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ANTIGUIDADE E RELIGIÃO DAS ESTÁTUAS por ANTÓNIO PEREIRA DE FIGUEIREDO Deputado Ordinário da Real Meza Censoria, e Official de Línguas da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros A ELREY Senhor: Amore Principum constat inventum, ut Simulacris aeneis fides servaretur Imaginis; quatenus ventura progenies Auctorem videret, qui sibi Rempublicam multis beneficiis obligasset ( 1 ). Em todas as nações foi o amor ao príncipe, o que introduzio as estatuas. Em todas as idades forão as estatuas p destinctivo dos heróes. O amor não sofrendo por numa parte ver-se privado daquelle por quem vivia, e por quem se considerava feliz, e reconhecendo por outra parte, que sendo o príncipe de natureza mortal, era forçozo que elle algum dia lhe faltasse, este amor foi o que suggerio aos povos o admirável invento, de animar por beneficio da arte os mármores e os bronzes, e de perpetuar na massissa solidez de huns e outros a memória de Iumas acções, que pelo seu heroísmo merecião ser eternas. Em quanto imagens do príncipe, servião as estatuas de lenitivo da saudade; em quanto imagens do seo heroísmo, erão huns sensíveis a illustres argumentos, de que pela grandeza e sublimidade das acções se tinha extrahido o princepe da commum esfera dos mortaes, e elevado sobre toda a Natureza. Na primeira ; consideração erão (1) Cassiod. Lib. VIII. Epist. 2. — 389

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ANTIGUIDADE E RELIGIÃO DAS ESTÁTUAS

por

ANTÓNIO PEREIRA DE FIGUEIREDODeputado Ordinário da Real Meza Censoria, e Official de Línguas da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros

A ELREY

Senhor:

Amore Principum constat inventum, ut Simulacris aeneis fides servaretur Imaginis; quatenus ventura progenies Auctorem videret, qui sibi Rempublicam multis beneficiis obligasset (1).

Em todas as nações foi o amor ao príncipe, o que introduzio as estatuas. Em todas as idades forão as estatuas p destinctivo dos heróes. O amor não sofrendo por numa parte ver-se privado daquelle por quem vivia, e por quem se considerava feliz, e reconhecendo por outra parte, que sendo o príncipe de natureza mortal, era forçozo que elle algum dia lhe faltasse, este amor foi o que suggerio aos povos o admirável invento, de animar por beneficio da arte os mármores e os bronzes, e de perpetuar na massissa solidez de huns e outros a memória de Iumas acções, que pelo seu heroísmo merecião ser eternas. Em quanto imagens do príncipe, servião as estatuas de lenitivo da saudade; em quanto imagens do seo heroísmo, erão huns sensíveis a illustres argumentos, de que pela grandeza e sublimidade das acções se tinha extrahido o princepe da commum esfera dos mortaes, e elevado sobre toda a Natureza. Na primeira ; consideração erão

(1) Cassiod. Lib. VIII. Epist. 2.

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as estatuas do princepe o idolo do amor; na segunda erão o nume para os respeitos.

A Nação Portugueza, que ama a Vossa Magestade como Pay, e que o respeita como Nume, não podia deixar de seguir nesta parte o exemplo das nações civilisadas, nem omittir huma demons-tração, que longe de pugnar com a profissão do Christianismo, se conforma admiravelmente com. a religião mais pura e defecada.

He hum engano cuidar, que quando os gregos e romanos celebravão com. extraordinária pompa as apoiheóses e canoniza-ções dos seos princepes; quando sublima vão as suas estatuas sobre altares e colunas; quando esculpião no remate dos arcos triumfáes, e no plano das medalhas de ouro as suas effigies, levadas ao céo aos hombros de huma águia; quando lhes cingião as cabeças com o brilhante circulo ou coroa de rayos; quando a elle davão o tratamento de divos, e ás suas couzas o de diváes, he hum engano, digo cuidar que nestes cazos era a mente e sentido daquellas suas duas nações dar a entender, que tinhão por verdadeiros deoses os seos príncipes, ou por divinas as suas obras. Não erão tão destituídas da rasão huas nações em tudo o mais illuminadissimas, que no seo intimo se persuadissem ou quizessem persuadir, que erão verdadeiros deoses hum Alexandre, ou hum Antioco; ou que erão omnipotentes e immortaes attri-butos inseparáveis da divindade real hum Augusto, ou hum Trajano, quando a huns e outros vião ceder muitas vezes à força de seos inimigos, e sempre á da inexorável Parca.

O espirito pois daquellas honorificas e pompozas exteriori-dades, executadas antigamente na Grécia por hum Areópago, donde havia sahido a legislação e policia do Oriente; executadas em Roma por hum Senado, que veio a dar leys até aos mesmos christãos, era unicamente dar a conhecer os seos princepes, por huns homens de superior ordem, por huns homens heróes, não só pelo alto caracter da authoridade e magestade régia, com. que o Supremo Ente Increádo os distinguira entre todos os mortáes; mas tãobem e muito principalmente porque na grandeza dos benefícios conferidos á Republica, magnificência das obras com que ornarão e nobilitarão a Pátria, se tinhão assemilhado e appro-ximado mais do que todos os outros homens á Divindade, de que a omnipotência e beneficência são característicos adjunctos.

Vespasiano sentindo-se accometido da doença de que faleceo, disse com a sua natural graciosidade: segundo entendo, desta

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vez me fazem Deos: Ut puto, Deus fio (2). Plínio Maior, de quem se não pode duvidar, que foi hum doutíssimo expositor da theo-gonia gentílica, discorre deste modo. — «Ser Deos para hum mortal, he ajudar a esse mortal. Este he o caminho para huma gloria eterna. Por este foírão os heróes romanos. Por este vai prezentemente com celestiáes passos o maior príncipe que virão os séculos, Vespasiano Augusto, soccorrendo rigorosamente a extenuada Republica. Este foi o modo com que desde o principio costumarão os homens mostrar-se gratos aos seos bemfeitores: referil-los na classe dos numes (2a).

Que mais illustre e concludente demonstração se pôde dezejar, de que a divindade que aos seos princepes attribuião gregos e romanos; não era no seo mesmo conceito huma divindade real, mas symbólica? Não divindade verdadeira, mas similitudi-naria? Ser deos era mostrar-se pay da Pátria; era ser hum bem-feitor universal. Ter estatuas sobre altares e colunas, era elevar-se sobre todos os mais homens pelo heroísmo das emprezas e das façanhas. Remontar-se depois de morto até ás estrellas, era approximar-se aos deoses pelo que deixava feito. Ter cingida de rayos de ouro a cabeça, era desfructar a gloria pósthuma que o esperava.

Este sentimento explicou Horacio, quando disse (8):Palmaque nobilis Terrarum Dominos evehit ad Deos.Esta approximação explicou Manilio, quando considerando

assento próprio dos deoses os orbes celestes, collóca na Via Latea os heróes:

«Altius aetherei qua candet circulus orbis, Illa Deam sedes, haec illis próxima, divum gui virtude sua símiles vestigia Tangunt»

(2) Sueton. in Vespas, cap. 23.(2a) «Deus est mortali juvare mortalem, et haec ad aeternam gloriam via. Hac pro -

ceres iere Romani: hac numc coelesti passu cum liberis suis vadit maximus omnis aevi rector Vespasianus Augustus fessis rebus subveniens. Hic est vetustissimus referendi benemerentibus gratiam mos, ut tales numinibus adscribantur». Plin. Lib. II. cap. 5,4. «L'homme devient dieu pour l'hornme en le secourant; ce chemin est celui de la glorie éternelle. C'est dans cette voie qu'ont marche les héros de Rome; c'est donc cette voie que d'un pas divin marche maintenant avec ses fils de plus grand souverain de tous les ages, Vespasien, dont les mains soutiennent 1'empire affaissé. La plus ancienne coutume de rendre grâce à sés bienfaiteurs, c'est de les mettre au rang des dieux». (Trad. de Littré, vol. I p. 101).

(3) Horac. Lib. I. Od. I.

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. Huma e outra couza insinuou Pilo Hebreo, quando por peri-fraze do que os gregos chamavão apotheóse, disse que era conseguir alguém, honras heróicas iguaes ás aos deoses olympicos; isto he, ás que conseguirão os insignes luctadores da Grécia: Honores heróicos Diis Olympicis pares consegui (4). Tudo finalmente comprehendendeo Dião Cássio, quando para explicar a mente dos romanos no titulo de Augusto que derão a Octaviano, advertio que não fora outro, que dal-lo a conhecer por mais que homem, isto he, por hum heróe (5).

Neste sentido porém quem pôde duvidar, que sem offença da verdadeira religião se podem chamar divos e deoses os grandes princepes, os grandes heróes do Christianismo? O mesmo Deos dos deoses, o verdadeiro Deos que reconhecemos e adoramos por único, quando para fazer a Moysés respeitado e temido no Egypto deposita nelle o seo poder, diz que constitue a Moysés deos de Faraó (6). «E disse o Senhor a Moysés: Bis ahi te cons -tituí deus de Pharaó...».

«Dixitque Dominus ad Moysen:Ecce constitui te Deum Pharaonis»...O mesmo Deos dos deoses, quando na sua ley nos manda que

não detrahamos dos princepes, diz que não detrahamos dos deoses: Diis non detrahets, et principi populari tui non maledices (7).

«Não fallarás mal dos deuses nem. amaldiçoarás o principal do teu povo».

Esta he a razão porque ainda depois de introduzido por todo o Mundo o Christianismo, conservavão os imperadores romanos grande parte do ceremonial das apotheóses antigas, como couza indifferente na religião, e ao mesmo tempo indice da magestade, em que tinhão succedido aos césares gentios. Ainda nas medalhas de Constantino vemos a sua alma vestida de branco, levada ao céo por hum braço nu, que da nuvem a arrebata para cima com a letra do estilo: CONSECRATIO.

(4) Bernegger ao cap. X. do Panegir. do Plin. sobre a palavra Consecrandum.(5) AUGUSTUS quasi esset quid homine amplius, cognominatur est. Dião Cassio

L. III.(6) Constitui te Deum Phamonis. Exod. VII. 1.(7) Exod. XXII. 28.

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Ainda nas medalhas de Constantino, Constante e Theodosio Moço, vemos as suas cabeças coroadas de, brilhante circulo, que antes costumava cercar a dos outros césares. Ainda no código das leys romanas continuão os imperadores christãos a intitular divos os seos predecessores, numes as suas pessoas. Ainda con-tinuão em chamar divinas as .suas constituições, divinos os seos palácios. Ainda finalmente naquellas augustas assembléas da Igreja Catholica, a que chamáramos concilios ecuménicos, se não dedignão os mesmos Summos Pontificos e o corpo dos bispos, de chamar Sacras Divaes as encyclicas ou convocatórias dos imperadores (8).

No espirito de todos estes luminosos antecedentes, e com. os dous grandes objectos, de ter sempre a Vossa Magestade prezente até o fim dos séculos, e de transmittir á posteridade tardia a memória das magnificas obras, e dos insignes benefícios, com que Vossa Magestade tem engrandecido, illustrado, e abrilhantado toda a Nação: se mancommunarão uniformemente o Senado, o Povo de Lisboa, a Junta do Commercio, com huma lembrança e resolução digna de tão sabias e illustres corporações, a erigir-lhe e dedicar-lhe huma estatua equestre, que na sua grandeza e altura colossal puzesse nas nuvens o sublime merecimento de Vossa Magestade, que no vasto da sua mole exprimisse bem o immenso pezo da obrigação, em que Vossa Magestade nos póz, que no primor e elegância da sua forma constituísse per si mesma o mais claro e sensivel testemunho, de quanto no tempo de Vossa Magestade se adiantarão e aperfeiçoarão todas as nobres artes; a plástica nos modelos; a escultura nos grupos; a toreutica nos anaglyptos; a arquitectura na base; a fuloriana fiel expressão

(8) Arcadio e Honorio na Ley 15. C. De Excusation. Muner. — Nam et hoc a DIVUS Principibus imperatum est. — Valentiniano e Valente na Data da Ley 2. C. De Consort. ejusd. Lit. — DIVO loviano A. et Varroniano Cons. —

Anastasio na Ley 12. C. De Numerar. Actuar, etc. — Per hanc Divinam pragmaticam sanctionem decernimus.—Iustiniano na Ley 1. C. De Offic. Praef. Praetor. Afr. – Per hanc Divinam legem sancimus. — Theodosio na Ley 2. C. De Quibus Muner. — Sive ad Divinam nostram domum. — Theodosio e Valentiniano na Ley Única C. De Collegiatis, 1. — Nullo DIVINAE domus patrocínio. Theodosio, Arcadio, e Honorio na Ley 10. De Oper. Pub. — Suum nomen sine nostri Numinis mentione inscripserint. — Graciano, Valentiano, e Theodosio na Ley 9. C. De Curs. Publ. — Id dantum nostro Numini et tuae sedi sit reservandum. Confira-se o mais que vai notado no corpo desta obra cap. VI. sobre o titulo Divus.

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de todas as mais mínimas partes da Natureza e do ornato; a estática e maquinaria na conducção, erecção, e suspensão de hum tal colosso.

Asi mesmo tinha Vossa Magestade levantado já tantas estatuas, quantos os soberbos edifícios que construirá em Lisboa, e nas suas extensas adjacências. Porém eira necessário outra estatua, que debaixo de huma só inscrição desse a conhecer aos vindouros, todas as que Vossa Magestade erigia sem titulo. Era necessário informar a posteridade, de que tudo o que visse grande e sump-tuozo, fora obra de Vossa Magestade; para da hi tirar por con-clusão, que antes do seu felicíssimo e gloriosíssimo reynado tudo em Lisboa era pequeno e estreito. Pequenos antes os Tribunáes Régios, que agora por três lados fechão e terminão com hum magestozo prospecto a Real Praça do Commercio. Pequeno antes o Tribunal da Fé, que agora constitue todo o lado principal da outra grande Praça do Bócio. Pequenos antes o Arsenal e Alfân-dega, que agora formão do Poente e do Nascente dous centros immensos na Marinha. Pequena antes a Fundição, em que agora trabalhão muitos mil artífices. Pequenos antes o Hospital, que agora se experimenta incomprehensivel. Pequenos antes os arcos que agora competem com, os de Tito e de Septimio. Pequenos antes os palácios dos grandes senhores, que agora são excedidos pelas cazas dos inquilinos. Estreita antes toda a Cidade, que agora por toda a parte he espaçoza e patente. Estreitas antes as ruas, que agora podem admittir muitas carruagens emparelhadas. Estreita antes a Marinha, que agora se dilata a grandes passeios. Estreitas antes as estradas e caminhos, que agora podem, con -duzir firmemente nomerozos exércitos.

Quem fez tão magnificas e soberbas obras, preguntará a Pos-teridade ? E a estatua de Vossa Magestade responderá, que Vossa Magestade fora o author de todas. Que era Lisboa antes do magnânimo Rey D. Jozê? O que Roma antes de Augusto. Que fizérão em tantos séculos tantos outros Reys, a quem Lisboa servira tãobem de Corte ? O que em tempo do grande Rey D. Jozê foi necessário ou reformar, ou demolir. Grande Rey! Magnânimo Rey! Felices os vassallos, que tivestes a gloria de o conhecer, de o servir, de o adorar. Felices nós, que na sua estatua estamos vendo retratada ao vivo, não somente a magestoza configuração de seo corpo, mas tão bem a magnanimidade heróica do seo coração.

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Regio Menino Princepe da Beira, delicias e esperanças de todo o Portugal, olhai para essa estatua de vosso Augusto Avó, e dos frondozos louros que lhe cingem a cabeça, aprendei quanto mais formoza he a coroa que se merece, do que a que se herda. Olhai para a Magestade do Regio Vulto, e aprendei delle a fazervos respeitar até na vossa imagem. Olhai para esses frequentes e numerozos concursos de todas as ordens, de todas as idades, da Corte e das provincias, que continua e successivamente estão entrando na Praça a cortejar com as mais rendidas genuflexões e misuras o régio simulacro, e já desde agora forcejai por vir-des a ser tãobem algu dia o ídolo das nossas adorações, assim, como já o sois dos affectos. Passai daqui a observar a grandeza e sump-tuosidade de tantos e tão soberbos edifícios públicos, e já na vossa imaginação ide traçando, os que vosso grande Avó reserva para o vosso nome. Vede essa Marinha ornada de nobres cáes; essas praças regadas de primorozas fontes; esse terreiro atulhado de trigos; esses mercados bastecidos não só do necessário, mas tãobem do que só serve ao regalo e ás delicias; esses caminhos abertos o todo o custo, e costumai-vos com. este exemplo a prezar muito mais o titulo de Pay da Pátria, do que o de soberano delia.

Eu de mim, Senhor, confesso, que quando contemplo a estatua de Vossa Magestade, não sei facilmente definir, e muito menos explicar, em qual das duas considerações me parece ella mais Augusta: se na que nos reprezenta hum Rey magnânimo, que na grandeza das obras, se ostenta na Terra hum emulo da Divindade; se na que nos reprezenta hum pró visor sollicito, e hum conservador vivificante, que em. beneficio da republica tudo anima, tudo fomenta, tudo nutre, tudo aprompta. He certo com tudo e palpável a toda a intelligencia, que se na rasão de heróe pelas obras, he e será sempre Vossa Magestade para nós objecto dos respeitos; na rasão de Deus da Pátria o he e será sempre do amor e da ternura. Grande cousa he, e talvez a maior, que hum princepe na grandeza das obras pareça emular a mesma Força e Potência: a da Divindade. Mas ao mesmo tempo que cousa se pôde conceber na idea, que seja tão formoza e tão attractiva, como he emprender e concluir. Vossa Magestade tão grandes obras não para ostentação do seo poder e da sua força, mas unicamente pela utilidade da republica; não pelo que ellas contribuem para a sua gloria, mas pelo que tem de commodidade para, os vassallos.

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Levantar no Egipto obeliscos, que tocassem no Céo, foi loucura de Ramésses e de Sesostris. Fazer conduzir esses obeliscos do Egypto a Roma, foi vaidade de Augusto e de Cláudio. Escavar e romper o Monte Athos, para fazer, como explica Cicero, nave-gável a Terra, foi segunda loucura de Xerxes. Transferir para junto do Amfitheatro o colosso do Sol, que era de cento e vinte pés, foi segunda vaidade de Hadriano.

Vossa Magestade, se junto ao Corpo Sancto unio por meio de hum soberbo plano inclinado o Bairro Alto com o da Ribeira Nova; se por meio de huma sumptuoza rampa unio o monte da Divina Providencia com a Rua Formoza, foi para com huma descida fácil evitar ás carruagens e cavalgaduras o penozo cir-cuito de muitos e muitos estádios. Se junto á Boa Viagem arrasou e desentulhou num monte, que da parte da terra fazia impra-ticável toda a passagem; e se sobre grosso e profundos pegões sustentou outro, que se precipitava no Mar, foi para abrir por entre elles seguro caminho para as duas praças de S. Julião e de Cascáes. Se na enseada de Paço d’Arcos, a pezar de toda a resis-tência e braveza do Oceano, fundou dentro delle num molhe capacíssimo, que na largura e fortificação das muralhas excedesse as das grandes praças em terra, foi para nas occasiões de tem-poráes terem os grandes vãos, onde se recolher e amparar da fúria das aguas e dos ventos. Se entre as penedias interiores do Cabo da Rocca continuou huma com outras muitas pontes, e estendeo a muitas milhas firmes calçadas, foi para franquear ás duas villas de Cintra e de Colláres e mutuo commercio que os frequentes precipicios fazião summamente arriscado. Todas estas obras fez necessárias a utilidade pública, não a gloria de as fazer.

Por isso tãobem, quando ainda hoje em Roma se encontrão a cada passo nos seos pórticos, arcos, e colunas, as magnificas inscripções, que em recommendação das suas obras mandavão gravar os Augustos, os Claudios, os Vespasianos os Titos, os Antoninos, os Severos, de Vossa Magestade em Lisboa, sendo tanto e tão illustres os monumentos que existem, talvez não lerá a posteridade hum só titulo. Como todos esses monumentos dedicou Vossa Magestade ao bem dos vassallos, por este somente quiz se dessem a conhecer, que erão seos.

Ainda hoje se conservão nesses grandes museos da Europa innumeraveis medalhas de ouro e prata, em que o Senado e povo

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romano gratificou com elegantes symbolos e enérgicas epígrafes; qualquer obra pública ou beneficio commum dos seos princepes: as cidades restauradas; as praças abertas ou ornadas de novo; os caminhos munidos; as pontes sobre os rios; a fertilidade da agricultura; a abundância dos viveres; a providencia em sublevar necessidades de pessoas mizeraveis; o favor das Letras e das Artes; a segurança e paz da Republica; a firmeza e eternidade do império. Vossa Magestade tendo reedificado huma capital, que no numero dos habitantes iguala grandes províncias; tendo formado praças, que podem, competir com as de Augusto ou de Trajano; tendo aberto estradas, e calçado caminhos, a distancia de muitas legoas; tendo erigido sumptuozas pontes, fertilizado os campos; bastecido os celleiros e mercados públicos; liberali -zado doações até aos que as não pedem., nem, talvez esperão; depois de dar aos enfermos e meninos expostos hum hospital, que podia servir de habitação decente a grandes personagens; depois de ter animado todo o género de Litteratura como a fun-dação de vários collegios, museos, e bibliothecas; depois de ter segurado a tranquillidade publica mais com o respeito e boa morigeração do que com as armas; segurado a magestade do Throno e perpetuidade do seo governo, mais com a praxe de huma sublime politica, do que com o apparato de grandes exér-citos; nem porque estas obras se não eternizão todas no ouro e na prata das medalhas do Senado e Povo de Lisboa, deixa Vossa Magestade de continuar outras; nem a consideração de que podem esquecer os benefícios, lhe fazem encolher a Real Mão, ou pôr termo à sua inexhausta liberalidade.

Que bem comprehendeo o mesmo Senado e Povo de Lisboa este espirito e caracter da beneficência de Vossa Magestade! Que discretamente se soube accomodar a elle! Reconhecendo-se intimamente obrigado a levantar a Vossa Magestade mil esta -tuas, contentou-se coro, lhe dedicar só huma, porque sabia que ainda essa a não admittiria Vossa Magestade pelo que tinha de Sua, mas pelo que tinha de nossa — não como honra devida a hum heróe, mas como dedicada a hum Pay da Pátria. Reco-nhecendo que as gloriosas acções e estabelecimentos de Vossa Magestade merecião gravar-se muito por extenso em laminas de ouro, contentou-se de as reduzir em quatro regras a hum estreito plano de mármore. Porque sabia, que para a grande alma de Vossa Magestade o mesmo era louvarem-se os benefícios,

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que deixarem de o ser. Reconhecendo que as fundações de Vossa Magestade não erão objectos menos dignos de preciozos cunhos, do que o tinhão sido as dos antigos césares, porque hua só medalha fez publicar nos três metais mais preciozos, por que dezejando variar e multiplicar os cunhos pela natureza e numero das mesmas fundações, a aceitação e escolha de Vossa Magestade decidio, que para não pareceremos ingratos, bastava hum; para sermos completamente agradecidos, nenhuns bastavão. Preferio-se pois aquelle, que na reedificação da prostrada Lisboa reprezentasse ao prim.° intuito quem éramos nós sem Vossa Magestade, e quaes nos achamos já, depois que somos creatura Sua.

Venha agora o discreto orador romano, e empenho todo o capital da sua eloquência, em exaggerar e exaltar o desinteresse e moderação do seo princepe. Diga que quando os outros impe-radores, qualquer obra publica que fizessem, querião logo que a sua memória se gravasse em grande pedras e em, soberbas colunas; que quando não admittião que se lhes dedicassem outras estatuas, que não fossem de ouro ou de marfim; que quando só entre as dos deoses queriam ver collocadas as suas, o grande Trajano só estimava os títulos, que consistissem nas mesmas obras; elle se contentava que as suas estatuas se formassem da mesma matéria, de que erão as de Bruto ou de Camillo, e em lugar de as appetecer entre os deoses, tinha só duas de bronze no átrio do Capitólio (9).

Venha, digo, o discreto Plínio; que outro imperador romano arguirá a sua lizonja; o grande Constantino desmentirá os seos louvores quando pelos muitos títulos que de Trajano observou nos edifícios de Roma, o chamou herva das paredes (10).

Venha hum Octaviano gloriozo, por quem os mais imperadores forão Augustos, e jacte-se de que tendo reedificado a grandes despezas o Capitólio de Juppiter e o theatro de Pompeo, nenhuma

(1) Horum unum si praestitisset alius, illi jam dudum radiatum caput, et media inter deos sedes auro staret aul ebore. Tu delubra non nisi adoraturus intra. Itaque tuam statuam in vestibulo lovis optimi maximi unam alteramve, et hanc aeream, cernimus... Quod ergo titulis omnibus specciosius reor, non trabibus aut saxis nomen tuum, sed monumentis aeternae laudis inciditur... Stant igitur effigies tuae, quales olim ob egregia in rem publi-cam merita privaris dicabantur. Visuntur cadem matéria Caesaris Statuae, qua Brutorum, qua Camillorum. (Plin. no Panegyrico, cap. 52 e 55).

(10) Sexto Aurélio no Epitome De Caesaribus cap. 41.

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inscripção póz nelles do seo nome (11). Porque a historia nos infor-mará, de que esse mesmo Octaviano se formara a si magníficos titulos escrevendo de mão própria o catalogo de todas as suas obras, para se gravar todo por extenso em grande laminas de metal (12).

Dião Cassio refere que depois de Augusto ter desbaratado os seos inimigos e da Republica, e segurado com as suas victorias o Império, decretara o Senado Romano, que as portas do seo palácio se ornassem de louros com a letra, DOS DESPOJOS; e que por baixo dos louros se puzesse numa coroa de carvalho com a Inscripção, PELAS VIDAS QUE CONSERVOU AOS CIDADÃOS(13).

Tal foi a conducta do Senado Romano com hum princepe, que no tempo do Triumvirato bannira hum sem numero de cida-dãos innocentes e beneméritos, com hum princepe, que nem abraçado com a estatua de seo tio Júlio César, a que se refugiara, deixou de tirar a vida a hum dos filhos de António; com hum princepe, que se por alguns breves periodos teve fechado o templo de Jano em argumento de paz universal; em todo o mais tempo trouxe envolvido em cruéis guerras todo o Mundo.

Com quanto maior razão, e quanto mais dignamente podia o Senado de Lisboa mandar coroar de louro e de carvalho as portas do palácio de Vossa Magestade; que se no primeiro anno do seo felicissimo governo desembainhou alguma vez a espada da severidade e do rigor, foi unicamente para debellar os disformes monstros, que infestavão o throno, e para conservar assim indemnes da ruina imminente tantas vidas, quantas de outra sorte ficarião expostas á braveza e ferocidade indómita da per-fidia e da ambição. Sobre estes louros he que sahiria bem o lemna De MANUBIIS; quando se advertisse que erão postos, depois de Vossa Magestade ter concluido a empreza mais árdua, e alcansado na sua conclusão a mais illustre victoria, que já mais vio, ou ha de vor o Mundo. Sobre este carvalho he que pareceria

(") Monumento de Ancyra, Taboa I. do lado direito.(12) Sueton. in Aug. cap. ult.(13) Tunc decretum fuit poni laurum ante aedes ejus regias cum Inscriptione, DE

MANUBIIS; et querceam supponi coronam cum Inscriptione, OB CIVES SERVATOS;tamquam inimicorum victori et servatori civium. (Dião Cassio, Lib. LIIII).

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proprissima à epígrafe OB CIVES SEEVATOS; quando nos lembrassemos que os inimigos, de que Vossa Magestade nos livrara, não erão homens, mas truculentas feras que nos querião devorar.

Porém, o que se não praticou nas portas do Real Palácio, veio a executar-se ainda com maior valentia na Real Estatua. Os lou-ros que lhe cingem a cabeça significão bem ao vivo as victorias, que Vossa Magestade conseguio dos que o soberbo Carvalho piza. Esse circulo que dentro em si inclue a effigie do Marquéz de Pombal, esculpida de meio corpo na baze da mesma estatua, he a Coroa de CARVALHO, que a alta dignação de Vossa Mages-tade para com elle, permittis que servisse de ornamento aos seos louros; para dar a entender, que por meio deste activo e valerozo Ministro seo se conservou immovel o throno, e se conservarão todas as nossas vidas seguras do veneno mortífero, e livres de todos os pungentes abrolhos da malevolencia e da inveja.

Se não he que o attento e discreto Senado de Lisboa, aver-tindo que a vida que a Vossa Magestade livrara e conservara o Marquéz, excedia todo o preço, e era superior a toda a pro -porção distingio sabiamente na mesma eminência do Principado a qualidade de cidadãos. A humanidade e civilidade dos prin-cepes tem consentido não poucas vezes, que as grandes corporações a que presidem, os reputem, e chamem membros seos, ainda que na qualidade de chefes. Iuliano, na Ley 8. C. De Dignitatibus, dá-se por membro do Senado, e por colléga dos senadores, quando diz: Ius senatorum, et auctoritatem ejus ordinis in quo nos quoque ipsos numeramus, necesse est ab omni injuria defendere. Paterculo querendo lizongear a Tiberio, chama-o o cidadão mais eminente depois de Augusto (14). O senado romano dedicou a Trajano huma medalha com esta inscripção no reverso: OPTIMO CIVI: (15) para honrar assim o mesmo Marquéz com a coroa cívica signifi-cada no circulo da effigie, não como conservador de hum grande Rey, mas como conservador do cidadão mais digno. Porque já advertira tãobem Plínio Maior, que a honra da coroa cívica não

(14) Tiberius Nero civium post Augustum eminentissimus. Lib. II. cap. 99. (15) Medio barbi, pág. 151.

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se media pela dignidade da pessoa, mas pelo inestimável da vida (16).

Lembrame que Espúrio Carvilio, tendo subjugado a ferocissima e bellicosissima nação dos samnitas, com a qual trouxera Roma oitenta annos cruel guerra, mandou fundir dos peitoráes, bótas, capacetes conquistados hum colosso altíssimo, que dedicou a Juppiter no Capitólio; e das pequenas raspas ou limaduras que tinhão restado do colosso, fez huma estatua sua que collocou aos pés de deos (17). He o mesmo que com prudente attenção ao que o Marquéz CARVALHO merecia de Vossa Magestade e de toda a Nacão Portugueza, praticou com elle o Senado de Lisboa. Para eterno monumento das victorias, que Vossa Mages-tade tinha alcansado de huma gente a mais feroz e sanguinária que virão os séculos, e para eterna memória dos grandes benefícios, que em consequência das mesmas victorias fizera Vossa Magestade a toda a Nação, mandou fazer o mesmo Senado, e dedicou por ultimo a Vossa Magestade essa augusta estatua colossal; decla-rando na inscrição, ter sido o Marquéz de Pombal o principa author e prometor delia; e esculpindo na base o mesmo Marquéz de meio corpo, como nobre fragmento do real colosso. Desta sorte ficou Vossa Magestade na sua estatua qualificado para sempre o grande nume da Nação Portugueza; e ficou o Marquéz de Pom-bal conhecido para sempre o grande Ministro do nosso nume; ou, se Vossa Magestade mo permitte dizer assim, o GENIO do nosso Augusto.

Por este GENIO, como por actuosissimo instrumento e effi-cacissimo cooperador da nossa gloria e felicidade juraremos de hoje em diante na prezença da Real Estatua. Todos sabem; que os antigos juravão pelo GENIO dos césares, como nós hoje o poderíamos fazer por tudo aquillo, que mais estimamos e ado-ramos (18).

Que Vossa Magestade foi valeroso e destemido Hercules: não é novo comprar hum Rey Acalente e intrépido a Hércules (na

(16) —Nec crescit honos idem Imperatore conservato; quoniam condictores in quo-cumque eive summum esse voluerunt. (Plin. Lib. XVI, cap. 4).

(17) Plin. Lib. XXXIV. cap. 7.(18) Ulpiano na Ley 13. D. De Iure jurando. Tertulliano na Apologet. cap. 27.

Minucio Felix no Octavio.

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effigie e com as insígnias deste heróe representão a Trajano as medalhas que traz Beger no Thezouro de Brandebourg) (19), reprezentão a Hadriano as que allega Spanheim (20), que deca-pitando de hum golpe a feros hidra, que por tantos annos inve-nenava, assolava, e devastara este Reyno, póz em agradável socego e profundo ócio todos os seos vassallos. Juraremos, que foi o valente e intrépido reparador de todas as nossas ruínas; que com huma providencia que a tudo se extende, nos armou de Exercito e de Marinha; nos enriqueceo com o gyro e avanços do Commercio; nos civilizou com os Bons Estudos; e achando-nos faltos de quasi tudo o que era necessário, nos apromptou até os mesmos regalos e diversões. Juraremos, que a Vossa Magestade deve Lisboa o esplendor, a Corte a ordem, o Palácio o respeito, o Ministério os fundamentos, o Throno a segurança, todo o Portugal o ver-se restituído a huma verde e florente mocidade, quando a inércia de dous séculos o tinhão reduzido a huma ancia-nidade decrépita, que mais que attenuado o fazia parecer caduco. Juraremos, que pelo que fez, e pelo que obrou em commum bene-ficio dos vassallos, merece Vossa Magestade ser nos monumentos portuguezes caracterizado eternamente, como o forão nos Romanos hum Augusto, de PAY E CONSERVADOR DA PATRIA; hum Trajano, de PRINGEPE OPTIMO; hum Antonino Pio, de AM-PLIADOR DOS CIDADÃOS; hum Constantino, de PRINCEPE PROVIDENTISSIMO; hum Theodosio, de PRINCEPE NASCIDO PARA SAÚDE E UTILIDADE PUBLICA. Juraremos final-mente, que depois das publicas honras de huma estatua equestre; das adorações de toda huma Corte, e de todo hum Reyno; de tantos carros triumpháes; de tantos epinicios lyricos; de tantos concertos músicos; de tantos festins magníficos; de tantos ban-quetes esplendidos; de tantos vivas e acclamações de louvor, mereceo tãobem a imagem de Vossa Magestade ser o principal ornamento das nossas cazas, dos nossos museus, dos nossos gabi-netes: merece ser o objecto quotidiano dos nossos cultos e dos nossos obséquios, assim como o foi entre os romanos e de Marco Aurélio, ate o ponto de se reputarem sacrílegos os que não a

(19) Tomo III. pag. 112.(20) De Usu et Praestantia Numismatum, Tom. II. pag. 492.

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tivessem conseguido (a) — merece ser o continuo incentivo dos nossos votos e rogativas ao Deos do Céo, pela saúde e conser -vação de Vossa Magestade e de toda a Real Família; pela eterna propagação e successão no Throno Portuguéz da Régia e Sere-níssima Estirpe da Gaza de Bragança; pela immovel perpetuidade do seo felicíssimo e suavíssimo governo; pela inconcussa pros-peridade de todos os seos vastos e importantes estabelecimentos.

(21) —Etiam sacrílegas judicatus est, qui ejus imaginem in sua domo non habuit. (Capitolino, na Vida de Marco Aurélio, cap. 18).

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CAPÍTULO I

QUAM ESCUROS E INCERTOS SEJÃO OS PRINCIPIOS DA ESTATUARIABUSCADOS NA MAIS REMOTA ANTIGUIDADE. LUGARES DA HISTORIASAGRADA E PROFANA QUE NESTE PARTICULAR NOS PODEM DAR

ALGUMA LUZ. COLUNNAS PRIMEIRO QUE AS ESTATUAS

A estatuária sendo no principio consagrada somente aos deo-zes, veio pelo decurso dos tempos a communicar-se tãobem aos heróes e homens illustres. Tomada pois em toda a sua extensão, he a estatuária sem duvida alguma coeva da idolatria. Porque outra couza forão os primeiros ídolos, senão as primeiras estatuas ? Toda a difficuldade está em fixar ao certo a primeira origem de huma e outra; o que até agora depois de tantas indagações e discussões ainda se não descobrio. A opinião mais bem recebida entre os Padres da Igreja he que as primeiras estatuas que houve no Mundo, forão as que Nibo primeiro rey dos Assyrios erigio a seo pay Belo, duzentos anos depois do Diluvio. Para isso suppoem, que o Belo da Historia Profana he o Nemrod da Sagrada, hum dos principaes fundadores da torre da Babylonia. Esta hypótese tem contra si a insuperável difficuldade, de que se são verdadeiros os cálculos do grande ehronologista Usserio, foi Nino mais de trezentos anos posterior a Moysés. Porque florecendo Moysés no anno do Mundo 2544, os princípios do império de Nino coincidem com o anno do Mundo 2787. Suidas Grammatico, seguindo a Eusebio de Cesárea, dá por primeiro author dos simu-lacros gentílicos a Sarug bisavô de Abraham (22). S. Epifanio, na prefação da sua obra contra as herezias, a Thára, pay do mesmo

(S2) Suidas no seo Léxico da edição de Cantorberi 1705, na Palavra SARUG.

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Abraham; acrescentando que os fizera de barro, e consequente-mente que fora o inventor da plástica ( 23). Outros suppondo que a idolatria começara pelo culto dos astros; e reflectindo em que os primeiros obeliscos dedicados ao Sól em Menfis e em Thébas são de tão remota antiguidade, que excedem a época de Abraham, crem que do Egypto aprenderão os mortaes o uzo das estatuas ( 24). O que neste particular nos consta irrefragavelmente da Sagrada Escritura, he o que vamos a referir. Primo: que em tempo de Abraham, isto he, dous mil annos antes da vinda de Christo havia idolos na Caldéa, que seos pays adoravão ( 25). Secundo: que esta superstição se conservou na familia de Naccor, pay de Laban, de cuja caza furtou Raquél os idolos do mesmo Laban seo pay, para os dar a Iacô (26). Tertio: que em tempo de Moysés prohibio Deos aos hebreos toda a escultura ou imagem, de couza creáda; e o fazer idolos de ouro ou prata (27). Quarto: que não obstante esta divina prohibição, fundirão e adoravão os hebreos no dezerto o Bezerro de ouro á imitação dos egypcios, que na mesma figura adoravão o seo Apis ou Serápis (28). Quinto: que por este mesmo tempo infundio o Senhor miraculozamente nos dous hebreos Beseleel e Oliab hum perfeito conhecimento de todas as partes ou espécies da estatuária, ao fim de saberem fabricar o Tabernáculo, a Arca do Testamento, o Propiciatório, os seos dous querubins, com tudo o que para isso era necessário obrar em ouro, pirata, cobre, mármore, pedras preciosas, madeira ( 29), Sexto: que quinhentos annos depois de Moysés fazia David irrizão dos simulacros de ouro e prata dos falsos deoses, que tendo boca não fallavão, tendo ouvidos não ouvião, tendo narizes carecião

(23) S. Epifanio Tomo I. pag. 8.° da edição de Pariz 1682.(24) Pedro Angelo Bargés na dissertação De Obelisco, que anda no Tomo IV. das

Antiguidades Romanas de Grevio. Da antiguidade dos Obeliscos trata PlinioLib. XXXVI. cap. 8.

(25) Jos. XXIV. 2. «Trans fluvium habitaverunt paires vestri ab initio, Thare, paterAbraham et Nachor, servierunt que diis alienis». (26) Genes. XXXI. 19. «Eso tempore ierat Laban ad tondendas oves, et Rachel furata est idola patris sui».

(27) Exod. XX. 3. 23. «Non habebis deos alienas coram me. Non pacietis deos argênteos, nec deos áureos facietis vobis».

(28) Exod. XXXII. 4.(29) Exod. XXXI . 2 . 6 . p . 82 . Vulgat . : Locutusque es t Dominus ad Moysen

dicens: Ecce vocavi ex nomine.

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de olfato, tendo mãos não palpavão, tendo pés não andavão (30). No que David sem duvida alludia aos idolos de Baal, Molocq, Dagon, e Astaroth, que no seo tempo e no dos reys seos succes-sores, forão o escândalo de toda a nação judaica.

Estes factos põem em toda a evidencia, quando não a primeira origem da estatuária idolátrica, ao menos a sua remotíssima antiguidade entre os hebreos e nações confinantes; e isto tanto pelo que toca á escultura, como á fundição, e ao relevo.

Passando agora ao que nos subministra a historia profana de gregos e latinos — observa Pausanias ( 31) — que quando ainda a estatuária se achava muito rude, ou de todo se ignorava entre os gregos, costumavão estes adorar por deoses os toscos penedos, como se fossem verdadeiros simulacros. Tal era o idolo da Grande May, trazido de Pessinumte da Frygia; de que Arnobio moteja os gentios, por ser hum simulacro de pedra negra por desbastar, em que apenas se divisava rosto: Lápis quidem non magnus coloris furvi atque atri, indolatus et asper, et simulacro faciem minus expressam praebens (32). Tal o Cupido de Thespis. Taes os dous idolos de pedra do Egypto, que ainda hoje se conservão no museo da Gaza Barberini. Nem as estatuas de páo erão naquelles primeiros tempos menos informes. Como a Pállas Attica, que Tertulliano no seo Apologético descreve sem figura. Como a Diana de Icurias, e a Juno de Samos, de que falla S. Clemente Alexandrino (33). Como os outros idolos de que Simulacraque maesta deorum Arte carent, caesisque extant informia truncis. E Prudencio: Deasciato suplicare stipiti.

Acrescenta S. Clemente Alexandrino no mesmo lugar, que ha pouco citámos, que quando nestas estatuas empregavão os antigos mais algum artificio e esmero, era formando-as e erigindo-as a modo de colunnas ou traves, que começando e continuando em figura orbicular, acabavão em pyramide. Taes descreve Tácito a Vénus de Chipre, e depois delle Máximo de Tyro, que claramente

(3°) Psalm. CXII. 12. Psalm CXXXIV, 15-17: «Simulacra gentium argentum et aurum, / opera manuum hominum. Os habent, et non loquentur; / oculos habent, et non videbunt. / Aures habent, et non audient; / neque enim est spiritus in ore ipsorum».

(31) Et sane Graceis olim omnibus patrium fuit rudes Lapides pró diis, perinde acsimulacro ipsa volere. (Cap. 4, pag. 40, da edição de Potter, Liv. VII, cap. 22,pag. 579 da edição de 1696).

(32) Arnobio, Adv. Gentes Lib. VII. pag. 253. da edição de Leyda 1651.(33) Ciem. Alex. Admonit ad Gentes cap. 4. pag. 40. da edição de Potter.

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a chama pyramide de pedra branca (38a). Táes Herodiano na vida de Macrino o idolo de Eméssa, Heleagabalo ou Alagabalo, que era huma grande pédra, que principiando por figura redonda, hia pouco a pouco tomando-a aguda, até acabar em figura cónica (33 b). Táes o Castor e Pollux que se venerão em Lacedem.onia; o Apollo-de Delfos; a Juno de Argos.

Estas colunas servindo de estatuas, julgára eu que as tomarão os gregos dos fenicios, e estes dos hebreos. No Sagrado Livro do Génesis he notável o lugar, em que se refere; que depois do mysteriozo sonho que Jacô tivéra em Bethél, levantara elle por titulo ou memória do cazo huma pédra ungida; que era a mesma que lhe servido de cabeceira (34). O original hebreo onde a nossa Vulgata diz erigio um titulo, tem erigio huma estatua. Não porque aquella pedra fosse estatua verdadeira; mas porque naquel-les primeiros séculos servião as colunnas, do que depois vierão a servir as estatuas regulares. Por isso no ultimo verso do mesmo capitulo, onde a versão latina diz esta, pédra, vertem os setenta esta colunna, que isso significa em Grego a palavra stela, de que uzão; e dahi vem o nome stelita, com que a Igreja no quinto século da era christaã venerou e deu a conhecer os dous portentos da graça e da natureza, Simeão e Daniel, por terem vivido por muitos annos sobre duas colunnas altíssimas.

He porém tradição dos hebreos, que pelo decurso dos tempos vierão os fenicios a adorar esta pedra erecta por Jacô, e a levan tar outras semelhantes que chamavão bethylos ou bethylios, também erigidos com o chrysma. De tudo nos informa Eusebio de Cesaréa, citando a Sanconiaton author nacional da ultima antiguidade; se não he que a obra que lhe attribue Eusebio, foi invento de Porfyrio, como suspeitão alguns críticos (35). Destes bethylos se encontravão depois muitos no monte Libano, como por testemunho de Damascio affirma Focio na sua Bibliothéca (86).

(33 a) Continuus orbis initio latiore, tenuem in ambitum metae modo exurgens. Tacit. Histor. Lib II cap. 3. Veneris pyramis alba. Máximo Tirio, Orat. XXXVIII.

(33 b) Lapis erat maximus ab imo rotundus, et sensim fastigiatus, propemodum ad coni figuram. Tom. I, da edição de Sylburgio, pag. 562. Lib. IV. cap. 23.

(34) Genes. XXVIII. 18. — «Surgens ergo Jacob mane, tulit lapidem quem suppo-suerat capiti suo, et erexit in titulum, fundens oleum desuper».

(35) Euseb. De Praeparat. Evangel. Lib. I. Cap. 10. pag. 33. da edição de Colónia,1688.

(36) Foc. pag. 1047. da edição de Rouen, 1658.

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Os que forem bizonhos na Historia cuidarão talvéz, que deste género forão tãobem as chamadas Colunnas de Hercules, que de huma e outra banda do estreito de Gibraltar dividião a Hespanha e a África. Porém a verdade notória he, que nunca houve táes colunnas; e que o que deo occasião á fábula de as ter posto Her- cules como balizas do Mundo, forão os dous montes Calpe da banda de Hespanha, e Abyla da banda da Mourama; que vistos de longe parecem duas colunnas; e com este nome são conhecidos entre os antigos geógrafos; e pela mesma analogia que temos ponderado, lhes dão alguns tãobem o nome de estatuas de Her-cules (37).

Porém he indubitável, que ainda depois de introduzido e pro-pagado o uzo das estatuas regulares e perfeitas, continuarão as colunnas a exercitar entre gregos e romanos o seo antigo, e primeiro ministério, que era servirem de padrões ou do heroísmo, ou de memória para os vindouros. Ainda hoje na província de Tróade, entre o cabo dos Janizanos e os campos do rio Sia-mandro, em huma pequena povoação a que os turcos chamão Gourkiosi, existe lançada por terra huma colunna de nove pés de alto, que o erudito ingléz Edmundo Chisul nas suas Antigui-dades Asiáticas mostra por indícios certos, que fora alli erecta seiscentos anos antes da nossa era, em memória de hum Fanodizo filho de Hermocrates de Proconéso. Existe igulamente no coração da Jonia, em outra pequena povoação que os turcos chamão Eraki, outra grande colunna, que contém huma longa serie de imprecações, que os naturaes da terra fulminão contra quem os inquietar ou offender e que o mesmo Chisul prova com igual evidencia ter sido posta quinhentos annos antes da mesma era de Christo.

Entre os romanos forão celeberrimas na Praça as colunnas de Caio Menio e de Caio Duillio: ornada aquella dos despojos do antigo Lacio, esta dos de Carthago (38). Por morte de Júlio Cézar lhe dedicou tãobem o povo romano na Praça huma colunna de vinte pés com esta inscripção: PARENTIPATRIAE (39). Nenhuma porém de todas as que se tinhão visto em Roma, igualou na

(37) Plin. no Proemio do Livro III. Prisciano in Periegesi. (3S) Plin. Lib. XXXIV. cap. 5.

(39) Sueton. cap. 85.

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grandeza e soberba ou a que o Senado levantou a Trajano, ou a que depois de Trajano levantou a Marco Auréllio a António Pio. Os que virão e medirão huma e outra, attéstão que a de Trajano tem de altura cento e vinte e oito pés, e que se sobe por huma escada de cento e oitenta e quatro degrâos: e que a de Antonino Pio, que a excede mais em quarenta e sete pés, tem por toda a altura cento e setenta pés, a que se sobe por outra escada de cento e noventa degrâos (39a).

O espirito destas e de outras semelhantes colunnas era dar a entender, que com a sublimidade das suas acções se elevavão os grandes homens muito sobre a natureza dos mortáes. — Columnarum ratio erat attole supra eeteros mortales (40). Porisso era muito ordinário collocar sobre éstas colunnas as estatuas dos heróes, a que erão dedicadas; como se vê de algumas medalhas de Augusto, Othão, e Tito; e como ainda testificão as duas referidas de Trajano e de Antonino; em lugar de cujas estatuas equestres, que algum dia se vião nellas, mandou o Papa Xisto V. collocar sobre a primeira a estatua de S. Pedro, e sobre a segunda a de S. Paulo. A escada interior em forma de caracol deo a estas colunnas o nome de colunnas cochlidas, com que as dá a conhecer Publio Victor na descripção da antiga Roma.

Neste espirito dizia Ennio a Scipião: Quantam Statuam tibi faciet Populus Romanus? Quantam Columnam, quae res tuas gestas loquatur? Neste escrevia Horacio na sua Arte, que nem os deoses, nem os homens, nem as colunnas podião fazer, que fossem verdadeiros poetas, os que sómente o erão medíocres; significando deste modo ser a poezia huma composição, que não admitte meio. (41).

(39 a) Affonço Chason, Historia utriusque Belli Dacci a Trajano Caesare gesti, etc. que anda no fim do Tratado de Rafael Fabretti In Columnã Trajani. Jozé Castalião De Columnã Triumphali, no Tomo IV. das Antiguidades Romanas de Grevio. Depois de Castalião publicou João Vignoli modernamente outra dissertação: De Columna Antonini Pii.

(4°) Plin. Lib. XXXIV. cap. 6.(41) Mediocribus esse Poetis non homines, Non di, non concessere columnae. (Arte

Poética, 372-373). «Sur les columnae (colonnes) ou les pilae (pilliers des portiques), les libraires affichaient les nouveautés». (Horace, Oeuvres Completes, trad. nouvelle par Fr. Richard, Garnier, Paris, s. d., nota 391, p. 329). Cf. Arte Poética... trad. por Pedro José da Fonseca, Lisboa, MDCCXC, p. 240-241 e trad. de Cândido Lusitano (Lisboa, MCCLVIII, p. 158-9.)

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CAPITULO II

INTRODUÇÃO E CELEBRIDADE DAS ESTATUAS NA GRÉCIA E DEPOISEM ROMA, DESUNIDA DOS JOGOS OLYMPICOS COM A ÉPOCA DASOLYMPIADAS. ESTUPENDA PROPAGAÇÃO DAS MESMAS ESTATUAS

EM ROMA DEPOIS DA CONQUISTA DA GRÉCIA E DA ÁSIA

Diodóro de Sicília, que florescia em tempo de Augusto, affirma que Dédalo fora na Grécia o primeiro, que ensinara a fazer as estatuas com os olhos abertos, e os pés e braços com a separação natural (42). Foi Dédalo mais de cem annos anterior a David. E nesta parte ninguém põe duvida á narração de Diodóro. Daqui porém até a estatuária conseguir a sua maior celebridade e ultima perfeição, decorrerão ainda muitos séculos.

Plínio, que das antiguidades profanas foi sem controvérsia o mais diligente e exacto indagador que se conhece em toda a Republica Litteraria, dá primeiramente por assentado com o testemunho de Varrão e de Pesiteles, que a estatuária na parte que se occupa em obras de escultura, fundição, e relevo, he filha da plástica, que he a arte de figurar em barro. Depois affirma que o inventor da plástica entre os gregos fora Dibutades de Sicyonia; o seo intiroductor na Itália Demárato, pay do rey Tar-quinio Prisco, que a trouxera de Corintho. Por ultimo tratando das óbras em mármore e em bronze, collóca entre o principio das olympiadas e a olympiada quinquagesima, a Melas de Chio, que com seo filho Micciades, e com seo neto Anthermo e com seo bisneto Bupalo, encherão de admiráveis simulacros de már-more não só a pátria mas tãobem Délos e Lésbos. Em Chio éra

(42) Diodóro Lib. IV. cap. 76. Tom. I. pag. 319. da edição de Amsterdão 1746. 4 1 0

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sobre todas afamada huma Diana, que aos que entravão no templo parecia triste, aos que sahião rizonha. Depois destes forão celebres Dipeno e Sicilis naturaes de Creta, que passando a Sicyenia fizerão alli hum Apollo, huma Diana, hum Hércules, e huma Minerva, em Ambracia, Argos, e Oleonia outras muitas estatuas do mesmo mármore (43).

As obras em bronze quer o nosso escritor, que começassem com o grande Fídias atheniense, que florecia na olympiada octogésima terceira, isto he, trezentos e vinte dous annos depois da instituição dos Jogos Olympicos, que todos os chronólogos alligão ao anno 776 antes da era vulgar. Não porque antes de Fídias não se conhecessem estatuas algumas de bronze, mas porque a Fídias e á sua escóla deveo esta arte seo maior desen-volvimento e celebridade, depois que elle mostrou ao Mundo a sua famoza Minerva, a sua amazona, e outras admiráveis obras fundidas.

Em Roma he facto constante, que nos primeiros cento e setenta annos não houve templo, nem altar, nem simulacro algum. S. Agostinho o próva com o testemunho de Varrão e Plutárco o confirma na vida de Numa (44). O que, se assim foi, era falsa a opinião dos que em tempo de Plinio crião, que o Hercules que se venerava na Praça dos Bois, fora consagrada por Evandro ( 45). Depois de introduzido o uzo das estatuas, he igualmente certo, que as primeiras forão de páo ou de barro, e que em quanto se não conquistou a Ásia, forão na mesma Roma poucas as de már-more, e rarissimas as de bronze (46).

Com a instituição pois dos Jogos Olympicos, que como já acima advertimos, coincide com o anno 776 antes do Nascimento de Christo, começou a honra das estatuas a communicar-se dos deoses aos heróes. Este era o prémio que mais illustremente qualificava o valor dos que naquelles certames sahião vencedores. E o que vencia três vezes, tinha estatua ao natural, tirada bem

(43) Plin. Lib. XXXV. cap. 12. et Lib. XXXVI. cap. 4. e 5.(44) Lib. IV. De Civit . Dei cap. 34.(45) Plin. Lib. XXXIV. cap. 7.(46) Pl in. Lib. XXXIV. cap. 7 .

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pelas feições e estatura de cada hum; que por isso as chamavão iconicas, como se disséramos veras effigies (47).

Depois se propagou tãobem o uzo das estatuas a fazer honra, e a perpetuar nos mármores e bronzes a memória de outros illus-tres feitos. Virgílio significou quando disse na Eneida: Vestíbulo adstabant, primique ab origine Reges, Martiaque ob patriam pugnando vulnera passi.

Os primeiros ou entre os primeiros que tiverão estatuas em Athenas, forão Hermodio e Aristogitão seos libertadores. Tendo-as levado Xerxes para a Pérsia, refere Plínio que Alexandre Magno as restituirá á Republica (48). Valério Máximo que as restituirá Seleuco (49). Ambos porém concordão que erão de bronze, e Plínio acrescenta, que Praxiteles fora o artífice. Seguirão-se depois a de Miltiades, depois a de Themistocles, depois as de outros.

Em Delfos tiverão estatuas Cleobis, Biton, e Gorgias. Em Roma depois dos reys, Horacio Cocles, Camillo, Octavio, e até as duas vestáes Olelia, e Suffécia (50).

Os lugares em que collocavão as estatuas dos heróes e homens illustres, erão em toda a parte os mais célebres e patentes. Erão os templos dos deoses; o Senado; a caza das assembléas e ban-quetes publicos, a que chamavão os gregos Prytaneo; as praças de maior concurso; os pórticos dos palácios; os theatros; as thér-mas; a bibliothécas. Alexandre Magno teve estatua em Delfos no templo de Apollo, em Cadix no templo de Hercules (51). Antioco teve-a em Iconia no templo de Minerva (52). Júlio Cézar em muitos de Roma (53). E depois de Júlio Cézar affectarão sempre os mais imperadores a mesma honra (54). Se bem que tãobem dos parti-culares teve Scipião estatua no Capitólio; e em tempos de Augusto a teve no templo de Esculápio o médico António Musa ( 55).

(47) Pli. Lib. XXXIV. cap. 4. Cf. Histoire Naturelle de Pline, avec la traduction en français par M. E. Littré, Paris, Firmin Didot, MDCCCLV, p. 487-489 e 500-502.

(48) Plin. Lib. XXXIV. cap. 4. (49) Val. Max. Lib. II. cap. 10. (50) Plin. Lib. XXXIV. cap. 6.(51) Plin. Lib. XXXIV. cap. 8. Sueton. in Júlio cap. 7. (52) Livio Lib. XXXVI. cap. 20. (53) Sueton. in Júlio cap. 76. (54) Plin. in Panegyrico de Trajano cap. 52. (55) Sueton. in August. cap. 59.

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Cícero, na Oração Pró Deiotaro, affirma, que o lugar mais authorisado para as estatuas de num cidadão romano, era na praça antiga o que chamavão dos Esporões, onde a tinhão Romulo e Camillo. Ao mesmo allude Albinovano, quando na Consolação de Livia escreve: Stabit et in Rostris tituli speciosus honore.

Patérculo aponta por huma honra das mais distinctas de Augusto, ter-lhe o Senado posto estatua na Cúria Hostilia, onde em trezentos annos só a tinhão conseguido Pompeo e Júlio Cézar. Cahia a Cúria Hostilia sobre o lugar dos Esporões; e para a honra, creio que ambos se reputavão o mesmo.

Conquistada por Lúcio Mesmmio a Acaia, e por Quinto Metello a Macedonia, o que foi ao anno seis centos e tantos da Fundação de Roma, vio-se esta Metrópole do Mundo inundada de estátuas trazidas da Grécia, como despojos das victorias. De sorte que no âmbito de hum só theatro mostrou Marco Scauro, sendo almo-tacél, ao povo romano três mil estatuas (56).

O que direi das que depois vierão a Roma da Ásia e do Ponto nos triumfos de Lucúllo e de Pompeo? Das que imperando Augusto se acha vão nos thezouros de Cleopatra rainha do Egypto? Das que a curiozidade e gosto de Asinio Pollião ajuntou no seu museo? Das que Marco Agrippa, genro do mesmo Augusto, collo-cou no seu Pantheon, que hoje se chama a Rotunda; quando só nos chafarizes e lagos que edificou sendo almotacél (*), chegarão a trezentas as que fez publicas, de mármore e de bronze? Das que acrescerão em tempos de Tiberio, Cláudio, e Nero? E com tudo depois deste numero sem numero de estatuas, que no espaço de duzentos annos se transportarão do Oriente para o Occidente, afirmava em tempo de Vaspasiano o cônsul Muciano, como testemunha ocular, que ainda restavão a Rhódes tres mil, e outras tantas em Delfos, em Athenas, em Olympia ( 57).

Até de effigies sólidas dos grandes brutos havia em Roma muitas primorosissimas. Porque não fallando dos elefantes de bronze tirado por seos carros triumfantes do mesmo metal, que

(56) Hist. Nat. Plínio, trad. L'ttré, vol. II, p. 435. «In M. Scauri aedilitate tria millia signorum in scena tantum fuere temporario theatro. Mummius devicta Achata replevit Urbem...» (Lib. XXXIV, 17).

(*) Edilcurul.(57) Plin. Lib. XXXIV. cap. 17.

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segundo lemos em Cassiodoro estavão na Via Sacra (58), Publio Victor antigo escritor dos edifícios e couzas memoráveis de Roma, conta no seo catalogo vinte e quatro cavallos de bronze, e noventa e quatro de marfim (59). E ainda hoje servem de magnifico ornato ao palácio pontiflcio do Monte Quirinal dous cavallos de mármore de admirável grandeza e naturalidade, que derão ao mesmo monte o nome de Monte Cavallo; a que alguns eruditos crem, que forão trazidos de Alexandria por Constantino ( 60). Entre os de bronze era sobre todos memorável o de Júlio César, que se admirava na praça Julia, formado ao natural do da pessoa do mesmo imperador, do qual attestão Plínio e Suetonio, que tinha pés como de homem, com separação de dedos e unhas (61). E não falta quem diga, que este cavallo de bronze era o mesmo Bucefalo de Alexandre Magno feito pelo grande Lysippo; só com a differença de se lhe terem formado as unhas á imitação do verdadeiro (62).

Emfim as estatuas que se vião em Roma em diversos lugares públicos erão tantas, que Cassiodoro as chama povo numero -zissimo de estatuas, acrescentando que parecião tantas as que formara a Arte, como as que procreára a Natureza ( 63).

(58) Lib. X. Epist. 30.(59) Nardini Roma Vetus Lib. VI. cap. 1.(60) Borriquio Antiqua Urbis Romanae Facies cap. 8.(61)Plin. Lib. VIII. cap. 42. Sueton. in Julio cap. 61.(62) Nardini Roma Vetus Lib. V. cap. 9.(63) Romae in plateis erat quidam populus copiosissimus statuarum pretiosarum.

(Cassiod., Lib. VII, Porm. 13. N. 14).

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CAPÍTULO III

DA MATÉRIA DAS ESTATUAS. EMENDA-SE UM LUGAR DE PLÍNIO, E EXPENDE-SE OUTRO SOBRE A DIFFICULDADE DE AS FUNDIR, EM RECOMMENDAÇÃO E PARA REALCE DA EQUESTRE COLOSSAL DE SUA

MAGESTADE.

A primeira matéria, de que se formarão as estatuas dos deoses, foi o páo e o barro, segundo he a ordem natural de todos os inventos humanos, começar pelo mais fácil e menos preciozo (64). Nenhum dos que nos primeiros séculos da Igreja combaterão a Idolatria, deixou de escarnecer numas divindades, que sendo de tão vil matéria, até os seos artífices concilia vão o titulo de divinos (65).

Preferião-se entre todas as arvores o hebeno, o cedro, o cypréste, o carvalho, o lódão, a parra. De cedro era em Roma o Apólo Tosiano, trazido de Sleucia: de parra o Iuppiter, que por muitos séculos se venerou em Populonia (66).

O barro e as suas officinas fizerão célebres antigamente a Samos e a Cós no Archipélago; a Erythrana Ionica; a Arezzo, Módena, Rhegio, e Cuma na Itália. Desta matéria fizerão os dous plásticos gregos, Damófilo e Górgaso muitos simulacros, que em Roma ornavão o templo de Ceres. Da mesma éra formada a Vénus May, que estava na praça Iulia, obra do outro plástico grego Arquesilâo. Cultivou-se ésta arte na Toscana, mais que em alguma parte da Itália. Daqui chamou Tarquinio Prisco a Turiano, para fazer de barro Iuppiter, que se collocou no Capitólio. Na expugna-

(64) Plin. Lib. XIV. cap. 1. Lib. XXXV. cap. 7. e cap. 12. Pausanias Lib. VIII. cap. 17.

(65) (65) Caelatum divini opus Alcimendontis, Virgil. Eclog. III.

(66) Plin. Lib. XIII. cap. 5. et Lib. XIV. cap. 1.

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cão de Bolsena forão achadas duas mil estatuas deste género, de deoses e de heróes. Na historia das curiosidades romanas não ha couza mais celebre, do que os simulacros e vazos etruscos ou toscanos. O gosto de alguns senhores os preferia á porcellana. Nos sacrifícios não se admittião outros.

O marfim ficou nobilitado na Grécia com o Iuppiter de Olympia r

e com a Minerva de Athenas; em Roma com o Apóllo da praça-de Augusto, e com o Iuppiter do templo de Metéllo ( 67).

O mármore quando não tivesse outra estatua, de que se jactar, bastaria para isso a celebrada Vénus de Praxiteles venerada em Gnido. Porém a mesma mão que soube dar affectos á pedra, e comunicar incêndios á frieza, esta mesma lavrou da mesma matéria outros muitos portentos, que em outro lugar mais próprio referi-remos. No principio da escultura era o mármore de Páros o mais selecto, ainda que menos branco. Chamavão-o os gregos lychni-tes, por ser cortado nas pedreiras á luz de fáchos. Depois preferi -rão-se-lhes o de Chipre, o da Arménia, o da Ethíopia, que chamavão basaltes (67a), por se assemelhar ao ferro na cor e na dureza. Deste era feito o Nilo, que estava no templo da Paz em Roma com desasseis filhos á roda por significação do numero dos covados, a que o mesmo rio sobe na sua maior altura ( 68). A arte de cortar os mármores pelo que se colhe de Plínio, não se conheceo em Itália nos primeiros seiscentos annos da Fundação de Roma ( 69); Porém o Sagrado Livro do Êxodo põem fora de toda a duvida, que já em tempo de Moysés a sabiao os hebreos, a quem por isso prohibio Deos o uzo de pedras cortadas na estructura dos altares que se lhe dedicassem (70).

Até de pedras preciozas vio e admirou a Antiguidade alguns simulacros de princepes. Em tempos dos Ptoleméos trouxe o governador Filemon de huma ilha da Arábia habitada dos pyratas troglodytas, hum topázio de tão extraordinária grandeza á rainha Berenice, que delle se fez a sua nora Arsinoe huma estatua de quatro covados (71).

(67) Plin. Lib. XXXVI, cap. 5.(67a) Basaniten (XXXVI, 11, III-IV), Littré, ed. cit.(68) Plin. Lib. XXXVI. cap. 11.(69) Plin. Lib. XXXVI. cap. 6.(70) Exod. XX. 25.(71) Plin. Lib. XXXVII. cap. 8.

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No terceiro triunfo de Pompeo vio toda Roma entre outros muitos despojos de inextimável preço a cabeça do mesmo ven-cedor feita toda de pérolas e de outras pedras finissimas do Oriente. Néro mostrava como peça da ultima raridade hum retrato seo thoracado, que todo hera de hum jaspe de treze onças ( 72). Na praça de Trajano havia huma estatua de Augusto-feita toda de alambre (78).

Passando já das pedreiras ás officinas do reino mineral, onde da mistura de diversos metaes, e principalmente da do estanho com o cobre se prepara e funde o que chamamos bronze, paira matéria de tantos monumentos eternos, as melhores e mais afa-madas da Grécia erão as de Délos, de Egina, e de Corintho. Até na escolha do bronze havia emulação entre os grandes estatuários. Myrão uzava do eginetico; Polycléto do deliaco. Do primeiro era formado o boy, que em Boma estava no Campo destes animáes. Do segundo o Iuppiter, que no Capitólio se venerava com o magni-fico e espantozo nome de Tonante. O de Corintho fez tão estimados e appetecidos vasos, que delle tomarão o nome, mais pela elegância dos seus relevos e emblemas, do que pela precioza mistura dos metaes, que muitos os preferião aos de puro ouro. E foi tãobem neste particular tão desordenada e fera a paixão de Marco António que, porque Caio Verres se costumava jactar de que lhe não havia de ceder nesta parte do luxo romano, o mandou meter no numero dos banidos juntamente com Cicero, no funesto interregno do Triumvirato (74).

A obra mais vasta que em bronze se tem visto até agora noMundo, foi o colosso de Rhódes de setenta covados, dedicado ao Sol. Porque o Mercúrio de Arvergne em França feito por Zenodóro em tempo de Néro, que algumas edições antigas de Pli-nio, como a de 1516, a Basiliense de 1535, a Parisiense de 1537 fazem de quatrocentos pés, he hoje assentado, por testemunhas das mais modernas e correctas, que não teve mais existência no Mundo que a que lhe derão os copiadores ignorantes, que em lugar de

(72) Plin. Lib. XXXVII. cap. 2 e 9. «Nous avons vu un jaspe de quinze pouces de long, dont on fit une effigie de Néron portant cuirasse». (Plínio, ob. cit. ed. Littré, XXXVTI, 37, p. 556).

(73) Borriquio, Antiqua urbis Romanae Fácies cap. 10.(74) Plin. ed. Littré, Lib. XXXIV. cap. 2.

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escreverem: Mercurio facto in civitate Galliae Arvernis per annosdecem, H. s. CCCC manipretio, como trazem a de Pariz in usumDelphini, e a de Leyda de Gronovio, puzerão assim: Mercúrio facto in civitate Galiae Arvernis per annos decem, pedumCCCC, immani pretio, dando de altura a este colosso, o que deviãodar de paga ao artífice. Quanto mais que do contexto de Plínionão consta que aquelle Mercúrio fora de bronze, mas antes quefora de mármore (75).

Estatuas de prata e ouro, cuidarão alguns, que só se tinhão visto em Roma dedicadas a Augusto. Mas he porque não sabião, que no referido triumfo de Pompéo se virão a estatua de rey Farneces de prata, e os coches de Mithridátes de pirata e ouro (76). E que muito antes tinha posto o rey Bócco no Capitólio a estatua de Iugurtha de ouro, entre os mais despojos das victorias de Sylla (76a).

De tempos posteriores refere Trebellio Pollião na vida do segundo Cláudio, que por consenso de todo o Império lhe foi dedicada na praça dos Esporões huma colunna ornada de palmas, e sobre ella huma estatua de prata de mil e quinhentas libras, no Capitólio hua de ouro de dez pés, no Senado hum escudo de ouro com a sua effigie (77).

Era costume antiquíssimo esculpir em escudos de bronze os rostos de prata dos heroes, que delles tinhão uzado na guerra, ou os de seos illustres maiores. E já nos primeiros séculos de Roma servi ao estes escudos de brazões de nobreza não só nos templos, mas tãobem nas cazas; sendo os primeiros introductores desta glorioza ostentação Appio Cláudio no anno da Fundação de Roma duzentos e cinquenta e nove, e depois delle Marco Emilio Lépido(78). Na derrota do exercito dos carthagineses acharão-se alguns destes escudos todos de ouro, como tãobem as effigies nelles gravadas. Macrobio faz menção do que na Ásia se dedicou ao procônsul Quinto Cícero, irmão do grande orador do mesmo sobrenome (79).

(75) Plin. Lib. XXXIV. cap. 7.(76) Plin. Lib. XXXIII. cap. 12.(76 a) flutarco nas Vidas de Sylla e de Mário.(77) Trebell. en Claud. cap. 3.C8) Aerei ponuntur clipei, argentae facies. Plin. Lib. XXXV, cap. 2 e 3.(79) Macrob. Saturnais, Lib. II, cap. III.

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Suetonio dos que forão dedicados a Caligula e a Domiciano ( 80). Nos quaes todos se vião esculpidas as imagens dos mesmos, a cuja honra se erigião. Daqui pois tiverão a que origem e o nome de armas os brazões de fidalguia da Europa mais moderna, como depois de Tiraquiello e de Lipsio observa Casali no seo tractado De Insignibus (81). Porque tãobem aos escudos chamavão no principio armas os latinos, como observa Saumaise nas notas de Trebellio Pollião.

Antes que concluamos a matéria dos metáes, será bem tornar-mos a entrar no officina de Zenodóro, para que á vista da summa difficuldade que elle achou em fundir delles huma estatua colossál de hum imperador romano empenhado nella, realce mais a arte e felicidade do engenheiro portuguéz que em oito minutos mos-trou fundida em Lisboa a estatua equestre d'El Rey nosso Senhor, sem que, pelo dizer assim, desmentisse o effeito nem ainda em huma unha, ou em hum cabello, a certeza das suas combinações.

No mesmo lugar pois acima referido escreve Plínio, que depois de Zenodóro ter bem provado a sua arte em França, não só com a obra do Mercúrio de Arvergne, em que gastou dez annos, mas tãobem com a de muitos vazos de relevo que em nada se diffe-rençavão dos mais afamados de Corintho, o mandou chamar Nero a Roma, com o fim de lhe fazer huma estatua colossal, que na grandeza excedesse a quantas até alli se tinhão visto naquella capital do Orbe. Abrio Zenodóro a sua officina, póz mãos á obra com aquelle empenho, que se deve presumir da fama do artífice, e da grandeza do imperador que o convidara com summo appetite; fez primeiro modelo grande de barro; fez segundo de partes muito pequenas, que foi como amostra da obra, e em fim sahio com huma estatua de cento e dez pés de altura, a qual Vespasiano depois, em ódio da memória de Nero dedicou ao Sól.

Ouçamos agora o que mais faz ao nosso cazo, que he a reflexão do nosso historiador: esta estátua, prossegue immediatamente Plínio, deo de todo a conhecer que se tinha perdido a arte de fundir os metáes; sendo certo por huma parte, que Néro estava disposto a mandar aprontar tudo o que se lhe pedisse até de ouro e prata, e sendo certo por outra parte, que Zenodóro na arte

(80) Sueton. Calig. cap. 7. Domic. cap. 23.(81) Apud. Tom. XII. das Antiguidades Gregas de Gronovio.

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de modelar e relevar a nenhum dos grandes estatuários antigos era inferior. Porque no tempo que em França estava fazendo a estatua de Mercúrio, mostrando-se-lhe dous copos relevados de Cálamis, para fazer outros, dous que sahissem bem parecidos, elle o executou com tanta facilidade que em nada se differença-vão huns dos outros. De sorte que quanto maior foi a habilidade de Zenodóro, tanto mais claramente se póde conhecer o esque-cimento em que estava a fundição dos metaes (82).

De todo este contexto de Plínio inferem justamente Nardini e Borriquio, que Zenodóro não se atrevendo a fazer de metal este collóso, como bem desejara Néro, o fez de mármore cedendo á difficuldade (83).

Como entre as grandezas de Roma antiga he muito celebrado este collósso de Néro, de que hoje só existe a memória, não será desagradável aos leitores referir delle o mais que Plínio omittio por haver succedido quasi tudo depois do seu tempo. Suetonio, que na vida de Néro dá a este colosso mais dez pés do que lhe dera Plínio, quando depois da vida de Vespasiano torna a fallar delle, diz precizamente, que Vespasiano dera hum grande prémio ao artífice que o refizera (84). Donde tãobem se confirma, que o colosso não era de bronze, mas de mármore; pois o verbo refazer só he próprio nas obras que são capazes de ruína, e de dissolução ou desmancho de partes. S. Ieronimo conta com mais individuação, que o módo com que Vespasiano dedicou o colósso ao Sól, fora tirando-lhe a cabeça de Néro, e substituindo outra rodeada de sete rayos (85). Publio Victor na discripção do quarto bairro de Roma affirma que cada rayo era de doze pés. Neste estado o comtemplava Marcial quando escrevia:

Nec te detineat miri radiola colossi,Quae Rhodium moles vincere gaudet opus (86).

(82) Pli. Lib. XXXIV. cap. 7.(83) Nardini Roma Vetus Lib. VIII. Borriquio Vetus Romae Fácies, cap. 6.(84) Colossi refertorem insigni congiario, magnaque mercede donavit. (Suet. in

Vespas, cap. 19).(85) Hic Colossus erectus sub Nerone, refectus a Vespasiano, ac dempto capite Neronis,

et solis adjecto cum septem radiis, soli dicatus est. (S. Jeron. sobre o cap. 3 deHabac.).

(86) Marcial Lib. I. Epigr. 71.

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Esparciano acrescenta que Adriano transferira o colósso da Via Sacra onde antes estava para junto do amfiteátro, suspenso por huma máquina do arquitecto Detriano, que para facilitar a conducção lhe fez applicar vinte e quatro elefantes ( 87). Final-mente Lampridio refere, que Commodo tirando a cabeça que representava o Sól, e substituindo-a pela sua, apropriava a si este colosso com a inscripção do seo nome (87a). No que Commodo imitou a louca vaidade de Caligula, que como refére Suetonio, tirando das grandes, estatuas as cabeças dos deoses, mandava pór a sua (88).

Nem deve fazer duvida alguma, como se poderia trocár hua cabeça por outra sem perigo ou deformidade de todo o corpo. Porque já o observou Scaligero (89). que as estatuas antigas tinhão ordinariamente as cabeças e os braços amovíveis, e fáceis de tirar, por serem de encaixe ou encravação de ferro ou de chumbo, como se mostra de algumas que ainda hoje existem, e como já no seo tempo o notava Tertulliano (90). E alguma vez bem succedia ser de mármore o corpo da estátua, e de bronze a cabeça. Assim he o colosso que ainda hoje se vê em Roma no Campo de S. Jorge. E tãobem esta circunstancia faz sobresahir o merecimento do engenheiro portuguéz que por inteiro soube fundir huma estatua de seicentos e setenta e três quintaes.

(87) Transtulit Colossum stantem atque suspensum per Detriaum Architectum ingenti molimine, ita ut operi etiam Elephantos viginti quatuor exhiberet. Sparciano, na Vida de Adriano.

(87a) Colossi caput tempsit, quod Neronis esset, et suum imposuit et titulo more solito subcripsit. Lampridio, na Vida de Commodo.

(88) Sueton. in Calig. cap. 22.(8S) Scaligero a Suetonio da edição de Bumanno, no lugar acima referido.(so) Tertulliano no Apologético cap. 12.

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CAPITULO IV

DA FORMA DAS ESTATUAS, DOS SEOS TÍTULOS OU INSCRIPCÕES, DAS SUAS INSÍGNIAS, EMBLEMAS E ORNATOS. TRATA-SE COM ESPE-

CIALIDADE DAS MERCURIAES E COLOSSAES

As estatuas podem-se considerar, ou por ordem á postura do corpo, ou por ordem ao traje, ou por ordem á grandeza. Por ordem. á postura humas erão de pé, que por isso se chamavão pedestres; outras a cavallo, que por isso se chamavão equestres; outras em carro, que por isso se chamavão curules ou triumfáes: outras sentadas. Na classe das pedestres devem ter o primeiro lugar por mais antigas, e como primigenas, as estatuas mercuriáes, que tãobem se chamavão hermas, por se parecerem com as de Mercúrio, que não tinhão pés nem braços, e em que o tronco do corpo servia como de colunna ou baze, sobre que se sustentava a cabeça. Truncoque simillimus Hermae, disse Juvenal.

Esta espécie de estatuas tão simples, e tão informes, foi nos primeiros séculos da Grécia civilizada o prémio ordinário dos que mais se distinguião no serviço da Republica, como he notório dos escritos de Platão, Esquines, Demósthenes, Plutarco, e outros(91).

Entre os latinos he celebre o lugar de Cornélio Nepóte na Vida de Alcibiades, onde escreve que huma noite apparecerão derri-badas todas as hermas que havia em Athenas.

(91) Inscripta est statua ejus Mercurialis, edisserens quod in media urbes populoque steterit. Platão no seu Hipparco. Hermae erant lapides Mercurii sacri solo vultu. Ins- criptio erat in basi, quae data benemeritis; ut iis, qui ad strymonem fluvium vicerant Medos. Esquines na Oração contra Ctesifonte. Apud maiores nostros, qui eos bonis operibus multis demeruerant, inscriptionem in Herma accepere. Demósthenes na Oração contra Leptines. A estes se deve ajuntar Plutarco nos Preceitos Políticos; Pausanias nos Atticos e nos Focios, onde descreve as Hermas de Isócrates e de Homero, Procracião no seo Léxico V. Herma, onde menciona a que se póz a Agamemnáo.

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O Thezouro das Antiguidades Gregas de Gronovio no Tomo II. e no III. offerece aos leitores grande copia destas hermas, tiradas dos museos do Grão Duque de Toscana, do Cardeal Farnesi, de Fulvio Ursini, e de outros antiquários; humas inteiriças, como as de Heraclito, Thucydides, Heródoto, Isócrates, Aristófanes, outras degoladas, como as de Homero, Lysias e Menandro.

Fallando já das estatuas pedestres regulares, he certo que ellas entre os romanos erão no principio de grande authoridade. Pois sabemos, que com esta honra costumava então a Republica con-sagrar a memória, dos que contra o direito das gentes erão mortos nas embaixadas, como succedeo a Tullio Cellio, a Lúcio Rossio, a Publio Junio, a Tito Coruncano, a Caio Octavio (92). E a primeira estatua de bronze dourado que se vio em Roma, em toda a Itália, foi a que Acilio Glabrião póz a seo pay no templo da Piedade, no anno de Roma quinhentos e setenta e dous (93). A Idade Media chamava a estas estatuas douradas estatuas sub auro, ou estatuas auro illustres.

Porém depois que se permittio aos particulares pôr estatuas a quem quizessem na Corte, e fora da Corte, depois que a lizonja e dependência dos clientes começou em obséquio dos patronos a fazer de cada caza huma praça, virão-se obrigados os que tinhão a seo cargo a decência e decoro publico, isto he, os censores de Roma, a hir á mão ao abuzo que grassava, mandando derribar e tirar da Praça todas as estatuas, de que se não provasse que tinhão sido postas com autoridade legitima ou do Senado, ou do Povo. E ainda depois deste tempo gritava e se queixava o velho Catão, de que nas províncias de levantavão estatuas até as mulheres (98 a). Em fim pelo decurso dos tempos foi crescendo em Roma de tal sorte o numero das estatuas que Augusto vendo atulhada dellas a praça antiga, julgou conveniente transpor as mais dignas para outra que fez de novo. E estas forão as que derribou Caligula (9S b).

(92) Plin. Lib. XXXIV. cap. 6.(93) Hoc a Romano Populo tribuebatur injuria caesis. (Val. Max., Lib. II, cap. 5).(93a) Excepto res est toto orbe terrarum humaníssima ambitione. Et jam omnium

municipiorum Foris statuae ornamentum esse coepere. Mox Fórum et in dominus privatis factum atque in atriis. Honos clientum instituil sic colere patronos. (Plin. Lib. XXXIV, cap. 4).

(93b) Sueton. in Calig. cap. 34.

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Sucedeo nesta parte aos romanos, o que muito antes se tinha já visto em Athenas, onde o excesso da vaidade chegára a tanto, que só a hum Demetrio Falereo depuzerão trezentas e sessenta estatuas, que tantos erão os dias de que constava o anno athe-niense. Mas foi couza memorável, que passados poucos tempos todas o Senado mandou despedaçar (94).

Em tempo dos imperadores christãos liberalizarão-se mais que nunca as estatuas aos particulares. Era esta huma honra ordinária não só dos grandes magistrados, mas tão bem dos homens sábios. Della gozarão o prefeito Symmaco, o retórico Victorino, o poeta Claudiano, e Sidonio Apollinário.

As equestres erectas em honra dos particulares sempre forão mais raras, e por isso mais estimadas. Nos princípios da Republica forão sem, duvida ou os primeiros, ou dos primeiros que lográrão esta honra, Horacio Cocles e a vestal Clélia; hum por ter disputado elle só a todo exercito de Porsena a passagem da ponte Sublicia; outra porque na mesma occasião fugio do campo dos inimigos passando a cavallo o Tybre. Depois a tiverão tãobem os consules Camilo e Menio, e alguns outros até Pompéo.

No tempo dos imperadores foi raro o que não teve estatua equestre; raro o que só teve huma. Augusto no monumento de Ancyra entre pedestres, equestres, e triumfáes de prata, conta oitenta que lhe puzerão vários particulares. Seos netos Caio e Lúcio, filhos de Marco Agrippa, tãobem tiverão de humas e outras em Pisa, da mesma matéria. Tito dedicou huma a Bri-tannico, que eira de marfim. Plinio no seo Panegyrico louva a moderação de Trajano, porque não consentindo outros impera-dores que se lhe dedicassem estatuas, que não fossem de ouro ou de prata, elle se contentou sempre com as de bronze, de que forão antigamente as de Bruto e de Camillo.

Forão muitas as estatuas equestres de Trajano. Entre ellas huma colossal sobre a colunna, de que hoje só resta a cabeça. Outra menor na mesma piraça do seo nome, da qual escreveo Marcellino, que nunca os olhos se fartavão de a ver. Das que hoje existem inteiras no Capitólio, conféssão todos os intelligentes, que a de Marco Aurélio é obra, a que nada faltou de arte e de primor. O mesmo julgão da célebre cabeça de Caracálla. Não

(94) Plin. Lib. XXXIV. cap. 6.

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acho porém que digam o mesmo da estátua equestre de Alexandre Sevério, nem das de Constantino, e de seos filhos.

As curules ou triumfáes, adverte Plinio Maior que forão invento mais moderno, que os romanos como tudo o mais, aprenderão dos gregos. Que as de cárro, a dous ou a quatro cavállos, erão próprias dos que pelas suas victorias tinhão merecido a honra de triunfo publico. Que das de cárro a seis, ou com elefantes, forão as de Augusto as primeiras em Roma (95). Ainda hoje se diviza em algumas medalhas suas o carro de quatro elefantes, e Augusto sentado nelle com hum ramo de louro na mão, e por cima a letra: DIVO AUGUSTO S. P. Q. R. Assim no-la descrevem Ursini e Satin. A mesma honra depois de mórta tributou Cláudio á Imperatriz Livia espoza de Augusto, como lemos em Sue-tónio (96). As medalhas de Trajano, que aponta Schwarzte nos Prelegómenos ao Panegyrico de Plinio, tão bem reprezentão este imperador no carro triumfante com a mesma insígnia do louro na mão. Capitolino no fim da Vida dos Maximinos refere o decreto do Senado, que mandava dar a mesma honra de estatua e carro com elefantes a Maximo, Balbino e Gordiano.

Estas são as estatuas, que Juvenal descreve quando diz:...Hujus enim stat currus aheneus, alti / Quadrijuges in vestibulis,

atque ipse feroci / Bellatore sedens curvatum hostile minatur / Eminus, et statua meditatur praelia lusca (96 a).

E outra vez:Et stantis in curribus Aemilianos (96b).Frigeli no tratado De Statuis Illustrium Romanorum, e Schu-vartze

nas notas ao Panegyrico de Plinio, dão por certo, que a postura ordinaria das estatuas dos deoses e dos princepes, principalmente depois das suas apotheóses ou canonizações, éra a de sentados, o que ambos confirmão das medalhas de Júlio Cézar, de Augusto, de Livia, e de outros que na sua collecção publicou Goltze (97). Eu leio, sentado no Capitólio a Juppiter; que por isso

(95) Serum hoc, et in his non nisi a divo Augusto sejuges, sicut et elephanti. (Suet. in Claud. cap. XI).

(96) Sueton. in Claud. cap. XI.

(96a) Juvenalis Saturae, VII, v. 125-8.

(96b) Id., VIII, v. 3.

(97) Frigel, cap. 32. Schuvartze, cap. 52.

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os que triumfavão, lhe depunhão no regaço o ramo de louro, que por insígnia das victorias tinhão levado na mão, como he mani -festo de Plínio no livro XV. cap. 30. e como de outros muitos lugares de poetas e historiadores confirma Jureto nas notas a Symmaco (97a). Leio, sentado no templo de Bruto Galego, o Marte colossal de Escópas. Sentada nos jardins de Servilio a Vésta do mesmo Escópas. Sentada, no pórtico de Metélo, Cornelia may dos Gracos. Porem Plínio que observou sentadas estas estatuas, este mesmo deixou advertido que em Athenas estava em pé a Minerva de Fidias; em Roma no Pantheon tãobem em pé o Her-cules, que tinha vindo de Carthágo. (98) E de tantas estatuas de deoses, que hoje se admirão em Florença no palácio e galerias do Grão Duque, e de que o celebre Gori nos offerece as chapas no tomo III, do seo Museo Florentino, só acho sentado o Bacco da taboa XLIX.

Por ordem ao traje, era do caracter grego não cubrir nada nas estatuas. E as que elles chama vão aquilleas, de lança na mão, erão tiradas ao natural da palestra dos luctadores, que como he notório se exercitavam nus (99). Os romanos pelo con -trario costuma vão vestir as suas de tóga, algumas vezes sem túnica por baixo. Assim estava Romulo e Camillo na praça dos Esporões. Assim se mostrão ainda hoje no palácio dos Grãos Duques de Toscana as estatuas de marmore de Sulla dictador sentado, e de outros sinco varões consulares em pé, com as tógas pregueadas e de muitas voltas, como no-las reprezenta Gori no mesmo tomo III do Museo de Florença, nas táboas LXXXII. LXXXIII. LXXXIV e seguintes; como tãobem na táboa XCI, a estatua de hum nobre menino romano togada e bullada, isto he de medalha ao peito. A tóga matizada de lavoures, e a túnica ornada de palmas, erão das insígnias mais notáveis dos triumfos(100). Scipião no Capitólio estava de manto e de chinellas (101) Júlio Cézar na praça do seo nome estava montado a cavallo com sayo de

(97a) Jureto a Symmaco Lib. X. Epist. 22.

(98) Plínio Lib. XXXIV. cap 8. e Lib. XXXVI. cap. 5.(99) Graeca res este nihil celare. Contra Romana et militaris thoracas addere.

(Plin.. Lib. XXXIV, cap. 5).(100) Livio Lib. XXXIII. cap. 15 e Val. Max. Lib. III. cap. 6. (I01) Val. Max., Lib. III, cap, 6.

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málha. Trajano na sua praça tinha manto imperial, peito d'armas, e bótas; globo de ouro na mão direita, sceptro na esquerda ( l0l a).

Era o sceptro já desde o tempo da Republica insígnia do Impe-rio; e o que levavão nos triumfos os vencedores, éra de marfimcom huma águia em cima ( l0l b). Patin entre as medalhas deAugusto do seo Museo produz huma de cóbre, em que perfei-tamente se diviza huma meia toga matizada fora do corpo, acoroa de louro, e o sceptro com a águia, e por cima a letra: S.P. Q. E. PAR. CONS. SUO. Isto he, Parienti coriservatori suo.Tanto por ser o louro symbolo da victoria, como para se conservara memória do ramo desta arvore, que segundo era fama em Roma,lançára em certa occasião huma águia no regaço a Livia, estandojá ajustada paira espoza de Augusto, costumou o mesmo Augusto,e costumarão depois delle os mais imperadores, levar nos triunfoshum ramo de louro na mão e coroa do mesmo na cabeça (102).Por symbolo da victoria já antes de Augusto tinha o senadoromano concedido a Iulio Cézar a grande e extraordinária honrade poder trazer sempre na cabeça coroa de louro (102a). E muitoantes deste tempo tinha Annibal coroado de louro o cadaver de Marcello (103).

Das pessoas porém se comunicou esta honra ás estatuas, a exemplo da com que o povo Romano cingira a do mesmo Iulio Cézar (104). Taes érão as estatuas dos antigos heróes romanos, que na sua praça collocou Augusto. Suetonio as chama trium-fáes (105). Tácito fallando de outras semelhantes lhes dá o nome de laureadas (106). Nas medálhas não ha couza mais frequente que a coroa de louro nas cabeças dos Césares.

(101 a) Chacon Historia utriusque Belli Dacici a Trajano Caesare gesti, etc. (101 b). Juvenal nas suas sátiras: Da Nunc et volucrem, sceptro quae surgit eburno.(102) «Ex ea triumphans postea Caesar, laurum in manu tenuit, coronamque capite

gessit: ac deinde imperatores Caesares cuncti.» (Pl. Lib. XV, 40).«Dans Ia suite, Auguste, triomphateur, tint dans la main une branche de ce laurier,

et en porta sur la tête une couronne: tous lês empereurs ont suivi son exemple» (Trad. Littré, p. 565, vol. I).

(102 a) Sueton. in Iolio cap. 45.(103) Val. Max. Lib. V. cap. 1.(104) Sueton in Iulio cap. 79.(105) Sueton. in Augusto cap. 31.(106) Tácito Annal Lib. IV. cap. 3.

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Porém assim como a coroa de louros éra insignia de vencedor e de triumfador, tãobem a coroa de rayos dourados, que igual-mente se observa em muitas estatuas e medalhas, era symbolo da magestade dos princepes e da divindade que os gentios attribuião aos seos, principalmente depois de mortos. A este rayos alludio Virgilio, quando fallando do rey Latino diz assim:

Ingenti mole Latinus Quadrijugo vehitur curru, cui tempora Circum Aurati bis sex radii fulgentia cingunt (107). Estes entendeo Floro, quando entre as insignias de Iulio Cézar descreve a coroa cercada de rayos (108). Estes Suetonio na coroa radiada de Augusto (109). Estes Plínio na cabeça radeada de outros Imperadores (110). Estes Mamertino no brilhante circulo que ornava a de Maximiano. (Mamertino, in Panegyr. Maxim.) Estes finalmente significavão aquelles bicos prominentes, que ainda hoje se descobrem nas medalhas de Tiberio, de Néro, de Vespasiano, que traz Patin; na de Trajano que produz Beger; nas de Décio e Probo que traz Gori; nas coroas dos nossos e de outros reys antigos.

A estas coroas radiadas succedeo em tempo dos imperadores christãos aquelle chuveiro resplendecente, de que nas suas medá-lhas se vêm cercadas as cabeças de Constancio, de Constante, de Theodosio Moco, e de outros, que vio Ducange na Dissertação das medalhas da Idade Inferior.

Por ordem á grandeza, dá Filandro e Gaurici esta regra: que estas estatuas dos homens illustres fossem de estatura ordinaria; as dos princepes e heróes mais que ordinaria; as dos deoses collossal. Porém a lição dos antigos, e a experiencia do que ainda, hoje se observa em muitas dos primeiros séculos, mostra que nesta parte não havia regra certa e fixa. Porque Plinio claramente affirma, que nos principios da Republica Romana éra a estatúra de tres pés a medida honrada das estatuas, a respeito dos homens ilustres: Non omittendum videtur, quod Annales annotavere; tripe-daneas his statuas in Foro statutas. Haec videlicet mensura honorata

(107) virgil-, Aeneid. XII, 161-163.(108) Flor. Lib. IV. cap. 2.(109) Sueton in Aug. cap. 94.(110) Plin. in Panegyr. cap. 52.

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tunc erat (111). E desta mesma altura he o Iuppiter, que foi do cardeal de Medicis. Pelo contrario a celebre Niobe, e as Sabinas do mesmo cardeal, excedem duas alturas de qualquer mulher ordinaria. E a estatua de Alexandre Magno montado no seo Bucéfalo he mais alta que muitas colossáes dos deoses.

A maior estatua que vio o Mundo, foi o colosso de Rhódes feito de bronze, que reprezentou o Sól, obra de Gares de Lydia, discipulo de Lysippo, que nella gastou doze annos, e por ella levou trezentos talentos. Tinha de altura setenta covados. Cada dedo seo era maior que qualquer grande estatua. O pollegár poucos erão os que o podião abarcar. Sincoenta e seis annos depois de feito e erecto, cahio com hum terremoto; e assim prostrado foi por muito tempo huma das sete maravilhas do Mundo. Havia na mesma ilha mais cem colossos menores. Depois deste o maior que se refere, foi o de Néro feito de pedra, de cento e dez pés, ou como quer Suetonio, de cento e vinte (112).

Em tempo de Alexandre Magno houve arquitecto tão vaidozo, que se offereceo a fazer do Monte Athos hum colosso, que figu-rasse o mesmo Alexandre, sustentando nas duas mãos duas grandes cidades. Vitruvio, na prefação do Livro segundo, refere miudamente esta empreza sem duvida original de Dinócrates, (que este era o nome do arquitecto) celebre por isso tãobem nos escritos de Estrabão, Plutarco e Luciano.

A Minerva de Fidias em Athenas, que era de marfim, tinha vinte e seis covados. No ovádo do broquel via-se de relevo de ouro a guerra dos deoses com os gigantes; nos chapins a dos lápithas e centauros; na baze o nascimento de vinte deoses. O Iuppiter de Olympia, tãobem de marfim, e obra da mesma mão, he constante que tocava quasi no tecto; de sorte que erão precizas grandes maquinas e escadas altíssimas para lhe chegar acima (113).

Na ilha de Samos havia três colossos sustentados todos em huma mesma baze, obra de Myrão de Lycia, hum Iuppiter, huma Minerva, e hum Hércules, levando-os da hi para o Egypto Marco

(111) Plin. Lib. XXXIV, cap. XI, 3. «N'omettons pás cê qui est note dans les Annales, que ces statues elévées dans le Fórum avaient trois pieds: c'était alors la dimension en honneur». (Trad. Littré, vol. II, p. 433).

(112) Plin. Lib. XXXIV, cap. 8-6.(113) Plin. Lib. XXXIV, cap. 5. Sueton. in Calig. cap. 57. Estrabão Lib. VIII.

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AntONio, que com estes prezentes costumava lisongear a sua Cleópatra; Augusto restituio á mesma baze o Hercules e a Minerva; e trouxe para o Capitólio o luppiter (114). Eufranor fez colossáes a Virtude e a Grécia. Outro o Nilo e o Tybre.

Em Roma conta Publito Victor trinte e sete colóssos de bronze, e sincoenta e hum de mármore (115). Entre este era o Apollo que estava no Capitólio, trazido por Lucúlio de Appolonia do Ponto, de trinta covados, por quem derão ao artífice cento e sincoenta talentos. O outro Apollo de bronze de sincoenta pés, feito na Toscana, e posto na biblioteca que Augusto lhe dedicara ( 116). Deste ainda hoje se mostra a cabeça, que tem oito palmos não perfeitos desde o alto da moleira até a extremidade da barba.

E como segundo as regras da proporção, que dá Vitruvio, ( 117) he a cabeça a oitava parte do corpo; discorre daqui Nardini, que toda a altura devia ser de secenta e dous palmos (118). Pela mesma razão como a cabeça de Trajano que no século décimo sexto conservava no seo palácio o cardeal dela Valle, tinha por testemunho de Affonço Chacon dous pés e quatro onças; infére dahi Fabretti, que todo o corpo devia ser de dezoito pés ( 119).

Esparciano na Vida de Adriano conta, que por todo o Mundo mandara este imperador levantar estatuas colossáes a Elio Vero. Lampridio na Vida de Alexandre Severo igualmente attésta, que na praça de Nerva puzéra Alexandre as estatuas colossáes de todos os imperadores canonizados, com magníficos títulos gravados em colunnas de bronze.

Estes títulos nos conduzem já a contemplar as bazes das esta-tuas. Duas couzas as fazião espectaveis: as inscripções, que erão os títulos e, os emblemas que lhes servião de ornato e de pompa. Os títulos declaravão o nome de quem era a estatua, o motivo porque a merecera, e o nome de quem lha dedicara. Com o nome de quem era a estatua, se declaravão tãobem os ascendentes

(114) Strabão Lib. XIV. cap. . ..(115) Anda no quarto tomo das Antiguidades Romanas de Grevio, pag. 1433.

. (116) Plin. Lib. XXXIV. cap. XVIII, l, 4. Plínio afirma q. o Apoio de Apolóniacustou 500 talentos (e não 150).

(117) Vitruvio Lib. III. cap. 1.(118) Nardini, Roma Vetus Lib. VI, cap. 14.(119) Fabretti nas Notas á Guerra Dacica de Chacon.

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illustres e os cargos honorificos que tinhão servido. Plinio o observa das estatuas da gente Appia no templo de Bellona ( 120). Suetonio das estatuas de Galba (121).

Dião Chrysostomo, no seo Rhodiaco, nota e reprehende o abuzo, que se tinha introduzido entre os rhódicos, de appropriarem a hum as estatuas dos outros, por meio da mudança dos nomes. E dos atticos de Pausanias se faz manifesto, que com igual abuzo appropriárão os athenienses a estatuas de Miltiades a hum romano, a de Temistocles a hum da Thracia.

No motivo entrávão as acções memoráveis do sogeito, como nas estatuas de Tito que no seo tempo se conservavão ainda na Alemanha e na Graã Bretanha, observa o mesmo Suetonio( 122). No nome de quem dedicava a estatua, era ordinário declarar, se a tal estatua tinha sido despojo de alguma victoria, se tinha sido dedicada por authoridade publica, se á custa de alguma corporação ou de algum particular. Assim se praticou na dedicação da estatua de Hércules, que estava nos Esporões, (Plínio, XXXIV, 19: Juxta Rostra...) declarando-se que Lucúllo a conquistara dos inimigos, que seo filho por ser ainda pupillo, a dedicara por authoridade do Senado, e que por deligencia do almotacel(*) Tito Septimio Sabino fora restituída ao publico (123).

Se a despeza da obra se tirava das contribuições de alguma communidade, era fraze do estilo dizer, que a obra se fizera STIPE COLLATA, ou AEBE COLLATO. Não ha couza mais frequente nos mármores antigos, como a outro intento mostrei já copiosamente nas minhas Observações sobre a Língua e Ortho-grafia Latina, Observação LXXVI. Aqui só descreverei uma destas inscripções, que traz Bellori nos Vestígios de Roma Antiga,

(120) Plin. Lib. XXXV. cap. III: Appius Claudius... Posuit enim in Bellonae aede majores suos: placuitque in excelso spectari, et titulos honorum legi.

(121) Sueton. in Galba, cap. 2: statuarum titulis pronepotem se Quinti Catuli Capito-lini semper adscripserit.

(122) Tribunus militum et in Germania, et in Britannia meruit summa industria, necminore modestia et fama, sicut apparet et statuarum et imaginam ejus multitudine, actitulis per utramque provinciam. (Suet. in Tito, cap. 4).

(*) Almotacel = edil curul(123) In hac três sunt tituli: L. Luculli imperatoris, de manubiis: alter, pupillum Luculli

filium ex S. C. dedicasse: tertius, T. Septimium Sabinum. (Plin. Lib. XXXIV, cap. 8).

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taboa XVI, posta sobre hum arco do tempo de Tibério, que confirma nobremente tudo o referido (123a).

Plebs. Urbana. Quinque. EtTriginta. Tribuum.Germânico CaesarTi. Augusti. FDivi. Augusti. NAuguri. Flamini. AugustaliCos. Iterum. Imp. Iterum.

AERE CONLATO.

E para que se não cuide, que as duas formulas STIPE COLLATA e AERE COLLATO, só se achão nas lapidas, temos a primeira tãobem em Plinio (Lib. XXXIV. cap. 5) ( ?), a segunda tãobem em Suetonio na Vida de Augusto, cap. 59.

O nome DIVUS tanto nos mármores, como nas medalhas, como em outros quaesquer monumentos, era argumento certo e infallivel da canonização do imperador a que se attribuia, e, consequentemente, de ser já morto naquelle tempo. He ponto em que concordão todos os antiquários (124), e expresso em Tácito, que assim mesmo o observa nos Annáes (125).

O nome do artífice tãobem era do costume gravar-se na baze, ou ainda em algum claro das mesmas estatuas. Plinio o advertio das de Bupalo e Anthérmo; e das que Fidias permittio que sahissem em nome de Agoracrito seo discipulo (126). O mesmo observa Gori do Hércules colossal de Florença, que em caracteres gregos antigos aponta o nome de Lysippo. Mais antigo que Plinio o notou Cicero na Verrina IV, f aliando de Apollo de Myrão, que se venerava em Agrigento. Quando estes e outros authores o não observassem, bastaria reflectir em que de outra sorte seria impos-

(123 a) Bellori no fim do Tomo Quarto das Antiguidades Romanas de Grevio.(124) Veja-se Jureto nas notas a Symmaco, Lib. III. Epist. 63. Sobre as palavras do

texto Domini Valentiniani, Schwartze nos Prolegom. ao Panegyr. de Plinio III et IV).(125) Deum honor Principi non ante debetur, quam esse inter homines desierit.

(Tácito, Annal., Lib. XV).(126) Plin. Lib. XXXVI, cap. 4-6.

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sível que se conservasse por tantos séculos a noticia de que erão de Fidias, quaes de Alcamenes, quaes de Polycleto, quaes de Praxiteles, quaes de Myrão, quaes de Eufranor, quaes de Lysippo. Como porém de muitas estatuas se não sabia de certo o author, he tãobem innegavel que nem todos declaravão os seos nomes; e se os declaravão, era por ieroglyficos, que nem todos entendião. Assim o fizerão os dous famozos arquitectos da Laconia, Saurão e Bátraco, que não lhes consentindo darem-se elles a conhecer por authores dos oratorios de marmore, que em Roma se vião nos pórticos de Octavia, deixarão esculpidas entre as roscas das colunas varias raãs, e varias lagartixas, que erão as emprezas que se tinhão appropriado (127). Ptolomeu porem rey do Egypto nenhum reparo fez, em que Sóstrato de Gnido gravasse o seo nome no farol de Alexandria.

Os emblemas que servião de ornato e de pompa ás grandes estatuas, erão como as figuras de Dario e de Thisafernes no exercito dos persas, que com a descripção da batalha de Maras thona estavão fazendo corte em Athenas á imagem, de Milcíadeo vencedor. Erão como as provincias debelladas, que se observãa nas medalhas dos antigos imperadores, com os simbolos de cada huma: nas de Augusto, o Egypto, com os seos crocodilos, e a Armenia com as suas aljavas e séttas; nas de Vespasiano, a Iudéa chorando com as suas palmeiras; nas de Trajano, a Dacia mon-tuoza com o barrete de que uzavão os naturaes. Erão como no arco de Tito a trombeta que annunciava o jubileo, as mezas e candieiros do templo de Jerusalem; erão como os outros ana-glyptos ou meios relevos, que na baze da estatua equestre de Trajano representavão a Dacia com os seos montes e bosques; o Danúbio coroado de folhas de canna; os Sármatas com os seos thorázes de bronze cheios de escamas; a Aurora significando o tempo da batalha; a falia do Imperador aos soldados; os régulos cativos; o triumfo; e tudo o mais que nesta expedição se passou. Erão como os outros que na baze da estatua equestre de Antonino Pio reprezentavão por semelhante modo as suas expedições e

(127) Plin. Lib. XXXVI. cap. 4-28. Plínio refere-se apenas a uma rã e a uma lagar -tixa... Sunt certe etiamnum in columnarum spiris inscaepta nominum corum argumento lacerta atque rana.

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victorias; entre ellas o exercito romano sequiozo, e a chuva impe-trada do Céo pelas orações da Legião Christãa, que nelle militava na guerra contra os marcomannos. Erão finalmente como as treze nações vencidas, que cercavão a estatua de Pompeo, obra do arquitecto Coponio em hum só marmore; e como os dezasseis meninos, que se vião brincando junto ao Nilo do templo da Paz de Vespasiano, em argumento dos dezasseis covados de altura, a que o mesmo rio sobe nas maiores cheias; tudo tãobem em outro mármore da Ethiopia que chamão basalte (128).

Não he alheio deste lugar huma estatua symbolica feita por Iticrates, em que a severidade dos athenienses mostrou igual -mente a sua circunspecção pela decência, e o seo agradecimento a huma acção heroica, de quem só se podiam esperar baixezas. Huma prostituta por nome Leoa, de quem Hermodio e Aristogitão erão apaixonados, teve o valor de sofrer antes a morte, do que descubrir ao tyranno os intentos que, a favor da liberdade da Republica, trazião os dous entre mãos. O Senado por evitar a indecencia de pór junto ás estatuas dos seos libertadores a de huma concubina de tão baixa esféra, tomou o discreto expediente de mandar fundir de bronze huma leoa; e paira significar o motivo e espírito da acção, advertio ao artifice que a fundisse sem lingua (129).

(128) Plin. Lib. XXXVI, cap. 11-3. (129) Plin. Lib. XXXIV, cap. 19-23.

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CAPITULO V

DOS ESTATUARIOS MAIS INSIGNES DA GRÉCIA; DO TEMPO EM QUE MAIS OSTENTARAO A VALENTIA DA ARTE, ASSIM EM BRONZE, COMO

EM MARMORE

Tanto a estatuaria, como a pintura, ambas se pode dizer que conseguirão a sua perfeição naquelle periodo de tempo, que mediou entre a vida de Fidias e a de Lysippo, que foi periodo de cem annos. Tudo o que nelle se trabalhou e forcejou por adiantar e aperfeiçoar estas ditas bellissimas e nobillissimas artes, logrou Alexandre Magno junto na Grécia, para ficar o seo reynado igual-mente nobilitado de proezas, e de quem nos mármores e nos bronzes as soubesse eternizar. Nesta época se inclue tudo o que o engenho e emulação dos artifices produzio para assombro do Mundo. Nelle se alcansarão e se forão vencendo huns a outros, entre os estatuarios os Fydias, os Polycletos, os Mirões, os Escópes, os Briaxes, os Praxiteles, os Eufranores. Entre os pintores, os Timantes, os Prótogenes, os Zeuxes, os Apelles. Como na prezente disertação só tomámos por assumpto a estatuária, das suas obras somente tratará este capitulo, segundo os descreve a Historia da Natureza, e ãa Arte no Livro XXXIV. cap. 8. e no Livro XXXVI. cap. 5 (129a).

Fidias natural de Athenas, vivia como já notâmos em outra parte, na Olimpiada octogesima terceira, que são quatro centos e quarenta e quatro annos antes da nossa era vulgar. Celébrão-se com especialidade entre as suas obras em marfim o Juppiter de Olympia, que ninguém soube nem ousou imitar, e a Minerva

(129 a) Refere-se à História Natural de Plínio (XXXIV, cap. 19, XXXVI, cap. 4 e segs.).

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de Athenas que era de vinte e seis covados. Em bronze, outras duas Minervas, numa que por antonomasia se chamava a Formosa; outra que se venerava em Roma no templo da Fortuna; hum colósso nu, e huma das amazonas do templo de Dianna de Efeso. A elle se atribue o descubrimento da toreutica ou anaglyptica, que he a arte dos baixos relevos. Teve por discipulo entre outros a Alcamenes, tão insigne em obras de mármore, como nas de bronze.

Próximos a Fidias florescerão na olimpíada octogésima sétima,Agélides, Polycléto, Myrão, Pythagoras. Depois, na Olympiadacentésima, Escópas, Briaxes, Timatheo, e Leócares. Depois naolympiada centésima quarta, Praxiteles e Eufranor. Depois naolympiada centesima decima quarta, Lysippo. Depois na olympiada centesima vigesima, seos tres filhos Lahippo, Béda eEutychrates.

Polycléto natural de Sicyonia e discipulo de Agélides, fez o Hercules que se via em Roma, levantando da terra e susten -tando na mão a Anteo gigante; o Mercúrio de Lysimaquia; as Canéforas de Athenas, que erão as donzellas de Ceres; e os dous meninos nus jogando os dados, que se conservavão no Atrio de Tito, óbra neste genero consummadissima. Este foi o primeiro que inventou susterem-se as estatuas em hum pé.

Myrão natural de Lycia, e discipulo tãobem de Agélides, foi o que introduzio na arte mais variedade, e cuidou mais em observar a symmetria dos corpos, ainda que não chegou a expri -mir os sentimentos do animo. Delle se celebrão, os três colossos de Samos, firmados todos tres em huma só baze: Juppiter, Minerva, e Hércules. Outro Hércules que traduzido a Roma se colocou no templo de Pompeo. Hum Apóllo que Marco Antonio levou de Efezo, e que Augusto restituio. Huma velha tomada do vinho, em Elmyrba. A novilha de Athenas, que Cicero adverte que era de mármore. Hum Discobolo, ou homem atirando com um prato. Hum satyro em acção.de admirar as suas pernas. E os Pentathlos ou Pancraciastas, de Delfos. E de quem era igualmente o Juppiter, que os romanos adornarão com formidável titulo de Tonante. Foi seo discipulo Buthyreo, tãobem de Lycia, de que se celebrarão muito os Argonautas, e hum menino assoprando o lume.

Pythágoras natural de Rhegio em Itália, e diverso do filósofo do mesmo nome, adquirio grande fama pelo Pancraciasta que fez em Delfos. Venceo-o porém Leoncio no seo Astylo, que era hum

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dos centauros que se mostrava em Olympia; e no Apóllo de Thébastocando cytara, e atravessando com as settas o dragão. Estefoi o primeiro, que nas estatuas exprimio nervos e veias, e o quepóz maior cuidado em fingir os cabellos. Escópas fez o Márte colossal, que em Roma estava sentado

de Bruto Galego. A Vénus e o Factonte de Samothracia. O Nep-tuno, Thetis, e Aquilles do Templo de Domicio. Outra Vénus que trazida a Roma se collocou no Circo Flaminio, para competir com a de Praxiteles, de Gnido, e que alguns querem que seja a mesma que hoje nobilita o Museo dos Medicis em Florença. Elle e Briaxis, com os outros dous estatuarios Timotheo e Leó-cares, forão os quatro artifiees, a quem Artemísia rainha de Caria encarregou da fabrica e lavores do soberbissimo sepulcro de seo marido Mausólo, donde os sepulcros tomarão o nome de Mausoléos. Tinha de altura vinte e cinco covados, e estava cingido de trinta e seis colunnas, tudo de mármore. Escópas tomou á sua conta os altos relevos que fica vão para o Nascente; Briaxis os do Norte; Timotheo os do Meio dia; Leócares os do Poente. Obra de Escópas erão tãobem os relevos de hua das colunnas do templo de Diana em Efeso.

Praxiteles natural de Athenas, igualando no bronze os mais insignes, no mármore a si mesmo se excedeo. Elle he que fez desta pedra a celebrada Vénus, pela qual todo o Mundo navegava á Ilha de Gnido, a ver a belleza nua. Por élla estipulara Nicómedes, rey de Bytbinia, com os naturáes, que lha cedessem por huma grande divida, e os homens não quizerão estar pelo partido ( 129b). Della se namorou hum moço até o ponto de mostrar que se esquecia, não digo eu que era deosa, mas que era pedra. Fez tãobem de mármore o Cupido de Thespias, depois foi trazida a Roma para as escolas de Octavia(129c), e outro nu que se venerava na Propontida, igual a Vénus de Gnido na nobreza e na injuria. Pois delle se namorou até o mesmo excesso Alphidras de Rhódes. Fez mais a Flora, o Triptolemo e a Ceres dos jardins de Sirvilio; o Bom Successo e a Boa Fortuna, que se vião no Capitólio. Nem forão menos admiradas as suas obras em obras, principal-

(129b) Plinio, VII, 39-2. (129c) Plinio, XXXVI, 4-11.

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mente o rapto de Prosérpina, hum Bacco, hum satyro e hum moço em acção de querer matar a tiro da setta huma lagartixa.

Eufranor fez hum Alexandre Paris, que por milagre da arte se caracterizava a hum mesmo tempo arbitro dos deoses, amante de Helena, e matador de Aquilles. Fez mais a Minerva, que Quinto Cátulo dedicára abaixo do Capitólio, chamada por isso a Catu-liana; a Latona parida de pouco, com os dous filhos Apóllo e Diana nos braços, o simulacro do bom successo, tendo na direita huma taça, na esquerda huma espiga e huma dormideira, e final -mente os colossos da Virtude e da Grécia (129 d).

Até aqui não tinhão dado os artífices na expressão dos affectos, e pouco na dos cabellos. Estava reservada esta gloria para o grande Lysippo, tãobem da Sycionia, que foi tãobem o primeiro, que começou a formar as cabeças mais pequenas, e os córpos mais delgados e seccos, com o que se faz melhor sobressahir a estatura, o que se não percebia tão sensivelmente nas estatuas quadradas dos mais antigos. Dizia Lysippo, que se os predeces-sores formavão os homens como érão na realidade, elle como parecião á vista. Não houve estatuario de imaginação mais fértil. Por sua morte se soube, que as suas estatuas em bronze chegavão a seiscentas. E soube-se seo herdeiro, pelo numero certo de moedas, que Lysippo costumava reservar do que lhe davão por cada obra. Fez hum Alexandre Magno com todos os passos da sua vida desde a infância. Mandou-o Néro dourar, pelo muito que gostava desta estatua. Depois vendo-se que a douradura não deixava lograr bem todos os primores e elegâncias da Arte; tirou-se-lhe o ouro; e ainda com as descarnaduras que ficarão, parecia muito mais precioza. Fez tãobem a Efestião e a todos os outros amigos de Alexandre, tirados ao natural. Metéllo os trouxe depois todos a Roma, para ornamento do seo pórtico. Nas thérmas de Agrippa se admirava tãobem outra obra do mesmo Lysippo, que era hum homem desapertando-se; e qual como Tibério o tirasse dalli para o seo gabinete, forão tantos os queixumes e amores do povo, que o Cézar se vio obrigado a repol-lo no antigo lugar.

Discipulos de Lysippo forão seos três filhos Lalippo, Béda, e Eutycrates. De Béda erão o Apóllo e a Iuno, que em Roma se vião

(129D) XXXIV, 19-27.

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no templo de Concordia. Eutycrates imitando admiravelmente a constancia de seo pay, não o seguia na elegância, querendo distinguir-se mais no género austéro, do que no engraçado. Porisso exprimio com rara valentia num Hércules em Delfos; hum Alexandre; huma batalha equestre; as carroças de Medéa; e varias montarias.

Da escola de Eutycrates sahio Thysicrates tãobem natural de Sycionia, que fez o velho de Thébas, o rey Demetrio e o Pericestes, que salvara a Alexandre.

De Briaxis gabou-se muito hum Esculápio, hum Bacco, e hum Seleuco. De Silão, de quem Varrão diz que vira de outro mármore (*), huma leoa, e muitos cupidos alados: huns tendo-a preza; outros obrigando-a a beber de um vazo rústico; outros ferrando-a de sóccos.

(*) Sic.

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CAPÍTULO VI

DA DEDICAÇÃO E RELIGIÃO DAS ESTATUAS. OBSERVÃO-SE MUITAS PARTICULARIDADES SOBRE A APOTHEOSE DOS ANTIGOS IMPERA-

DORES E SOBRE O TITULO DIVUS QUE SE LHES ATTRIBUHIA.

Sempre que se punha alguma estatua em publico, ou fosse de deoses, ou fosse de heróes, ou fosse de homens illustres, devia este acto ser acompanhado da licença do princepe ou dos seos magistrados, e da assistencia das pessoas graves. E esta função he que se chamava dedicação da estatua. Tibério não queria que se lhe puzessem estatuas, sem elle mesmo ter dado licença para isso (130). Se a estatua era de particulares com muito maior razão de fazia preciza a faculdade do príncipe. O pri.° que assim o determinou, foi Caligula (131). E logo depois delle Cláudio (132). E que assim se ficasse observando ahi em diante, he bom teste-munho o lugar de Plinio Moço, onde faz menção da licença que se pedio a Trajano para a estatua de Syllano (133). E o outro de Symmaco, que em nome do Senado, e Povo Romano pede a Theodosio Grande, que permitta se ponha estatua a Pretextato.( 134) O mesmo insinua Claudino no seguinte verso da prefação á Guerra Getica:

Annuit tuis Princeps titulum poscenta Senatus.Porque nesta parte se tinha introduzido algua relaxação e

(130) Sueton. in Tib. cap. 26(131) Sueton. in Calig. cap. 34.(132) Dião Cassio Lib. LXI.(133) Plin. Lib. I. Epist. 17.(134) Symmaco, Lib. X Epist. 25.

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abuzo, publicarão Arcadio e Honório a Ley l, De Statuis et Ima-ginibus, onde álem de huma gravissima multa pecuniária impoem pena de infamia aos magistrados que, sem licença do princepe, admitissem a honra de se lhes levantarem estatuas de qualquer materia. Sendo porem levantadas as estatuas em honra do Im-perador, tinhão já antes ordenado Theodosio e Valentiniano na Ley 2. do mesmo titulo, que o magistrado da terra assistisse a este acto. Por falta desta authoridade publica forão demolidas em Athenas todas as estatuas de Demetria Falereo; em Roma, no tempo da Republica, todas as que se achavam erectas sem licença do Senado ou do Povo.

Não bastava a estatua ser de algum deos, para os particulares se arrogarem a authoridade de as expór ao publico do seo moto proprio. Porque nas materias de religião e de culto externo dos seos numes, erão os antigos mais do que em nenhuma outra, summamente attentos e zelozos, para não succeder que na Repu-blica se introduzissem novos numes, ou com ritos e ceremonias estranhas se contaminasse a religião patria.

Era esta huma ley inviolavel dos athenienses: Venerar com hum rito uniforme os deosos e heróes ao paiz, seguindo o ceremonial das leys patrias (135). E daqui tirarão os romanos aquelle artigo das Doze Taboas: Separatim nemo liabessit deos, isto he, que ninguém tivesse deoses próprios, ou separados do commum. E a outra ley, que prescrevia o culto não de quaesquer deoses, mas dos nacionaes, que refére Cicero (136). Se bem que Dionysio de Halicarnasso afftrma, que a prohibição de ceremonias peregrinas no culto dos deoses vinha já de Romulo; e louva muito os romanos pela sua exacta observancia. Suetonio refére que Augusto como religiosissimo observador dos ritos pátrios, fugira sempre de se contaminar com os das outras nações, que não estivessem ainda recebidos em Roma, como o não estavão os da Céres Attica, de Apis do Egypto, de Moysés da Judéa. Espar-ciano louva o mesmo em Hadriano. Pelo contrario Cláudio intentou introduzir em Roma os Mysterios Eleusinos da Céres Attica (137). E Vespasiano quando ainda se achava em vida privada, nenhuma

(135) Schisull. nas Notas ao Sophisma dos Sigéos. Antig. Asiat. pag. 57. (136) Cicero De Legib. Lib. II. cap. 8. e cap. 10.

(137) Sueton. in Claud. cap. 25.

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duvida teve de consultar o oráculo de deos Carmélio, sobre que fortuna o esperava (138).

He notavel este lugar de Suetonio, pela divindade que attribue ao Monte Carmélo, que elle põe na Judéa, devendo dizer entre a Judéa e a Syria, como melhor se explica Tácito. O qual tãobem concorda que o monte e o deos que nelle se adorava ambos se chama vão Carmelo; ao mesmo passo que nelle não havia simulacro nem templo algum; mas somente hum altar e a reverencia do nume. Est Judeam inter Syriam que Carmelus. Ita vocant Montem Deum que. Nec simulacra, Dei, nec templum tradidere maiores; aram tantum et reverentiam (139). Sem saberem, de quem fallavão, dérão a conhecer estes dous escritores ethnicos o verdadeiro Deos, e o culto que elle tinha no Monte Carmelo, desde o tempo de Elias e de seos discipulos, como he notorio da Sagrada Historia dos Reys. Deste assumpto há huma erudita dissertação de Gaspar de Mendonça impressa em Anvers no anno de 1698, com este titulo: Examen Divinitatis, quam in Carmelo Vespasianus consuluit.

A divindade que os gentios reconhecerão no Monte Carmelo, nos faz lembrar da especial religião, com que elles entre as mesmas estatuas e templos dos seos deoses, veneravão e respeitavão mais huns, do que outros. Porque na Grécia entre os templos e simulacros de Juppiter era o primeiro no culto e reverencia o de Olympia; entre os de Apóllo o de Délfos; entre os templos e simulacros de Ceres o de Athenas; entre os de Iuno o de Argos. Em Roma quem não sabe que o Capitólio era o assento mais digno e magestozo do mesmo Juppiter? e que o que nelle se venerava debaixo da invocação de Optimo Maximo, excedia no respeito a todos os mais simulacros? Cicero na oração em que trata das estatuas, que Vérres furtára sendo pretor da Sicilia, discorre longamente da especial religião, que a cértos lugares conciliavão certos simulacros dos deoses. Entre elles tires de Juppiter Impe-rador, que debaixo desta invocação, e com huma mesma figura érão os mais famozos do Mundo: hum na Macedonia; outro no Bósforo da Thracia; outro em Saragossa. O primeiro trouxe-o de Macedonia Flaminino, e o collocou no Capitólio, que éra, como

(138) Apud Judeam Carmeli Dei oraculum consulentem ita confirmavere sortes, etc. (Suet, in Vespas., cap. 5).

(139) Tácito Hist., Lib. II, cap. 78.

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Cicero se explica, o domicilio de Juppiter na Terra: o segundo depois de tantas guerras e revoluções, se conservava de tempos antiquíssimos em suma veneração entre aquelles bárbaros: o ter -ceiro furtou Vérres de Sicilia (140). Na mesma oração observa o príncipe dos oradores o especial culto que na mesma ilha logra-vão em Saragosa Diana e Minerva; em Agrigento Apóllo; em Catania Gores; em Segesta a Diana, que de Carthago lhe restituirá Scipião Africano, como constava do titulo. Observa mais a anti -quissima e constantissima persuasão em que vivião os gregos, de que a Sicilia toda estava debaixo da tutela de Ceres e de Proser-pina, a que era consagrada. Livio adverte o mesmo das outras duas ilhas de Délos e de Samothracia, por cauza de outros deoses, que nellas tinhão seos templos (141).

Tirar dos seos templos para outra parte as estatuas dos deoses privando as do antigo culto que lhes tributavam os naturaes, reputavam gregos e romanos por hum detestável sacrilégio. Os egypcios como escreve S. Jeronimo sobre o capitulo XI de Daniel, honravão com o titulo de Evergetes, que quer dizer bem-feitor, ao rey Plotomeo, por estes lhes haver restituido os vasos e simulacros sagrados, que Cambyses tinha levado para a Persia. Cicero honra muito a piedade e religião de Scipião Africano, por ter restituído ás cidades de Sicilia todas as estatuas, que lhes havião roubado os carthagineses (141a). Augusto no Monumento de Ancyra gloria-se de que todas as estatuas e ornamentos pre-ciozos que Marco Antonio roubára dos templos mais illustres da Europa e da Ásia, os fizera elle repor nos seos lugares. Pausanias attribue ao castigo dos deoses a morte violenta de Caligula e de Néro; porque tendo restituído Cláudio a Thespias o seo Cupido, que Caligula lhe mandara tirar, Néro o tornou a mandar vir para

(14°) Cícero Verrina IV. Iouem autem Imperatorem quanto honore in suo templo fuisse arbitramini. Conicere potestis, si recordari volueritis quanta religione fuerit eadem specie ac forma signum illud quod ex Macedonia captum in Capitolio posuerat T. Fla-mininus. Etenim tria ferebantur in orbe terrarum signa Iovis Imperatoris uno in genere pulcherrime facta, unum illud Macedonicum, quod in Capitolio vidimus, alterum in Ponti ore et angustiis, tertium quod Syracusis ante Verrem praetorem fuit. Illud Flamininus ita ex aede sua sustulit, ut in Capitolio, hoc est in terrestri domicilio Iovis, poneret. Quod autem est ad introitum Ponti, id quem tam multa ex illo mari bella emerserint, tam multa porro in Pontum invecta sint, usque ad hanc diem integrum inviolatumque servatum est.

(141) Lib. XLIV. cap. 29 e Lib. XLV, cap. 5.(l41a) Cícero, Verrina IV.

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Roma (142). Dião Cássio attesta, que a náo que o mesmo Caligula enviára á Grecia, para trazer o colosso de Juppiter, fora desfeita por hum rayo (143).

Como depois dos deoses logravão os princepes gregos e romanos o segundo lugar; não he muito, que tãobem as suas estatuas se dedicassem templos, e altares, e sacrificios. Lampridio na Vida de Alexandre Severo faz menção do templo, que na cidade de Areena na Syria tinha Alexandre Magno. Plutárco refére, que os Athenienses não contentes de darem o titulo de deoses conserva-dores aos seus reys Demétrio e Antigono, extinguirão o magistrado proprio da Republica, que chamavão arconte, e substituíram em seo lugar hum sacerdote dos deoses conservadores (143a). Atheneo menciona os templos, que na ilha de Lemnos consa-grarão os mesmos athenienses a Seleuco Callinico , e a seo filho Antioco Deos (144). Ainda hoje se conserva e se lê a inscrição, que no ano 35 da era dos Seleucidas, que coincide com o anno 278 antes da era vulgar, dedicarão os sigéos em huma grande pedira ao rey Antioco Soter, na qual se fáz menção, do sacerdote do mesmo Rey Antioco (145).

Entre os romanos foi Júlio Cézar o primeiro, que estando vivo, e dentro de Roma, admittio que se lhe tributassem honras divinas, a saber, templos, aras, simulacros entre os deoses, pulvinares ou travesseiros (*), collegios de Flamines e sacerdotes, sacrifícios perennes (146). Digo dentro de Roma: porque nas pro-vincias permitião as leys a honra dos templos aos procônsules, como Suetonio o observa no mesmo lugar, e como se faz mani-festo das epistolas de Cicero a seo irmão Quinto. Neste cazo interpretava o mesmo Cicero, que a mente dos provinciáes não era canonizar a pessoa do proconsul, mas as suas virtudes (146a).

(142) Pausan. Lib. IX, cap. 27.

(143) Torrencio nas notas a Sueton. in Calig. cap. 57.(143 a) Plutarco, in Demetrio. (144) Athen. Lib. VI, cap. 16. (145) Chisull. Antig. Asiat. pág. 50.(*) Pulvinar: «coussin de lit sur lequel on plaçait les statues des dieux pour un

festin (un lectisternium); lit de parade». (F. Gaffiot, Dictionnaire...). Cf.: Cic. Dom 136; Phil. 2, 110; Hor. Od. 1, 37, 3; Liv. 5, 52, 6; Cic., Cat. 3, 23; Liv. 22, l, 15.

A rigor, o texto é inexacto: deve ler-se: Flamines, colégios de sacerdotes, ...(146) Sueton. in Julio, cap. 76.(146 a) In illis urbibus cum summo império et potestate versaris, in quibus tuas virtudes

consecratas, et in deorum numero collocatas vides. (Cic. Ad. Q. Fratrem).

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Augusto por evitar talvez a censura e odiosidade, em que seo tio incorreo, nunca dentro de Roma quiz templos; e nas provin-cias só admittio, os que se dedicassem juntamente a Roma ( 147). Tal foi o que Cesárea da Palestina lhe consagrou a lizonja de Heródes, com a circunstancia de que a estatua de Augusto éra formada á semelhança da de Juppiter Olympico; a de Roma á de Iuno Argiva. O que a diligencia de Casaubon julgou digno de observação na Historia de Iozefo (148). Tal o que lhe dedicou em Pérgamo o commum da Ásia, como consta de Tácito ( 149). E este por ventura he o que representão as medalhas de Augusto, que acho em Patin com as letras: ROM. Et. AUG. COM. ASI. Táes finalmente as aras, que se lhe erigirão em França, e em Hespanha, segundo se colhe do Monumento de Aneyra (150).

Tibério não consentia que as suas estatuas se collocassem entre as dos deoses, como consagradas; mas somente nas cazas como ornamento (151). Domiciano não só as consentia mas queria que fossem todas de ouro ou prata, e de certo pezo (152). Disto o cen-surou depois acremente Plínio o Moço; formando daqui argumento para louvar a religioza modestia de Trajano, que se contentava que as suas se collocassem no vestibulo do Capitolio; e essas de bronze (158).

Depois de mórtos érão os templos e collegios dos sacerdotes huma consequencia ordinaria da canonização dos imperadores. A esta canonização chamavão os gregos apotheosis, os latinos consecratio (153 a). A substancia deste acto éra esta: depositado o corpo em ham preciozo féretro, era levado ao lugar da pyra aos hombros da nobreza. Hião adiante os senadores e magistrados sem insignias; a ordem equestre vestida de lucto; a soldadesca com as armas para baixo; o povo repartido nas suas tribus. Rcitava-se huma oração funebre, que punha nas nuvens as vir-

(147) Sueton. in August. cap. 52.(148) Casaub. Ad Sueton. in Aug. cap. 52.(149) Tacit. Annal. Lib. IV, cap. 37(150) Monum. Ancyran. Taboa II. do lado esquerdo.(151) Sueton. in Tib. cap. 26.

(152) Sueton. in Dom. cap. 13. (153) Plin. in Panegyr. cap. 52. (153a) Déla e das suas ceremonias trata cipiósamente Herodiano no livro IV, cap. 2. Dião Cássio na morte de Augusto; Lamprídio na de Sevéro.

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tudes e acções do cézar; recitava-se o decreto do Senado, que lhe mandava dar honras de deos pelo que fizera; em sinal de sentimento lançava cada hum sobre o corpo as prendas de maior valor, que recebera do defunto, e ainda das suas jóias. Mandava logo o Senado aos centuriões, que applicassem os fachos á pyra. Reduzido o cadáver a cinzas voava de entre as chamas huma águia, que se cria levar ao Céo a alma do imperador. E deste ponto em diante o intitulavão divo, e tributavam cultos, e nas funções publicas levarão a sua imagem em andor. Ainda hoje na cupula do arco de Tito se diviza de baixo relevo a sua effigie, como de quem aos hombros de huma águia voa para o Céo. O mesmo significa a águia sobre o sceptro de marfim nas medalhas de Augusto, e de Nero: a ara vaporando fragancias nas de Tra-jano. Da honra do andor com a imagem do canonizado a que os latinos chamão mensa, faz menção Suetonio na Vida de Júlio Cézar cap. 7, e Capitolino na Vida de Marco Aurélio cap. 12.

Consta da Historia Eclesiástica, que Tibério propuzéra ao Senado, que se devia canonizar Iezus Christo, crucificado em seo tempo em Ierusalem (154). Lamprídio acrescenta que Hadriano intentára o mesmo; e que Alexandre Severo conservava em grande veneração huma sua imagem. Não permittio Deos que tivessem effeito estas apotheoses de seo Filho, para se não cuidar, que do Mundo e dos homens he que elle tinha a Divindade.

Os sacerdotes e flamines, que se consagra vão ao culto e ser -viço dos templos dedicados aos divos imperadores, costumavão ter a denominação delles mesmos; chamando-se v. g. augustaes. os de Augusto, flaviaes os de Vespasiano, hadrianaes os de Hadriano, antonianos os de Antonio Pio, marcianos os de Marco Aurelio. De huns e outros se encontrão a cada passo memorias nos escritores da Historia Augusta, e nos antigos mármores, onde tãobem se achão, que he o mais ridiculo, allistadas nestas associações ou collegios, varias sacerdotizas com os mesmos nomes, Como as virgens faustinianas, dedicadas ao culto da imperatriz Faustina, de que faz menção Capitolino na Vida de Marco Aurélio (1SS). Porque em obsequio deste imperador declarou o Senado diva a sua espoza, não obstante morrer infamada de

(154) Euseb. Lib. II. cap. 2. Tertull . in Apolog. cap. 5.(155) Capitol. in Marco cap. 26.

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adultera. E isto a exemplo de que já se tinha praticado com Plotina e Matidia, aquella espoza, esta irmãa de Trajano; que ambas nas medalhas do mesmo Trajano apparecem tãobem canonizadas com o titulo de divas, como observa Schuvartze (156).

Os homens sizudos, de entre os mesmos ethnicos não deixavão de conhecer a vaidade das apotlieóses; e que o titulo de divo hum mero nome, ou hua honra sem substancia. Vespasiano vendose acommettido da ultima doença disse com graça: segundo entendo, desta vez me fazem deos. Ut puto, deus fio (167). Bassiano depois de ver morto a seo irmão Gesa, refere Esparciano que dissera: Sit Divus, dum non sit vivus: Seja embora divo, tanto que não seja vivo. Sexto Aurélio Victor se lamenta, de que se contassem entre os deoses alguns imperadores que pelos seos vicios erão indignos até de sepultura (188). De entre os christãos he neste particular discretissima e agudissima a reflexão de Minucio Félix. «Divos tãobem são os mais reys, que se consagrão não em fé de alguma divindade, mas por honra do poder que exercitárão. Até aos que o repugnão, se dá este nome. Dezejão conservar-se homens; temem que os fação deoses; e se são velhos, não querem que os fação (169).

Os imperadores christãos contemplarão em seos predecessores o titulo de divos, como o de Augustos; isto he, contemplarão-no como titulo de mera ethiqueta, ou de puro ceremonial da Corte. Por isso nenhum reparo fizerão em o conservarem e continuarem aos mais antigos, ainda péssimos, ainda gentios; o que se faz manifesto tanto do código de Theodosio, como do código de lustiniano (159 a).

(156) Schwartze nos Prolegom. ao Paneg. de Plinio.(157) Sueton. in Vespas, cap. 23.(I38) Sexto Aurel. De Caesaribus cap. 33.(159) Minucio in Octavio. — «E divi ceteri reges, qui consecrantur non ad fidem

numinis sed ad honorem emeritae potestates. Invitis his denique hoc nomen adscribitur: optant in homine perseverare; metuunt se deos fieri, et si tenes sunt, nollunt.

(159 a) No primeiro temos a Valentiniano e a Valente dando o tratamento de Divo a seo predecessor Iuliano Apóstata na Ley 2. de Actor, et Procur. e na Ley 20. De cursu Publ. Temos a Graciano, Valentiniano, e Theodosio dando-lhe o mesmo titulo de Divo na Ley 4. De Calcis Coctor. E dando-lhe na Ley 11. De Numer Actuar, o titulo de Divae Memoriae, que tãobem lhe derão Arcadio e Honorio na Ley 7. De Proxim. Comit. Disposit. No segundo temos os mesmos Valentiniano e Valente dando o titulo de Divo a loviano na Data da Ley 2. De Consort. ejusdem Lit. E a Arcadio e Honorio na Ley 15.

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O prefeito Symmaco, quando fala do imperador vivo, costuma dar-lhe o titulo de Domine Imperator. Quando falla do imperador já defunto, costuma dar-lhe o titulo de divus, como no Livro X. Epist. 47, Divus Constantius; e na Epist. 40, Divus Genitor vester; e na Epist. 53, Divus atque inclitus Gratinus. Não consta que ou os piíssimos e religiosissimos imperadores Valentiano e Theo-dosio reprovassem neste ministro seo pagão o uzo de hum for-mulário gentilico; ou que algum dos grandes Santos Padres da Igreja que então concorrerão, como Athanasio, Basilio, Chrysos tomo, Ambrosio, Agostinho, Ieronimo, notassem de illicito seme-lhante uzo. Depois destes tempos o primeiro, em que o acto é reprovado, he S. Prospero no livro De Dimidio Temporis cap. 7. Depois no fim do século oitavo Carlos Magno, ou quem em seo nome compóz a obra Contra Synodum Graecorum De Adorandis Imaginibus, que alguns attribuem a Alcuino, no Livro I. cap. 3. He verdade que S. Athanasio no livro De Synodis repreende nos arianos darem o titulo de eterno a Constando; mas he porque ao mesmo tempo o negavão ao Filho de Deos.

Plinio, no seo Panegyrico, fallando de Nerva com Trajano diz assim: — «Tibério canonizou a Augusto, mas foi para dar matéria ao crime de leza magestade, Néro canonizou a Cláudio, mas foi para o illudir; Tito canonizou a Vespasiano, e Domiciano a Tito; mas aquelle o fez para ser respeitado como filho de hum deos; este para ser respeitado como irmão de outro. Vós puzestes no Céo a vosso pay, não para vos haverdes temido dos vassállos; não para irrizão dos numes; não para honra vóssa, mas sim porque o tendes por deos» (160). Este discurso tem tanto de verdade, como de lizonja. Tem de verdade os fins meramente políticos, porque forão canonizados por seos successores os primeiros cézares. Tem de lizonja o attribuir a Trajano a crença interior, de que Nerva era deos.

De Excusat. mun. allegando a seos predecessores deste modo: Nam et hoc a Divis Prin-cipibus imperatum est. E a lustiniano na Institura Lib. II. Tit. X. § 17. dizendo: Tam Divus Hadrianus, quam postea Divi Severui et Antoninus; e assim em outros lugares. E na Ley 12. De Numerar. Actuar, institulando Divae memoriae a Zenão.

(160) Dicavit coelo Tiberius Augustum, sed ut maiestatis crimen induceret: Claudium Nero, sed ut irrideret: Vespasianum Titus, Tit um Domitianus; sed ille ut dei filius, hic ut frater videretur. Tu pairem sideribus intulisti, non ad metum civium, non ib contume-liam numinum, non ad honorem tuum; sed quia deum credis. (Plin. Panegyr; Cap. XI).

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He porém sobre todas digna de attenção aquella clauzula, em que Plinio com politica sagacidade observa que o fim porque Tibério quiz que Augusto fosse reconhecido deos, foi para com isto munir a sua pessoa contra todo e qualquer attentado dos subditos; e não só a sua pessoa, mas tãobem as suas estatuas. Porque canonizado Augusto, ficavão a pessoa e as estatuas de Tibério sagradas e invioláveis por dous principios: por imperador, e por filho adoptivo de hum deos. Toda esta extensão dão os homens sabios á mente de Plinio, e á politica de Tibério ( 160 a).

Na verdade até ás estatuas dos heróes e particulares illustres guardava a Antiguidade summa reverencia. Que seria a respeito das dos princepes, que no nome e titulo de Augusto incluião o de santos? Sancta vocant Augusta Patres, disse Ovídio. Valério Máximo refére, que apportando em Rhódes as estatuas dos dous famozos heróes libertadores de Athenas, Harmodio e Aristo-gitão, que Xerxes levára para a Pérsia, e que Alexandre ou Seleuco restituira, foi tão grande a honra e reverencia, que como se fossem estatuas de alguns deoses, lhes prepararão em hum dccentissimo hospicio os pulvinaros ou travesseiros, que érão do ceremonial religiozo nos templos (161). Cicero exaggéra por hum arrojo de Vérres, quo junto á estatuo do bronze que no senado de Saragossa vinha de tempos antiquissimos Marcos Marcello, puzesse elle huma sua dourada, e outra de seo filho; e qualifica de sacrilégio, que em lugar dos sacrificios que se celebravão em honra de Mar-céllo, instituisse o mesmo Varres outros em honra sua (162).

Pelas leys e costumes romanos era crime de Ieza magestade não só ourinar, mas ainda o despir-se na prezença dos simulacros imperiaes. Zonares o adverte na vida de Domiciano. Muito maior crime collocar as estatuas particulares mais altas do que as dos cézares. Da ultima gravidade o derribal-las. Por este insulto mandou Teodosio o Grande castigar com pena capital alguns cinco mil pessoas em Tesalonica.

Enganão-se os que se persuadem que as estatuas dos impera-dores só érão asylo para os servos, e não para os livres e ingenuos. Porque a Historia de Suetonio nos informa, de que hum filho

(160 a) Schuvartze, na nota a este lugar, citando a Brisson e Gundling.(161) Val. Max. Lib. II, cap. 10.(162) Cicero na Verrina II.

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de Marco Antonio se refugiára á estatua de Iulio Cézar contra as iras de Augusto (163). E que Aggripina, nora de Tibério, se refu-giara á estatua de Augusto contra as iras do mesmo sogro ( 184). E da Historia de Tito Livio o observa Hottoman nas notas á Verrina II. que muiro antes se refugiara Decio Magio á estatua de Ptolomeo. He verdade porém, que como pelo decurso dos tempos começou a malicia de alguns a abuzar deste recurso, julgarão alguns imperadores necessario modificar e restringir a certos cazos o seo effeito (164 a).

Este respeito tributado ás estatuas não só dos princepes, mas tãobem de quaesquer homens illustres, resume Cicero de hua certa religião, que os antigos consideravão nas estatuas, para se reverenciarem de hum certo modo, como se todas fossem sagradas (165). Por isso reduz a hua espécie de sacrilégio, que Verrcs levasse do Prytaneo a Safo de Silanicis — e a Europa de Otranto; não menos que se outro tirasse de Efeso o seo Ale-xandre; de Cyzico o seo Aias ou a sua Medea (166). Pelo contrario celebra por hum acto de religião nos Rhodios, guardarem respeito à estatua de Mithridates, que se conservava na ilha, ao mesmo tempo que a armada deste rey a estava sitiando e accommet-tendo (167). E desta religião discorre Hottoman que tivera principio o direito dos asylos, de que fallão as leys (*).

Imprima-se, e volte a conferir.Meza, 3 Outubro de 1776.Bispo P. Bp.° de L.da Larre.

(163) Sueton. in Aug. cap. 17.(164) Sueton. in Tiber. cap. 53.(164 a) O que faz anifesto pelos dous rescriptos de Antonino Pio, que reférem

Ulpiano na Ley 2. D. De His qui sui vel alieni juris sunt; e Callistrato na Ley 28. D. De Poenis. A que depois acresceo a Ley de Valentiniano, Theodosio, e Arcadio, unica do Titulo do Código, De His qui ad Statuas confugiunt.

(165) Apud omnes Graelos hic mos est, ut honorem hominibus habitum in monumentis hujus modi non nulla religione deorum consecratum arbitrentur. (Cícero, Verrina II)

(166) Cícero, Verrina IV.(167) Cicero, Verrina II.(*) O manuscrito termina aqui, bruscamente.

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