aula 01 introdução a arte como experiência
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Arte e EstéticaIntrodução – Aula 01
Prof. Ms. Elizeu N. Silva
O poeta e dramaturgo parisiense Jean Cocteau (1889–
1963) propõe um interessante paradoxo ao abordar a
questão da função da arte. “A arte é indispensável. Se eu
ao menos soubesse para quê...”.
Esta é uma questão que atravessa os séculos e para a
qualnão há resposta final ou definitiva. A
questão perturba a humanidade pelo
menos desde as primeiras
elucubrações filosóficas na Grécia
antiga – que servem de matriz para
todo o sistema filosófico e
conhecimento ocidentais.
• Para que serve a arte?
A questão é precedida por outra, também fundamental:
• O que é arte, afinal? Que qualidades os objetos devem
apresentar para que sejam aceitos como obras de arte?
Aceita-se como válida a classificação da arte
(considerada de forma geral) como forma de
conhecimento. “Qualquer atividade mental
produz um conhecimento; se a arte não o
produzisse, seria uma brincadeira inútil”,
afirma Lionello Venturi.
Sendo uma forma de
conhecimento, que tipo de
conhecimento a arte
proporciona?
A questão pode ser encarada
pela oposição a outras formas de
conhecimento reconhecidas:
O PENSADOR, Auguste Rodin, 1902
SENSO-COMUM: A
filosofia o considera como
conhecimento vulgar.
Trata-se de uma
compreensão do mundo
fundada na percepção
imediata dos
fenômenos, sem
investigação detalhada
que vise alcançar as
verdades em nível de
profundidade.
SENSO-COMUM (Cont.): Transmitida de geração a
geração, e variando conforme as regiões geográficas e
grupos sociais nas quais ocorre, constitui-se em saber
popular às vezes transmissor de saberes válidos, outras
vezes mantenedor de crendices e exotismos (por
exemplo, simpatias).
RELIGIÃO: Fundado no pensamento místico, propõe uma
interpretação da vida e do ambiente na perspectiva da
relação direta entre a humanidade e a divindade. Procura
explicar os fenômenos
como causas
divinas, superiores à
capacidade racional do
indivíduo de compreendê-
las – cabendo-
lhe, portanto, apenas
aceitar as prescrições
transcendentais.
RELIGIÃO (Cont.): Estabelecem, desta forma, a estrita
dependência do indivíduo para com a divindade, a quem
deve obediência e temor. “O conhecimento místico deve-
se à completa dedicação do indivíduo ao universal, sem
recorrer à razão”. (Lionello Venturi)
CIÊNCIA: A partir do século XV, uma nova tomada de
consciência do SER decreta o esgotamento do modelo
teocêntrico predominante na Idade Média. Essa tomada de
consciência inicia o primado da RAZÃO que será
sintetizado pelo “cogito” cartesiano (René
Descartes, 1596–1650) no fim do século XVI:
“Penso, logo, existo”.
CIÊNCIA (Cont.): Com o cogito, Descartes estabelece o
ceticismo metodológico, em franca oposição ao
pensamento religioso vigente até um século antes.
O entendimento humano torna-se objeto da reflexão
filosófica.
“O pressuposto da teoria
do conhecimento como
reflexão filosófica é o de
que somos seres
racionais conscientes”.
(Marilena Chauí)
ARTES: À exemplo dos
dois primeiros, o
conhecimento artístico
não se funda na razão.
Antes, constitui-se num
olhar, numa maneira
peculiar/particular de
perceber o ambiente.
Não se trata de uma
visão universal. Ao
contrário, é
absolutamente individual.
Série SERTANEJA. Retirantes, Cândido Portinari, 1944
ARTES (Cont.): No
entanto, é um individual
que espelha a visão
universal. “Aquela pintura
de uma paisagem é o
conhecimento de um
indivíduo, por
exemplo, mas no qual a
imaginação do artista
imprimiu o valor de um
universal humano”.
(Lionello Venturi)Série SERTANEJA. Criança morta, Cândido
Portinari, 1944
A definição de VENTURI para o conhecimento artístico
associa as formas de expressão do artista (sua estética)
aos valores predominantes e universais na sociedade da
qual participa (ética). Esta relação entre estética e ética
nos permite perceber/entrever a maneira como povos do
passadopensavam, o modo
como se relacionam
entre si e com o
ambiente, ou povos
isolados da
atualidade, apenas
observando a arte que
produzem.
Algumas questões pertinentes:
• A arte faz parte da vida das pessoas? Por
que, atualmente, a arte ocupa um lugar tão distinto /
separado das atividades “normais”?
• Por que apenas poucas pessoas visitam galerias e
museus de arte?
Algumas questões pertinentes:
• Galerias e museus são os únicos lugares para se
envolver com a arte?
No antigo Egito, a arte tinha finalidades históricas e
ritualísticas. Tratava-se de um registro do cotidiano de reis
e príncipes que garantiam a permanência da memória
destes mesmo depois que morriam. Objetos artísticos na
forma de joias e vasos acompanhavam os mortos ilustres
nos sepultamentos, para que nada lhes faltasse.
Na Grécia antiga, berço do conhecimento Ocidental e da
Arte Clássica, as obras de arte faziam parte do cotidiano
das pessoas. Não eram criadas como obras de arte para
meracontemplação, mas estavam
inseridas no dia-a-dia. Esculturas
e pinturas faziam parte da
arquitetura. A poesia e a literatura
constituíam-se em formas
narrativas de feitos heroicos e de
registros históricos. O canto e a
dança participavam dos rituais
religiosos.
Na Antiguidade e na Idade Média, a pintura, a música e a
literatura tiveram importante papel na difusão da religião.
Por meio dessas linguagens artísticas, populações
analfabetas foram instruídas sobre os conteúdos bíblicos e
os dogmas da Igreja.
Em todos estes momentos
da história, ao longo de
séculos, a arte esteve
presente no cotidiano das
pessoas – e, portanto, não
havia distinção entre a arte
e o dia-a-dia.
O distanciamento entre arte e
indivíduos é um fenômeno
recente na história da
humanidade. Começa no
Renascimento, quando os
artistas começam a ser
reconhecidos como tal – ou
seja, quando o produto de seu
talento (a obra de arte) passa a
ser reconhecida e admirada por
suas qualidades estéticas
intrínsecas – e não mais por
representar algo além dela
MONA LISA, Leonardo Da Vinci, 1503
As pessoas desejaram ter as obras em casa, para deleite
pessoal e passaram a encomendá-las aos grandes
pintores.
ESCOLA DE ATHENA, Rafael Sanzio (1483–1520)
Se na Idade Média a Igreja
era a principal financiadora
das artes, com encomendas
que visavam decorar igrejas
e mosteiros, a partir da Era
Moderna, uma nova classe
política – a burguesia
endinheirada –, esta se
torna a grande
patrocinadora das artes.
Surge a figura dos
mecenas.
AS MENINAS (Família de Filipe IV, Diego
Velázquez, 1656
Como as obras de arte eram produções raras – o afresco
do teto da Capela Sistina, feito por Michelângelo, por
exemplo, custou quatro anos de trabalho ao pintor; a
pintura do altar Juízo Final tomou outros seis anos –
somente as famílias abastadas, ou a nobreza, podia
encomendá-las aos artistas. Rapidamente, tornaram-se
símbolo de status. Nobres e plebeus endinheirados
contratavam artistas para os pintarem no ambiente familiar
ou em atividades prazerosas que revelassem o estilo de
vida em que viviam e suas preferências pessoais.
JUÍZO FINAL (Altar da Capela Sistina), Michelangelo Buonarroti, 1534
O advento da sociedade industrial em fins do século XVIII
e início do XIX fez surgir um novo modelo econômico: o
capitalismo. Sob este princípio, o ideal perseguido pelos
indivíduos e pelas empresas é o acúmulo de capital.
Ora, sendo as obras de arte um produto
valioso, naturalmente tornou-se objeto de desejo dos
novos-ricos capitalistas – a burguesia industrial surgida na
Inglaterra e que logo se tornaria predominante no restante
da Europa e nos EUA.
Possuir obras de arte significava um importante
investimento. Mais que isso, significava um passaporte
para uma condição de elite inacessível para a maioria da
população. Nas mãos dos capitalistas, a obra de arte vira
mercadoria com altíssimo valor simbólico.
Para a imensa população
pobre, é destinada a
produção da indústria
cultural , geralmente de
baixa qualidade, produzida
em série e objetivando o
consumo massificado.
“Quando um produto artístico atinge o status de
clássico, de algum modo ele se isola das condições
humanas em que foi criado e das consequências humanas
que gera na experiência real de vida”. John Dewey
O STATUS DE PRODUÇÃO CLÁSSICA REFORÇA A
SEPARAÇÃO ENTRE ARTE E INDIVÍDUOS:
“A vida é compartimentalizada, e os compartimentos
institucionalizados são classificados como superiores e
inferiores; seus valores, como profanos e espirituais,
materiais e ideais. (...) Visto que a religião, a moral, a
política e os negócios têm seus próprios compartimentos,
dentro dos quais convém que cada um permaneça,
também a arte deve ter seu âmbito peculiar e privado”.
John Dewey
A questão da acessibilidade às obras de arte deve ser
pensada sob duas perspectivas:
• O estranhamento pode ser superado por qualquer
pessoa que se disponha a vencer as barreiras iniciais e
conhecer o sentido da arte. É necessário conviver com
a obra de arte. (Anne CAUQUELIN). Visitar museus e
galerias de arte com espírito desarmado, livre de
preconceitos, disposto a viver a experiência estética
proporcionada pela arte é o primeiro passo.
Exposição OS
IMPRESSIONISTAS.
Centro Cultural do
Banco do
Brasil, SP, 2012
• As obras de arte estão presentes no cotidiano das
populações urbanas. Os grafites, os murais, as
intervenções urbanas são ótimos exemplos de artes
visuais presentes no cotidiano das grandes cidades e
que nem sempre são reconhecidas como arte. É
preciso abrir os olhos e desenvolver a sensibilidade
para percebê-las.
Grafite. Os
Gêmeos.
Bibliografia
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo, Ed. Ática, 2005
DEWEY, John. A arte como experiência. São Paulo, Martins Fontes, 2010
GOMBRICH, E. H. A história da arte. Rio de Janeiro, 16ª
edição, LTC, 1999
READ, Herbert. O sentido da arte. São Paulo, 4ª edição, Ibrasa, 1978
VENTURI, Lionello. História da crítica de arte. Lisboa, Edições 70, 2007