avaliação do contexto de trabalho em terapia intensiva sob olhar da psicodinâmica do trabalho (1)

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    363Rev Esc Enferm USP

    2011; 45(2):363-8www.ee.usp.br/reeusp/

    Avaliao do con texto de trabalho em terapiaintensiva sob o olhar da psicodinmica do trabalhoCampos JF, David HSL

    Avaliao do contexto de trabalho emterapia intensiva sob o olhar da

    psicodinmica do trabalho

    *

    WORK CONTEXT ASSESSMENT IN INTENSIVE THERAPY UNITS FROM THEPERSPECTIVE OF WORK PSYCHODYNAMICS

    EVALUACIN DEL CONTEXTO DE TRABAJO EN TERAPIA INTENSIVA EN LAPERSPECTIVA DE LA PSICODINMICA DEL TRABAJO

    RESUMOFrente reorganizao dos processos de tra-balho e mudanas no perfil de adoecimentodos trabalhadores, o artigo discute os riscosde adoecimento do enfermeiro trabalhadorde Unidade de Terapia Intensiva (UTI). De-senvolveu-se estudo exploratrio, transver-sal, descritivo, com amostra intencional de44 sujeitos trabalhadores de um hospital pri-vado. Utilizou-se a Escala de Avaliao doContexto de trabalho (EACT), composta por3 fatores. Os resultados quanto ao fator or-ganizao do trabalho indicou riscos severos sade dos profissionais. No fator relaes

    scio-profissionaisitens apresentaram riscomoderado sade. A avaliao do fator con-dies de trabalho demonstrou baixo riscopara o adoecimento profissional. A anliseapoiou-se na psicodinmica do trabalho, ena crtica prevalncia do modelo de ges-to taylorista do trabalho de enfermagem.O estudo permitiu uma melhor compreen-so da subjetividade impressa no trabalhode enfermagem e instiga ampliao doenfoque das discusses sobre segurana esade no trabalho para o contexto da orga-nizao do trabalho.

    DESCRITORESUnidades de Terapia IntensivaEnfermagemCondies de trabalhoSade do trabalhadorEnfermagem do trabalho

    * Extrado da dissertao Trabalho em Terapia Intensiva: avaliao dos riscos para a sade do enfermeiro, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2008.1 Mestre em enfermagem pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Enfermeira Intensivista do Hospital Pr Cardaco e Hospital Geral de Bonsucesso.Rio de Janeiro, RJ, Brasil. [email protected] 2 Doutora em Sade Pblica. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem de SadePblica da Faculdade de Enfermagem da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Professora do Programa de Ps Graduao em Enfermagem da

    Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. [email protected]

    ARTIGOORIGINAL

    Juliana Faria Campos1, Helena Scherlowski Leal David 2

    ABSTRACTIn view of the reorganization of workingprocesses and changes in the profile of oc-cupational illness, this article discusses onthe occupational risks of falling ill amongnurses working in Intensive Care Units (ICU).This exploratory, cross-sectional, descriptivestudy was developed with a conveniencesample of 44 subjects, workers at a privatehospital. The Work Context AssessmentScale was used, which is composed of threefactors. The results regarding the factorwork organizationindicated severe risks tothe workers health. Regarding the factor

    social-professional relationships the itemsshowed moderate health risks. The assess-ment of the facto working conditionsshowed low risks to occupational health.The analysis was based on work psychody-namics, and on the criticism to the preva-lence of the Taylor management model innursing work. The study allowed for a bet-ter understanding of the subjectivity im-plied in nursing work and instigates to in-crease the focus of discussions on safety andoccupational health to the context of thework organization.

    DESCRIPTORSIntensive Care UnitsNursingWorking conditionsOccupational healthOccupational health nursing

    RESUMENFrente a la reorganizacin de procesos la-borales y cambios del perfil de padecimien-to laboral, el artculo discurre sobre riesgosde padecimiento del enfermero de Unidadde Terapia Intensiva (UTI). Estudio explora-torio, transversal, descriptivo, con muestraintencional de 44 sujetos empleados enhospital privado. Utiliz Escala de Evalua-cin de Contexto de Trabajo (EACT), com-puesta por tres factores. Los resultados re-feridos al factor organizacin del trabajoindicaron riesgos sanitarios severos para losprofesionales. El factor relaciones socio-pro-

    fesionales marca tems de riesgo modera-do. La evaluacin de condiciones de traba-jo demostr bajo riesgo para el padecimien-to profesional. El anlisis se apoy en lapsicodnamica laboral y en la crtica a la pre-valencia del modelo de gestin taylorista deltrabajo de enfermera. El estudio permitiuna mejor comprensin de la subjetividadimplcita en el trabajo y promueve la am-pliacin del enfoque de las discusiones so-bre seguridad y salud en el trabajo en sumarco organizativo.

    DESCRIPTORESUnidades de Terapia IntensivaEnfermeraCondiciones de trabajoSalud laboralEnfermera del trabajo

    Recebido: 24/07/2009Aprovado: 11/08/2010

    Portugus / Inglswww.scielo.br/reeusp

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    Avaliao do c ontex to d e trabal ho em terapi aintensiva sob o olhar da psicodinmica do trabalhoCampos JF, David HSL

    INTRODUO

    O mundo do trabalho hoje marcado por transforma-es como globalizao, modernizao tecnolgica e no-vos modelos de gesto que implicam em mudanas no con-tedo, natureza e significado do trabalho. O processo eorganizao do trabalho configurado hoje por carga ho-rria excessiva, ritmo intenso de trabalho, controle rigoro-so das atividades, presso temporal, necessidade de pro-fissionais polivalentes, entre outras(1).

    O trabalho percebido, muito alm de gerador de bense servios, como meio para adquirir identidade e determi-nar valores. Sabendo disso, entende-se que esse pode re-percutir de maneira positiva ou negativa na vida do traba-lhador, tendo especial importncia a organizao do tra-balho e as relaes existentes no contexto de trabalho(2).

    Essa nova configurao do trabalho determina mudan-

    as no perfil de morbidade e mortalidade dostrabalhadores: transtornos mentais, estressee burnout apresentam-se como doenasemergentes e relevantes com importanteprevalncia para as prximas dcadas(3).

    A enfermagem, enquanto fora de traba-lho, tambm reflete as transformaes ocor-ridas na gesto do trabalho. Porm os estu-dos desenvolvidos sobre a sade dos traba-lhadores de enfermagem, em sua maioria,limitam-se aos riscos ocupacionais aos quaisesto expostos esses trabalhadores, no con-templando, portanto, determinantes de mor-

    bidade relacionados ao processo de trabalhoe as transformaes impostas pelos novosparadigmas na rea do trabalho(4).

    Os trabalhadores no so passivos dian-te das injunes organizacionais e por issobuscam proteger-se dos efeitos nocivos, uti-lizando sua inteligncia, prtica, personalida-de e cooperao(2).

    Reconhece-se o trabalho como fonte geradora de pra-zer e sofrimento. vivenciado de modo considerado sau-dvel quando as situaes nas quais o enfrentamento decobranas e presses do trabalho, que causam instabilida-de psicolgica e mal estar, pode ser transformado(5). A pa-tologia surge quando se rompe o equilbrio e o sofrimentono mais contornvel, ou seja, quando os investimentosintelectuais e psicoafetivos dos trabalhadores no so maissuficientes para atender s demandas e tarefas impostaspela organizao(6).

    Diante desse contexto, o estudo da sade do trabalha-dor de enfermagem, em particular daqueles que atuam emUnidades de Terapia Intensiva (UTI), desperta o interessej que peculiaridades referentes estrutura fsica deste se-tor e a dinmica do processo de cuidar podem influenciarno processo sade-doena desse profissional.

    Este artigo parte do questionamento sobre quais so,no trabalho de enfermagem em UTI, os elementos que apon-tam para riscos sade dos trabalhadores enfermeiros.

    OBJETIVOS

    So apresentados e discutidos resultados de um estu-do baseado na abordagem terica da psicodinmica do tra-balho, cujos objetivos foram o de analisar, mensurar e ava-liar os riscos de adoecimento relacionados ao trabalho doenfermeiro de UTI, a partir da Escala de Avaliao do Con-texto de Trabalho na perspectiva da sade do trabalhadore no processo sade-doena.

    MTODO

    Esta anlise consiste em um recorte de um estudo ex-ploratrio e transversal realizado nos mesesde fevereiro a maio de 2008, cujo objetivoprincipal foi mensurar e avaliar os riscos deadoecimento relacionados ao trabalho deuma amostra intencional de 44 enfermeirostrabalhadores em UTI de um hospital priva-do do Rio de Janeiro, a partir do Inventriosobre Trabalho e Riscos de Adoecimento(ITRA)(6). Foram utilizados os seguintes crit-rios de incluso: estar atuando em TerapiaIntensiva h seis meses ou mais e assinar oTermo de Consentimento Livre e Esclarecido.

    Utilizou-se a tcnica de questionrio para

    aplicao do ITRA que um instrumentoauto-aplicvel, criado e validado(7) que avaliaalgumas dimenses da inter-relao trabalhoe processo de subjetivao. Investiga o pr-prio contexto de trabalho e os efeitos que elepode exercer no modo do trabalhador viven-ci-lo(6). composto por quatro escalas inter-

    dependentes para avaliar quatro dimenses da inter-rela-o trabalho e riscos de adoecimento: Escala de avaliaodo contexto de trabalho (EACT), Escala de custo humanono trabalho (ECHT), Escala de indicadores de prazer e so-frimento no trabalho (EIPST) e Escala de avaliao dosdanos relacionados ao trabalho (EADRT).

    Os resultados se referem aplicao da Escala de Ava-liao do Contexto de trabalho (EACT). O tratamento dosdados deu-se atravs de estatstica descritiva com fre-quncia, mdia e desvio padro. Por ser uma escala dotipo Likert, apresenta as seguintes opes de respostas:1= nunca; 2 = raramente; 3 = s vezes; 4 = freqentemen-te; 5 = sempre. De acordo com a orientao da autora doinstrumento por ser constituda de itens negativos a es-cala deve ter sua anlise feita por fator e com base emtrs nveis diferentes, considerando um desvio padro emrelao ao ponto mdio. Como resultado para essa esca-la pode-se considerar:

    ...o estudo da sade dotrabalhador de

    enfermagem, emparticular daqueles queatuam em Unidades deTerapia Intensiva (UTI),desperta o interesse j

    que peculiaridadesreferentes estruturafsica deste setor e a

    dinmica do processode cuidar podem

    influenciar no processosade-doena desse

    profissional.

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    Acima de 3,7 = avaliao mais negativa, grave. Indicaque o contexto de trabalho possibilita de forma grave oadoecimento do profissional.

    Entre 2,3 e 3,69 = avaliao mais moderada, crtico. In-dica que o contexto de trabalho favorece moderadamente

    o adoecimento do profissional.Abaixo de 2,29 = avaliao mais positiva, satisfatrio.

    Indica que o contexto de trabalho favorece a sade do pro-fissional.

    Os resultados foram discutidos com base no referenci-al terico da psicodinmica do trabalho considerando-se ainter-relao trabalho e sade a partir da anlise da din-mica inerente a determinados contextos de trabalho queconstam de foras, visveis ou no, objetivas e subjetivas,psquicas, sociais, polticas e econmicas que podem influ-enciar esse contexto de maneiras distintas, transforman-do-os em lugar de sade e/ou de adoecimento(5).

    Obedeceu-se os preceitos ticos da Resoluo 196/96,sendo a pesquisa aprovada pelo Comit de tica em Pes-quisa institucional, cujo nmero do protocolo 247. O Ter-mo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado peloparticipante.

    RESULTADOS E DISCUSSO

    A EACT composta por 3 fatores. O primeiro organi-zao do trabalho sendo definido como a diviso e con-tedo das tarefas, normas, controles e ritmos de trabalho(6). composto por 11 itens.

    Tabela 1- Estatstica descritiva referente aos fatores da EACT -

    Rio de Janeiro - 2008

    Fatores Mdia Desvio

    padroAlpha de

    Cronbach

    Organizao do trabalho 3,74 0,68 0,66

    Relaes scio-profissionais 2,47 0,27 0,78

    Condies de trabalho 2,04 0,54 0,84

    Nota: (N=44)

    Os resultados para esse fator o situam na categoria gra-ve, representando riscos severos sade dos profissionais

    da UTI. Dentro desse, itens como o ritmo do trabalho excessivo,as tarefas so cumpridas com presso de prazo,existe forte cobrana por resultadose as normas para exe-cuo das tarefas so rgidas obtiveram as mdias maisaltas (acima de 4) evidenciando um predomnio do mode-lo taylorista de gesto do trabalho, caracterstico nas insti-tuies hospitalares, principalmente no setor privado(6). Ofoco central a realizao da tarefa, entendida como aesque so meticulosamente definidas e precisas a priori, semlevar em conta a atividade real do profissional, definidacomo o ajuste necessrio entre a tarefa e a atividade, de-senvolvido pelo prprio trabalhador contestando os mo-dos operatrios prescritos(8). O conceito de atividade apro-

    xima-se, desta forma, do conceito de trabalho real, defini-do como o ajuste necessrio entre a tarefa e a atividade,desenvolvido pelo prprio trabalhador contestando osmodos operatrios prescritos(8).

    Alguns trabalhos(9)abordam a discrepncia entre o tra-

    balho prescrito e o trabalho real e suas implicaes e efei-tos negativos para o bem-estar dos trabalhadores e sobreprocesso produtivo.

    Em geral, essas divergncias encontradas impem mai-ores dificuldades aos trabalhadores, a medida que limitamos modos satisfatrios de respostas s condies impostasnas situaes, que por sua vez refletem com aumento dotrabalho e do custo humano da atividade que compreen-dem em componentes fsicos, cognitivos e psquicos. Al-guns sintomas apresentados pelos trabalhadores so: fa-diga fsica (produzindo a incidncia de dores lombares,dorsais, ombros e pescoo); fadiga mental (expresso sob aforma de cansao mental, sensao de esgotamento) e fa-

    diga nervosa (expresso sob a forma manifestaes de ansi-edade, medo, frustrao)(10).

    Compreender a importncia dos efeitos negativos, pos-sivelmente gerados pela discrepncia entre o trabalho pres-crito e o trabalho real, permite auxiliar os profissionais namisso de tornar mais humano os contextos de produode bens e servios, e estimula a anlise coletiva acerca dassituaes de trabalho vivenciadas no contexto mais amplodas determinaes sociais e econmicas.

    Outro item desse fator que reflete o modelo de gestotaylorista existe diviso entre quem planeja e executa as

    aes que apresentou apreciao crtica pelos enfermei-ros da instituio. As atuais formas de organizao do tra-balho conservam o padro rgido taylorista, inserindo ape-nas novas estruturas de poder e controle que dissimulamuma ideologia da flexibilidade, mantendo forte concentra-o de poder, sem descentralizao. Essas novas estrutu-ras impem exigncias diversas que incluem cadncia, ra-pidez, formao, informao, aprendizagem, adaptao ideologia da instituio e exigncias do mercado(8).

    Por ser uma instituio privada acreditada em nvel 3 pelaOrganizao Nacional de Acreditao, ou seja, uma institui-o que procura sistematicamente a melhoria contnua doseu atendimento e atinge padres de excelncia na presta-

    o de assistncia mdico hospitalar, a cobrana por resulta-dos e qualidade feita de modo rigoroso, podendo sermarcante na percepo de rigidez percebida e vivenciada pelosfuncionrios desta instituio(11). Para isso so criados diver-sas normas, rotinas e protocolos que, ao mesmo tempo uni-formizam as aes e restringem a criatividade profissional.

    O trabalhador vivencia o prazer quando tambm lhe permitida a expresso da sua individualidade e da criativi-dade. Mesmo diante das discrepncias entre o trabalhoprescrito e real se existe a liberdade de negociao entre osujeito e a organizao do trabalho, o sofrimento, geradonessa situao, transformado e o trabalho ressignificado

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    por meio da criatividade. Porm, quanto mais rgido omodelo de gesto do trabalho, menor a possibilidade dostrabalhadores construrem estratgicas de mediao efici-entes e eficazes (como por exemplo macetes e manobras)para ajustar o prescrito ao real, o que potencializa, assim,o sofrimento no trabalho(3).

    Isto pode ser percebido nos itens as normas para exe-cuo das tarefas so rgidascom = 4,34 e as tarefas sorepetitivas= 4,0.

    Alm disso, o trabalho em terapia intensiva apresentaintrinsecamente um constrangimento de tempo onde tudo urgente e a alta complexidade e a tecnologia implica emprofissionais mais especializados e capacitados sustentan-do um ciclo de rigidez, cobrana e o ritmo. Soma-se a issoo fato do trabalho ser pensado por um e realizado por ou-tro. O itemfalta tempo para realizar pausas de descansono trabalho (=3,77) reflete o ritmo acelerado prpriodeste setor. Todas essas caractersticas podem imprimir no

    trabalho custos fsicos, cognitivos e afetivos capazes degerar sofrimento, e at adoecimento do profissional(12).

    Quanto maior a rigidez da organizao do trabalho, maisevidente se torna sua diviso e menor o contedo signifi-cativo da tarefa, aumentando, proporcionalmente, o sofri-mento psquico do profissional. Esse sofrimento, segundoos mesmos autores, surge do choque e na impossibilidadede um rearranjo entre o sujeito-portador de uma histria

    singular e personalizada e uma organizao do trabalho

    despersonalizante(12).

    As relaes scio-profissionais consistem no segundofator dessa escala e podem ser conceituadas como os mo-dos de gesto do trabalho, comunicao e interao pro-fissional. Possui 10 itens.

    Esse fator apresentou avaliao moderada crtica.Apesar de seus itens apresentarem mdias mais baixas osmesmos refletem as novas caractersticas e paradigmas dosmodelos de gesto do trabalho atuais. O item os funcion-rios so excludos das decisescom =2,84 vem confirmara discrepncia existente entre o trabalho prescrito e o real,implicando em dificuldades para o trabalhador gerandosobrecarga de trabalho e custos humanos.

    Tarefa define-se como [...] operacionalizao do traba-

    lho prescrito em termos de objetivo(s) estabelecido(s) emcondies determinadas, para um sujeito ou um coletivo

    de trabalhadores(13). O trabalho real, por sua vez, compor-ta a atividade do sujeito, onde sua experincia, seu corpo,seu savoir-faire e sua afetividade so colocados numa pers-pectiva de construir modos operatrios visando desenvol-ver relao com as condies objetivas de trabalho(13).

    O trabalho de enfermagem em ambiente hospitalar, emespecial em UTI, tem como caracterstica a variabilidade, oque significa que o cuidado prestado no uma relaosimplria que se justape tcnica. Lida-se com eventosdiversos como panes, falta de material, dficit na escala depessoal, instabilidades nos quadros de pacientes que per-

    passam o planejamento das aes inicialmente pensadas.Essa variabilidade configura o trabalho real, cabendo aosprofissionais de enfermagem gerir esta variabilidade e pro-piciar a realizao dos cuidados.

    Apesar dos itens Existem dificuldades na comunicao

    entre chefia e subordinados, Falta integrao no ambientede trabalhoe A comunicao entre funcionrios insatis-fatriaserem avaliados de modo satisfatrio, observadaa existncia de disputa profissional no local pesquisado,conforme valorizao do item existem disputas profissio-nais no local de trabalho(=2,79).

    Os ambientes organizacionais harmoniosos, com rela-es profissionais satisfatrias que permitem cooperaoe confiana entre chefia e subordinados e subordinadosentre si, favorecem o vencimento das barreiras impostaspelo trabalho e a construo de estratgias de defesa quepermitiro a continuidade do processo produtivo(14).

    Discusses sobre a importncia do apoio social no am-biente de trabalho (scio-emocional e instrumental) pro-veniente de colaboradores e chefes so realizadas afirman-do-se que esse atua como amortecedor (na maior oferta)ou potencializador (na menor oferta) do efeito da deman-da e do controle na sade(15).

    Alguns estudos(16)afirmam que relaes profissionaisconflituosas impedem mudanas e melhorias na estruturada organizao do trabalho e favorecem o sofrimento dotrabalhador. O clima de embate instiga ainda mais acompetitividade e intolerncia.

    Esses itens reforam o carter taylor-fordista da insti-

    tuio onde se separa o planejamento da execuo do tra-balho e onde instiga-se os trabalhadores para uma disputaprofissional por se confrontarem individualmente com ascobranas de produtividade(3).

    O terceiro fator da EACT, composto por 10 itens, ofator Condies de trabalho, que pode ser definido como aqualidade do ambiente fsico, posto de trabalho, equipa-mentos e material disponibilizados para a execuo do tra-balho. Foi o fator melhor avaliado pelos enfermeirosintensivistas, ou seja, pelos resultados obtidos, as condi-es de trabalho so satisfatrias e oferecem baixo riscopara o adoecimento dos profissionais. Para esse fator apre-sentou-se = 2,04, = 0,5 e de Crombrach=0,84.

    Essa avaliao bastante peculiar, prpria de uma insti-tuio privada. Sabemos da grande dificuldade das institui-es quanto a adequao de sua estrutura fsica e material.No entanto o local de pesquisa apresentou uma realidadedistinta onde itens como as condies de trabalho so pre-crias, o ambiente fsico desconfortvel, os instrumentosde trabalho so insuficientes para realizar as tarefas, o pos-to de trabalho de trabalho inadequado para realizao das

    tarefas, os equipamentos necessrios para a realizao dastarefas so precrios, o espao fsico para realizar o traba-lho inadequado, as condies de trabalho oferecem riscoss pessoase o material de consumo insuficienteforam ava-

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    liados satisfatoriamente. Sabemos do contexto de dificulda-de e precarizao de condies de trabalho no mbito dasade pblica e privada no pas, no qual o descaso e as con-dies estruturais e materiais precrias implicam em riscospara a sade dos clientes e trabalhadores(17).

    A instituio onde foi realizada esta pesquisa detmuma estrutura fsica bastante organizada e adequada aospadres estipulados pelo Ministrio da Sade e VigilnciaSanitria. Oferece equipamentos e materiais de consumonas condies e em nmero adequados. Atende a uma pre-missa bsica solicitada no processo de acreditao que estrutura bsica (recursos), capaz de garantir assistnciapara a execuo coerente de suas tarefas. Atualmente existeuma mobilizao do hospital para atender s solicitaesimpostas pela Norma Regulamentadora 32 (NR 32).

    O item que apresentou maior mdia ( =3,45) impli-cando em insatisfao e riscos sade do trabalhador foiexiste muito barulho no ambiente de trabalho. De acordo

    com a NBR-10 152 os nveis de rudo aceitveis para ambi-entes hospitalares, incluindo a UTI de 35-45 decibis (dB).Nveis de intensidade de rudos superiores aos estabeleci-dos so considerados de desconforto psicolgico; nveisacima de 65 dB (A) podem implicar em riscos de danos sade quando o tempo de exposio for prolongado equando os valores excederem muito os nveis recomenda-dos, isto , acima de 90 dB (A)(18).

    Sabe-se que em terapia intensiva, por se tratar de umsetor fechado, tem sua acstica local desfavorvel tornando-o mais sensvel ao rudo. Alm disso, freqente a emissode sinais sonoros (alarmes) pelos diversos equipamentos

    comuns a unidade. Esses alarmes so essenciais na vigilnciado paciente crtico, facilitando a identificao de situaesque se encontrem fora dos parmetros de normalidade.

    Somando-se a esse quadro, contamos com uma equi-pe numerosa nos ambientes de tratamento intensivo, vis-to a complexidade e gravidade dos doentes. O alto nvel deatividade do setor, as discusses dos casos e mesmo a co-municao entre os profissionais dentro setor contribuiainda mais para o nvel elevado de rudos na unidade.

    Outro item valorado pelos profissionais foi relacionado inadequao do mobilirio existente no setor (=2,29). Aoanalisar o ambiente de trabalho, observamos a presena dearmrios posicionados em altura inadequada, incompatvelcom a estatura da maioria dos funcionrios ou em posiomuito rebaixada, solicitando aos profissionais posturas inade-quadas. Equipamentos pesados so freqentemente alocadosem lugares altos exigindo esforo fsico do trabalhador.

    CONCLUSO

    O estudo permitiu uma melhor compreenso da sub-jetividade impressa no trabalho de enfermagem e instiga

    ampliao do enfoque das discusses e elaborao depolticas pblicas de segurana e sade no trabalho, queainda se limitam em questes fsica e ergonmicas do tra-balho. Esta limitao evidencia a necessidade de a enfer-magem ampliar e aprofundar, com base em referenciaiscrticos, as anlise sobre as relaes e os modelos de ges-

    to do trabalho, de modo a evidenciar os processos desubordinao do trabalhador e as condies capazes degerar adoecimento.

    Apesar do ITRA, no qual se insere a EACT, ser um ins-trumento criado para trabalhadores em geral, observou-se que seu uso entre enfermeiros evidenciou resultadosrelevantes. Alm disso, o mesmo demonstrou-se interna-mente consistente quando mensurado por meio do indi-cador Alfa de Cronbach, indicando que este instrumentoatinge seus objetivos de medir o que se prope.

    Contudo, entende-se que h uma limitao do mes-mo em avaliar com profundidade as influncias do traba-

    lho na sade do trabalhador, devido a subjetividade ecomplexidade envolvida nos constructos em questo (sa-de, sofrimento, doena, prazer, entre outros). A prpriaautora do instrumento relata que esse instrumento nopermite a avaliao das estratgias de mediao utiliza-das pelos profissionais, ele apenas avalia os riscos de ado-ecer relacionados s diversas dimenses do trabalho. Paraque uma avaliao mais completa e fidedigna seja efeti-vada, prope a associao de mtodos qualitativos, comodiscusses com os profissionais em grupos, permitindoque eles falem sobre o seu trabalho e vivncias. Conside-ra, portanto, que a anlise a partir da narrativa do traba-lhador avana no aprofundamento sobre as formas como

    este contextualiza e ressignifica o seu processo de subjeti-vao do trabalho

    A recorrncia de alguns temas durante a apresentaodos resultados e sua discusso evidencia o peso da organi-zao do trabalho na sade deste trabalhador: cobrana,ritmo, presso. Torna-se clara, ento, a permanncia deuma marca taylorista nos atuais moldes de administraoe gesto do trabalho.

    O enfrentamento destas determinaes envolve a ne-cessidade de ampliar a participao do coletivo de traba-lhadores, organizados por meio de suas representaes sin-dicais e profissionais, e tambm no prprio ambiente detrabalho, pelo desenvolvimento de processos de debate enegociao pactuada entre trabalhadores e gestores, emfavor da ruptura com os moldes autoritrios de gesto dotrabalho.

    Por fim, ressalta-se, a partir dos achados deste estudo,a importncia de incorporar, no mbito das aes em sa-de do trabalhador, de mediaes educativas crticas eproblematizadoras da realidade do mundo do trabalho, nosprocesso de educao permanente dos trabalhadores desade.

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    Correspondncia: Juliana Faria CamposRua Barata Ribeiro, 153 - Apto. 1004 - CopacabanaCEP 22010-001 - Rio de Janeiro, RJ, Brasil