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AS RELAÇÕES INTRÍNSECAS ENTRE O TEATRO DO OPRIMIDO E A
DITADURA MILITAR NO BRASIL
REINALDO RODRIGO DOS SANTOS1
Resumo
O presente artigo busca evidenciar as relações do surgimento do Teatro do Oprimido (TO) com a
ditadura militar brasileira. Método teatral criado por Augusto Boal no início da década de 1970, o Teatro
do Oprimido expandiu-se mundialmente com sua ideia de levar o espectador para o palco, fazendo deste
um participante ativo dos espetáculos. Já a ditadura militar no Brasil teve início em 31 de março de 1964
e na época Boal, diretor do Teatro de Arena, trabalhava em produções com temáticas realistas. No
entanto, a situação do país em termos de repressão, pioraria em 1968 com a instauração do Ato
Institucional número 5 (AI 5), que sacramentava a censura prévia aos meios de comunicação. Os
espetáculos teatrais eram analisados por censores que cortavam cenas, desfigurando a ideia central das
produções. A partir disso, Augusto Boal fortaleceu-se com o surgimento do Teatro do Oprimido, mesmo
quando exilado em 1971. O artigo objetiva explicar o nascimento deste método, traçando a sua relação
com a ditadura militar numa metodologia que inclui pesquisas bibliográficas em livros e artigos
especializados para desmembrar uma parte da história política e cultural do Brasil.
Palavras-chave: Teatro do Oprimido; Ditadura Militar; História do Brasil; Teatro Brasileiro.
Abstract
The present article searchs to evidence the relations of the sprouting of the Theater of the Oppressed one
(TO) with the Brazilian military dictatorship. Teatral method created by Augustus Boal at the beginning
of the decade of 1970, the Theater of the Oppressed one was world-wide become enlarged with its idea
to take the spectator for palco, making of this an active participant of the spectacles. Already the military
dictatorship in Brazil had beginning in 31 of March of 1964 and at the time Boal, director of the Theater
of Enclosure for bullfighting, worked in productions with thematic realists. However, the situation of
the country in repression terms, would get worse in 1968 with the instauration of the Institucional Act
number 5 (THERE 5), that the previous censorship to the medias sacramentava. The teatrais spectacles
were analyzed by censors who cut scenes, disfiguring the central idea of the productions. From this,
August Boal was fortified with the sprouting of the Theater of the Oppressed one, exactly when exiled
in 1971. The objective article to explain the birth of this method, tracing its relation with the military
dictatorship in a methodology that includes bibliographical research in specialized books and articles to
desmembrar a part of history cultural politics and of Brazil.
Keywords: Theater of the Oppressed one; Military dictatorship; History of Brazil; Brazilian theater.
1 Mestrando em Hospitalidade (UAM), Especialista em Gestão Escolar, Licenciado em Sociologia (UPSJ),
Bacharel em Administração de Empresas (UNINOVE). Tutor pelo EAD Laureate. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8111062126410065. E-mail: [email protected]
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INTRODUÇÃO
O teatro é uma arte antiga, que passou por diversas transformações ao longo dos tempos
e muitas delas acompanhadas pela evolução política e social de determinada nação. A arte
cênica foi intensificando seu potencial libertador em relação a uma sociedade oprimida. Da
Silva (2014), detalha:
Com o passar dos anos, o teatro foi criando as divisões que formam a sua base atual:
protagonista, coro, palco, espectadores etc. As classes dominantes sempre tentaram
se apropriar do teatro ao perceber o seu poder para contribuir com o processo de
libertação das classes oprimidas (DA SILVA, 2014:25).
Mesmo assim, o papel do espectador seria o de somente assistir ao espetáculo, sonhando,
refletindo e torcendo pela sorte do herói da história encenada. Da Costa (2014), complementa:
A criação do personagem principal (ou herói), como solucionador do conflito
apresentado em cena, e a consequente absorção catártica da emoção causada pela
sua vitória por parte da plateia que se vê representada pelo ator central do espetáculo
em tal ato, foi o primeiro passo para criar a distância entre o ator e o espectador (DA
SILVA, 2014:25)
Boal (2003), comenta que a identificação do espectador com o protagonista é tamanha,
que os seus pensamentos são interrompidos, e a partir de então, passa a pensar com a cabeça do
personagem principal de determinado espetáculo. Esta ideia, inclusive, é inserida na construção
de heróis catárticos em filmes, seriados e novelas, cujo objetivo, segundo Da Silva (2014), é
meramente comercial, fazendo o público embarcar numa realidade oposta à sua, sem maiores
finalidades. Peixoto (1981), comenta: “a identificação do público com os personagens coloca o
primeiro em estado de êxtase e assim poderá atingir a purgação (catarse) destas emoções”
(PEIXOTO, 1981: 61).
Augusto Boal, com o Teatro do Oprimido veio, de certa forma, romper um paradigma
que afastava o público dos atores, traçando uma aproximação, colocando-o como protagonista
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e não somente como mero espectador. O seu método teatral nasceu devido à necessidade de
combater a opressão, oriunda do regime militar que o Brasil atravessava na época. A proposta
deste artigo é discutir as relações entre uma metodologia consagrada mundialmente e um golpe
militar de consequências indissolúveis, que limitou a liberdade artística em todas as vertentes.
Peixoto (1981), coloca as artes como uma grande arma de combate às injustiças e
desumanidades: “A arte sempre foi uma forma aberta de desafio e rebeldia e o teatro tem
assumido, em diferentes períodos de sua trajetória histórica, um papel de agente da contestação”
(PEIXOTO, 1981: 56). Ou seja, pode ser possível estabelecer a relação de uma parte da história
do teatro brasileiro, com o contexto político do país.
1. O golpe militar e suas consequências no teatro brasileiro
A intolerância gera grandes conflitos dentro de uma nação, Freitas (2007), explica: “A
intolerância tem início pela contradição da própria essência da humanidade: querer ser livre
condicionando o outro à sua vontade. ” (FREITAS, 2007: 194). Por este ponto de vista, numa
batalha de interesses ideológicos, onde uma parte da sociedade brasileira temia o comunismo,
ocorreu o golpe militar. Em 31 de março de 1964, o presidente João Goulart, mais conhecido
como Jango, foi deposto de seu cargo, refugiando-se no Uruguai, e os militares assumiram o
comando do Brasil, iniciando-se assim, uma ditadura que duraria vinte e um anos. Ainda
segundo Freitas: “A ditadura militar no Brasil foi, incontestavelmente, uma época na qual a
intolerância foi levada ao extremo” (FREITAS, 2007:195). As pessoas não podiam manifestar
seus pensamentos contrários ao governo, pois poderiam ser torturadas, mortas ou exiladas.
Freitas comenta que eram utilizadas não somente torturas físicas contra os presos, mas também
ações que infligiam a saúde psicológica da vítima.
Segundo o site “Toda Matéria”, no dia 9 de abril de 1964 houve o decreto do Ato
Institucional nº 1, com isso, o Congresso teve plenos poderes para eleger um novo presidente.
Humberto de Alencar Castelo Branco foi o primeiro presidente da era militar do Brasil. Outros
três Atos Institucionais seriam decretados com consequências relevantes para a sociedade,
como a extinção dos partidos políticos em 1965. Segundo Nervo (2005), no entanto, o Ato
Institucional nº 5, decretado pelo então presidente Costa e Silva, em 13 de dezembro de 1968,
sacramentaria o período mais violento da ditadura militar. Esclarecendo que o AI 5 surgiu com
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leis mais rígidas, de acordo com o site “Toda Matéria”, devido às intensas manifestações
populares de estudantes e artistas contra o golpe. Por conta deste Ato Institucional, a censura
prévia aos meios de comunicação surgiu. Segundo Paes (1993): “Durante os dez anos em que
vigorou o AI-5 (1968-1978), a censura federal proibiu mais de quinhentos filmes, quatrocentas
peças de teatro, duzentos livros e milhares de músicas” (Paes, 1993: 199).
Segundo Albuquerque (1987), a classe artística foi o segmento mais afetado pelo golpe
militar e exemplifica: “A ação imediatamente paralisante de uma censura prepotente e
intolerante aliou-se a outras medidas arbitrárias, como a perseguição e prisão de algumas figuras
de destaque, ou a decisão do governo de somente subvencionar um tipo de arte que não o
ousasse desafiar” (ALBUQUERQUE, 1987: 5).
Com a censura prévia aos meios de comunicação, os censores, responsáveis por proibir
ou liberar qualquer obra de cunho artístico, analisavam os conteúdos das peças de teatro,
assistindo ao ensaio geral das mesmas. Mas em encenações teatrais imprevistos ocorrem. Por
conta disto, a possibilidade de inclusão de falas que não deveriam fazer parte da peça, os
censores determinavam obediência às suas determinações de forma mais incisiva. Albuquerque
(1987), comenta:
Dentre as artes, o teatro foi a que mais sofreu restrições no período em pauta, tanto
devido ao considerável envolvimento político dos seus praticantes antes e depois do
golpe, como devido à sempre presente possibilidade, durante a apresentação de uma
peça teatral, de improvisação e adição de falas não incluídas no texto previamente
aprovado pelos censores. (ALBUQUERQUE, 1987: 5).
Ainda de acordo com Albuquerque, depois do golpe de 1964, o teatro brasileiro aliou-se aos
operários e estudantes nas denúncias de abusos de poder. Mas foi no período mais violento da
ditadura militar, durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici, que o teatro nacional
amargou seus piores momentos.
Todavia, diversos grupos teatrais trabalhavam em prol de encenar seus espetáculos e, mesmo
que de forma “disfarçada”, as críticas ao governo estavam presentes:
Os dramaturgos do período reagiram a essas práticas através da veiculação em
forma artística do seu repúdio e protesto. As cenas de tortura examinadas neste
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trabalho fazem parte de peças escritas e publicadas durante o regime militar, não
estando aqui incluídos trechos de obras escritas ou publicadas desde o início da Nova
República, com a volta dos civis ao poder, em março de 1985. As cenas a seguir
estudadas fazem parte das seguintes peças: O Abajur Lilás, de Plínio Marcos,
Patética, de João Ribeiro Chaves Neto, Papa Highirte, de Oduvaldo Vianna Filho,
Milagre na Cela, de Jorge Andrade, e "Torquemada," de Augusto Boal.
(ALBUQUERQUE, 1987: 5-6).
Porém, antes do Ato Institucional nº 5, o teatro já manifestava suas opiniões contrárias
ao golpe militar de 1964. Segundo Freitas (2007), em 1965 ocorreu a encenação de “Liberdade,
Liberdade”, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel, que discutia o conceito de liberdade nas mais
variadas épocas. No ano anterior, um grupo de artistas levou ao palco do Teatro de Arena, um
espetáculo musical intitulado “Opinião”, com conhecidos nomes da música brasileira. De
acordo com Freitas, participaram do projeto: Zé Kéti, João do Vale e Nara Leão, que foi
substituída algum tempo depois por Maria Bethânia. “Opinião” teve direção de Augusto Boal,
que em sua trajetória, sempre manifestou seu interesse por causas sociais, através de reflexões
contidas num texto e cuja temática fosse a mais abrasileirada possível, ao contrário do que
acontecia em algumas produções teatrais, como as do TBC, quando assumiu a direção do Teatro
de Arena: “Porém, se antes os nossos caipiras eram afrancesados pelos atores luxuosos, agora,
os revolucionários irlandeses eram gente do Brás(...)Tornou-se necessária a criação de uma
dramaturgia que criasse personagens brasileiros para os nossos atores”. (BOAL, 2005: 246).
O teatro brasileiro caminhava para uma transformação com a inclusão de uma
dramaturgia que delatasse a realidade do nosso país, porém precisou interromper seu caminho
devido à ditadura militar, incluindo textos realistas disfarçados de críticas políticas, como já
mencionado. Mais um exemplo disso foi: “A Gota D´ Água” de 1975, escrita por Paulo Pontes
e Chico Buarque, numa adaptação do clássico da tragédia grega “Medéia” de Eurípides (431
a.C). Freitas (2007), explica a importância desta peça teatral:
Por meio da história de uma fictícia vila no Rio de Janeiro, a “Vila do MeioDia”, os
autores de Gota D’água vão buscar, então, maneiras de burlar a repressão e a
censura acirradas e conseguir um diálogo engajado com o público, valorizando a
palavra popular, mas, ao mesmo tempo, estabelecendo a “linguagem de fresta”, com
a invenção dos personagens e das situações. (FREITAS, 2007:207).
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Diante de um contexto político, com consequências que geraram tantas violências, torturas,
proibições e mortes, Augusto Boal viu o Teatro do Oprimido (TO), seu método teatral, crescer
e se expandir mundialmente.
2. O Teatro do Oprimido
Segundo Da Silva (2014), O Teatro do Oprimido é um método teatral criado por
Augusto Boal, e teve início no ano de 1971 na cidade de São Paulo. Da Silva comenta:
Era um tempo de ditadura civil-militar no Brasil e as liberdades políticas e artísticas
eram tolhidas dos cidadãos que discordassem do regime ditatorial. Foi nesse
ambiente que Boal começou a utilizar o teatro para denunciar as opressões contra os
trabalhadores e a censura imposta à imprensa e aos artistas (DA SILVA, 2014:23).
Ainda de acordo com Da Silva, no auge da ditadura, quando era impossível a encenação
de espetáculos teatrais populares de temáticas políticas, Boal começou a trabalhar com uma
técnica intitulada, “Teatro Jornal”: “Essa técnica consistia em ir para os espaços públicos e
denunciar a ditadura militar brasileira ao recriar as versões das notícias que eram publicadas
nos jornais de então, impedidos de divulgar informações contrárias ao regime militar” (DA
SILVA, 2014:28).
Maranho (2013), afirma que em setembro de 1970, o Teatro de Arena, que contava com
Boal na direção, através de pesquisas, numa criação coletiva, estreou: “Teatro Jornal, Teatro
Jornal – Primeira Edição”. Já Peixoto (1981), acrescenta que o “Teatro Jornal” já havia sido
experimentado na Rússia, no início do século passado e nos Estados Unidos, na década de 1930,
com o nome de “Living Newspaper”. Maranho alega que menos de um ano após esta
experiência cênica, Boal foi preso, torturado e por fim, exilado. Devido a isso, o Teatro do
Oprimido, se espalharia pelo mundo, primeiramente na América Latina e mais tarde na Europa.
No entanto, para melhor compreensão de como surgiu a ideia do TO e seus mais
variados métodos, é necessário um maior aprofundamento a respeito do seu criador, Augusto
Boal.
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2.1 Augusto Boal: Política e Inovação teatral
Bezerra (2009), conta que Augusto Boal era um carioca, formado em engenharia
química com pós-graduação pela Universidade de Columbia, em Nova York. No entanto, em
meados dos anos 50, ainda segundo Bezerra, abandona a carreira científica para dedicar-se à
sua verdadeira vocação: a arte teatral:
De retorno ao Brasil, exercendo as funções de dramaturgo e diretor teatral, Boal é
um dos primeiros a pôr em prática um projeto de popularização do teatro brasileiro.
A trajetória de Augusto Boal como a de muitos "revolucionários", constroi-se pouco
a pouco, obedecendo a uma lógica da criação teatral que recusa veementemente a
arte isolada da vida. Em 1956, ele dirige o Teatro Arena de São Paulo. De 1958 a
1967, o Brasil descobre peças do repertório americano, europeu, brasileiro e, quase
simultaneamente, Stanislavski (método de interpretação naturalista) e Brecht (a
técnica da Verfremdung – o distanciamento alemão). (BEZERRA, 2009:2).
Rocha (2007), afirma que para Boal, o Teatro de Arena teve quatro fases distintas, que
de alguma forma contribuíram para o contexto histórico do Brasil e suas grandes mudanças ao
longo dos anos. Rocha, detalha:
A primeira etapa, iniciada em 1956, é chamada por Boal de realista e veio se
sobrepor à estética implantada pelo TBC – Teatro Brasileiro de Comédia – que
atendia, fundamentalmente, aos anseios da classe alta paulistana. Ao contrário do
TBC, o Arena desta época se dedicou à classe média que encontrou em suas
encenações o reflexo do que desejava em termos culturais: assistir a interpretações
brasileiras, ouvir não mais o sotaque afrancesado ou a dicção inglesa dos atores,
mas presenciar a atuação genuinamente brasileira mesmo em peças estrangeiras –
pois eram as encenadas naquele momento (ROCHA, 2007:2).
Boal, implantaria no Teatro de Arena uma política da valorização ao nacional, iniciando
a segunda fase do espaço cênico. Para o encenador era necessário um olhar sobre a nossa
realidade, para os nossos talentos, numa negação às produções estrangeiras. Havia um
favorecimento da ideia de Boal com a construção de Brasília, que trouxe aos brasileiros certo
orgulho de pertencer a esta nação. Mas, segundo Rocha (2007), esta euforia nacionalista se
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esvaziaria a partir do momento em que a plateia passou a se incomodar com o excesso de
realismo, afinal o que viam no teatro já era visto cotidianamente nas ruas. Percebendo uma
necessidade de mudança, Augusto Boal transforma novamente o repertório do Teatro de Arena,
decidindo nacionalizar textos estrangeiros, baseado nas necessidades políticas e sociais da
época. Boal (2005), detalha, comentando a respeito da encenação do espetáculo “A
Mandrágora”, de Maquiavel.
A Mandrágora, em nossa versão, foi feita não como peça acadêmica, mas como
esquema político ainda hoje utilizado para a tomada do poder. O poder, na fábula,
era simbolizado por Lucrécia, a jovem esposa guardada a sete chaves, mas mesmo
assim acessível a quem a queira e por ela lute – sempre que se lute tendo em vista o
fim que se deseja e não a moral dos meios que se usam (BOAL, 2005: 249).
Em sua quarta fase, o Teatro de Arena trabalha com espetáculos musicais: “Arena conta
Zumbi” e “Arena conta Tiradentes”. Rocha (2007), salienta que ambos os espetáculos traziam
referências à História do Brasil, enaltecendo heróis (no caso do primeiro espetáculo, Zumbi dos
Palmares e do segundo, Tiradentes), e seus ideais de organização social e revolucionária.
Em meio a tantas transformações vividas pelo Teatro de Arena, Boal cria um conceito
intitulado: Coringa. Rocha (2007), explica: “Surge o Sistema Curinga, do Teatro do Oprimido.
O Curinga – inicialmente grafado com “o”, em referência à carta de baralho que pode assumir
diferentes posições, hoje conhecido como Curinga”. (Rocha, 2007:4). Já Nunes (2004),
complementa que este sistema realiza a ponte entre o palco e a plateia. “Aquele que assume
esta função realiza as mediações entre as intervenções da platéia e as encenações do palco. Em
outras palavras, o Curinga transita na tênue linha que divide e une, concomitantemente, o
espetáculo teatral e os desejos da sociedade”. (NUNES, 2004:28).
Através da criação do Curinga, ocorre a introdução ao Teatro do Oprimido, sendo que
Boal se inspirou nas ideias de Paulo Freire acerca da pedagogia da libertação, de acordo com
Rocha (2007). Bezerra (2006), complementa:
O termo Teatro do Oprimido surge, por conseguinte, como título da primeira obra de
Boal, onde o autor refere-se explicitamente a Paulo Freire. O aspecto pedagógico
desse teatro aparece em primeiro plano. O projeto político destaca-se com força e
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impõe-se através de um processo análogo ao que deu luz à Pedagogia da Libertação.
O Teatro do Oprimido torna-se meio de comunicação, linguagem. Pretendendo
desenvolver as capacidades expressivas do povo, transformá-lo em criador,
oferecendo-lhe, concomitantemente, o conhecimento de uma linguagem cotidiana e
também de uma linguagem artística, Boal, partidário de uma “cultura popular”,
reivindica uma arte teatral acessível a todos, profissionais ou não (BEZERRA,
2006:15).
Esta nova concepção de arte teatral, seria trabalhada durante um certo período. Com o
golpe militar em 64, ainda era possível encenar produções com certas liberdades, no entanto,
após o AI 5, em 68, a situação se complicaria, como já comentando anteriormente. Com a
criação do “Teatro Jornal”, Boal traçou uma tentativa de continuar exercendo sua arte, porém
como também mencionado, acabou preso e, exiliado, inseriu suas metodologias ao redor do
mundo, iniciando sua jornada pela Argentina e Peru para mais tarde alcançar a Europa. Segundo
Rocha (2007):
A presença do Teatro do Oprimido na Europa se inicia em 1976, em Portugal, onde
Boal passa a viver. No mesmo ano, o livro Théâtre de l’Opprimé é publicado na
França. Em 1978, Boal se instala em Paris e o Teatro do Oprimido se
institucionaliza, com os mesmos fundamentos que o originaram no Brasil sob a
repressão da ditadura militar. Os confrontos com outras formas de opressão, na
França e na Europa em geral, fazem com que se amplie a compreensão acerca do
significado de opressão, uma vez que, pela experiência latinoamericana, o termo se
vinculava necessariamente à repressão militar, o que não se confirmava na realidade
social européia daquele momento. (ROCHA, 2007:5/6).
Maranho (2013), destaca o TO como uma prática política que se compromete com a
libertação dos espectadores frente ao fenômeno teatral. Além do “Teatro Jornal”, foram criados
outros métodos dentro do Teatro do Oprimido, entre eles: “Teatro - Invisível”, “Teatro –
Imagem” e “Teatro - Fórum”, que segundo Da Silva (2014), é a mais utilizada das técnicas do
TO. Boal (1992), define TF:
Consistia basicamente nisto: apresentávamos uma peça contendo um problema ao
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qual queríamos encontrar uma solução. O espetáculo se desenvolvia até o momento
da crise, até o momento em que o Protagonista devia tomar uma decisão. Aí
parávamos e perguntávamos aos espectadores o que deveria ele fazer. Cada um dava
a sua sugestão. E os atores, no palco, improvisavam uma por uma, até que todas as
sugestões se esgotassem (BOAL, 1992, p 19).
Com o passar do tempo, o próprio espectador passou a ser convidado para subir no
palco, assumindo a lugar do ator, mostrando como o problema deveria ser solucionado,
unificando o trabalho do artista com o público. Para o diretor: “em uma sessão de Teatro do
Oprimido não há espectadores, mas observadores ativos” (BOAL, 1992:53).
Augusto Boal, mesmo com o fim da ditadura militar, ao ser eleito vereador do Rio de
Janeiro, ainda implantou mais um método dentro do TO: “Teatro Legislativo”, segundo Boal
(1996): “o Teatro Legislativo é um novo sistema, uma forma bem mais complexa, pois inclui
todas as formas anteriores do TO e mais algumas, especificamente parlamentares” (BOAL,
1996, p. 9).
No dia 2 de maio de 2009, Augusto Boal faleceu, entretanto, sua relação teatral com a
política, possivelmente será lembrada pelo destaque que obteve numa época de grandes
confrontos de ideias, ocorridos durante a ditadura militar, onde grande parte da população
brasileira passou por um processo de opressão. Para Maranhos (2013): “Fazer teatro do
Oprimido é, definitivamente, tomar partido dos oprimidos, mas isso não deve ser uma decisão
artística e sim cidadã, que se dará a partir do fenômeno teatral, mas terá seu fim último na
realidade”. (MARANHOS, 2013: 471).
3. Considerações Finais
No artigo apresentado acima, foi possível traçar um paralelo entre a história da ditadura
militar no Brasil e o surgimento do Teatro do Oprimido. Augusto Boal, diretor teatral com
ideias que valorizavam o nosso país, pensava num teatro de forma democrática, pois para ele
não havia diferenças entre espectador e atores. Boal não queria um público passivo às emoções
de um personagem, considerava justa a chance da plateia vivenciar aquelas sensações como
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parte da história e não como um ouvinte passivo. Sua incursão ao Teatro de Arena, serviu como
introdução às suas maiores ambições, que de fato foram concretizadas por causa das
consequências do golpe militar.
Com a ditadura, estabeleceu-se uma relação de opressores e oprimidos, pois a partir do
momento em que nossas opiniões são proibidas e, sendo expressadas, passam a ser dignas de
torturas e mortes, passamos a viver à margem de uma situação de mera submissão. Sendo o
artista um porta-voz de uma sociedade, certamente irá querer mostrar ao seu público, mesmo
que de forma velada, assim como ocorreu em diversas produções teatrais nacionais nos tempos
da ditadura, a realidade do que está acontecendo com o seu país. Augusto Boal, que já
nacionalizava suas peças, tentou de forma inovadora com o “Teatro Jornal”, embutir no
espectador, através de notícias reais, o quanto a nossa sociedade corria riscos por conta da
repressão.
Boal foi preso, torturado e exilado, mesmo assim resistiu, tornando o Teatro do
Oprimido, um método que ainda nos dias de hoje, é reverenciado e valorizado dentro e fora do
Brasil. O importante em contextualizar com a ditadura militar, é salientar que a arte resiste em
tempos de guerra, alcançando seu maior êxito em termos de criação. O TO, atingiu seus
propósitos, o público tem a sua oportunidade de participar efetivamente de uma produção
teatral, isso auxilia na formação de cidadãos mais conscientes de seus direitos e deveres, fatores
fundamentais à formação de uma sociedade democrática.
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