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NÚMERO: 10
TÍTULO: Relato de Caso - Ceratite Ulcerativa Periférica a esclarecer
AUTORES: Matheus P. Sticca1
, Renata T. Kashiwabuchi2
1Residente de oftalmologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP, São José do
Rio Preto, São Paulo, Brasil
2Professora assistente do departamento de oftalmologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio
Preto - FAMERP, São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil
INSTITUIÇÃO: FAMERP – Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/SP
Resumo
Paciente com ceratite ulcerativa periférica em olho direito e opacidade estromal periférica em olho esquerdo. Iniciado corticóide tópico, com controle do quadro, porém com recidivas frequentes, dependentes de corticóide. Após 6 meses, paciente apresentou quadro de episclerite. A investigação complementar inicial foi inconclusiva, porém novos exames complementares elucidaram tratar-se de espondilite anquilosante.
Descritores: ceratite ulcerativa periférica; tacrolimus; espondilite anquilosante.
Abstract
A patient with peripheral ulcerative keratitis in the right eye and peripheral opacity in the left
eye. Started topical corticosteroid, with control of the symptoms, but with recurrences, steroid
dependent. After 6 months, the patient presented episcleritis. The initial investigation was inconclusive,
but new exams elucitade that was ankylosing spondylitis.
Keywords: peripheral ulcerative keratitis; tacrolimus; ankylosing spondylitis.
Introdução
A ceratite ulcerativa periférica (peripheral ulcerative keratitis - PUK) caracteriza-se por
opacidade estromal e graus variáveis de vascularização e afinamento corneano em crescente
perilímbicos. Frequentemente observa-se um processo inflamatório conjuntival, episceral ou escleral
adjacente, que agrava o curso da doença, causando complicações como astigmatismo irregular e até
mesmo perfuração corneana. Tem como etiologia agentes infecciosos e doenças auto-imunes1.
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Neste relato, descrevemos um caso de PUK, avaliação laboratorial para o diagnóstico e
tratamento.
Relato de caso
Paciente do sexo masculino, de 13 anos, com queixa de hiperemia e dor em olho direito há 2
semanas. Estava em uso de isotretinoína (Roacutan®) há 1 mês devido acne. Negava antecedentes
pessoais, oftalmológicos e familiares. Na admissão em fevereiro de 2013 apresentava acuidade visual de
olho direito (-1,50 / -2,00 x 170) 20/40-, de olho esquerdo (-1,00 / -2,00 x 145) 20/20-. À biomicroscopia,
olho direito com opacidade corneana periférica com afinamento, algumas áreas que coravam à
fluoresceína e neovasos inferiores (figura 1); olho esquerdo com opacidade nasal inferior periférica, de
formato semelhante a lesão de olho direito (figura 2). Não havia reação de câmara anterior e a
fundoscopia não apresentava alterações.
A
B
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C D
Figura 1: Biomicroscopia de olho direito. A: opacidade nasal inferior periférica; B: áreas que coram à
fluoresceína; C e D: corte óptico que demonstra afinamento e neovasos de córnea.
A
B
Figura 2: Biomicroscopia de olho esquerdo. A e B demonstram opacidade nasal inferior
periférica em córnea.
Com a hipótese diagnóstica de PUK, prescrevemos acetato de prednisolona 1% colírio 4 vezes ao
dia, solicitado exames bioquímicos gerais, proctoparasitológico de fezes e hepatite C e avaliação do
reumatologista. A equipe da dermatologia descontinuou o uso da isotretinoína. No retorno, apresentou
melhora do quadro, feito então a suspensão progressiva do corticóide. Os exames e a avaliação
reumatológica foram negativos.
De março a maio de 2013, apresentou 3 recidivas, sendo 2 em olho direito e 1 em olho
esquerdo. As recidivas sempre apresentavam-se com hiperemia ocular, lesões que coravam à
fluoresceína próximo as opacidades e neovasos. Em todas as recidivas foi prescrito o corticóide tópico
com melhora do quadro.
A quarta recidiva em final de maio de 2013 foi bilateral, olho direito apenas com neovasos e
olho esquerdo com nova opacidade temporal com neovasos (figura 3). Prescrito então o acetato de
prednisolona 1% colírio 4 vezes ao dia (regressivo) e o tacrolimus pomada 0,03% 2 vezes ao dia em
ambos os olhos, com melhora em 1 semana.
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A
B
C
D
Figura 3: Biomicroscopia de olho esquerdo. A e B: nova opacidade temporal superior periférica; C: corte
óptico de opacidade nasal inferior; D: corte óptico da nova opacidade temporal superior.
Realizado nova refração após melhora, olho direito -2,25 / -2,50 x 150 20/40- e olho esquerdo -
1,50 / -2,50 x 160 20/25-. Solicitado topografia corneana (figura 4) e mantido tacrolimus 2 vezes ao dia
até o 14º dia e 1 vez ao dia após.
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A
B
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Figura 4: Topografia corneana. A: olho direito com astigmatismo irregular assimétrico; B: olho esquerdo
com astigmatismo irregular simétrico.
De junho a agosto, paciente estável com regressão muito lenta do tacrolimus. Em agosto,
quando o tacrolimus estava 1 dia sim e 2 dias não em ambos os olhos, o paciente retornou com quadro
de episclerite em olho direito. O tacrolimus foi mantido na mesma dosagem e prescrito anti-
inflamatório não hormonal via oral e corticóide tópico, com melhora em alguns dias.
Em setembro, o paciente já estava há 45 dias usando o tacrolimus 1 dia sim e 2 dias não. No
retorno, referia quadro de mialgia e artralgia em membros inferiores. Exames laboratoriais
demonstraram provas inflamatórias aumentadas. Mantivemos o tacrolimus na mesma dose e
referenciado novamente ao reumatologista.
No final de setembro, apresentou nova piora em olho direito com pequena área corando à
fluoresceína em região nasal inferior com neovasos. O quadro foi controlado com tacrolimus 2 vezes ao
dia e acetato de prednisolona 1% 4 vezes ao dia regressivo.
Em outubro de 2013 paciente estável com tacrolimus em olho direito 1 dia sim e 2 dias não, e
em olho esquerdo 1 dia sim e 3 dias não. Acuidade visual de olho direito (-2,25 / -1,75 x 160) 20/30-,
olho esquerdo (-1,75 / -2,75 x 155) 20/25-.
Em novembro paciente realizou cintilografia óssea que demonstrou lesão hiper-captante em
articulação sacro-ilíaca. Após investigação com equipe da reumatologia preencheu critérios diagnósticos
para espondilite anquilosante.
Iniciado tratamento específico e desde então paciente estável, sem novas recidivas, em uso da
posologia de tacrolimus acima descrita. O aspecto final das lesões oculares está demonstrado na figura
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5.
A
B
Figura 5: Biomicroscopia de ambos os olhos, aspecto final após diagnóstico e tratamento da doença de
base. A: olho direito; B: olho esquerdo.
Discussão
As doenças mais comumente associada à PUK são as doenças auto-imunes, sendo a artrite
reumatoide a mais comum, responsável por 34% dos casos de PUK não infecciosa. Aproximadamente
50% de todas as PUK’s não infecciosas vem associadas a doenças do colágeno. Além da artrite
reumatoide; granulomatose de Wegener, policondrite, lúpus eritematoso sistêmico, poliarterite nodosa
foram descritas como causas de PUK2.
A fisiopatologia envolve processo auto-imune humoral e celular, reações a antígenos corneanos,
depósito de complexos imunes e reações de hipersensibilidade a antígenos exógenos. Os linfáticos
subconjuntivais e os capilares limbares acessam a via aferente do sistema imune, facilitando o processo
imune, tornando assim a córnea periférica suscetível3. O objetivo do tratamento é reduzir a inflamação,
minimizar a perda estromal e promover re-epitelização.
Corticosteróides são tradicionalmente a primeira opção terapêutica para os casos de PUK em
atividade. Nos casos associados a doenças do colágeno, recomenda-se o uso sistêmico de 1 mg/kg/dia
(máximo de 60 mg/dia) em regressão de acordo com a melhora. O uso tópico deve ser usado com
cautela, uma vez que o corticóide inibe a produção de novo colágeno, aumento o risco de perfuração.
Casos em que o corticóide está contra-indicado pelos efeitos colaterais ou casos não responsivos a esta
terapia devem ser tratados com imunossupressores5 ou agentes biológicos6. Derivados de tetraciclina
podem prevenira perda estromal por diminuir a atividade das colagenases. Uso de lubrificantes não
conservados em alta frequência, auxiliam o fechamento epitelial7.
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Neste caso optamos pelo uso do corticóide tópico inicialmente, pelo fato do processo
inflamatório não ter sido intenso, evitando assim os efeitos colaterais sistêmicos do mesmo. Uma vez
que o paciente apresentou várias recidivas do quadro inflamatório, tratadas com corticóide tópico,
optamos por imunossupressão tópica, pensando nos efeitos colaterais do uso tópico.
Imunossupressores tópicos como ciclosporina e tacrolimus têm sido utilizados nos tratamentos de
conjuntivites alérgicas mal controladas ou dependentes de corticóide com bons resultados, e sem
toxicidade para a superfície ocular ou efeitos colaterais8.
Frente a um caso de PUK, a avaliação reumatológica é fundamental para que se tenha o
diagnóstico e a terapia específica seja iniciada. Tauber et al descreveu casos de PUK como primeira
manifestação de doenças auto-imunes em 50% dos casos. Não raro, os exames laboratoriais na primeira
investigação destas doenças auto-imunes são negativos. Assim, frente a recidivas do quadro
inflamatório deve-se repetir os exames, ou até mesmo ampliar a investigação diagnóstica9. Quadros em
que toda a investigação diagnóstica é negativa, pensamos em úlcera de Mooren, que é um diagnóstico
de exclusão, idiopático, mas alguns relatos referem associação com hepatite C10 e parasitoses11.
Espondilite anquilosante mais comumente se manifesta como uveíte anterior (25%)12.
Referências Bibliográficas
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