bahia, sara - psicologia da criatividade

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Psicologia da Criatividade Sara Bahia Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação - UL & Escola Superior de Teatro e de Cinema - IPL Bahia, S. (2007). Psicologia da Criatividade. Manual de Apoio para a disciplina de Psicologia da Criatividade. Mestrado em Teatro e Comunidade da ESTC/IPL

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Psicologia da Criatividade

Sara Bahia

Faculdade de Psicologia e de Ciências da

Educação - UL

&

Escola Superior de Teatro e de Cinema -

IPL

Bahia, S. (2007). Psicologia da Criatividade. Manual de Apoio para a disciplina de

Psicologia da Criatividade. Mestrado em Teatro e Comunidade da ESTC/IPL

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ÍNDICE

Apresentação 2

1. A visão mítica e mística da criatividade 5

2. As abordagens da confluência 21

3. Os quatro “P's” da criatividade 32

4. Climas promotores de criatividade 45

Considerações finais 63

Referências bibliográficas 65

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2

Apresentação

A criatividade pode ser consensualmente definida como a capacidade para superar

ideias tradicionais, regras, padrões ou relações já existentes e de criar novas ideias,

formas, métodos, interpretações com significado. É também sinónimo de originalidade,

progressão ou imaginação (Webster Encyclopedia, 1996). No seu sentido mais amplo, a

criatividade é parte integrante da vivência humana e a sua integração no domínio da

investigação psicológica é forçosa, senão mesmo imprescindível.

Em termos mais concretos, a capacidade de superação do que já existe e a

criação do novo são uma constante da essência humana e conduzem, necessariamente, à

sua integração na explicação da filogénese e também da ontogénese. A construção e

reconstrução inevitavelmente criativa do passado, a invariável interpretação do presente

e a forçosa reflexão sobre o futuro pessoal, cultural e social, que constituem a

experiência de vida de todos os seres humanos, obrigam incontornavelmente a uma

análise da criatividade. Mais do que referir que a questionação da natureza da

criatividade esteve sempre presente ao longo da História da Humanidade, importa

reflectir sobre quem pode beneficiar dessa questionação e como se pode desenvolver a

criatividade. Estas foram precisamente duas das questões avançadas no século XIX

(Becker, 1995) quando a criatividade passou a ser objecto de estudo da psicologia e da

educação. A introdução do termo criatividade no vocabulário destas disciplinas não é

alheia à implantação de novas ciências, à abertura a novas culturas e à inovação em

termos de novas expressões artísticas que deram forma à ideia da existência de um

potencial criativo comum a todos os seres humanos e à necessidade do seu

desenvolvimento.

Volvido um século de estudo da criatividade sob o ponto de vista dito científico,

novas formulações, reformulações e revoluções são necessárias. No entanto, estas só

germinam se os membros da sociedade acreditarem que querem, devem e podem ser

criativos. A motivação, a ética e a competência constituem campos do saber que se

entrecruzam na vontade humana. Sem a crença de que se deve e pode ser criativo não

haverá mudança promotora de novas formas de ser e de estar. Numa sociedade que

almeja uma construção original do conhecimento, o aprofundamento da temática da

criatividade revela-se fundamental em qualquer área do saber. A criatividade emerge,

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assim, como um investimento promissor numa imperativa mudança de paradigma nos

contextos da psicologia e da educação, mesmo que tenha historicamente sido valorizada

de forma ambígua e mesmo ambivalente por ambos os domínios do conhecimento.

A transformação da sociedade da informação numa sociedade do conhecimento

exige cada vez mais que as “pessoas pensem” e as “máquinas trabalhem” como

profetizavam os anos 70 através da conhecida máxima da IBM. Por seu turno, a

globalização e a diversidade cultural conferem ao mundo em constante metamorfose a

exigência de novos padrões de adaptação. Consequentemente, aos múltiplos domínios

do conhecimento impõe-se uma nova perspectivação quer a nível teórico quer a nível

prático. No caso da psicologia, a procura de um olhar mais eclético e flexível sobre os

seus conceitos específicos configura-se uma alternativa facilitadora da construção de

uma identidade mais amadurecida na medida em que ainda é uma ciência jovem. Surge,

assim, naturalmente, a necessidade de um investimento na criatividade em termos da

teoria e da prática psicológica como uma forma privilegiada de promoção de uma

mudança de paradigma.

Constituindo uma das áreas mais antigas da psicologia, a Society for the

Psychology of Aesthetics, Creativity and the Arts (Division 10 da American

Psychological Association) coloca a tónica na confluência de diferentes disciplinas,

escolas e perspectivas sobre múltiplos domínios do conhecimento psicológico,

ilustrando o potencial da sua conceptualização na adaptação desta área do conhecimento

às novas exigências universais. No entanto, apesar do reconhecimento crescente em

termos de referências e de investigação, a criatividade tem sido largamente relegada

para um segundo plano no seio da psicologia (e.g. May, 1978, Sternberg, 1988a) e não é

incluída na maioria dos currículos dos cursos de Psicologia, nacionais e internacionais.

Do mesmo modo, apesar de no século XIX a criatividade ter universalmente passado a

constituir uma das “missões” da educação, a relutância em aceitar plenamente essa

finalidade parece ter dominado alguns círculos menos permeáveis aos ideias do

romantismo que fez brotar o interesse por esta finalidade.

Curiosamente, o novo eco que a criatividade assume no panorama da

investigação psicológica surge serendipicamente mais de um século depois da

implantação da psicologia como uma nova ciência e quase um século depois do

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pragmatismo de James, do “emancipar e alargar a experiência” de Dewey e da

relevância que Vygotsky lhe atribui. Só após um longo processo de maturação e de

reflexão crítica é que a ênfase na criatividade podia ganhar eco na teorização do

comportamento humano, na medida em que somente uma análise detalhada de um

sólido corpo de conhecimentos possibilita a sistematização de critérios objectivos de

avaliação que constituem o motor de uma procura e de um subsequente encontro de

formas inovadoras, flexíveis e criativas de explicar, interpretar, orientar e intervir nesse

mesmo campo do conhecimento.

O que sabemos sobre os domínios e os conceitos da psicologia e da educação

encontra-se finalmente em condições de atribuir a devida consideração ao estudo da

criatividade e de gerar novas ideias ou associações entre conceitos de forma original e

apropriada, ou seja, de se ser criativo. Nesse sentido, a sistematização dos

conhecimentos acerca da criatividade perpassa os múltiplos domínios da psicologia e

também da educação e proporciona um quadro de referência teórico que possibilita a

prática criativa em diversas esferas profissionais.

O primeiro passo para a inclusão da criatividade nas concepções e pressupostos

da psicologia e da educação afigura-se, como em qualquer domínio do conhecimento, o

mais difícil: a reorganização do conhecimento em função da rejeição dos mitos em seu

torno.

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1. A visão mítica e mística da criatividade

Se por um lado os mitos caminham em direcção à “verdade” como afirmava

polemicamente Jean Cocteau, a verdade é que essa “verdade” não só é inacessível,

como também foi frequentemente afastada pela crença cega em alguns mitos, ou

melhor, em partes de alguns mitos. Se de acordo com Wertheimer, o todo é mais do que

a mera soma das partes e se se assumir que aquilo que perdura dos mitos é apenas uma

parte mais pobre da sua potencial riqueza, importa, então, relembrar as partes

esquecidas.

As representações que formamos acerca o mundo são essenciais para a

construção do conhecimento que temos sobre nós próprios e tudo quanto nos rodeia. A

construção de histórias, reais ou imaginárias, por palavras ou por imagens, parece ser

uma necessidade humana universal e intemporal. A arte parietal, as personagens da

mitologia grega ou as lendas que cada povo conta ilustram tal necessidade. As histórias

e as narrativas são parte integrante da cultura, vista como um conjunto complexo de

normas, símbolos, mitos e imagens penetrantes, estruturantes e orientadoras que

constituem os murmúrios do mundo (Morin, 1966). Consequentemente, estas narrativas

constituem a herança cultural que reforça os valores tradicionais ou inspiram a mudança

de paradigmas (MacDonald e Mason, 2003). Por isso, a análise histórica de uma parte

do conhecimento permite a colocação de questões e o avanço das possíveis respostas

(e.g. Capita e Cooper, 2001). Curiosamente, hístör também significa em Latim aquele

que sabe ou vê, salientando a ideia de que a história é uma imagem do passado criada

pelo jogo entre a imaginação e a reflexão acerca dos materiais legados pelas gerações

que nos precederam e que possibilita a transformação do olhar e, consequentemente, do

conhecimento.

Muito embora os mitos sejam considerados como sinónimos de mistificação, por

constituírem crenças imaginárias, e mesmo enganosas, baseadas na credulidade

daqueles que a aceitam (Clément, Demonque, Hansen-Love e Kahn, 1994, 1999), a sua

análise menos preconceituosa permite compreender, na acepção de Lévi-Strauss (1964),

a metalinguagem que reflecte, em última instância, a mente humana. Os mitos

constituem, por isso, um modo de organização, observação e reflexão especulativa do

mundo sensível, sendo os seus conteúdos aceites como “história verdadeira”. Assim, a

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apreensão da sua riqueza permite a captura da dinâmica das múltiplas dimensões e

variáveis envolvidos no comportamento humano, bem como a compreensão da

evolução da reflexão sobre os conceitos que são objecto da investigação actual,

nomeadamente, sobre a temática da criatividade.

1.1. A inspiração das musas

ou o mito da inacessibilidade da criatividade

Conta-se que após a vitória dos deuses do Olimpo sobre os seis Titãs, Zeus e a sua

amante Mnemosine criaram durante nove noites as nove musas que cantariam as

vitórias dos Olímpicos. Segundo Homero, as nove irmãs presidiam às Artes e às

Ciências. Calliope, a da “Bela Voz”, chefe das musas e mãe de Orfeu, brilhava na

filosofia, poesia épica e retórica; Clio, a "Proclamadora", dedicava-se à história,

inventou a poesia histórica e heróica e introduziu o alfabeto fonético na Grécia; Erato, a

"Amável", deu origem à poesia do amor e à mímica; Euterpe, "Doadora de Prazeres",

era a deusa da poesia lírica e da música; Polihymnia era chamada "A de Muitos Hinos",

entre os quais a música sacra, a harmonia e a eloquência poética; Melpomene, a

"Poetisa", era a deusa da tragédia – teatro – e do canto; Terpsícore , "A Rodopiante",

brilhava na dança e no canto coral; Thalia, "A que faz Brotar Flores", presidia à

comédia e à poesia pastoral; e, Urania, "A Celestial" ou a “Rainha dos Montes”, era a

deusa da astronomia.

Embora personificando áreas diferentes do conhecimento, as musas eram

descritas como uma força unida. Para Hesíodo elas eram uma só, oferecendo a dádiva

da alegria a todos aqueles que as viam e ouviam. Nos banquetes no Monte Olimpo as

musas sentavam-se junto de seu pai cantando as glórias e os feitos heróicos dos Gregos

e da Criação. No monte Parnaso, faziam parte do cortejo de Apolo e tinham como

responsabilidade inspirar poetas e músicos bem como promover as artes e as ciências. A

sua influência era profunda: ao enaltecerem os nomes da história, encorajavam o futuro

heroísmo. Poetas, filósofos e mesmo professores e alunos invocavam as musas no início

das suas composições, discursos ou aulas.

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1.1.1. Criatividade e memória

Uma das razões de interesse deste mito reside no facto de ele ilustrar aquilo que

milénios de avanços no conhecimento mostram: a memória é a chave do conhecimento

bem como dos seus avanços que são, efectivamente, a criatividade nas suas múltiplas

expressões. A memória como motor de criatividade acabou por não ser integrada na

conceptualização vigente sobre criatividade, porque o que prevaleceu foi a crença

secular, ainda hoje fortemente enraizada nas teorias implícitas, de que a criatividade é

fruto de uma inspiração mística que só “toca” a alguns.

Se os antigos gregos atribuíram a criatividade à inspiração das musas e

impuseram o sentido esquecido de realização pessoal (krainen), os romanos divulgaram

o sentido de edificação de algo novo (creare) e abriram caminho para a visão cristã da

inspiração divina, que em muito enviesou as teorias implícitas sobre a criatividade, não

obstante algumas mudanças históricas que não prevaleceram na renúncia a este mito. O

peso da ideia de um Deus que selecciona alguns eleitos para veicular a sua palavra

divina, foi (e ainda é) forte na cultura ocidental. Um exemplo dessa força é salientado

Kraube (2000) quando explica que só em 1304 surge, pela mão de Giotto, “A

Deposição de Cristo”, o fresco que se apresentava assinado, desafiando uma das regras

mais sagradas: a da não valorização do criativo (neste caso artista) para enaltecer a

capacidade criadora de Deus. Embora a precisão deste exemplo possa ser discutível, ele

veicula a crença que em muito perdurou e motivou uma das ideias mais recorrentes

sobre criatividade: a da inspiração súbita (Weisberg, 1986), intimamente associada à

questão da construção “mística” versus reconstrução “original” do saber.

Historicamente, no período teocêntrico da criatividade, algo superior (as musas ou

Deus) é sempre o primeiro responsável pela produção criativa, se bem que pela mão de

alguns eleitos, ao passo que no período antropocêntrico, o Homem é um expoente

máximo, é visto como dotado de uma série de aptidões que possibilitam a criação de

algo que não será necessariamente novo. Como referia Lavoisier, nada se cria, tudo se

transforma, ou seja, tudo é reconstruído ou refeito.

A relação entre criatividade e memória foi reavivada há dois séculos quando

pensadores como Denis Diderot referiam a imaginação como a memória de formas e

conteúdos que nada criava, mas apenas combinava, aumentava ou diminuía.

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Paradoxalmente, na França do século XVIII, começava a presenciar-se uma resistência

ao conceito de criatividade, que chegou mesmo a ser uma negação. O pensamento

estava vocacionado para o nascimento de várias Ciências que procuravam abarcar as

leis gerais obtidas e testadas através do método científico. A resistência à criatividade

advinha, assim, da tendência Iluminista para não aceitar “mistérios” e se cingir a regras.

Até aí a criatividade havia sido considerada como uma força vital ou como uma força

cósmica (Stoltz, 1999), em que se acentuava a espiritualidade como algo intocável e

inacessível, e que, por isso, escapava ao estudo científico. Por outro lado, a criatividade

sempre fora associada ao ex nihilo, e como tal parecia não ser passível de ser sujeita a

regras, ideia que ainda perdura em termos de senso comum e, limitativamente,

reivindica a inacessibilidade da criatividade como objecto de estudo. Contrariando esta

crença, a investigação sobre a criatividade tem demonstrado ao longo últimas décadas

que é possível aprofundar o conhecimento sobre este objecto de estudo e, como se

pretende com qualquer abordagem teórica, orientar a sua prática.

1.1.2. Criatividade e conhecimento(s)

O outro lado do mito das nove musas é o de que o conhecimento é um só. No entanto,

as teorias implícitas sobre a criatividade mostram que a separação entre o mundo

artístico e o mundo científico ainda impera (e.g. Bahia, 2006). De facto, embora se

teime em considerar arte, ciência e tecnologia1 como esferas do conhecimento separadas

e independentes, são inúmeros e reincidentes os exemplos de artistas cientistas ou de

cientistas artistas. Ao mesmo tempo que nasciam as primeiras expressões artísticas, as

primeiras ferramentas de caça e de cultivo das terras também surgiam. O aparecimento

das primeiras sociedades e a divisão de tarefas encorajou o desenvolvimento da

tecnologia, da arte e da ciência. A descoberta do que até à data se ignorava e a invenção

de algo novo são uma constante da história da existência humana nas mais diversas

expressões do processo criativo. Contudo, é com a transição do mito para o logos que o

mundo começa a ser explicado de uma forma filosófica, científica e racional. Desde

Tales de Mileto que a física, a filosofia, a geometria, a astronomia (e a matemática)

1 Não é por acaso que o termo “tecnologia” tem origem no termo grego technikos que significa artístico,

profissional.

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aparecem como objecto de reflexão de um mesmo estudioso. Não é por acaso que a

inscrição à porta da Academia de Platão negava o acesso aos ignorantes da geometria. A

análise histórica das produções criativas mostra que, tal como as musas, os

conhecimentos nos seus múltiplos domínios de expressão se entrecruzam e formam um

só.

Na realidade, quando associamos arte e ciência, o primeiro nome que nos vem à

memória é Leonardo da Vinci que era inventor, matemático, filósofo, engenheiro,

embora tivesse ficado registado na nossa memória como pintor. Mas os exemplos da

História multiplicam-se: Albrecht Durer, o pintor que muito viajou e que se dedicou à

escrita, à política, ao desenho de animais e plantas, e também à concepção e construção

de uma máquina que permitia cópias de desenhos ou textos; Leibniz, o matemático,

historiador, geólogo, jurista e especialista em línguas e literatura, ficou mais conhecido

como filósofo; Sir Christopher Wren, um astrónomo, físico, matemático e geómetra,

ficou registado como arquitecto; Robert Hooke, o cientista, inventor e experimentalista

que ajudou Wren a desenhar a catedral de S. Paulo, em Londres; Galileu, o matemático

que avançou o conhecimento na astronomia e na física, mas que também era filósofo;

ou Locke, que para além de cientista, médico e botânico, era político, filósofo e escrevia

sobre a educação propondo directrizes para que o ensino fosse mais criativo. E, claro,

Isaac Newton, o filósofo que escreveu os Principia Matemática e avançou com o

moderno cálculo infinitesimal, com a teoria actual da óptica e, ainda, com o princípio da

gravidade.

Tal como no tempo das musas, a arte está intimamente ligada à ciência. À

imagem dos Antigos Gregos, os artistas e arquitectos renascentistas traduziram o espaço

físico em proporções matemáticas, como o rectângulo de ouro, produzindo obras que

enganavam o olhar e superavam a natureza. Os avanços científicos repercutiram-se não

só no campo das Ciências e no mundo das artes e da tecnologia, como na compreensão

do mundo e da essência humana. A matemática não só possibilitou a nova ciência da

natureza de Galileu, como também alterou para sempre a forma de representar a

natureza através da arte.

A ideia de que os dois mundos (ou na acepção de C.P. Snow, as duas culturas)

são indissociáveis, viria a ser ilustrada por Karl Popper, ao propor o mundo 3 como

integrador das produções da criatividade humana, ou seja, o mundo do conhecimento

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expresso por palavras ou por imagens e outros símbolos da cultura humana. Línguas,

contos, histórias e mitos, teorias científicas e construções matemáticas, canções e

sinfonias, pinturas e esculturas, aviões e aeroportos, seriam exemplos capacidade de

inteligência e de criatividade responsável pelo mundo 3. Como refere Popper (1978)

seria tentador dividi-lo numa série de outros mundos – o da ciência distinto do da

ficção, o da música e da arte separado da engenharia. Porém, estas produções pertencem

a um mesmo mundo – o das ideias, os produtos da mente humana. Este mundo 3

corresponderia à terceira cultura que Snow (1959) refere como o caminho a seguir para

a compreensão do mundo em que vivemos. Ou adoptando outra imagem, este mundo

constituiria os pilares da ponte da compreensão que atravessa o rio de águas rápidas do

conhecimento que os cientistas Humprey Davy e Michael Faraday e artista William

Turner representavam quando encaravam o seu trabalho como parte integrante de um

contexto mais lato onde a ciência retirava conhecimentos da arte e a arte se aconselhava

com a ciência2. Cada um(a) olhava de forma penetrante a natureza e desvendava alguns

dos seus segredos (Hamilton, 2002) ou como disse Eisntein, o eterno mistério do mundo

é a possibilidade da sua compreensão.

Por tendermos a separar ambas as culturas, a “enteada” criatividade (nas

palavras de May em 1974) foi desterrada, na história da psicologia, para segundo plano.

A agravar esta dissociação prevaleceram mitos e preconceitos em torno do conceito, o

que aliado à incapacidade de definir a criatividade a conduziu para um plano mais

afastado (Plucker, Beghetto e Dow, 2004). Do mesmo modo, os conteúdos veiculados

pela Escola parecem demasiadas vezes dividir ciência e arte, dando muitas vezes

primazia à primeira. Contudo, a própria História da Educação denota a assunção de que

as artes e as ciências a que as nove musas presidiam são expressões de um mesmo

conhecimento global e globalizante fruto da capacidade de criação humana,

independentemente dos juízos de valor que fazemos sobre cada uma destas esferas e do

uso que lhes damos. Na Antiguidade Clássica, a música era ensinada a par com a leitura

e escrita. Na Idade Média, a base da educação secular, a cargo dos monges copistas,

incidia primeiro no trivium, constituído pela gramática, a retórica e a dialéctica, e depois

2 Durante a 1ª metade do século XIX em Londres Humphrey Davy, Michael Faraday,e William Turner

consolidaram fortes laços de amizade em que cada um desempenhava, respectivamente, o papel de “pai”,

“filho” e “irmão” (Hamilton, 2002)

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no quadrivium, que incluía a aritmética, a geometria, a astronomia e a música, formando

assim a base da educação nas sete artes liberais. O Renascimento assiste a um destaque

das artes na educação. Erasmus afirmava que os rapazes deviam ser ensinados de forma

a sentirem que estão a brincar e não a estudar (Osley, 1980). O que aliás não era uma

ideia inovadora. No século XV, o ilustrador, pintor e gravador Albrecht Durer, escrevia

num dos seus livros que os macedónios incluíam a arte na educação e que os mistérios

do desenho, a construção e a proporcionalidade das letras derivavam de princípios da

matemática (Osley, 1980). Séculos mais tarde os escritos de Paul Klee e de Wassily

Kandinsky sobre as suas aulas na Bahaus encontravam-se repletos de fórmulas

matemáticas e recursos a exemplos da ciência. Contudo, a herança do Positivismo e a

autonomia das ciências obrigaram a que a especialização dos que se dedicam à procura

do conhecimento não permita hoje ser-se cientista e artista ao mesmo tempo. Longe vão

os tempos em que os grandes nomes do Renascimento ou do Iluminismo se dedicavam

a todas as facetas do conhecimento.

Por tudo isto, a ideia a perpetuar deste mito não é tanto a de algo inspirador sem

o qual a criatividade não brota, mas sim a de que a criatividade é a filha da memória e

que preside ao conhecimento, ou seja, às Ciências e às Artes.

1.2. O Eureka de Arquimedes

ou o fenómeno do insight

Segundo a lenda, Arquimedes, o sábio grego, entretido no banho com um problema que

o rei de Siracusa lhe teria dado para resolver, saltou repentinamente e largou a correr,

nu, pelas ruas da cidade a gritar «Eureka, Eureka!», ou seja, «Descobri! Descobri!»,

pois tinha encontrado a solução para o difícil problema da coroa.

Mais concretamente, segundo a narração, o rei Hieros havia encomendado a um

ourives uma coroa de ouro maciço para oferecer aos deuses em troca da sua protecção

durante as conquistas que fizera. Receando que o ourives o tivesse enganado, o rei

resolveu pedir a Arquimedes para descobrir se a coroa era mesmo feita exclusivamente

de ouro. Arquimedes matutou e matutou na questão, até que acabou por descobrir uma

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solução. Arranjou um pedaço de ouro e um pedaço de prata, ambos com o mesmo peso

da coroa. Com uma balança de pratos, verificou que as três peças tinham o mesmo peso.

Depois mergulhou-as, uma a uma, num recipiente cheio de água até à borda, tendo

medido a quantidade de água que se entornava de cada vez. A peça de ouro entornava

menos água. A peça de prata entornava mais água. A coroa real correspondia a uma

situação intermédia entre um caso e outro. Arquimedes concluiu que o volume da coroa

era maior do que o pedaço de ouro maciço e menor do que o pedaço de prata maciça, ou

seja, que a coroa não era de ouro maciço. O rei tinha sido enganado e, quando o soube,

ficou naturalmente furioso.

Hoje retemos desta lenda a ideia de que a criatividade é um fenómeno “Eureka”,

em que subitamente, num ápice de sorte, se descobre algo. Ainda se perpetua, em

muitos círculos, a crença de que o processo criativo é uma iluminação súbita. Esta

iluminação associa-se a outras duas crenças, a de que a criatividade resulta de um

processo inconsciente e a de que se trata de processo inerente a um génio que, sob o

olhar ptolomaico, centra sobre si todas as qualidades necessárias à emergência de um

produto criativo (Weisberg, 1986). A reforçar esta abordagem surgem amiúde na

literatura relatos sobre a forma como Poincaré fez a prova das funções fuscianas ou

como Mozart compôs algumas obras em condições que, segundo o compositor, não

tinham sido fruto de um trabalho consciente e moroso. A sistematização de Wallas

(1926) sobre as fases do processo criativo ilustra a prevalência do Eureka do acto

criativo. Se Wallas considerava a fase da preparação como necessária para procura da

informação sobre a resolução de um dado problema e a fase da incubação como

relevante para a desempenho criativo, na medida em que o “adormecimento” do

problema permitia o trabalho inconsciente, a fase da iluminação era, todavia, tida como

a mais determinante. O processo criativo terminaria com o encontro da solução, ao qual

associamos a figura nua de Arquimedes que acaba depois por “voltar à realidade” e

avaliar a sua descoberta, o que corresponderia à fase da verificação. Simultaneamente,

Wolfgang Kohler avançava com o conceito de insight, ou compreensão súbita de um

problema a partir da reflexão a partir da procura de resolução de um dado problema. O

insight implicaria uma reestruturação da organização de uma gestalt com base em

conhecimentos anteriores.

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Na realidade, a lenda do pai da Engenharia, Arquimedes, mostra muito mais do

que a iluminação súbita que, teimosamente, persistimos em associar ao acto criativo,

pois nela estão presentes os vários processos envolvidos no pensamento criativo tal

como Torrance (1988) os descreve:

1. experimentar as dificuldades, problemas, lacunas na informação,

incongruências;

2. adivinhar e formular hipóteses acerca dessas inconsistências;

3. avaliar e testar as possíveis soluções;

4. rever as soluções encontradas e retestá-las; e, por fim,

5. comunicar os resultados.

O encontro serendipíco com a solução do problema da coroa ilustra também o

mote de Pasteur “a sorte favorece a mente preparada” e permite compreender a

abrangência do processo criativo que tende de forma consensual a ser considerado como

a criação de algo – processo generativo – ou como o exame, a interpretação e a

avaliação de algo – processo exploratório (Finke, Ward e Smith, 1992). Neste sentido, o

acaso, a sorte ou a iluminação súbita miticamente associados à criatividade são vistos

como expressões de um processo menos “místico” e mais passível de explicação.

1.3. O Renascimento

ou o zeitgeist potenciador da produção criativa

Apesar do termo criatividade só surgir como vocábulo apenas no século XVII, já no

Renascimento, Marsilio Ficino referia que os artistas “pensavam” (excogitatio) e

Baltazar Gracián referia a Arte como um segundo Criador, revelando assim a crescente

aceitação de que o processo criativo é parte integrante da natureza humana. Mas foi o

poeta polaco Maciej Kazimierz Sarbiewski quem explicou que os artistas inventam,

constroem e criam algo novo (de novo creat). Esta evolução do pensamento sobre as

diversas expressões da criatividade humana é, hoje, considerada por alguns teóricos

(e.g. Simonton, 1976) como uma manifestação do Zeitgeist, o espírito da época.

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No século seguinte, o do “espírito” iluminista, o termo criatividade surge com

alguma frequência na teoria da Arte, geralmente associado à imaginação, para no século

seguinte, o do nascimento das “novas” ciências, o termo não ser associado

exclusivamente ao domínio das artes e passar a ser considerado como tendo expressão

no domínio das ciências e ser tido, mesmo que pontualmente, como objecto de estudo,

ou pelo menos de descrição ou curiosidade.

O Renascimento ou o Iluminismo podem ser considerados exemplos do Zeitgeist. O

conceito de espírito do tempo foi introduzido pelo Herder e outros românticos alemães

no século XVIII e retomado por Hegel que o divulgou. Zeitgeist, genius seculi (do

latim genius - espírito guardião - e saeculi - do século), significa o nível de avanço

intelectual e cultural do mundo em determinada época. A influência do contexto sócio-

cultural vigente na manifestação de criatividade é assim considerada a partir das épocas

de ouro na história (Vernon, 1989), em que existiram gerações privilegiadas em termos

de produção criativa. Recorrentemente refere-se a Grécia Antiga, a Florença

Renascentista ou a Paris do século XIX como exemplos de factores externos que

influenciam a manifestação criativa individual, nomeadamente a economia e as

preocupações culturais e religiosas (e.g. Csikszentmihaliy, 1978; Vernon, 1989). A

contextualização da criação em termos de um espaço e de um tempo tem três

implicações relevantes:

1. Por um lado, entra em consideração com os factores sócio-culturais, tão queridos

à concepção vygotskiana do desenvolvimento humano (e.g. Vygotsky, 1988) e

que conduzem ao necessário afastamento da visão etnocêntrica da Psicologia.

2. Por outro lado, o conceito de Zeitgeist relativiza a pessoa que cria. A inquietação

acerca do papel do criador fica diluída nos condicionamentos do momento

histórico (Zeitgeist) em que acontece a criação (Morais, 2002), reforçando a

ideia de que quem cria realiza o que o social permite ou que o social implica. A

este propósito, Simonton (1999) refere a conjugação de outros dois factores que

interagem com o espírito do tempo, a presença da sorte e da genialidade

individual,

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3. Por fim, o conceito revela que a finalidade da reflexão e intervenção na

criatividade é a promoção de produções criativas que ultrapassem o espírito do

tempo, nomeadamente, procurar banir os obstáculos que cada espaço e cada

tempo colocam à criatividade.

Na realidade o Renascimento trouxe consigo o embrião da consciência de que a

confluência de variáveis genéticas, biológicas, sociais e de personalidade podem

garantir a manifestação criativa. Para além destes factores, temos de considerar também

o tempo e o espaço em que se vive, ou seja, o Zeitgeist, que proporciona a grelha de

leitura comum da realidade que está para além de um controlo de nível individual

(Morais, 2002). O conceito de Zeitgeist explica os movimentos de oscilação da

valorização pública face a criações que são reconhecidas ou esquecidas por mecanismos

que escapam ao criador (Weisberg, 1986). É o caso de muitos artistas e cientistas que

não foram reconhecidos em vida e que, por um golpe de sorte, são descobertos décadas

ou mesmo séculos depois, quiçá sob o nome de quem os descobriu… Muitas vezes, foi

o contexto social vigente não permitiu o reconhecimento do valor dessas criações.

Noutros casos, esse mesmo contexto atrasou drasticamente os esforços de criação

havendo um número infinito de criações até agora não reabilitadas (Morais, 2002).

Não obstante a inevitabilidade do Zeitgeist no acto criativo, este depende

também, e inevitavelmente, das “qualidades” individuais de quem o realiza. Como

Gruber (1974) alerta, devemos ultrapassar o perigo da desresponsabilização do sujeito

face ao seu acto criativo. Transferir essa responsabilidade para o espírito do tempo ou

para o inconsciente ou para os mecanismos genéticos e inatos, é retirar ao indivíduo a

liberdade ou a intencionalidade. Consequentemente, a criatividade é vista como uma

confluência de mútuas responsabilizações (e.g. Amabile, 1996). Aliás, Simonton (1979)

afirma que apenas moderadamente se pode aceitar influência do Zeitgeist.

O que se retira da “metáfora” Renascentista embrionária da relevância do

contexto cultural e histórico na compreensão da criatividade é ideia de que a

criatividade não é apenas uma questão de “o que”, de “quem” ou de “como” mas

também de “onde”. A criatividade não é apenas o resultado de acções individuais, mas

sim co-construída através da interacção sistémica entre a pessoa e o contexto sócio-

cultural (Csikszentmihalyi, 1988). A abordagem sistémica considera a criatividade

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como resultado da pessoa (o biológico e as experiências), do domínio (área do

conhecimento) e do campo (especialistas de uma área específica que têm o poder de

determinar a estrutura do domínio e de julgar o produto como criativo). Mais

concretamente, o domínio corresponde ao conjunto de regras e procedimentos

simbólicos culturalmente estabelecidos, ou seja, o corpo de conhecimentos estruturados,

transmitidos e partilhados numa dada área (Csikszentmihalyi, 1999). No campo

incluem-se todas as pessoas que actuam como “juízes”, ou seja, quem decide se um

produto é criativo e deve, portanto, ser incluído no domínio (Csikszentmihalyi, 1996).

Neste sentido, a explicação, a interpretação e, em última instância, a intervenção

na criatividade têm obrigatoriamente de incluir o contexto onde ela ocorre.

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1.4. O fenómeno Sputnik

ou as abordagens pragmáticas à criatividade

O ponto de partida do estudo “científico” da criatividade é geralmente referido como o

discurso de Guilford perante os psicólogos membros da APA (American Psychological

Association) (Guilford, 1950). Este teria motivado o estudo de carácter científico em

oposição às reflexões mais especulativas sobre o processo criativo. Guilford lançou o

repto para o estudo da criatividade em termos gerais e não só em pessoas consideradas

“geniais”. Embora a criatividade seja algo que, à priori e por natureza, escapa a uma

medida exacta e face à limitação de investigações sobre a criatividade pela raridade de

pessoas eminentes, Guilford propôs o estudo da criatividade no indivíduo comum

utilizando testes de papel e lápis. Exemplificou a sua ideia com o Teste dos Usos

Invulgares, em que era pedido aos sujeitos que pensassem e descrevessem tantos usos

quanto possível para um objecto vulgar (e.g. tijolo). Esta tarefa poderia avaliar uma

importante dimensão da criatividade, a do pensamento divergente e constituía uma

forma conveniente de comparar pessoas numa escala de “criatividade” padronizada.

Perante este repto, Osborn avança, em 1953, com a estratégia de “brainstorming”,

Taylor promove, em 1955, uma série de conferências sobre a identificação de talentos

criativos na área das ciências e Torrance começa a conceber aquele que viria a ser o

teste de criatividade mais estudado e validado em todo o mundo. Apesar destes

importantes avanços no estudo da criatividade que envolvia apenas um círculo reduzido

de investigadores, foi preciso um “abalo” nas convicções de um país para que esta fosse

considerada realmente importante.

O lançamento do Sputnik em 1957 abalou a crença norte-americana sobre a

quase infalibilidade do sistema educativo dos Estados Unidos da América e provocou

uma corrida governamental no sentido de “apanhar” os rivais russos (e.g. Cropley,

1997). A falha da Ciência dos EUA em não ter conseguido ser a primeira a conquistar o

espaço foi atribuída ao sistema educativo e, por isso, este foi minuciosamente analisado.

O ensino com base na memorização foi substituído pela promoção e o reforço da

originalidade. A falha na estimulação da criatividade foi reconhecida como um

problema-chave.

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Contudo, a tentativa desenfreada de estimular a todo o custo a criatividade

produziu efeitos nocivos na clarificação e reflexão sobre o conceito (Sternberg e Lubart,

1996). Se bem que as abordagens pragmáticas à criatividade procurassem estimular e

desenvolver o processo criativo, elas não tinham por objectivo a procura sistemática de

referenciais teóricos que sustentassem a implementação dessas estratégias.

Consequentemente, essas estratégias acabavam por não ser optimizadas e os estudos

sobre a sua eficácia em diversos contextos foram parcos e inconclusivos (Sternberg e

Lubart, 1996).

Independentemente das intenções subjacentes ao fenómeno Sputnik, este

motivou um maior reconhecimento da criatividade. A promoção da criatividade passou

a ser considerada como uma finalidade educativa e a preocupação com a sua avaliação e

estimulação passou a ser mais valorizada como possível objecto de investigação e de

financiamento.

Contudo, o estudo da criatividade está longe de se cingir a uma competição em

que se procura passar à frente de outras pessoas ou grupo ou à fabricação de génios,

pois obviamente, seria uma tarefa utópica e impossível. O interesse pela temática deve

brotar da vontade de se aprofundar o conhecimento acerca de uma faceta presente ao

longo da filogénese e ontogénese humanas. A identificação das dimensões envolvidas

na criatividade permite uma melhor compreensão do ser humana nas suas diferentes

esferas. Este questionamento tem estado presente ao longo de toda a História da

Humanidade, e, em particular, com a transição do mito para o logos. A preocupação

com a criatividade seria posteriormente teorizada por Platão e Aristóteles de uma forma

que ainda hoje é referida. Se a criatividade é, então, inerente à natureza humana,

importa desenvolver o potencial criativo presente em cada ser humano e fazer dela um

objectivo chave da educação.

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19

1.5. A alta criatividade e a criatividade quotidiana

Durante muitos séculos, associou-se criatividade à eminência e genialidade dos grandes

criadores do mundo das ciências, das humanidades e das artes. Raros eram os “eleitos”

que possuíam o dom de criar algo novo nos vários domínios do conhecimento. Essa

criatividade era assimetricamente distribuída, ou seja, não seguia uma curva de

distribuição normal na população. O seu perfil seria o de curva em J invertido, portanto

altamente assimétrico. Apenas uma ínfima minoria contribuiria com a maior parte da

produção criativa (científica ou artística) e com muito pouco ou nada para a produção

criativa total. Neste sentido, e segundo Simonton (1988), poderíamos afirmar que a

distribuição dos produtos criativos é altamente elitista.

No entanto, há que distinguir entre criatividade histórica e criatividade

psicológica (Boden, 1994) ou a alta Criatividade da criatividade quotidiana (Stein,

1987; Treffinger, 1987). Possivelmente respondendo ao repto de Guilford, estes dois

autores avançam com o conceito de criatividade quotidiana (little c), em oposição à alta

criatividade (Big C) patente nos grandes criadores do mundo da ciência e das artes,

procurando responder à questão da frequência ainda em debate no seio dos teóricos da

criatividade.

Partindo desta distinção Csikszentmihalyi (1990) refere que criatividade

quotidiana implica aprender, explorar, ultrapassar barreiras, gerar ideias, rejeitar,

resolver, identificar, julgar, receber informação, experimentar, ao passo que a alta

criatividade depende da área, do produto do trabalho para além das regras, dos juízes

que apreciam e julgam a sua novidade e valor. As produções que são fruto da

criatividade quotidiana têm, contudo, um reconhecimento que não ultrapassa o contexto

do dia-a-dia de quem as criou (Harrington, 1990; Boden, 1994; Sternberg e Lubart,

1996). Mesmo mais ou menos “limitada”, como referia Guilford há meio século, a

criatividade do homem comum tem interesse em termos da desejável compreensão mais

abrangente do conceito.

O desenvolvimento da pequena criatividade, na acepção bastante divulgada por

Csikszentmihalyi (1988), parece ter repercussões na Grande criatividade. A criatividade

com c minúsculo das crianças parece correlacionar-se com a criatividade com C

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maiúsculo, isto é, com as produções científicas, tecnológicas e artísticas captadas na

idade adulta (Torrance, 1988; Barron e Harrington, 1981).

Mesmo que implicitamente, todos os autores que se dedicam ao seu estudo,

assumem, tal como Vygotsky (1988), que a criatividade é uma característica essencial

da existência humana, não obstante as grandes expressões criativas terem sido

produzidas por um escasso número de pessoas. Consequentemente, importa investir por

forma a dar oportunidade a que esse potencial criativo das gerações vindouras se

expresse.

Se por um lado a metáfora das musas remete para a relevância da memória na

criatividade, o Eureka de Arquimedes mostra outros processos cognitivos envolvidos na

resolução criativa de problemas. Por seu turno, a assunção Renascentista de que muitas

pessoas são criativas é abalada pela introdução da ideia de que há interferências de

natureza histórica e cultural na produção criativa. Adoptando a imagem de Ebbinghaus

sobre o tempo que a psicologia demorou a assumir uma identidade, a criatividade tem

uma curta história apesar de ter um longo passado. A sua história é, aliás, tão curta

quanto a própria disciplina que mais a estudou. Nesse curto passado, só os últimos 50

anos, após a conquista do espaço, parecem ter sido prolíferos em termos de

investigação, possivelmente por se ter interiorizado que cada pessoa possui um

potencial criativo. Esta evolução das ideias acerca da criatividade culminou no avanço

de perspectivas teóricas que procuram integrar diversas dimensões envolvidas na

criatividade.

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21

2. As abordagens da confluência

Em termos gerais, um quadro de referência teórico constitui um conjunto sistematizado

e integrado de afirmações que descreve, explica, prediz, modifica o comportamento e

que permite uma leitura organizada dos dados de investigação de um determinado

campo de conhecimentos e orientar a futura investigação. Consequentemente, é partir

das teorias, abordagens teóricas ou conceitos teóricos que se formulam hipóteses de

investigação e geram descobertas, ou seja, uma visão coerente só é possível se se

enquadrar um dado campo do conhecimento sob um referencial teórico. O

enquadramento teórico da criatividade surgiu, efectivamente, com o nascimento da

psicologia como ciência. As abordagens míticas, que impuseram um olhar difuso e

mesmo, por vezes, algo animista, deram, ao longo da História, lugar a teorizações mais

consistentes até que com o advento da Psicologia tivessem proliferado outras

abordagens à criatividade. Se Freud foi um dos pioneiros na análise dos motivos que

levaram as produções criativas de grandes criadores, Vygotsky terá sido pioneiro no

lançamento da pedra teórica que permitiu a edificação actual do conhecimento sobre a

criatividade. Pouco depois, os teóricos da Gestalt sistematizavam a criatividade como

um processo de reestruturação de ideias, em que uma gestalt dá lugar a outra

(Wertheimer, 1945). Inovação, auto-expressão e resolução de problemas seriam

conceitos que posteriormente iriam dar lugar a uma abordagem mais lata da

criatividade.

Contudo, muitos foram os recuos no processo de compreensão da criatividade

(Sternberg e Lubart, 1996). As primeiras abordagens mistificaram o conceito e

mitigaram a sua compreensão. Já no século passado as abordagens dinâmicas, ao

perspectivarem a criatividade como a expressão de desejos inconscientes, como o poder,

a riqueza, a fama, a honra, o amor, o desejo sexual, reduziram a possibilidade do seu

estudo, dada a dificuldade de acesso a sujeitos e aos seus processos inconscientes. Por

seu turno, apesar do grande avanço que Guilford motivou, as abordagens psicométricas

passaram a colocar a tónica nas diferenças individuais, negligenciando o peso das

características comuns e dos factores contextuais. Simultaneamente, a falta de

referenciais teóricos impedia a compreensão e a validação das ideias estratégicas com

que as abordagens pragmáticas procuravam estimular a criatividade. Seguiu-se a ideia

de que a criatividade era apenas o resultado extraordinário de um processo ordinário,

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22

isto é, dependia da aplicação dos processos cognitivos convencionais (e.g. Weisberg,

19869 e, por isso, não valia a pena investir no seu estudo enquanto conceito

independente (Sternberg e Lubart, 1991).

Em paralelo, algumas abordagens iam impelindo a abrangência da compreensão

da criatividade. As perspectivas unidisciplinares permitiram aprofundar o conhecimento

sobre os processos e as estruturas cognitivas e de personalidade envolvidas na

criatividade, bem como as abordagens que procuravam ir para além da própria

psicologia e trazer novas ideias de outras áreas do conhecimento. A teoria de Gardner

(1988), largamente popularizada, muito embora peque, segundo alguns dos seus

oponentes pela falta de estudos experimentais que a validem, enfatiza a ideia de que a

produção criativa num determinado domínio está dependente, essencialmente, de um

determinado tipo de inteligência ou da combinação de várias inteligências, e não da

denominada inteligência geral.

Em suma, as preocupações em termos de compreensão da criatividade

centraram-se até aos anos 70 na caracterização da pessoa criativa e no desenvolvimento

de programas promotores da expressão criativa. Finalmente, nos anos 80 surgem em

força as abordagens da confluência, uma perspectivação multifacetada abarcando os

diversos factores envolvidos nas diferentes áreas da actividade humana criativa. A

atenção centrava-se na influência do meio, nomeadamente, dos factores sociais,

culturais e históricos no desenvolvimento da criatividade. A abordagem individual foi

substituída por uma abordagem sistémica da criatividade.

2.1. O modelo componencial de Amabile

As abordagens da confluência salientam a multidimensionalidade da criatividade. Se

por um lado os processos cognitivos são importantes na sua descrição, outros processos

de ordem motivacional, pessoal, emocional e contextual também devem ser tomados em

consideração. Nesse sentido, o modelo componencial de Amabile (1983) foi pioneiro na

integração de variáveis cognitivas, sociais, de personalidade e motivacionais no

processo criativo. Nessas múltiplas variáveis incluem-se a motivação para a tarefa, as

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23

capacidades e o conhecimento relevante num domínio e as competências criativas

relevantes que precisam de estar em interacção para que a criatividade ocorra:

1. Motivação intrínseca: A satisfação, o interesse e o envolvimento na tarefa,

independente dos incentivos externos conduzem ao desenvolvimento das

capacidades e competências criativas. A motivação extrínseca controladora, a

realização de uma tarefa para alcançar uma meta externa, diminui a

criatividade. Contudo, a motivação extrínseca informativa pode conduzir à

criatividade quando há níveis iniciais elevados de motivação intrínseca. De

salientar, ainda, que não existem actividades intrinsecamente interessantes,

pois tudo depende da representação que cada pessoa faz desse interesse.

Assim, a presença ou ausência de obstáculos externos, bem como a

capacidade para cada pessoa ultrapassar esses obstáculos constituem

elementos essenciais da expressão da criatividade

2. Capacidades e conhecimento: As capacidades relativas a um determinado

domínio incluem a perícia, o talento, a experiência, as aptidões técnicas e o

conhecimento obtido através da educação formal ou informal. O vasto

conhecimento sobre uma área permite transformá-lo ou combiná-lo de

diferentes maneiras.

3. Competências criativas: Este componente inclui o estilo de trabalho

(concentrado, energético), o estilo cognitivo (complexo, não rígido), o

domínio de estratégias que favorecem a produção de novas ideias

(conhecimento de heurísticas) e os traços de personalidade. Todos

influenciam a aplicação das capacidades e conhecimento do domínio e

permitem a concentração longa, a dedicação ao trabalho, um alto nível de

energia, a persistência face às dificuldades, a procura da excelência e

capacidade para abandonar ideias não produtivas. De acordo com a primeira

versão do modelo este componente era denominado de competências, mas na

versão de 1996 passou a ser denominada de processos criativos, na medida

em que os traços de personalidade, como a independência, a tolerância a

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24

ambiguidades, o não conformismo ou a assunção de riscos, não são

competências.

Destes componentes decorrem cinco fases do processo criativo (Amabile, 1983,

1996). A identificação do problema com valor para ser solucionado associa-se à

motivação intrínseca para a tarefa. A preparação consiste no momento em que se

constrói ou activa a informação para a resolução do problema e implica o

desenvolvimento de capacidades e competências. Na geração das várias possibilidades

de resposta determina-se a originalidade do produto a partir dos processos criativos

relevantes e da motivação intrínseca. A comunicação e validação da resposta implica o

recurso às capacidades e ao conhecimento do domínio para avaliar o grau de

criatividade, utilidade e correcção desta, que culmina na última fase, a do resultado, que

termina solucionando o problema ou retornando ao início do processo.

O modelo de Amabile mostra, acima de tudo, que a criatividade não é uma

qualidade das pessoas, mas antes um processo que resulta de uma complexa interacção

entre factores pessoais e sociais. Este modelo afasta, assim, a definição centrada na

pessoa (e.g. Alencar e Fleith, 2003). No entanto, escapa, como em muitas das

sistematizações posteriores, a dinâmica do jogo entre os componentes.

2.2. A teoria do investimento criativo de Sternberg e Lubart

A teoria do investimento na criatividade de Sternberg e Lubart (1991) recorre à imagem

da bolsa de valores. Ser criativo significa “comprar em baixa”, ou seja, perseguir ideias

desconhecidas ou fora de moda, mas com potencial de desenvolvimento; e, como as

ideias encontram resistência mas o criativo persiste e acaba por conseguir “vender em

alta” e segue para a próxima ideia nova ou impopular. A ideia de investimento não se

aplica apenas à pessoa criativa, mas também ao necessário investimento em termos

sociais. Vale a pena investir na criatividade (Sternberg e Lubart, 1996). Se pretendemos

avanços no conhecimento, quer teóricos quer práticos, não vale a pena colocar a tónica

na capacidade de aprendizagem e memória, na medida em que as novas tecnologias

chegam a superar a capacidade humana, nem mesmo nos processos interpessoais, já que

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25

a inovação muita vezes tem as costas voltadas para o que a sociedade julga ser o

adequado. A tónica deve ser colocada na criatividade, isto é, na produção de ideias

novas poderosas sobre os vários domínios do conhecimento científico, tecnológico,

artístico ou humanístico. O modelo refere a confluência de diferentes “fontes” de

investimento na criatividade que, embora distintos, interagem entre si: inteligência,

conhecimento, estilos de pensamento, personalidade, motivação e ambiente. Nem todos

os elementos são relevantes para a criatividade e cada um deve ser visto de forma

interactiva e nunca isolado, sugerindo que a inteligência sem motivação, ou o

conhecimento sem as capacidades intelectuais para o utilizar conduzem a um reduzido

desempenho criativo. No entanto, uma forte motivação pode compensar um ambiente

menos propício à criatividade.

1. Capacidades intelectuais - Três capacidades intelectuais são importantes para o

investimento criativo: a capacidade sintética para redefinir os problemas e para

vê-los de novas formas, fugindo aos constrangimentos do pensamento

convencional; a capacidade analítica para reconhecer de entre as várias ideias

aquelas em que vale a pena investir e reconhecer as que não devem ser seguidas;

e a capacidade prática-contextual que permite persuadir os outros acerca do

valor dessas ideias. As soluções mais criativas são o resultado da redefinição de

problemas, ou seja, do insight, que pode ser codificação selectiva (do que não é

óbvio), de comparação selectiva (ou analógica) ou de combinação selectiva (de

conexões não óbvias).

2. Estilos Intelectuais - Referem-se ao modo como se utiliza a inteligência. O estilo

legislativo está presente na formulação de problemas e na criação de novas

regras e modos de ver as coisas. As pessoas criativas teriam mais propensão para

preferir este estilo. O estilo executivo associa-se à implementação de ideias com

uma estrutura clara e bem definida e é muito valorizado no sistema educativo,

em geral. O estilo judiciário caracteriza-se pelo julgamento e avaliação de

pessoas, tarefas e regras.

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26

3. Conhecimento - para dar uma contribuição significativa numa área é

fundamental ter o conhecimento sobre aquela área. Há dois tipos de

conhecimento, ambos importantes para a criatividade. O formal primeiro

adquire-se através de livros, palestras ou qualquer outro meio de instrução. O

informal adquire-se por meio da dedicação a uma determinada área, raramente é

explicitamente ensinado e, geralmente, é impossível de ser verbalizado. Embora

lato, o conhecimento em determinada área não pode ser demasiado, para não

impedir a perspectivação dos problemas de forma inovadora e libertar os limites

e obstáculos inerentes a esse conhecimento. Ao mesmo tempo em que um vasto

conhecimento permite um maior número de associações, o que é benéfico para a

criatividade, mas que também pode dificultar a visualização de formas diferentes

de perspectivar o problema.

4. Personalidade - Alguns traços de personalidade contribuem mais do que outros

para a expressão da criatividade, como a vontade de ultrapassar obstáculos, de

assumir riscos sensatos, de tolerar ambiguidades, coragem para expressar novas

ideias, bem como as expectativas de eficácia pessoal e a apetência para desafiar

multidões. A tolerância à ambiguidade é condição sine qua non para a produção

criativa, na medida em que as ideias necessitam de tempo para amadurecer e

essa espera é difícil de gerir. A perseverança perante os obstáculos também é

crucial pois permite lidar com eles de forma determinada e alcançar a meta.

Embora estes traços sejam predisposições estáveis, podem sofrer mudanças e

são influenciados pelas condições ambientais.

5. Motivação – A motivação intrínseca orientada para a tarefa determina a paixão

pelo trabalho e a concentração no trabalho e não nas possíveis recompensas,

uma vez que as pessoas estão muito mais propensas a responder criativamente

quando são movidas pelo prazer em realizar essa tarefa. Os estudos revistos por

Sternberg e Lubart (1995) com profissionais que realizavam trabalhos altamente

criativos em distintas áreas, concluíram que estes consideravam ter amor pela

tarefa e centravam mais a atenção e energia no trabalho em si do que nos

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possíveis prémios ou reconhecimento. A motivação intrínseca interage com a

extrínseca na promoção da criatividade.

6. Ambiente apoiante e recompensador – O contexto ambiental é uma fonte de

investimento na criatividade porque esta não ocorre no vácuo na medida em que

tanto a pessoa como o produto são julgados e avaliados como criativos ou não

pelo contexto social. O ambiente que facilita a expressão criativa interage com

variáveis pessoais e situacionais de uma forma complexa e afecta a produção

criativa de três formas diversas: o grau em que favorece a geração de novas

ideias; a extensão em que encoraja e apoio o seu desenvolvimento e, ainda, a

avaliação que é feita do produto criativo. Este ambiente inclui a família, a

Escola, as organizações e a sociedade em geral na medida em que todas

contribuem, de forma mais ou menos directa, para a expressão criativa.

Digamos que Sternberg e Lubart integram num todo organizado e coerente,

elementos anteriormente avançados por outros autores. Os componentes do modelo de

Amabile, os traços de personalidade de MacKinnon (1965) e Barron (1968), os

elementos da abordagem sistémica de Csikszentmihalyi (1988), os determinantes

ambientais e históricos da criatividade de Simonton (1988), e, evidentemente, os

componentes da teoria triárquica da inteligência de Sternberg (1985a). Esta

sistematização revela-se de extrema utilidade na concepção de uma prática interventiva.

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2.3. A teoria dos sistemas de Csikszentmihalyi

Para Csikszentmihalyi (1996) 'é mais fácil desenvolver a criatividade das pessoas

mudando as condições do ambiente, do que tentando fazê-las pensar de modo criativo',

isto é, é impossível considerar a criatividade sem a contextualizar. A investigação deve,

por isso, incidir nos sistemas sociais e não apenas no indivíduo, pois a criatividade é

uma co-construção dinâmica entre a pessoa e o contexto sócio-cultural.

A abordagem sistémica considera a criatividade como resultado da pessoa (o

biológico e as experiências), do domínio (área do conhecimento) e do campo

(especialistas de uma área específica que têm o poder de determinar a estrutura do

domínio e de julgar o produto como criativo). Mais concretamente, a pessoa é quem

produz variações e introduz mudanças no domínio do conhecimento. Os dois aspectos

mais salientes são as características associadas à criatividade e os antecedentes sociais e

culturais. Os criativos revelam curiosidade, entusiasmo, motivação intrínseca, abertura a

experiências, persistência, fluência de ideias e flexibilidade de pensamento. Estas

características não são rígidas, na medida em que se ajustam às exigências da situação.

Por exemplo, as pessoas criativas podem, em determinados momentos de produção,

apresentar características de introversão e noutros momento características de

extroversão.

O domínio corresponde ao conjunto de regras e procedimentos simbólicos

culturalmente estabelecidos, ou seja, o corpo de conhecimentos acumulados,

estruturados, transmitidos e partilhados numa dada área por uma sociedade ou várias

sociedades (Csikszentmihalyi, 1999). A matemática, a música, a química ou a

psicologia são consideradas domínios. As pessoas criativas que motivam mudanças num

domínio são as que conhecem profundamente os seus princípios, detectam as suas

inconsistências, e procuram ultrapassar as suas fronteiras (Feldman, Csikszentmihalyi e

Gardner, 1994).

No campo incluem-se todas as pessoas que actuam como “juízes”, ou seja, quem

decide se um produto é criativo e se deve, portanto, ser incluído no domínio

(Csikszentmihalyi, 1996). Estes têm a função de decidir se uma nova ideia ou produto é

criativo e deve, portanto, ser incluído no domínio (Csikszentmihalyi, 1996). É o campo

que selecciona o que deve ser reconhecido, preservado e incorporado. Uma ideia

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29

inovadora pode não ser aceite se o campo for defensivo ou rígido se o sistema social

envolvente não encorajar a criatividade. Por isso, a pessoa criativa terá de persuadir o

campo de que a sua produção é válida, o que é tanto mais fácil quanto o Zeitgeist for

favorável.

A definição sistémica especifica que a criatividade consiste de um acto, ideia ou

produto que modifica um domínio existente ou o transforma num novo. Para que isso

ocorra é necessário que a pessoa criativa tenha acesso aos vários sistemas simbólicos e

que o ambiente social seja aberto a novas ideias (Csikszentmihalyi, 1999).

Csikszentmihalyi (1990) desenvolveu posteriormente a teoria do fluir criativo,

depois de se ter apercebido que a grande questão da criatividade não era tanto a de

procurar saber o que é, mas antes onde está, Este autor analisou as respostas de pessoas

que se envolviam activamente em actividades variadas, desde a leitura até à escalada ou

ao xadrez, à questão “Como se sente quando faz aquilo de que mais gosta?”

(Csikszentmihalyi, 1990). Verificou que a resposta mais frequente era: “Descobrir;

pensar em algo novo”, concluindo que as pessoas mais criativas são motivadas pelo

prazer retirado do confronto com as dificuldades, e que conduz a novas formas de ser e

de agir. É essa procura da novidade e do desafio que é essencial à evolução da cultura e

ao progresso do pensamento e do sentimento. A qualidade da experiência sentida no

envolvimento numa actividade parece ser o motivo que leva determinadas pessoas a

desfrutarem das coisas que fazem sem ser por dinheiro ou fama. O prazer da descoberta

referido pelos sujeitos de Csikzentmihalyi, oriundos de actividades profissionais ou

amadoras tão variadas como jogadores de xadrez, bailarinos, compositores, atletas,

artistas, místicos religiosos, cientistas, cirurgiões, trabalhadores vulgares, parecia

constituir uma sensação única diferente do lazer, do efeito de drogas ou álcool, do

consumo de bens de luxo. Como base comum, o autor avança com o conceito de fluir

(Csikszentmihalyi, 1990). A experiência de fluir de uma novidade, de uma descoberta,

sem esforço, num estado quase automático, que surge como uma descrição

independente da cultura, do género sexual, da idade (Csikszentmihalyi, 1996). Os nove

“elementos” do fluir criativo incluem:

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30

1. Estabelecimento de metas claras a cada passo do caminho: saber o que se há-

de fazer;

2. Resposta imediata para cada acção - saber o que se está a fazer;

3. Equilíbrio entre dificuldades e capacidades - sentir que as capacidades

correspondem às possibilidades das acções, ou seja, adequar o potencial às

oportunidades;

4. Fusão entre actividade e consciência – a mente em sintonia com o que se está

a fazer, ou seja, a concentração polarizada no que se faz e exclusão das

distracções;

5. Negação do medo do fracasso, porque a questão do controlo nem se coloca

na medida em que as capacidades estão potencialmente adequadas às

dificuldades;

6. Desaparecimento da consciência de si, pela absorção no que se está a fazer e

por isso não há necessidade de proteger o ego - sair dos limites do eu e

integrar momentaneamente uma realidade maior, o que conduz a uma

paradoxo: o “eu” dilata-se quando se esquece de si;

7. Sentido distorcido do tempo - as horas parecem escassos minutos, ou um

segundo prolonga-se muitas vezes;

8. Constatação da não marcação do tempo;

9. Noção de que a actividade se converte em algo autotélico.

Page 32: BAHIA, Sara - Psicologia Da Criatividade

31

A propósito do conceito grego de autotélico, que significa um fim em si mesmo,

Csikszentmihalyi sugere que o fluir leva à transformação das actividades exotélicas em

autotélicas, adoptando uma ideia semelhante ao movimento artístico que se seguiu ao

impressionismo: “a arte pela arte”.

Em suma, as diferentes formas de abordar o tema da criatividade salientam a

relevância dos factores contextuais sociais, culturais e históricos na produção criativa e

a sua interacção com os factores pessoais. Trata-se de uma mudança de paradigma que

pode ser relevante na perspectivação de outras áreas da Psicologia e da Educação e na

adaptação às rápidas transformações que vivemos. Ao mesmo tempo, os avanços no

conhecimento da criatividade permitem-nos reflectir sobre ela de uma forma mais

segura, confiante e consequentemente justa. A literatura oferece uma panóplia de teorias

para explicar o que é a criatividade e porque vale a pena investir em termos

educacionais na sua promoção. No entanto, a opção por um enquadramento teórico de

suporte que constitui o eixo central de qualquer teorização implica necessariamente um

olhar mais ou menos concentrado numa das quatro grandes dimensões envolvidas na

criatividade: a abordagem centrada na pessoa, no processo, no produto ou no meio que

os potencia.

Page 33: BAHIA, Sara - Psicologia Da Criatividade

32

3. Os quatro “P's” da criatividade

A expressão “os 4 P´s da criatividade” é “clássica” no seio dos teóricos e práticos que

estudam e intervêm na criatividade. Os quatro P’s da foram avançados por Ross

Mooney em 1963, retomados por Stein e largamente divulgados por Simonton em 1988.

A expressão refere-se às abordagem centradas na pessoa, no processo, no produto e no

meio potenciador. Em termos mais específicos englobam a pessoa criativa e os seus

atributos, o processo criativo, nomeadaemnte, as operações mentais e o conhecimento, o

produto criativo e as suas propriedades e, ainda, o meio que potencia a criatividade,

sendo esse “P” também referido como a periferia e como a persuasão, todas colocando a

tónica na cultura e nas suas contingências. Estas quatro dimensões afirmam-se como

uma ferramenta útil para estudar e sistematizar a informação sobre a criatividade.

Contudo, como refere Simonton (2003), a análise orientada para a pessoa

assemelha-se à tarefa dos botânicos que estudam a diversidade das árvores. A análise

orientada para a processo, assemelha-se à tarefa dos fisiólogos que analisam os

mecanismos básicos das árvores, Mas falta o quadro completo pois as árvores são parte

integrante de sistemas ecológicos – as florestas – e não podem ser reduzidas à botânica

ou à fisiologia. Só juntando o que o botânico, o fisiólogo e o ecólogo estudam se pode

ter um conhecimento completo sobre as árvores, na qualidade de plantas únicas e

colectivas numa floresta.

A analogia de Simonton ilustra a dinâmica da interacção dos processos

cognitivos com uma série de factores contextuais na construção de um produto criativo.

Uma perspectiva teórica que tem vindo a ganhar peso sugere a existência de três

conjuntos de variáveis como parte integrante da criatividade (Eysenck, 1994): as

variáveis cognitivas (inteligência, conhecimento, competências técnicas, talentos

especiais), variáveis ambientais (factores político-religiosos, factores culturais, factores

socio-económicos, factores educacionais) e variáveis de personalidade (motivação

interna, confiança, não-conformismo, traços de personalidade). O nível elevado de

direcção e força, a autonomia e o não conformismo, a flexibilidade de pensamento e a

tolerância à ambiguidade, a iniciativa, a capacidade de equilibrar e integrar a realidade e

a fantasia e a um nível elevado de pensamento intuitivo jogam entre si e confluem com

os factores ambientais por forma a produzir um resultado criativo (Eysenck, 1994),

Page 34: BAHIA, Sara - Psicologia Da Criatividade

33

revelando que só a totalidade integrada destes, e de outros, factores permite a expressão

da criatividade, ou seja, só ideia de uma Gestalt é que permite “ver” a floresta. Mas

como refere Sternberg (1997) é preciso distinguir a floresta das árvores, e vice-versa.

3.1. As características da pessoa criativa

Se bem que a preocupação com a identificação das características pessoais dos

criativos já não seja exclusiva do estudo da criatividade, a sua análise pode proporcionar

um quadro mais completo do tema, bem como orientar a intervenção. As perspectivas

unidisciplinares dos anos 1960 e 1970 colocaram a tónica do estudo da criatividade na

personalidade. Uma das figuras mais influentes foi Maslow (1968) que descreveu a

coragem, a liberdade, a espontaneidade e a aceitação de si próprio como traços que

permitem que as pessoas atinjam plenamente o seu potencial. Por seu turno, Barron e

Harrington (1981) descreveram a independência, a autoconfiança, a atracção pela

complexidade, a orientação estética e a assunção de riscos, como traços criativos quer

de pessoas eminentes quer de pessoas comuns.

Neste período, o estudo de Vervalin (1971) revelou-se abrangente e esclarecedor

por incluir 600 pessoas criativas nos campos da literatura, arquitectura, investigação nas

ciências físicas, engenharia e matemática. Embora conclua que não existe nenhum perfil

característico da pessoa criativa, todos os criativos entrevistados apresentavam certas

semelhanças: curiosidade intelectual, QI elevado, poder de observação, atenção e

concentração, ampla informação, capacidade de “jogar” mentalmente, conseguindo

elucubrações e reprimindo os bloqueios mentais. A aliar a estas características, os

criativos respondiam emocionalmente de forma positiva, demonstrando empatia não só

por pessoas como também por ideias divergentes, tolerando as ambiguidades, aceitando

envolver-se em problemas complicados, possuíam um nível de auto-conhecimento

elevado e na sua maioria eram introvertidos. Não pareciam depender daquilo que os

outros pensavam sobre eles e sentiam-se libertos de restrições e inibições

convencionais, sendo genuinamente independentes nas suas ideias e flexíveis

relativamente a meios e objectivos. Interessavam-se menos pelos produtos ou pelas

obras em si e mais pelos seus significados e implicações. Pareciam ser comunicativos e

Page 35: BAHIA, Sara - Psicologia Da Criatividade

34

possuir competências verbais bem desenvolvidas, não se preocupando em controlar os

impulsos. Muitos deles referiram ter tido infâncias problemáticas ou mesmo infelizes.

Muitas destas características foram encontradas em investigações posteriores. As

pessoas criativas possuem um conhecimento rico no domínio de especialização e

competências bem desenvolvidas, consideram o seu trabalho intrinsecamente motivante

(e.g. Amabile, 1989); tendem a ser independentes, não convencionais e a arriscar e

apresentam interesses latos e maior abertura a novas experiências (Simonton, 1988).

São peritos no reconhecimento de diferenças e semelhanças; avançam com conexões,

apreciam e sabem escrever, desenhar, compor música; apresentam flexibilidade na

mudança de directrizes e estão prontos a questionar normas e pressupostos (Sternberg,

1988b). Parecem ter uma “orientação para a descoberta” que os leva a perspectivar as

situações sob múltiplos prismas, a encontrar problemas e a colocar questões novas

(Csikszentmihalyi e Getzels, 1988). Conseguem passar rapidamente da concentração em

aspectos específicos do trabalho para uma abordagem mais lata do seu trabalho num

quadro geral e defendem e incentivam a mudança (Kelly e Caplan, 1997).

Às características de cariz mais cognitivo, juntam-se interactivamente outros

factores pessoais relevantes. Como refere Winner (1996) a partir de um certo ponto, os

níveis de capacidade desempenham um papel menos importante do que os factores de

personalidade e de motivação. Ao nível da pessoa, a questão reside, por isso, na

orquestração entre factores cognitivos, afectivos e motivacionais. Contudo, essa

dinâmica escapa muitas vezes às investigações. Consequentemente, a análise dos seus

resultados deverá necessariamente ter em conta que cada uma se refere a uma ínfima

parte do todo.

Dentro da perspectiva centrada na Pessoa, a investigação tem incidido nas

características pessoais dos criativos/criadores. A investigação dos criativos recorre a

entrevistas; questionários; rating scales e checklists, essencialmente numa perspectiva

generalista e não relativa aos produtos (Plucker, 1998). Das várias dimensões incluídas,

as mais estudadas são a abertura, a independência, a intuição, a preferência pela

complexidade, a tolerância à ambiguidade, o impulso para encontrar padrões ou

significados, o locus de controlo interno e a disponibilidade para correr riscos. Outros

procedimentos metodológicos utilizados têm sido as auto-descrições, que permitem

compreender a criatividade do próprio e as suas teorias implícitas, muito embora

Page 36: BAHIA, Sara - Psicologia Da Criatividade

35

tendam a ser enviesadas; e, ainda, a auto-avaliação, reveladora do modo como as

pessoas conceptualizam a criatividade. Um outro domínio da investigação prende-se

com a análise das características de diferentes grupos, como as variações entre domínios

que revelam recorrentemente que os artistas são mais impulsivos e apresentam uma

maior labilidade emocional, ao passo que os cientistas parecem mais conscientes e

menos conformistas (e.g. Ludwig, 1995; Simonton, 1999).

A investigação sobre os criadores tem incidido na análise de excertos biográficos

e autobiográficos, que muitas vezes foram romanceados. Uma das primeiras formas de

cariz científico de estudar a criatividade surge a partir das abordagens dinâmicas, desta

feita inspirada pela teoria de Sigmund Freud e pelas biografias comentadas que Freud

escreveu. Do ponto de vista psicanalítico, grandes estadistas, escritores e artistas

produziram obras como forma de expressarem desejos inconscientes como o poder, a

riqueza, a fama, a honra e o amor. A par e passo, o movimento surrealista, fortemente

ligado à psicanálise, abria portas a inúmeras produções e interpretações criativas. O

estudo de criadores eminentes ganhou popularidade, embora não seja conclusivo e

muitas vezes pouco se avance na explicação deste processo. O movimento surrealista e

a psicanálise influenciaram fortemente a ideia de que as produções criativas são fruto de

uma inspiração inexplicável.

Com a mesma preocupação mas partindo de um referencial diferente as últimas

décadas assistiram à proliferação de estudos que procuraram, descrever e explicar as

características dos criativos, se bem que este tipo de investigação apresente limites,

nomeadamente associados à dificuldade de encontrar sujeitos, ao problema da medida

dos construtos teóricos propostos e à imparcialidade na selecção e interpretação do

estudo de caso (Weisberg, 1986). Subjacente a algumas destas investigações está a

“popular” visão do “génio”que acentua a ideia de que a “verdadeira” criatividade é rara

e perpetua a convicção de que os processos envolvidos na criatividade são especiais e

obscuros, diferentes do “comum dos mortais”. Porém, a visão de que a criatividade se

baseia num conjunto de características que definem o génio torna a investigação

redutora, em primeiro lugar, por esquecer a multiplicidade de variáveis contextuais que

ajudam à emergência e até ao próprio reconhecimento da criatividade, e, em segundo

lugar, porque pressupõe a existência dessas características de modo permanente e

Page 37: BAHIA, Sara - Psicologia Da Criatividade

36

imutável que justificariam uma produção excelente, fixa e regular, o que realmente não

acontece mesmo a nível dos grandes criativos (Simonton, 1988).

Nesta linha de investigação incluir-se-ia, embora discutivelmente, a ideia da

configuração única de factores, defendida por autores como Simonton. Como defesa do

possível enviesamento da investigação sobre criadores, Gruber e Wallace (1999)

propõem que se utilize uma metodologia de estudos de caso com muitos detalhes a

partir de uma abordagem sistémica. Uma outra área explorada na análise das

características dos criadores é a relação com a doença mental (e.g. Gosselink, 1999;

Jamison, 1989; Ludwig, 1995).

Incluem-se ainda nesta área, as definições pessoais quer de criativos quer de

diferentes grupos profissionais ou etários através de questionários e entrevistas. Estas

procuram verificar as representações e as teorias implícitas acerca da criatividade, bem

como verificar a presença de mitos ou de factores culturais que a possam inibir.

O corpo de investigações mais polémico e também mais estudado em termos da

Pessoa criativa tem decorrido do pedido de Guilford de 1950. A abordagem

psicométrica procura verificar as diferenças individuais em termos do espectro de

criatividade e de pensamento divergente através de baterias de testes figurativos e

verbais. As questões levantadas têm como base os temas candentes no estudo da

criatividade: a possibilidade da sua definição e a especificidade versus generalidade da

criatividade, ou seja, a existência de uma ou de mais criatividades. Se a criatividade é de

definição imprecisa ou impossível ou se é uma aptidão geral, independente dos

domínios onde surge como Martindale (1989) e outros defendem, ou se há diferentes

criatividades como defendem Gardner (1983) e Vernon (1989), o investimento na

investigação da sua avaliação não só permite esclarecer as múltiplas dimensões

envolvidas como apontar para uma melhor compreensão do processo criativo.

Page 38: BAHIA, Sara - Psicologia Da Criatividade

37

3.2. O processo de resolução criativa de problemas

Não obstante a polémica em torno de uma definição abrangente e esclarecedora,

ninguém rebate a ideia de que a criatividade é um processo complexo multifacetado que

envolve a definição e redefinição de problemas (Sternberg e Lubart, 1991) e que

envolve a combinação do conhecimento já existente numa nova forma através da

aplicação de ideias “antigas” a novos contextos, ou através da perspectivação inovadora

de conhecimentos “antigos”, ou, ainda, através de um rompimento com o passado,

emprestando o que já se conhece a novos contextos (Sutton, 2002).

Sendo a criatividade consensualmente definida por muitos autores como um

processo mental a partir do qual emergem novos produtos, é difícil separar o processo

criativo do “todo” que criatividade engloba. Curiosamente, ainda se discute qual o

melhor termo para designar este processo – criatividade, processo criativo, pensamento

criativo, ou divergente ou lateral, produto ou expressão criativa, reflectindo a

dificuldade em reduzir as partes do todo que é a criatividade.

Guilford (1986) define a criatividade como um processo mental através do qual

a pessoa produz informação que não possuía e sugere que tal como a inteligência, a

criatividade segue uma distribuição normal, pelo que todas as pessoas acabam por ser

criativas, embora em diferente grau. Este processo mental é referido por este autor como

pensamento divergente, ou seja, a capacidade de criar diferentes respostas face a um

mesmo problema. Por seu turno, a definição de Stein (1974) parece ser abrangente – a

criatividade é o processo que resulta em um produto novo, que é aceite como útil, e/ou

satisfatório por um número significativo de pessoas em algum ponto no tempo. Já a

definição proposta por Torrance em 1966 é mais restritiva mas menos vaga em termos

de descrição e mesmo de explicação e, ao mesmo tempo, liberta do forte referencial

legado por Wallas (1926). A criatividade é o processo que permite ser sensível a

problemas, deficiências, lacunas no conhecimento, desarmonia; identificar a

dificuldade, buscar soluções, formulando hipóteses a respeito das deficiências; testar e

re-testar estas hipóteses; e, finalmente, comunicar os resultados. Trata-se de uma

definição que remete necessariamente para a abordagem recente da resolução criativa de

problemas que se debruça sobre a compreensão da componente cognitiva da

criatividade.

Page 39: BAHIA, Sara - Psicologia Da Criatividade

38

Contrariamente à convicção que dominou a última metade do século XX, a

criatividade não se limita exclusivamente ao pensamento divergente, que é a capacidade

de criar diferentes respostas face a um mesmo problema. Sabe-se hoje que o

pensamento convergente, considerado por Guilford como contrastante com a

criatividade, permite a crítica e a transformação de ideias em produtos úteis e é

essencial para o trabalho de produção criativa (e.g. Amabile, 1989).

Uma forma de conciliar divergência e convergência é a metáfora. Esta constitui

um auxiliar promotor da mudança de perspectiva e constituiu uma importante forma de

criatividade (Chi, 1997) por chamar a atenção para aspectos aparentemente não

relacionados. Esta autora acentua também a capacidade para utilizar diferentes modelos

mentais como uma componente criativa relevante que permite a mudança da

compreensão de um conceito para uma perspectivação nova e diferente. Realçando

outro aspecto do processo criativo, Buchanan (2001) distingue dois tipos de resolução

criativa de problemas: de combinação, que implica a produção de ideias novas a partir

de ideias conhecidas e de transformação que consiste na transferência de conceitos de

um domínio para outro.

A Teoria da Cognição Criativa (Finke, Ward e Smith, 1992) descreve os

processos do pensamento criativo: os generativos a partir dos quais a ideia é criada e os

exploratórios que examinam, interpretam e avaliam a ideia de diferentes formas. A fase

generativa consiste na construção de representações mentais, ou seja, as estruturas “pré-

inventivas” com propriedades que promovem descobertas criativas. A fase exploratória

consiste na utilização das propriedades estruturais para avançar com ideias criativas. Os

processos mentais envolvidos na criatividade, de acordo com o modelo, incluem a

recuperação; a associação; a síntese; a transformação; a transferência analógica e, ainda,

a redução de categorias, o que implica reduzir mentalmente os elementos a descrições

de categorias mais primárias.

Incentivada pelas intervenções de Osborn (1953) e de Parnes (1967), a

Resolução Criativa de Problemas tem constituído um corpo sólido de investigação,

muito embora a motivação inicial tenha sido a de uma aplicação técnica. Como referem

Isaksen e Treffinger (1985) a riqueza deste modelo reside no facto de não constituir uma

técnica pré-definida a ser seguida rigidamente. A sistematização componencial dos

Page 40: BAHIA, Sara - Psicologia Da Criatividade

39

processos revela-se um instrumento que possibilita a classificação e discussão da

investigação sobre o processo criativo.

Um dos modelos que sistematiza o processo criativo é o Modelo de Resolução

Criativa de Problemas de VanGundy (1987). Este modelo propõe a presença de cinco

fases do processo criativo: descoberta de factos, descoberta de problemas, descoberta de

ideias, descoberta de soluções e descoberta da aceitação. Nesta esteira, surge o CPS

(Creative Problem Solving) (Isaksen, Dorval, e Treffinger, 2000) que compreende seis

passos: objectivo, factos, problema, soluções, decisão e implementação. Cada passo

compreende duas fases: uma divergente, em que se tenta gerar o máximo de alternativas

possíveis; uma convergente, em que apenas uma é seleccionada. Trata-se de uma

metodologia que proporciona uma estrutura de instrumentos de produção e selecção de

desafios, preocupações e oportunidades importantes que necessitam desenvolver

resultados novos e úteis. Este processo envolve capacidades de pensamento crítico e

criativo que permitem recolher informação através de observação directa, experiência

ou reflexão e conceptualizar, analisar, sintetizar e avaliar essa informação. O CPS

engloba, ainda, a aplicação de um conjunto de ferramentas e estruturas a problemas que

não possuem uma solução única e cujas tentativas de resolução por outros métodos não

se revelaram eficazes. Este tipo de modelos acaba por ser bastante consensual e

esclarecedor, embora ainda haja vários pontos de discórdia.

Se estes modelos proporcionam referências relevantes para a compreensão do

processo e orientação de práticas que permitam promover a criatividade, outros dados

retirados da investigação podem também proporcionar um insight importante na sua

compreensão. Getzels e Csikszentmihalyi (1976) consideram que é mais provável

resolver criativamente problemas “descobertos” do que problemas “apresentados” e

Buchanan (2001) sugere que a criação deliberada se distingue da acidental a partir do

conhecimento de base que ajuda à geração de ideias e apoia a sua valoração.

A investigação sobre os sub-processos cognitivos essenciais para o potencial

criativo é resumida por Lubart (2000) como compreendendo quatro tendências

principais. Para além da tentativa de encontrar, formular e redefinir problemas e, como

não poderia deixar de ser, a herança de Guilford, o pensamento divergente, a observação

e descrição do processo criativo constituem também um corpo de investigação que

ganha cada vez mais referências. Por seu turno, a síntese e combinação da informação,

Page 41: BAHIA, Sara - Psicologia Da Criatividade

40

contemplando estudos sobre a bissociação, os tipos de pensamento, a articulação de

ideias, a analogia e metáfora, e, ainda, a associação remota, a ressonância emocional e o

mapeamento. Um outro centro de interesse referido pelo autor prende-se com a

combinação de ideias através de processos aleatórios ou fortuitos.

Independentemente das divergências, poder-se-ia avançar sem grande polémica

que o processo criativo implica a procura de sentido, a descoberta de problemas e a

interpretação de situações.

3.3. O produto criativo e a complexidade da sua avaliação

Numa perspectiva copérnica da criatividade, em que o sujeito não mais se encontra no

centro de tudo, sendo a sua criatividade o resultado de múltiplas influências

(Csikszentmihalyi, 1988), é o sistema social, cultura, económico e político que julga se

um produto é ou não criativos e determina a sua função na sociedade. O terceiro dos

“P”s refere-se, assim, ao produto. Esta dimensão valoriza a análise dos produtos

criativos, sejam eles artísticos, científicos, tecnológicos, ou outros, e obriga a que os

mesmos se submetam a uma série de critérios que permitam ajuizar acerca da sua

originalidade e pertinência. Para Amabile (1983) impõe-se o recurso a uma série de

juízes que, entre outras exigências, deverão ter experiência no domínio considerado,

fazer a sua avaliação de forma independente mas tendo em vista um mesmo critério que

define a resposta criativa e estabelecer comparações com os trabalhos mais importantes

produzidos na área. No entanto, a avaliação de produtos criativos constitui um campo

com muito terreno por desbravar.

Se bem que o conceito de criatividade seja difícil (ou mesmo quase impossível)

de definir, de documentar e de avaliar, a avaliação de produtos criativos parece

constituir uma forma mais ecológica de a compreender (Morais, 2005). Este tipo de

avaliação da criatividade tem como base a ideia de que os produtos criativos reflectem

não só as características pessoais de quem os produziu, como também o processo

envolvido na sua construção e o meio em que foi desenvolvido. A avaliação de produtos

criativos surge, assim, como uma forma mais próxima das realizações quotidianas ou

socialmente reconhecidas que tenta “apanhar” a manifestação da essência do que se

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41

quer academicamente avaliar (Morais, idem). Por isso, a avaliação criativos constitui

uma via plausível para compreender melhor a criatividade, mesmo que se assuma que a

criatividade é um conceito abstracto. Contudo, o rigor na escolha critérios que de

apreciação e avaliação desses produtos por parte dos juízes do domínio e do campo deve

ser inequívoca e detalhada, quer se trate de avaliar as características de produtos

criativos quer se procure analisar as produções de forma mais qualitativa.

Qualquer sistematização de critérios de avaliação deve incluir os critérios

avançados por E. P. Torrance (e.g. Torrance, 1966) por ser a medida de criatividade

mais utilizada em todo o mundo. Nesta avaliação são avaliadas a fluência, flexibilidade,

originalidade e elaboração. Mas a partir dos anos de 1980, Torrance sugeriu que se

incluísse em termos qualitativos uma apreciação da expressividade emocional,

articulação, movimento e acção, coloração e riqueza imagética, alargamento ou

rompimento com as fronteiras, combinação ou síntese de figuras e de linhas,

visualização interna, visualização invulgar, fantasia, humor (e.g. Torrance, 1988). Todos

estes critérios devem, pelo menos implicitamente, estar presentes na avaliação de

produtos criativos.

Porém, outras investigações têm apontado para a inclusão de outros critérios na

avaliação dos produtos criativos. Amabile (1996) considera que um produto será

julgado como criativo se for novo e apropriado, útil, correcto ou de valor para a tarefa

em questão, e se a tarefa for heurística e não algorítmica. Uma das questões mais

pertinentes e que discussões mais acesas tem gerado é, sem dúvida, a de saber definir

originalidade e a quem se refere: se apenas o próprio que criou algo original, se ao

grupo de especialistas ou até mesmo a comunidade ou mundo em geral. Acresce a este

impasse a insuficiência do critério da infrequência estatística (Perkins, 1981) com que a

originalidade se define. Critérios como o processo de resolução e a elaboração

afiguram-se necessários para a avaliação dos produtos criativos.

Para além da originalidade e adequação da resposta avançada nesta definição,

outro tipo de critérios têm sido referidos. De entre eles, encontram-se outros critérios

que têm sido utilizados em termos de investigação para julgar produtos criativos em

diversos contextos, domínios e campos do conhecimento:

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42

Relevância, adequação e originalidade (e.g. Nickerson, Perkins e Smith,

1985),

ser poderoso (Perkins, 1981),

novidade, adaptação à realidade, comunicabilidade, agrado estético e

capacidade de mudança (MacKinnon, 1978),

novidade original, transformacional, germinal; a resolução, em termos de

valor, lógica e útil; e, ainda,

elaboração e síntese, no sentido de elegante, complexo versus simples,

compreensível e bem construído (Besemer e Treffinger, 1981)

Não obstante este conjunto de investigações, a incidência de estudos sobre o

processo criativo é muito mais significativa do que sobre o produto. No entanto, o

processo é apresentado como uma técnica acabada e não como as estruturas e

mecanismos que o compõe. Por isso, a investigação que procura aprofundar os atributos

que descrevem a natureza do resultado sem se centrarem na quantificação podem

constituir um valioso contributo para o esclarecimento da criatividade.

3.4. O meio potenciador da criatividade

Na medida em que a criatividade é um fenómeno interpessoal e social, a dimensão que

se refere ao ambiente que a potencia assume-se relevante. A necessidade de aceitação e

de reconhecimento do trabalho criativo parece ser uma condição necessária ao

investimento na criatividade. Essa efectiva necessidade de reconhecimento, não se

traduz forçosamente no tipo de reforços a que tradicionalmente a associamos: elogios,

prémios, estatuto. Muitas vezes, e no caso de alguns artistas, é o término de uma

produção que motiva o reconhecimento pessoal e que provoca a vontade de voltar ao

princípio, como sugerem a analogia da bolsa de valores utilizada por Sternberg e Lubart

e o termo autotélico referido por Csikszentmihalyi.

A inclusão do meio como factor determinante na potenciação da criatividade tem

sido justificada pela sua influência geral na pessoa, processo e produto criativo, acima

de tudo pela influência directa que tem na motivação pessoal do criativo. Mais ainda,

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43

um aspecto adicional associado às várias teorizações sobre a criatividade é o da

comunicação dos resultados do processo criativo, que pode ou não ter eco no seio do

domínio em que se insere. Por isso é que muitos autores referem o quarto “P” como o

da Persuasão para ilustrar a confluência entre as qualidades pessoais que permitem

desafiar multidões e o meio em que o produto tem impacto. Outros têm pretendido

salientar ao aspecto externo desta influência e têm apelidado a dimensão de periferia

que influencia em simultâneo os outros três P’s – pessoa, processo e produto. Um outro

termo que, por vezes, é utilizado para designar este “P” é o de Pressão, procurando

chamar a atenção para a importância do clima social cultural e educacional facilitador

da criatividade e dos bloqueios presentes em múltiplos contextos e que inibem o seu

desenvolvimento.

Se os índices mais fiáveis de criatividade parecem ser o processo e o produto, as

características de personalidade revelam ser um bom preditor da criatividade e o

contexto sócio-cultural e de conhecimentos desempenha o duplo papel da base a partir

dos quais o produto pode ser elaborado e no seio dos quais este é avaliado e

possivelmente aceite (Taylor, 1988). Por isso, os factores contextuais podem ser

facilitadores ou inibidores da criatividade. Um dos ambientes onde esses factores estão

mais presentes é precisamente o da educação. Os contextos de educação formal,

informal e não formal reflectem e são simultaneamente reflexo dos padrões sociais

vigentes. Neste sentido, as investigações que procuram avaliar práticas educativas

facilitadoras e inibidoras da criatividade elucidam algumas partes da criatividade. Estas

incluem a análise dos climas criativos e as dimensões neles envolvidas, os bloqueios e

mitos que impedem o seu desenvolvimento e as representações que professores e alunos

possuem sobre a criatividade.

Como refere Sternberg (1985b), as definições pessoais de criatividade variam de

área para área. Assim, por exemplo, os professores de arte privilegiam a imaginação e a

originalidade bem como a abundância e a vontade de experimentar ideias novas,

enquanto que os professores de filosofia salientam a capacidade de jogar

imaginativamente com noções e combinações de ideias e de criar classificações e

sistematizações do conhecimento que desafiam as convencionais. Por seu turno, os

professores de física acentuam a invenção, capacidade para encontrar ordem no caos e a

questionação dos princípios básicos. Os professores de gestão realçam a capacidade

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44

para encontrar e explorar novas ideias vendáveis, metáfora esta posteriormente utilizada

pelo investigador na sua teoria do investimento na criatividade, revelando como as

ideias não nascem do nada e como o meio pode potenciar a criatividade teórica.

Chame-se Meio Potenciador, Periferia, Persuasão ou Pressões, o quarto “P” da

criatividade conduz, em interacção com os outros três, a uma “configuração única” de

factores que permitem a criatividade. As experiências na infância, a presença de

modelos, os incentivos anteriores, as estratégias de motivação extrínseca, o

conhecimento sobre o domínio e os factores históricos e sociais, todos influem na

criatividade.

Assim, a criatividade definida como uma matriz construtiva de um novo estilo

de pensamento e de expressão (Prado-Diez, 1999) acaba por ser suficientemente

abrangente para abarcar os vários quadros de referência teóricos que a procuram estudar

e, ao mesmo tempo, ilustrar a relevância do seu estudo nos múltiplos domínios pessoais,

sociais e profissionais. Só com esta abertura é que se pode de uma forma não enviesada

proceder a uma prática que vise promovê-la.

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45

4. Climas promotores de criatividade

A criatividade não se desenvolve naturalmente (Cropley, 1997). As actuais acepções de

criatividade são, na sua essência, integradores de múltiplas perspectivações (e-g-

Amabile, 1983, Sternberg e Lubart, 1991 Csikszentmihalyi, 1988,). Desta forma, o

produto criativo emerge como resultado de um processo de um sujeito, com todas as

suas características cognitivas e de personalidade, que inevitavelmente se insere num

contexto sócio-cultural que valoriza ou, pelo contrário, inibe a sua criatividade.

Apelando a uma forma silogística de pensamento, se se pode estimular a

pequena criatividade e se a pequena criatividade se encontra correlacionada com a

grande criatividade, então, fará todo o sentido promover formas criativas de

pensamento, nas mais diversas áreas do saber, almejando a adaptação, a realização

pessoal e, quiçá, produções criativas e inovadoras que possam dar resposta aos mais

diversos desafios da nossa época. Nesse sentido, torna-se essencial investir na

criatividade (Sternberg e Lubart, 1991, 1996).

Se por um lado o reconhecimento da existência dos mais diversos obstáculos

sociais e culturais pode constituir uma forma investimento na promoção da criatividade,

por outro, a planificação de uma intervenção teoricamente fundamentada é condição

essencial para o seu pleno desenvolvimento. Consequentemente, uma prática sem

fundamento teórico vale pouco, do mesmo modo que uma teoria sem aplicação prática

de pouco vale. O quadro teórico sobre o que é e onde se expressa a criatividade, não

obstante estar incompleto, proporciona algumas pistas válidas para a sua prática, mais

concretamente, clarifica o que esta é, como se determina, processa, avalia e estimula e

por que vale a pena nela investir e para que serve, isto é, dimensionar e fundamentar a

sua promoção. Consequentemente, os objectivos da intervenção presidem à escolha das

estratégias mais adequadas de acordo com os conceitos teóricos já conhecidos e

estudados.

Embora a promoção da criatividade deva estar presente nos múltiplos contextos

profissionais da Psicologia (clínica, comunitária, organizacional, da saúde, para nomear

apenas alguns), basicamente pela assunção de que se deve ser criativo no modo de

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46

abordar a busca e a prática do conhecimento, no contexto do presente relatório, a

intervenção cinge-se à intervenção educacional. Uma intervenção educacional ao nível

da criatividade, nomeadamente em contexto da sala de aula, implica fundamentalmente

intervir na atitude que se tem face ao conhecimento. Vivemos numa sociedade em que

se olha o conhecimento como algo que se possui (Donaldson, 1992). Como refere Marín

(1976), o princípio que impulsiona as várias perspectivas da educação contemporânea

reside na criatividade: a sensibilidade intuitiva e estética, o jogo divertido e infinito, a

identidade pessoal, a comunicação e a socialização, a motivação e a autonomia.

Nesta esteira, Prado-Diez (1999), no desenvolvimento do seu projecto Educrea,

explicita a multiplicidade de olhares possíveis sobre a criatividade. A criatividade é o

potencial mais poderoso na génese de algo novo, que é uma característica da essência

humana. Por seu turno, a criatividade é originária e originadora de possibilidades

alternativas e originais. É, ainda, uma construção e reconstrução de um dado, numa

combinatória nova que proporciona uma visão diferente e oferece uma comunicação

diferente e pessoal do real. A criatividade é, também, um apelo à experimentação e ao

ensaio, ao jogo renovador com vista à invenção. Por isso, a criatividade é sinónimo de

inovação e de mudança do que está instituído e do hábito fixo. Constitui uma

metodologia operativa aberta e o encontro de um estilo pessoal e é um caminho sem um

percurso preestabelecido, Consequentemente, Prado-Diez (1999) sugere pistas

construtivas, cooperativas e significativas de ensinar e aprender de forma divertida, ágil

e satisfatória. Os princípios básicos que fomentam o ensino da criatividade em contexto

da sala de aula passam por:

1. Aprender o sentido aberto, livre, lúdico e inovador do pensamento e

imaginação, comunicação e decisão criativas, o que implica o

reconhecimento de que não existem respostas preestabelecidas;

2. Não utilizar uma avaliação convergente com critérios tradicionais de

avaliação, o que implica a presença de uma avaliação criativa que valorize

a força expressiva e a originalidade;

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47

3. Ter como base os princípios da educação construtiva, cooperativa e

significativa;

4. Adoptar o mote “Aquilo em que se crê, comunica-se”, o que conduz à

exposição de todos os trabalhos e, obviamente, à construção de

portafólios;

5. A expressão criativa é interdisciplinar, recorrendo a conhecimentos de

diversos domínios;

6. Criar é repetir variando, em diferentes momentos, procurando algo

original e comparando as diversas produções;

7. A chave da expressão e da obra criativa é a estimulação do pensamento

alternativo, imaginativo e inventivo, através do uso de técnicas de

analogia, invenção, fantasia, entre outras formas de pensamento criativo;

8. A tónica não deve ser colocada exclusivamente na correcção porque a

prática sistemática e variada facilita a retenção e a correcção espontânea;

9. A procura de procedimentos inéditos conduz a novas metas e a espaços

desconhecidos;

10. A aplicação e combinação de um grande número de métodos e de

linguagens criativas para cada tema, assunto ou problema, abrem novos

horizontes.

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48

Mais elucidativa será à recomendação final de Prado-Diez (1999). Embora

sugestivas, estas pistas não deixam de ser, contudo, abstractas, No entanto, elas

esclarecem a atitude geral a assumir e proporcionam ideias sobre a sua possibilidade de

aplicação. Um clima educativo criativo favorece a livre expressão de ideias a partir de

diferentes registos e a procura interessada dos mais diversos aspectos do conhecimento.

A tónica é colocada nos múltiplos olhares de uma determinada estrutura do

conhecimento, fomentadora, como diria Bruner (1960) de adivinhações sagazes,

hipóteses férteis e saltos corajosos e inovadores, com o intuito de "semear pomares de

ideias"3, oferecendo a possibilidade de poder ver, de poder ver ao seu ritmo, de poder

detectar problemas e encontrar soluções alternativas, de poder assumir as suas

idiossincrasias, de poder expressar livremente as suas ideias e de poder sentir a

gratificação na assunção de riscos.

De salientar que o desenvolvimento pleno do potencial criativo é indissociável de

outras dimensões que, tal como a criatividade, são parte integrante da natureza humana.

Por isso, um clima facilitador da criatividade depende também do modo como se

fomenta a valorização da autonomia, do pensamento e do julgamento independente.

Inovar, criar novas imagens, interpretações e associações, desafiar, aguçar a

curiosidade, formular e inventar questões, questionar o conhecimento ou mesmo o

professor ou o manual, relativizar, compreender que não há respostas para tudo,

improvisar, são palavras de ordem que presidem a um clima criativo. Contudo, o clima

criatividade depende essencialmente da crença na possibilidade de promoção da

criatividade bem como do prazer que quem orienta tem em mostrar as coisas que

conhece, o seu entusiasmo pela descoberta, a sua percepção de que o conhecimento não

é linear e simples e a valorização que atribui aos aspectos estéticos do próprio

conhecimento.

3 Expressão utilizada de forma algo poética por Alison Gopnik (1990) ao referir-se ao seu mestre, o

eminente e profético psicólogo Jerome Bruner, que se orgulhava de não ter seguidores por ter conseguido,

de facto, “semear pomares de ideias” e possibilitado que os seus discípulos tivessem avançado mais um

passo no conhecimento.

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49

4.1. Barreiras à criatividade

A primeira condição que permite a adopção de um clima facilitador da criatividade é o

abandono das atitudes socialmente enraizadas que inibem ou impedem a criatividade. O

estudo tardio da criatividade (comparativamente com outros domínios da Psicologia), a

persistência dos mitos que lhe estão associados e a obstinação em manter uma série de

ideias erróneas sobre a criatividade contra as evidências da investigação.

Contrariamente ao senso comum, a criatividade não se desenvolve naturalmente; pelo

contrário pode ser inibida e impossibilitada de se expressar se não encontrar um clima

propício ao seu desenvolvimento. Do mesmo modo, a criatividade não “brota” nem se

pode “abrir” como se de uma torneira se tratasse; a criatividade planeia-se, controla-se e

treina-se. Outra ideia a reter na conceptualização da criatividade é a de que esta é muito

mais do que uma questão processual; pessoa, produto e meio intervêm na criatividade.

Schwartz (1992) lembra que o modo como idealizamos a criação é uma ilusão, pois

concebemo-la como um mero fenómeno intrapsíquico, evidenciando apenas a dimensão

do indivíduo, e deixando de lado forças sociais e mesmo políticas.

É curioso que o meio que fomenta, mantém ou bloqueia a criatividade seja

inconsistente na sua atitude face à mudança. Por um lado, a mudança global, rápida e

certa a exige um esforço acrescido de adaptação e de flexibilidade. No entanto, por

outro, o ser humano, historicamente, sempre foi pouco flexível e adaptado à mudança

que é frequentemente considerada penosa por ameaçar aquilo que se aprendeu a

valorizar. A resistência à mudança decorre, em parte, da vontade de controlar, senão

mesmo dominar, aliada à necessidade muitas vezes imposta de maximizar os ganhos e

minimizar qualquer perda. O medo do desconhecido, e consequentemente do novo, o

medo de parecer ridículo que nos obriga a evitar qualquer embaraço ou o confronto com

uma possível ameaça conduzem à cautela e ao que é seguro.

De acordo com Talbot (1993), para que a criatividade se expresse, é preciso um

motivo, os meios e a oportunidade. A oportunidade depende largamente do clima

favorável à criatividade e das barreiras que o impedem. Na realidade, somos movidos

por inúmeras crenças que constituem barreiras à criatividade, não só a nível social,

como também económico e cultural (Nieman e Bennet, 2002). Estas barreiras podem ser

internas e externas (Parnes, 1967). Acreditamos que todo o desconhecido é negativo ou

que “o ideal” é a instituição de rotinas de trabalho que nos obrigam a fazer as coisas

Page 51: BAHIA, Sara - Psicologia Da Criatividade

50

sempre da mesma forma, para garantir que saiam sempre bem, evitando desvios

aventureiros vistos como contraproducentes, até porque arriscar é perigoso.

Adams (1979) classifica os bloqueios à criatividade em termos de bloqueios

perceptivos, emocionais, ambientais e intelectuais. Os bloqueios perceptivos referem-se

às expectativas, constrangimentos e perspectivas limitadas Os bloqueios emocionais

consistem no medo de errar, na defesa da anti-ambiguidade e nos julgamentos

frequentes. Nos bloqueios culturais e ambientais incluem-se a aceitação social e as

condições d meio. Nos intelectuais e expressivos inserem-se o conhecimento e as

estratégias. Mandamentos como “tudo quanto fazes tem de ser útil e perfeito” ou “tens

de ter sucesso em tudo quanto fazes” ou máximas como “deves saber tudo” ou “não

podes ser excessivamente emotivo nem ambíguo” constituem sérios bloqueios à

criatividade (e.g. Watts, 1967). A agravar estes constrangimentos impostos a um nível

mais amplo, estão os mitos específicos acerca da criatividade que a reduzem a um

momento de inspiração ou mesmo de sorte. Rickards e Jones (1991) apontam, também,

as barreiras estratégicas, que dizem respeito às abordagens de resolução de problemas,

as barreiras de valores, que se referem às crenças e valores pessoais que restringem a

amplitude de ideias contempladas, as barreiras de natureza perceptual, e as barreiras de

auto-imagem, isto é, as que se prendem com a falta de confiança no valor das próprias

ideias.

O reflexo destes travões à criatividade repercute-se em muitos dos contextos que

influenciam o desenvolvimento pessoal, em particular no contexto da educação formal –

a escola. Esta coloca uma ênfase exagerada no pensamento analítico, convergente e

lógico, predominante na sociedade ocidental, valorizando ou mesmo apelando ao

conformismo, à comparação, à competição, à pressão para o realismo em detrimento da

estimulação da criatividade. A falta de espaço e de tempo para o desenvolvimento da

curiosidade também constituem entraves à criatividade muitas vezes impostos pela

escola. Num mundo em que o que se aprende e como se aprende é determinado pelos

adultos, qualquer desvio à norma estabelecida e à estabilidade é mal aceite.

Consequentemente, Torrance (2001) considera que o maior défice do ensino é a não

promoção do pensamento criativo que parece ser cada vez mais necessário e cuja

necessidade de estimulação foi objecto de preocupação de grandes nomes da psicologia.

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51

A metodologia de investigação mais frequente no estudo das barreiras à

criatividade consiste na construção e validação de escalas que permitem identificar

elementos de uma determinada organização que podem inibir a expressão da

criatividade nesse ambiente. A escala de Amabile e Gryskiewicz, (1989) consiste em

quatro sub-escalas relativas aos obstáculos ambientais à criatividade: pressão de tempo,

avaliação, status quo e problemas políticos. Uma outra forma de estudar as barreiras à

criatividade é da utilizar escalas sobre o clima de criatividade e analisar os resultados

mais baixos, que constituem indicadores dos obstáculos. Um outro domínio investigado

tem sido o número reduzido de oportunidades oferecidas às mulheres para expressar a

sua criatividade em vários campos. A revisão de literatura sobre criatividade em

diferentes culturas publicada por Lubart (1999) revela que as oportunidades oferecidas a

ambos os géneros variam de domínio para domínio, podendo, por exemplo, a mulher,

mais do que o homem, expressar a sua criatividade na tecelagem, ao passo que o

homem tem mais oportunidades de expressá-la em determinados estilos musicais.

Em suma, mitos e preconceitos, a par da incapacidade de definir o conceito,

relegaram o seu estudo para segundo plano (Plucker, Beghetto e Dow, 2004). As

crenças mais arreigadas dizem respeito à forma como devemos manter a nossa vida sob

controlo, nunca trocando o certo pelo incerto, pois existe uma resposta conhecida,

portanto melhor resposta, por ser mais rápida e securizante, ironicamente falando. No

contexto escolar, estes medos exacerbam-se pela competitividade entre os alunos e pelas

exigências dos professores que se assumem como modelos de conduta indiscutíveis

(Fleith, 2000). E muito frequentemente quando se avalia a criatividade os padrões

implícitos derivam da instauração destas mesmas barreiras, perpetuando-as.

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52

4.2. Avaliação da criatividade

Os avanços no conhecimento do que é a criatividade, como se avalia e como se pode

promover, permitem-nos reflectir sobre ela de uma forma mais segura, confiante e

consequentemente justa. No entanto, a ideia de avaliar a criatividade continua a ser um

paradoxo, na medida em que não existe um padrão absoluto de criatividade (Sternberg e

Lubart, 1995), dada a sua natureza multifacetada e a sua expressão diversificada. Como

em qualquer outro domínio da psicologia, a descrição e avaliação de um processo só faz

sentido se auxiliar a sua interpretação e procurar uma intervenção.

As respostas às questões acerca da avaliação da criatividade - O que se mede,

como, porquê, para quê – constituem marcos determinantes para as decisões em termos

de intervenção. Se grande parte dos teóricos considera a novidade e a originalidade

como elementos indissociáveis desse conceito, sabemos que eles constituem elementos

que muitas vezes entram em contradição com o rigor que se pretende dar ao estudo dos

fenómenos psicológicos.

Se durante um século se conceberam 250 instrumentos para avaliar a

criatividade, a verdade é que muitos foram pouco utilizados por serem demasiado

específicos, por não possuírem um referencial teórico de base, por não terem critérios de

cotação adequados ou por nunca terem sido estudados. Consensualmente, o marco que

impulsionou o estudo da avaliação da criatividade é a proposta de Guilford sobre a

necessidade do estudo da criatividade em pessoas comuns utilizando testes de papel e

lápis, exemplificado com o Teste dos Usos Invulgares. Neste teste era pedido aos

sujeitos que pensassem e descrevessem tantos usos quanto possível para um objecto

vulgar (e.g. tijolo). A tarefa podia avaliar uma importante dimensão da criatividade, a

do pensamento divergente e constituía uma forma conveniente de comparar pessoas

numa escala de “criatividade” padronizada.

Nesta esteira, surge, em 1966, o teste até hoje mais estudado, validado e

adequado para medir a criatividade. A Bateria de Testes de Pensamento Criativo de

Torrance (TTCT - Torrance’s Tests of Creative Thinking) consiste em tarefas verbais e

figurativas relativamente simples que envolvem competências de pensamento

divergente e outras de resolução de problemas. As provas incluem, na parte verbal, a

formulação de perguntas, como seja escrever todas as perguntas que lhe ocorrem com

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base numa cena desenhada; melhoramento de um produto, por exemplo, listar os modos

como se pode melhorar um brinquedo para que as crianças se possam divertir mais

quando brincam com ele; consequências de uma impossibilidade; usos invulgares, como

listar os usos interessantes e invulgares de uma caixa de cartão. Na parte figurativa as

duas provas mais estudadas e reveladoras passam por preencher linhas paralelas (na

versão A) ou círculos (na versão B), ou linhas incompletas em diferentes desenhos e

dar-lhes um título.

Os objectivos desta bateria incluem a compreensão do funcionamento e de

desenvolvimento da mente humana; a descoberta de uma base eficaz para o ensino que

permite proporcionar pistas para programas de intervenção; a avaliação dos efeitos de

programas educacionais, materiais, currículos e procedimentos de ensino e, ainda, a

consideração dos potenciais latentes (Torrance, 1966). Em termos gerais, ambos os

grupos de provas procuram avaliar os eventuais tipos de criatividade (verbal e

figurativo) que, não obstante serem distintos, se intercorrelacionam. A parte verbal

pretende avaliar a expressão criativa através da palavra oral ou escrita, ao passo que a

figurativa envolve o pensamento visual e espacial (Torrance, 2000). Em termos mais

concretos, as provas verbais permitem que os sujeitos avaliados exprimam a sua

curiosidade, mostrem o modo como formulam hipóteses e pensam em termos de

possibilidades (Torrance, 1966). Por seu turno, os testes figurativos exigem um esforço

deliberado para descobrir uma solução criativa para um problema e para estruturar o que

está incompleto (Torrance, 1966). Em suma, os testes verbais avaliam a capacidade para

pensar em termos metafóricos, conceptuais e de fazer associações, revelando a

criatividade subjacente ao pensamento científico, no sentido em que visa formular

hipóteses e questões e, por seu turno, os testes figurativos procuram medir o

pensamento visual e espacial (Torrance, 2000).

Os elementos de cotação apontavam inicialmente para a fluência, ou seja, o

número total de respostas relevantes; a flexibilidade, indicada pelo número de diferentes

categorias de respostas; a originalidade, isto é, um critério de raridade estatística, e,

ainda, a elaboração, ou seja, a quantidade de detalhe na resposta. As investigações ao

longo das duas últimas décadas têm incluído, por sugestão do próprio Torrance (e.g.

1988) uma série de critérios alternativos que se têm revelado promissores como indícios

de criatividade. Estes incluem, entre outros, a expressividade emocional, a

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expressividade do título, a articulação do enredo, o movimento e acção, a coloração e a

riqueza imagética, o alargamento ou rompimento com as fronteiras, a combinação ou

síntese de figuras incompletas, a síntese de linhas, a visualização interna, a visualização

invulgar, a fantasia e o humor.

O TTCT é a medida de criatividade mais utilizada em todo o mundo, com mais

de 2000 investigações publicadas, com os estudos de validação mais consistentes e com

o apoio validado da relação entre o desempenho no teste e os desempenhos criativos

futuros na vida real (Torrance, 1988) sendo a validade preditiva de .62 e .57,

respectivamente para a população masculina e feminina. A bateria apresenta uma das

maiores amostras normativas e foi sujeita a uma extensa validação longitudinal e

preditiva (Cropley, 1999) e parece ser justa em termos de género, raça, estatuto sócio-

económico e cultura. Apresenta-se, também, desejável em termos educacionais para

todos – não só em termos de Alta Criatividade como também criatividade quotidiana

(Kim, 2006).

Em Portugal, algumas investigações têm utilizado o Teste 3 Figurativo do TTCT

(e.g. Bahia e Nogueira, 2006). O teste “Vamos fazer desenhos a partir de dois traços”

obriga a pensar em tantos desenhos quanto possível a partir das mesmas linhas paralelas

e exige um esforço deliberado para descobrir uma solução criativa para um problema e

para estruturar o que está incompleto (Torrance, 1966). Outra característica interessante

deste teste é o facto de possuir 30 itens para responder em 10 minutos, obviando o efeito

de tecto, já que poucos sujeitos o terminam.

Porém, ao nível europeu, uma outra medida de criatividade tem vindo a ganhar

alguns adeptos. O Teste de Pensamento Criativo – Produção Desenhada - TCT-DP (Test

for Creative Thinking - Drawing Production) de Urban e Jellen (1996) procura avaliar

de forma holística e gestaltica a criatividade a partir de figuras inacabadas. Avalia

dimensões cognitivas e de personalidade (predisposição para assumir riscos,

afectividade, humor, quebra de fronteiras ou limites), na medida em que não pretende

ser um teste tradicional de pensamento divergente (que apenas avalia a fluência).

Investigações várias têm mostrado uma discriminação dos sujeitos muito e muito pouco

criativos no TCT-DP, em função dos níveis alcançados em certas áreas de interesse,

como por exemplo, a música (Scheliga, 1988), prémios de engenharia (Jellen e

Bugingo, 1989), bem como dos passatempos tidos como mais ou menos criativos

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(Crammond e Urban, 1995) (citados em Urban e Jellen, 1996). Em termos mais

específicos, é económico em termos de aplicação e de cotação e avalia um total de 14

dimensões, a saber: Continuações; Completações; Novos elementos; Ligações feitas

com linhas; Ligações que contribuem para um tema; Quebra do limite dependente do

fragmento; Quebra do limite independente do fragmento; Perspectiva; Humor,

emocionalidade e poder expresso do desenho; Não Convencional A; Não Convencional

B - simbólico, abstracto, fictício; Não Convencional C - símbolo, figura; Não

Convencional D - não estereotipado; e, ainda a Rapidez.

Um outro modo eficaz de olhar a avaliação da criatividade consiste em integrar

na avaliação os vários factores envolvidos na criatividade e os diversos domínios do

conhecimento onde esta se pode expressar. Sternberg e Lubart (1991) avançaram com

uma proposta de avaliação da Criatividade geral; da Novidade; da Adequação ao tópico;

do Valor estético; da Integração de elementos díspares; do Esforço percepcionado.

Embora este tipo de avaliação tenha sido aplicado à população adulta (entre os 18 e os

65 anos), a sua aplicação aos mais jovens parece ser igualmente frutífera. Os quatro

domínios avaliados foram (1) a escrita, que incluía itens que implicavam produção

escrita de pequenas histórias com títulos como “para além do limiar” ou “os sapatos do

polvo”, (2) o domínio artístico, como a produção de desenhos para temas como “raiva”,

“esperança” ou “a Terra vista por um insecto”; (3) a publicidade, exemplificada com

tópicos para um anúncio de TV como “Couves de Bruxelas” ou “Serviço Interno de

Receitas”; e, ainda, (4) a ciência que incluía tópicos para produções científicas como

“Como poderia detectar extraterrestres entre nós?” ou “Como poderia afirmar que

alguém esteve na lua no último mês?”. Como complemento ainda de uma avaliação da

criatividade, autores como Tourangeau e Sternberg (1981) sugerem a relevância do

pensamento metafórico para determinar o nível de criatividade de uma analogia.

Uma outra abordagem à avaliação da criatividade é sugerida por Finke, Ward e

Smith (1992) Para os autores, os processos mentais envolvidos na criatividade são a

recuperação; a associação; a síntese; a transformação; a transferência analógica e, ainda,

a redução de categorias, o que implica reduzir mentalmente os elementos a descrições

de categorias mais primárias. A partir deste quadro de referência teórico, os autores

propõem um teste experimental que consiste, em primeiro lugar em observar partes de

objectos (e.g. círculo, cubo, paralelogramo, cilindro) para, em seguida, se nomearem

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56

três partes e imaginar uma combinação de partes para produzir um objecto prático (e.g.

participantes podem imaginar uma ferramenta, uma arma, uma peça de mobiliário).

Vários juízes atribuem uma cotação em termos de originalidade, qualidade do uso ou a

possibilidade prática.

Em Portugal surgiu há mais de duas década, a Bateria de Provas de Raciocínio

Diferencial, de L. S. Almeida (1992), que incluem provas de pensamento divergente:

numérico, espacial, verbal e figurativo-abstracto, cada uma delas composta por duas

actividades. Nas Provas de Pensamento Divergente Numérico e de Pensamento

Divergente Espacial, os sujeitos devem elaborar uma determinada resposta com base

nos elementos (números ou figuras) fornecidos; nas provas de Pensamento Divergente

Verbal e de Pensamento Divergente Figurativo-Abstracto, são fornecidos algumas letras

ou traços, a partir dos quais os sujeitos devem produzir frases ou desenhos. As

instruções pedem explicitamente aos sujeitos que eles tentem dar o maior número de

respostas e o mais diversificadas possível.

Mais recentemente, Morais (2001) apresenta-nos um estudo centrado na relação

entre as variáveis cognitivas e o desempenho criativo em alunos universitários,

socorrendo-se de provas de avaliação criativa, mais especificamente sobre a capacidade

de insight, a capacidade de descoberta de problemas e o pensamento metafórico. A

capacidade de insight foi avaliada a partir de 10 problemas verbais com base em autores

como Sternberg, Weisberg ou Gardner e para os quais era dado o limite temporal de 45

minutos4.

Se por um lado as abordagens psicométricas trouxeram aspectos positivos na

evolução do conceito de criatividade e na sua avaliação na medida em que facilitaram a

investigação e possibilitaram a investigação com pessoas comuns, apresentam, por

outro lado, uma série de aspectos negativos. Basicamente, os testes de papel e lápis

4 Exemplificando, um dos problemas apresenta-se da seguinte forma: “Um jovem não trazia a sua carta de

condução com ele. Um polícia, na sua ronda, viu-o passar um sinal vermelho, ignorar um stop e descer

alguns metros em contra mão numa rua de sentido único. Contudo, e apesar de não ter sido negligente, o

polícia não fez qualquer esforço para o deter ou multar. Porquê?”. A capacidade de descoberta de

problemas avalia-se por intermédio de quatro provas, baseadas em estudos experimentais prévios e numa

reflexão sobre o próprio conceito. Os problemas apresentados são os seguintes: “Que problemas poderão

ter os motoristas de automóvel nos próximos 20 anos?”, “que questões colocaria a um indivíduo que

começou a ver apenas aos 20 anos de idade?”, “e se os homens pudessem engravidar?”. Os itens que

visam a avaliação da capacidade de pensamento metafórico, basearam-se na teoria de Tourangeau e

Sternberg (1981, 1982) e assumem a forma de x é o Y de Z. Temos, por exemplo, o seguinte caso: “O

camelo é… (opções: o vitral, o burro, o barco, o armazém, o rato) do deserto”.

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57

breves são medidas triviais, e que falham na avaliação das questões do contexto. De

forma a colmatar esta limitação, os portafólios devem ser elementos a associar a uma

avaliação sistematizada e padronizada da criatividade. Por outro lado, o conceito de

criatividade fica reduzido aos resultados de fluência, flexibilidade, originalidade e

elaboração. Daí a importância da inclusão de juízes no processo de cotação. Um outro

aspecto crítico prende-se com o pressuposto de que as amostras de pessoas comuns

elucidarem algo sobre os níveis eminentes de criatividade. Transparece mais uma vez o

debate em torno da diferença entre a alta criatividade e a criatividade do dia-a-dia e a

questão do uso do termo “criatividade” para descrever ambos os níveis. A criatividade

quotidiana, com “c” minúsculo implica aprender, explorar, ultrapassar barreiras, gerar

ideias, rejeitar, resolver, identificar, julgar, receber informação, experimentar, re-

experimentar. Por seu turno, a alta criatividade, com “C” maiúsculo depende da área,

em termos de empreendimento, que estabelece as regras; do produto do trabalho para

além das regras; dos juízes que são pessoas que conhecem as regras da área e que

apreciam e julgam a sua novidade e valor (Csikszentmihalyi, 1990).

Uma das mais sérias críticas dirigidas aos testes de pensamento divergente

centra-se na questão da sua validade preditiva. Torrance (1988), baseado em dois

estudos longitudinais (um com estudantes universitários e outro com sujeitos do 1º e 2º

ano de escolaridade), concluiu que os resultados obtidos nos testes de pensamento

divergente previam com alguma segurança o desempenho criativo na vida adulta,

através, por exemplo, de invenções, prémios, composições musicais. Da revisão de

estudos efectuada por Barron e Harrington (1981), nem sempre resultou a desejável

correlação entre os resultados dos testes de pensamento divergente e o comportamento

criativo, muito provavelmente porque as capacidades de pensamento divergente

avaliadas nem sempre poderem vir a ser as mais pertinentes para o desempenho criativo

em qualquer um dos domínios considerados. Assim, faria sentido, segundo os autores,

que alguns testes de pensamento criativo – de criatividade musical – baseados em

estímulos de uma dada natureza (por exemplo, a musical), pudessem vir a correlacionar-

se com o desempenho criativo futuro, desde que relativo a uma determinada área (neste

caso, a musical).

Qualquer opção que se utilize deverá ter como base um enquadramento teórico

de suporte, permitindo uma compreensão plena dos resultados. Neste sentido, é

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58

necessário ter ideias concretas sobre o que é de facto a criatividade e sobre as formas

através das quais ela se pode expressar. A razão pela qual se avalia a criatividade não se

resume à identificação dos criativos, porque, por si só, uma avaliação da criatividade

não basta. É necessário incluir não só outro tipo de avaliação das funções cognitivas,

mas também incluir a autoavaliação (se bem que esta possa não ser totalmente honesta e

isenta), bem como a avaliação feita pelos pares, pais, professores, que deverão

especificar adjectivos descritivos dos sujeitos da avaliação, assim como observações,

produtos, testes de personalidade, esboços biográficos, para além de testes de aptidões e

capacidades e a procura e resolução de problemas. No entanto, há que ter consciência

que, em termos gerais, a garantia de muitas medidas da criatividade pode ser

insuficiente e a sua validade questionável. Neste sentido, a avaliação autêntica através,

por exemplo, dos portafólios pode ser um complemento útil.

Avaliar a criatividade constitui, assim, uma forma de despistar, identificar,

fortalecer e avaliar aspectos importantes e, ainda, de verificar o potencial do sujeito em

questão, apoiando os seus pontos fortes e diagnosticando as necessidades tendo como

objectivo último a avaliação dos esforços para aumentar a criatividade e a utilização de

uma linguagem comum sobre criativos que permita retirar a aura de mistério e os mitos

em torno deste processo.

Page 60: BAHIA, Sara - Psicologia Da Criatividade

59

4.3. Promoção da criatividade

Vivemos no seio de uma cultura em que o aluno ideal é o que se conforma (Sternberg e

Lubart, 1991), ou seja, o que se “enforma” onde ainda é frequente instigar os alunos a

resolver problemas correctamente, mas não criativamente (Kraft, 2005). Ainda hoje

continuamos a não ouvir o alerta de um pensador cosmopolita, Henry Adams, que em

19185 explicava que nada na educação é tão surpreendente quanto a quantidade de

ignorância acumulada sob a forma de factos inertes. E esta necessidade não se limita

apenas a um país cujas convicções acerca da infalibilidade do seu sistema educativo

foram fortemente abaladas pelo lançamento do Sputnik. Se este episódio obrigou à

revisão e ao questionamento sobre todo o manancial de conhecimentos, e talvez apenas

conhecimentos, que se pretendia transmitir nas escolas daquela época e daquele espaço,

a verdade é que não só o mundo ocidental passou a reflectir criticamente sobre o estado

da sua educação como outras culturas passaram a rever e inovar a sua forma de educar.

A par deste fenómeno, as transformações tecnológicas radicais que

caracterizaram o século passado alertaram para a necessidade premente de inovação, de

novas soluções mais criativas, de produção de novas perspectivas e de pontos de

referência diferentes. Como refere Einstein, só um investimento na criatividade

possibilitará a descoberta de novas soluções para velhos problemas. A sociedade da

informação que se pretende que caminhe para uma sociedade do conhecimento precisa

de uma utilização racional e eficaz dos todos os recursos a partir de uma intervenção

que permita educar indivíduos criativos, críticos e capazes de encontrar o conhecimento

quando dele necessitam e de participar activamente numa sociedade cada vez mais

exigente (Quadros e Bahia, 2006).

Adoptando esta visão ampla, a promoção da criatividade implica ter em conta a

Pessoa, o Domínio e o Campo de abordagem sistémica (Csikszentmihalyi, 1988). O

Campo requer que se acredite na capacidade criativa de todos, se criem oportunidades,

se evidencie reconhecimento e se dêem recompensas. O Domínio pressupõe permitir

aceder às mais diversas fontes de informação. Mas claro que tudo isto não fará sentido

se não se considerar a Pessoa, ou seja, se não desenvolver a sua curiosidade, apoiar os

5 O texto integral da autobiografia “The Education of Henry Adams” está disponível na Internet em

http://www.gutenberg.org/etext/2044

Page 61: BAHIA, Sara - Psicologia Da Criatividade

60

seus interesses e aceitar os seus erros e compassos de espera. A comunidade escolar

(que, indubitavelmente, espelha a sociedade em que vivemos) tem vindo a valorizar a

criatividade como um objectivo educacional fundamental.

Não se pode estimular a criatividade se não se acreditar que qualquer pessoa é

capaz de gerar um produto criativo (Weisberg, 1993). Esta será a premissas inicial e

necessária para a educação para a criatividade. Em particular, no contexto educacional,

de entre a multiplicidade de dimensões enumeradas pela literatura como favorecendo a

criatividade, as mais salientes incluem o desafio, o dinamismo, a liberdade, a confiança

e a abertura, o tempo para amadurecer ideias, o jogo e o humor, os conflitos, o apoio de

ideias, o debate e, ainda, a tomada de riscos (Isaksen e Lauer, 1998). Um grande estudo

europeu empreendido neste domínio (Fryer, 1996) com 1.028 professores britânicos

concluiu que o ensino criativo envolve o aprofundamento do conhecimento e da

compreensão que os alunos têm do mundo, bem como a crença na capacidade criativa

de todos os alunos. Assim, estes professores adaptam o currículo às necessidades

individuais dos alunos. Para além desse ajustamento, estes professores encorajam a

empatia, valorizam a expressão criativa dos alunos e ensino de formas de a incentivar,

proporcionando aos alunos modelos de motivação e persistência no pensamento

criativo. Também pedem avaliações adequadas de processos e produtos criativos e

reflectem sobre a esperança e confiança que depositamos nos mais jovens.

Em termos mais concretos, Woolfolk (1998) sugere algumas condições que

podem ser aplicadas no contexto educacional, nomeadamente, a aceitação e

encorajamento de maneiras alternativas de olhar a questão ou o problema, reforçando

tentativas de soluções invulgares; a tolerância da dissenção, incentivando o não

conformismo, apoiando opiniões diferentes; o incentivo dado aos jovens para confiarem

nos seus próprios julgamentos, deixando transparecer a ideia de que quem cria não é um

super-herói, salientando que criar está ao alcance de qualquer pessoa e agindo como um

estímulo para o pensamento criativo, através da modelagem da resolução criativa de

problemas e o adiamento da solução final até que todas as possibilidades sejam

encontradas.

Dito por outras palavras, quem pretende estimular a criatividade tem de ser

multifacetado e procurar abordar a sua tarefa de forma criativa. Como referem

Sternberg e Lubart (1991) criatividade não brota de uma competência ou de um traço ou

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61

de uma capacidade única. É um processo multifacetado, que não se reduz às variáveis

cognitivas nela envolvidas ou à combinação destas com variáveis afectivas ou

conotativas: Tem de ser sempre olhada em conjunção com o contexto ambiental por ser

um produto interactivo (e não cumulativo) entre seis fontes distintas – processos

intelectuais, conhecimento, estilo intelectual, personalidade, motivação e meio

envolvente.

Adoptando o modelo do investimento na criatividade de Sternberg e Lubart

(1991) como base, facilmente compreendemos que o desenvolvimento da criatividade

passa por seis pontos fundamentais:

1. Relativamente aos Processos Intelectuais: Fomentar a escolha e estruturação

autónoma de problemas, não apostando unicamente na resolução de problemas

bem delineados com uma única solução e com uma metodologia rígida. Esta

sugestão já foi condensada no conceito de aprendizagem pela descoberta de

Bruner (1960) e constitui o recente conceito de inteligência prática que se opõe

ao conceito de inteligência académica.

2. Relativamente aos Estilos Intelectuais: O respeito e a valorização de estilos

cognitivos e de aprendizagem diferentes propiciam a auto-regulação da

aprendizagem e, consequentemente, a autonomia, pelo que as tarefas devem ser

variadas e diferenciadas, apelando para os diferentes estilos.

3. Relativamente ao Conhecimento: Na base de conhecimentos proporcionados

pela escola, os factos devem ser interligados. A quantidade de conhecimento

aprendido não deve ser a tónica, mas antes a sua aplicação prática.

4. Relativamente à Personalidade: As tarefas muito estruturadas são um obstáculo

à superação criativa de obstáculos e à aprendizagem do que significa arriscar,

pelo que as tarefas devem ser flexíveis e valorizado o respeito pela

personalidade de cada estudante.

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62

5. Relativamente à Motivação: O prazer em descobrir deve estar presente em todas

as tarefas propostas. Por outro lado, como referem Amabile, Henessy e

Grossman (1986) e Pearlman (1984) os prémios e a centração nas notas

diminuem a criatividade e a opção dos estudantes por problemas

intelectualmente desafiantes.

6. Relativamente ao Contexto Ambiental: Respeitar a individualidade, encorajar a

sua independência e funcionar como um modelo criativo são três características

que fomentam a criatividade dos estudantes (Chambers, 1973).

Muitas são as questões de fundo que permanecem por esclarecer até que a criatividade

possa ser verdadeiramente integrada no rol de finalidades educacionais. Porém, os

avanços no conhecimento do que é a criatividade, como se avalia e como se pode

promover no contexto educacional, permitem-nos reflectir sobre ela de uma forma mais

segura, confiante e consequentemente justa e intervir com tantas “certezas” quanto é

possível quando se fala em criatividade.

Page 64: BAHIA, Sara - Psicologia Da Criatividade

63

Considerações finais

As definições mais banalizadas de criatividade pecam pela invasão, e deformação,

obrigando a uma reflexão saturada que permita o acesso a definições e referenciais mais

abrangentes e clarificadores. De facto, muitas são as perspectivas teóricas que explicam

a criatividade. As grandes revisões de literatura (Sternberg, 1988; Finke, Ward e Smith,

1992) abordam as questões de fundo, as interpretações que as teorias revelam sobre a

criatividade e, acima de tudo, avançam com temas comuns às diversas perspectivas.

Todos parecem concordar que a criatividade envolve a aplicação de experiências ou

ideias já existentes a novas formas de olhar os fenómenos. A ideia de que o

reconhecimento da criatividade é um processo socialmente determinado também parece

ser um aspecto consensual (Amabile, 1983). Do mesmo modo, os vários autores

também concordam que a criatividade envolve competências cognitivas como a

flexibilidade, fluência, imaginação, visualização, expressividade e abertura, que tanto

podem ser estilos ou características da personalidade, como podem também ser

contextuais ou aprendidos. Muitos modelos realçam também o carácter de resolução de

problemas inerente à criatividade.

Com base nestes pontos comuns, mesmo que considerando alguns elementos

menos consensuais, a investigação pode desenvolver aplicações úteis, na medida em

que a criatividade é um valor social e pessoal. Aliás, pode-se afirmar que ainda existem

grandes lacunas entre o conhecimento científico e as intervenções práticas

“pragmáticas” sem suporte teórico (Rank, Pace e Frese, 2004). Por um lado, a atenção

dada aos antecedentes das fases criativas não tem permitido a diferenciação do processo

criativo de outros que lhes estão próximos. Por outro lado, conceitos como a pró-

actividade e a iniciativa pessoal ainda precisam de ser clarificados de forma a conseguir

a integração não só em termos dos conceitos, ou componentes, da criatividade, como em

termos de conceitos incluídos na esfera psicológica. Por último, os autores sugerem a

necessidade de uma análise transcultural, ou seja, da verificação das eventuais

diferenças em termos de valores, de motivação, ou mesmo de estilos de liderança.

A estas lacunas podem ser acrescentadas outras que têm sido apontadas como

necessárias no estudo da criatividade. Na medida em que ainda não se aprofundou o

conhecimento acerca da universalidade da criatividade, um campo de investigação

importante é o da criatividade de minorias e de mulheres (Helson, 1990). Ademais, os

Page 65: BAHIA, Sara - Psicologia Da Criatividade

64

estudos longitudinais permitirão conhecer a relação entre o desenvolvimento da

criatividade na infância, adolescência e idade adulta, o que constituiu um aspecto que

parece não estar tão correlacionado quanto se poderia pensar (e.g. Pereira, 2000). Como

foi referido, os produtos criativos e os seus atributos permanecem pouco clarificados.

Por um lado tem-se apostado no estudo aprofundado dos factores que contribuem para o

sucesso da composição estética (e.g., Martindale, 1990). Por outro, ainda se sabe pouco

sobre o que determina um contributo científico (e.g. Sternberg e Gordeeva, 1996).

Para além de alargar os horizontes da investigação empírica, a investigação

sobre a criatividade permite também o desenvolvimento de teorias mais compreensivas

e precisas da criatividade, teorias essas que, em última instância, devem procurar

estimular a criatividade quotidiana. Dois movimentos têm sido considerados

promissores no futuro do estudo da criatividade. Por um lado, os modelos que adoptam

uma perspectiva “económica” e analisam a vontade de investir “capital humano” e de

arriscar (e.g. Rubenson e Runco, 1992; Sternberg e Lubart, 1996) permitem novas

conceptualizações. Por outro, os modelos evolutivos têm proporcionado explicações

abrangentes do processo, pessoa e produto (e.g. Eysenck, 1995; Simonton, 1999). A

convergência de conceitos dos vários modelos, tradução das análises em definições

operacionais que permitem o acesso aos processos e eventuais estruturas criativas bem

como a análise das produções criativos em diferentes contextos, quer de cariz

laboratorial quer natural constituem linhas futuras de investigação sobre a criatividade.

Uma outra linha que tem ganho peso nas diversas esferas da investigação em psicologia

tem como base a ideia de que as descrições pessoais e os registos históricos

proporcionam pistas. Abandonando a abordagem histórica da análise de criadores e

criativos, a abordagem biográfica e autobiográfica permite a integração de factores

pessoais e contextuais em referenciais teóricos que podem elucidar muitos dos aspectos

mais obscuros da criatividade e continuar os esforços em termos do aprofundamento do

seu conhecimento e da sua prática da criatividade, possivelmente dando lugar num

futuro próximo a trabalhos no âmbito da psicologia educacional que expliquem as

razões pelas quais a criatividade é importante para qualquer profissional preocupado

com a intervenção educacional e comunitária.

Page 66: BAHIA, Sara - Psicologia Da Criatividade

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