batuque de umbigada: identidade e memÓria bantu no oeste paulista na contemporaneidade
DESCRIPTION
TRANSCRIPT
1
BATUQUE DE UMBIGADA: IDENTIDADE E MEMÓRIA BANTU
NO OESTE PAULISTA NA CONTEMPORANEIDADE
Emerson Feliciano Mathias1
Resumo: O batuque de umbigada, também denominado batuque de tambu é uma expressão
cultural afro-brasileira. É caracterizado pela troca de umbigadas entre os casais participantes,
dispostos em fila, dançando ao som do toque de tambores, matracas e chocalhos, instrumentos
que compõem a parte percussiva e definem o ritmo das modas. As modas são as cantigas
conhecidas ou improvisadas, que versam sobre o cotidiano, entoadas pelos mestres
cantadores. Esse trabalho se propõe a recuperar/reconstruir memórias bantu, entender suas
transformações e seus significados, assim como a importância para a memória e identidade
dos agentes envolvidos por meio de entrevistas com líderes e integrantes do batuque de
umbigada no Oeste Paulista.
Abstract: The drumming of umbigada also called drumming of tambu is a african-Brazilian
cultural expression. It is characterized by the exchange of umbigadas among participating
couples, arranged in a row, dancing to the sound of drumming, rattles and rattles, instruments
that make up the part and define the percussive rhythm of fashions. The fashions are known or
improvised songs, which deal with the everyday, sung by master singers. This paper proposes
to recover / rebuild memories Bantu, understand their transformations and their meanings, as
well as the importance to the memory and identity of those involved through interviews with
leaders and members of the drumming of umbigada Oeste Paulista.
Palavras-chave: Batuque de Umbigada, memória, identidade, cultura afro-brasileira.
Introdução
Batuque de umbigada, quando nos deparamos com essa expressão cultural afro-
brasileira não imaginávamos a complexidade e a riqueza dessa tradição. As pesquisas
realizadas nos levaram a perceber que a cultura africana está ligada com a vida social do
sujeito. A religião, o trabalho, o lazer, enfim, tudo está conectado na sua cosmogonia2.
Percebemos que esse aspecto, atravessou o Atlântico junto com as etnias africanas que aqui
foram escravizadas.
Outro traço fundamental da cultura africana é o valor e o respeito que dão a memória,
principalmente e exclusivamente dos mais velhos, a tradição oral manteve viva a identidade
1 Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação e Licenciatura em História pela Universidade Nove de Julho –
Uninove, sob a orientação da Professora Ma. Kátia Cristina Kenez, apresentado no segundo semestre do ano de
2013. 2 Definimos cosmogonia como uma filosofia da vida social africana, onde todos os elementos da natureza estão
ligados à sua origem e dão sentido a seu Universo. Ou seja, para o africano seus atos políticos, econômicos,
culturais e religiosos não são dissociados.
2
dos africanos que foram trazidos na diáspora negra e ajudou a (re) construir uma nova no
território brasileiro. Negando a máxima de Hegel, de que a África não tinha História, pois não
possuía escrita.
Hoje em nosso contexto podemos pesquisar as tradições afro-brasileiras exatamente
por essa afirmação ser totalmente equivocada, pois, por meio da memória, a cultura africana
sobreviveu no período da escravidão e se transformou em diversas expressões por todo
território brasileiro. Em nossas pesquisas constatamos que o universo cultural das tradições
afro-brasileiras em diversas regiões do Brasil possuem semelhanças entre si. Para BA (1982),
o sábio de Bandiagara, Tierno Bokar, crítica a preponderância da escrita na sociedade
Ocidental e afirma que, a escrita é uma coisa e o saber é outra. A escrita é a fotografia do
saber, mas não o saber em si. O saber é uma luz que existe no homem, a herança, a lembrança
de todos os nossos ancestrais que se encontra latente pronta para ser transmitida. Assim como
o Baobá já existe em potencial em sua semente.
Ele é a palavra, e a palavra encerra um testemunho daquilo que ele é. A
própria coesão da sociedade repousa no valor e no respeito pela palavra. (...)
a tradição oral é a grande escola da vida, e dela recupera e relaciona todos os
aspectos. Pode parecer caótica àqueles que não lhe descortinam o segredo e
desconcertar a mentalidade cartesiana acostumada a separar tudo em
categorias bem definidas. Dentro da tradição oral, na verdade, o espiritual e
o material não estão dissociados. Ao passar ao esotérico para o exotérico, a
tradição oral consegue colocar-se ao alcance dos homens, falar-lhes de
acordo com o entendimento humano, revelar-se de acordo com as aptidões
humanas. Ela é ao mesmo tempo religião, conhecimento, ciência natural,
iniciação à arte, história, divertimento e recreação, uma vez que todo
pormenor sempre nos permite remontar à Unidade Primordial. (BA apud KI-
ZERBO (coord.), 1982:182-3).
Com a citação acima, provavelmente o batuque de umbigada é da mesma linhagem
cultural do jongo e do tambor de crioula. O Dossiê IPHAN número 5 aponta a importância de
se desvendar a origem dessas tradições, pois, é relevante para a vida social das comunidades
que praticam e preservam essas expressões até hoje. As pesquisas e estudos se tornaram ainda
mais relevante após a Lei 10.639/2003, que obriga o ensino de História da Cultura Afro-
brasileira e Africana em todos os níveis de ensino no território brasileiro. A inserção desta lei
pode contribuir com uma formação político-cultural, não apenas dos negros, mas dos índios e
3
afrodescendentes brasileiros e de toda sociedade. Aprofundarmos nesse campo de pesquisa
pode colaborar com um lento e gradual processo de formação política da sociedade brasileira.
Um homem só tem dignidade e identidade, quando conhece sua história, sua origem e
sua cultura. Só assim pode tomar consciência de sua vida como um sujeito histórico, que pode
transformar e mudar sua realidade social. O batuque de umbigada sobreviveu durante o tempo
da escravidão, enfrentou e lutou contra preconceitos e resistiu bravamente, assim como os
africanos que trouxeram sua cultura para cá. Tiveram que readaptar sua forma de vida,
estruturar sua vida em uma terra longínqua criando novos hábitos, mas sempre mantendo a
raiz de sua cultura de origem. Mesmo com tantas transformações sofridas durante os séculos,
o batuque de umbigada, assim como o jongo e o tambor de crioula são tradições típicas de
terreiros que não sofreram tanta influência do homem branco, segundo alguns historiadores e
folcloristas. Possuem nas suas modas, cantigas e encantamentos, um lado místico e sagrado,
que o aproxima da velha cosmogonia africana. “(...) Especialmente batuque designa um jogo
de destreza da Bahia, uma dança de umbigada de São Paulo – que se filia ao batuque africano
(...).” (CARNEIRO, 1982:27).
Os grupos de batuque de umbigada que pesquisamos e realizamos entrevistas são da
região do oeste paulista (Piracicaba, Tietê e Capivari). Nomes como de Domingos de Arruda
(filho de escrava), Mestre Aggêo, Benedito Assumpção (pai), Herculano, Bomba, João
Silvano, Zequinha, Isidoro de Santana do Parnaíba, Mestre Romário de Capivari, Cassimiro,
entre outros, são lembrados como grandes mestres e autênticos guardiões da tradição do
batuque de umbigada. Alguns desses nomes ainda vivos continuam preservando a tradição
passando para seus filhos, assim como foi passado a eles por seus pais. Herculano (filho de
Zequinha) é o líder atualmente do Batalhão (como os batuqueiros se intitulam), e a sede do
grupo é a cidade de Tietê. Anualmente realizam duas festas tradicionais, uma em maio na
cidade de Piracicaba para comemorar a abolição e outra em setembro na cidade de Tietê
comemorando o dia de São Benedito. Esses personagens assim como seus antepassados
mantiveram o batuque de umbigada quase que intacto, é uma tradição afro-brasileira que fala
da vida dos negros desde a escravidão, passando pelas incertezas, pelas proibições e
perseguições a sua cultura e religiosidade, pelo isolamento e exclusão que a sociedade impôs
aos libertos.
4
1. A Umbigada, instrumentos, dança, modas e elogios
Podemos observar a ocorrência da umbigada em diversas formas de expressões
culturais afro-brasileiras espalhadas por todo território nacional. Durante nossas pesquisas
percebemos a presença da umbigada no jongo do Rio de Janeiro e São Paulo, no tambor de
crioula no Maranhão, que são da mesma linhagem cultural do batuque de umbigada, além de
suas múltiplas subdivisões. Focaremos nosso trabalho na expressão denominada batuque de
umbigada ou tambu, existentes ainda hoje nas cidades de Barueri, Capivari, Piracicaba e Tietê
no oeste paulista. Esta região foi escolhida, pois, recebeu a migração de libertos e do tráfico
interno de escravos vindos da região do Vale do Paraíba (RJ) no último quartel do século XIX.
O batuque de umbigada é uma forma de cultuar aos antepassados, consolidação de
tradições e afirmação de identidades. Ele tem raízes prováveis nos saberes dos povos
africanos bantu3, trazidos para o Brasil como escravos para trabalhar nas lavouras de café e
cana de açúcar no sudeste brasileiro.
Edison Carneiro listou as danças de umbigada do litoral do Maranhão ao de São Paulo
e verificou que o significado da umbigada na dança tem diferenças de uma região à outra,
além do modo como é realizada a dança. O autor definiu três formas de se dançar, dança de
par, dança de roda e de fileiras. Está última é denominada batuque de umbigada, onde
mulheres e homens ficam dispostos em fileiras vis-á-vis, as colunas masculinas e femininas
vão se aproximando para dar a umbigada, o homem inclina o corpo para trás para aplicar
melhor a umbigada, três de cada vez, intercaladas por ligeiras reviravoltas sobre o corpo, e
assinaladas por palmas acima da cabeça. Alguns dançarinos mais habilidosos dão saltos, giros
e se contorcem até o chão antes de dar a umbigada que pode ser aplicada na mulher que vem a
sua frente na fileira ou em outra na diagonal.
3 Definimos africanos bantu segundo Robert Slenes apontou: Os africanos – sobretudo os falantes de língua
bantu não se assemelhavam apenas ao reino linguístico, mas também em outras áreas culturais, inclusive a
religião. “(...) há razões para pensar que representantes desses povos, quando misturados e transportados ao
Brasil, não demoraram muito em perceber a existência entre si de elos culturais mais profundos.” SLENES, R.
W. Malungo N´goma vem! África coberta e descoberta do Brasil, Revista da Universidade de São Paulo, nº 12,
Dez/Jan/Fev. 1991-1992. pp. 49.
5
Esse elemento coreográfico de provável origem na região do antigo Reino do Congo4
liga o batuque à grande família das danças de umbigada proposta por Edison Carneiro (1982).
O batuque realiza-se, habitualmente, “em terreiro de lançante suave”,
postando-se as mulheres na frente na parte de cima e os homens na de baixo,
ou seja, em filas vis-avis. Os homens sobem e as mulheres descem para a
umbigada, ou batida, que (...) se dá com a aproximação muitas vezes
violenta do ventre dos dançadores, que para baterem certo devem voltar o
tronco para trás. Comumente os dançadores dão uns passos arrastados para a
direita e para a esquerda ou vice-versa antes de realizarem a umbigada. Os
melhores dançadores, no momento da umbigada, levantam o braços e batem
palmas, acima da cabeça. (CARNEIRO, 1982:42).
Para BA (2000) a umbigada entre homem e mulher remete à reorganização do
universo. O umbigo é o nosso primeiro canal de alimentação. É visto como uma forma de
conexão com as energias do universo, representando nossa primeira boca, nosso primeiro
contato com o mundo externo, o ventre materno nossa primeira morada. O autor aponta outra
interpretação dada para o significado da umbigada, possivelmente também seria um ritual de
fertilidade para a mulher quando de seu casamento, para que o casal tivesse a felicidade de
gerar um filho, para dar sequência a sua ancestralidade. A umbigada vem propor esta reflexão
para rediscutirmos a cosmogonia africana, recodificá-la na contemporaneidade, por meio das
transformações culturais regionais brasileiras, especificamente no batuque de umbigada. Mas
como já citada também em outras tradições afro-brasileiras. Segundo BA (2000), temos duas
interpretações, qual seria a importância da umbigada para a memória e identidade dos
africanos bantus trazidos para o Brasil? E porque a umbigada é vista também no jongo,
tambor de crioula entre outras expressões espalhadas pelo Brasil nos dias atuais? Fica aqui,
uma necessidade de aprofundarmos estas e outras questões em outras pesquisas.
Os instrumentos utilizados são; os membrafônicos; tambu, quinjengue ou mulemba, e
os idiofônicos; matraca e guaiá e antigamente o cordofônico urucungo. O tambu é um tambor
medindo cerca de metro e meio de comprimento, feito de tronco de árvore, recoberto numa
extremidade de couro de boi. O quinjengue ou mulemba é o tambor menor, afunilado, feito
nos moldes do tambu. A matraca consiste em dois pedaços de madeira que percutem no corpo
4 Região onde se encontram hoje Angola e Congo. Foi desta região que diversas etnias bantu foram trazidas para
o sudeste brasileiro.
6
do tambu. O guaiá é um chocalho duplo, em forma de cones, feitos de folha-de-flandres e
recheados com sementes ou pedaços de chumbo.
Para HERCULANO (2013)5 os instrumentos são elementos muito importantes dentro
de qualquer festividade onde tenha batuque. Para os integrantes o tambu e o quinjengue são
como “entidades”6, só podem tocar neles quem cuida deles, dá cachaça para eles
7, ou quem
vai tocá-los. Mestre Herculano nos revelou que seu tambu tem mais que cem anos e foi
herança de seu pai Zequinha. Para ele, esse instrumento faz parte de sua família. Os
batuqueiros mais antigos ainda procuram manter esta tradição passando estas informações
para os batuqueiros mais novos. Mas encontram dificuldades para fazer as novas gerações
entenderem a importância do respeito ao instrumento para no batuque de umbigada.
8
5 Entrevista realizada com Sr. Herculano, 84 anos – Mestre batuqueiro e líder do Batuque de Umbigada de Tietê,
Capivari e Piracicaba. Dia 28/09/2013 – na cidade de Tietê, SP. 6 Podemos definir “entidades” como os Orixás no Candomblé.
7 Os tambores são colocados perto da fogueira para afiná-los e também é necessário que se passe cachaça no
couro para melhorar e acelerar afinação. 8 Arquivo particular do autor. Da esquerda para direita tambu (azul), quinjengue, tambu e quinjengue. Sendo
aquecidos para chegar à afinação perfeita. Notas: O tambu azul é o que pertence ao Sr. Herculano com mais de
cem anos. O batuqueiro sentado no instrumento (tambu) toca e “cuida” do instrumento.
7
Guaiá Quinjengue ou Mulemba
Tambu
9
Segundo ASSUMPÇÃO (2011)10
, esses instrumentos não podem ser feitos por
qualquer pessoa e nem com qualquer madeira. Há todo um preparo especial na escolha da
madeira, ela tem que ser especial, ela é queimada com muita cautela por dentro para deixar o
9 https://pt-br.facebook.com/umbigadarioclaro
10ASSUMPÇÃO, Benedito. O Mestre do Batuque Paulista. Vídeo documentário de Edgard Santo Moretti.
Prefeitura de Barueri - SP, 2011.
8
tronco oco. Após este processo é colocado o couro, também tem que ser especial, antigamente
se usava couro de burro, porém isso foi proibido e hoje é utilizado couro de boi. Depois o
tambu é colocado perto de uma fogueira, aproximadamente um metro para esquentá-lo, de
preferência é passado cachaça ou pinga no couro para deixá-lo no ponto e na afinação ideal. O
quinjengue ou mulemba é o tambor menor que fica atravessado em cima do tambu e faz o
acompanhamento deste. Os dois paus (baquetas), são as matracas que também auxiliam no
acompanhamento. Existem o tambu normal e o tambu de sete léguas, que leva este nome, pois
quando é tocado pode ser ouvido até esta distância. Alguns folcloristas afirmam que
determinada batida no tambu de sete léguas servia para orientar escravos fugidos a encontrar
o caminho do quilombo para se refugiar no meio da mata.
As letras no seu início versavam sobre temas do cotidiano dos escravos, como no
jongo, marcavam ‘pontos’ (onde outro batuqueiro teria que decifrar o enigma e responder com
outro), podiam ser utilizadas como forma de diversão ou para organizar fugas e sublevações.
Esse método era utilizado para ludibriar seus senhores nas festas realizadas nos terreiros das
fazendas. Na atualidade as letras falam sobre o racismo e o preconceito que todos os
descendentes sofreram e sofrem, também relatam histórias de amor e do cotidiano do
trabalhador da roça, mas o ponto forte são os problemas sociais vividos pelos escravos no
passado e hoje o afrodescendente. Existem as modas e os elogios no batuque de umbigada. A
moda é um gênero musical, constituída por versos que aludem assuntos variados. Constituem
a parte musical propriamente dita durante o batuque. Os elogios são cantigas de desafio e
ironias ou exaltação sobre um modista oponente, entoadas com acompanhamento apenas do
guaiá, pois ocupam o tempo em que os tambores estão aquecidos e afinados ao pé do fogo. A
interação em série de oponentes durante o elogio é denominada carreira, referindo-se a
quantidade de desafiantes. Alguns batuqueiros revelam que a música caipira e sertaneja na
região do Oeste Paulista surgiu do batuque de umbigada.
Batuque no Estado de São Paulo é dança de terreiro, onde estão presentes os
membrafônicos: Tambu, Quinjengue ou Mulemba, e os idiofônicos: Matraca
e Guaiá; antigamente o cordofônico Urucungo. A zona batuqueira Paulista
localiza-se no Vale do Médio Tietê, abrangendo alguns municípios como
Tietê (capital da zona batuqueira), Porto Feliz, Laranjal, Pereiras, Capivari,
Botucatu, Piracicaba, Limeira, Rio Claro, São Pedro, Itú, Tatuí. (ARAÚJO,
2004:267).
9
A composição Acabou a escravidão de Dona Anecide de Toledo é considerada o hino
do batuque paulista:11
Salve a princesa Isabel! / Salve a princesa Isabel! / Mas que beleza.
Negro comia no cocho / Negro comia no cocho / Agora come na mesa.
Acabou a escravidão / Acabou a escravidão /Mas que beleza.
Negro comia no cocho / Negro comia no cocho / Agora come na mesa.
Esta composição de Benedito Assumpção Filho revela a preocupação em manter o
batuque de umbigada. Mas também revela a importância da memória e da tradição oral para
os batuqueiros.12
Depois que morreu Zequinha / Depois que morreu Nho Joãozinho
Aí nós fiquemo aqui sozinho / Dita de Zeca também veio a falece
Agora morre rei Domingo / Morreu meu pai, morreu Silvano
E batuque tá se acabando / E eu também posso morrer
Sobre esta composição Assumpção Filho revela:
Essa moda é mais pra homenagear os antigos, você vê esse pessoal que falei
aí, o Zequinha, Nho Joãozinho, são pessoal antigo já falecidos não é.
Zequinha era o maior tocador de tambor, é o pai do Herculano, que hoje é o
presidente é que organiza o batuque de Tietê. Dos mais antigos só ficou eu
que to aqui pra ajudar, já não participo mais diretamente né. Partici´po
indiretamente, mas o Herculano tá lá (...) a gente vai lá ajudar, que é pra não
cair senão morre. Tamo ensinando o pessoal (...) estamos aí lutando pra não
terminar daqui a pouco a gente também é chamado por Deus vai embora,
senão acaba tudo (...). (ASSUMPÇÃO, 2011).
Percebemos a importância, respeito e cuidado com que são produzidos os
instrumentos, assim como as formas de dançar e dar umbigadas, tudo tem um sentido, tudo
tem um significado. O batuque de umbigada, assim como várias expressões culturais afro-
brasileiras não são dissociadas da vida de seus indivíduos, esse aspecto foi herdado da
cosmogonia africana. Edison Carneiro (1982) classificou cantos e danças derivadas do
universo dos batuques, partindo da existência de um elemento comum de nítida origem
11
MORETTI, Edgard Santo. A umbigada do Mestre Aggêo: Uma breve história sobre o Batuque de Umbigada
em Barueri. São Paulo. Prefeitura de Barueri, 2012. 12
ASSUMPÇÃO, Benedito. O Mestre do Batuque Paulista. Vídeo documentário de Edgard Santo Moretti.
Prefeitura de Barueri - SP, 2011.
10
africana, provavelmente dos povos bantu, onde hoje se encontram Angola e Congo. Daí viria
a herança dos batuques afro-brasileiros como o lundu, o coco, tambor de crioula, do jongo, do
caxambu e das várias modalidades do samba baiano e carioca.
2. Um olhar para África Ocidental
Segundo MACHADO (2004), os africanos trazidos como escravos até 1850 eram
provenientes da África Ocidental e Central (região de Angola, Congo e Benguela),
desembarcaram no Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XIX, que se caracterizava
por possuir uma escravidão urbana predominantemente composta de africanos. Muitos
escravos que chegaram ao Rio de Janeiro foram trazidos para Província de São Paulo, Vale do
Paraíba e região de Campinas para trabalhar nas fazendas de açúcar e café.
Slenes, afirma que se a escravidão era africana no Sudeste, ela era banto,
pois, até meados do XIX, os escravos trazidos para esta região do país,
provinham de diferentes grupos étnicos da África Central (Angola) e
Oriental, porém, aparentados linguisticamente (...) Slenes também sugeriu a
formação de uma identidade africana, pan-banto, construída por estes
homens e mulheres escravizados que, no contexto da escravidão, e como
forma de resistência a ela, construíram uma identidade inclusiva, que
começava a tomar forma na travessia do calunga, do mar, dando origem a
uma primeira reconstituição de identidades, que forjava novos laços de
pertencimento e de família, que era de ser malungo. Aqueles que
atravessavam a grande prova do desenraizamento, eram obrigados a renascer
no novo mundo, reconstruindo laços, inventando e valorizando novos
códigos de pertencimento. (MACHADO, 2004:77).
Corroborando com Machado, foram pesquisados documentos do Arquivo Público do
Estado de São Paulo que nos indicam que aproximadamente oitenta por cento dos escravos
registrados nestes censos levavam em seu sobrenome as denominações angola, congo, mina,
benguela, que indicava sua procedência. Os documentos analisados são das Províncias no
final do século XVIII e meados do XIX que hoje compreendem as cidades do Oeste Paulista,
referente ao nosso recorte espacial (Tietê, Capivari e Piracicaba)13
. “(...) A última fase de
migração na qual estamos interessados foi promovida pela descoberta de terras apropriadas
13
APESP. Arquivo Público do Estado de São Paulo. Maços de População. Localização: latas C00 141 a C00 142,
Piracicaba - ano 1820 a 1866. Latas C00143 a C00147, Porto Feliz/Piracicaba - ano 1797 a 1846.
11
para a cultura do café no Oeste Paulista, por volta do último quartel do século XIX.”
(MUKUNA, 2006:68).
Os escravos africanos trazem sempre no nome a indicação do “gentio” ou
“nação” a que pertencem. O uso concomitante desses dois termos mostra a
convivência de dois sistemas de classificação e organização da escravaria
africana. A palavra gentio está associada às gentes, indicando povos que, à
diferença dos cristãos e judeus, seguem a chamada lei natural. Já a palavra
nação diz respeito à “gente de um paiz ou região, que tem língua, leis e
governo a parte”. O termo é aplicado ainda a raça, casta e espécie. Nesse
sentido diz respeito a povos que podem ser gentios, ou não, mas cujo
reconhecimento se dá pelo uso partilhado de um território, uma tradição ou
uma língua comum.14
Para KUNUNA (2006), o tempo entre a captura dos escravos no Reino do Congo,
onde aguardavam de oito meses até dois anos, presos em barracões na praia, esperando o
navio para serem embarcados para o Brasil, contribuiu favoravelmente para o surgimento de
um estoque cultural entre os povos bantu ainda na África, antes de serem trazidos para o
Brasil. Por outras palavras há uma grande possibilidade destes os povos oriundos da mesma
região durante a diáspora africana, se não falavam a mesma língua ou dialeto, compartilhavam
de uma cultura similar e muito próxima. “(...) Em outras palavras, levando-se em
consideração a cristalização dos denominadores culturais comuns, entre tribos da bacia do
Congo, (...) membros de clãs e tribos diferentes provindos do reino e de regiões vizinhas
tiveram tempo suficiente para formar um estoque cultural do que tinham em comum (...).”
(MUKUNA, 2006:58). Segundo SLENES (1991-2) a proximidade linguística entre as etnias
bantu já colaborava para uma aproximação cultural entre as diversas etnias. O autor aponta
que viajantes que percorreram o interior da África Central, atualmente Angola e Congo no
final do século XIX e início do no século XX, observaram que seus carregadores africanos
que viviam no litoral conseguiam se adaptar pouco a pouco com a mudança de língua e
dialeto e passavam a se comunicar quase que perfeitamente com outras etnias bantu que
viviam no interior.
14
SOARES, Mariza de Carvalho. Tempo, Vol. 3 - n° 6, Dezembro de 1998. In: Identidade étnica, religiosidade e
escravidão. Os “pretos minas” no Rio de Janeiro (século XVIII), tese de Doutorado em História, Niterói,
Universidade Federal Fluminense, 1997.
12
RIOS e MATTOS (2005) apontam em, “Memórias do Cativeiro” pesquisas realizadas
com descendentes de escravos africanos chegados ao Brasil na primeira metade do século
XIX nas áreas cafeeiras do Centro Sul do Brasil. Registraram a memória da história familiar
dessas pessoas, sua memória genealógica e sua ancestralidade africana.
“A minha bisavó, a mãe da minha avó, chamava Regina. Ela veio lá da
Angola e a gente não entendia bem quando ela falava. Chamava Vó Regina,
vovó velha.Tinha vovó moça e vovó velha. Chamava Regina, eu me lembro.
Às vezes ela falava e a gente não entendia. Ela falava o português correto,
mas tudo pela metade. Coitada não sabia. Mesmo assim, a gente conversava
muito com ela. Eu me lembro que numa ocasião, numa festa que teve em
São José, ela contou que comprou a senzala. Ela comprou a senzala por
quarenta mil réis, quando acabou a escravatura. Ela era do cativeiro. Ela era
verdadeira escrava, que veio vendida, comprada aqui pro Brasil. Naquele
tempo tinha os mercadores de escravo. Eles, os portugueses, traziam os
escravos de lá para cá, entendeu? Vendiam e ainda faziam isso escondido. O
que tinha a perna mais Iná valia mais. O que tinha o pé chato valia menos;
igual meu pé assim; pé de pato, tipo prancha, cansava mais. Esses ficavam
na cozinha. Agora aqueles que não pisavam a sola do pé direito, que o pé
tinha volta, esses trabalhavam mais. Era assim a escolha. Pagavam mais por
esses. Agora aqueles outros, era só pra cozinhar, porque cansava mais.”
(Cornélio Canciano, RJ, 82 anos, 09/05/1995)15
As diversas formas que encontramos da dança de umbigada no Brasil, somadas as
transformações impostas pelo período da escravidão, como exemplo, fatores culturais,
regionais, miscigenação, entre outros, podem nos revelar o imenso caldeirão étnico cultural
que se formou em todo território brasileiro. Fatores que foram fundamentais para o
surgimento das expressões afro-brasileiras. Para CARNEIRO (1982), a simples presença das
danças vindas da África no Brasil, sugere uma aclimatação, ou seja, mudança de alguns
aspectos originais pela aquisição de novos hábitos devido ao ambiente, mudança dos grupos
étnicos que a trouxeram e posteriormente assimiladas para a população em geral, criando as
diferenças em cada região do país. Na segunda metade do século XIX diversos relatos de
viajantes portugueses oitocentistas, que exploraram as regiões de Angola e Congo e
identificaram danças semelhantes com os batuques testemunhados pelo litoral e interior
brasileiro. Em sua obra CARNEIRO (1982), relata as viagens de Capelo e Ivens, Alfredo
15
Ver mais depoimentos sobre a etnia dos descendentes de escravos em: RIOS, Ana Lugão. Memórias do
cativeiro: família, trabalho e cidadania no pós-abolição. Ana Maria Lugão Rios, Hebe Maria Mattos – Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. pp. 63 a 71. Citação; pp. 63-64.
13
Sarmento, Hermenegildo Roberto e Major Dias de Carvalho, pela região de Angola e Congo,
esses viajantes relataram em livros algumas expressões culturais semelhantes às danças de
umbigada afro-brasileiras. Viram danças em roda, com umbigada do par solista, como dança
em fileiras opostas.
Este tipo de dança foi observado por Alfredo de Sarmento e Capelo e Ivens
na região de Luanda, de acordo com Sarmento; o batuque consiste...Num
círculo formado pelos dançadores, indo para o meio um preto ou preta que,
depois de executar vários passos, vai dar uma umbigada, a que chamam
semba, na pessoa que escolhe, a qual vai para o meio do círculo, substituí-lo.
(CARNEIRO, 1982:29).
O testemunho de Capelo e Ivens, quanto ao batuque a que assistiram à
margem do Cunene, na região de Caconda, confirma a descrição mais geral
de Sarmento:
Dos grupos, em redor, saem alternadamente indivíduos, que no amplo
espaço exibem os seus conhecimentos coreográficos, tomando atitudes
grotescas. Por via de regra são estas representadas por mímica erótica, que as
damas, sobretudo, se esforçam por tornar obscena...Após três ou quatro volta
perante os espectadores, termina o dançarino por dar com o próprio ventre na
primeira ninfa que lhe aparece, saindo esta a repetir cenas idênticas.
(CARNEIRO, 1982:29).
TINHORÃO (2008:56-7) aponta que, o viajante Alfredo de Sarmento escreveu em sua
obra Os Sertões da África, que as danças rituais africanas constituem representações
alegóricas, chamadas de lembamento ou lemba, é o nome das cerimônias de casamento entre
os negros do Congo-Angola. É uma espécie de suíte de cenas da vida dos casados, dançadas
durante a cerimônia de casamento. Existem traços semelhantes registrados pelos viajantes da
ocorrência da umbigada nestes rituais vistos no continente africano com os batuques no final
do século XVIII no Brasil. “(...) A palavra batuque na sua acepção mais lata no Brasil aplica-
se ao conjunto de sons produzidos por instrumentos de percussão (...) a toda e qualquer dança
ao som de atabaques dá-se depreciativamente, o nome de batuque.” (CARNEIRO, 1982:27).
(...) no Brasil essas danças do sertão africano passaram a integrar, a partir
dos fins do século XVIII, já com caráter de simples folguedo, as animadas
rodas de negros que os portugueses chamavam de batuques – e que incluíam
outros retalhos de antigas cerimônias rituais -, a realista quimzomba vinda
das solenidades do alembamento iria constituir apenas uma entre tantas
outras danças trazidas da África. E, entre estas, estaria a dança dos batuques
da região mais ao sul de Angola, cuja característica maior seria a
14
peculiaridade coreográfica da vênia chamada semba, ou umbigada.
(TINHORÃO, 2008:58).
O Dossiê IPHAN número 5 (2005) Jongo do Sudeste16
, explica que as formas de
expressão provavelmente estão ligadas aos antigos batuques, mencionados pelos viajantes do
Brasil Colônia e Império. A palavra batuque era usada pelos observadores para denominar de
maneira equivocada toda forma de dança e canto ao som dos tambores.
Relato do viajante Freyreiss e de Henry Koster (pela ordem) – fim do século XIX e
início do XX no Brasil:
Entre as festas merece menção a dança brasileira, o batuque, os dançadores
formam roda e ao compasso de uma guitarra (viola) move-se o dançador no
centro, avança e bate com a barriga na barriga de outro da roda, de ordinário
pessoa de outro sexo. No começo o compasso da música é lento, porém,
pouco a pouco aumenta e o dançador do centro é substituído cada vez que dá
uma umbigada; e assim passam noites inteiras. (CASCUDO, 2003:78)
As danças lembravam as dos negros africanos. O circulo se fechava, e o
tocador de viola sentava-se num dos cantos, e começava uma simples toada,
acompanhada por algumas canções favoritas, repetindo o refrão, e
frequentemente um dos versos era improvisado e continha alusões obscenas.
Um homem ia para o centro da roda e dançava minutos, tomando atitudes
lascivas, até que escolha uma mulher, que avançava, repetindo os meneios
não menos indecentes, e esse divertimento durava às vezes até o amanhecer.
(CASCUDO, 2003:72).
Em Memórias do Cativeiro17
, as autoras por meio de suas pesquisas, revelam a
memória dos descendentes dos escravos na região do Vale do Paraíba (RJ), está região é
conhecida como uma zona jongueira pelo IPHAN, que tombou o Jongo como um bem
histórico imaterial. Podemos utilizar estas informações para contextualizar e corroborar com
16
IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional). O Dossiê IPHAN número 5 Jongo no Sudeste,
é a pesquisa que levou ao processo e tombamento do jongo como Patrimônio Histórico imaterial. Neste dossiê
são apresentadas características gerais do Jongo, que são bem semelhantes ao batuque de umbigada. Segundo
pesquisas de Edison Carneiro essas expressões culturais afro-brasileiras são da mesma linhagem cultural e de
origem banto. 17
RIOS, Ana Lugão. Memórias do cativeiro: família, trabalho e cidadania no pós-abolição. Ana Maria Lugão
Rios, Hebe Maria Mattos – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
15
nossas pesquisas na busca pela origem do batuque de umbigada, também utilizando a etnia
dos povos bantu trazidos para o Brasil, reveladas em algumas entrevistas.
A principal manifestação cultural da comunidade continuava a ser a festa do
dia 13 de Maio, em que celebravam sua condição de descendentes de
escravos e comemoravam a libertação. Neste dia, todos se voltavam para a
sua preparação e o ponto alto era a dança do caxambu, com a participação
maciça dos moradores. Nos festejos, é formada uma grande roda, onde,
dentro dela, um casal, a cada vez, dança em movimentos contrários um do
outro. Segundo informaram à Lídia Meirelles, apenas as músicas que
acompanham a dança eram denominadas jongo, de maneira que eles
cantavam o jongo e dançavam o caxambu. Toda a festa era realizada ao som
do tambores, único instrumento musical que acompanhava os cânticos e as
danças. (RIOS, 2005:266).
Vemos nos cânticos do jongo, também denominados pontos, marcas que reforçam a
identidade negro-africana de provável origem bantu da comunidade.
“Nasci na Angola, / Congo que me criou /
Eu sou lá de Moçambique / Sou negro sim, senhor
Lê, lê, lê, lê, lê...”18
CARNEIRO (1961), em seu trabalho intitulado Samba de Umbigada, traça as
semelhanças entre as danças folclóricas brasileiras derivadas dos batuques. O lundu, o baiano,
coco, bambelô, tambor de crioula, jongo e caxambu, todas com ocorrência da umbigada. “(...)
Sabemos que batuque foi a designação genérica que os portugueses deram às danças nativas
de Angola e do Congo que, trazidas para cá pelos escravos, se apresentam em quatro tipos
gerais – dança de umbigada, dança de pares, dança em fileiras e dança de roda.”
(CARNEIRO, 1982:71).
É uma dança de origem africana. Não sabemos, porém, qual foi o estoque
tribal negro que introduziu em nosso Estado a dança do batuque,
possivelmente é originário de Angola ou Congo. Se ao menos tivéssemos
algumas palavras de origem africana colhidas em seu canto, teríamos uma
pista mais segura. Em geral as danças primitivas são de roda, por exemplo, o
jongo, que é de origem angolesa. Já num estágio mais adiantado, do ponto de
18
RIOS, Ana Lugão. Memórias do cativeiro: família, trabalho e cidadania no pós-abolição. Ana Maria Lugão
Rios, Hebe Maria Mattos – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. pp. 267.
16
vista coreográfico, encontramos o batuque, dança não de roda, mas de
colunas que se defrontam, e consiste exclusivamente em dar umbigadas.
(CASCUDO, 2003:267-8).
Veja a tabela abaixo, onde Edison Carneiro (1961), fez seu estudo e classificou as
danças com ocorrência de umbigada e como são dançadas em algumas regiões do Brasil.19
Variedades Estado Umbigada Tipo de dança
Tambor de Crioula Maranhão X DU (f)
Bambêlo Rio Grande do Norte X DU
Côco Ceará/Paraíba - DP
Côco de pares Pernambuco X DP
Côco de roda Pernambuco X DU
Samba de roda Bahia X DU
Samba rural São Paulo X DF
Batuque São Paulo X DF
Jongo Rio de Janeiro X DP
Lundu e Baiano Passado X DU/DP
Legenda: DF – dança de fileira; DP – dança de pares; DR – dança de roda; DU – dança de umbigada.
Para MUKUNA (2006), não seria ousadia sustentar que a cultura bantu no sudeste
brasileiro, principalmente no Vale do Paraíba, prevaleceu sobre as demais etnias africanas que
vieram para o Brasil na Diáspora. “Os angolanos ou congos são muito pouco numerosos na
19
Tabela reproduzida parcialmente. MUKUNA, Kazadi Wa. Contribuição Bantu na música popular brasileira:
perspectivas etnomusicológicas. São Paulo: Terceira Margem, 2006. pp. 84.
17
Bahia, assim como os moçambiques, mas eles foram a maior massa de escravos no Rio de
Janeiro” (VERGER,1968:13 apud MUKUNA, 2006:70).
O autor afirma que, existem evidências pertinentes após pesquisas de campo a respeito
de uma cultura étnica bantu no sudeste brasileiro. A migração interna no Brasil, junto com o
movimento de seus senhores em busca de maior poder econômico, transformou e teceu seus
valores culturais (vida, morte, religião, artes, etc.) dentro das unidades comunitárias
brasileiras.
3. A Memória dos Mestres batuqueiros do Oeste Paulista
Temos uma provável origem das danças de umbigada no Brasil provenientes dos
povos bantu. As pessoas que participam dos grupos de batuque de umbigada que analisamos e
colhemos entrevistas, provavelmente tem descendência de escravos vindos do Vale do Paraíba
(RJ) para a região do Oeste Paulista (MUKUNA, 2006) e que cultivam e preservam a tradição
até os dias atuais. São os grupos que se denominam, batuque de umbigada de Capivari,
Piracicaba e Tietê. Esses grupos funcionam como uma associação, anualmente realizam festas
e comemorações nas cidades citadas, possuem um líder, ou seja, existe entre os integrantes
uma hierarquia e um respeito entre os membros mais jovens em relação aos idosos. Esse
respeito verificado entre os agentes envolvidos revela a importância de utilizarmos a memória
dos mais velhos como uma fonte riquíssima e fundamental como nosso referencial teórico.
Por meio da memória dos entrevistados poderemos nos aproximar dos fatos por trás da
história oficial. A História Oral pode nos revelar maiores contradições e discrepâncias entre a
evidência escrita e oral, ampliando nossa percepção histórica e tornando-a mais rica.
(...) a evidência oral pode conseguir algo mais penetrante e mais
fundamental para a História. Enquanto os historiadores estudam os atores da
História a distância, a caracterização que fazem de suas vidas, opiniões e
ações sempre estará sujeita a ser descrições defeituosas, projeções da
experiência e da imaginação do próprio historiador: uma forma erudita de
ficção. A evidência oral, transformando os “objetos” de estudo em “sujeitos”,
contribui para uma História que não só é mais rica, mais viva e mais
comovente, mas também mais verdadeira. (THOMPSON, 1992:137).
18
Ao realizarmos entrevistas com integrantes do batuque de umbigada do Oeste Paulista
e ao analisarmos a historiografia sobre o tema, a pertinência do método oral para elucidarmos
os processos que revelam as transformações e permanências dessa tradição afro-brasileira
ornou-se ainda mais clara. Os processos de transformações sociais em que os escravos e seus
descendentes foram expostos podem ser evidenciados por meio da memória dos mais velhos,
ou seja, os mestres batuqueiros. Quando verificamos em nossas conversas e entrevistas os
processos de migrações de seus antepassados, a miscigenação, a perseguição policial a suas
tradições, os aspectos multiculturais de cada região do país, o êxodo rural para as grandes
capitais do sudeste, entre outros aspectos não menos importantes. “Há um momento em que o
homem maduro deixa de ser um membro ativo da sociedade, (...) resta-lhe, no entanto, uma
função própria: a de lembrar. A de ser a memória da família, do grupo, da instituição, da
sociedade. (BOSI, 1994:63).
Existe um ditado entre os batuqueiros; “O batuque de umbigada é a única exclusão que
deu certo”.20
Essa frase é devido à perseguição que a polícia a mando da elite cafeeira no
início do século XX até meados dos anos 50, realizou contra todos os grupos de batuque da
região do Oeste Paulista, principalmente Capivari, Piracicaba, Tietê e Rio Claro.21
Os
batuques só podiam ser realizados fora da cidade, ou seja, na periferia por serem considerados
lascivos e contra a ordem e a moral da sociedade. Devido a esse fator o batuque de umbigada
se manteve praticamente intacto, não sofreu muitas mudanças na sua forma original.
Buscamos além das entrevistas, participarmos das festas para podermos perceber como os
sujeitos entrevistados influenciam ou são influenciados pela sociedade em sua região,
entendermos como se dá esse processo de identidade por meio dessa expressão cultural, e suas
possíveis contribuições na formação político-cultural de seus agentes e de toda sociedade.22
Roman Jakobson refletirá que a observação mais completa dos fenômenos é
a do observador participante. Uma pesquisa é um compromisso afetivo, um
20
Entrevista com Vande Batuque de Umbigada de Piracicaba. Workshop Caixa Cultural no dia 31/08/2013, SP. 21
LEITE, Marcelo Eduardo. Fotografia e documentação no interior Paulista: o “batuque de umbigada” por
Rodolpho Copriva. In: Discursos fotográficos, Londrina, v.7, n.11, p.175-195, jul./dez. 2011. Este artigo se
dedica a analisar o processo de documentação fotográfica realizado pelo fotógrafo Rodolpho Copriva na cidade
de Rio Claro, estado de São Paulo, nos anos de 1952, 1953 e 1955. Tais imagens são raras e mostram a dança
batuque da umbigada, realizada pela comunidade negra da cidade. A ida do fotógrafo é peculiar, pois mostra
como uma fotografia feita com fins policiais acabou carregando dentro de si uma grande importância
etnográfica. 22
Participação e entrevista na festa da Abolição na cidade de Piracicaba no dia 13/05/2013 e na festa de São
Benedito na cidade de Tietê no dia 28/09/2013.
19
trabalho ombro a ombro com o sujeito da pesquisa. E ela será tanto mais
válida se o observador não fizer excursões saltuárias na situação do
observado, mas participar de sua vida. (BOSI, 1994:38)
Benedito Alves Assumpção Filho,23
aponta o respeito e a importância que os mais
antigos sentem sobre o batuque. A preocupação de manter a tradição como foi transmitida por
seus antepassados, com suas características originais, preservando a memória e a identidade
conquistada. Percebe-se aqui, a perda de características da tradição devido o desconhecimento
popular, mas também percebemos como provavelmente se deram e se dão os processos de
transformações do batuque de umbigada.
Ser batuqueiro é uma coisa diferente porque, batuque é uma dança folclórica
e ela é uma dança que depende muito da inteligência...você não pode cantar
moda assim que nem você chegou a ver lá em Tietê, você que esteve lá
conosco, cantando moda de Michael Jackson, Roberto Carlos...isso não tem
nada a ver com o batuque, o batuque você chega lá no instrumento, no pé do
instrumento...você faz a moda ali. Você canta a moda ali, e dentro do assunto
que venha que você tem que responder se houver uma resposta contra você,
e o batuque ele tá sendo diferente, nós estamos lá pra mais ou menos
disciplinar...eu estou ajudando indiretamente, mas eu estou orientando o
pessoal porque o batuque é três umbigadas não pode dar mais que isso. Tem
gente que vai lá e bate quatro, cinco vezes tá fora do conceito de batuque.24
Assumpção Filho relembra Mestre Aggêo da cidade de Barueri, que anualmente
realizava no terreiro de sua casa, na década de 1960 grandes noites de batuque. Estas festas
perduravam por toda noite, regadas de muita comida e bebida, onde os convidados eram os
“batalhões”25
de várias cidades do interior paulista. A qualidade e o requinte das modas
compostas por Mestre Aggêo e por seu pai Benedito Assumpção trouxeram-lhes grande
prestígio entre muitos pesquisadores e músicos importantes ligados ao samba paulista.
Assumpção Filho diz ter composto centenas de modas, e afirma lembrar-se de todas,
assim como é um grande contador de histórias bem humoradas sobre as festas nos “terreiros”
23
Nascido em 11 de setembro de 1928 na cidade de Tietê. Benedito Assumpção, seu pai, ensinou-lhe desde cedo
a tradição do “Batuque Tambu”, cultivada por seus antepassados em Tietê e nas cidades do entorno, como
Laranjal Paulista, Capivari, Rio Claro, entre outras. 24
ASSUMPÇÃO, Benedito. O Mestre do Batuque Paulista. Vídeo documentário de Edgard Santo Moretti.
Prefeitura de Barueri - SP, 2011. 25
Termo utilizado para definir o coletivo de integrantes dos grupos de batuque umbigada.
20
de batuque de umbigada, casos de bebedeira, perseguições da polícia e o preconceito que
sofriam da elite da sociedade.26
A memória é um cabedal infinito do qual só registramos um fragmento.
Frequentemente, as mais vivas recordações afloravam depois da entrevista,
na hora do cafezinho, na escada, no jardim, ou na despedida no portão.
Muitas passagens não foram registradas, foram contadas em confiança, como
confidências. Continuando a escutar ouviríamos outro tanto e ainda mais.
Lembrança puxa lembrança e seria preciso um escutador infinito. (BOSI,
1994:39).
Os depoimentos de Assumpção Filho corroboram com os documentos e as fontes
pesquisadas referente os processos de transformações e permanências do batuque de
umbigada, devido às perseguições policiais e da sociedade, migração interna dos descendentes
de escravos, entre outros fatores. O depoimento de Vande27
revela a sua preocupação em
obedecer a ordem dos mestres mais velhos, Assumpção com 76 anos e principalmente do Sr.º
Herculano com 84 anos, chefe do Batuque de Umbigada de Piracicaba, Capivari e Tietê, que é
de manter a tradição como no seu início, ou seja, na dança, só podem ser dadas três
umbigadas, depois os pares são trocados, os dançarinos e o público não podem ficar na frente
dos tambores e dos batuqueiros e respeitar a regra do leva e trás.28
Nas tribos primitivas, os velhos são os guardiões das tradições, não só
porque eles as receberam mais cedo que os outros mas também porque só
eles dispõem do lazer necessário para fixar seus pormenores ao longo de
conversações com os outros velhos, e ensiná-los aos jovens a partir da
iniciação. Em nossas sociedades também estimamos um velho porque, tendo
vivido muito tempo, ele tem muita experiência e está carregado de
lembranças, como, então, os homens idosos não se interessariam
apaixonadamente por esse passado, tesouro comum de que se constituíram
depositários, e não se esforçariam por preencher, em plena consciência, a
função que lhes confere o único prestígio que possam pretender daí em
diante? (BOSI, 1994:63).
26
Conversa informal com Benedito Assumpção Filho na Noite de Umbigada em Tietê – SP. Dia 28/09/2013. 27 Entrevista com Vande Batuque de Umbigada de Piracicaba. Workshop Caixa Cultural no dia 31/08/2013, SP. 28
No início do batuque quando os batuqueiros começam a tocar e cantar a primeira moda , a coluna masculina
vai lentamente dançando saudar a coluna feminina, precisamente o par que está a sua frente, posteriormente é a
vez da coluna feminina se adiantar em direção a masculina para agradecer, após esse processo a inicia-se a dança
com umbigadas.
21
A festa de São Benedito realizada todos os ano na cidade de Tietê é o ‘ponto alto’ da
tradição do batuque de umbigada, neste evento reúnem-se os mestre batuqueiros mais velhos
comandados por Sr.º Herculano.
4. A festa de São Benedito e a noite do batuque de umbigada
No dia da festa, 28/09/2013, chegamos à cidade de Tietê pela manhã para
conhecermos a cidade e conversar com seus habitantes, sentir o clima das festividades em
comemoração a São Benedito.
Um aspecto que nos chamou a atenção para as permanências históricas, é o fato de que
não havia nenhum cartaz, panfleto ou anúncio em jornal29
, nem mesmo comentários entre a
população sobre a noite do batuque de umbigada. Conversamos com aproximadamente
dezesseis pessoas que se encontravam na praça em frente à Igreja de São Benedito no centro
da cidade, onde a partir do meio dia começariam as comemorações, como, missa e procissão,
além de muitas barracas em volta da paróquia com comes e bebes. Das dezesseis pessoas que
conversamos a metade estava ciente sobre a festa que seria a noite na Igreja de Santa Cruz,
fora do centro da cidade, e dessa metade apenas duas pessoas disseram que já tinham
participado da noite do batuque de umbigada. Pareceu-nos que ainda existe um processo de
exclusão consciente ou inconsciente nos dias de hoje, o batuque de umbigada continua sendo
realizado e permitido apenas fora da cidade, sem divulgação e fora dos olhares da elite da
cidade.
Outro fato muito importante é que muitas pessoas da comunidade que participaram da
missa na Igreja de São Benedito de dia, também participaram da noite/madrugada do batuque
de umbigada na Igreja de Santa Cruz. E essas pessoas são agentes ativos do Batuque de
Umbigada de Capivari, Piracicaba e Tietê. Percebemos aqui a importância da figura religiosa
29
Jornal O Democrata, ano 86 n.º 3655 – Tietê. Sábado, 28 de Setembro de 2013. O referido jornal na página 8
traz uma matéria sobre a Festa de São Benedito, informa sobre todas as irmandades participantes, sobre a Missa-
Afro-brasileira a benção das Crianças. Nenhuma menção referente a Noite do batuque de umbigada em
comemoração a São Benedito.
22
de São Benedito, e também o lado festivo e cultural da tradição do batuque de umbigada para
a identidade político-cultural da comunidade.30
Estavam presentes na Noite do Batuque de Umbigada, Mestre Herculano de Moura
Marçal de Tietê e líder do grupo, Benedito Assumpção de Barueri, Mestre Dado de
Piracicaba, Mestre Malvino de Rio Claro, Dona Tereza de Rio Claro e a rainha da umbigada
Dona Anedice de Toledo, além de vários integrantes dos “batalhões”, pessoas da cidade Tietê
e de outras. Um detalhe que poderia causar-nos espanto em outra época foi a presença na
festa, do prefeito, de sua família, assessores e amigos. Esse fator pode nos revelar as
transformações que sofreu e ainda continua sofrendo o batuque de umbigada. Apesar da
presença de autoridades (não sabemos e nem podemos julgar qual a verdadeira intenção
dessas pessoas)31
e o apoio de leis de incentivo à cultura, percebemos que o batuque de
umbigada esta acabando. Hoje existem poucos jovens que participam da festa e preservam a
tradição. O processo de preconceito e exclusão iniciado no fim do século XIX e início do XX
parece-nos que ainda persiste silenciosamente.
Há algumas décadas o batuque era uma grande comunidade aqui em Tietê.
Aconteciam muitas batalhas musicais nos terreiros em toda a região. Meu
pai foi o Zequinha, considerado o rei do Tambu. Meu pai foi homenageado
pelo Getúlio, Getúlio Vargas. Ele veio aqui em Tietê ver uma apresentação
dele. Minha avó foi escrava de casa grande e depois que ganhou a liberdade
foi morar na beira do Rio Tietê, onde moro até hoje com minha família. Meu
pai me levava nos batuques de madrugada e me deixava perto da fogueira
onde afinava o tambu. Hoje o jovem não quer aprender tocar não, nem
respeita muito...o batuque está acabando.32
A impressão que ficamos após as entrevistas, conversas e participações na missa e na
noite de umbigada é que a Festa de São Benedito na cidade de Tietê possui dos lados
nitidamente distintos, semelhantes apenas na figura de São Benedito. Enquanto na procissão e
30
A noite do batuque de umbigada na Igreja de Santa Cruz fica na periferia da cidade. A festa começa com todos
fazendo uma roda de mãos dadas e rezando uma oração para São Benedito (oração comandada por Mestre
Benedito Assumpção Filho). Após a oração Aniete Abreu uma jovem integrante do batuque informa sobre o
respeito com que se deve dançar a umbigada. 31
Prefeito da Cidade de Tietê, Manoel David Korn de Carvalho, nos deu seu cartão de visita e disse-nos que a
prefeitura sempre estaria de portas abertas para qualquer reivindicação e apoio aos agentes da comunidade. 32
Entrevista realizada com Sr. Herculano, 84 anos – Mestre batuqueiro e líder do Batuque de Umbigada de Tietê,
Capivari e Piracicaba. Dia 28/09/2013 – na cidade de Tietê, SP.
23
na missa (que movimenta toda a cidade) percebemos a presença de grande parte da população
da cidade, esse fato não ocorreu na Noite do Batuque de Umbigada. A maioria das pessoas
que participaram da festa pertencem aos próprios “batalhões”, portanto, uma baixíssima
aderência entre a população local.
Há quarenta anos atrás a festa era mais religiosa...o batuque era perto do
centro... tinha uma negrona que organizava os batuques Dona Bilica onome
dela...todos gostavam, vinha muita gente na festa...a cidade toda...tinha
muita gente de cor na cidade, hoje não tem mais foram tudo embora. Depois
mandaram a festa lá pra Santa Cruz...lá em cima...é longe, um pouco longe.33
Tietê é uma cidade rica e predominantemente de economia rural, ruas e praças limpas
e bem cuidadas, prédios de classe média, casas grandes e confortáveis no centro e em bairros
próximos. Sem falar nas belíssimas fazendas.
Cumpadre mude da fazenda / Lá na fazenda sua vida não vai pra diante
Criança dá duro na roça / Crescendo tudo ignorante
Cumpadre mude de fazenda / Lá na fazenda sua vida não vai pra diante
Seu sapato está sem sola/ Sua “carça” “tá” marrada com barbante34
Assim como à moda do Mestre Assumpção, o batuque de umbigada agoniza, mas
sobrevive, no seu isolamento, falando da vida ‘dura’ daqueles que o mantiveram vivo desde
os tempos de cativeiro, nas fazendas, nas senzalas, nos terreiros, até os dias atuais.
Considerações finais
Analisando as transformações sofridas na cultura dos povos bantu introduzidos no
Brasil durante a escravidão, percebemos que as condições sociais decorrentes deste novo
espaço físico destes povos escravizados, tiveram que ser readaptadas para que a partir desta
nova vida pudessem recriar seu local de origem, sua nação, sua cultura e sua identidade.
33
Entrevista com Sr.º Kid 63 anos, nascido e morador até hoje na cidade de Tietê. Dia 28/09/2013. 34
Composição de Benedito Assumpção Filho.
24
Forjaram novas formas de se comunicar, de se relacionar com outras culturas, de resistência,
para que pudessem se lembrar de sua antiga terra e também reconstruir um novo sentido de
pertencimento a um novo espaço e cultuar seus “deuses”, seus antepassados, ou seja, sua
cultura. Tiveram de refazer e transformar sua cultura (religião, música, dança, arte, etc.) a sua
nova condição. Como percebemos os africanos não dissociam os aspectos político,
econômico, religioso e cultural da sua vida cotidiana. Tudo está ligado. Por meio da
historiografia e das fontes analisadas podemos concluir que as diversidades culturais entre os
povos negros que foram trazidos para o Brasil, bem como, as migrações internas, a
miscigenação, a influência do índio, do europeu e da multidiversidade regional do Brasil,
contribuíram para o surgimento das expressões afro-brasileiras. Principalmente o batuque de
umbigada, que se manteve como uma dança de terreiro, praticamente intacta, devido ao
processo de perseguição que sofreu ao longo dos tempos. Assim como muitas expressões
afro-brasileiras. Esse processo excludente referente à cultura dos africanos pode ter trazido
algumas perdas para a memória da nossa cultura afro-brasileira atual, porém, está situação
reforçou o poder de resistência, transformação e readaptação dessas expressões.
Esta reconstrução por meio deste rico tecido cultural promoveu uma nova identidade
para os africanos no período da escravidão, para os libertos após a abolição e hoje dentro das
comunidades do batuque de umbigada.
Apresentamos um pouco das características e peculiaridades que provavelmente
forjaram o batuque de umbigada no seu início e o que é hoje, por meio da historiografia, do
relato dos viajantes e das fontes pesquisadas. Percebemos suas transformações, bem como,
permanências e rupturas.
Buscamos pesquisar e analisar sua origem nos povos bantu, entretanto, descobrimos
divergências e semelhanças entre os autores que tratam do tema. As fontes nos revelaram
dados importantes que convergem e divergem entre um autor e outro em nossa historiografia.
(...) toda evidência, escrita ou oral, que remonte a uma única fonte deve ser
encarada com reserva; deve-se buscar uma corroboração para ela. Contudo,
essa máxima é de relevância maior no caso de tradição oral transmitida
através de várias gerações, do que em relação à evidência imediata da
história de vida. Quando houver discrepância entre evidência escrita e oral,
não se segue que um do relatos seja necessariamente mais fidedigno que o
outro. A entrevista pode revelar a verdade que existe por trás do registro
oficial. (THOMPSON, 1992:307).
25
Com este trabalho percebemos que a cultura bantu foi fundamental para o surgimento
do batuque de umbigada no Oeste Paulista, assim como, de muitas tradições afro-brasileiras
espalhadas pelo território nacional. Mas também nos revelaram o imenso caldeirão cultural e
étnico que fizeram e fazem parte desta construção cultural afrodescendente. Estudos nesta
linha são necessários e pertinentes na atual conjuntura brasileira. Devido a pouca produção
acadêmica referente à cultura bantu e as novas necessidades didáticas, referente às relações
etno culturais, as pesquisas e estudos se tornaram ainda mais relevantes após a Lei
10.639/2003, que obriga o ensino de História da Cultura Afro-brasileira e Africana em todos
os níveis de ensino no território brasileiro. A inserção desta lei pode contribuir com uma
formação político-cultural, não apenas dos afrodescendentes, mas também dos índios, e de
toda sociedade brasileira.
BIBLIOGRAFIA
ARAUJO, Alceu Maynard. Folclore Nacional II: danças, recreação e música. 3ª Ed. – São
Paulo: Martins Fontes, 2004.
BA, Amadou Hampaté. Amkoullel: O Menino Fula. Ed. Pallas e Casa das Áfricas. São Paulo,
2000.
___________________. A tradição viva. In: Ki-Zerbo, J. (coord.). Metodologia e Pré História
geral da África, História geral da África. São Paulo: Ática/Unesco, 1982. V. 1.
BOSI, Ecléia. Memória e Sociedade: lembrança dos velhos. 3ª Ed., São Paulo: Companhia
das Letras, 1994.
CARNEIRO, Edison. Folguedos Tradicionais. 2ª ed., Rio de Janeiro. FUNARTE/Inf, 1982.
________________. Samba de Umbigada. Rio de Janeiro. MEC, 1961.
CARVALHO, Yara, M., Lazer , cultura e sociedade:a festa, uma caminho que pode nos levar
á vida do outro. Revista de ciências sociais e humanas: Impulso Piracicaba, vol. 16, nº 39,
jan/abr. 2005. p.60.
CASCUDO, Luís da Câmara. Antologia do Folclore Brasileiro – vol. 1, 9ª Ed. – São Paulo:
Global, 2003.
LEITE, Marcelo Eduardo. Fotografia e documentação no interior Paulista: o “batuque de
umbigada” por Rodolpho Copriva. In: Discursos fotográficos, Londrina, v.7, n.11, p.175-195,
jul./dez. 2011.
MUKUNA, Kazadi Wa. Contribuição Bantu na música popular brasileira: perspectivas
etnomusicológicas. São Paulo: Terceira Margem, 2006.
MACHADO, Maria Helena. In: História de São Paulo, v. 2: A cidade no Império.
Organização Paula Porta – São Paulo: Paz e Terra, 2204.
MORETTI, Edgard Santo. A umbigada do Mestre Aggêo: Uma breve história sobre o
Batuque de Umbigada em Barueri. São Paulo. Prefeitura de Barueri, 2012.
26
NOGUEIRA, Claudete de Sousa. Batuque de umbigada paulista: memória familiar e
educação não – formal no âmbito da cultura afro-brasileira / Claudete de Sousa Nogueira.
Campinas, SP: [s.n.], 2009.
RIOS, Ana Lugão. Memórias do cativeiro: família, trabalho e cidadania no pós-abolição.
Ana Maria Lugão Rios, Hebe Maria Mattos – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
SLENES, R. W. Malungo N´goma vem! África coberta e descoberta do Brasil, Revista da
Universidade de São Paulo, nº 12, Dez/Jan/Fev. 1991-1992.
SOARES, Mariza de Carvalho. Tempo, Vol. 3 - n° 6, Dezembro de 1998. In: Identidade
étnica, religiosidade e escravidão. Os “pretos minas” no Rio de Janeiro (século XVIII), tese
de Doutorado em História, Niterói, Universidade Federal Fluminense, 1997.
THOMPSON, Paul. A voz do passado: História Oral. Trad., Lúcio Lourenço de Oliveira –
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
TINHORÃO, José Ramos. Os sons dos negros no Brasil, cantos, danças, folguedos: origens.
São Paulo. Editora 34, 2008.
Outras fontes
APESP. Arquivo Público do Estado de São Paulo. Maços de População. Localização: latas
C00 141 a C00 142, Piracicaba - ano 1820 a 1866. Latas C00143 a C00147, Porto
Feliz/Piracicaba - ano 1797 a 1846.
Dossiê IPHAN 5 – Jongo no Sudeste, 2005.
DVD, Benedito Assumpção. O Mestre do Batuque Paulista. Vídeo documentário de Edgard
Santo Moretti. Prefeitura de Barueri - SP, 2011.
Jornal O Democrata, ano 86 n.º 3655 – Tietê, sábado, 28 de Setembro de 2013.
Sites
Disponível em: <http://baruericultura.wordpress.com/2013/05/06/barueri-tera-batuque-da-
umbigada/> 14/Jun/2103.
Disponível em: <https://pt-br.facebook.com/umbigadarioclaro> 14/Jun/2103.