aventura no mar de dentro - fibria

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Aventura no Mar de Dentro Por Maria Emilia Kubrusly Ilustrações de Lui Lo Pumo EDITORA

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Page 1: Aventura no Mar de Dentro - Fibria

Aventura no Mar de Dentro

Por Maria Emilia KubruslyIlustrações de Lui Lo Pumo

EDITORA

Page 2: Aventura no Mar de Dentro - Fibria

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O livro que você tem em mãos – Aventura no Mar de Dentro – é mais um resultado do já reconhecido trabalho do grupo de artesãs e artesãos dos municípios da Costa Doce, no Sul do Rio Grande do Sul, induzidos pela força, apoio e comprometimento do SEBRAE. Sua concepção vem fortalecer um processo de conscientização ambiental em curso que busca, de forma criativa e prazerosa, consolidar valores fundamentais para nosso futuro.

Nesta história, em que os protagonistas são crianças – nosso maior legado ao futuro, afinal – aparecem mestres orientadores, amigos essenciais, oponentes desafiadores, pais responsáveis. Todos interagindo com a natureza a partir de suas experiências, suas visões de mundo. E, como vocês perceberão, a união, o valor da diversidade e a educação são os valores que triunfam nos capítulos finais. Os mesmos fundamentos que sempre embasarão todos os nossos esforços por uma existência mais sustentável nesta grande querência chamada Terra.

Nós, da Fibria, temos por missão buscar o lucro reconhecido e admirado, que gere benefícios para todos a partir de recursos utilizados de forma sustentável. Para tanto, somos movidos pela energia vital, garra e paixão que viabilizam produtos essenciais para a qualidade de vida, saúde, educação e cultura. Acreditamos em relações construtivas, fundadas em laços de parceria, com compromisso e respeito. O Projeto Bichos do Mar de Dentro é tudo isso. Conciliar qualificação profissional, geração de renda e incentivo à conservação da biodiversidade nos municípios em que atuamos é uma grande realização e nos orgulhamos de patrocinar essa iniciativa em conjunto com o Instituto Votorantim.

Boa aventura!

Fausto Rodrigues Alves de CamargoGerente de Sustentabilidade

Fibria

O Projeto Artesanato do Mar de Dentro, que tem entre suas principais iniciativas a coleção de artesanato Bichos do Mar de Dentro, dá mais um importante passo em sua trajetória de estímulo ao desenvolvimento regional com o lançamento do livro infanto-juvenil “Aventura no Mar de Dentro”.

Para o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Rio Grande do Sul (Sebrae/RS), cuja nobre missão é promover a competitividade das micro e pequenas empresas e fomentar o empreendedorismo, tem também extrema relevância estimular nas crianças, futuros empreendedores gaúchos, a consciência da necessidade de preservação ambiental. Neste caso, o foco é a rica fauna do Mar de Dentro, região da Costa Doce, onde se situa o maior complexo lagunar da América Latina.

De forma lúdica e com a colaboração de importantes parceiros, essa obra tem o mesmo propósito das peças artesanais produzidas pelos profissionais que compõem o projeto Artesanato do Mar de Dentro: preservar as inúmeras espécies de animais silvestres que lá habitam e que estão sob risco.

Boa leitura.

Marcelo de Carvalho LopesDiretor Superintendente Sebrae/RS

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1Verão na Casa da Vó

O melhor lugar do mundo pra passar as férias é a casa da vó Antônia, em São

Lourenço do Sul, que fica tão pertinho da Lagoa dos Patos que dá pra ir andando, e

sempre a gente vê pelo menos um bicho no caminho, ou então na lagoa mesmo, e é

disso que eu mais gosto.

Claro que também adoro a minha avó, a casa dela, a comida deliciosa, o doce

de goiaba que ela faz… Mas, neste ano, as férias de janeiro foram especiais, por causa

da aventura que a gente viveu: eu, meu irmão Gustavo e um amigo de lá, o João.

Deu muuuuito medo! Tinha uns caras muito maus! Mas vamos começar do começo,

senão perde a graça.

Fomos só nós três para S. Lourenço do Sul: eu, meu pai e o Gustavo, porque a

mãe teve de ficar em Porto Alegre trabalhando. Ela é repórter de tevê. O nome dela

é Sofia e o do pai, Ivan. Ele também tinha de trabalhar, só que lá no Mar de Dentro e,

principalmente, no Taim. É que ele é biólogo e está fazendo uma pesquisa.

Mar de Dentro é como se chamam todas as lagoas e rios e lagos juntos que

tem aqui perto: a Laguna dos Patos, a Lagoa Mirim e a Mangueira, o rio Camaquã, que

também é o nome de uma cidade, e muitas outras águas. Fica perto do mar de verdade,

o mar “de fora”, quer dizer, o Oceano Atlântico, separado só por uma “tirinha” de terra.

É fácil entender

olhando o mapa.

Também chamam de

Costa Doce, porque a água

não é tão salgada quanto a

do oceano. Mas não é doce, não! É normal,

feito água de banho e de beber. Parece que ela fica meio

salgadinha quando entra mais água do mar na lagoa.

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Agora, tem uma parte dessas águas e terras que se chama Estação Ecológica do

Taim, mas a gente fala só Taim. É uma reserva ambiental, onde vivem muitos bichos.

“Reserva” quer dizer que é um lugar reservado para a natureza ficar do jeito que ela

é, sem ninguém mexer em nada, sem mudar nada: não pode pescar, caçar, colher flor,

pegar planta, nem uma pedrinha sequer.

O meu pai diz que é um “santuário”. Ah, e ele me explicou que esse nome é

indígena, que é como os índios chamavam uma ave que tem aqui, porque achavam

que o som que ela faz parece com “taim”. Mas a gente chama de tarrã, porque parece

“tarrã” mesmo.

Claro que eu só sei todas essas coisas por causa dele, que me fala todo dia

tudo isso e também me ensina muita coisa sobre bichos, principalmente os daqui.

Combinamos que eu ia anotar num caderno o nome da cada bicho que a gente visse

durante as férias e ele podia me dizer algumas coisas sobre cada um, pra eu anotar e

reler quando quiser.

Dá pra perceber que eu adoro bicho, né? Depois,

talvez, eu faça uma página com tudo isso

na internet. O Gustavo me ajuda, ele

sabe tudo de computador. De bicho

ele já não gosta tanto quanto eu:

não liga muito, mas não maltrata

de jeito nenhum.

Ele é quase dois anos mais velho que eu: já vai fazer 11, diz que é pré-adolescente,

quer ficar o tempo todo jogando no computador, mas o pai não deixa, ainda mais aqui.

Diz que a gente tem de aproveitar pra andar perto da lagoa e brincar lá fora.

Eu faço isso o tempo todo. Só gosto de ficar dentro de casa pra conversar com

a minha avozinha querida. A casa dela é tão diferente do nosso apartamento em Porto

Alegre! Tem umas partes de madeira, um fogão a lenha, chaminé, e um fogão a gás

também. É muito legal: a água sai quentinha porque o cano passa dentro do fogão a

lenha e é o fogo que esquenta nosso banho!

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E tem um quintal com as plantas dela: umas ervas que ela usa para fazer chá e

dá pra gente quando fica com tosse e muita fruta, tem goiabeira, pitangueira, limoeiro,

uma figueira muito antiga; e, também, ela planta cenoura, couve, essas coisas que põe

na sopa pra gente. Agora ela está mais cansada, depois que meu avô morreu há dois

anos, por isso tem um moço que vem ajudar com a plantaçãozinha dela, um tipo de

jardineiro ou “horteiro”.

A vó Antônia fala com os passarinhos, imita os sons deles e eles respondem…

E conversa com cachorro, gato, até com graxaim-do-campo (um tipo de lobinho, ou

cachorro-do-mato) eu já a vi falando, uma vez que apareceu um no quintal e ela disse

pra ele não pegar os passarinhos. E parece que eles entendem!

2Meu Amigo João

Saindo da casa da vó em direção à lagoa, logo a gente passa pela casa do João.

Ele nasceu aqui e é meu amigo e do meu irmão desde que a gente é pequeno. Tem

a mesma idade que eu: 9 anos. O mais legal é que ele sabe tudo daqui, conhece

qualquer tipo de passarinho só de olhar os ovinhos, sabe nome de peixe, de borboleta,

árvore, flor.

O pai dele e o avô são pescadores e a família mora toda no mesmo lugar, um

terreno com duas casas: numa ficam o avô, a avó e duas tias e, na outra, ele, o pai, a mãe

e os irmãos, que são três, todos mais velhos. Um deles, o Zezinho, está trabalhando com

um amigo do meu pai que acho que também é biólogo, porque ele estuda os bichos

daqui. Eles chamam de “projeto”: um monte de gente que salva filhotes, fica vigiando

se ninguém está caçando, tenta ensinar as pessoas daqui a não prender passarinho na

gaiola, essas coisas.

Chegamos na casa da vó na hora do almoço. Estava um calorão, e, no caminho,

vimos que tinha alguma coisa esquisita acontecendo, porque deu pra ouvir uma gritaria

de quero-queros e meu pai disse:

— Está ouvindo a algazarra, Irene? Alguma coisa está

perturbando as aves, essa barulheira não é normal!

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Vimos vários passarinhos e o pai foi dizendo os nomes

deles pra gente aprender, porque eu confundo alguns: saíra-de-

sete-cores (eu sempre penso que é “saída”!), noivinha-de-rabo-preto

(fácil reconhecer!) e um casal de cardeais no ninho, numa arvorezinha.

Esses só deu pra ver com os binóculos do pai, mas, mesmo assim, não

consegui enxergar se tinha filhotinhos. Ele disse que nesta época os

filhotes já saíram dos ovos. O Gustavo

tentou fotografar, mas o pai disse

que não ia aparecer, porque estava muito longe.

Eu contei as borboletas azuis: vi duas,

mas não juntas, e o Gustavo ficou dizendo que

viu cinco! Não sei se é verdade. Meu pai diz que o nome certo é

borboleta-seda-azul. É linda, pequenininha, mas às vezes acho que eu prefiro

as coloridas. O meu pai está estudando uma borboleta tropical que se

chama castanha-colorida, mas essa ainda não apareceu.

Voltamos quando o sol já estava se pondo, porque tivemos de

esperar e ver se aparecia um gato-do-mato que disseram que estava rondando por

ali, mas o gatão não veio!

Eles estão muito nervosos, ainda mais neste

horário de sol forte, quando eles deviam é estar

descansando!

Depois disse – de novo, eu já sabia! – que o

quero-quero é o símbolo daqui do Rio Grande do Sul,

que ele é muito valente, tanto que os pais atacam qualquer

bicho ou pessoa que tente se aproximar do ninho.

Logo depois de almoçar e conversar um pouquinho com

a vó eu fui chamar o João. O Gustavo fingiu que não queria, que

não quer brincar com criança, mas acabou vindo junto. Só que

o João não estava em casa, então, seguimos até a lagoa com o

pai. Ele diz que está fazendo “pesquisa de campo” e tem de observar uns animais nas

quatro estações do ano.

Ainda bem, porque assim a gente vem mais vezes.

Viemos com ele em julho, que é inverno, e agora no verão. Mas

na primavera ele veio sozinho, porque era época de aula. Acho

que no outono também não vai dar pra gente vir, por causa da

escola.

Lá na lagoa, o pai mandou a gente ficar quieto pra não

assustar os biguás. Eles são tão bonitinhos! Era um casal, cada

um num tronco baixinho, olhando pra lá e pra cá.

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— Sorte que foi só um bofetão, porque eles

podiam ter te dado uma surra, João!

Nossos pais combinaram de ir falar com os

tais meninos para deixarem os quero-queros

em paz. Meu pai disse que é mesmo

arriscado chegar muito perto das famílias de

quero-quero e mexer nos filhotes, porque depois

os pais podem estranhar os filhos e abandoná-los.

Mas a provocação a essas aves não era a pior coisa que estava acontecendo

por ali naquele mês de janeiro.

Combinamos de passear no dia seguinte bem cedinho e voltamos para casa,

mas ainda ouvi o pai do João dizendo: “quando tinha sua idade, eu pegava passarinho,

tatu pra minha mãe cozinhar…” e o João respondendo, bravo:

— Não gosto que a vó cozinhe tatu!

Naquela noite, meu pai não me deixou ir com ele de novo à lagoa: disse que eu

estava cansada da viagem e precisava ir dormir cedo. Gente grande sempre acha que

sabe se a gente está com frio ou com fome ou cansada! Ele disse que tinha de observar

o gato-do-mato, que talvez aparecesse de noite.

O Gustavo reclamou muito que não tinha internet na casa da vó Antônia. Naquela

noite, tivemos de nos conformar em obedecer ao pai e ir para a cama cedo. Mas nem

todas as noites seriam assim.

Encontramos com o João na porta de casa levando uma bronca do pai dele.

Ele estava com o rosto machucado, meio vermelho, e um bodoque na mão que eu

estranhei, porque ele não mata passarinho.

— Você não tem nada que se meter em briga com esses moleques! Eles são

maiores que você e muito safados, mas no final das férias eles já vão embora, então

deixa pra lá!

Nossa chegada interrompeu a briga e, enquanto nossos pais se cumprimentavam

e o pai dele falava da tal briga para o meu pai, eu e o Gustavo

perguntamos ao João o que que tinha acontecido –

queríamos ouvir a história contada por ele, claro.

— Tem uns guris de férias aqui que ficam

assustando os quero-queros, só pra ver os

coitados gritando! Ficam chegando perto dos

filhotes!

— E aí, você brigou com eles?, quis saber o

Gustavo, animado.

— Eu só atirei pedra neles com o bodoque, mas

umas pedrinhas de nada, pequenas, não precisava me dar este tabefe na cara! Eles

vieram em três, me seguraram e o mais gordão me bateu.

Do jeito que ele falava a gente teve de rir, mas eu fiquei com pena. O pai dele

ainda disse:

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Ficamos um tempão e nada de gato. Em compensação,

o amigo dele iluminou uma arvorezinha e deu para ver,

rapidinho, a rã-macaco, que tem esse nome porque

sobe nos caules e fica pendurada. Eu nunca tinha

visto, mas o João disse que está acostumadíssimo.

Aí o meu pai resolveu se fazer de bravo na frente do amigo:

— A culpa é de vocês que o gato-do-mato não aparece, vocês não ficam quietos!

Mas o João não perdeu tempo e se meteu, dizendo:

— É nada, é dos caçadores! Ficam dando tiro e assustam tudo o que é bicho!

Os dois biólogos se espantaram:

— Caçadores, que caçadores? Não tem tido caçadores aqui, não!

— Tem, sim.

Eu fiquei assustada, mas o Gustavo pareceu animadíssimo:

— É? E que bicho que eles caçam? Jacaré? Jacaré-do-papo-amarelo?

— Não, ratão-do-banhado.

Meu pai e o amigo dele diziam:

— Não, não tem nenhum registro de caçada aqui há muito tempo e a polícia

ambiental fiscaliza… Impossível!

E todas aquelas coisas que os adultos falam quando acham que sabem tudo, ou

então quando fingem que sabem pra gente não ficar com medo. Meu pai percebeu que

eu estava assustada.

3O Segredo

No dia seguinte, saímos cedo com o pai, e o João foi junto: passeio de bote com

um outro biólogo e os dois só falavam em trabalho, mas a gente brincou muito. De

longe deu para ver uns tarrãs gritando na lagoa. O João me mostrou umas garças na

árvore e o pai me disse que aquela era a garça-branca-grande.

Nem voltamos para almoçar, fizemos piquenique, foi o máximo! O Gustavo se

esqueceu que é “pré-adolescente” e jogou bola com o João, subiu em árvore, até largou

o toca-mp3!

Naquela noite, conseguimos convencer o

pai a nos deixar ir junto com ele e o amigo andar

pela mata para tentar ver gato-do-mato,

que ele ainda não tinha conseguido.

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O João ficou quieto, meio emburrado. Passamos pela casa dele para deixá-lo

lá. Então, só no dia seguinte é que ia dar para saber direito que história era aquela de

caçadores. O Gustavo estava agitadíssimo e muito curioso e foi dormir reclamando

porque não podia fazer pesquisa na internet sobre caça a animais do Mar de Dentro.

No dia seguinte, nós dois fomos procurar o João logo depois do café da manhã.

Ele nos chamou para dentro da casa dele e pediu para esperarmos enquanto terminava

de ajudar a mãe a enrolar umas linhas coloridas. Eram linhas grossas, de fazer tricô ou

crochê, essas coisas. A vó Antônia sabe.

A mãe dele não estava, mas tinha pedido para ele arrumar o trabalho dela na

cesta. Ele disse que ela tinha ido para o artesanato. Nós começamos a ajudá-lo e então

eu vi na cesta dela uma coisa linda! Era um bichinho feito de pano, parecendo um

zorrilho, com aquelas duas riscas brancas no corpinho preto. Fiquei com vontade de

pegar para ver, mas não tive coragem de mexer.

Quando terminamos, ele disse pra gente ir andando até a lagoa e começou a

nos contar, no caminho:

— Vocês já viram um ratão-do-banhado?

Eu falei que não, que não gosto de rato, mas o Gustavo me deu logo um corte:

— Que rato, o quê, Irene, ninguém tá falando de rato de cidade, não, você não

guarda as coisas que o pai explica? Fica fazendo caderninho de bicho e diz uma besteira

dessas!

Eu prendi o choro, não gosto quando ele me dá bronca! Ele continuou:

— Eu já vi, sim, e aposto que você também. Parece uma minicapivarinha com

um rabo comprido.

— Minicapivarinha, nada, ô!, protestou o João. É um ratão peludo!

— Mas a cara parece de capivara!, insistiu o Gustavo.

— Mas é diferente!!!

Aí me zanguei, que é um jeito de disfarçar a vontade de chorar:

— Vocês dois querem parar de discutir que

eu quero saber a história dos tais caçadores?!

Fomos andando um pouco em

silêncio, até que o João se animou a

continuar contando.

— Eu vi os homens. Vi num jipe, de

noite, lá pra frente, perto da lagoa, onde

tem as corticeiras, no banhado, sabe?

Gustavo duvidou:

— E você estava sozinho na lagoa de

noite?

— Eu vou lá a hora que eu quero! Eu

sei andar por aí tudo! Mas eu fui com

o Cadu, aquele meu amigo de Piratini

que às vezes vem aqui, e a gente viu uns

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homens esquisitos, andando de jipe bem devagarinho, com as luzes

do carro quase apagadas, mas tinha lua cheia e deu pra ver uns tipos

de gaiolas no jipe. Aposto que eram armadilhas!

— Por que armadilhas?, perguntou Gustavo preocupado.

— Porque eu já vi! Vi uma vez um ratão-do-banhado preso numa

armadilha dessas que parece uma gaiola! Eu e o Cadu, foi no final do ano

passado, antes do Natal.

— E o que que vocês fizeram?, eu perguntei, com muito medo.

— Ué, nós soltamos o bicho, claro!

Gustavo interrompeu, nervoso:

— Não, eu quero saber o que que vocês fizeram quando viram o jipe de noite!

— A gente ficou mudo e paralisado, atrás da corticeira, até eles irem embora.

Eles passaram logo e aí e gente voltou correndo pra casa!

Mudos e paralisados estávamos eu e o Gustavo com a história, mas ele tentava

fingir que não estava impressionado, quando o pai chegou por trás e falou:

— Seus fujões!

Nós três demos um pulo e um grito de susto. Depois começamos a rir, de nervoso,

e o meu pai riu também, mas disse:

— Se tomaram susto é porque estão preparando alguma arte… Por que vocês

não me avisaram que iam sair?

Mas não falou bravo e logo nos chamou para ir com ele a Pelotas almoçar com

uns ecólogos amigos dele. Eu fiquei aflita de não poder

continuar ouvindo a história do João. E queria que

o pai o convidasse, mas o João mesmo foi logo se

despedindo, dizendo que tinha de ajudar o avô

com os peixes, e foi indo para casa. Ele sempre

tem coisas para fazer nas férias, não pode brincar

o tempo todo, coitado. Mas fez um sinal para mim que

queria dizer: “não conta nada pra ninguém!” e “avisa ao

seu irmão!” e, ainda: “depois eu conto o resto”. Acho que era isso…

No caminho para Pelotas, por sorte o pai obrigou o Gustavo a ir no banco de trás

do carro, a meu lado (ele sempre reclama, diz que já pode ir na frente), porque aí eu

cochichei com ele tudo o que o João tinha falado. Ele disse “o quê?!” tão alto que o pai

perguntou:

— Vocês dois estão de segredinho, é? Estão tramando, eu tô dizendo…

Mas falou rindo. O Gustavo ainda perguntou, no meu ouvido, se aquilo tudo não

era invenção do João. Mas a gente sabia que não. Era verdade, dava medo e era agora

o nosso segredo.

Voltamos de Pelotas à noite. Eu estava meio dormindo no carro, mas ouvi um

estalo forte e acordei, então escutei o Gustavo dizer, assustado: “isso foi um tiro, pai?”

e o meu pai, claro, responder que claro que não.

Que perigo!

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4Armadilhas

No dia seguinte, o pai nos acordou cedinho e disse que ia para Rio Grande, uma

cidade menor que Pelotas, mais perto do Taim, e que talvez fosse também até São José

do Norte, de lancha, para fazer pesquisa de campo.

Claro que eu queria ir junto, mas ele falou que não podia nos levar desta vez,

porque ia se encontrar com um grupo de pessoas que ainda não conhecia para passar

o dia trabalhando e não ficava bem chegar com os dois filhos.

Prometeu que ia nos levar ao Taim antes do fim das férias. E disse que a gente

ia ficar com a avó e obedecer muito a ela. Eu senti um certo medo de ficar ali sozinha,

sem o meu pai, por causa da história dos homens maus, mas sabia que ele tinha de ir

trabalhar.

Ele se despediu depois do café, disse que podíamos ir até a beira da lagoa agora

de manhã, mas de jeito nenhum entrar na água, e prometeu voltar para o jantar.

Eu disse que só ia dormir depois que ele chegasse.

A vó parece que estava adivinhando que tinha alguma coisa errada. Acho que

ela sente quando os bichos correm perigo, ou então consegue ler alguns pensamentos

dos netos, que nem mãe às vezes lê de filho. Me deu uma saudade da mamãe! Pedimos

para ir à casa do João e ela deixou, mas disse:

— Vão e brinquem, mas voltem ao meio-dia para almoçar. Podem convidar o

João. E não se esqueçam de brincar, só brincar, que é o que criança sabe fazer melhor

do que tudo.

Corremos para a casa do João e saímos os três para a lagoa. Lá, embaixo da

figueira, combinamos nosso plano:

— Vamos procurar as armadilhas e, se tiver algum ratão-do-banhado ou outro

bicho preso, vamos soltar!

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Eu participava do plano com um aperto na barriga, muito medo e

muita, muita pena dos bichinhos. O João explicou que os caçadores pegam

os ratões-do-banhado por causa do pelo bonito deles. Colocam as armadilhas

perto das corticeiras, porque sabem que eles gostam de roer esta árvore.

Fiquei engolindo o choro, enquanto ele falava, e pensando o que será

que os caçadores fariam com o pelo dos coitadinhos. Roupa peluda?! Tínhamos

de salvá-los! Acho que o Gustavo percebeu que eu estava prendendo o choro,

porque olhou para mim e disse:

— Calma, Irene, nem todos os bichos são caçados e capturados e pronto.

Lembra que soltaram outro dia milhares de tartaruguinhas daquelas tigre-d’água?

Eu lembrava, sim. Elas são lindas, pequenininhas, e soltaram uma porção de

filhotes de volta na lagoa.

— Você soube, João? Os traficantes de animais tinham pego os ovos pra

esperar nascer os filhotes e vender, mas a polícia descobriu e os biólogos levaram

as tartaruguinhas de volta pra natureza. Agora é a nossa vez de salvar os ratões-

do-banhado!

Eu pensei um pouco e ainda perguntei:

— Mas será que não é melhor avisar

à polícia? Ou esperar o pai chegar?

Os dois protestaram, nervosos:

— Não!!!! Adulto demora muito a acreditar na gente!, disse o João. Não viu seu

pai duvidando de mim ontem?

— É! Pode ser tarde demais! Enquanto a gente espera o pai, eles matam os

bichos todos para tirar a pele!

Aí comecei a chorar mesmo, mas não fiz escândalo, chorei baixinho. Eles

disseram que era melhor eu não ir, que eu sou medrosa, que ia atrapalhar. Engoli o

choro, implorei, prometi ficar quieta e só ajudar a salvar os ratõezinhos.

— Mas se você ficar com medo vai ter de voltar do meio do caminho sozinha,

hein? E o pai não vai gostar nada disso! E não pode de jeito nenhum contar nada pra

ele, nem pra avó!, disse o Gustavo.

— Tá bom, eu já falei que vou ficar quieta!

E lá fomos nós para perto das corticeiras! Uma coisa foi muito legal: vimos

um bando de quero-queros voando e uns patos na lagoa! Depois de quase uma hora

de andanças, a gente estava com muita sede e nada de armadilhas. Eu não podia

reclamar, senão ia ter de voltar sozinha, mas, felizmente, o Gustavo confessou que

estava com sede.

— Bebe água do banhado, ora!, disse o João.

Meu irmão não respondeu, meio sem graça. Aposto que ele não queria dizer

que aprendeu que não se deve beber essa água sem filtrar ou ferver, porque pode

pegar doença.

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O João foi andando então em direção a uma lagoinha com muito capim, perto

de uns butiazeiros, dizendo que ia beber água ali mesmo e nós fomos mais atrás,

devagarinho. Mas eu que não ia beber!

De repente, ele parou, imóvel. Ficou olhando fixo pra frente e nós dois, quando

chegamos perto, vimos também uma armadilha. Depois deu para ver mais outra, um

pouco mais à frente. Fomos avançando devagar, com medo e cautela. Felizmente, não

tinha nenhum ratão-do-banhado preso.

Eu estava com muito medo que tivesse algum caçador ali por perto então fiquei

só olhando, enquanto os meninos iam pertinho olhar dentro das armadilhas. O João

falou baixinho, mas eu ouvi:

— Tem comida dentro! Comidinha para atrair o ratão-do-banhado! Ele vem

comer e crau! Fica preso na armadilha!

— Vamos tirar fora as comidas, então!, disse o Gustavo.

Eles tiraram e, conforme mexiam nas armadilhas, as portinhas caíam e se

fechavam.

— Era isso que ia acontecer com os ratões, disse Gustavo; iam entrar pra comer

e a armadilha ia fechar e prender todos!

Resolvemos procurar mais armadilhas e fomos andando com muito cuidado para

não fazer barulho, com medo de os caçadores estarem por ali. De repente, ouvimos um

movimento no mato e saímos correndo. Eu na frente, em disparada, o Gustavo atrás,

falando “calma, Irene, calma!”, mas aí o João gritou, rindo muito:

— Ei, não é nada, não, é só uma família de capivaras saindo da água!

Que alívio! E foi uma sorte ver aquelas cinco capivaras, sendo umas pequeni-

ninhas! Mas aproveitamos a correria e seguimos em frente, de volta para casa, porque

estava na hora do almoço e continuávamos com sede.

Chegamos os três muito animados, porque tínhamos desarmado duas armadilhas.

A avó disse que enchemos a casa dela com nossa alegria. Mas não contamos nada…

Depois de comer, ela se recostou na cadeira de balanço e adormeceu. Pronto, lá fomos

nós de novo em busca de armadilhas.

Quando passamos em frente à casa do João, a mãe dele estava saindo com a

cesta de artesanato numa mão e um bicho de pano fofo na outra. Ia junto com uma

amiga. Acho que ela percebeu que eu estava muito interessada e me mostrou, dizendo:

— Gostou do meu zorrilho, Irene?

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— Muito! Foi a senhora que fez?

— Foi, mas ainda não está como eu queria, estou

estudando um jeito de ele ficar mais bonito. Vou agora

levar na aula lá no projeto pra professora me dar umas

idéias. Tem muita gente lá pra ajudar, até de outras cidades.

Esta minha amiga aqui, por exemplo, veio de Arroio Grande.

Eu queria perguntar que projeto era esse, porque achava que projeto era coisa

só de biólogo, mas os meninos ficavam me apressando, e fui embora

correndo atrás deles.

Ficamos muito tempo andando, nos em-

brenhando cada vez mais na mata, na capoeira,

pelo meio do banhado. Encontramos de novo a

família de capivaras e ficamos um tempão nos

divertindo olhando para elas, tentando conversar

com elas: eram mansinhas.

Depois foi o bando de garças na árvore, a gritaria de quero-

queros e o João já queria ir jogar pedra nos guris de novo, mas o Gustavo não deixou.

Até esquecemos um pouco das armadilhas e ficamos mexendo na areia,

arrancando capinzinho. O João contou que sabe descobrir onde o peixe-anual (que

ele chama só de “peixinho”) bota os ovinhos, que queria achar para nos mostrar e, de

repente, ouvimos o motor de um carro parecendo muito perto.

O João me puxou para trás de uns matos, meio dentro d’água, tapando minha

boca, e o Gustavo correu para junto de nós. Foi um susto horrível! E logo passava,

pertinho da gente, o jipe dos caçadores! Parou um pouco adiante.

O Gustavo me fazendo sinal para ficar quieta e é claro que eu não ia abrir a boca,

mal conseguia respirar! Estava no meio de uns capins, umas plantas altas, acho que

eram juncos, com os pés dentro d’água e os mosquitos começando a me atacar, mas

fiquei paralisada. Me lembrei que o pai disse que por ali tem cobra. E percebi que o sol

estava se pondo. O João pegou o bodoque e o Gustavo fez sinal para ele guardar.

Então um homem ficou no jipe e o outro desceu com 3 armadilhas. Começou a

armar: abria a portinha, botava comida dentro e prendia a portinha com um pauzinho

para o ratão-do-banhado derrubar quando entrasse. O outro homem ficava apressando,

mandando acabar logo com as armadilhas. Pareciam muito mal-humorados.

Aí, de repente, deu a louca no Gustavo: ele saiu do esconderijo devagarinho,

mesmo a gente tentando segurá-lo, e foi pegando uma coisa no bolso, e chegando para

a frente abaixadinho e FLASH! tirou uma foto! Os homens não notaram, então ele tirou

outra, e mais outra e daí o homem que estava no carro gritou:

— Que é isso?!

O Gustavo “voou” agachado pra perto da gente e nós saímos os três correndo

meio abaixados pelo meio do mato, guiados pelo João, cada vez mais para dentro da

capoeira, pela água, e ele ia dizendo “vem por aqui que o jipe não passa!”, mas será

que não passava mesmo?

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Enquanto isso, o homem gritava:

— Quem está aí? Que luz foi essa? Se tirar foto eu mato!

E xingava! Os dois começaram a discutir entre eles. Ouvimos o motor do carro

ligando, e o jipe saiu e os homens xingando. Estávamos no meio de um matagal aguado

e quase deitados no chão quando ouvimos o jipe se afastando e um, dois, três estalos

fortes que, muito tempo depois, o Gustavo me contou que achava que eram tiros!

Ficamos muito tempo ali, com medo de sair. Eu estava tão apavorada que nem

chorava, e estava escuro e já bem frio naquela água. O João dizia que só podíamos

sair depois que escurecesse, para ficar mais difícil de os homens nos acharem, mas eu

pensava que eles podiam estar parados escondidos e acender o farol em cima da gente

na hora que a gente saísse dali.

Até que começamos a andar no escuro: saímos da água e acho que o João tinha

se perdido naquela correria. Ficou procurando o caminho, meio desorientado. Por

sorte o Gustavo tinha lembrado de trazer, além da máquina fotográfica, uma lanterna!

Fomos andando e o João procurando o caminho de volta com a luzinha fraca

da lanterna, mas, toda vez que a gente ouvia o barulho de um motor de carro, mesmo

longe, se abaixava e corria para a mata, com medo. Eu chorei baixinho e o Gustavo, em

vez de ficar bravo, segurou a minha mão.

Quando finalmente achamos o caminho de volta pela beira da lagoa, fomos

voltando mais aliviados, mas com frio e medo, molhados e cansados. De repente,

apareceu um carro com o farol aceso bem na nossa frente. Dei um berro daqueles

fininhos que o pai chama de “ensurdecedor”, ouvi o João e o Gustavo gritando também

e senti ainda o meu irmão me abraçando forte! Os caçadores tinham nos achado!

Mas logo ouvimos:

— Calma, Irene,

calma, meninos, ninguém

vai machucar vocês, não!

Era a voz do meu

pai! Ele tinha chegado

para nos salvar!

Page 16: Aventura no Mar de Dentro - Fibria

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5Bicho Bom é Bicho Vivo ou de Brinquedo

Nossa aventura foi parar na televisão: na manhã seguinte, a minha mãe

chegou de helicóptero com a equipe da tevê! Disse que veio fazer uma reportagem

importantíssima sobre a prisão de uma quadrilha de caçadores de animais silvestres,

mas confessou que não agüentava mais esperar nem um minutinho para nos ver

sãos e salvos! Claro que não aparecemos na tevê – “não vou expor meus filhotes de

jeito nenhum!”, disse a mãe-repórter – mas ela contou na televisão que os caçadores

“ameaçaram um grupo de crianças que estava tentando desarmar as armadilhas para

salvar a vida dos animais”.

Entrevistou a delegada e um

guarda ambiental, que disseram que

“já estávamos investigando a ação

dos criminosos, mas foi graças a uma

fotografia do caçador em ação, feita

por um dos meninos, que conseguimos

capturá-los e comprovar o crime

ambiental, agravado pelo porte ilegal

de armas e pelo atentado à

vida das crianças”.

Isso eu tive de escrever com a ajuda da mãe e também ouvindo de novo, e

de novo e de novo o DVD com a reportagem gravada, né? Ela termina assim: “Sofia

Contini, direto de São Lourenço do Sul para o Jornal da Manhã”.

Naquela noite das armadilhas, quando o pai voltou de Rio Grande, encontrou a

avó passando mal de nervoso porque nós tínhamos sumido, e a mãe do João com ela,

muito preocupada, mas tentando acalmá-la, dizendo:

— Não tem perigo, Dona Antônia, meu filho conhece bem estas bandas, vai

trazer seus netos de volta!

O pai dele já estava nos procurando, só que a pé, então o meu pai foi de carro.

Quando ele nos encontrou, estava com o farol aceso e não deu para reconhecer o

carro, por isso pensamos que fosse o jipe dos caçadores.

Nunca na minha vida eu gostei tanto de um abraço do meu pai como naquela

noite! Além do medo, eu estava gelada! Quando chegamos de volta na casa da

avó, estava todo mundo lá: os vizinhos na rua, os irmãos do João, gente de

pijama, uma confusão, e até a polícia, com aquela luz vermelha

piscando!

O Gustavo disse que ficou com medo de levar uma

bronca, mas ninguém brigou com a gente, não. No outro dia,

o pai e a mãe só nos fizeram prometer que nunca, nunca mais

vamos desobedecer aos adultos e sair escondido. Claro, né?

Depois dessa…

Page 17: Aventura no Mar de Dentro - Fibria

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Mas, ainda naquela noite, quando chegamos em casa começamos a contar a

história falando os três ao mesmo tempo e, quando a delegada ouviu falar em foto do

caçador, ficou toda interessada, pedindo para ver. O pai disse para o Gustavo:

— Filho, você se arriscou muito! Pra que você foi fotografar um bandido desses?!

— Queria fazer uma denúncia na internet pra todo mundo saber que ele é

perigoso!!

A delegada deu parabéns ao meu irmão e disse que agora, com a foto, ia ficar

fácil “concluir as investigações”. Mas o pai nos explicou que a gente não pode fazer o

trabalho da polícia, que é muito arriscado. Eles são treinados durante anos para prender

bandidos. E então contou que ele e o amigo já estavam sabendo dos caçadores e da

investigação, mas não nos falaram nada para não nos assustar. Bem que eu desconfiei…

Por um lado, toda essa confusão acabou com nossas férias mais cedo, porque a

mãe quis nos trazer de volta para Porto Alegre com ela.

— Depois do susto que vocês me deram, não agüento ficar longe de vocês,

não! Deixa acalmar, passar o tempo, prenderem os bandidos todos que estão por aqui,

depois vocês voltam para a casa da avó.

Mas, por outro lado, acabou resultando num passeio muuuuuito legal: a mãe

conseguiu tirar dois dias de folga e, antes de voltar para casa, nós quatro fomos a Rio

Grande para passear no Taim.

O pai explicou que, além dos bichos que moram lá na lagoa, na terra e nos

banhados, tem muitos que vêm de outros países aqui perto e ficam por lá descansando,

antes de seguir viagem, ou então para acasalar, fazer ninho e ter filhote.

Meu tio Gaspar, irmão do meu pai, veio passar uns dias com a minha avó, que

tinha ficado muito nervosa por nossa culpa. Que coisa feia, hein, que a gente fez?!

Page 18: Aventura no Mar de Dentro - Fibria

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Na hora de despedir, vó Antônia me abraçou forte e disse

que não estava zangada comigo, não. Também abracei o João e

então a mãe dele me deu a coisa mais linda: um ratão-do-

banhado de pano! E me contou que ela trabalha com outros

artesãos num projeto chamado Bichos do Mar de Dentro.

A minha mãe disse que vai até fazer uma matéria sobre

o projeto, que faz um monte de coisas lindas inspiradas nos

bichos dali: tem joguinho, roupa, brinquedo, almofada, bolsa,

tudo com os bichos dali daquele pedaço de terra e de água do

Taim, da Costa Doce, do Mar de Dentro, um lugar tão especial e

tão lindo onde nasceu meu pai e mora a minha vó!

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Legenda das Carinhas:

Caderno da Irene

Bicho não ameaçado de extinção

Bicho que precisa ser cuidado,corre risco de extinção!

Bicho muito ameaçado de extinção!

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Rã-macaco: Tem este nome porque se pendura nas plantas feito um macaco mesmo. Anda de noite por aí.

Anfíbio

Tigre-d’água: Todo mundo fala só “tigre d’água”, mas é uma tar-ta-ru-ga aquática. É verde, rajadinha e pode chegar a 30 centímetros, mas só vi pequenininhas.

Os traficantes de animais roubam os ovinhos pra depois vender os filhotes. Não sei como é que ainda tem gente que

compra um filhotinho achando que ele vai sobreviver preso, longe do seu habitat!!!! Habitat é a “casa”, o lugar onde o bicho vive na natureza, com todas as coisas de que precisa.

Aves

Cardeal: Eu vi dois no ninho. São monogâmicos, quer dizer, quando formam um casal, não se separam mais. Tem gente que prende na gaiola, porque são muito bonitos, com penas vermelhas na cabeça. São valentes pra defender o ninho, mesmo sendo pequenininhos: medem 15 centímetros.

Cisne-do-pescoço-preto: Tinha vários na reserva do Taim e o meu pai disse que provavelmente vieram do Chile ou da Argentina. São da família dos patos e marrecos, mas muito mais chiques! Os filhotes têm as penas cinza arrepiadinhas.

Vi um adulto nadando com o filhinho nas costas: são ótimos pais. Vivem em bandos, nadam muito bem,

e voam todos juntos.

Biguá: Já vi várias vezes, é comum perto da casa da avó. É um pássaro pescador que fica só nos rios e lagos. Tem penas escuras e 75 centímetros. Meu pai disse que quando eles cantam todos juntos parece o som de um motor, mas nunca ouvi.

Bichos do Mar de Dentro que eu já vi:

Réptil

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Tarrã: Como o quero-quero, tem o nome o-no-ma-to-pai-co. Quer dizer: imita o som que ele faz, “tar-rã”, mas tem gente que diz que é “ta-chã” e, para os índios, “taim”. Quem grita mais é a fêmea. Ele é grande, tem 88 centímetros, mas voa bem. Vive perto de

lagoas e banhados e também é bem protetor do ninho. Vi vários no Taim.

InsetosBorboleta-seda-azul: São pequenas, chegam a 10 centímetros de asas abertas, que são de um azul que o pai diz que é “metálico”. Vivem em bambus e taquaras

e só não estão ameaçadas de extinção porque existem muitíssimas espalhadas por essas plantas. É que os homens pegam essas borboletas pra fazer bandejas e pratos de enfeite. E tem gente que compra!!!

Vi muitas (vivas, claro!!!) em São Lourenço do Sul e no Taim.

Noivinha-de-rabo-preto: É um passarinho branco (acho que é por isso que chamam de noiva), com as asas e o rabo preto, que vive em grupo ou em dupla. Não é “cantante”, é silenciosa,

mas, mesmo assim, prendem em gaiolas.

Garça-branca-grande: O pai disse que elas costumam ficar em bandos, nas árvores, antes da época do acasalamento, mas pode ser em outras épocas também. É grande mesmo: pode chegar aos 95 centímetros. Come insetos, mas pega até sapos e cobras também!

Saíra-de-sete-cores: É coloridinha e bem pequena (9 centímetros!!), e já vi na lagoa, mas, como gosta muito de frutas, a avó acha que elas vão no quintal dela.

Quero-quero: É meu pássaro preferido! É chamada de símbolo do Rio Grande do Sul e de “sentinela dos pampas”. Sabe voar muito bem, mas faz o ninho no chão. Vivem em bandos e formam um

só casal: o macho sempre tem filhotes com a mesma fêmea. Ficam furiosos quando alguém ameaça o ninho! E gritam fazendo um som que a gente “traduz” por “quero-quero”. Quero-quero muito-muito que nunca-nunca sejam ameaçados de extinção!!

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Mamíferos Capivara: É o maior roedor do mundo. Tem 1 metro e meio e 50 centímetros de altura. Mora perto da água e se alimenta de capim.

Haja capim, porque ela é gorducha! Tem membranas nas patas, então nada muito bem. Consegue ficar debaixo d’água só com o focinho pra fora e pode até dormir assim. Tem gente que caça pra comer. Meu pai disse que hoje existem fazendas de criação pra isso, que nem de vaca, mas não aqui. Em geral, vive sozinha, mas, às vezes, em grupo, como aquela família que a gente viu no dia das armadilhas.

Tatu-crioulo: Vi um no Taim, quando já estava de noite, que é quando ele sai da toca. Come formigas,

em geral dentro da toca mesmo. Não é destes que se enrola e vira uma bolinha

quando ameaçado, não: ele corre bem rapidinho e é capaz de cavar um buraco na parede da própria toca para se esconder. Tem gente que caça pra comer! Como os avós do João.

Gambá-de-orelha-branca: É um marsupial, quer dizer: os filhotes nascem pelados e de olhos fechados e entram na bolsa que a mãe tem na barriga (que nem canguru) para terminar de se formar. Só saem quando estão

peludos e prontinhos. Medem 30 centímetros e mais 30 só de rabo. É caçado porque é carnívoro e

quem tem galinheiro diz que ele rouba galinha.

Jararaca-da-praia: Vi rapidinho, nadando no banhado, lá no Taim. É colorida, chega a ter 60 centímetros e não ataca

a gente, mas sabe dar botes se estiver sendo ameaçada. Tem gente que chama de nariguda. Come sapos e outros anfíbios.

RéptilGraxaim-do-campo: Eu vi de longe, no quintal da avó,

mas ele logo saiu correndo: é meio cinza e costuma andar de noite, a não ser quando tem filhotes, porque aí sai de dia para procurar comida para eles. Vive sozinho e só forma casal na hora de ter filhote.

Come animais pequenos e carniça. Também é caçado porque dizem que pode atacar o galinheiro. Mede entre 86 centímetros e 1 metro.

Ratão-do-banhado: Depois de tanta aventura pra salvá-lo, encontrei com ele ao vivo lá no

Taim. Parece um rato grande mesmo, mas é bem peludo. Ele penteia o pelo e passa nele um tipo de óleo que sai de

umas glândulas perto da boca. Deve ser por isso que o pelo é bonito e interessa aos caçadores! Também tem gente que caça pra comer. Concordo com o Gustavo: a carinha parece de capivara. Come plantas na água. Chega a ter 70 centímetros, mais uns 30 centímetros de cauda. Quem cuida dos filhotes logo que nascem é o pai.

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Alguns (porque tem muitos mais!) bichos do Mar de Dentro que eu ainda não vi mas quero ver:

Mamíferos

Aves

Ema: O pai diz que é raríssimo ver emas por aqui e que são alvo fácil para caçadores, porque são grandes. É a maior ave da América do Sul, com 1 metro e meio! As fêmeas todas botam os ovos juntos e sabe quem cuida da filharada? O pai!

Tamanduá-mirim: Ele é mirim, mas é bem grandinho, chegando a 1 metro e 30 centímetros.

Tem uma pelagem negra nas costas que parece um colete e é muito lindo e peludinho. Come formigas, cupins e outros insetos. O filhote anda nas costas da mãe até ficar independente.

Coruja-do-campo: Dizem que ela é bem comum aqui no Rio Grande do Sul e que é fácil vê-la, porque tem hábitos diurnos, quer dizer: sai da toca de dia, ao contrário da maioria das corujas. Mas eu ainda não consegui! Uma vez, de noite, meu pai me chamou atenção para um piado bonito e disse que era a coruja-do-campo ou coruja buraqueira, porque

faz o ninho em buracos no chão.

Gato-do-mato-grande: Eu adoro felinos, mas nunca consegui ver nenhum solto! Acho que estão todos ameaçados de

extinção. Esse eu sei que está, porque foi muito caçado por causa da pele, com pintas pretas.

E hoje seu habitat está sendo destruído. Mas ainda deve ter alguns no Taim. Chega a 95 centímetros e pesa 5 quilos. Quando os

filhotes nascem, a mãe faz um ninho com folhas secas e pelos da própria barriga dela, que ela arranca, porque eles ainda são fraquinhos e de olhos fechados!

Mão-pelada: É da família dos quatis e tem uma máscara nos olhos, por isso, em alguns lugares é

chamado de mascarado. Não tem pelos nas patas dianteiras. Antes de comer, esfrega a comida com as “mãos”, então, tem gente que chama de rato-lavador, mas ele não é roedor. Chega a pesar oito quilos!

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Zorrilho: Só vi o de pano, feito pela mãe do João. Parece um gambá de desenho animado: peludo, preto

e com duas riscas brancas, uma de cada lado do corpo. Come insetos, anfíbios e frutas. Quando se sente ameaçado, joga um líquido com um cheiro fortíssimo que, infelizmente, já senti uma vez na estrada e o pai falou que era isso. Não gostei.

Peixe

Inseto

Jacaré-do-papo-amarelo: São grandes: medem de 1 metro e meio a 3 metros de comprimento, mas não costumam atacar a gente. Só que é melhor não arriscar

chegando perto. O papo fica amarelo na época do acasalamento. Comem crustáceos e anfíbios, ou mamíferos pequenos. A mordida deles é tão forte

que quebra o casco da tartaruga! A fêmea põe uns 25 ovos perto da água e cuida dos filhotes, ao contrário do que dizem por aí, que ela abandona ao sol. Tem gente que caça para comer. E também existem fazendas de criação.Peixe-anual: É uma espécie que só existe

aqui no Rio Grande do Sul e corre sério risco de extinção, porque os lugares onde eles põem os ovos são destruídos! É assim: botam os ovinhos num charco temporário,

que são lugares com uma camada de água de uns 50 centímetros de profundidade, mas que vai secar na época da estiagem. Os ovos ficam ali, no lodo, e resistem à seca. Seis meses depois, na época da cheia, os peixinhos nascem.

Borboleta-castanha-colorida: É um dos muitos tipos de borboleta tropical e tem só 7 centímetros. Se eu vi, não reconheci, porque meu pai não estava por perto. As lagartas gostam de comer folhas de pé

de maracujá. Que exigentes, né?

Réptil