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1 as Jornadas de Hidráulica Recursos Hídricos e Ambiente [2006], FEUP, ISBN xxxxxx 17 AVALIAÇÃO DE RISCOS MODELOS DE PREVISÃO DA EVOLUÇÃO DA CONFIGURAÇÃO COSTEIRA Risk Evaluation. Predictive Models of Coastal Configuration Evolution C. COELHO (1) , R. SILVA (2) F. VELOSO GOMES (3) e F. TAVEIRA PINTO (4) (1) Prof., Departamento de Engenharia Civil, Universidade de Aveiro, Campus Universitário de Santiago, 3810-193 Aveiro, [email protected] (2) Licenciada, Instituto de Hidráulica e Recursos Hídricos, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Rua Dr. Roberto Frias, 4200-465 Porto, [email protected] (3) Prof., Instituto de Hidráulica e Recursos Hídricos, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Rua Dr. Roberto Frias, 4200-465 Porto, [email protected] (3) Prof., Instituto de Hidráulica e Recursos Hídricos, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Rua Dr. Roberto Frias, 4200-465 Porto, [email protected] Resumo Dada a importância da zona costeira, com elevados e diversificados interesses económicos e sociais, torna-se cada vez mais importante dotar as entidades decisoras de ferramentas que lhes permitam, mediante determinados cenários, avaliar a sua evolução morfológica e o impacto das medidas tomadas a nível do ordenamento e gestão do litoral. Esta gestão sustentada passa pela capacidade de previsão da evolução morfológica a médio e longo termo. Contudo, a simulação da morfodinâmica costeira é difícil, dado o elevado número e a complexidade dos processos envolvidos e da sua interacção e a escassez de dados que a caracterizem. A modelação numérica assume um papel preponderante, existindo várias abordagens ao problema, com diferentes simplificações da física do sistema. Apresenta-se o modelo LTC (Coelho, 2005) em desenvolvimento, que pode ser utilizado na simulação a médio e longo termo da evolução da configuração costeira, com base em diferentes cenários naturais e antropogénicos, para análise da vulnerabilidade e de situações de risco relativas às acções do mar, apoio aos Planos de Ordenamento da Orla Costeira e escolha de soluções de engenharia para controlo da erosão. Palavras Chave: Erosão Costeira, Avaliação de cenários, Perfis de praia, Modelação numérica. Abstract With increasingly more population living in the littoral it is expected that natural hazards will have increasingly higher impacts. Hence, to predict coastal erosion and flooding with its consequent social, economic and environmental negative impacts it is essential to accurately characterize coastal evolution trends, as well as to plan coastal defense interventions to protect assets at risk. The ability to forecast medium and long-term evolution of a sandy beach coastline is a challenge due to the complexity of the processes involved and to the lack of data to characterize them. Numerical models assume a leading role. There are already several approaches, making different approximations of the physics of the problem. In this paper, the numerical model LTC (Coelho, 2005), which is being developed, will be presented. This software is a tool that simulates medium to long-term coastal configuration evolution, based in the evaluation of natural and anthropogenic scenarios, allowing vulnerability and risk analysis, support to management plans and test of several engineering solutions, in order to select the best one to face a specific coastal erosion problem. Keywords: Coastal erosion, Evaluation of scenarios, Beach profile change, Numerical modeling. 1. Introdução A gestão sustentada da zona costeira passa pela capacidade de previsão da sua evolução morfológica a médio e longo termo. As alterações climáticas, que integram uma subida generalizada do nível médio da água do mar, uma possível alteração nas frequências dos rumos, períodos e alturas de onda, e ainda uma alteração no regime de temporais, resultam num risco acrescido de erosão e inundação nesta zona de interface terra – mar. Dada a importância da zona costeira, com interesses económicos e sociais elevados e diversificados, torna-se cada vez mais importante dotar as entidades decisoras de ferramentas que lhes permitam, mediante determinados cenários, avaliar a evolução e o impacto das medidas tomadas a nível do ordenamento e gestão do litoral. Neste artigo, serão apresentadas duas abordagens distintas que podem ser complementares na análise dos problemas costeiros e no planeamento de acções.

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1as Jornadas de Hidráulica Recursos Hídricos e Ambiente [2006], FEUP, ISBN xxxxxx

17

AVALIAÇÃO DE RISCOS MODELOS DE PREVISÃO DA EVOLUÇÃO DA CONFIGURAÇÃO COSTEIRA

Risk Evaluation. Predictive Models of Coastal Configuration Evolution

C. COELHO (1), R. SILVA (2) F. VELOSO GOMES (3) e F. TAVEIRA PINTO (4) (1) Prof., Departamento de Engenharia Civil, Universidade de Aveiro,

Campus Universitário de Santiago, 3810-193 Aveiro, [email protected] (2) Licenciada, Instituto de Hidráulica e Recursos Hídricos, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto,

Rua Dr. Roberto Frias, 4200-465 Porto, [email protected] (3) Prof., Instituto de Hidráulica e Recursos Hídricos, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto,

Rua Dr. Roberto Frias, 4200-465 Porto, [email protected] (3) Prof., Instituto de Hidráulica e Recursos Hídricos, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto,

Rua Dr. Roberto Frias, 4200-465 Porto, [email protected]

Resumo

Dada a importância da zona costeira, com elevados e diversificados interesses económicos e sociais, torna-se cada vez mais importante dotar as entidades decisoras de ferramentas que lhes permitam, mediante determinados cenários, avaliar a sua evolução morfológica e o impacto das medidas tomadas a nível do ordenamento e gestão do litoral. Esta gestão sustentada passa pela capacidade de previsão da evolução morfológica a médio e longo termo. Contudo, a simulação da morfodinâmica costeira é difícil, dado o elevado número e a complexidade dos processos envolvidos e da sua interacção e a escassez de dados que a caracterizem. A modelação numérica assume um papel preponderante, existindo várias abordagens ao problema, com diferentes simplificações da física do sistema. Apresenta-se o modelo LTC (Coelho, 2005) em desenvolvimento, que pode ser utilizado na simulação a médio e longo termo da evolução da configuração costeira, com base em diferentes cenários naturais e antropogénicos, para análise da vulnerabilidade e de situações de risco relativas às acções do mar, apoio aos Planos de Ordenamento da Orla Costeira e escolha de soluções de engenharia para controlo da erosão.

Palavras Chave: Erosão Costeira, Avaliação de cenários, Perfis de praia, Modelação numérica.

Abstract

With increasingly more population living in the littoral it is expected that natural hazards will have increasingly higher impacts. Hence, to predict coastal erosion and flooding with its consequent social, economic and environmental negative impacts it is essential to accurately characterize coastal evolution trends, as well as to plan coastal defense interventions to protect assets at risk. The ability to forecast medium and long-term evolution of a sandy beach coastline is a challenge due to the complexity of the processes involved and to the lack of data to characterize them. Numerical models assume a leading role. There are already several approaches, making different approximations of the physics of the problem. In this paper, the numerical model LTC (Coelho, 2005), which is being developed, will be presented. This software is a tool that simulates medium to long-term coastal configuration evolution, based in the evaluation of natural and anthropogenic scenarios, allowing vulnerability and risk analysis, support to management plans and test of several engineering solutions, in order to select the best one to face a specific coastal erosion problem.

Keywords: Coastal erosion, Evaluation of scenarios, Beach profile change, Numerical modeling.

1. Introdução

A gestão sustentada da zona costeira passa pela capacidade de previsão da sua evolução morfológica a médio e longo termo. As alterações climáticas, que integram uma subida generalizada do nível médio da água do mar, uma possível alteração nas frequências dos rumos, períodos e alturas de onda, e ainda uma alteração no regime de temporais, resultam num risco acrescido de erosão e inundação nesta zona de interface terra – mar.

Dada a importância da zona costeira, com interesses económicos e sociais elevados e diversificados, torna-se cada vez mais importante dotar as entidades decisoras de ferramentas que lhes permitam, mediante determinados cenários, avaliar a evolução e o impacto das medidas tomadas a nível do ordenamento e gestão do litoral.

Neste artigo, serão apresentadas duas abordagens distintas que podem ser complementares na análise dos problemas costeiros e no planeamento de acções.

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C. Coelho, R. Silva, F. Veloso Gomes e F. Taveira Pinto

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Por um lado, a classificação das zonas costeiras, em termos de vulnerabilidade e risco, que permite uma delimitação de zonas críticas, o que pode ser importante quando se pretendem estabelecer prioridades de actuação. Por outro lado, a capacidade de previsão da evolução a médio e longo termo da morfologia costeira, que é fundamental na avaliação dos impactos das medidas tomadas ou em perspectiva. Todavia, a previsão a médio e longo termo da configuração costeira é difícil, dado o elevado número e a complexidade dos processos envolvidos e da sua interacção e a escassez de dados que a caracterizem.

A modelação numérica assume um papel preponderante na simulação da evolução da morfologia costeira.

Contudo, a descrição numérica de processos complexos, e por vezes ainda não adequadamente compreendidos, é também bastante difícil. Foram já desenvolvidos diversos modelos numéricos, com diferentes simplificações da física, o que resulta em diferentes capacidades/limitações e requisitos de dados, mas são em geral de difícil calibração e validação. Neste artigo será descrito um procedimento de classificação espacial da vulnerabilidade, baseada na sensibilidade do litoral à acção energética do mar, que permite a delimitação de áreas críticas (Coelho et al., 2006a). Numa primeira abordagem são criados mapas de vulnerabilidade com base em dados relativamente recentes. Será também apresentado o modelo numérico LTC (Coelho, 2005) em desenvolvimento, de simulação a médio e longo termo da evolução da configuração costeira. Este modelo pode ser utilizado para previsões de médio e longo termo da evolução costeira (Coelho et al., 2006b) mediante diferentes cenários naturais e antropogénicos (Coelho et al., 2006c), na análise de situações de risco e vulnerabilidades às acções do mar, no apoio aos Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) e na escolha de soluções de engenharia para controlo da erosão.

2. Análise da Vulnerabilidade e do Risco

A análise da vulnerabilidade da zona costeira às acções energéticas do mar é essencial em termos de ordenamento litoral, e é sob esta perspectiva que foi criado um procedimento para a sua quantificação. Convém, contudo, distinguir os conceitos de vulnerabilidade e de risco. A vulnerabilidade pode ser entendida como o grau de sensibilidade das zonas costeiras à acção energética do mar; enquanto o risco representa o grau de perda associado a um determinado fenómeno natural, podendo ser visto como o produto da probabilidade de ocorrência desse fenómeno, pela vulnerabilidade a esse fenómeno, e pelo número de elementos em risco.

As frentes urbanas e as infra-estruturas localizadas em zonas costeiras muito vulneráveis às acções energéticas do

No entanto, é possível identificar orlas costeiras com um elevado índice de vulnerabilidade às acções energéticas do mar, mas sem grandes riscos de exposição por inexistência de ocupação humana ou valores económicos, ambientais ou de património edificado.

Uma classificação da vulnerabilidade para efeitos de delimitação de áreas críticas e ordenamento do território deverá ser feita com ponderação de numerosos factores. Para tal, é necessário conhecer a dinâmica litoral e os processos envolvidos. Para além de fenómenos extremos e de curta duração, existe na zona costeira uma dinâmica natural, frequentemente intensificada ou antecipada através de acções antropogénicas, que entra em conflito com as actividades e ocupações humanas. Como resultado dessa dinâmica existe actualmente, em muitas zonas costeiras, uma situação generalizada de erosão ou de recuo da linha de costa, com valores preocupantes a médio e longo termo. Desta forma, o estudo da vulnerabilidade à acção energética do mar requer uma abordagem multidisciplinar e informação adequada, em qualidade e quantidade. A generalidade dos parâmetros de vulnerabilidade que se apresentam neste trabalho, pretendem representar diversos factores ambientais e antropogénicos.

2.1. Parâmetros de Vulnerabilidade

A análise conjunta de todos os parâmetros de vulnerabilidade é complexa. Por este motivo foram seleccionados nove parâmetros de vulnerabilidade e classificados individualmente, com base em critérios definidos para cada um. A escala de classificação da vulnerabilidade varia entre 1 (muito baixa) e 5 (muito alta).

No Quadro 1 apresenta-se uma proposta de classificação de cinco dos nove parâmetros seleccionados para análise, que podem ser classificados com base em critérios quantificáveis. A cota topográfica (CT) é um dos parâmetros de vulnerabilidade mais relevantes, uma vez que estabelece a distinção entre zonas costeiras planas e zonas costeiras com grande declive.

A distância à linha de costa (DC) tem também uma grande importância, em particular, a distância das frentes urbanas à linha de costa; obviamente a vulnerabilidade aumenta com a proximidade à zona de interacção com o mar.

A taxa histórica de erosão/acreção (EA) é um indicador da dinâmica costeira ao longo do tempo; naturalmente, uma costa em acreção será menos vulnerável do que uma costa em erosão.

Quadro 1. Classificação de vulnerabilidade dos parâmetros seleccionados quantificáveis.

MUITO BAIXA

1 BAIXA 2

MODERADA 3

ALTA 4

MUITO ALTA 5

CT - COTA TOPOGRÁFICA (ZH, m) CT > 30 20 < CT ≤ 30 10 < CT ≤ 20 5 < CT ≤ 10 CT ≤ 5

DC - DISTÂNCIA À LINHA DE COSTA (m) DC > 1000 200 < DC ≤ 1000 50 < DC ≤ 200 20 < DC ≤ 50 DC ≤ 20

AM - MÁXIMA AMPLITUDE DE MARÉ (m) AM < 1.0 1.0 ≤ AM < 2.0 2.0 ≤ AM < 4.0 4.0 ≤ AM < 6.0 AM > 6.0

AO - MÁXIMA ALTURA DE ONDA SIGNIFICATIVA (m) AO < 3.0 3.0 ≤ AO < 5.0 5.0 ≤ AO < 6.0 6.0 ≤ AO < 6.9 AO ≥ 6.9

EA - TAXA MÉDIA DE EROSÃO/ACREÇÃO (m/ANO) EA > 0 acreção -1 < EA ≤ 0 -3 < EA ≤ -1 -5 < EA ≤ -3 ≤ -5 erosão

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Avaliação de Riscos Modelos de Previsão da Evolução da Configuração Costeira

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Quadro 2. Classificação de vulnerabilidade de parâmetros segundo critérios qualitativos.

MUITO BAIXA

1 BAIXA

2 MODERADA

3 ALTA

4 MUITO ALTA

5 GL - GEOLOGIA

Rochas magmáticas

Rochas metamórficas

Rochas sedimentares

Rochas sedimentares

Pequenos sedimentos não consolidados

GM - GEOMORFOLOGIA Montanhas Arribas rochosas

Arribas erodíveis, praias abrigadas

Praias expostas, planícies

Dunas, restingas, estuários, etc

RS - REVESTIMENTO DO SOLO

Floresta Vegetação rasteira, solo cultivado

Solo não revestido Urbanizado rural Urbanizado ou industrial

AA - ACÇÕES ANTROPOGÉNICAS

Intervenções de manutenção da posição

Intervenções sem redução nas fontes sedimentares

Intervenções com redução nas fontes sedimentares

Sem intervenções e sem redução nas fontes sedimentares

Sem intervenções com redução nas fontes sedimentares

Os restantes quatro parâmetros de vulnerabilidade considerados dizem respeitos às características naturais da região costeira e ao seu estado de intervenção humana, Quadro 2. As cartas geológicas (GL) permitem avaliar a natureza das rochas e dos sedimentos que constituem a região costeira, e fazer uma classificação baseada no comportamento desses materiais quando sujeitos à acção do mar. Por exemplo, as rochas magmáticas ou eruptivas são rochas de elevada dureza e por isso pouco vulneráveis, ao contrário dos sedimentos não consolidados de pequenas dimensões. A geomorfologia (GM) permite a distinção entre a menor vulnerabilidade de zonas costeiras montanhosas, quando comparadas com praias ou dunas. O revestimento do solo (RS) não costuma ser utilizado nas classificações de vulnerabilidade. No entanto, são de esperar diferentes comportamentos morfológicos, tratando-se de uma orla costeira revestida de vegetação, pavimentada ou sem qualquer tipo de revestimento. Considera-se que quanto maior for o nível de alteração do estado natural de revestimento de um solo, maior poderá ser a sua vulnerabilidade. No seu estado natural e permeável, um solo mais revestido poderá ser menos vulnerável. As acções antropogénicas (AA) sobre a orla costeira influenciam a dinâmica natural e têm muitas vezes impactos no sistema de transporte litoral dos sedimentos. Algumas intervenções, de estabilização da linha de costa, têm precisamente o intuito de reduzir a vulnerabilidade costeira, como por exemplo a alimentação artificial de praias, obras longitudinais aderentes, esporões. Contudo, muitas intervenções causam um agravamento da erosão costeira e um aumento da vulnerabilidade às acções do mar, por redução das fontes sedimentares ou por alteração ao sistema de transporte sedimentar litoral. Por exemplo, a construção de quebramares em portos, dragagens em canais de navegação e a urbanização de zonas dinâmicas com destruição de dunas. Assumindo que a costa se encontra em situação de erosão, que as intervenções existentes correspondem a obras de estabilização da linha de costa, e que estão a funcionar de forma eficiente, as zonas intervencionadas serão menos vulneráveis do que as zonas ainda não intervencionadas.

2.2. Análise de Vulnerabilidade do sector costeiro de Aveiro

O procedimento de análise de vulnerabilidade de uma dada região costeira à acção do mar será ilustrado através da sua aplicação à região costeira de Aveiro, Figura 1.

Espinho

Ovar Murtosa Aveiro Ílhavo Vagos

Espinho Norte

Bairro de Pescadores de Espinho Aglomerado de Paramos Espinho Marginal

Marginal do Furadouro

Barrinha de Esmoriz Avenida da Praia de Cortegaça Floresta de Maceda

Praia da Torreira Dunas de S. Jacinto

Marginal da Costa Nova Farol da Barra Praia do Areão

N

PORTUGAL

Parque da Vagueira

Figura 1. Região costeira de Aveiro (adaptado de Coelho et al. (2006a)).

2.2.1 Matriz de Vulnerabilidade

Para a região costeira em análise é criada uma matriz de vulnerabilidade, com base na classificação espacial dos parâmetros já descritos no ponto anterior, Quadro 3. Os nove parâmetros foram seleccionados pela sua relevância na análise da vulnerabilidade à acção do mar, e por serem classificáveis, ainda que, alguns deles, apenas de uma forma qualitativa.

O clima de agitação marítima da costa noroeste de Portugal pode ser considerado como bastante energético, pelo que, salvo raras excepções, correspondentes a regiões abrigadas (e.g. Farol da Barra) o parâmetro relativo à altura de onda (AO) é classificado com o valor máximo da escala. As taxas de erosão/acreção (EA) são bastante variáveis ao longo do troço costeiro em análise, uma vez que dependem de vários factores, como a existência de obras de protecção que condicionem o transporte longitudinal, a orientação da linha de costa, a dinâmica dos estuários, etc. Trata-se de um dos parâmetros de mais difícil classificação, que só pode ser conseguida de uma forma subjectiva, usando de bom senso e com base num conhecimento profundo da região. O sector costeiro em análise corresponde essencialmente a praias arenosas. Por este motivo, os parâmetros de geologia (GL) são muito vulneráveis e os de geomorfologia (GM) têm uma classificação de 4.

2.2.2 . Índice de Vulnerabilidade

A partir da matriz de vulnerabilidade é estimada a distribuição espacial de um índice global representativo. A importância relativa de cada um dos parâmetros de vulnerabilidade não é a mesma, pelo que na definição de um índice global, a sua classificação deve ser ponderada.

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Carlos Coelho, Raquel Silva, Fernando Veloso Gomes e Francisco Taveira Pinto

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Quadro 3. Matriz de vulnerabilidade para a região costeira de Aveiro.

PARÂMETROS DE VULNERABILIDADE CT DC AM AO EA GL GM GC AA

ESPINHO NORTE 4 3 3 5 2 5 4 2 1

ESPINHO MARGINAL 5 4 3 5 2 5 4 5 2

AGLOMERADO DE PARAMOS 5 4 3 5 4 5 4 4 2

BAIRRO DE PESCADORES ESPINHO 5 4 3 5 4 5 4 5 2

BARRINHA DE ESMORIZ 5 3 3 5 4 5 4 3 2

AV. DA PRAIA DE CORTEGAÇA 5 5 3 5 5 5 4 5 2

FLORESTA DE MACEDA 5 5 3 5 5 5 4 1 5

MARGINAL DO FURADOURO 5 5 3 5 4 5 4 5 2

PRAIA DA TORREIRA 5 5 3 5 3 5 4 5 2

DUNAS DE S. JACINTO 5 5 3 5 1 5 5 3 4

FAROL DA BARRA 5 5 3 3 2 5 5 5 2

MARGINAL DA COSTA NOVA 5 5 3 5 4 5 4 5 2

PARQUE DA VAGUEIRA 5 4 3 5 5 5 5 4 5

PRAIA DO AREÃO 5 5 3 5 4 5 4 3 2

Esta ponderação é difícil, uma vez que a importância de cada parâmetro é variável de região para região. Assim, foi feita uma análise de sensibilidade a três critérios de ponderação, por aplicação da metodologia de análise a uma região costeira mais extensa do que a aqui representada, tendo-se chegado à conclusão, que a incerteza na classificação dos parâmetros individuais, pode ser mais importante do que o critério de ponderação (Coelho et al., 2006a).

Quadro 4. Índice global de vulnerabilidade por região.

VULNERABILIDADE

ESPINHO NORTE 3.2 Moderada

ESPINHO MARGINAL 3.9 Elevada

AGLOMERADO DE PARAMOS 4.0 Elevada

BAIRRO DE PESCADORES ESPINHO 4.1 Elevada

BARRINHA DE ESMORIZ 3.8 Elevada

AV. DA PRAIA DE CORTEGAÇA 4.3 Elevada

FLORESTA DE MACEDA 4.2 Elevada

MARGINAL DO FURADOURO 4.2 Elevada

PRAIA DA TORREIRA 4.1 Elevada

DUNAS DE S. JACINTO 4.0 Elevada

FAROL DA BARRA 3.9 Elevada

MARGINAL DA COSTA NOVA 4.2 Elevada

PARQUE DA VAGUEIRA 4.6 Muito Elevada

PRAIA DO AREÃO 4.0 Elevada

No Quadro 4 apresenta-se o resultado encontrado para o índice global de vulnerabilidade por região de análise, usando a média aritmética da classificação dos parâmetros de vulnerabilidade.

2.2.3 . Mapas de Vulnerabilidade

Com o objectivo de criar uma ferramenta que permita uma visualização rápida e intuitiva, e uma categorização da zona costeira em função da vulnerabilidade, foram criados mapas de vulnerabilidade (www.vulnerabilidades.no.sapo.pt).

Espinho

Ovar

Murtosa

Aveiro

Ílhavo

Vagos

Espinho

Ovar

Murtosa

Aveiro

Ílhavo

Vagos

Vulnerabilidade

Muito baixaBaixaMédiaElevadaMuito elevada

Distância à Linha de Costa Cota Topográfica

N

0 10000 m

Figura 2. Mapas de vulnerabilidade dos parâmetros DC e CT para a região costeira de Aveiro.

Na Figura 2 apresentam-se dois mapas exemplificativos desta representação cartográfica da vulnerabilidade para dois parâmetros, a distância à linha de costa, DC, e a elevação topográfica, CT, para a região costeira de Aveiro.

2.3. Conclusões

A metodologia apresentada permite que de uma forma intuitiva se delimitem zonas criticas de vulnerabilidade, por visualização dos mapas. Na área de estudo considerada o Parque Aquático da Vagueira foi considerado o local mais vulnerável, logo seguido da Avenida da Praia de Cortegaça.

3. O Modelo Costeiro LTC (Long Term Configuration)

A previsão a médio e longo termo da evolução da morfologia costeira é extremamente difícil, devido ao grande número de processos envolvidos, à sua interacção, e à escassez de dados para a sua caracterização.

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Avaliação de Riscos Modelos de Previsão da Evolução da Configuração Costeira

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Foram já feitas diversas abordagens ao problema, com diferentes aproximações da física do sistema, que resultaram em vários tipos de modelos de previsão da evolução da configuração costeira.

Neste artigo é apresentado o modelo LTC (Coelho, 2005), que combina um modelo de evolução de linha de costa simples de 1-linha, com um modelo de evolução de perfil. Considerando que cada onda actua durante um determinado período de tempo, o volume de sedimentos (erosão/acreção) resultante do balanço sedimentar, estimado através da equação da continuidade, pelo modelo de 1-linha é distribuída pelo perfil activo de praia segundo regras predeterminadas.

O desenvolvimento do modelo numérico veio mostrar que ainda existem muitas barreiras e uma grande incerteza, associadas à consolidação de um modelo numérico prático e robusto, especialmente devido ao nível do conhecimento da evolução a médio e longo termo do perfil de praia. A sua melhoria passa pelo teste de diversas formulações dos processos físicos envolvidos, nomeadamente da evolução do perfil activo e da distribuição sedimentar transversal. Para tal, recorre-se à aplicação do modelo a casos genéricos e a casos de estudo, situações reais para as quais existem dados de campo, de que serão apresentados alguns resultados. Pretende-se também a curto prazo melhorar o estudo da evolução do perfil de praia através da modelação física.

O modelo foi concebido para aplicação a praias arenosas, onde o processo que controla a evolução da linha de costa é o transporte longitudinal de sedimentos, que depende das condições de agitação marítima, do nível de água do mar, da existência de fontes/sumidouros de sedimentos, das características sedimentares da praia, das estruturas existentes e das condições fronteira. O conhecimento da topografia inicial do sector costeiro em estudo é também necessário, havendo uma actualização de cotas no decurso da simulação numérica. O modelo pode simular a evolução costeira para áreas de algumas dezenas de quilómetros e períodos de tempo de algumas décadas.

3.1. Formulação do modelo

O modelo assume que cada onda actua durante um determinado período de tempo, o passo de tempo computacional, ∆t. A transformação da onda por refracção, difracção e empolamento, é modelada de uma forma simplificada, sendo no entanto possível importar as condições da onda na rebentação de modelos de ondas mais complexos. A variação da linha de costa é devida aos gradientes do transporte longitudinal entre células computacionais adjacentes, tal como acontece num modelo clássico de 1-linha, Figura 3.

O balanço dos volumes de areia em transporte é feito através da equação da continuidade, Eq. [1]:

dtqy

Q

y

V

∂∂=

∂∂

[1]

y

x

dc

costa

mar

Q t

(Q+ Q/ y. y) t

q0 y t

qs y t

xy

Figura 3. Esquema de definição de um modelo de 1-linha (adaptado de Horikawa and Isobe (2005)).

A variação de volume, ∆V, durante o intervalo de tempo, ∆t, num comprimento infinitesimal da linha de costa, ∆y, é igual à variação dos sedimentos em transporte ao longo desse comprimento, ∆Q, somado ou subtraído de eventuais fontes ou sumidouros externos de sedimentos, Qext, Eq. [2]:

( ) tQQV ext ∆−∆=∆ [2]

Esta variação de volume representa uma alteração de cotas, ∆z, para os pontos do perfil activo de praia, Eq. [3]:

yLPA

Vz

∆∆=∆ [3]

Em que LPA representa a largura do perfil activo, que corresponde à distância transversal, compreendida entre a o limite de espraiamento e a profundidade de fecho.

Assim, a erosão/acreção é uniformemente distribuída pelo perfil activo de praia, i.e., a parte do perfil de praia onde há variação significativa de cotas por acção das ondas ao longo do tempo.

Junto à profundidade de fecho, numa situação de acreção, é o ângulo de repouso que controla a distribuição sedimentar e em situação de erosão o utilizador pode definir uma inclinação mínima para o fundo.

Junto ao limite de espraiamento, o ângulo de repouso controla a distribuição da erosão enquanto a acreção é constrangida por uma inclinação da praia emersa mínima, definida pelo utilizador.

Esta técnica permite que o utilizador teste os diversos parâmetros de controlo da distribuição sedimentar ao longo do perfil activo, o que pode ser bastante útil quando a evolução da forma do perfil no tempo não é conhecida.

ext

sQyq

qqq=∆

+= 0

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C. Coelho, R. Silva, F. Veloso Gomes e F. Taveira Pinto

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Quadro 5. Opções de cálculo do modelo LTC.

Maré astronómica

Nível médio fixo Nível médio variável

Maré meteorológica

Maré fixa Maré aleatória num intervalo Maré aleatória num intervalo, relacionado com a altura das ondas

NÍVEL DO MAR

Subida do nível médio da água do mar Constante Variável a uma taxa anual

AGITAÇÃO MARÍTIMA Onda regular Clima de ondas anual Clima de ondas gerado aleatoriamente

Critério de rebentação

Critério de rebentação de acordo com a profundidade

PROPAGAÇÃO DA ONDA Difracção

Coelho, 2005 Kraus, 1984

PROFUNDIDADE DE FECHO

Hallermeier, 1978 Birkemeier, 1985

LIMITE DE RUN-UP Ruggiero et al., 1997

TRANSPORTE POTENCIAL

CERC, 1984 Kamphuis, 1991

2. Opções do modelo

A resolução do problema, apresentado através das Eq. [1], Eq. [2] e Eq. [3], passa pelo cálculo do transporte longitudinal de sedimentos, Q, do limite de espraiamento e da profundidade de fecho. O transporte longitudinal de sedimentos depende essencialmente das condições da agitação marítima na rebentação. Como se admite que cada onda actua durante um determinado passo temporal, as características da onda na rebentação dependem das condições ao largo, da batimetria e do nível do mar. O modelo tem várias opções para a determinação destas grandezas, Quadro 5.

Dada a importância das condições fronteira nas simulações do modelo, existem várias opções para as fronteiras abertas: entrada/saída de volumes constantes do domínio de cálculo, variação de volume constante nas secções fronteira e extrapolação das condições das secções vizinhas.

As estruturas de defesa costeira, como os esporões e as obras longitudinais aderentes, bem como as intervenções humanas, como a alimentação artificial de praias e as fontes/sumidouros de sedimentos, rios ou canhões submarinos, podem também ser consideradas pelo modelo.

Na Figura 4 encontram-se representados alguns resultados de testes genéricos do modelo LTC, sob acção de uma onda constante, com uma altura significativa de 2 m, proveniente de um rumo de 80º com o Norte, e um período correspondente de 9 s.

O nível médio da água do mar foi considerado fixo, com o valor de +2 m (ZH).

A grelha batimétrica consiste de uma malha regular de 8 x 20 km2, com um perfil transversal correspondente ao perfil de equilíbrio de Dean (1991) na parte submersa e um perfil linear com um declive de 3% na parte emersa.

±

0 21km

800 m

800 m

400 m

Figura 4. Testes genéricos do LTC (-- linha de costa inicial; ▬ linha de costa final). Da esquerda para a direita: situação de referência, fonte aluvionar, alimentação artificial (20 milhões m3/1000h), campo de esporões (200 m de comprimento), obras longitudinais aderentes.

Para o cálculo das taxas de transporte longitudinal usou-se a fórmula CERC (1984), e a fórmula de Hallermeier (1978) para a estimativa da profundidade de fecho. Junto às fronteiras norte e sul do domínio de cálculo, não foi permitida entrada nem saída de sedimentos. Foram realizadas simulações para um período de 10 anos.

3.3. Aplicações em curso

A costa noroeste portuguesa é uma costa essencialmente arenosa, aproximadamente orientada a N21ºE. É um sector costeiro com agitação marítima bastante energética, com um regime de ondas proveniente tipicamente de noroeste, e caracterizado por uma altura de onda significativa média de 2 m e um período médio de 12 s.

Z (m) (CD)

" -20 - -10

" -9 - -5

" -4 - -2

" -1 - 0

" 1 - 2

" 3 - 5

" 6 - 10

" 11 - 20

" 21 - 60

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Os temporais ocorrem especialmente no Inverno, provenientes de noroeste, com alturas de onda ao largo que facilmente podem chegar aos 8 m, persistindo até cinco dias.

O regime de maré é semidiurno, com uma amplitude de maré que varia entre 2 e 4 m em marés vivas. O transporte longilitoral é principalmente devido às ondas, de norte para sul, com uma intensidade de cerca de 1-2 milhões m3/ano. Os sedimentos necessários para saturar a capacidade de transporte das ondas são provenientes de duas fontes: o Rio Douro e a erosão costeira.

Em regime natural o Rio Douro debitaria cerca de 1.8 milhões m3/ano (valor muito dependente das condições de cheia anuais), mas esta taxa tem vindo a diminuir, mostrando actualmente uma tendência de cessação, e, como consequência, tem-se verificado um aumento da erosão costeira.

A redução do fornecimento sedimentar tem sido na costa noroeste de Portugal a principal causa de erosão. Esta redução deve-se à extracção de areia e à construção de barragens (em Portugal e Espanha), com a consequente alteração do regime hidrológico e da retenção sedimentar.

As intervenções exteriores nos portos tendem a agravar esta situação, em particular a extracção de areias das praias a barlamar, feita no passado, e as dragagens dos canais de navegação sem reposição a sotamar.

O modelo LTC foi já aplicado a regiões da costa noroeste portuguesa, nomeadamente às regiões costeiras de Aveiro e da Figueira da Foz (Coelho et al., 2006b) Figura 5.

As aplicações do modelo foram feitas usando um clima de ondas típico para a costa noroeste portuguesa, estimado a partir de observações da bóia ondógrafo de Leixões (Instituto Hidrográfico), para o período compreendido entre 1981 e 2003.

Para o cálculo das taxas de transporte longitudinal usou-se a fórmula CERC, e a fórmula de Hallermeier para a estimativa da profundidade de fecho.

3.3.1 Aplicação ao sector costeiro de Aveiro

As costas mais dinâmicas e também mais vulneráveis à acção do mar são as arenosas de baixas cotas, como as que existem por exemplo ao longo de praias e restingas.

O sector costeiro de Aveiro é uma planície de topografia uniforme, dominada pelo sistema lagunar de Aveiro, o maior português. Este tipo de morfologia está normalmente associada a uma elevada deposição sedimentar.

Os rios são as principais fontes sedimentares, transportando grandes quantidades de sedimentos, especialmente em época de cheias.

Devido à sua natureza morfodinâmica e sedimentar, a linha de costa nesta região tem sofrido grandes variações ao longo do tempo.

Os dados históricos evidenciam a ocorrência de vários avanços e recuos (depósitos sedimentares, sistemas dunares), sendo este equilíbrio dinâmico mantido, nos últimos tempos, artificialmente, através de diversas intervenções costeiras.

Figura 5. Costa noroeste portuguesa com classificação de praias (adaptada de Veloso-Gomes et al. (2006)) e indicação das áreas de aplicação do modelo LTC.

Com o intuito de melhor compreender a dinâmica deste sector e ter uma ideia da sua evolução futura, foi aplicado o modelo LTC.

A aplicação do modelo foi antecedida de diversos testes numéricos de calibração. A topo-hidrografia da área de cálculo (40 000x34 500 m2) foi gerada por cruzamento de dados de uma carta náutica (resultante de uma compilação de levantamentos hidrográficos realizados entre 1978 e 1995 (IH, 2000)) com uma campanha aérea de levantamento topográfico (IGP, 1998).

Os resultados da simulação foram representados sobre ortofotomapas (CNIG, 1995), Figura 6. Junto às fronteiras norte e sul do domínio de cálculo, as taxas de transporte longitudinal foram extrapoladas a partir das condições nas secções adjacentes. Foram realizadas simulações para um período de 25 anos.

Esta representação permite a identificação das áreas mais susceptíveis e das zonas onde são de temer rupturas da restinga.

Uma das situações críticas ocorre entre os esporões nº. 1 e nº. 2 da Costa Nova. A região a norte da Vagueira, protegida por um esporão e por obras longitudinais aderentes, é já um pequeno cabo mantido artificialmente. A sul desta região outros problemas são esperados nos próximos 20 anos.

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C. Coelho, R. Silva, F. Veloso Gomes e F. Taveira Pinto

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Figura 6. Cenário de evolução da linha de costa num sector costeiro da região de Aveiro, num horizonte de 25 anos, representado sobre um ortofotomapa.

3.3.2 Aplicação ao sector costeiro da Figueira da Foz

O sector costeiro da Figueira da Foz encontra-se limitado a norte pelo Cabo Mondego, uma arriba cuja base é uma planície com afloramentos rochosos que se estende para o mar. A sul deste cabo a costa inflecte para sudeste e, a seguir à praia de Buarcos, vai recuperando a orientação típica da costa noroeste portuguesa, cerca de 4 km a sul do estuário do Rio Mondego. A construção dos quebramares do porto da Figueira da Foz terá causado uma grande retenção sedimentar e acumulação na praia da Figueira da Foz, que atingiu larguras entre 200 e 500 m, aumentando de norte para sul.

O troço compreendido entre o estuário do Rio Mondego e a praia da Leirosa corresponde a uma praia arenosa extensa. Junto ao Cabo Mondego os sedimentos são grosseiros, com alguns depósitos de gravilha, condicionados pelos afloramentos rochosos, enquanto para sul se encontram areias médias, essencialmente compostas de grãos de quartzo, e na praia submersa se verificam sedimentos finos a muito finos.

Este sector costeiro foi já submetido a algumas intervenções antropogénicas nas últimas décadas (Cunha et al., 1997): na década de 60 a construção dos quebramares do porto e as obras de regularização do rio, que causaram taxas de recuo elevadas a sul; na década de 70, após episódios de intensa erosão, agravados por um grande temporal em 1978, foram construídas, a sul, várias obras de defesa, nomeadamente 7 esporões e obras longitudinais aderentes.

O modelo LTC foi aplicado a esta região, após a realização de diversos testes numéricos de calibração. A topo-hidrografia da área de cálculo (20 000x17 500 m2) foi gerada por cruzamento de dados de uma carta náutica (resultante de uma compilação de levantamentos hidrográficos realizados entre 1978 e 1995 (IH, 2000)) com uma campanha aérea de levantamento topográfico (IGP, 1998).

Os resultados da simulação foram representados sobre ortofotomapas (CNIG, 1995), Figura 7.

Junto à fronteira norte admitiu-se que a taxa de variação da linha de costa era nula e na fronteira sul do domínio de cálculo, a taxa de transporte longitudinal foi extrapolada a partir das condições nas secções adjacentes. Realizaram-se simulações para um período de 10 anos.

Figura 7. Cenário de evolução da linha de costa no sector costeiro da Figueira da Foz, num horizonte de 10 anos (direita), com base nas condições actuais (esquerda), representado sobre um ortofotomapa.

A aplicação do modelo a este sector costeiro colocou algumas questões. O processo de calibração, ainda em curso, fez surgir a necessidade de estabelecimento de valores aceitáveis para alguns parâmetros de calibração. A questão da estabilidade das simulações está também a ser estudada. Contudo, os resultados encontrados reflectem a tendência erosiva a sul do porto, e a retenção e acumulação na Praia da Figueira da Foz.

4. Conclusões e Desenvolvimentos Futuros

As duas aplicações do modelo evidenciaram uma tendência erosiva, com recuo da linha de costa a sul dos portos. No caso da região costeira de Aveiro foram identificados os locais mais susceptíveis e onde são de temer rupturas da restinga. A aplicação ao sector costeiro da Figueira da Foz evidenciou a necessidade de algumas das melhorias que devem ser feitas no modelo. A simulação evidenciou também a intensa acumulação e retenção de areia na praia da Figueira da Foz, a barlamar do porto.

A validação das simulações do modelo LTC só pode ser conseguida através da monitorização e análise de situações reais. Contudo, a escassez de dados e a dificuldade em obtê-los, a complexidade da evolução real da linha de costa, dos processos envolvidos e da sua interacção fazem com que esta tarefa não seja fácil.

Costa Nova

Vagueira

Areão

Poço da Cruz

Praia de Mira

Praia da Tocha

Cabo Mondego

Rio Mondego

Figueira da Foz

Leirosa

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Entre algumas zonas da costa portuguesa para as quais existem dados hidrodinâmicos (ondas e marés) e de morfologia com datas aproximadamente coincidentes, como é o caso de Aveiro, Costa da Caparica, Figueira da Foz e Praia da Aguda, serão escolhidos casos de estudo para aplicação do modelo.

O desenvolvimento e aplicação do modelo LTC vem mostrar que existem limitações, especialmente no que diz respeito à evolução do perfil transversal de praia, inerentes ao actual nível do conhecimento neste campo. Os testes em modelo físico, usando um modelo de fundos móveis, surgem como uma possibilidade que permitirá a obtenção de dados para a verificação e o melhoramento do modelo numérico. Especial atenção será dada à evolução do perfil transversal em situação de erosão/acreção persistente, e ao estudo da influência de alguns parâmetros hidrodinâmicos e sedimentares na evolução a médio e longo termo do perfil de praia.

A eficiência e adequação de modelos numéricos de evolução da morfologia litoral deveriam ser avaliadas com vista a estabelecer linhas de orientação para a sua aplicação em problemas de engenharia. Desta análise poderia surgir o estabelecimento de gamas de valores para alguns parâmetros de calibração dos modelos, contribuindo para o aumento da confiança na sua aplicação. Os avanços numéricos, a maior robustez e a confiança técnica alcançados através da aplicação e da comparação de modelos numéricos poderia aumentar a capacidade de previsão da evolução a médio e longo termo da morfologia costeira.

A integração dos resultados da modelação física a efectuar, no modelo LTC, permitirá a obtenção de uma ferramenta de apoio à tomada de decisão para a gestão e o planeamento da zona costeira, através da realização de estudos em zonas costeiras bastante vulneráveis e em situação de risco. O modelo poderá ser de grande utilidade na discussão com as entidades gestores e utilizadores, permitindo a avaliação de diferentes cenários naturais e antropogénicos.

A solução para os problemas de erosão passa por um compromisso entre a aceitação passiva da erosão, o recurso à alimentação artificial e intervenções de protecção em frentes urbanizadas. No teste de soluções para problemas específicos de erosão, a projecção de cenários correspondentes a configurações extremas, pode ajudar na escolha da melhor solução. O modelo LTC pode ser usado na previsão da evolução futura da linha de costa a médio e longo termo, no entanto, os resultados devem ser usados com cautela e apenas como indicativos dessa evolução.

Referências

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