Bioprospeco no Brasil: abordagens alternativas para fabricao de medicamentos autctones Por Antonio Jos Lapa* Seo de Produtos Naturais Departamento de Farmacologia Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de So Paulo, Brasil In: http://www.universiabrasil.net/nextwave/ver_materia.jsp?materia=86&subcanal=13 Para descobrir medicamentos, para impulsionar a cincia, para preservar a natureza, para fortalecer a concorrncia industrial, para fortalecer programas educacionais acadmicos, para melhorar o sistema de sade, para corrigir o mau uso, e para nutrir interaes positivas com a populao indgena: estes tm sido os objetivos dos programas brasileiros de medicina autctone nos ltimos 20 anos. O potencial para pesquisa em medicina autctone no Brasil incomparvel por vrios motivos:

Biodiversidade exuberante: cinco ecossistemas distintos sob presso contnua: a selva amaznica, o interior do Pantanal peridicamente alagado, o rido mas no entanto o colorido e folclrico nordeste, a Floresta Atlntica temperada e o Cerrado Central. O Brasil um dos poucos pases no mundo que possui extremas regies inexploradas. Informao popular: a rica cultura cabocla, uma mistura do conhecimento da populao nativa litornea sobre o ecossistema do pas, com forte influncia de portugueses, franceses, holandeses e africanos no nordeste, e alemes, italianos, japoneses e de outros povos no Sul. Apoio social: a crescente conscientizao, especialmente da juventude, do valor intrnseco da biodiversidade. Estes valores so aclamados mundialmente e apoiados por programas nacionais do governo, organizaes no governamentais e fundaes de pesquisa dedicadas avaliao e preservao racional dos recursos naturais. Motivao: a fora representada por 80 milhes de adolescentes e pr-adolescentes (48% de toda a populao) pressionando pela legislao sobre a biodiversidade. Valor econmico: a robusta indstria farmacutica nacional, as vigorosas vendas do setor farmacutico e a crescente concorrncia por novos clientes e novos mercados. Especialistas: o grande nmero de jovens ps-doutorados treinados no Brasil e no exterior. Regulamentao: as legislaes governamentais regem o intercmbio cientfico e restringem o acesso e intercmbio de recursos genticos, com isso a pesquisa em regime de cooperao incentivada entre os brasileiros e conta com cientistas estrangeiros convidados. Benefcios sociais: acima de tudo, a consciente motivao cientifica para desenvolver recursos medicinais autctones pode ajudar na ruptura das linhas tradicionais de pensamento e comportamento, promovendo uma distribuio justa do emprego, do lucro e dos benefcios sociais. No Brasil, remdios derivados de plantas foram amplamente usados para a cura at o fim da Segunda Guerra Mundial, quando estes foram gradativamente substitudos por compostos sintticos. Apesar de facilmente produzidos em escala e de terem a qualidade controlada por rpida anlise qumica, os sintticos tm l suas desvantagens. Ironicamente, estamos comeando a perceber que os remdios desenvolvidos atravs de tcnicas modernas no tm a devida diversidade estrutural qumica necessria inovao farmacolgica, enquanto que remdios obtidos de fontes naturais so com freqncia quimicamente singulares. H 20 anos, para reduzir a grande dependncia de produtos farmacuticos estrangeiros, o ministrio da Sade promoveu um grande programa nunca visto no Brasil para estimular a produo interna de medicamentos. O apoio produo de sintticos qumicos estimulou uma exploso de compostos similares. Simultaneamente, investimentos feitos em bioprospeco produziram poucos remdios, mas com benefcios duradouros. A bioprospeco utiliza as plantas medicinais comumente usadas para estudos farmacolgicos e qumicos. Em contrapartida, isso fomentou a pesquisa em duas reas: padronizao da planta para permitir seu uso in natura e legitimar sua eficcia medicinal e segurana. Ambas as estratgias tm obtido xito. Infelizmente, a simples padronizao da produo e da colheita de plantas tem sido suficiente para que empresas locais e transnacionais aumentem o consumo de fitoterpicos no regulamentados a nveis nunca vistos antes. Mdicos, farmacuticos e menos ainda PhDs, ocupam apenas um pequeno nmero de cargos cientficos nestes grandes parques industriais. Felizmente a avaliao cientfica de plantas medicinais prosseguiu paralelamente. Embora vagarosos na produo de frmacos comerciveis, os programas de

avaliao tm sido muito eficientes na criao da necessria infra-estrutura para a pesquisa. Estudantes tiveram que ser treinados, padres nacionais tiveram que ser estabelecidos e os acadmicos tiveram que ser preparados para assumir as pesquisas pr-clnicas e clnicas de campo.

Bioprospeco no Brasil: de onde vem o dinheiro Atualmente, vrias agncias federais financiam cientistas acadmicos brasileiros e a indstria farmacutica no desenvolvimento de novos remdios: Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) - Financia projetos individuais para os cientistas interessados em realizar experincias necessrias com remdios fitoteraputicos j no mercado, para que sejam aprovados segundo os requerimentos legais de eficcia e segurana. Ministrio da Cincia e Tecnologia - Promove parcerias entre indstrias e universidades para a melhoria da cincia e tecnologia em vrias reas, incluindo biodiversidade. Bioamazonia - A Sociedade Brasileira para o Desenvolvimento Sustentvel da Biodiversidade da Amaznia um programa nacional de pesquisa que patrocina a pesquisa sobre a floresta tropical. FAPESP - A Fundao de Pesquisa de So Paulo patrocina projetos individuais e de grupos em muitas reas. Um programa especial, BIOTA-FAPESP, financia investigaes sobre as fontes de biodiversidade do estado, principalmente da floresta Atlntica.

Algumas faculdades de farmcia adicionaram o ensino do desenvolvimento de frmacos naturais em seu currculo principal. As faculdades de medicina tm resistido a introduzir um currculo especfico em fitoterapia, preferindo esperar por mais dados sobre sua eficcia e segurana. Entretanto, de conhecimento geral na medicina clnica que remdios fitoteraputicos podem se equiparar ao tratamento convencional. Atualmente, a comunidade cientfica brasileira est dividida sobre qual a melhor estratgia para desenvolver novos medicamentos. A maioria dos projetos acadmicos de pesquisa exploram os recursos naturais da biodiversidade brasileira usando uma abordagem clssica baseada em padronizao biolgica e purificao qumica biodirecionada. Os cientistas conhecidos internacionalmente investem na descoberta aleatria de novas entidades teraputicas. A qumica combinatria, biotecnologia e high-throughput screening na classificao de molculas naturais so reas de especializao que jovens cientistas so encorajados a desenvolver atravs de colaboraes internacionais. Empresas internacionais investem pesado em testes clnicos locais de terceira fase, mas no investem em pesquisa bsica nas instalaes brasileiras. Isto tem um impacto negativo na sociedade local. Parcerias entre empresas estrangeiras e brasileiras, ou investimento inicial, o chamado seed money, em projetos acadmicos "secretos", so mencionados na mdia brasileira como tentativas de "pirataria internacional". Este importuno mal entendido tende a acabar medida em que as parcerias cientficas se tornem mais corriqueiras. Mais mudanas promissoras esto acontecendo. Por exemplo, as melhores empresas farmacuticas esto comeando a investir na legitimao de remdios derivados de plantas, em um esforo de obter os direitos de novos remdios e de concorrer com compostos convencionais importados, os quais tomam mais de 70% do mercado brasileiro. Em 1995, as empresas farmacuticas brasileiras foram legalmente obrigadas a documentar a eficcia farmacutica e a segurana, bem como antever a toxicologia dos remdios fitoterpicos da mesma forma como o fazem com qualquer outro produto farmacutico. A lei internacional de patentes que protege novas descobertas farmacuticas foi reconhecida internamente em 1997, pondo fim cpia e protegendo os investimentos em pesquisa. A combinao de avanos cientficos e a melhoria econmica obteve um forte impacto no mercado brasileiro de produtos farmacuticos, que cresceu 10 vezes nos ltimos 20 anos e atualmente o quinto no mundo, com vendas anuais de aproximadamente US$ 12 bilhes. A afirmao de que a pesquisa de medicamentos da floresta tropical tem um custo efetivo contrasta com a escassez do que chega ao mercado. quase impossvel prever o tipo de composto que se deve procurar, a espcie de planta que se deve recolher, ou qual ecossistema em especial explorar. Com uma probabilidade to

baixa de sucesso s mesmo com mgica pode-se encontrar a mina de ouro.Talvez devssemos questionar se a descoberta de novas entidades medicinais devem ser vistas como o benefcio mais importante da bioprospeco. *Antonio Jose Lapa professor de farmacologia da Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de So Paulo, em So Paulo, Brasil. Voc pode entrar em contato com ele no ajlapa.farm@infar.epm.br. Traduzido por Karen Shishiptorova