boris kossoy fotografia e memória 1

Upload: felipe-cordeiro

Post on 06-Jul-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/17/2019 Boris Kossoy Fotografia e Memória 1

    1/8

    ETIENNESAMAINORGANIZADOR 

    O fotográfico

    EDITORA HUCITEC

    CNPq

    São Paulo, 1998

  • 8/17/2019 Boris Kossoy Fotografia e Memória 1

    2/8

    Fotografia e memória:reconstituição por meio da fotografia*

    BorisKossoy••

    Resumo

    de a velhaquestsocomoa se

    a este arttgooutro caminho: pensar as ditervntese

    que afotos•rattacomporta. Ao passar de

    teatidadea outra. restamalgumas lacunas a

    do htstonador que trabalhacom imagens. mas om

    et" mevitavclmentese

    imaginario Ou a fotografiauma nca tonte de  para a

    do passado. tantoquanto materia para 0NistruçSo

    na interprvtaçao datotogtattca.

    Abstract

    Rather than gouvginto the classicalquestion on how phote,sraphyinterrelatesWith reality.this articletakesan alternativerouteand

    on theditfervnt andcono•mitant reatitics that photographyenvelops In going fromone reality to another wittiin thematms of photography. a numtx•r of gaps arv The filttng inot these gaps is not only a task dealtWith by an historian Whoworks Withimages. but also reprvscnts awhich inevitablyestablishesa

    rvlattonshipWiththeimaginary lnOtherwords. photography tsa richsource Otinformationwhen oneattetnpts to the post. as

    as a usefulmatenatin ttwcrvattonof thcseelementsc«mst in tlw•of photographie mages.

    Résumé

    Au lieu d'insister sur la vieillequestionde savoir commentlaentre en avec la

    réalité.cet articlesuggère un autre parcours vx•nserles différvntesctCX'ncomitantesréalités qu'ellerecouvre. En d'une réalité dela photographie une autre.subsistent quelques lacunes. Les

     Ñmbler est la tache de l'historien quitravaille av•vx-des images. maisrepr«cnte aussi un processus 00.inévitablement.s'établissent desrelationsavecI'tmagtn.mr•Ou si l'on

    veut. la photographte est une sourceriche d'informatteuxsquand il s'agitde reconstituer te pasé. mats encoreune matière qui partictpede la

    de fictions I.Xmsl'Interprétationd'une image

     photographique. deux facettes

    • Stntesede realitada pelo autot no Musco Naoonal de BellasArtesde Aires, de e publtcadaem Fotontundo.Aires

    hestonado.re autorde entretSXVa Paulo. 19SO; elist•ru. PauloAticx

  • 8/17/2019 Boris Kossoy Fotografia e Memória 1

    3/8

    imagem fotográfica tem múltiplas faces e realidades. A primeira é a maisevidente, visível. É exatamente o que está ali, imóvel no documento (ounaimagem petrificada do espelho), na aparência do referente, isto é, suarea.lidadcexterior,o testemunho, o conteúdo da imagem fotográfica (passívelde identificação),a segundarealidade,enfim.

    As demais facessão as que 1150 podemos ver, permanecem ocultas,invisí.veis, não se explicitam, mas que podemos intuir; é o outro lado do espelho

    e do documento; não mais a aparência imóvel ou a existência constatadamas também, e sobretudo, a vidadas situaçOes e dos homens retratados,desaparecidos, a história do tema e da génese da imagem no espaçoe notempo, a realidadeinterior da imagem: a primeira realidade.

    Quando apreciamos determinadas fotografias nos vemos, quase sem per-ceber, mergulhando no seu conteúdo e imaginando a trama dos fatose ascircunstânciasque envolveram o assunto ou a própria representação(odocumento fotográfico)no contexto em que foi produzido: trata-se deumexercício mental de reconstitutçâo quase que intuitivo.

    Fotografia é Memória e com ela se confunde. O estatuto de recorteespa-cial-interrupçäo temporal da fotografia se vê rompido na mente do recep-tor em função da visibilidade e "verismo" dos conteúdos fotográficos.Areconstituiçãohistórica de um tema dado, assim como a observaçãodoindivíduo rememorando, através dos álbuns, suas próprias históriasdevida, constitui-se num fascinante exercício intelectual pelo qual podemosdetectar em que medida a realidade anda próxima da ficção.

    Veremosque a reconstituição — quer seja ela dirigida à investigaçãohis-tórica ou à mera recordação pessoal — sempre implicará um processodecriaçãodc realidades, posto que elaborada por meio das imagens mentalSdos próprios receptores envolvidos.

    Memória histórica: recuperação da cena passadaTodos sabemos que Imagens fotográficas de outras épocas, na medidaemque, identificadase analisadas objetiva e sistematicamente com baseemmetodologias adequadas, se constituirão em fontes insubstituíveis  paraa

    reconstituição histórjca dos cenários, das memórias de vida (individuaise

    coletivas), de fatos do passado centenário, assim como do mais recente.

    A reconstituição por meio da fotografia não se esgota na competente análi-

    se iconográfica. Estaé apenas a tarefa primeira do historiador que seutiliza

    das fontes plásticas.Areconstituiçãode um tema determinado do passa-do, por meio da fotografiaou de um conjunto de fotografias, requer

    uma42

  • 8/17/2019 Boris Kossoy Fotografia e Memória 1

    4/8

    fotografia e memória: reconstituiçao por meio da fotografia 43

    sucessãode construções imaginárias. O contexto particular que resultouna materialização da fotografia, a história do momento daqueles persona-gens que vemos representados, o pensamento embutido em cada um dosfragmentos fotográficos, enfim, a vida do modelo referente —sua realida-detntertor — é, todavia, invisível ao sistema óptico da câmara. Não deixamarcas na chapa fotossensível, não pode ser

    revelada pela química foto-gráfica,nem tampouco digitalizada peloscanner.Apenas imaginada.E necessário admitirmos que a imagem fotográfica pode prestar-se autilizações interesseiras  — o que não é nenhuma novidade — justamen-te em função de sua pretensa credibilidade como registro visual "neu-tro" dos fatos.Sempre houve um condicionamentoquanto à "certezade a fotografia ser uma prova irrefutável de verdade.Existeum consenso generalizado acercado mito de que a fotografia éuma espécie de "sinónimo" da realidade. O rastro indicial gravado nafoto possibilita, certamente, a objetiva constatação da existência do assun-to: o "isto aconteceu",uma vez que a "foto leva

    sempre seu referenteconsigo", como assinalou Barthes.Aqui, entretanto, nos situamos aindano ponto de partida.

    Sñoconstantes os equívocos conceituais que se comete na medida em quenão se percebe que a fotografiaé uma representaçãoelaboradacultural/estética/tecnicamente,e que o índice e o ícone, Inerentes ao registro fotográ-fico —embora diretamente ligados ao referente no contexto da realidade

     — não podem ser compreendidos isoladamente, ou seja, desvinculadosdo processo de construção da representação.

    Esta incursão hermenêutica, multidisciplinar, passa justamente peladesmontagem" do processode construçãoque teve o fotógrafo ao elaborar 

    uma foto, pelo eventual uso ou aplicação que esta imagem teve por ter-ceirose, finalmente, pelas "leituras" que dela fazem os receptores ao lon-go do tempo. Nessas várias etapas da trajetória da imagem, ela foiobjetode uma sucessão de construções mentais interpretativas por parte dosreceptores, os quais lhe atribuíram determinadossignificados,conformea ideologia de cada momento.

    Serásomente através da sensibilidade, do constante esforço de compre-ensâodos documentos e do conhecimento multidisciplinardo momentohistórico fragmentariamente retratado que poderemos ultrapassar o pla-no Iconográfico:o outro lado da imagem,além do registro fotográfico.

    Poderemos quiçá decifrar olhares e gestos, compreender o entorno, deci-frar o ausente. Na tentativa de "descongelarmos"o documento podere-mos, talvez, devolver aos cenários e personagens sua anima, atnda queseja por um instante. Poderemos, por fim, intuir sobre seus significadosocultos.O imaterial, que afinal é o que dá sentido à vida que se buscaresgatare compreender, pertence ao domínio da imaginaçãoe dos sen-hmentos. É a nossa imaginação e conhecimento operando na tarefa dereconstituição daquilo que foi.Situamo-nos, finalmente, além do registro,além do documental, no nível iconológico:o iconográficocarregado desentido.É este o ponto de chegada.

    A mais importante e decisivacontribuiçãoreside justamente na interpre-

    taçño,numa exegese peculiar,numa iconologiacomplexa que as imagensrequerem. É este um desafio intelectual que exige um mergulho no co-

  • 8/17/2019 Boris Kossoy Fotografia e Memória 1

    5/8

    tioris

    nhecimento——da realidade própria do tema registrado na imagem, assimcomo em relaçåo realidade que lhe circunscreveu no tempo e no espaço,na tentativo de equacionarmos inúmeros elos perdidos da cadeia de fatos.Será no oculto da imagem fotográfica, nos otos e circunstâncias sua voltana própria forma como foi empregada que, talvez, poderemos encontrar a senha para decifrar seu significado. Resgatandoo ausente da imagemcom. precndemos o sentido aparente, sua face visível.

    Quem trabalha com a reconstituiçåo histórica  por meio da fotografia deve buscar recuperar os mecanismos internos que regeram a produçaodas ima.gcns que såo objeto de seu estudo. De outra  parte, ele, historiador, comosujeito da interpretaçao, nio escapa aos mecanismos internos que regemarecepç/lodas imagens, posto que é, também, um receptor. Em funçaodisso,sua interpretaçåo é elaborada em conformidade com seu repertório cultu-ral, seus conhecimentos, suas concepçöes ideológicas/cstéticas, suascon-vicçöes morais, éticas, religiosas, seus interesses  pessoais,  profissionais,seus  preconceitos, seus mitos. Nâo existem,  por  princípio, interpretaçöesneutras".

    Centraremos a análise, agora, no homem como receptor/ intérpretedasimagens que documentam sua própria história, bem como no papeldafotografia como objeto simbólico da memória  pessoal dos  personagetvsanónimos da história.

    Memória fotográfica: rememoração por meio de imagens-relicárioO conceito de fotografiae sua imediata associação à idéia de realidade

    tornaram-se tio fortementearraigados que, no senso comum, existeumcondicionamento implícito de ser a fotografia um substituto imaginário doreal. Um substituto  portátil que  pode ser transportado através do espaçoedo tempo. Talcondicionamento é ainda mais reforçado na medida emquenós mesmos somos  personagens da experiência fotográfica,  porque todosnós guardamos fotos de nossas experiências de vida: imagens-relicárioque

     preservam cristalizadas nossas memórias.

    A fotografia funciona em nossas mentes como uma espécie de passado preservado, lembrança imutável de um certo momento e situação, de umacerta luz, de um determinadotema, absolutamente congeladocontraamarcha do tempo.

    Certas imagens carregam cm si forte conteúdo simbólico, como algumasde nossas próprias fotos pessoais ou familiares. Quando nos vemos atra-

    vés dos velhos retratos nos álbuns temos a constataçao concreta de queo

    tempo  passou; a fotografia é este espelho diabólico que nos acena do passado.

    Toda fotografia que apreciamos se refetv ao passado. Mesmo as quetira•

    mos, ou as que tiraram de nós, no último fim de semana, Quando faloem

     passado, quero dizer que o momento vivido é irreversível e que as situa-

    çöes, sensações e emoçöes que vivemos estao registradas no nossoíntimo

    sob a forma de impressöes. Essas impressöes, com o passar dotempo se

    tornam etéreas, nubladas, longínquas. Se tornam fugidias com oenfra-

    quecimcnto de nossa memória; desaparecem,  por fim, com o nosso desa- parecimento físico.

  • 8/17/2019 Boris Kossoy Fotografia e Memória 1

    6/8

    e  por meso 45

    A fotografia, obviamente, nao guarda essas impressOes — elas se situamno nivel do invisível, além da imagem. SsioemoçOes que n.io podem ser gravadas materialmente: residem em nosso ser e só a nós pertencem. Sioemoçöes que nio apenas sentimos, mas que também imaginamos, sonha-mos e, portanto, vemos. Imagens que revelamos a poucas pessoas ou aninguém; imagens comprometedoras.

    Imagens que a fotografia nåo reve-lará Jamais.

    Mas o que a fotografia revela? Apenas o mundo físico, visível na sua ex-teriondade. Apenas a aparência, o aparente das coisas. da natureza. das pessoas. E ainda mais, apenas o determinado detalhe da vida que se pretendeu mostrar.

    Os homens colecionam esses inúmeros  pedaços congelados do passadoem forma de imagens  para que  possam recordar, a qualquer momento.trechos de suas traletórias ao longo da vida. Apreciando essas imagens,"descongelam" momentaneamente seus conteúdos e contam a si mesmose aos mais  próximos suas

    histórias de vida. Acrescentando. omitindo oualterando fatos e circunstâncias que advêm de cada foto, o retratado ouretratista têm sempre, na imagem única ou no conjunto das imagenscolecionadas.o "start" da lembrança,da recordaçao. ponto de partida,enfim, da narrativa dos fatos e emoçöes.

    O aparente da vida registrado na imagem fotográfica, pode assim. dequando em quando, deixar de ser unicamente a referência e reassumir asua condiçaoanterior deexistência.O principto de uma viagem no tempo emque a história  particular de cada um é restaurada e revividana solid50 damente e dos sentimentos. Sio em geral viagens de curta durassioe demarcada emoção; muitas vezes, nos flagramos nessas viagens imaginá-

    nas. A representaçäo fotográfica. em meio a uma série de outros obietossimbólicos, que para os outros podem nio ter nenhum significado, consti-tui-se. pois, no ponto de partida. Nossas mentes se incumbem do restan-te dessas viagens para dentro de nós mesmos.

    lá para outros receptores a representaç,iofotográfica pode ultrapassar ainda majs esse caráter simbólico, aiettvo, que mantemos em relaçäo adeterminadas imagens. Quero referir-me aos que sentem o assunto re-gtstrado na foto como, de súbito, incorporadoà sua própria imagem. Es-tariamos diante de uma dimensao desconhecidafinalmente alcançada.Uma espécie de alucinaçâo na qual a foto adquire vida: a representaçào,

    agora, se vê substituida  pela ilusao de presença.

    Memória da fotografia: trajetória e morte do documento

    As fotografias, em geral. sobrevivem após o desaparecimentofísico doreferente que as originou: sao os elos documentais e afetivos que perpe-

    tuam a memória. A cena gravada na imagem nao se repetirá jamais. O

    momento vivido, congelado  pelo registro fotográfico, é irreversível. Os

     personagens retratados e morrem, os cenários se modificam,

    se transfiguram e também desaparecem.O mesmoocorre com os auto-

    res-fotógrafos e seus equipamentos.De todo o processo, somente a foto-

    grafia sobrevive... Os assuntos nela registrados atravessaram os tempœse

    sio hoje vistos por olhos estranhos, em lugares desconhecidos: natureza,

  • 8/17/2019 Boris Kossoy Fotografia e Memória 1

    7/8

    46BonsKosso

    objetos,sombras, raios de luz, expressöes humanas, por vezes criançash0)e mais que centenárias, que se mantiveram crianças.

    Desaparecida esta segundarealidade — sela por ato voluntário ou involun-tório — aquelas personagens morrem pela segunda vez. O visível fotográ-fico ali registrado desmaterializa-se. O ciclo da lembrança e da recordaçãoé interrompido. Extingue-se o documento e a memória.

    Processos de construção de realidades

    O processo de construção do signo fotograficoimplica necessariamenteacriação documental de uma realidade concreta. Trata-se, entretanto, da rea-lidade da representação que, não raro, conflita com a realidade material,obyetiva, passada. Do ponto de vista do receptor, há um confronto entreodocumento presente (originadono passado) com o próprio passadoina-tingível fisicamente,apenas mentalmente, subjehvamente.

    É o confronto entre a realidade que se vê: a segunda realidade(a queseinscreve no documento, a representação) — através de nossos filtroscul-turals, estético/ ideológicos —e a realidade que se imagina: a primeirarealidade(a do fato passado),recuperado apenas fragmentariamente por referênctas (plenade hiatos)ou pelas lembranças pessoats (emocionais).Há, pois, uma tensão perpétuaque se estabelece no espírito do receptor em função de suas imagensmentais.

    A realidade passada fixa, imutável, irreversível;refere-se à realidadedoassunto no seu contexto espacial e temporal, assim como à da produçãodarepresentação. E este o contexto da vida: primeira realidade.A fotografia,isto é, o registro criativo daquele assunto, corresponde à segunda realidade,a

    do documento. A realidade nele registrada tambéméfixa e imutável, porémsu)eita a múltiplas interpretaçöes.

    Em ambas as etapas, seja na elaboração da imagem, quando do momentode sua concepçâo/construçäo/matertalizaçáo  pelo fotógrafo diantedeseutema, seja durante a trajetória dessa mesma imagem ao longo do tempoe

    do espaço, quando apreciada, interpretada e sentida pelos diferentesre-ceptores, não importando qual sela o ob)etoda representação ou qualseja o vínculo que possa eventualmente existir entre o receptor e essa

    representação —haverá sempre um complexo e fascinante processodecria-

    ção/const ruçao de realidades.

    Aí reside, possivelmente, o ponto nodal da expressão fotográfica.Senaesta, enfim, a realidadedafotografia, uma realidade moldável em sua produ-

    çäo, fluída em sua recepção, plena de verdades explícitas (análogas,sua

    realidadeexterior)c de segredos implícitos (sua história  particular, sua

    dade intertor), documental, porém tmagtnária. Tratamos,  pois, de umaexpres-

    são peculiar que, por possibilitar inúmeras representaçöes/interpretaçÖCS'realimenta o Imaginárionum processo sucessivo e Interminávelde

    cons-

    truçâo e criaçãode novas realidades.

    Realidade e ficçãona trama fotográficaDas múltlplas faces da imagem fotográfica apenas uma é explícita'a

    Iconográfica,numesc de uma pretensa realidade, ou a realidadeda

  • 8/17/2019 Boris Kossoy Fotografia e Memória 1

    8/8

    e  por  47

    gem como tal, isto é, sua 'validadeexterior. o 'Oferente e a represen•taçao existe um labirinto cujo mapa se perdeu no passado: desapareceucom o próprio desaparecimento físicodo iotógrofo,o criador repre•sen taçao.

    A fantasia mental desloco o tval em conformidade com visio dedo do autor da representaçao e do observador que o interpreto segundoseu repertóriocultural particulatiO que é mal paro uns é poro ficçöo para outrcvs.A ficçåo pode entao substituir o mal, tenotoo documentofotográfico como prova "convincente", como constataçao definitivo delegitimaçaode todo um ideário: a mensagemsimbólica,emblemóticode um real a ser alcançado, cobiçado ou destruído, As imagenstécnicastornam as mentais reais.

    As fantasias da imaginaçao individual e CIOimaginário coletivoadqui-rem contornos nítidos e formas concretas por meio do chamado teste•munho fotográfico. Se, por um lado, o signo é produto de uma constru-

    çöo/invençao,  por outro, a interpretaçåo, nio raro, desliza entre a rea•lidade e a ficçöo. Tratam-se,como já vimos, de processos'l/' construo/)de realidades, processos esses que, desde sempre, existiram, Naioé difícilimaginarmos em que medida tais processosse tevelarao no futuro.

    É justamente em virtude da credibilidade que se atribui ao documentofotográfico —como espelho fieldos fatosda históriacotidiana —que, um

    dia, quem sabe, poder-se-á dar margem criaçaode um passadoque

     jamais existiu. Um passado sem referentes reais, fisicamente concretos.

    Um passado,  portanto, sem uma primetrarealidade:a da vida; um tempo

    e um espaço concebido com base em referentesfotográficosimaginários,

     bidimensionais ou eletrônicos,  porém iconograficamente possíveis. Por 

    que n,io? Uma história construída com base no documento fotográficoficcional, porém na escala real; representaçöes de representaçOes,É

    a vin•

    gança da representaçño contra o referente que a originou: é arealidade

    gerada em laboratórios de computaçao gráfica. Uma realidadesintética,

    sem substância,  porém tornada verdadeira, posto quevisível fotografi-

    camen te.

    E o documento  por fim alçado à condiçöo derealidade, ponto de parti-

    da para o conhecimento de um mundo sem rosto,de uma realidade que

     jamais ocorreu. Refiro-me à multifragmentaçöodos documentos fotográ-

    ficosdos séculos XIXe XX,que poder,io originarinfinitas possibilidades

    de montagens de cenários,  personagense situaçöes ambientadas que ja-

    mais existiram, em funçao das ilimitadas condiçöes de manipulaçåo de

    imagens oferecidas  pela tecnologiadigital. Falamosde um mundo futuro

    de clones, replicantes e imagensdigitais. Falamosdc um futuro sem pas-

    sado histórico, ou melhor, com um passado de informaçõesartificiais,

    sintéticas, construídas c armazenadascm discos ópticos, em bancos dc

    imagens e dados  plenamente acessíveisaos pesquisadoresdesse mo-

    mento futuro.

    Falamos finalmente de um porvircontrolado pelo império da informa-

    00 dirigida e das emoçöcs contidas.DCrealidades virtuais c memórias

    !"#$%&'%(%)*

    A realidade assim como a ficçöotem múltiplas facetase infinitas ima-

    gens.