bases conceituais da reforma sanitária brasileira

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  • 11SADE E DEMOCRACIA - A LUTA DO CEBES

    Bases ConceituaisBases ConceituaisBases ConceituaisBases ConceituaisBases Conceituaisda Reforma Sanitria Brasileirada Reforma Sanitria Brasileirada Reforma Sanitria Brasileirada Reforma Sanitria Brasileirada Reforma Sanitria Brasileira

    INTRODUO

    O movimento pela democratizao da sade que tomou corpo no Brasil durantea segunda metade da dcada de setenta possibilitou a formulao do projeto da ReformaSanitria Brasileira, sustentado por uma base conceitual e por uma produo terico-crtica. Diversos estudos e artigos publicados nos ltimos vinte anos, especialmenteatravs do Centro Brasileiro de Estudos de Sade (CEBES), atestam a vitalidade dessemovimento e, contemplam, com distintas nfases, os aspectos poltico-ideolgicos,organizativos e tcnico-operacionais da Reforma Sanitria. Mesmo que o debatedesenvolvido no chegue a configurar um novo paradigma (Fleury, 1992), teve aimportncia de questionar a concepo de sade restrita dimenso biolgica eindividual, alm de apontar diversas relaes entre a organizaos dos servios de sadee a estrutura social.

    No presente texto, procurar-se- discutir certos elementos da base conceitual desseprojeto que permitiram o questionamento do paradigma biomdico dominante naspolticas pblicas e nas instituies sanitrias bem como a busca de paradigmasalternativos.

    O termo paradigma originado do grego com o sentido de mostrar, manifestar(Garcia, 1971). Utilizado na anlise do desenvolvimento cientfico (KUHN, 1975), traziaa idia de um conjunto de pressupostos, conceitos e valores aceitos e compartilhadospor uma comunidade cientfica em uma determinada disciplina. Nas palavras do referidoautor paradigmas seriam as realizaes cientficas universalmente reconhecidas que, durantealgum tempo, fornecem problemas e solues modelares para uma comunidade de praticantes deuma cincia (Kuhn, 1975:13). Em determinados momentos de crise, entretanto, ocorreriauma ruptura em relao ao conjunto vigente com a emergncia de teorias cientficasestabelecendo-se novos enfoques para uma disciplina em questo. nessa acepo maisprecisa que a noo de paradigma tem sido empregada em epistemologia. Contudo,no ser a privilegiada neste texto.

    Outra conotao do termo paradigma aproxima-o idia de modelo. Representariauma forma simplificada e esquemtica de expressar a realidade, isto , a apresentaode um fenmeno atendendo somente s suas caractersticas mais significativas (Garcia,1971). Trata-se, portanto, de um objeto artificial ou abstrato-formal concebido parareproduzir nas suas leis e seus efeitos os fenmenos relacionados com os objetos reaisou empricos (Almeida Filho & Paim, 1982). No caso da sade, a clssica trade doagente-hospedeiro-ambiente empregada para ilustrar a multicausalidade seria umexemplo. Do mesmo modo, o modelo da histria natural da doena (Arouca, 1976) ao

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    indicar os diferentes estgios do processo sade/doena, incluindo os perodos pr-patognico e patognico, seria um outro exemplo. No que diz respeito organizao deservios de assistncia sade, o enfoque sistmico representou um paradigmapredominante nos estudos e propostas referentes ao setor sade, especialmente nasdcadas de setenta e oitenta.

    H ainda um uso frequente da expresso paradigma que corresponde a umconjunto de noes, representaes e crenas, relativamente compartilhadas por umdeterminado segmento de sujeitos sociais tornando-se um referencial para a ao. Essaidia de paradigma, ainda que se aproxime a do senso comum, tem sido utilizadafrequentemente em diversos campos e, em particular, no mbito da sade.

    Como a concepo que orientou a elaborao deste livro teve como perspectivaso resgate e a crtica da ideologia do movimento sanitrio, alm do balano das suasprticas e bases conceituais, tomaremos emprestada a noo de paradigma sanitrio,associada s duas ltimas acepes em vez daquela mais rigorosa concernente aabordagem kuhniana.

    AS CONCEPES DE SADE DO MOVIMENTO SANITRIO

    Para apreender as concepes de sade que constituiram o paradigma sanitriofaz-se necessrio examinar, preliminarmente, o movimento reformista atravs do seubrao acadmico: os departamentos de medicina preventiva e social e as escolas desade pblica ou seus equivalentes. Nesse particular, caberia recuperar parte do marcoconceitual do movimento preventivista, especialmente no que se refere proposta daMedicina Integral (Comprehensive Medicine) como disciplina do currculo mdico (Silva,1973) e a sua estratgia de operacionalizao nos servios de sade, ou seja, a MedicinaComunitria (Paim, 1976; Donnngelo, 1976).

    No caso da Medicina Integral, o modelo da histria natural das doenas (HND)assumia na fase pre-patognica a concepo ecolgica do processo sade/doena,representada por uma balana em que um dos pratos era constitudo pelo agente e ooutro pelo hospedeiro (o indivduo) e o ponto de apoio ou fulcro era representado peloambiente (fsico, biolgico e scio-cultural). Na etapa patognica, o modelo recorria fisiopatologia para indicar a evoluo das leses ou alteraes fsico-qumicas no corpoantomo-fisiolgico. Para cada um desses estgios era possvel acoplar ao modelo osdistintos nveis de preveno - promoo, proteo, diagnstico precoce, limitao dodano (recuperao) e reabilitao. Assim, as medidas de promoo e proteo sadeaplicadas aos indivduos na fase pr-patognica corresponderiam a chamada prevenoda ocorrncia. J as aes realizadas no perodo patognico visando o diagnsticoprecoce, a recuperao e a reabilitao da sade corresponderiam preveno daevoluo. Consequentemente, no marco conceitual erigido pelo movimentopreventivista encontravam-se o modelo HND e as noes de multicausalidade, normal,patolgico e processo sade/doena. Incorporava-se, portanto, uma viso ontolgica euma viso dinmica acerca da desenvolvimento da doena, sugerindo um mododuplamente otimista de enfrentar os agravos sade, seja eliminando o agente, sejarestaurando o equilbrio (Arouca, 1976).

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    No que se refere Medicina Comunitria, constata-se uma busca de raciona-lidade para os servios de sade enfatizando-se noes outras como regionalizao ehierarquizao de servios, participao comunitria, multiprofissionalidade, etc(Cordoni, s/d). Atravs de projetos de demonstrao (momento focal) e de programasde extenso de cobertura (momento ampliado) novos aportes conceituais, metodolgicose operativos surgiram a partir das disciplinas de planejamento e administrao taiscomo anlises de custo-benefcio e custo-efetividade, programao, planejamentoparticipativo, sistema de informao, etc (Paim, 1986).

    Na medida em que a compreenso e crtica das propostas de Medicina Preven-tiva e de Medicina Comunitria eram desenvolvidas no Brasil e em alguns pases latino-americanos, com estmulo de certos setores da Organizao Panamericana de Sade(OPS), verificou-se um renascimento da Medicina Social inspirada nos princpios quefundamentaram a sua emergncia na Europa em meados do sculo XIX. Nessas tentativasde delimitao do campo disciplinar eram explicitados os contedos do novo paradigma:

    Considera-se sade e doena como um nico processo que resulta da interao do homemconsigo mesmo, com outros homens na sociedade e com elementos biticos e abiticos do meio.Esta interao se desenvolve nos espaos sociais, psicolgico e ecolgico, e como processo temdimenso histrica (...). A sade entendida como o estado dinmico de adaptao a mais perfeitapossvel s condies de vida em dada comunidade humana, num certo momento da escala histrica(...). A doena considerada, ento, como manifestao de distrbios de funo e estruturadecorrentes da falncia dos mecanismos de adaptao, que se traduz em respostas inadequadasaos estmulos e presses aos quais os indivduos e grupos humanos esto continuamente submetidosnos espaos social, psicolgico e ecolgico (Silva, 1973:31-32).

    Nesse sentido, a produo terica desenvolvida nas dcadas de setenta e de oi-tenta permitia apontar a emergncia de um paradigma alternativo em Sade Coletivacentrado em dois conceitos fundamentais: determinao social das doenas e processo detrabalho em sade. O entendimento de que a sade e a doena na coletividade no podemser explicadas exclusivamente nas suas dimenses biolgica e ecolgica, porquanto taisfenmenos so determinados social e historicamente, enquanto componentes dosprocessos de reproduo social, permitia alargar os horizontes de anlise e de intervenosobre a realidade. No cabe no momento revisar a significativa produo cientfica dessacorrente terica mas assinalar que este paradigma orientava muitas das proposies domovimento de democratizao da sade, no apenas no que se referia sade dotrabalhador e s polticas de sade, mas naquilo que dizia respeito a uma totalidade demudanas que passava pelo setor sade e implicava alteraes mais profundas em outrossetores, no Estado, na sociedade e nas instituies (Paim, 1992).

    Entendendo o movimento sanitrio como um conjunto organizado de pessoas egrupos partidrios ou no, articulados ao redor de um projeto (Escorel, 1988:5), trs tipos deprticas foram identificadas pela autora para a sua caracterizao: a prtica terica (aconstruo do saber), a prtica ideolgica (a transformao da conscincia) e a prticapoltica (a transformao das relaes sociais). Ainda que o estudo dessas diferentesprticas seja fundamental para a compreenso do movimento, parece insuficiente pararesponder certas questes presentemente postas no processo da Reforma,particularmente no que se refere ao momento ttico-operacional.

    Essas prticas identificadas no mbito do movimento representam distintas di-menses da prtica social mas no a esgotam. Entendendo prtica social como con-junto das prticas que se inter-determinam dentro de um todo social dado (Herbert, 1976:200),

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    caberia destacar a questo das prticas de sade que integram esse conjunto complexo deprticas presentes em um processo social. As prticas de sade constituem, tambm,uma prtica social mas retm suas especificidades. Tais prticas se articulam e dispem,concomitantemente, de elementos tcnicos e sociais (econmicos, polticos e ideolgicos).So, enfim, prticas estruturadas de classe (Donnngelo, 1976; Mendes-Gonalves, 1979).

    Procedendo uma analogia com o movimento preventivista - um dos principaisfundamentos tericos do movimento sanitrio que deu origem ao processo hoje denominadoReforma Sanitria (Fleury, 1988:195), esta autora sugeria um novo paradigma para talprojeto:

    Partindo da anlise dos processos de trabalho e do conceito-chave de organizao socialda prtica mdica, tal movimento opera uma leitura socializante da problemtica evidenciadapela crise da medicina mercantilizada bem como de sua ineficincia, enquanto possibilidade deorganizao de um sistema de sade capaz de responder as demandas prevalentes, organizado deforma democrtcia em sua gesto e administrado com base na racionalidade do planejamento(Fleury, 1988:196).

    Nessa perspectiva, o conceito ampliado de sade e dos seus determinantesassumido pela 8 Conferncia Nacional de Sade e posteriormente incorporado pelaConstituio da Repblica e pela legislao infra-constitucional fundamenta-se em parteda produo terico-crtica da Sade Coletiva no Brasil. Do mesmo modo, os princpiose diretrizes relativos ao direito sade, cidadania, universalizao, equidade, ademocracia e a descentralizao conferem uma atualidade dessa produo, sobretudopela contribuio das cincias sociais ao campo da Sade Coletiva. J as propostas desistema nico de sade, de rede regionalizada e hierarquizada de servios de sade, deatendimento integral, de participao da comunidade, e de aes de promoo, proteoe recuperao da sade, presentes naquele arcabouo jurdico, tiveram como matrizconceitual o paradigma originrio do movimento preventivista e da sade comunitria.

    OS OBSTCULOS DA PRTICA DA REFORMA SANITRIA

    Os impasses relativos realizao dos princpios e diretrizes da Reforma Sani-tria nas relaes entre os servios de sade, trabalhadores do setor e os usurios/cidados no podem ser explicados, obviamente, pelos limites dos seus paradigmas.Existem situaes muito concretas e objetivas que tm sido apontadas como responsveispelas distores verificadas nas tentativas de implantao do projeto da ReformaSanitria (Paim, 1989), ao se distanciar do que fora concebido originalmente, tal comose pode verificar no trecho:

    A anlise da conjuntura no indica, portanto, um tempo prximo favorvel concretizaode todas as proposies formuladas na VIII CNS. Evidentemente que certos avanos poderoocorrer a partir dos resultados da implantao do SUDS, nos textos das constituintes estaduaise das leis orgnicas dos municpios e da sade, entre outros. Mas a crise fiscal do Estado noparece ter soluo prxima. A dvida externa constrange a economia e o financiamento dos serviospblicos fica comprometido. Se o SUDS era uma possibilidade da passagem de polticasracionalizadoras para polticas democratizantes do setor sade, a Reforma Sanitria, enquantoexpresso dessas ltimas, impensvel sem os investimentos necessrios ampliao da redepblica de servios (Paim, 1991:114).

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    Desse modo, distintas perspectivas de anlise e de posies poltico-ideolgicasapontaram para muitas das ambiguidades do projeto reformista (Gallo, 1995). O debateverificado ao final dos oitenta sobre a natureza e o estgio da Reforma Sanitria Brasileirailustra parcialmente seus impasses. Muitos questionamentos foram feitos porcompanheiros que defendiam a Reforma Sanitria movidos, certamente, pelo intuito defaz-la avanar o mais rapidamente possvel, sem comprometer os seus traos funda-mentais. compreensvel que muitos centrassem a sua ateno no apenas naquilo queconsideravam mais importante para o avano mas, tambm, em funo de posiespoltico-ideolgicas e de inseres poltico-institucionais diversas. O trecho a seguirilustra parte daquelas ambiguidades:

    As Aes Integradas de Sade (AIS) eram consideradas como estratgicas para aimplantao da Reforma Sanitria mas a sua defesa no deveria representar nenhum empecilhopara seu incio (da Reforma). Os Sistemas Unificados e Descentralizados de Sade (SUDS) soconsiderados como um passo fundamental para a Reforma, assim como a criao de um Sistemanico de Sade. Ambos, porm, no devem ser confundidos com a prpria Reforma (Arouca,1988:2).

    Se a Reforma Sanitria no eram as AIS, no eram os SUDS nem o SUS, o queseria, afinal, a Reforma Sanitria? Talvez essa fosse uma das perguntas que maisatormentava as cabeas dos seus militantes. Tratar-se-ia de um ideal a ser perseguidoque, apesar dos passos dados, jamais seria alcanado? Ou seriam apenas manifestaesparciais de uma totalidade na dependncia do ngulo pelo qual se dirigisse o olhar?

    Ainda que no se questionasse o projeto da Reforma Sanitria nem a busca deuma teoria para o mesmo, foi criticada a via prussiana de operar modificaes refor-mistas no modelo assistencial e aqueles que estavam adotando uma concepo restritada Reforma Sanitria escudados em um pensamento de fundo conservador, o da dialtica dopossvel (Campos, 1988:189).

    Se a Reforma Sanitria um processo que passou pelas AIS e SUDS, ainda queno se confundisse com os mesmos, sofreu a implantao distorcida do SUS (conduzidapor muitos dos seus oponentes), e no se restringe a uma reforma administrativa, caberiaresgatar nesse tortuoso percurso, at mesmo para reforar o moral dos militantes ecombatentes, as vitrias conquistadas e os elementos eventualmente concretizados. Osesforos para a unificao e descentralizao (Cordeiro, 1991; Brasil, 1993), bem comoas tentativas, de mudana do modelo assistencial hegemnico (Teixeira & Paim, 1990;Merhy et alii, 1991; Campos, 1992; Mendes, 1993; Ceclio, 1994; Ayres, 1994; Teixeira &Melo, 1995; Schraiber et alii, 1996) nos ltimos anos, inscrevem-se nesse resgate.

    Contudo, compe a radicalidade do projeto a conscincia de que o mesmo in-tegra uma totalidade de mudanas, inclusive de rdem tica e cultural. Nesse sentidodeve fazer parte dessa radicalidade uma certa distncia entre realidade e projeto namedida em que novos propsitos sejam historicamente estabelecidos. No fora assim orisco seria o conformismo e o conservadorismo. Mas a referncia a uma Reforma quenunca se reconhece na realidade, enquanto processo, e uma reiterao obsessiva do queno Reforma Sanitria tem tambm o risco do fatalismo e do imobilismo.

    Se a leitura da crise do setor sade efetuada pelo projeto da Reforma implicava areorganizao dos sistema de sade, a gesto democrtica e o planejamento participativo,como no considerar, seriamente, os resultados alcanados nesses componentes tcnico-institucionais? Se a unidade dialtica entre a construo de um saber, a ideologia e as

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    prticas tem uma histria que precisa ser contada e ensinada, a unidade dialtica dateoria da Reforma Sanitria com a prxis no sistema de servios de sade tem que ser,progressivamente, posta em prova gerando acumulaes de fatos poltico-sociais.

    No parece convincente, portanto, aguardar o Grande Dia em que seria decla-rada, finalmente, a implantao da Reforma Sanitria. Muito menos esperar que todosos objetivos perseguidos resultem aes concretas a partir das prticas terica, polticae ideolgica do movimento sanitrio. Se o triedro da Sade Coletiva o conhecimento,a conscincia sanitria e a organizao do movimento e as trs faces da luta contra-hegemnica so o saber, a ideologia e a prtica poltica (Fleury, 1988), cabe discutir,concretamente, onde realiz-los. Tratar-se-iam de elementos exclusivos dos movimentossociais que operam na sociedade civil e tm horror do Estado e dos seus aparelhos ou,enquanto componentes da contra-hegemonia deveriam ser acionados na arena de lutaque a realidade apresentasse, seja no Estado ampliado, seja nas instituies, seja nasociedade civil no sentido estrito.

    Mesmo no incio do processo da Reforma Sanitria esta era vista como um projetosocial que enfrenta impasses na construo e na conduo - aspectos do denominadodilema reformista (Fleury, 1988) e j se questionava se o paradigma adotado seria capazde dar conta da complexidade e da abrangncia do projeto. Reconhecia-se, ainda, que aatuao governamental tende a tornar absolutos os aspectos racionalizantes da Reforma Sanitria,minando, dessa forma, sua base poltica, imprescindvel para que essse processo transcenda oslimites administrativos (Fleury, 1988:204). Isto faz supor que a insistncia de distinguir aReforma Sanitria enquanto projeto relativamente puro do seu processo em queapareceriam seus elementos contraditrios de concretizao, sejam racionalizadores, sejamdemocratizantes, corresponderia a cautela de no reforar seus componentes tcnico-administrativos e tcnico-operacionais s custas do sacrifcio de uma base social, uma coalizode foras, cuja unidade construida em torno do desejo, da utopia (Fleury, 1988:205).

    Para alm da polmica entre a dialtica do possvel e a dialtica do desejohavia uma ameaa mais grave pairando sobre todos:

    Este quadro fortalece a tese de que a Reforma Sanitria no tem sada se confinada aoslimites de uma reforma administrativa setorial na qual a lei, simplesmente, estabelea a organizaodo Sistema nico de Sade. Permanecendo estreitas as suas bases financeira e poltica corre orisco de se desmoralizar perante a populao. Contra esses riscos novos esforos devem serenvidados nos campos cultural e poltico. A reconceitualizao das necessidades de sade e acrtica das prticas sanitrias apresentam-se como pertinentes deslocando-se a nfase da questodos servios para as condies de sade e seus determinantes. Tais alternativas precisam serexploradas para facilitar a repolitizao da sade numa conjuntura que tende a banalizar o projetoda Reforma Sanitria (Paim, 1991:115).

    DESAFIOS TERICOS E PRTICOS PARA A REFORMA SANITRIA BRASILEIRA

    No obstante certas perplexidades que acompanharam o processo reformista, aolado da crise de financiamento e dos retrocessos poltico-institucionais, significativosesforos terico-conceituais e tcnico-operativos foram realizados na primeira metadeda dcada de noventa buscando superar as lacunas tericas e as ausncias de prticassolidrias ao processo da Reforma Sanitria.

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    No que diz respeito reconceitualizao das necessidades de sade, procura-se recu-perar os aspectos culturais envolvidos na sua definio e, especialmente, seus compo-nentes psicolgicos e subjetivos:

    Sade e doena, bem-estar e mal-estar so fenmenos no apenas fsicos que se manifestampelo bom ou mal funcionamento de um rgo, mas ao mesmo tempo possuem uma dimensopsicolgica que passa pelo vivenciar e pela emoo de cada indivduo. So fenmenos que possuemuma dimenso scio-cultural, coletiva, e outra psicobiolgica, individual, que no deveriam serdicotomizadas. Devem ento ser compreendidos enquanto parte do modo de organizao da vidacotidiana e da histria pessoal de cada um (Vaitsman, 1992:157-158).

    Ao questionar a noo economicista das necessidades humanas, a autora criticao chamado conceito ampliado de sade por restringir-se concepo de sade comoresultado das formas de organizao da produo. Mesmo admitindo que as relaesde classe geradas no processo social da produo determinem desigualdades nascondies de vida e de sade, ressalta que existem outros fatores tambm relevantescomo gnero, cor, idade, entre outros, que contribuem para acentuar tais desigualdades.Lembrando a existncia de um conjunto mais amplo de necessidades humanas -subsistncia, proteo, afeto, compreenso, participao, lazer, criao, identidade eliberdade - a autora apresenta a seguinte reconceitualizao de sade:

    A existncia de sade, que fsica e mental - est ligada a uma srie de condiesirredutveis umas s outras (...) produzida dentro de sociedades que, alm da produo, possuemformas de organizaao da vida cotidiana, da sociabilidadede, da afetividade, da sensualidade, dasubjetividade, da cultura e do lazer, das relaes com o meio ambiente. antes resusltante doconjunto da experincia social, individualizada em cada sentir e vivenciada num corpo que tambm, no esqueamos, biolgico. Uma concepo de sade no-reducionista deveria recuperaro significado do indivduo em sua singularidade e subjetividade na relao com os outros e como mundo. Pensar a sade hoje passa ento por pensar o indivduo em sua organizao da vidacotidiana, tal como esta se expressa no s atravs do trabalho mas tambm do lazer - ou da suaausncia, por exemplo - do afeto, da sexualidade, das relaes com o meio amiente. Uma concepoampliada da sade passaria ento por pensar a recriao da vida sobre novas bases (...) (Vaitsman,1992:171).

    No que se refere crtica s prticas sanitrias, poderia tambm ser entendida comocontribuio luta contra o risco da banalizao da Reforma Sanitria a reflexo tericasobre prticas de sade e tecnologias (materiais e no materiais), particularmente aelaborao do conceito de modelo de organizao tecnolgica do trabalho (Mendes-Gonalves,1991). O privilegiamento do conceito de prticas de sade poderia at no ser consideradona anlise poltica do movimento sanitrio ou no estudo da formulao de macro-polticas governamentais, mas seria imprescindvel para balizar a implementao deum projeto com a amplitude e a ousadia que marcaram a Reforma Sanitria. Tratarteoricamente a especificidade dessas prticas e induzir experincias crticas e inovadorasfazia-se necessrio no apenas para reformar o final da linha ou o colquio singular(Fleury, 1988) mas tambm para superar certos equvocos presentes na trincheira tcnico-institucional da luta pela construo da Reforma Sanitria Brasileira.

    Assim, as prticas de sade constituem uma prtica social e apresentam, simul-taneamente, uma dimenso tcnica e uma dimenso social (econmica, poltica e ideo-lgica). A tecnologia presente nas prticas de sade, por conseguinte, no uma questoexterna da prtica social devendo ser considerada nuclear para a sua redefinio.Aceitando-se a tese de que a Reforma Sanitria construida por um movimento que

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    articula as prticas terica, poltica e ideolgica numa luta contra-hegemnica, deve-seconsiderar, tambm, a hiptese de que parte significativa da Reforma Sanitria se realizano plano tcnico-institucional no encontro de indivduos ou cidados com a burocraciae com os agentes das prticas de sade. Comporia a vida concreta dos homens ou aprtica emprica, isto , a relao concreta entre a a prtica tcnica e a prtica poltica emuma sociedade dada (Herbert, 1976:200-201). Faz sentido, no entanto, a advertnciaembutida na reflexo exposta a seguir:

    Como a reproduo social no se orienta, entretanto, basicamente, nem pela falta delgica das ideologias, nem pela consistncia terica de suas crticas (...), impe-se aproveitar essaexperincia histrica (a Sade Pblica em So Paulo nos anos 70 e a Reforma Sanitria no Brasildos anos 80) como lio para as aes futuras que pretendam transformar as prticas de sade(...). Nenhuma perspectiva tecnocrtica ter doravante como justificar-se diante de seus fracassos,quaisquer que sejam seus mritos lgicos ou cientficos, o que quer dizer que haver sempre quebuscar slidas e profundas bases de apoio ao transformadora no tecido social, para que elapossa viabilizar-se, e mesmo que deva ento seguir o rtmo lento dos atalhos transversais e dasretiradas (Mendes-Gonalves, 1991:101-102).

    A BUSCA DE OUTROS PARADIGMAS

    Ainda como parte dos esforos acima mencionados, cabe registrar o desen-volvimento de uma linha de pesquisa sobre prticas de sade em distintos centros acad-micos e a experimentao de modelos assistenciais, de planejamento e de gesto. Avalorizao da dimenso subjetiva dessas prticas, das vivncias dos usurios e dostrabalhadores do setor, alm de uma preocupao com a constituio dos sujeitos sociais,tem proporcionado espaos de comunicao e dilogo com outros saberes e prticasabrindo outras perspectivas de reflexo e de ao. Do mesmo modo, a reviso crticamais recente de alguns paradigmas, elaborados em outros contextos e reatualizados noBrasil, tais como o campo de sade (Lalonde, 1974), a promoo da sade (Otawa), avigilncia sade (Mendes, 1993), confere novos sentidos para as perguntas formuladaspelo movimento sanitrio na dcada de oitenta.

    Assim, entre os paradigmas que contemplam o processo sade/doena destaca-se o chamado campo da sade (Lalonde, 1974), composto por quatro polos:

    biologia humana: maturidade e envelhecimento, sistemas internoscomplexos e herana gentica;

    sistema de organizao dos servios: recuperao, curativo e preventivo; ambiente: social, psicolgico e fsico; estilo de vida: participao no emprego e riscos ocupacionais, padres de

    consumo e riscos da atividade de lazer.

    Apesar do simplismo que lhe caracteriza, esse modelo teria influenciado, a reformado sistema de sade canadense (Terris, 1984). Tendo conseguido maior difuso na ltimadcada, representa uma verso ampliada do preventivismo ao propiciar as noes depreveno primordial, interveno individual e interveno populacional. Noutraperspectiva, a revalorizao contempornea da promoo da sade (OPS,1989; OPS,1990) e a reviso crtica da Teoria e Prtica da Sade Pblica (PAHO, 1993) e arenovao da proposta Sade para Todos, baseada nas noes de equidade,

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    solidariedade, sustentabilidade e integralidade (WHO, 1995; WHO, 1996), podero,tambm, influenciar a formulao de polticas de sade.

    No que se refere ao paradigma assistencial da Promoo da Sade, ressalta-sena Carta de Otawa, durante a I Conferncia Internacional sobre Promoo da Sade,em 1986, que a paz, a educao, a habitao, a alimentao, a renda, um ecossistema estvel, aconservao dos recursos, a justia social e a equidade so requisitos fundamentais para a sade(Mendes, 1993:11). Esta concepo encontra-se presente entre os secretarios municipaisde sade que subscreveram a Carta de Fortaleza e tende a ser difundida pela ao doConselho Nacional de Secretrios Municipais de Sade (Carta, 1995).

    O fenmeno sade tem sido tambm pensado na Amrica Latina como expressodas condies ou do modo de vida, especialmente nas suas articulaes com quatrodimenses da reproduo social: a reproduo biolgica onde se manifesta a capacidadeimunolgica e a herana gentica; a reproduo das relaes ecolgicas, que envolve ainterao dos indivduos e grupos com o ambiente residencial e do trabalho; a reproduodas formas de conscincia e comportamento, que expressam a cultura; e a reproduodas relaes econmicas, onde se realizam a produo, distribuio e o consumo(Castellanos, 1987a). A partir desse modelo, so identificados diferentes espaos eestratgias de interveno sanitria. Assim, para o espao singular (indivduo) teramosas estratgias de alto risco. Para o espao particular (grupos sociais) haveria as estratgiaspopulacionais(Finalmente, para o espao geral (modelos econmicos) dispramos daspolticas de sade (Castellanos, 1987b).

    No que diz respeito s respostas sociais ao fenmeno sade/doena, o modelode vigilncia sade constitui-se numa prtica sanitria que organiza os processosde trabalho em sade, sob a forma de operaes, para confrontar prooblemas deenfrentamento contnuo, num territrio determinado (Mendes, 1993), especialmenteatravs de intervenes setoriais organizadas. Ao utilizar o modelo de vigilncia emsade que considera esquematicamente o processo sade/doena na coletividade e asintervenes centradas sobre danos, riscos e determinantes scio-ambientais (PAIM,1993) esse paradigma estimula uma reatualizao da reflexo sobre as noes depromoo da sade e qualidade de vida (Souza & Kalichman, 1993; Schraiber & Mendes-Gonalves, 1996).

    Algumas possibilidades de adoo desses paradigmas e modelos assistenciaisalternativos tm sido criadas pela municipalizao, pela distritalizao e por certasiniciativas de articulao entre a universidade, os servios e a comunidade. Nesseparticular, modelos tecno-assistenciais de base epidemiolgica, tais como ofertaorganizada, as aes programticas em sade, a vigilncia em sade, polticas pblicassaudveis, etc, j resultam da reatualizao e crtica dos paradigmas sanitrios. Certasexperincias desenvolvidas no Brasil em municpios como Santos, Campinas, So Paulo(rea do Butant) e Curitiba permitem considerar a pertinncia desses esforos, alm depor em discusso propostas como as polticas pblicas saudveis (PAHO, 1993) ou ascidades saudveis (Carta, 1995).

    Considerando a reflexo em curso sobre modelos de ateno em sade e asiniciativas inovadoras de alguns municpios e distritos sanitrios no Brasil pode-seafirmar que a Reforma Sanitria, enquanto processo, mantem-se viva apesar dosobstculos econmicos, polticos e ideolgicos que historicamente enfrenta. A intensaparticipao social verificada nas etapas municipal, estadual e nacional das confernciasde sade no Brasil (CEBES & ABRASCO, 1992) reitera a vitalidade do projeto. A prpria

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    temtica da X Conferncia Nacional de Sade e os debates nela realizados estimulam aousadia de construir um modelo de ateno voltado para a qualidade de vida.

    Portanto, a discusso entre as finalidades das prticas de sade e o seu objeto,meios de trabalho e atividades bem como a anlise das relaes tcnicas e sociais dotrabalho em sade como via de aproximao entre os modelos assistenciais e de gesto,constituem desafios tericos e prticos para a Reforma Sanitria Brasileira nos anos queho de vir. Do mesmo modo, as interaes entre propsitos, mtodos e organizao talcomo concebido pelo postulado de coerncia, ao estabelecer as vinculaes com o papeldo Estado, com a Teoria e com a Histria (Testa, 1995), podero representar algunscaminhos investigativos que respaldem novos passos para a Reforma Sanitria no Brasil.

    COMENTRIOS FINAIS

    Nos tpicos anteriores constata-se que a Reforma Sanitria tem sido tratada comomovimento, proposta, projeto e processo. Seriam conceitos distintos em estado prtico?

    Houve textos consultados em que todos esses termos foram empregados. Aomesmo tempo afirmava-se que a reforma sanitria simultaneamente bandeira especfica eparte de uma totalidade de mudanas (Arouca, 1988:3). Assim, poder-se-ia concluir que aReforma Sanitria uma proposta que encerra um conjunto de princpios e proposiestal como disposto no Relatrio Final da 8a. CNS. tambm um projeto pois consubstanciaum conjunto de polticas articuladas que requerem uma dada conscincia sanitria, umaparticipao da cidadania e uma vinculao com as lutas polticas e sociais mais amplas. ainda um processo porquanto a proposta formulada no se conteve nos arquivos nemnas bibliotecas mas transformou-se em bandeira de luta, articulou um conjunto deprticas, e teceu um projeto poltico-cultural consistente enquanto prtica social,tornando-se Histria. Trata-se, consequentemente, de um conjunto complexo de prticas(inclusive prticas de sade) que integram a prtica social.

    Enquanto totalidade de mudanas a contemplar questes como estrutura do SUS,cincia e tecnologia, produo, modernidade, e controle social (Arouca, 1988), a ReformaSanitria demanda por paradigmas que no se esgotem nas prticas terica, poltica eideolgica. O conceito de totalidade empregado para se referir situao de sade reabreo espao para a discusso da prtica social que d conta dessa realidade. As prticas desade, tm, como j foi assinalado, uma natureza tcnica porm so, ao mesmo tempo,prticas sociais com dimenses econmicas, ideolgicas e polticas.

    Questes referentes cincia e tecnologia ou a certos aspectos da modernidadeno so externas situao de sade mas uma das suas dimenses. A tecnologia,enquanto meio de trabalho acionado nas prticas de sade, faz parte da situao sanitriaa ser modificada pela Reforma. Assim, tanto as tecnologias materiais quanto as nomateriais precisam ser recriadas tendo em conta as reconceitualizaes acerca do objetodas prticas de sade e da instaurao de novas relaes sociais nas diferentesmodalidades de prestao de servios de sade (Paim, 1993a). Nesse particular, caberessaltar no s as tecnologias utilizadas no cuidado a sade de carater individual ecoletivo mas tambm o conjunto de tcnicas referentes ao planejamento, gesto,informao, comunicao, etc.

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    A abertura para a filosofia e para a arte, representa outra via progressivamenteexplorada pelas reflexes e propostas atuais no campo da Sade Coletiva:

    Alm das condies especficas do trabalho em sade, entre outros, para propiciar avanosno sentido da constituio objetiva dos espaos da ao comunicativa, nos sentidos j apontados,h um outro, ainda relativamente mais inexplorado, mas cujas promessas tericas so maisdecisivas: trata-se evidentemente da presena essencial dos consumidores de servios de sade,dos educandos, dos receptores de mensagens, dos fruidores das objetivaes estticas, dosnecessitados de filosofias (Mendes-Gonalves, 1995;23).

    Assim, a discusso de valores que informam as prticas e, especialmente, os queorientam as escolhas, seja nas consultas individuais, seja nas intervenes de caratercoletivo, est possibilitando, presentemente, repensar a autonomia dos agentes, ao ladodas questes mais estruturais remetidas anlise do processo de trabalho em sade(Schraiber, 1995). Do mesmo modo, o dilogo iniciado com diferentes manifestaesartsticas, recusando o dirigismo (Capinan, 1995) mas convidando para outras leiturasda realidade, especialmente no que se refere ao mundo subjetivo, permite cogitarmodelos de ateno para a qualidade de vida fundamentados num agir comunicativoque leve em conta as dimenses psicolgicas e culturais dos problemas de sade (Paim,1995a), particularmente os vinculados ao modo de vida (doenas cardio-vasculares,AIDS, violncia, transtornos mentais, etc). Se a arte amiga da vida pode ser da sade,tambm (Paim, 1995b).

    Apesar de todos essas iniciativas, no ocioso lembrar que o chamado para-digma flexneriano continua orientando a organizao dos servios de sade no sentidode reforar o modelo mdico hegemnico (Paim, 1994). Dirigentes, empresrios,trabalhadores de sade, populao e mdia continuam reproduzindo tal paradigma aoreduzir o sistema de sade a um conjunto de estabelecimentos de assistncia mdico-hospitalar, centrados no diagnstico e na teraputica aloptica.

    Evidentemente que o modo de vida prevelescente na sociedade brasileira, prenhede desigualdades e gerador de doenas e agravos, produz incessantemente umapopulao necessitada de servios mdicos que no pode ser ignorada. No h, portanto,como conter essa demanda espontnea, seja produzida pelo sofrimento, pela misria,ou mesmo pela oferta de servios mdicos. Mas a reorientao do sistema de ateno adoena vigente para a construo de um sistema de sade que, alm de controlar danos eriscos preocupe-se com os determinantes scio-ambientais da sade (PAIM, 1993b),impe novos desafios. Enfatizar a promoo da sade, a qualidade de vida e do ambiente,a preveno das doenas reorganizando a assistncia mdico-hospitalar eletiva eemergencial em funo de modelos assistenciais centrados na oferta organizada e navigilncia em sade, pode ser um dos caminhos. Nessa perspectiva, modelos de atenovoltados para a qualidade de vida, requerem paradigmas alternativos tais como os quese tem tentado, ultimamente, no Brasil.

    O repensar dos paradigmas, pressupostos e fundamentos tericos da ReformaSanitria no pode, desse modo, aprisionar-se na conexo com as prticas estritamentepolticas. Para que a Reforma Sanitria no crie falsos dilemas faz-se necessrio que talconexo seja acompanhada por um conjunto de iniciativas no mbito das instituies,servios de sade e grupos sociais, tal como se observa nos processos de municipalizaoe distritalizao voltados para a adoo de modelos assistenciais, de planejamento egesto alternativos. E para que o otimismo da prtica no caia no idealismo ou novoluntarismo cabe lembrar que a Reforma Sanitria ainda dispe de um referencial

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    terico fundamental: a filosofia da praxis - dialgica, plural, comunicativa (Gramsci,1966; Habermas,1990).

    A vigilncia crtica contra os desvios tecnocrticos do proceso da Reforma Sani-tria no deve conduzir ao equvoco oposto de desqualificar as bases tcnico-cientficaspara a sua implementao nem ignorar os obstculos ainda presentes na burocracia ena administrao pblica brasileira, bem como nas questes polticas e econmicas maisgerais. Do mesmo modo, a prxis necessria gerao de novos paradigmas e a mudanado contedo das prticas de sade requer a elaborao de tecnologias nas reas daateno, do planejamento, da epidemiologia, da comunicao, entre outras, progres-sivamente orgnicas ao projeto da Reforma Sanitria Brasileira.

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