridade social preconizado pela Constituio. Tal ambiente poltico articulado
abertura comercial e reestruturao produtiva, geradores de desemprego, teve impactos
sobre a espinha dorsal dos movimentos sociais dos anos 1980, no sentida da sua
desmobilizao. Tanto que sero os estudantes, caras pintadas, que tomaro a iniciativa
das ruas, pelo impeachment. Esse foi um movimento importante, mas que esteve longe de
possuir a densidade e o componente operrio e popular da luta pelas eleies diretas, de
1984.
O curto perodo de Itamar ser palco de avanos limitados, no que se refere
legislao complementar Constituio de 1988, a exemplo da LOAS. Mas ser tambm o
momento de articulao da coalizo conservadora de poder constituda em torno de
Fernando Henrique Cardoso, ento frente do Ministrio da Fazenda, onde foi formulado o
plano de estabilizao protagonizado pela nova moeda: o real. Fernando Henrique Cardoso
tinha credenciais da luta democrtica e vinha do ncleo econmico do pas, colocando-se
como o articulador e intelectual orgnico da contra reforma e da hegemonia burguesa no
Brasil contemporneo (Oliveira, 1998:176-7), aps um perodo relativamente largo de
perigosa fragmentao, de que fez parte o medo de uma derrota eleitoral para a esquerda,
em 1989.
O Plano Real e a recomposio burguesa no Brasil
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Qual foi a lgica do Plano Real, razes do seu impacto e, dependendo do ngulo de interpretao,
de seu sucesso?
O Plano Real promoveu, poucos meses antes da eleio uma verdadeira chantagem
eleitoral: ou se votava no candidato do Plano ou estava em risco a estabilidade da moeda,promovendo-se a volta da inflao, a ciranda financeira e a escalada de preos.
Os brasileiros, traumatizados com uma inflao de 50% ao ms (junho 94) e
esgotados com a incapacidade de planejar sua vida cotidiana, votaram na moeda e na
promessa de que, com a estabilidade, viriam o crescimento e dias melhores (o povo
brasileiro tinha e tem, a necessidade da esperana). Dessa feita, foi possvel uma
rearticulao das foras do capital no Brasil, como h algum tempo no se via.
Fiori sinaliza que o Plano Real no foi concebido para eleger FHC; FHC que foi
concebido para viabilizar no Brasil, a coalizo de poder capaz de dar sustentao e
permanncia ao programa de estabilizao do FMI, e a viabilidade poltica ao que falta ser
feito das reformas preconizadas pelo Banco Mundial.
A sobrevalorizao do cmbio, alm de destruir a autoridade monetria nacional,
exigiu a captao permanente de recursos no exterior para equilibrar a balana de
pagamentos. Os impactos dessa engenharia de curto prazo do Plano Real tm sido:
o bloqueio de qualquer possibilidade de desconcentrao de renda;
uma desproporo entre a acumulao especulativa e a base produtiva real, cujo
custo recai sobre o Estado na forma de crise fiscal e compresso dos gastos pblicos
em servios essenciais;
alienao e desnacionalizao (Gonalves, 1999; Paulani, 1998; Teixeira, 2000) do
patrimnio pblico constitudo nos ltimos 50 anos, um remanejamento patrimonial degrandes propores e com fortes conseqncias polticas;
inibio do crdito e inadimplncia dos devedores;
mudana do perfil do investimento das indstrias, que tende a ser em reduo de
custos e manuteno, mas no em ampliao da base, em virtude dos riscos. Para
Tavares (1999), a indiscriminada abertura comercial e a sobrevalorizao do cmbio
so excessos que impuseram uma camisa de fora obsessiva, de modo que a
expanso da produo e da demanda interna tornam-se ameaas estabilizao, em
vez de metas desejveis.
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Mrcio Pochmann (jornal do DIAP) j chamava a ateno sobre os efeitos da
macroeconomia do Plano Real sobre o emprego. Suas pesquisas demonstravam que o
Brasil vivia a pior crise dos ltimos cem anos. Da implantao do Plano Real at agosto de
1998, foram extintos 764,1 mil postos de trabalho formal. O autor previa um final de dcada
de 1990 marcado por maior agravamento das condies sociais, com maiores ndices de
violncia urbana, desagregao familiar, instabilidade e precariedade da renda.
As polticas de gerao de emprego tm passado pela flexibilizao e
desregulamentao dos contratos, a partir de iniciativas como a instituio do contrato
parcial de trabalho.
O economista Marcelo Neri, do Instituto de Estudos do trabalho e da sociedade
(INEST) realizou pesquisa sobre a relao entre a desvalorizao do real a partir de 1999, a
inflao e o consumo dos pobres (o globo, 28/03/99). A abertura irresponsvel de Collor,
aprofundada por Cardoso, introduziu a competitividade na indstria alimentcia, que noteve o efeito de baixar os preos, diferente da expectativa governamental, mas de nivel-los
por cima. A est localizado o maior consumo das famlias de baixa renda, e a inflao
tendeu a ser maior para essas famlias, a partir de 1999, o que corrobora a hiptese de
perda dos ganhos sociais do Plano Real.
Captulo 4: A Contra Reforma do Estado Brasileiro projeto e
processo
1. A expresso intelectual: o projeto social-liberal em Bresser
Pereira
Para Bresser Pereira, o Brasil e a Amrica Latina foram atingidos por uma dura crisefiscal nos anos 1980, acirrada pela crise da dvida externa e pelas prticas de populismo
econmico1. Esse contexto vai exigir, de forma imperiosa, a disciplina fiscal, a privatizao
e a liberalizao comercial.
Bresser nota tambm o carter cclico e mutvel da interveno do Estado, ou seja,
aps o Estado Mnimo, o Estado social-burocrtico e o revival neoliberal, caminhar-se-ia
para uma experincia social liberal, pragmtica e social democrata. Este modelo, segundo
Bresser, no pretende atingir o Estado que mantm suas responsabilidades na rea social,acreditando no mercado, da qual contrata a realizao de servios, inclusive na prpria rea
social (1996:14).
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As causas da crise esto localizadas no Estado desenvolvimentista, no Estado
comunista e no Welfare State, cujas experincias a meu ver to dspares para serem
inseridas numa mesma lgica subavaliaram a capacidade alocativa do mercado, um
mecanismo maravilhoso, que deve ter um papel positivo na coordenao da economia
(1996).
Ao Estado cabe um papel coordenador suplementar. Se a crise se localiza na
insolvncia fiscal do Estado, no excesso de regulao e na rigidez e ineficincia do servio
pblico, h que reformar o Estado, tendo em vista recuperar a governabilidade
(legitimidade) e a capacidade financeira e administrativa de governar.
O lugar da poltica social no Estado social liberal deslocado: os servios de sade e
educao, dentre outros, sero contratados e executados por organizaes pblicas no
estatais competitivas.
Bresser critica a esquerda tradicional por se manter presa ao nacional-
desenvolvimentismo populista, que vem incorrendo nos seguintes equvocos:
orientar o desenvolvimento para o mercado interno;
proteger a indstria nacional;
incrementar o desenvolvimento tecnolgico como elemento complementar da
substituio de importaes;
justificar o dficit pblico, quando h capacidade ociosa e desemprego, rejeitando
qualquer ajuste fiscal;
interpretar as taxas de juros como conspirao dos bancos e da especulao;
dizer que aumento de salrio no aumenta a inflao e que o aumento do salrio real
redistributivo numa economia com alta concentrao de renda;
afirmar que as empresas estatais so eficientes mas no so rentveis, porque seus
preos so artificialmente deprimidos;
e, por fim, o equvoco maior defender que a coordenao econmica pelo Estado
tende a ser mais eficiente do que pelo mercado.
2. A expresso institucional: o Plano Diretor da Reforma do Estado(PDRE/MARE - Ministrio da Administrao e da Reforma do Estado)
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As proposies do PDRE elaborado pelo MARE e aprovado em setembro de 1995 na Cmara da
Reforma do Estado. Na apresentao do documento, FHC reitera os argumentos de que a crise brasileira
da ltima dcada foi uma crise do Estado, que se desviou de suas funes bsicas, do que decorre a
deteriorao dos servios pblicos, mais o agravamento da crise fiscal e da inflao. Trata-se, para ele, de
fortalecer a ao reguladora do Estado numa economia de mercado, especialmente os servios bsicos e
de cunho social. o Estado brasileiro caracterizado como rgido, lento, ineficiente e sem memria
administrativa. A reforma passaria por transferir para o setor privado atividades que podem ser
controladas pelo mercado, a exemplo das empresas estatais. Outra forma a descentralizao para o
setor pblico no estatal, de servios que no envolvem o exerccio do poder de Estado, mas devem,
para os autores, ser subsidiados por ele, como: educao, sade, cultura e pesquisa cientfica.
Trata-se da produo de servios competitivos ou no exclusivos do Estado,
estabelecendo-se parcerias com a sociedade para o financiamento e controle social dessaexecuo. O Estado reduz a prestao direta de servios mantendo-se como regulador e
provedor. Refora-se a governana por meio da transio de um tipo rgido e ineficiente de
administrao pblica para a administrao gerencial, flexvel e eficiente.
A Reforma distingue quatro setores no Estado: o Ncleo Estratgico que formula
polticas pblicas, legisla e controla sua execuo, composto pelos trs poderes; o Setor de
Atividades Exclusivas, onde so prestados servios que s o Estado pode realizar, a
exemplo da previdncia bsica, educao bsica, segurana e outros; o Setor de
Servios no-Exclusivos, onde o Estado atua simultaneamente com outras organizaes
pblicas no estatais e privadas, como as universidades, hospitais, centros de pesquisas e
museus; e o Setor de Bens e Servios para o Mercado, a exemplo de empresas no
assumidas pelo capital privado. A esses setores correspondem formas de propriedade:
estatal para os dois primeiros; pblica no estatal para o terceiro; no caso do ltimo, a
propriedade estatal no desejvel; mas deve existir regulamentao e fiscalizao rgidas,
a exemplo, supe-se, de companhias de luz, gs e gua. Sobre a administrao no NcleoEstratgico prope-se um mix entre administrao burocrtica e gerencial. Nos demais, a
administrao gerencial.
4. Uma crtica concepo da Reforma do Estado
A autora passa a sistematizar os elementos que considera para uma reflexo crtica sobre o projeto
hegemnico nos ltimos 8 anos.
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1) A explicao da crise contempornea como crise do ou localizada no Estado.
A esto indicadas suas causas e suas sadas, o que expressa uma viso unilateral e
monocausal da crise contempornea, metodologicamente incorreta e que empobrece o
debate.
A perspectiva crtica de anlise sustentada pelo marxismo considera que as mudanas em curso
passam por uma reao do capital ao ciclo depressivo aberto no incio dos anos 70 (Mandel, 1982 e
Harvey, 1993), que pressiona por uma refuncionalizao do Estado, a qual corresponde a transformao
no mundo do trabalho e da produo, da circulao e da regulao.
As tentativas de retomada de taxas de lucro nos nveis dos anos de ouro do capital
(ps-guerra) ocorrem hoje por trs eixos que se articulam visceralmente:
a reestruturao produtiva que fragiliza a resistncia dos trabalhadores ao
aviltamento de suas condies de trabalho e de vida, facilitando a realizao de superlucros;
a mundializao uma rearticulao do mercado mundial, com redefinio da
especializao dos pases e forte presena do capital financeiro;
neoliberalismo, este ltimo representando as reformas liberalizantes, orientadas para
o mercado (Behring, 1998). O que combina a uma forte ofensiva intelectual e moral,
com o objetivo de criar o ambiente propcio implementao dessas proposies,
diluindo as possveis resistncias.
A reforma do Estado, tal como est sendo conduzida, a verso brasileira de uma
estratgia de insero passiva (Fiori, 2000:37) e a qualquer custo na dinmica
internacional e representa uma escolha poltico-econmica, no caminho natural diante
dos imperativos econmicos. Uma escolha, bem ao estilo de conduo das classes
dominantes brasileiras ao longo da histria.
Em relao a questo da privatizao brasileira, tem-se a entrega do patrimnio pblico ao capital
estrangeiro, bem como a no obrigatoriedade de as empresas privatizadas comprarem insumos no Brasil,
o que levou ao desmonte de parcela do parque industrial nacional e a uma enorme remessa de dinheiro
para o exterior, ao desemprego e ao desequilbrio da balana comercial.
Para Oliveira, esse movimento mostra o quanto preciso muito Estado para criar um
mercado livre: a exigncia de um Estado forte para a conduo do ajuste direcionado expanso do mercado.
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Andreas e Korezmin (1998) apontam o discurso da reforma como um
conservadorismo disfarado. Em 1990 o Brasil recorreu ao FMI, e o acordo no garantiu o
ajuste nas contas pblicas, estando voltado sobretudo para a regularidade do pagamento
dos credores.
Estudos do INESC (Instituto de Estudos Scio-Econmicos) apontam:
que a busca da meta do supervit primrio previsto no acordo de 1999 levou a uma
brutal conteno de gastos em todas as reas, com exceo do pagamento do servio da
dvida e de pessoal. Os gastos em investimentos e atividades-fins foram extremamente
limitados; e programas sociais e ambientais de relevncia foram paralisados. O estudo
alerta para a baixssima execuo oramentria nos programas voltados para crianas e
adolescentes em situao de risco e a no implementao do Estatuto da Criana e do
Adolescente, pela falta de aplicao de recursos pblicos. O governo brasileiro alcanou
um supervit primrio de 3,13% do PIB, maior que a meta do FMI, que era de 2,5% do PIB,mas ao custo de investimento pouco e penalizar gravemente a rea social: aquela que
deveria ser priorizada a partir do ajuste e do enxugamento do Estado.
Outro aspecto de destaque na reforma do Estado o Programa de Publicizao,
que se expressa na criao das agncias executivas e das organizaes sociais, e mais
recentemente na regulamentao do terceiro setor. Esta ltima estabelece um termo de
parceria com ONGs e instituies filantrpicas para a implementao das polticas. A essa
nova arquitetura institucional na rea social se combina ainda o servio voluntrio, o qualdesprofissionaliza a interveno nessas reas, remetendo-as ao mundo da solidariedade
(Gusmo, 1998), da realizao do bem comum pelos indivduos, por intermdio de um
trabalho voluntrio no remunerado. O fortalecimento desse setor pblico no estatal como
via de implementao de poltica social, no contexto de uma crise fiscal que aprofundada
pela crise econmica em curso, encerra alguns problemas e contradies.
A autora sublinha que as transformaes no Estado brasileiro so fundamentais numa
agenda que se prope superar um Estado privatizado, volt-lo para a coisa pblica, eespecialmente imprimir maior eficincia a suas aes. O resgate da dvida social como
parte das preocupaes est obviamente associado capacidade do Estado brasileiro de
implementar polticas pblicas.
H uma forte tendncia de desresponsabilizao pela poltica social em nome da
qual se faria a reforma acompanhada pelo desprezo pelo padro constitucional de
seguridade social. o trinmio do neoliberalismo para as polticas sociais privatizao,
focalizao e descentralizao (Draibe, 1993) tendeu a se expandir por meio doPrograma de Publicizao.
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Captulo 5: Ilustraes particulares da Contra Reforma
A Contra Reforma do Estado brasileiro concretiza-se em alguns aspectos, saber:
perda da soberania com aprofundamento da heteronomia e da vulnerabilidade
externa;
no reforo deliberado da incapacidade do Estado para impulsionar uma poltica
econmica que tenha em perspectiva a retomada do emprego e do crescimento, em
funo da destruio dos seus mecanismos de interveno;
na parca vontade poltica e econmica de realizar uma ao efetiva sobre a
iniquidade social, no sentido de sua reverso, condio para uma sociabilidadedemocrtica.
A autora sublinha que at mesmo os mecanismos mais elementares da democracia
burguesa, a exemplo da independncia e do equilbrio entre os poderes republicanos, no
considerado.
Obs. Beth da Luz: Vide o excesso de Medidas provisrias MP encaminhada Cmara dos Deputados pelo Executivo seja no governo de FHC ou de Lula.
1. A Flexibilizao das Relaes de Trabalho
Um pressuposto clssico e sempre importante para um esforo de retomada dastaxas de lucro a subsuno/explorao do trabalho pelo capital, no sentido da extrao da
mais valia, seja mais valia relativa no sc XX, seja na retomada das formas mais brbaras
da extrao da mais valia absoluta.
Um elemento fundamental para gerar as condies polticas e ideolgicas para a
extrao de superlucros tem sido o discurso e as estratgias para a retomada da
competitividade, o que s seria possvel a partir de uma queda dos custos dos fatores de
produo. Dentre estes, coloca-se em questo, o custo do trabalho em todos osquadrantes do mundo.
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Diante dessa questo, a resposta para a reduo de custos, por meio da flexibilizao
das relaes contratuais de trabalho, retirando-se o Estado da regulao destas relaes,
inclusive no que se refere questo de proteo social, com a reduo dos encargos
sociais.
Um pressuposto para a implementao de medidas de natureza claramente
regressiva para os trabalhadores seria imprimir derrotas polticas ao seu movimento
organizado (como Margareth Thatcher fez na Inglaterra). Dessa feita, tambm operam
estratgias depassivizaodos trabalhadores, com o objetivo de destruir sua identidade
de classe. Como exemplo, a situao de desemprego explicada pela ausncia de
qualificao dos trabalhadores e at por m vontade, inaptido ou preguia (Mattoso,
1999), fenmeno da responsabilizao dos trabalhadores pela crise e no por uma
condio estrutural do capitalismo no qual no h emprego para todos.
Para Mattoso, setores dos trabalhadores, pressionados por essa forma predatria dereestruturao, pelo crescente desemprego, pela precarizao das condies de trabalho,
tambm desfocaram sua ao e colocaram-se na defensiva.
Mattoso conclui que o projeto de flexibilizao do governo que viria a entrar em vigor
a partir de 1988, como resposta ao mais duro perodo de destruio de postos de trabalho
no aponta para a formalizao do emprego, mas para reduo dos custos de demisso,
j baixos no pas.
Mattoso denuncia uma elite domstica antinacional, cujas opes paralisaram e
desarticularam as possibilidades da economia brasileira, o que resultou no aprofundamento
do desemprego.
A Folha de So Paulo de 27/10/2001 trouxe uma reportagem no calor dos custos
sobre o projeto 5483/01, que altera o artigo 618 da CLT (Consolidao das Leis
Trabalhistas), prevendo que o negociado entre patres e trabalhadores passe a prevalecer
sobre o legislado, ou seja, a base mnima de direitos consolidada na CLT pode sernegociada e, portanto, no assegurada. Este projeto, proposto no final do governo FHC
um golpe fatal sobre os trabalhadores.
Est a, portanto, uma defesa contundente da flexibilizao como elemento da
reforma do Estado, no sentido de retirar entraves para a modernizao e a
competitividade da industria brasileira a partir do custo trabalho, bem como contribuir para
atrair investimentos estrangeiros produtivos para o pas, j que tal retirada implica a
diminuio dos encargos sobre as empresas.
O presidente da CUT, Joo Antnio Felcio, veio pblico manifestar-se a respeito
das propostas mais recentes de mudanas na CLT. Felcio sublinha que desde a adoo do
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real foram introduzidas modificaes amplas na legislao trabalhista, a exemplo de:
trabalho por tempo determinado;
suspenso temporria do contrato de trabalho;
flexibilizao do trabalho a tempo parcial;
banco de horas, dentre outras.
Ele conclui que houve uma queda da participao dos salrios em comparao com
os lucros, na renda nacional. Pelo exposto, Felcio conclui que fica evidente que a
desregulamentao do trabalho no o caminho para preservar o emprego e criar
condies de retomada do crescimento (Folha de So Paulo, 27/10/2001).
A carta de conjuntura da Fundao de Economia e Estatstica do Rio Grande do Suldestacou o problema do desemprego em novembro de 1999.
A frao dos empregos com carteira no total da ocupao caiu de 53,8% no segundo
trimestre de 1991 para 44,6% em setembro de 1999. Essa situao caracteriza tambm
desproteo do trabalho no pas, j que a informalidade significa o no acesso
previdncia, a no ser na condio da autonomia, o que significa uma contribuio alta para
os baixos salrios, de 20%.
Contudo, se o Estado se retira de determinadas funes com a flexibilizao, o
mesmo no parece ocorrer com a qualificao, via pela qual aposta-se no combate ao
desemprego, mas cuja eficcia os nmeros contestam com veemncia. No entanto, o
Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) possui um patrimnio acumulado de 30 bilhes de
reais (Amaral, 2001:41), maior que o da poltica de sade. Por esta via so financiados os
programas de qualificao e requalificao profissional, a exemplo do Plano Nacional de
Qualificao do Trabalhador (PLANFOR), que atingiu cerca de 12 milhes de trabalhadores
desde que foi implantado em 1995, segundo informaes de Ministrio do Trabalho, almdo seguro desemprego, ao qual os trabalhadores tm recorrido menos, o que revela o
acirramento da precariedade.
Amaral (2001) relaciona o investimento na qualificao como uma estratgia de
passivizao por meio do patrocnio do consenso, para assegurar a colaborao de
classes. No toa que a reao sindical s mudanas da CLT esteve aqum da
radicalidade requerida pela situao.
Segundo Mendona, diretor tcnico do DIEESE desde 19890, ningum contra
investir em requalificao profissional, mas isso no uma panacia (...) a requalificao
profissional tem que ser colocada em seu devido lugar. Ela modifica, na margem, a oferta
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de trabalho, mas no expande a demanda. No uma poltica ativa (In: Benjamim e Elias,
2000).
Os aspectos arrolados acima revelam um elemento cultural de fundo na sociedade
brasileira desde os tempos da escravido, apesar de tantos anos de assalariamento: o
desprezo pelos que vivem do trabalho.
2. As privatizaes e a relao com o capital estrangeiro
a desnacionalizao levou o Brasil de volta ao passado. Voltou a ser
uma republiqueta dependente. Ou colnia? (Aloysio Biondi, 2000:26).
A autora sublinha que as privatizaes foram e so uma estratgia decisiva
submisso do Brasil lgica mundial do capital; articulada as intervenes no plano fiscal,
favorecem segmentos determinados do capital nacional em forte articulao com a
especulao financeira internacional.
Gonalves (1999) constata que a participao do capital estrangeiro na produo
brasileira passou de 10% no incio dos anos 1990, para 15 a 18% na segunda metade da
dcada, destacando-se a sua orientao para servios de utilidade pblica.
Contudo, ao adotar esta poltica, o governo jogou o pas numa armadilha dramtica, j
que tais servios no somaram para o equilbrio do balano de pagamentos, especialmente
porque no so exportveis. Ao contrrio, a tendncia a de que as empresas de servios
privatizadas e desnacionalizadas passem a importar equipamentos e peas,
alimentando o desequilbrio na balana comercial e a vulnerabilidade aos choques externos.
Alm disso, considerando que parte da economia passa a ser controlada por no
residentes, o Estado Nacional perde sua margem de manobra na definio de polticas e
estratgias. Estes elementos delineiam um padro de interveno estatal pautado pela
atratividade e pela insero passiva no processo de mundializao, colocando o pas numa
trajetria de instabilidade e crise (1999:18).
O Brasil um pas cuja histria marcada por uma presena profunda do capital
internacional desde o perodo colonial. O investimento externo direto encontrou sempre um
ambiente propicio e liberal no pas, tornando-se o Brasil, em 1970, o 6 pas mais
desnacionalizado do mundo.
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Entre 1995 e 1998, houve cerca de 1500 processos de aquisio e fuso, com a
participao majoritria do capital estrangeiro em 59% deles, atingindo mais
profundamente os seguintes setores: minerao, material eletrnico, eltrico e de
comunicaes, autopeas e produtos alimentcios diversos, mas com destaque para os
laticnios, bancos, seguros, energia eltrica, supermercados e meios de comunicao.
Sobre as privatizaes, o governo brasileiro empreendeu um dos programas mais
ambiciosos do mundo; o mais destrutivo do mundo, considerando qualquer parmetro de
projeto nacional, poder-se-ia dizer tambm. Um programa que fez crescer a participao do
capital estrangeiro no conjunto das maiores empresas de 36% em 1997 para 42% em
1998. Ateno: num perodo de um ano!
Tal processo combinou-se fragilizao e at extino de segmentos da industria
nacional, e tambm a uma forte concentrao de capital no que se beneficiaram do
processo.
Paulani refere-se aos processos de privatizao como a dana dos capitais em sua
fecunda caracterizao da privatizao brasileira como uma reestruturao patrimonial de
grandes propores, na qual tem-se o fortalecimento de determinados grupos, a
desnacionalizao e o aumento do grau de concentrao e, portanto, do poder de
monoplio em quase todos os setores (1998:45).
Braga e Prates alertam que a privatizao e internacionalizao do sistema bancrioforam uma escolha e no uma inexorabilidade. Os autores lembram que os pases
desenvolvidos no permitiram tamanha participao estrangeira no setor bancrio.
3. A Condio da Seguridade Social Pblica no Brasil
Do ponto de vista da lgica do capitalismo contemporneo, a configurao de padres
universalistas e redistributivos de proteo social v-se fortemente tensionada:
pelas estratgias de extrao de superlucros, com a flexibilizao das relaes de
trabalho;
pela supercapitalizao com a privatizao explcita ou induzida de setores de
utilidade pblica, onde se incluem as tendncias de contrao dos encargos sociais e
previdencirios;
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e, especialmente, pelo desprezo burgus para com o pacto social dos anos de
crescimento, agora no contexto da estagnao, configurando um ambiente: ideolgico
individualista, consumista e hedonista ao extremo.
A poltica econmica produz mortos e feridos, e a poltica social uma frgilambulncia que vai recolhendo os mortos e feridos que a poltica econmica vai
continuamente produzindo (Kliksberg, 1995).
As possibilidades preventivas e at eventualmente redistributivas tornam-se mais
limitadas, prevalecendo o trinmio articulado do iderio neoliberal para as polticas sociais,
qual seja: a privatizao, a focalizao e a descentralizao, aqui compreendida como
mero repasse de responsabilidades para entes da federao ou para instituies privadas
e novas modalidades jurdico-institucionais correlatas, que configuram o setor pblico noestatal, componente fundamental do Programa de Publicizao.
O conjunto de direitos duramente conquistados no texto constitucional foram, de uma
maneira geral, submetidos lgica do ajuste fiscal, permanecendo mais uma vez uma
forte defasagem entre direito e realidade (Salama e Valier, 1997:110).
Assim, no h consumo coletivo ou direitos sociais, mas uma articulao entre assistencialismo
focalizado e mercado livre, este ltimo voltado para o cidado consumidor (Mota, 1995).
Behring cita Mota que afirma que a tendncia de privatizar os programas de
previdncia e sade e ampliar os programas assistenciais, em sincronia com as mudanas
no mundo do trabalho e com as propostas de redirecionamento da interveno social do
Estado (1995:122).
Os pobres e indigentes, transformados em dado bruto, lamentvel e inevitvel da
natureza pela fico regressiva do mercado auto regulvel (Teles, 1998:108). Tambm so
abordados por programas de combate pobreza emergenciais, residuais e temporrios,com o que terminam sendo ineficazes (Salama e Valier, 1997:116-8). Esta orientao
reforada pelas agncias multilaterais, a exemplo do Banco Mundial, que prevem redes de
segurana ou de proteo social para as vtimas do ajuste inevitvel, introduzindo , inclusive,
clusulas sociais nos acordos de emprstimos ao terceiro mundo, como fez o FMI com o
Brasil em 1999.
Um outro fenmeno chamado por Yasbek (1993) de refilantropizao da assistncia
(terceiro setor, voluntariado) revelador de um verdadeiro retrocesso histrico pois aspequenas solues ad hoc e do reinado do minimalismo esto levando a uma
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descentralizao destrutiva e ao reforo dos esquemas tradicionais de poder, como as
prticas de clientelismo e favor.
Segundo Telles, o PCS (Programa Comunidade Solidria governo FHC) contribui
para a desintegrao do padro de seguridade, preparando o terreno para uma redefinio
conservadora dos programas sociais, de perfil seletivo e focalizado, e dissociado das
instncias democrticas de participao.
Por dentro do PCS espao privilegiado de formulao do discurso do terceiro setor,
e da legislao que consolida o PDRE-MARE, acerca do chamado setor pblico no estatal
e sob o impulso do discurso edificante da solidariedade e da parceria com a sociedade
civil, impe-se uma redefinio conservadora da relao Estado-sociedade.
Na sade, avanou a discusso e montagem da agncia executiva (ANS Agncia
Nacional de Sade) e a transformao das unidades em organizaes sociais, em quepesem as crticas do grupo de trabalho (GT) criado pelo Conselho Nacional de Sade para
analisar a proposta do Governo Federal.
Outra crtica quanto a autonomia para fazer compras sem licitao e para definir
planos de cargos; isso geraria riscos para a moralidade administrativa, num pas que est
longe de superar prticas patrimonialistas e clientelistas.
Do ponto de vista do usurio, pode haver segmentao dos mesmos, j que as
instituies podem acelerar convnios com os planos privados, criando dificuldades para a
implementao dos princpios constitucionais da universalizao, da integralidade e da
equidade.
Na assistncia vale frisar, a assistncia no existe como poltica pblica de
seguridade no PDRE-MARE. Aos termos de parceria (OSCIP) e contratos de gesto (OS),
a reforma atropela o Conselho Nacional de Assistncia social (CNAS) ao propor o
credenciamento daquelas entidades privadas com fins pblicos (terceiro setor) no Ministrio
da Justia, o que facilitaria e desburocratizaria o processo.
A previdncia social Uma nova dinmica institucional/tecnocrtica extinguiu projetos
encaminhados anteriormente, a exemplo dos que eram conduzidos pelo Servio Social, e
criou novos, como o Programa de Estabilidade Social, mais uma vez de cunho fiscal, ou
seja, com o objetivo de atrair os trabalhadores autnomos, no sentido de ampliar a base
contributiva da previdncia.
Ou seja, o que se altera a modalidade de resposta questo social, agora ajustadaaos imperativos da dinmica passiva de insero econmica no capitalismo
contemporneo, mas a partir de vetores culturais e polticos marcantes na histria brasileira.
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1. Os Direitos Sociais: perda ou restrio?
A Reforma da Previdncia social foi e , considerando que em alguns aspectos para o projetoneoliberal, permanece inconclusa.
Atravs da MP (Medida provisria) 1729 de 3/12/98 e de uma legislao
complementar ampla, que culmina na lei 9876 de 26/11/99 (mais conhecida como Lei do
Fator previdencirio). Em todo o processo prevaleceu a lgica fiscal e os argumentos
demogrfico as perspectivas de envelhecimento da populao e seu impacto sobre a
previdncia combinados ao impulso previdncia complementar, consolidando a
dualidade entre uma previdncia pobre para os pobres, aqui contribuintes, e uma
previdncia complementar para os que podem pagar.
Criou-se uma espcie de prmio pela permanncia no mercado de trabalho, com a
aplicao do fator previdencirio, numa espcie de revanche tecnocrtica contra a derrota
que o governo sofreu na questo da idade mnima. Isso implica conseqncias para a
conformao do mercado de trabalho, pois agrava a dificuldade de absoro de novas
pessoas no mercado de trabalho, numa conjuntura de emprego escasso.
Prata chama a ateno para o fato de que aqueles que contriburam durante anos paraa previdncia e deixaram de faz-lo, porque foram empurrados para a informalidade ou o
desemprego, encontram-se sem nenhuma cobertura, at porque o direito ao benefcio
assistencial tem critrios de acesso muito restritivos associados capacidade para o
trabalho e a segmentos especficos. Antes da reforma, estes cidados e seus
dependentes possuam alguns direitos, que foram cancelados.
Em relao assistncia, vale lembrar que a LOAS j nasceu sob o taco do ajuste
fiscal, cuja maior expresso foi a definio do corte de renda de do salrio mnimo percapita de uma famlia inteira, para um portador de deficincia ou idoso com mais de 70
anos, pertencente a esta famlia, fazer valer seu direito de acesso ao BPC.
No campo de sade, o conceito de universalizao excludente confirma-se por meio
da dualizao: um sistema pobre para os pobres e um padro de qualidade maior para os
que podem pagar pelos servios mais corriqueiros. A privatizao induzida nesta poltica,
por meio de estmulo aos planos de sade e aos convnios, tende a torn-la um problema
de direito de consumidor e no um problema de direito social para parcela significativa dosbrasileiros.
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A partir dos elementos levantados acerca da relao entre financiamento da
seguridade social e ajuste fiscal, possvel concluir que existe uma forte capacidade
extrativa do Estado Brasileiro, porm que no est voltada para uma interveno
estruturante e para os investimentos sociais, mas para alimentar a elite rentista financeira.
Numa direo, os investimentos sociais no so, evidentemente, as causas da crise,
como insistiam em afirmar os discursos neoliberais mais dogmtico. O dficit pblico no
est localizado neles, embora, como se viu, tenham sido construdas uma cortina de fumaa
ideolgica e algumas artimanhas para forjar e justificar este argumento.
O que existiu ao longo desses ltimos anos, na verdade, foi um crescimento vegetativo e insuficiente
do investimento do Estado em polticas pblicas fundamentais com o que o governo procurou assentar
seu compromisso com o social enquanto a crise fiscal aprofundada por custos com um setor
parasitrio.
A sociedade tem dado recursos para alm da sua capacidade, sobretudo os
trabalhadores, j que o sistema tributrio brasileiro est especialmente fundado no
consumo.
Enquanto isso, a direo de sua aplicao pelo governo foi geradora do mais
profundo dficit pblico vivido pelo Brasil em toda a sua histria.
1Populismo econmico, numa definio sumria, caracterizar-se-ia por polticas macroeconmicas naAmrica Latina que mantm o ativismo do Estado no desenvolvimento, bem como acenam para aredistribuio de renda no curto prazo, mas sem sustentao no longo prazo, a exemplo do Plano Cruzado.