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AUTONOMIA MUNICIPAL: SISTEMAS MUNICIPAIS DE ENSINO
Diva Chaves Sarmento1
Resumo
Ao firmar o município como ente federativo autônomo a Constituição de 1988 estabeleceu que a União, os Estados e os Municípios organizariam “os seus sistemas de ensino” o que foi confirmado e delimitado pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996. O presente trabalho estudou nove municípios do Estado de Minas Gerais, que no período de 1997 a 2000, criaram os seus sistemas. Foi interesse do estudo caracterizar os municípios, conhecer o processo percorrido, analisar os princípios que sustentam os sistemas, identificar os mecanismos de interação com os outros entes federativos, as possibilidades e limites com vistas à cooperação estabelecida em lei. Foi possível verificar que a opção do município em criar o Sistema Municipal de Ensino é compreendida como uma prerrogativa federativa em função da autonomia municipal, permitindo implementar suas próprias políticas. A criação do sistema abre possibilidade de maior participação social nas decisões de política local e demonstra a necessidade de maior articulação entre as autoridades responsáveis pelos sistemas.
MUNICIPAL AUTONOMY: MUNICIPAL EDUCATION SYSTEMS Abstract
When endorsing the city council as a federative autonomous entity, the |Constitution of 1988 established that the Union, the States and the City Councils would organize “their systems of education”, what was confirmed and outlined by the new Law of Directives and Basis of National Education, in 1996. This paper has studied nine city councils in Minas Gerais State, which in the period from 1997 to 2000, created their systems. It has been the objective of the study to characterize the city council, know the process gone through it, analyze the principium that sustained the systems, identify the mechanisms of interaction with other federative entities, the possibilities and limits considering the cooperation established in law. It has been possible to verify that the option of the city council to create the Municipal Education System is comprehended as a federative prerogative in function of the municipal autonomy, allowing them to implement their own politics. The creation of the system opens the possibility to a major social participation in the decisions of local politics and demonstrates the need of a major articulation among authorities responsible for the systems.
Key words: Municipal Education Systems, autonomy, participation
1 Doutora em Educação, Professora da Universidade Federal de Juiz de Fora. Pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos do Conhecimento e da Educação-NESCE/UFJF com o apoio da FAPEMIG.
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AUTONOMIA MUNICIPAL: SISTEMAS MUNICIPAIS DE ENSINO
Diva Chaves Sarmento
Ao firmar o Município como ente federativo autônomo a Constituição de 1988, em
seu art. 211, estabeleceu que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
“organizarão os seus sistemas de ensino”, definindo como competência desses últimos a
atuação no ensino fundamental e na pré-escola. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional aprovada em 1996, firmou em seu Art. 11 as incumbências dos municípios em
relação dos seus sistemas de ensino. Num parágrafo único mantém a possibilidade da
integração do município ao sistema estadual ou de compor com o Estado um sistema único
de educação básica. Especificamente, a responsabilidade do município passou a ser
oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino
fundamental, permitindo a atuação em outros níveis somente quando estiverem atendidas
plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos
percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e
desenvolvimento do ensino.
Estão, ainda, definidas as incumbências de: (a) organizar, manter e desenvolver os
órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-os às políticas e
planos educacionais da União e dos Estados; (b) exercer ação redistributiva em relação às
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suas escolas; (c) baixar normas complementares para o seu sistema de ensino e (d)
autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos do seu sistema de ensino. A
legislação estabelece com clareza a autonomia do município para criar o seu sistema. Os
anos de 1997 em diante foram marcados por pressões junto aos municípios, com base na
Emenda 14 e na Lei 9424 / 96, para assumirem o Ensino Fundamental, considerado sua
responsabilidade prioritária.
A criação dos Sistemas Municipais de Ensino vem se dando em ritmo lento. Em
Minas Gerais, no período de 1997 a 2000, nove municípios, num universo de oitocentos e
cinqüenta e três, criaram o seu sistema. Foi interesse desse estudo caracterizar os
municípios, conhecer o processo percorrido para criação desses sistemas, analisar os
princípios que os sustentam, identificar os mecanismos de interação com os outros entes
federativos, as possibilidades e limites com vistas à cooperação estabelecida em lei. Parte-
se do pressuposto que a criação do sistema municipal de ensino é questão estritamente
relacionada ao pacto federativo no Brasil, indo além da política de municipalização,
acentuada nos anos noventa do século passado, firmando o município sua autonomia.
Caracterização dos municípios
No Estado de Minas Gerais, em 1997, dois municípios instituíram os seus sistemas
de ensino: Patos de Minas e Ribeirão das Neves. No ano seguinte, mais quatro municípios
tomaram a iniciativa: Juatuba, Belo Horizonte, Governador Valadares e Lavras. Em 1999,
Juiz de Fora criou o seu sistema e, em 2000, Francisco Sá e Caratinga.
Em relação ao tamanho da população, esses municípios apresentam grande
diversidade. Belo Horizonte, a capital do Estado, possui mais de dois milhões de habitantes;
Juiz de Fora, quase quinhentos mil; Ribeirão das Neves e Governador Valadares em torno
de duzentos e cinqüenta mil. A seguir, Patos de Minas aparece com cerca de cento e vinte
mil. Lavras e Caratinga apresentam uma população próxima de oitenta mil. Francisco Sá,
conta com pouco mais de vinte e três mil habitantes e Juatuba, o menor, com dezesseis mil,
trezentos e oitenta e nove. Predominam municípios com população, quase na sua totalidade
urbana: acima de noventa por cento. Chama a atenção Francisco Sá, onde quarenta e quatro
por cento da população está na área rural. Caratinga, embora com maioria urbana, tem
quase vinte por cento na zona rural. A taxa de alfabetização desses municípios está bem
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próxima ou acima de noventa por cento, com exceção de Francisco Sá onde 74,7% da
população é alfabetizada.
No tocante à economia, o comércio foi apontado como atividade básica, vindo a
seguir a agricultura, destacada por 5 municípios, sendo que três apontaram a agroindústria
como parte de sua base econômica. Belo Horizonte e Juiz de Fora têm nas áreas de
comércio e de serviço as principais atividades; Governador Valadares indicou o maior
número, incluindo agricultura, agroindústria, serviços, comércio e exportação. Juatuba tem
a indústria como ponto forte em sua economia.
No período analisado, três municípios eram administrados por prefeitos do PMDB,
dois por prefeito vinculados ao PFL, um ao PTB, um ao PPB, um ao PSDB e um ao PSB2.
Observam-se partidos de diferentes orientações políticas, num espectro que ia da esquerda à
direita, considerando suas posições na história política brasileira.
Em todos os municípios a criação do sistema foi iniciativa do Executivo e contou
com a adesão das Câmaras de Vereadores, tendo tramitado sem grandes discussões
conforme as atas dos legislativos.
O tamanho da rede municipal de ensino nos municípios pesquisados, assim como
sua participação no atendimento à demanda por educação pública, apresentam-se
diferenciados. Belo Horizonte, com 468.707 alunos no total da rede pública, tinha, em
2001, 38,85% sob responsabilidade do município. Juatuba, com um total de 5.637 alunos
na escola pública, atendia a 65,65% na rede municipal. Outro município, Francisco Sá, com
rede de igual porte e 5.984 alunos, possuía sob responsabilidade municipal 26,63%. Lavras,
com 18.968 alunos na rede pública, tinha 54% atendidos pelo município. Juiz de Fora
mantinha sob a responsabilidade municipal 46% de um total de 97.715 alunos das
instituições públicas. Governador Valadares atendia pelo município a 37,35% de um total
de 64.149 alunos. Patos de Minas atendia 31% de um total de 31489 alunos; Caratinga,
26,56% de total de 18.728 e Ribeirão das Neves, 20% de um total de 66.867 alunos. Os
sistemas instituídos tinham abrangência diferenciada sobre a educação, sendo sua
responsabilidade restrita à parcela atendida nas escolas municipais mais os alunos
matriculados nas escolas particulares de educação infantil. Apenas o município de Juatuba
2 PMDB: Partido do Movimento Democrático Brasileiro; PFL: Partido da Frente Liberal; PTB: Partido Trabalhista Brasileiro; PSB: Partido Socialista Brasileiro; PPB: Partido Progressista Brasileiro; PSDB: Partido Social Democrático do Brasil.
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não contava com rede particular de ensino. Nos demais municípios o acréscimo da rede
particular de educação infantil ampliava o número de alunos sob a responsabilidade do
sistema em cada município de forma, também, variada. Em Francisco Sá significava uma
ampliação de 45,7%. Em Caratinga, Governador Valadares, Juiz de Fora e Patos de Minas,
o acréscimo de alunos ficava entre 15 e 17 por cento. Em Belo Horizonte a inclusão das
escolas particulares de educação infantil acresceu mais 27% de alunos ao sistema e em
Ribeirão das Neves mais 4%.
Apenas Belo Horizonte e Juiz de Fora não municipalizaram escolas estaduais no
período de 1994 a 1998. Os demais tiveram uma ou mais escolas estaduais transferidas para
o município.
Pelo tamanho do município, base econômica, vinculação partidária dos prefeitos
na época do estudo não se observou, inicialmente, uma característica que pudesse explicar a
decisão de se criar o sistema municipal. Os aspectos que mais aproximavam os municípios
foram os índices de urbanização e de alfabetização. O município de Francisco Sá, com 44%
da população rural, taxa de alfabetização em torno de 75% e com uma porcentagem de
45,7% de alunos das escolas particulares infantis incorporando o sistema, foi o que
despertou maior atenção.
A criação dos sistemas municipais de Ensino
O conhecimento do processo de instalação dos sistemas municipais de ensino, dos
princípios que subsidiaram sua criação e funcionamento, assim como a identificação de
elementos capazes de favorecer a criação de mecanismos de articulação entre os sistemas
municipais, Estado e União motivaram e justificaram o estudo realizado.
O procedimento inicial adotado foi a análise documental tendo sido analisados as
Leis de criação do sistema e dos Conselhos municipais de educação, o regimento interno
dos conselhos, as atas das reuniões da Câmara municipal no período de tramitação do
processo de criação e as normas aprovadas pelos conselhos municipais após a implantação
do sistema. As informações obtidas através da análise documental foram complementadas
com um questionário enviado aos responsáveis pelos órgãos dirigentes municipais da
educação e entrevista realizada com quatro municípios, selecionados a partir do estudo dos
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documentos anteriormente citados e das respostas ao questionário. Nesse relato serão
focalizadas as informações obtidas pela análise dos documentos e das respostas ao
questionário.
Criação e organização dos sistemas
Os sistemas municipais de ensino foram criados por decisão do poder executivo,
Secretário(a) Municipal de Educação e Prefeito, sendo que em Lavras, Francisco Sá e
Caratinga, a participação da sociedade foi destacada como motivadora da iniciativa. Dos
nove municípios pesquisados, quatro realizaram discussões coletivas no âmbito da
Secretaria Municipal de Educação e junto às escolas visando à criação dos sistemas,
resultando em apoio à iniciativa. A adesão dos políticos locais ao processo foi apontada por
cinco municípios. Em todos a tramitação na câmara de vereadores se deu sem grandes
discussões, sendo a instituição dos sistemas aprovada por maioria ampla ou unanimidade.
No município de Francisco Sá houve resistência inicial dos vereadores de oposição por
confundirem a criação do sistema municipal com municipalização do ensino Em Patos de
Minas, a Superintendente de Ensino e a Secretária Municipal de Educação foram à Câmara
para esclarecer sobre o significado desses processos. No município de Caratinga, durante a
tramitação no Legislativo foi acrescentada uma emenda tratando da escolha dos dirigentes
escolares por eleição direta, o que foi vetado pelo Executivo. Belo Horizonte informou ter
sido a criação do sistema resultado de negociações entre os poderes executivo e legislativo.
Em Juiz de Fora, o processo foi discutido com o Conselho Municipal de Educação,
existente desde o ano 1984.
Os municípios criaram os seus sistemas tendo por referência a nova LDB, Lei n.º
9394, aprovada em dezembro de 1996 e pouco inovaram. Os princípios orientadores dos
sistemas estão inspirados nos constantes na LDB (art. 14): ênfase na participação dos
profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e participação da
comunidade escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. A composição dos
sistemas respeita o contido no artigo 18 da LDB indicando que compreendem: (a) as
instituições do ensino fundamental, médio e de educação infantil mantidas pelo Poder
Público municipal; (b) as instituições de educação infantil criadas e mantidas pela iniciativa
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privada; (c) os órgãos municipais de educação, aí incluída a Secretaria de Educação e o
Conselho.
Os Conselhos Municipais de Educação foram valorizados, sendo sua composição e
competências detalhadas na própria lei de criação ou em lei complementar. Todos são
vistos como parte fundamental dos sistemas e destacados como espaço de participação da
sociedade nas políticas públicas municipais de Educação. Juiz de Fora possuía um
Conselho, criado em 1984, e em funcionamento desde 1985, com delegação de
competências por parte do Conselho Estadual de Educação. Caratinga havia criado seu
conselho em 1990 e Governador Valadares em 1992, implantando-o em 1995. A lei
Orgânica de Ribeirão das Neves previa a criação do Conselho Municipal de Educação,
sendo o mesmo criado alguns meses antes do sistema. Em Patos de Minas, o papel de
definir as normas de funcionamento do ensino público havia sido atribuído à Secretaria
Municipal. Posteriormente, no ano de 2000, o Conselho foi criado através de lei
complementar. Todos os conselhos possuem caráter consultivo e deliberativo. A exceção de
Ribeirão das Neves, a todos foi atribuída a função normativa. Os municípios de Caratinga e
Ribeirão das Neves aproveitaram a oportunidade para organizar e estruturar os órgãos e
instituições de ensino em seu âmbito. Em Belo Horizonte foi realizada uma Conferência
Municipal de Educação, considerada como passo decisivo para a composição do Conselho
Municipal de Educação. Na legislação está prevista a realização de conferências periódicas
para a estruturação do sistema, sendo estas responsabilidade do Conselho a partir de sua
implantação. Na época da pesquisa, Juatuba havia criado o sistema e estava definindo a sua
operacionalização. Patos de Minas, um dos primeiros a tomar a iniciativa, ainda em 1997,
procedia a sua reconstrução com os ajustes que se mostraram necessários. O município de
Lavras informou que a criação do Sistema Municipal de Ensino estava prevista na Lei
Orgânica. Os demais o fizeram após a aprovação da nova LDB.
Composição e competências dos Conselhos Municipais de Educação
Algumas representações aparecem em quase todos os conselhos: o dirigente ou
representante do órgão municipal de Educação, os professores, os pais de alunos, os
diretores das escolas, em suma, aqueles diretamente envolvidos nas questões de educação.
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Outras representações freqüentes são as dos estudantes, da Câmara de Vereadores, das
escolas e das Instituições de Ensino Superior, nos municípios onde elas existem. Com
presença em pelo menos três municípios compõem, ainda, os conselhos: os representantes
de especialistas de ensino (pedagogistas), dos sindicatos de servidores, de Associação
Comercial, Industrial, Agropecuária e Serviços, do Conselho da Criança e do Adolescente e
da Superintendência Regional de Ensino nos municípios onde ela se localiza.
A presença de representantes dos servidores municipais, do Conselho Tutelar, do
Poder Executivo e da Ordem dos Advogados do Brasil, aparece em dois municípios. Ainda,
encontram-se representados em pelo menos um município: o Centro dos Diretores Lojistas,
o Conselho Municipal de Assistência Social, a Educação Especial, Entidades do Meio
Rural e o Conselho Municipal de Saúde. As representações de setores sociais não
diretamente vinculados à área educacional aparecem nos conselhos criados após a nova
LDB.
Analisando-se as competências atribuídas aos Conselhos, verifica-se que as mais
freqüentes são: (a) avaliar/manifestar-se sobre o plano plurianual e o orçamento,
fiscalizando a aplicação dos recursos e (b) diagnosticar os problemas do ensino e propor
alternativas para superá-los. Os problemas estão relacionados à evasão, à repetência e à
qualidade. Aparecem como competência dos conselhos em seis municípios dos nove
pesquisados. A seguir, com presença em cinco municípios, encontram-se a de normatizar
sobre autorização de funcionamento, credenciamento e inspeção de estabelecimentos de
ensino, a de estabelecer critérios para a proposta pedagógica e o funcionamento das escolas
e a de deliberar ou sugerir medidas para a melhoria da qualidade do ensino. Cinco
municípios estabeleceram como competência manifestar-se sobre o Plano Municipal de
Educação, sendo que quatro registraram “dar parecer sobre” e um, Ribeirão das Neves,
registrou “traçar normas e diretrizes para” a sua elaboração.
A seguir, com presença em quatro municípios verificam-se as competências de
participar da elaboração da política educacional, acompanhar o cadastro escolar e o
recenseamento de matrículas, pronunciar sobre a ampliação de rede e a localização de
prédios escolares e, dar parecer sobre convênio, assistência e concessão de subvenções a
entidades filantrópicas.
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Opinar sobre as formas de cooperação União, Estado e Município ou articular com
os Conselhos Nacional e Estadual de Educação é preocupação de três municípios:
Governador Valadares, Ribeirão das Neves e Juatuba. Também, três municípios, pensaram
na articulação da área educacional com programas de outras secretarias e em normatizar a
realização de Conferências municipais de ensino: Lavras, Belo Horizonte e Juatuba. A
competência de estabelecer indicadores de qualidade no ensino aparece em três outros:
Caratinga, Juiz de Fora e Governador Valadares. Zelar pela universalização da Educação
Básica aparece no Conselho de Juiz de Fora e pela universalização da Educação Infantil e a
de Jovens e Adultos, em Governador Valadares.
A competência de elaborar critérios ou estimular a participação da comunidade na
proposta pedagógica da escola é apontada pelos dois municípios com menor população:
Juatuba e Francisco Sá. A valorização dos profissionais da educação foi vista como
competência do Conselho nos municípios de Caratinga e Juatuba.
Dois municípios definiram como competência do Conselho a de dar publicidade e
informações sobre o sistema, o número de profissionais e de alunos, bem como sobre as
receitas e as despesas do setor: Belo Horizonte e Lavras. Juatuba, incluiu, ainda a
competência de auxiliar em campanhas para o aumento da freqüência escolar. Ribeirão das
Neves viu como competência do Conselho a elaboração do Plano Diretor do Município e
Juiz de Fora incluiu as de elaborar normas para a Educação Especial e de Jovens e Adultos
e zelar pela progressiva extensão da jornada de tempo integral.
Observa-se que há um núcleo de competências ligadas às questões de política
educacional, recursos, qualidade do ensino, autorização e funcionamento de escolas que são
comuns à maioria dos Conselhos. Outras atendem à especificidade do município.
O município e o contexto da participação
Verifica-se nos nove municípios pesquisados uma prática voltada a ampliar a
participação da sociedade local nas discussões e definições de políticas públicas. Quase
todos promoveram Conferências ou Congressos de Educação no período do estudo. Apenas
um não realizou nenhum evento dessa natureza. A implantação de Conselhos Setoriais foi
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apontada pela quase totalidade dos municípios o que pode ser explicado pelo fato de vários
instrumentos legais no âmbito federal exigir a sua criação como o Conselho da Criança e do
Adolescente, os Conselhos Tutelares, o Conselho do FUNDEF, o da Merenda Escolar entre
outros.
Um número expressivo de municípios, seis entre os nove participantes do estudo,
informou haver realizado planejamento estratégico. Dada a complexidade de processo
dessa natureza é bem possível que não seja exatamente o que aconteceu em todos os
municípios, mas revela uma intenção de planejamento. Com certeza, em alguns, o
planejamento estratégico foi realmente realizado, como no caso de Juiz de Fora e Belo
Horizonte. Quatro municípios adotam a divisão em regiões administrativas e promovem
fóruns de entidades de moradores. O orçamento participativo foi realizado em três
municípios. Cinco dos nove municípios informaram realizar fóruns e plenárias regionais e
um município possui comissões de gestão e equipamentos.
É notório que a participação e a formação de conselhos vem sendo incentivada por
legislação superior, inclusive a própria LDB. No entanto, nem todos os conselhos são
obrigatórios e muitas dessas práticas de participação têm sido iniciativas dos municípios,
conforme pesquisas têm demonstrado (Teixeira, 2001; Souza 2001).
O funcionamento dos SME
A criação do Sistema Municipal de Ensino possibilitou aos municípios usarem sua
autonomia para encaminhamento das questões referente a sua área de atuação.
Conforme artigo 11 da Lei n.º 9394/96 estão sob a responsabilidade dos
municípios a Educação Infantil e o Ensino Fundamental. Após a criação do Sistema, os
municípios estabeleceram normas referentes a esses níveis de ensino, regulamentando a
autorização e o funcionamento das instituições de educação infantil (seis municípios), a
Educação de Jovens e Adultos (cinco municípios) e a implantação do regime de ciclos e a
progressão continuada (três municípios) e a inclusão de alunos de 6 anos no Ensino
Fundamental ( um município).
Houve preocupação, também, com a organização da própria Secretaria de
Educação e seus serviços: supervisão pedagógica, inspeção e transporte de alunos. Alguns
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municípios estabeleceram normas para o funcionamento das escolas referentes a calendário
escolar, quadro curricular, reposição de aulas, freqüência de alunos e quadro de pessoal.
Apareceram normas referentes à eleição de dirigentes escolares e implantação de
colegiados nas escolas.
A autorização de pessoal para atuar na rede também foi objeto de normatização. A
reorganização das redes apareceu como preocupação em três municípios, sendo que Lavras
implantou a nucleação nas escolas rurais. O município de Ribeirão das Neves criou e
implantou o Estatuto do Magistério.
Em geral, os municípios consideraram que a criação do Sistema proporcionou
condições para melhor organização da rede escolar municipal e contribuiu para a solução
dos principais problemas na área da educação. A ampliação do atendimento à Educação
Infantil e à Educação de Jovens e Adultos foi destacada. Um outro aspecto que o Sistema
fortaleceu foram os valores e a cultura locais permitindo a adequação do ensino à realidade
da região. Em seis municípios pesquisados o Plano de Cargos e Salários do Pessoal do
Magistério foi elaborado e/ou aperfeiçoado. A construção do Plano Municipal de Educação
foi favorecida em cinco dos municípios pesquisados. Alguns municípios consideraram que
a municipalização foi estimulada. O município de Francisco Sá destacou que os processos
de autorização de escolas e criação de cursos foram agilizados. Em quase todos os
municípios, percebeu-se que a criação do sistema incentivou a participação da sociedade
nas decisões de política educacional.
A relação entre o Conselho Municipal de Educação e o órgão dirigente da
Educação foi classificada como muito boa, harmoniosa e de cooperação, de estreito
entrosamento pela maioria dos municípios. Lavras esclareceu ser a relação adequada com
respeito as atribuições de cada um e Belo Horizonte acrescentou que há cooperação com
algumas ambigüidades em relação às atribuições dos órgãos. Apenas o município de
Juatuba informou haver pouco entendimento devido a problemas políticos partidários.
Outro ponto de interesse na pesquisa foi verificar a interação e as possibilidades de
cooperação do município com os demais entes federativos. Para sete dos municípios
pesquisados a criação do sistema facilitou ações compartilhadas entre o sistema municipal
e o sistema estadual, sendo que cinco tiveram, também, essa percepção em relação ao
sistema federal. A cooperação tornou-se possível. Em quatro municípios a criação do
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Sistema evidenciou a existência de interesses diferenciados entre os entes federativos. A
necessidade de se ter maior articulação entre as autoridades municipais, estaduais e federais
foi apontada por três municípios. Apenas um município anotou a existência de relações
conflituosas com o governo estadual no período.
Analisando-se as considerações apresentadas em confronto com a vinculação
partidária do prefeito à época da pesquisa não se percebeu explicação originada desse fato.
Nesse período o PSDB estava nos governos estadual e federal. As observações quanto a
facilidades e diferenças permeou todos os partidos, inclusive com o município sob chefia
do PSDB alegando interesses diferenciados com o Estado e a União.
Dificuldades encontradas
Os municípios apontaram algumas dificuldades no momento da criação do sistema
e depois no seu funcionamento. A Secretaria Municipal de Caratinga informou ter
encontrado dificuldades na criação, mas não esclareceu quais seriam. Possivelmente
relaciona-se à introdução de um parágrafo na proposta de criação do sistema sobre a
escolha de dirigentes escolares por eleição, quando o projeto tramitava no legislativo. Esta
emenda, foi posteriormente vetada pelo Executivo.
Francisco Sá encontrou resistência nos vereadores de oposição que confundiram a
criação do sistema com municipalização, superada posteriormente. Em governador
Valadares a resistência foi dos profissionais da Educação atribuída, pela Secretária
Municipal de Educação, à insegurança frente a uma situação nova. Após o primeiro
momento foi contornada. Lavras, também, revelou dificuldades na mudança de cultura das
pessoas envolvidas no processo. Lavras apontou, ainda, a necessidade de um assessor
jurídico especializado, permanente na Secretaria de Educação, para assessorar a elaboração
das normas. A falta de informação sobre a organização, a estrutura e o funcionamento dos
sistemas assim como a falta de recursos financeiros para implantar a estrutura necessária
foram problemas enfrentados por Juatuba.
Em Belo Horizonte a criação de um fluxo entre a Secretaria Municipal e o
Conselho foi percebida como uma dificuldade, assim como a necessidade de expandir a
Educação Infantil. Em Juiz de Fora, a falta de pessoal na equipe de orientação e
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acompanhamento das escolas, tendo em vista a proliferação de escolas infantis particulares,
e o desconhecimento da legislação por parte das pessoas que pretendem prestar serviço
nessa área foram as dificuldades apresentadas. A reestruturação administrativa da
Secretaria Municipal e a do Conselho Municipal de Educação foram as dificuldades
encontradas por Governador Valadares.
Criação do sistema, municipalização e autonomia
O período analisado, 1997 a 2000, foi marcado por intenso processo de
municipalização das matrículas no ensino fundamental. “A matrícula total do setor público
cresceu 6,7% no período, ao passo que as matrículas oferecidas pelos municípios cresceram
34,5% e as matrículas estaduais tiveram crescimento negativo (-12,43%)” (Arretche, 2002,
p.38). Essa redistribuição resultou de política governamental, principalmente da criação do
Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de valorização do Magistério, Lei
9424 / 96, que penaliza o município por não possuir rede de ensino fundamental. No Estado
de Minas Gerais, nesse período, foram municipalizadas 2.475 escolas compreendendo
495.351 matrículas3.
O processo de municipalização tem resultado de ações políticas oriundas dos
governos centrais repassando aos municípios novas responsabilidades, na linha da
desconcentração de tarefas. Nas cidades pesquisadas apenas Belo Horizonte e Juiz de Fora
não municipalizaram nenhuma escola ou turmas de ensino fundamental no período. Lavras
e Caratinga foram as que tiveram o maior número de escolas transferidas do Estado para o
município, dezoito cada uma, embora o número de alunos fosse diferente, respectivamente
3.531 e 1.174. Os demais municípios receberam de uma a quatro escolas transferidas para
a sua rede.
Oliveira (2002) observa que as investigações sobre municipalização têm se
multiplicado nos últimos anos. Vê a legislação de 1996 – Emenda Constitucional 14/96 e a
Lei 9424/96 – indutora à municipalização, definindo atribuições e competências e
disciplinando gastos, como um dos motivos do aumento de trabalhos na área.
3 Dados fornecidos pela Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais.
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Revisitando as pesquisas sobre o tema, distingue Anísio Teixeira, nos anos 50, e
sua tese de municipalização do ensino primário, sua discussão sobre a questão do custo
aluno, a proposta de colaboração entre as esferas de poder e sua preocupação com o
controle social dos gastos públicos. Chama a atenção para os estudos realizados, após os de
Anísio Teixeira, focalizando a realidade dos Municípios nas condições dadas, de arcarem
com a responsabilidade do ensino. Entre as causas apontadas foram destacadas: falta de
recursos humanos e econômicos, indefinição de atribuições e competências entre as esferas
de governo, não aplicação de mínimos orçamentários em educação, ausência de controle
social.
Nos anos 80, com a realização de experiências de administrações municipais
democráticas desde a década anterior, estudos ligaram a centralização ao período autoritário
e a descentralização foi destacada como oportunidade de democratização. A criação da
UNDIME – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação – estimulou o debate e
influenciou as propostas para a Constituinte.
Os anos 90 foram marcados pela ênfase na descentralização como modelo, tendo
os organismos internacionais, Banco Mundial, OEA, Unesco, FMI influenciado a política
educacional em vários países, em função dos programas de ajuste econômico. Essa
tendência motivou estudos apontando os problemas da municipalização ao lado de outros
defendendo-a. Evidencia-se a globalização e o avanço do neoliberalismo, contribuindo à
desconstrução dos Estados Nacionais e dos seus sistemas de ensino.
Após a aprovação da nova LDB e a regulamentação do FUNDEF as questões
referentes à criação ou ampliação das redes de ensino municipal, a gestão municipal,
problemas estruturais, financiamento, participação, controle social constituíram os temas de
trabalho realizados.
Percebe-se, nas análises, a questão da municipalização articulada à de
descentralização como perspectiva de ampliar as oportunidades democráticas. Nos anos
noventa, a descentralização aparece como parte do processo de reorganização dos Estados
Nacionais. As políticas educacionais foram profundamente afetadas pelo esgotamento do
projeto desenvolvimentista e modernizador implementado entre os anos 20 a 70/804 do
século passado, e com a globalização da economia, levando à reforma do Estado. A
4 Ver Fiori, José L. O vôo da coruja: Para reler o desenvolvimento brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2003.
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descentralização promovida nos anos 90 não corresponde às demandas de ampliação das
práticas democráticas e de maior autonomia como era a expectativa das forças
progressistas. Os processos de municipalização intensificados no período como parte das
políticas de descentralização caracterizam-se muito mais como práticas de desconcentração.
Fonseca (1997, p.155) destacava:
O pressuposto da municipalização do ensino era o da democratização, promovendo-se maior aproximação entre governantes e governados e condições para a maior participação, cobrança, fiscalização e controle social das ações de governo. Uma sociedade civil organizada e mobilizada poderia participar das decisões de governo e assumir maiores responsabilidades na condução de seu destino, na busca de soluções para seus problemas.
Essas aspirações foram se frustrando frente as políticas de municipalização do
governo central e dos estados, principalmente após a LDB e a Lei 9424/96. No entanto, o
pressuposto acima anunciado aplica-se à política de criação dos sistemas municipais de
ensino, oportunidade aberta pela nova LDB.
Há poucos trabalhos sobre o tema. Saviani (1999) embora considerando que os
constituintes ao introduzir o assunto na Constituição o fizeram inadvertidamente, acaba
reconhecendo que a LDB ultrapassando a possível ambigüidade do texto constitucional
estabeleceu com clareza a existência dos sistemas municipais de ensino, competência dos
municípios para organizar os próprios sistemas e lhes deu o caráter opcional. Acrescenta,
ainda, que a cautela ao prescrever no parágrafo único do artigo 11 que “os municípios
poderão optar, ainda, por se integrar ao sistema estadual de ensino ou compor com ele um
sistema único de educação básica”, decorre do reconhecimento das dificuldades técnicas e
financeiras dos municípios em organizar, a curto ou mesmo a médio prazo, os seus
sistemas. A cooperação técnica e financeira da União e do Estado supririam essas
limitações.
Sendo assim, os municípios em estudo ao optarem por criar o seu próprio sistema,
o fizeram usando a autonomia dentro da possibilidade aberta pela nova legislação. A
instituição do sistema municipal de ensino decorreu da vontade política do executivo, em
alguns casos, estimulada pela participação da sociedade e contou com a adesão dos
políticos locais, não encontrando barreira no legislativo. Alguma resistência inicial teve por
base o medo da municipalização, tal como vinha sendo imposta pelo governo estadual.
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Gracindo (2001, p.183), ao tratar dos limites e possibilidades dos sistemas
municipais de ensino reflete:
O que ocorre, no entanto, é que nenhuma mudança se concretiza no papel e nas intenções. Esta se torna real e viva na concretude da prática social, que não acontece de forma monolítica, trazendo em si, o germe da contradição que faz avançar.
Conclui reconhecendo que as responsabilidades atribuídas ao município
delineavam um árduo trabalho mas contemplavam a possibilidade há muito demandada de
participação e de autonomia abrindo uma série de possibilidades no atendimento às suas
reais condições.
O estudo realizado mostrou a concretização da prática social de conquista da
autonomia e da ampliação das oportunidades de participação da sociedade nas questões de
política educacional com todas as contradições e conflitos que os avanços encerram.
Nos municípios pesquisados foram identificadas outras práticas de ampliação da
participação social e política: implantação de Conselhos Setoriais, Orçamento Participativo,
Planejamento Estratégico, Congressos, Conferências, Fóruns de Entidades de Moradores
entre outras possibilidades. Demonstram que a criação do sistema de ensino não foi um ato
isolado, mas parte de um processo da ação municipal de alargamento do espaço público.
Confirma a perspectiva defendida por Teixeira (2001, p. 120) de que "contrariando o
ceticismo de grande parte da análise política relativa ao papel da sociedade civil no Brasil,
afirmamos que esta é presente e ativa, sobretudo nos últimos anos”. Teixeira (2001, p. 178),
em seu trabalho, focalizava os limites e os desafios da participação cidadã considerando as
relações de poder e as articulações entre o local e o global. Mostra, analisando experiência
do município de Valente no Estado da Bahia, que “suas organizações vêm aprendendo que
é necessário articular-se, não só para troca de informações, mas para lutas conjuntas,
evitando o localismo, e que a própria luta local se esforça com ações regionais e nacionais e
articulação internacional”. Essa perspectiva é, também, encontrada entre os municípios
pesquisados, desempenhando a UNDIME papel importante no plano regional e nacional e
com a integração dos municípios em redes internacionais5 como no caso de Belo Horizonte
e Juiz de Fora.
5 Mercocidades, Associação Internacional das Cidades Educadoras, entre outras.
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As políticas indutoras da municipalização estão levando os governos locais a,
gradativamente, assumirem a sua independência e soberania afirmando o pacto federativo
recuperado pela Constituição de 1988, ao reconhecer o município como ente federativo
autônomo, definir suas atribuições e competências e suas bases fiscais. Os municípios
foram unânimes em afirmar que a criação do sistema contribuiu para a solução dos
principais problemas da educação, proporcionou condições para melhor organização de sua
rede escolar e atendimento às peculiaridades locais. As dificuldades apontadas permanecem
na questão de recursos humanos, principalmente na área técnica e jurídica, considerando a
responsabilidade de normatizar o ensino na sua área de jurisdição e na necessidade de
ampliar os recursos financeiros. A importância atribuída aos conselhos como espaço de
participação da sociedade mostra, também, o aumento do controle social, percebido com
maior clareza nas competências definidas de avaliar e acompanhar o orçamento, o plano
plurianual e fiscalizar a aplicação dos recursos, assim como diagnosticar os principais
problemas e propor alternativas para superá-los, presentes em quase todos os regimentos.
Belo Horizonte e Lavras chegam até a prestação de contas estabelecendo como
competência do Conselho a de dar publicidade sobre o número de profissionais e de alunos,
bem como sobre receitas e despesas do setor.
Uma questão a merecer melhor reflexão está no caráter deliberativo atribuído aos
Conselhos. Esse foi um ponto que gerou ambigüidade entre a ação do Conselho e a do
órgão dirigente municipal em Belo Horizonte. Teixeira (2001) considera que os Conselhos,
de estrutura formalizada, criados por lei, com normas estabelecidas por seus membros em
regimento interno, relativa autonomia e tendo em sua composição elementos da sociedade
civil não são órgãos estatais mas pertencem à esfera pública. Daí, podem ser questionados
em sua natureza híbrida, em dois aspectos: papel decisório e responsabilidade pelas
decisões. Argumenta que as funções deliberativas supõem uma delegação de poderes
concedida pelo corpo eleitoral, com base em procedimentos definidos legalmente. Sendo
parte dos componentes dos conselhos indicada por entidades e nem sempre por suas
assembléias gerais, não possuiriam o elemento de generalidade que deve caracterizar uma
esfera de decisão. Argumenta, também, que os agentes políticos devem ser
responsabilizados pelos seus atos e decisões, política, administrativa e até criminalmente,
sendo difícil responsabilizar os representantes da sociedade civil por participarem das
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decisões. Essa ambigüidade poderia diluir responsabilidades, comprometer a eficácia do
Estado e a autonomia da sociedade civil.
Outro aspecto analisado, a cooperação entre os entes federativos, o apontado
demonstra que a autonomia municipal facilitou a ações compartilhadas e tornou possível a
cooperação à par do reconhecimento de interesses diferenciados, mesmo entre aqueles
administrados por dirigentes vinculados ao mesmo partido.
Outro ponto de interesse relaciona-se ao aumento da participação com
possibilidade de maior democracia. Por sua importância focalizamos esta questão no item a
seguir.
Participação, autonomia e democratização
A análise documental e das informações obtidas através do questionário e das
entrevistas permitiu verificar a ênfase na participação, tanto na composição dos conselhos
como na decisão de criar o sistema municipal de ensino. Ou a participação foi destacada
como motivadora da decisão ou a criação do sistema e do conselho foi tida como
possibilidade de ampliar a participação da sociedade civil nas políticas públicas, seja
interferindo nas decisões, seja acompanhando e exercendo o controle das mesmas.
Bobbio (1987 p.155-156) argumenta que o alargamento da democracia na
sociedade contemporânea “ocorre sobretudo a partir da instituição e do exercício de
procedimentos que permitem a participação dos interessados nas deliberações de um corpo
coletivo, diferentes daqueles propriamente políticos”. Complementa a idéia acrescentando
que o desenvolvimento da sociedade democrática consiste “na passagem da democracia na
esfera política, em que o indivíduo é considerado cidadão para a democracia na esfera
social onde o indivíduo é considerado na multiplicidade de seus status”. (Bobbio, 1987, p.
156)
Para ele, a exigência de maior democracia exprime-se na de que a democracia
representativa seja ladeada ou mesmo substituída pela democracia direta.
Para se ter um juízo sobre o estado de democratização de um país, o critério
deveria ser o de identificar onde se vota, sendo a participação dos pais nos conselhos
escolares, por exemplo, uma reforma na direção de ampliar a democracia. (Bobbio, 1986)
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Toqueville (s.d., p.90) observou que o “processo mais eficaz e talvez o único que
resta para interessar os homens pelo destino de sua pátria, é leva-lo a participar no
governo”. Impressionado com a experiência norte-americana destacou “os povos livres e
habituados ao regime municipal conseguiram bem mais facilmente do que outros criar
colônias florescentes” (Toqueville,s.d. p.,178).
Teixeira (2001, p. 30), estudando os limites e desafios da participação cidadã,
considera:
A participação cidadã utiliza-se não apenas de mecanismos institucionais já disponíveis ou a serem criados, mas articula-os a outros mecanismos e canais que se legitimam pelo processo social. Não nega o sistema de representação mas busca aperfeiçoá-lo, exigindo a responsabilização política e jurídica dos mandatários, o controle social e a transparência das decisões.
Vê as tentativas de ampliar essa participação como conseqüência da crise do
Estado levando à redução de gastos sociais e transferência de encargos para os municípios.
Também têm influído no processo a descentralização, a crise do sistema representativo, o
engajamento dos cidadãos e lutas contra ditaduras, levando líderes a assumirem gestão de
municipalização e criando mecanismos de participação. Alerta que o processo de
descentralização vem ocorrendo na maioria dos países, mas nem sempre acompanhando de
mecanismos efetivos de participação constituindo-se em muitos casos como forma de
legitimar governos com retórica participacionista.
Analisando experiências de participação na realidade brasileira o mesmo autor
observou a ampliação de espaços de participação em conselhos municipais, orçamentos
participativos, conferências, audiências públicas com a presença crescente da participação
cidadã no controle do poder político, formando um embrião de cultura política mais
democrática e participativa. No entanto, há o risco de tornarem-se instrumentos de
legitimação de políticos tradicionais ou de não se ter continuidade em virtude da resistência
das elites tradicionais que dominam o poder local. Entre os municípios analisados a questão
do risco da continuidade foi muito clara no município de Juatuba.
A questão da participação embora ressaltada em todos os municípios pesquisados
permite, também, diferenciar os governos municipais tendo em vista suas vinculações
partidárias e atuação na construção de processos mais democráticos. Municípios como Juiz
de Fora, Caratinga, Governador Valadares, vinham sendo administrados pelo PMDB,
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partido com presença forte no período da redemocratização do país, nos anos 80, quando
foram estimulados os primeiros movimentos de municipalização e também de autonomia.
Os municípios foram criando seus conselhos municipais, oportunidade aberta por leis
federais e estaduais, e ampliando suas redes de ensino. Estes três municípios estão entre os
que apresentam os CMEs mais antigos no Estado. No entanto, o PMDB é um partido que
engloba políticos de variadas posições, surgido com a idéia de movimento. Muitos desses
políticos possuem posturas tradicionais, mas buscando responder às novas demandas,
incorporam forma moderna de atuação. Tentam conciliar o novo e o velho. Esta marca está
impressa na perspectiva dos seus conselhos: composição e competências. Avançam, mas
procurando manter o controle do avanço e da população. As composições dos conselhos e
as competências dos mesmos vêm sendo reformuladas ao longo do processo, revelando a
transição gradativa do velho, tradicional, para o novo, o moderno. Seus conselhos se
assemelham na composição e competências e traduzem uma época.
Municípios pequenos, como Juatuba, bem próximo de Belo Horizonte, e Francisco
Sá, perto de Montes Claros, refletem o fato de estarem situados próximos a grandes centros.
Juatuba, município novo, com pouco mais de uma década de existência, tendo a indústria
como seu forte, mostra querer inovar e avançar, mesmo administrado por partidos
conservadores (PFL, PMDB). A modernidade vai sendo imposta de cima para baixo com a
população sendo levada a participar, mas com pouca organização para responder ao
processo. Os conflitos estão sobressaindo. A democratização ainda está em gestação.
Francisco Sá caminha com uma população que cobra, participa, responde às
oportunidades de interferir nas políticas e encontra espaço na administração orientada por
posições de abertura democrática, embora sob um partido marcado historicamente por
posições tradicionais, o PTB, mas com vínculo popular. Todos os professores são
qualificados, o município mostra-se convicto do que faz, de suas conquistas e prepara-se
para ir além. Em termos de processo não vislumbra muita mudança na estrutura
administrativa e pedagógica, transpondo para a estrutura do município a existente no
Estado, como, por exemplo, o serviço de inspeção.
Belo Horizonte, capital do Estado, administrada nos últimos anos,
alternativamente por partidos progressistas (PSB e PT) tem na participação popular sua
característica. Vem inovando em termos de processos, de propostas administrativas e
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pedagógicas com Conferências de Educação para decidir sobre o sistema e sobre o
pedagógico. Assume os conflitos e tenta superá-los.
Lavras e Juatuba parecem ter como referência o modelo de BH quanto às
competências e à composição do Conselho, mas incorporando-as de fora para dentro. Não
surgiram a partir da discussão com a comunidade num processo de construção.
Patos de Minas, situada no Alto Paranaíba, enfrentou dificuldades por assumir, de
uma vez, municipalizar duas vezes mais o número de alunos que tinha na rede, criar o
sistema e implantar as mudanças que a nova LDB trazia, como, por exemplo os ciclos de
formação e a progressão continuada. Na época, administrada por prefeito do PFL, e depois
do PTB. Sob a última gestão está revendo todo o processo, incluindo nessa tarefa a
sociedade, abrindo espaço para a participação.
Ribeirão das Neves, situada na zona metalúrgica, próxima a Belo Horizonte,
administrada por político do PSDB e depois do PFL mostra o seu protagonismo sendo o
primeiro município do Estado a criar o Sistema e a levar a frente propostas de mudanças
com as aberturas da LDB: ciclo, progressão continuada, inclusão de alunos de 6 anos no
Ensino Fundamental. Apropriou-se de algumas experiências de Belo Horizonte, adaptando-
as a seu contexto com pouca participação da sociedade. A discussão se deu na Secretaria de
Educação e com o pessoal das escolas. O conselho incorpora setores ligados à educação e
setores da sociedade civil como a Associação Comercial, Sindicato dos Trabalhadores,
OAB, Rotary Clube, Conselho Municipal de Saúde e Conselho da Criança e do
Adolescente. Modernização de cima para baixo.
Essas realidades exemplificam as diversas motivações que estão na base dos
processos de descentralização e autonomia acentuados nos anos 90. Para os partidos
conservadores a ação administrativa incentiva a desconcentração de tarefas no sentido de se
obter maior eficiência e rapidez aumentando a produtividade do sistema. Os que se
orientam pela linha progressista buscam maior participação nas decisões políticas e
administrativas, controle dos processos e da aplicação de recursos com vistas à
democratização social. Embora com motivações diferenciadas busca-se autonomia e a
participação é valorizada no processo. A democratização reflete os condicionantes da
história política do país. Em alguns casos a participação pode servir à legitimação de
decisões governamentais, em outras vem se constituindo em conquista e aprendizagem
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democrática. Em todos os casos a existência de conselhos, fóruns, congressos e outros
espaços de participação podem contribuir pedagogicamente para a construção de vivências
democráticas e ampliação de lutas pela garantia do direito à educação de qualidade.
A opção do município em criar o Sistema Municipal de Ensino confirma-se como
uma prerrogativa federativa em função da autonomia municipal, implementando suas
próprias políticas, independente do governo federal e estadual. Sem dúvida, as mudanças
municipais ocorreram induzidas por políticas no âmbito federal e estadual, mas o rumo
dado à apropriação das novas possibilidades firmou-se em função do contexto e das
características de cada município. Processos de municipalização, na direção dos governos
centrais para os municípios caracterizam-se como práticas desconcentradoras, enquanto a
reação dos municípios criando os seus sistemas e buscando assumir o controle de suas
políticas reflete claramente a autonomia federativa. No período posterior ao estudado, do
ano de 2001 a 2003, mais 11 municípios criaram seu Sistema de Ensino, no Estado de
Minas Gerais6.
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