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7/31/2019 As Redes Imaginadas Do Cultura Viva http://slidepdf.com/reader/full/as-redes-imaginadas-do-cultura-viva 1/29 AS REDES IMAGINADAS DO CULTURA VIVA Valéria Viana Labrea 1 Frederico Augusto Barbosa da Silva 2 Resumo: Este estudo busca acompanhar as transformações e as derivas de sentido produzidas pela noção de rede do Programa Cultura Viva. Denominamos espaço de formulação aquele em que os discursos são materializados nos documentos oficiais da SCC e passa a constituir o discurso institucional do PCV e sua memória discursiva. O espaço de formulação tem como característica a paráfrase e a repetição do mesmo. O espaço de interlocução é representado pelos recortes discursivos produzidos pelos beneficiários do Programa, bem como demais parceiros e interlocutores no Seminário Internacional do PCV, que produzem discurso sobre o Cultura Viva e neste espaço existe abertura tanto para a paráfrase quanto para a interpretação, a diferença e a polissemia. Neste espaço procuramos refletir sobre a efetividade das redes, sob o ponto de vista dos protagonistas do PCV. Palavras-chave: redes culturais, Programa Cultura Viva, Pontos de Cultura. INTRODUÇÃO O Programa Cultura Viva está na vanguarda das políticas públicas do Estado, ao reconhecer na sociedade e nas diversas expressões regionais, estéticas, a força necessária para revelar os brasis ocultos ou excluídos. Este Programa revela o quanto do que chama “realidade” é apenas uma versão da história. Há manifestações de resistências, beleza guerreira e afirmação de respeito que não saem nos jornais, revistas, rádios ou tevês. Estes Pontos de Cultura são realidades que agora se mostram e se cruzam com a força autêntica da cultura feita por quem a vive como esta TEIA. Gilberto Gil (Teia, 2006). Ao propor estudar as redes do Programa Cultura Viva (PCV) focaremos em um nível de análise que põe em evidência o aspecto discursivo e o nível da formulação das ideias e conceitos que organizam as práticas tanto da Secretaria de Cidadania Cultural (SCC) do Ministério da Cultura (MinC) quanto dos Pontos e Pontões de Cultura. O 1 Pesquisadora do DISOC/IPEA no projeto Redesenho do Programa Cultura Viva. E-mail: [email protected] 2 Coordenador do projeto Redesenho do Programa Cultura Viva do DISOC/IPEA. E-mail: [email protected]

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AS REDES IMAGINADAS DO CULTURA VIVA

Valéria Viana Labrea1 Frederico Augusto Barbosa da Silva2

Resumo: Este estudo busca acompanhar as transformações e as derivas de sentido produzidas pela noção derede do Programa Cultura Viva. Denominamosespaço de formulação aquele em que os discursos são materializados nos documentos oficiais daSCC e passa a constituir odiscurso institucional do PCV e sua memória discursiva. Oespaço de formulação tem como característica a paráfrase e a repetição do mesmo. Oespaço de interlocução é representado pelos recortes discursivos produzidos pelos beneficiários do Programa, bem como demais parceiros e interlocutores no SeminárioInternacional do PCV, que produzemdiscurso sobre o Cultura Viva e neste espaçoexiste abertura tanto para a paráfrase quanto para a interpretação, a diferença e a polissemia. Neste espaço procuramos refletir sobre a efetividade das redes, sob o pontode vista dos protagonistas do PCV.

Palavras-chave:redes culturais, Programa Cultura Viva, Pontos de Cultura.

INTRODUÇÃOO Programa Cultura Viva está na vanguarda das políticas públicasdo Estado, ao reconhecer na sociedade e nas diversas expressõesregionais, estéticas, a força necessária para revelar os brasis ocultosou excluídos. Este Programa revela o quanto do que chama“realidade” é apenas uma versão da história. Há manifestações deresistências, beleza guerreira e afirmação de respeito que não saemnos jornais, revistas, rádios ou tevês. Estes Pontos de Cultura sãorealidades que agora se mostram e se cruzam com a força autênticada cultura feita por quem a vive como esta TEIA.

Gilberto Gil (Teia, 2006).

Ao propor estudar asredes do Programa Cultura Viva (PCV) focaremos em um

nível de análise que põe em evidência oaspecto discursivo e o nível da formulação dasideias e conceitos que organizam as práticas tanto da Secretaria de Cidadania Cultural(SCC) do Ministério da Cultura (MinC) quanto dos Pontos e Pontões de Cultura. O

1Pesquisadora do DISOC/IPEA no projeto Redesenho do Programa Cultura Viva. E-mail:[email protected] do projeto Redesenho do Programa Cultura Viva do DISOC/IPEA. E-mail:

[email protected]

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discurso3, nessa perspectiva é concebido enquantoefeito de sentidos entreinterlocutores, como um lugar particular em que relação entre prática política elinguagem ocorre (GADET & HAK: 1997). Por efeito de sentido entende-se que osentido sempre pode ser outro, dependendo do lugar social em que os interlocutores seinscrevem. O sentido não está mais na língua, mas tem que ser referido ao mecanismodiscursivo que o tornou possível em determinado contexto sócio-histórico-ideológico.Entende-se, assim, que a língua não é transparente e o sentido não é evidente: o sentidoé uma construção de umefeito de evidência que deriva de um gesto de interpretaçãoinscrito em um contexto histórico determinado. O discurso é umobjeto teórico que serelaciona com o exterior, em que língua e história estão indissociavelmente relacionadase está vinculado às condições de produção deste discurso, relacionando-o àexterioridade, à conjuntura histórico-social em que foi produzido e à rede deformulações que outros discursos estabelecem (INDURSKY, 1998:p.12).

O discurso sobre as redes do PCV, num primeiro momento formulado no âmbitoda SCC é rapidamente apropriado pelos beneficiários do Programa e, a partir dai,repetido, reformulado, adaptado, partes esquecidas, partes silenciadas mostrando comose (con)forma a memória discursiva do Programa. A ideia deste estudo é acompanhar astransformações e as derivas de sentido produzidas pela noção derede que constitui um

ds conceitos estruturantes do PCV4, conectar cadeias de sentidos em redes deformulação que compõem estes discursos, desvelar suas filiações de sentido,explicitando a relação do sujeito com a memória discursiva. Entendemos como

memória discursiva 5 os já-ditos que, de alguma forma se relacionam, determinam eatualizam o discurso sobre o papel que desempenham as redes no Programa CulturaViva.

Para fins de análise, denominamosespaço de formulação (EF) aquele em que os

discursos são materializados nos documentos oficiais da SCC - tendo sua origemconhecida e explicitada -, que visa fortalecer e dar visibilidade aos conceitos e ações doPrograma e passa a constituir odiscurso institucional do PCV. O espaço de formulaçãotem como característica a paráfrase6 e a repetição do mesmo. Identificamos como a

3 Para um aprofundamento no tema, indicamos as seguintes leituras: GADET, F. & HAK, T. (1997);ORLANDI (1996; 1999); PÊCHEUX (1990; 1995).4 Os conceitos estruturantes do PCV são protagonismo, empoderamento, autonomia, gestãocompartilhada e rede (in: Cultura Viva...:2005).5

Sobre esse assunto recomendamos a leitura de ACHARD, P.et al . Papel da memória . Campinas:Pontes, 1999.6 A paráfrase é um recurso intertextual no qual um texto é elaborado a partir do conteúdo de um textoanterior, mantendo, contudo, seu conteúdo semântico inalterado. Na perspectiva discursiva, a paráfrase

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origem desta memória discursiva a publicaçãoCultura Viva; Programa Nacional de

Arte, Educação, Cidadania e Economia Solidária 7 (2005) e ele será nossa principalreferência do discurso fundador e a partir dele buscaremos verificar qual o sentido derede assumido discursivamente pela SCC que passa a constituir sua memória discursiva.O discurso fundador, para a escola francesa de Análise do Discurso, é a matriz desentido que dá identidade a uma formação discursiva que, por sua, vez, determinao que

pode e deve ser dito a partir de uma posição dada numa conjuntura (cf. PÊCHEUX eFUCHS in GADET & HAK, 1997:p.166-7).

O espaço de interlocução (EI) é representado pelos recortes discursivos produzidos pelos beneficiários do Programa, bem como demais parceiros einterlocutores que produzemdiscurso sobre o Cultura Viva e neste espaço existeabertura tanto para a paráfrase quanto para a interpretação, a diferença e a polissemia8. Neste estudo dialogaremos com os recortes discursivos sobre os sentidos de rede doPCV produzidos durante o Seminário Internacional do Programa Cultura Viva,realizado pela SCC/MinC em 2009 e que nos conduzem a refletir sobre a efetividadedas redes, sob o ponto de vista dos protagonistas do PCV.

Não é nossa proposta uma análise exaustiva, mas criar umcorpus discursivo – orecorte que, no gesto de interpretação do analista, representa uma totalidade - porque

não se pretende “a análise exaustiva, tendendo àcompletude” (ORLANDI: 1989,p.32),mas “estipula-se arbitrariamente um número de sequências discursivas visando umaamostra representativa, cujos resultados serão considerados extensivos ao campodiscursivo de referência” (INDURSKY: 1997, p.48).

Retomaremos brevemente a discussão sobre a sociedade organizada em redes9 afim de contextualizar a inserção da SCC no fluxo discursivo na qual ela está imersa e oqual reproduz.

garante a estabilidade dos sentidos, mantendo no fluxo do discurso a atualidade de referências já antesmencionadas.7 Uma versão atualizada desta publicação foi lançada na TEIA 2010 sob o título dePrograma Nacional deCultura, Educação e Cidadania; Cultura Viva: Autonomia, Protagonismo e Fortalecimento Sociocultural para o Brasil (2010) e este texto será uma importante referência para nossa análise.8 A polissemia relaciona-se com a possibilidade de um mesmo item lexical adquirir outros sentidos, apartir de um contexto linguístico ou extralinguístico. Na perspectiva discursiva, a polissemia aponta otrabalho de interpretação do sujeito do discurso e que o sentido sempre pode ser outro, é opaco, ele

não é dado pelo texto, mas construído na relação entre língua, história e ideologia.9 Pode-se citar nesse sentido Castells (1999a, 1999b, 1999c), Mance (2002), Lima (2006), Makiuchi(2005), Martinho (2003), Sanchez (2008) entre outros.

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1 A SOCIEDADE EM REDECastells (1999a), ainda em meados do século passado, passa a teorizar sobre

uma nova forma de organização societária a partir da globalização das atividadeseconômicas, por uma cultura de virtualidade oriunda de novas tecnologias que ampliamo tempo e o espaço que passam a estar interconectados e sob influência das relaçõesentre o local e o global. A globalização impõe uma padronização de consumo, valores ecomportamento porque compartilha e disponibiliza apenas uma única matriz produtiva.Sua forma organizacional característica é arede neoliberal ou hegemônica, estruturavertical, hierárquica que tende a uniformidade e reafirma seus valores e permeia asrelações da contemporaneidade, se naturalizando e afetando a vida social e cultural, aose apresentar como um “processo espontâneo, irreversível e indiferente à interferênciaexterna“ (cfe. SANTOS: 2005b,p.50). Enquanto os grupos sociais dominantes têm nasredes neoliberais um modo de reafirmar seus valores e naturalizar seu modo de vida, amaior parte da população ainda vive circunscrita ao local, sem condições de acessar astecnologias emtempo real e, mais importante, não tendo visibilidade, condições deacesso ou voz política.

Todo processo traz consigo o seu revés e a globalização está a ser confrontada por iniciativas absolutamente heterogêneas entre si que têm em comum o desejo de criar

alternativas contra-hegemônicas. Essas iniciativas indicam processos de globalização plurais constituídas por um “conjunto de iniciativas, movimentos e organizações que,através de vínculos, redes e alianças locais/globais, lutam contra a globalizaçãoneoliberal, mobilizados pela aspiração de um mundo melhor, mais justo e pacífico que julgam possível e que sentem ter direito” (SANTOS: 2005a, p.13).

Nesse contexto, entendemos as redes culturais como iniciativas emergentes, queutilizam os recursos da tecnologia apropriando-se dos espaços de fluxos e do território-

rede para subverter sua lógica original, vinculada a processos hegemônicos. Assim,nasbrechas , nos interstícios , produz-se contra-hegemonia. Os movimentos sociais e seusaliados, em uma primeira ressignificação do conceito e produzem um deslizamento nosentido de rede, a partir da criação de uma agenda política comum, se organizamcoletivamente a partir das questões identitárias e resistem a processos dehomogeneização, formando asredes sociais solidárias .

As redes sociais solidárias se apropriaram das novas tecnologias e subvertem seus princípios para produzir outros discursos, impondonovos sentidos que não oshegemônicos, questionando os sentidos estabilizados e naturalizados, utilizando osmesmos recursos materiais do estado neoliberal e as mesmas estratégias do mercado,agora, para umretorno ao essencial ou os valores que estes movimentos entendem

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importante incluir em um novo paradigma.Este movimento deresistência do sujeito se realiza nasbrechas do sistema, e torna possível que umaoutra globalização,contra-hegemônica, se instale e produza seussentidos, ressignificando práticas, reafirmando a singularidade dos sujeitos, avalorização do território e da identidade local, do multiculturalismo e da diversidade,organizando mercados alternativos e solidários A distinção fundamental entre estas duasestruturas organizadas em rede – hegemônica e contra-hegemônica - é a noção de poder e a gestão interna . Nas redes neoliberais o poder é concentrado em algumas conexões,tendo uma arquitetura vertical, piramidal, enquanto as redes sociais solidárias ou contra-hegemônicas são caracterizadas pela dissolução de poder a partir de processos de auto-gestão e multilideranças, num processo de gestão horizontal. (LABREA: 2009, p.52).

No Brasil, a ideia de redes solidárias é apropriada pelo Estado, a partir de 2003com a chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder. Entende-se que essa tecnologiasocial é um modo adequado para garantir a participação social ampliada nos processos

decisórios do governo federal e a inserção de camada da população até então excluídaou considerada irrelevante na formulação de politicas públicas. E as redes proliferam noâmbito estatal10. Mas a presença de gestores públicos nas redes solidárias e a formaçãode redes patrocinadas pelo Estado reconfigura novamente estas estruturas no quedenominamos em estudo recente (LABREA:2009)redes sociais híbridas . O hibridismo

nas redes culturais é umatendência que diz respeito ao fato de que discursivamente elase vincula a processos emancipatórios, mas sua estrutura e estratégias adotadas muitasvezes ainda são hierárquicas e por vezes têm uma relação com o Estado que,dependendo da posição-sujeito dos membros, pode ser entendida como “parceria” a“cooptação” ou “instrumentalização” (LABREA: 2009, p.163).

A dimensão do hibridismo que importa destacar no estudo das redes que oPrograma Cultura Viva organizou diz respeito à rede estar colada ao Estado, sendomobilizada por ele, reproduzindo em certa medida seus valores e tendo dificuldades emexercer seu papel de controle social. A formação de redes culturais híbridas favorece aaproximação entre o Estado e segmentos que historicamente têm dificuldade em acessá-lo. É o caso, por exemplo, das ONGs e outras instituições do terceiro setor e domovimento social que compõem os Pontos de Cultura e estas redes criam desafios tanto

10 A fim de conhecer o funcionamento das redes no nível estatal, na área de saúde pública,recomendamos a leitura da Dissertação de Mestrado de Renata Souza Távora: A participação social naconstrução de Política Publicas em saúde do trabalhador – uma análise de redes sociais. BSB:CDS/UnB,2009.Disponível em http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=5552.O funcionamento das redes de Educação Ambiental e sua interlocução com MEC, MMA e IBAMA está

descrito na Dissertação de Mestrado de Valéria Viana Labrea: A “Vanguarda que se Auto–Anula” ou ailusão necessária: o sujeito enredado. Cartografia subjetiva da Rede Brasileira de Educação Ambiental2003-2008. BSB:CDS/UnB, 2009.Disponível em http://164.41.2.88/publicacoes/ValeriaLabrea.pdf.

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para a sociedade civil e o Estado que têm que acordar novos pactos sócio-culturais.

2 ESPAÇO DE FORMULAÇÃO: O DISCURSO FUNDADOR

2.1 Discurso fundador e memória discursivaA publicaçãoCultura Viva; Programa Nacional de Arte, Educação, Cidadania e

Economia Solidária (2005) é o texto que contém a formulação inicial do PCV eGilberto Gil, então Ministro da Cultura, ao falar dos Pontos afirma que eles estarão emrede, a fim detrocar informações, experiências e realizações (p.9). Essa ideia de rede éexplicitada na fala de Célio Turino, Secretário de Cidadania Cultural, com a ideia dedesenvolvimento aproximal entre os Pontos de Cultura, em que astrocas acontecem emum contatohorizontal entre Pontos, sem relação de hierarquias ou superioridade entreculturas (p.16). Tal rede, nas palavras de Turino,

deve ser maleável, menos impositivana sua forma de interagir com a realidade, e, por isso,ágil e tolerante como um organismo vivo.O objetivo é fazer umaintegração dosPontos em uma rede global que aconteça a partir das necessidades e ações locais(TURINO in Cultura Viva...:2005, p.16).

Esta é a primeira formulação de rede que aparece no discurso institucional doPCV e diz respeito a forma de organização entre os Pontos de Cultura e o camposemântico organiza um imaginário de rede fundado na ideia-força demaleabilidade,

agilidade, tolerância, organicidade , trocas, horizontalidade, relações não-hierárquicas .Essa noção de rede sofre um primeiro deslocamento quando se evoca a rede tanto paradescrever a ação de articulação do Ponto de Cultura, ampliando seu escopo de relações para atingir também a comunidade, quanto para descrever o Programa Cultura Viva e a proposta de gestão compartilhada e transformadora (p.16) como pacto entre Estado esociedade, a partir da ação de Cultura Digital, que por sua vez mobilizaria uma rede

virtual. Esses deslocamentos e ampliações do sentido de rede podem ser melhor visualizadas na rede de formulação abaixo.

EF1 - Rede de Formulação - A noção de rede noCultura Viva; Programa Nacional de Arte,Educação, Cidadania e Economia Solidária(2005)*Noção Recortes discursivos - Espaço de FormulaçãoREDE1 - Articulaçãoentre os Pontos deCultura e Ponto deCultura como mediadorentre Estado e sociedade

RDEF1 - Todos os Pontos de Cultura estarão em redes (p.9).RDEF2 - O Ponto de Cultura é a referência de uma rede horizontal dearticulação, recepção e disseminação de iniciativas e vontades criadoras.Como um mediador na relação entre Estado e sociedade, e dentro da rede,o Ponto de Cultura agrega agentes culturais que articulam e impulsionamum conjunto de ações em suas comunidades, e destas entre si (p.20).RDEF3 - A capacidade para buscar micro-soluções a partir da construção

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de redes locais e a disposição para conectar em rede, foi um dos critérios para a escolha dos Pontos de Cultura (p.37).

REDE2 - ProgramaCultura Viva como rede -gestão em rede

RDEF4 - O Programa Cultura Viva é concebido como uma rede orgânicade criação e gestão cultural, mediado pelos Pontos de Cultura, sua principal ação (p.18).RDEF5 - O Cultura Viva é uma rede horizontal de articulação, recepção e

disseminação de iniciativas culturais inovadoras e o Ponto de Cultura é a ponta desta rede, um organizador da cultura em nível local, um centro dereferência para novas conexões em rede.RDEF6 - Enquanto o Cultura Viva pode ser identificado como uma macro-rede, o Ponto de Cultura pode ser definido como uma micro-rede. (p.37).RDEF7 - A rede Cultura Viva possibilita o ensaio de um novo tipo detrocas simbólicas, onde a conexão local se articula com a global (p.38).

REDE3 - Rede da AçãoCultura Digital

RDEF8 - Uma rede digital interligando todos os Pontos de Culturaviabilizará, em escala nacional, experiências de compartilhamento dagestão pública, inovando no processo de controle e participação em políticas públicas. Trata-se de uma tentativa de adotar uma concepçãoampliada de política na qual a sociedade civil deve ocupar espaços participativos de deliberação pública, sem ter que assumir responsabilidades que deveriam ser próprias do Estado, preservando suaautonomia (p.25).

Em 2010, a nova edição doCultura Viva..., revisada e agora denominada Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania; Cultura Viva: Autonomia,

Protagonismo e Fortalecimento Sociocultural para o Brasil (2010), reitera as noçõesacima, ampliando-as e inserindo as novas ações e eventos do PCV como articuladorasde redes, atualizando o campo semântico inicial, reforçando as ideias demaleabilidade,

agilidade, tolerância, organicidade , trocas, horizontalidade, relações não-hierárquicas complementando-as com novos atributos:articulação, mediação, integração,

mobilização, protagonismo, gestão compartilhada, conexão, inovação, concepção

ampliada de participação social, movimento, entre outras palavras-forças quedescrevem cada um das nove redes descritas nestes dois documentos, como podemosobservar nessa nova rede de formulações:

EF2 - Rede de Formulação - A noção de rede noPrograma Nacional de Cultura, Educação eCidadania; Cultura Viva: Autonomia, Protagonismo e Fortalecimento Sociocultural para o Brasil(2010)**Noção Recortes discursivos - Espaço de Formulação

REDE1 - Articulação entreos Pontos de Cultura e Pontode Cultura como mediadorentre Estado e sociedade

RDEF2 - O Ponto de Cultura é a referência de umarede horizontal dearticulação, recepção e disseminação de iniciativas e vontadescriadoras. Como ummediador na relação entre Estado e sociedade, edentro da rede, o Ponto de Culturaagrega agentes culturais quearticulam e impulsionamum conjunto de ações em suas comunidades,e destas entre si (p.20)* e (p.14)**.RDEF9 - Caberá à rede colocar osprodutos culturais em circulação,em um primeiro momento criandoespaços de trocas desses bens e

produtos culturais entre os Pontos de Cultura (p.31)**.REDE2 - Programa CulturaViva como rede - gestão emrede

RDEF4 - O Programa Cultura Viva é concebido como umaredeorgânica de criação e gestão cultural, mediado pelos Pontos deCultura, sua principal ação (p.18)* e (p.10 e 36)**.

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RDEF5 - O Cultura Viva é umarede horizontal de articulação,recepção e disseminaçãode iniciativas culturais inovadoras e o Pontode Cultura é a ponta desta rede, umorganizador da cultura em nívellocal, umcentro de referênciapara novasconexõesem rede.RDEF6 - Enquanto o Cultura Viva pode ser identificado como umamacro-rede, o Ponto de Cultura pode ser definido como umamicro-

rede (p.37)* e (p.28)**RDEF7 - A rede Cultura Viva possibilita o ensaio de um novo tipo detrocas simbólicas, onde a conexão local se articula com a global(p.38)* e (p.30)**.RDEF10 - O Ponto de Cultura sedimenta o Programa Cultura Viva queé concebido como umarede orgânica de criação e gestão cultural,exercitando novas práticas na relação entre Estado e sociedade(p.36)**.RDEF11 - O funcionamento da rede pressupõe, sobretudo,motivação eencantamento social. Mais que um conjunto de obras físicas, o CulturaViva envolve apotencialização das energias criadorasdo nosso povo(p.55)**.

REDE3 - Rede da AçãoCultura Digital

RDEF12 - Umarede digital interligando todos os Pontos de Culturaviabilizará, em escala nacional, experiências decompartilhamento dagestão pública, inovando no processo decontrole e participação empolíticas públicas. Trata-se de uma tentativa de adotar umaconcepçãoampliada de política na qual a sociedade civil deve ocupar espaçosparticipativos de deliberação pública, sem ter que assumir responsabilidades que deveriam ser próprias do Estado, preservandosua autonomia (p.25)*.RDEF13 - A Ação Cultura Digital surge comocatalisadora da rede formada pelos Pontos de Cultura e comoação transversal do PCV eMais Cultura destinada afortalecer, estimular, desenvolver epotencializar redes virtuaise presenciais entre os Pontos de Cultura(p.53)**.

REDE4 - Pontos de Rede -descentralização paragovernos estaduais emunicipais

RDEF14 -Pontos de Rede são todos os Pontos de Culturaque passam a integrar a Rede de Pontos de Cultura e que, atuando emdiferentes níveis - municipal, estadual e federal, passam a também participar dos encontros setoriais que definem a gestãocompartilhada do Programa Cultura Viva e dos Pontos de Culturaentre o poder público e a sociedade civil, por meio de Fóruns, Teiase Comissão Nacional dos Pontos de Cultura(p.40)**.

REDE5 - Pontões - Rede deintegração dos Pontos deCultura

RDEF15 - O Pontão de Cultura é o grandenó articulador da rede doCultura Viva, queconecta e mobilizanão só instituições que são osPontos de Cultura como diversas outras entidades da sociedade civil,criando ummovimento amplo, orgânico e integrador. Trabalha sob a perspectiva de capacitar produtores, gestores, artistas e de difundir produtos.É a própria gestão compartilhada. Os pontões, além dearticuladores, são capacitadores e difusores da rede, integramaçõese atuam na esferatemática ou territorial (p.44)**.

REDE6 - Gestão intrarrede RDEF16 - Forma de buscar os mecanismos de gestão na própriarede, sem agentes externos, contando com acapacidade ecompetências dos próprios integrantes da rede(p.44)**

REDE7 - Rede dearticuladores - os Tuxauas

RDEF17 - Iniciativas demobilização e articulação de redes protagonizadas por pessoas físicas que demonstram histórico deatuação relevante junto às ações e redes relacionadas ao ProgramaCultura Viva. O objetivo é reconhecer a açãoprotagonista deindivíduos que fomentam amobilização e articulaçãode diversasredes socioculturais, alimentando conceitual e politicamente as açõesdo Programa Cultura Viva (p.44-5)**.

REDE8 - Rede como circuitocultural - InteraçõesEstéticas

RDEF18 - Do diálogo entre artistas, Pontos de Cultura ecomunidades, estabeleceu-se a criação de um importanterede social ecultural, que se articulapara além dos limites entre a "culturaerudita" e a "cultura popular", através do circuito InteraçõesEstéticas que ocorre nas principais capitais brasileiras (p.63)**.

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REDE9 - TEIA RDEF19 - A Teia é oencontro dos Pontos de Cultura, omomento emque a rede se repensa, organiza e apresenta sua arte(p.64)**.

Para tentar compreender o contexto em que essas redes de formulação se

inserem e que ações de fato mobilizam convém ir para além do discurso e recuperar ahistoricidade do Programa. Inicialmente, o PCV propõe a articulação de uma rede local,enraizada, (REDE1), que articule tanto os Pontos de Cultura à comunidade de entornoquanto os Pontos de Cultura da mesma região, a fim de potencializar suas ações e promover trocas de experiências e tecnologias sociais.

Com a ação Cultura Digital, essa rede se desterritorializa, e passa a ser tambémuma rede virtual (REDE3) e o local passa a ter maior amplitude. Aoespaço de lugares,

historicamente enraizado e onde ocorre a experiência da vida cotidiana, justapõe-se umespaço de fluxos (CASTELLS: 1999a) que anula a distância entre aqueles que estãoconectados às redes digitais e produz um alongamento das relações sociais de seuscontextos locais, para a qual as inovações tecnológicas teriam encolhido o mundo deforma a reproduzi-lo no nível local, pois “o que estrutura o local não é simplesmente oque está presente na cena; a forma visível do local oculta as relações distanciadas quedeterminam sua natureza” (CASTELLS:1999b,p.27) .

A Cultura Digital, não obstante o discurso com foco na ação política da rede dePontos, como podemos observar em REDE3, trata inicialmente da parte técnica daimplementação dos kits multimídias que compõe os Pontos, surge para atender àsdemandas dos Pontos de Cultura em relação à implementação e disseminação da culturade uso continuado de ferramentas digitais (blogs, wikis, podcasts e fotologs);desenvolvimento técnico, implementação e divulgação dos ambientes livres,desenvolvimento de proposta de capacitação e de metodologia para as oficinas e oatendimento de suporte técnico, bem como a execução de oficinas de capacitação eencontros regionais com o objetivo de aprimorar a gestão de conhecimento gerado pelosPontos de Cultura.

Essa ação é desenvolvida, em um primeiro momento pela SCC, que contrata bolsistas e consultores para implementar esta ação. Com o término das bolsas, surge aideia dos Pontões de Cultura atuarem como articuladores e capacitadores das redes dePontos (REDE5). A gestão intra-rede (REDE6) refere à organização - por parte da redeformada pelos integrantes dos Pontões selecionados nos primeiros editais - de Grupos

de Trabalho Temáticos em que propunha a discussão e a busca de soluções para os problemas comuns à implementação da ação.

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Esse conceito busca fazer com que os Pontos de Cultura tidos como referências emdeterminadas áreas possam assumir formalmente o papel de Pontão e conseqüentementedispor de recursos para o desenvolvimento de trabalhos, pesquisas e atividades junto àrede dos Pontos. (...) A prática de gestão intra-rede na ação Cultura Digital começa a ser implementada no primeiro semestre de 2007 de forma a fazer com que as atividadesantes desenvolvidas sob coordenação da equipe contratada pelo IPTI passem a ser promovidas por entidades distribuídas regionalmente e articuladas entre si, os Pontõesde Cultura Digital.Assim, o processo de transição para os Pontões de Cultura Digital começa a ser feito pela Secretaria de Programas e Projetos do MinC com o apoio da equipe contratada peloIPTI. Essa equipe, a partir da experiência acumulada entre 2004 a 2006, define o escopodas atividades de oficinas, pesquisas e assistência técnica remota, bem como dossoftwares livres e dos ambientes web utilizados no desenvolvimento da ação CulturaDigital. (BRASIL: 2009, p.130)

A noção de rede é deslocada para ações de prêmios em REDE7 e REDE8 poisinfere que os premiados dos Editais Tuxáuas11 e Interações Estéticas formem uma rede.O Tuxáua é um articulador de redes, que com a premiação ganha fôlego paradesenvolver suas ações por mais dez meses.

Prêmio criado em 2009, quando selecionou 80 iniciativas de mobilização e articulaçãode redes, que prevessem continuidade de dez meses e fossem protagonizadas por pessoas que demonstravam histórico de atuação relevante junto às ações e redesrelacionadas ao Programa Cultura Viva.Tuxáua deriva de idiomas de etnias indígenas brasileiras e denomina a figura doarticulador e mobilizador na aldeia. Os projetos selecionados propuseram ações defomento a mobilização e articulação de diversas redes socioculturais, alimentandoconceitualmente e politicamente as ações do Programa. Cada projeto recebeu R$ 38 mil,em duas parcelas. Em abril de 2010 foi lançado um novo edital que premiou 45 novasiniciativas.(Fonte: http://www.cultura.gov.br/culturaviva/category/mobilizacao-e-articulacao/tuxaua/, acesso em 28/05/2012).

Há um grupo de discussão virtual - a lista Tuxáua, ancorada no googlegroups - eum blog ancorado no culturadigital.br para divulgação dos relatos e relatórios dotrabalho desenvolvido, notícias e eventos, mostrando um excelente nível de articulaçãoentre os Tuxáuas.

A grande diferença deste edital para outros já existentes é que, quem recebe o PrêmioTuxáua, fica legitimado para continuar sua história e seu trabalho sem precisar ser umagente do governo. A verba vai diretamente para uma pessoa, ao invés de ir para umcoletivo. "Faltava um espaço para o articulador cultural. Antes do Tuxáua só existiaminiciativas para coletivos, agora as coisas funcionam de maneira simples e dinâmica:você recebe um prêmio para fazer uma ação, sem envolver organizações e nem prestar contas muito complexas", explicou Pedro de Castro, contemplado com o prêmio em2009.(Fonte: http://www.encontrodeculturas.com.br/2010/noticiasDetalhe.php?id=353,acesso em 28/05/2012).

11 http://www.cultura.gov.br/site/2010/03/11/premio-tuxaua-cultura-viva-2010/

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O Prêmio Interações Estéticas12 é uma residência artística desenvolvida em umPonto de Cultura.

É uma ação da SCC-MinC em parceria com a FUNARTE, que promove o intercâmbio,o compartilhamento e a troca de experiências por meio de residências artísticas em

Pontos de Cultura de todo o país. Deste diálogo entre artistas, Pontos de Cultura ecomunidades formou-se uma nova e importante rede social e cultural, que se articula para além dos limites entre a “cultura erudita” e a “cultura popular”. A aliança criativaentre artistas e Pontos de Cultura estabelece um território comum para a diversidadecultural brasileira atuar em parceria com o panorama artístico contemporâneo do país.Para dar visibilidade aos projetos selecionados ocorre nas principais capitais brasileiraso “Circuito Interações Estéticas”. Já participaram do prêmio 233 artistas e 233 Pontosde Cultura, das cinco regiões brasileiras.(Fonte: http://www.cultura.gov.br/culturaviva/category/mobilizacao-e-articulacao/interacoes-esteticas/, acesso em 28/05/2012).

Em 2010 aconteceu em Minas Gerais e no Rio de Janeiro encontros da RedeInterações Estéticas, a etapa do RJ do Circuito Interações Estéticas propôs a Carta doRio para o aprimoramento do projeto, mas os desdobramentos do grupo virtual e deencontros presenciais ainda estão opacos e não contam com sistematização da SCC eessa ausência de acompanhamento, monitoramento e avaliação é responsável por essadificuldade em visualizar os resultados e produtos culturais produzidos por estasiniciativas. Muito se faz dentro destes projetos, mas ainda é muito pouco o que se podevisualizar destas redes.

A Teia - Encontro Nacional dos Pontos de Cultura (REDE9) é um eventoorganizado pela SCC/MinC, CNPDC e parceiros, que busca dar visibilidade ao trabalhodesenvolvido pelos/nos Pontos de Cultura. Sua trajetória está bem documentada pelaSCC e vamos buscar referências em seu histórico para entender em que sentido a Teia pode ser considerada uma rede mais do que um evento. Vejamos:

Em 2006, dois anos após a implantação do Programa Cultura Viva, como meio defortalecer a recém-formada Rede de Pontos de Cultura, o Ministério da Cultura constataa necessidade de incluir como parte do programa a realização de um encontro presencial

anual, que reunisse as lideranças e as produçõesdos Pontos de Cultura em nível nacional. Era preciso “desesconder” este Brasilque passara a ser sujeito de um programa inédito na gestão pública no âmbito dacultura, em nosso país e no mundo.O encontro Teia visa dar oportunidade de troca de conhecimento entre as iniciativas que participam do programa, reunindo, em torno de suas atividades, representantes dePontos de Cultura, pesquisadores e gestores públicos. O evento abre espaço nãosomente para encontro entre os Pontos de Cultura de todas as regiões do Brasil, mas para o encontro entre a sociedade civil e o Estado. Nela, gestores públicos erepresentantes dos Pontos de Cultura saem de seus universos particulares e reencontrame ressignificam a dimensão coletiva de suas práticas cotidianas.A programação da Teia é pensada como espaço para a reflexão, capacitação, e

divulgação. Ou seja, o objetivo é planejar atividades que promovam a reflexão sobre

12 http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2010/07/edital_final_estetica1.pdf.

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temas prioritários para a melhoria na condução do Programa Cultura Viva e para oaprimoramento de suas ações (nos fóruns, palestras, debates e seminários), contribuindo para a capacitação de seus agentes em encontros e oficinas e divulgando seus resultados para a sociedade (mostra artística e feira de economia solidária) (GONÇALVES: 2010, p.6).

Já foram realizados os seguintes encontros:• Teia – 2006 – São Paulo - Venha ver e ser visto• Teia – 2007 – Belo Horizonte – Tudo de todos• Teia – 2008 – Brasília – Direitos Humanos: Iguais na Diferença• Teia - 2010 - Fortaleza - Tambores Digitais

O sentido de rede a que se refere o discurso institucional do PCV ao falar daTeia diz respeito a uma característica das redes solidárias, cujos processos de gestão são

compartilhados igualmente entre os enredados. Falar de um atributo de rede solitáriacomo se fosse a rede é um processo metonímico, que toma a parte pelo todo. Arede

como gestão compartilhada mostra o processo de articulação entre MinC, Comissão Nacional dos Pontos de Cultura e demais parceiros (Pontos, governos municipais eestaduais, ONGs, governo federal, etc.)

Em todas as Teias, os proponentes do projeto do evento, portanto, as entidades queapresentaram o projeto para aprovação nas leis de incentivo cultural e que seresponsabilizaram pela captação e administração dos recursos financeiros, são entidades

culturais definidas por estatuto, como organizações civis, de natureza privada e sem finslucrativos. No caso de Fortaleza, organização social privada de interesse público. Estedado é relevante, indicando que, desde o início, o Ministério da Cultura enxergava aimportância em compartilhar a gestão do evento com a sociedade civil (GONÇALVES:2009, p.54).

A construção de uma instância política de participação e inclusão social foiimportante na medida em que inseriu os Pontos e realizou junto com eles váriosencontros preparatórios para a discussão do formato, conteúdo e metodologia,desenvolvendo mecanismos democráticos de participação dos sujeitos do Programa noEncontro Nacional (cfe. GONÇALVES: 2010, p.52). A gestão compartilhada colaborou para

Explicitar o novo direcionamento que o Estado dava, naquele momento, para a gestão pública da cultura no país, incentivando as produções artísticas e as tecnologiassocioculturais populares, tornando-as visíveis. (idem:p.51).

Podemos entender, então, que essa dimensão da rede faz uma analogia da redecomo instância de gestão compartilhada , em que estão o Estado e os Pontos, a partir da

Comissão Nacional dos Pontos de Cultura. Essa metonímia aproxima REDE9 deREDE2 que fala explicitamente da rede como uma instância de gestão compartilhada do

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Programa Cultura Viva. Essa ideia está presente em todos os discursos institucionalsobre o PCV e é replicado em todos os documentos produzidos sobre o PCV:

A aplicação do conceito de gestão compartilhada e transformadora para os Pontos deCultura tem por objetivo estabelecer novos parâmetros de gestão e democracia entre

Estado e sociedade. No lugar de impor uma programação cultural ou chamar os gruposculturais para dizerem o que querem (ou necessitam), perguntamos como querem. Aoinvés de entender a cultura como produto, ela é reconhecida como processo. O aspectocomum entre os Pontos de Cultura no Brasil é a gestão compartilhada entre poder público e comunidade. O MinC atua como agregador de recursos e de novascapacidades para projetos e instalações já existentes através de subvenção; comotambém, oferece equipamentos que amplifiquem as possibilidades do fazer artístico(MIRANDA in LABREA & RANGEL: 2010, p.52)

Essa articulação entende que Estado e sociedade podem, em certa medida edentro de um contexto acordado, manter relação de co-gestão e responsabilidadecompartilhada de uma política pública, embora esse entendimento não estejaacompanhado da necessária descrição dos espaços e limites desta interlocução e issolimite bastante o entendimento da materialidade deste discurso. Quais são as práticas, osfóruns, os eventos, os interlocutores que de fato realizam uma gestão compartilhada?Quais aspectos da gestão pública podem ser compartilhados com a sociedade civil?Outra questão que me parece importante refletir é como essas estruturas "em rede"dialogam com as estruturas formais de participação social já instituídas pelo MinC,como o Sistema Nacional de Cultura, a Conferência Nacional de Cultura e seus GTsSetoriais, o Plano Nacional de Cultura, os fóruns municipais e estaduais de Cultura,entre outros?

As nove categorias descritas a partir do discurso institucional do PCV não sãosuficientes para descrever tipologias de redes, pois essas dependem da descrição dosobjetivos, metodologia de articulação, acompanhamento e avaliação dos resultados e processos, envolvendo aspectos que não são contemplados na proposta de rede do

Programa. Mas a descrição das características idealizadas pelos formulares do Programa para cada uma das redes acima descritas servem para que possamos visualizar que anoção de rede e seus atributos permeiam todo o discurso sobre o Programa, tanto nonível de formulação da política - que pretende uma rede que mobiliza a gestãocompartilhada em que a definição das ações, a natureza das articulações e eventos que oPCV organiza seriam decididos em instâncias participativas – quanto no níveloperacional, das relações entre pontos, pontões e comunidades ou instituições parceiras.

As noções de rede que o PCV mobiliza são polissêmicas, dizem respeito aarticulações locais, regionais, estaduais e nacional, entre Pontos e comunidades, às

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relações entre Pontos, entre Pontos e Pontões, às redes virtuais, à espaços e eventos deinclusão e participação social, à mobilizadores regionais, aos circuitos culturais e àforma de gestão do Programa. São redes dentro de redes. O discurso que caracteriza taldescrição é focado unicamente nos aspectos positivos de ser/estar em rede e reproduzum certo saber institucionalizado sobre o funcionamento da rede e este discurso éreferendado como matriz de sentido.

Esta matriz de sentidos estabilizados vai sendo incorporada e repetida de váriasformas diferentes inclusive ao referir outras redes, inscrevendo-se na configuraçãotípica dos discursos pedagógicos que é acircularidade: discursos que se auto-alimentam, repetindo o mesmo (ORLANDI,1996: 15). A repetição de um enunciadodiscursivo e a regularização de seu sentido passa a constituir a memória discursiva(ACHARD, 1983:238-9 apud INDURSKY, 1997:43). O discurso institucional do PCVrepete os atributos das redes, mas não mostra como viabilizar essas articulações nemtampouco como mensurar se elas estão sendo bem-sucedidas, do ponto de vista daefetividade da política que se pretende implementar. Se realmente articulam, com quemarticulam e quais os resultados destas articulações ainda estão parcialmente mapeados.A SCC não tem ainda um sistema de acompanhamentoe articulação das redes doPrograma, embora esteja delineando sua estrutura desde meados de 2009, a partir das

reuniões da Cultura Digital, como veremos adiante.O sentido de rede expresso nos recortes discursivos acima é uma concepçãoà

priori de redes – solidária -, idealizada, “baseada apenas na sua forma aparente”(SANCHEZ, 2008:100) e desconsidera a “lógica de produção de dinâmicas derelacionamento, afastamentos e aproximações, tensões e contradições entre os nós”(idem) característica da rede real.

Assim, para ter uma resposta à pergunta que este estudo propõe responder - qual

o sentido de rede assumido discursivamente pela SCC que passa a constituir suamemória discursiva? - já podemos inferir que não existe "o" sentido de rede, mas váriossentidos - de diferentes escalas e registros - que dialogam e formam uma noção polissêmica e de difícil ancoragem em práticas concretas.

Como veremos adiante, isso não impede que a força simbólica deste discursorepercuta amplamente entre os Pontos, no governo e na mídia e seja objeto de diferentes paráfrases e seja repetido e reafirmado em praticamente todos os documentos13 e

13 Como exemplo da formação desta poderosa memória discursiva cito:Almanaque Cultura y transformação social. SP: Editora Cultura em ação, 2009.Almanaque Cultura Viva. SP: Editora Cultura em ação, 2009.

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experiência vivida nos Pontos de Cultura - e demais ações doPrograma: Pontões, Escola Viva, Cultura Digital, Ação Griô,Cultura e Saúde -, eles são ressignificados, reafirmados,negados ou substituídos, formando novos mapas conceituais(LABREA & RANGEL: 2009, p.15).

Em 2009 foi proposto um Seminário14 que reunisse os diferentes protagonistasdo Programa - gestores, pesquisadores, Pontos e parceiros - para reflexão crítica dasdiretrizes conceituais do Programa Cultura Viva, a partir da experiência vivida nosPontos de Cultura e das outras ações do programa, visando a convergência entre osconhecimentos estruturantes e os saberes que emergem da experiência social. Esseencontro foi organizado pela SCC a partir da percepção de que os conceitosestruturantes do Programa eram insuficientes para traduzir as práticas de Pontos e

Pontões. A ideia era ter elementos para sistematizar a experiência e poder ampliá-la.Uma das questões trabalhadas diz respeito à gestão das redes dos Pontos e Pontões e os participantes dos grupos temáticos deveriam descrever sua compreensão de rede e comoela era integrada às suas práticas culturais.

O que podemos perceber nos recortes discursivos abaixo é que o camposemântico do espaço de formulação é reiterado no discurso dos ponteiros, gestores,acadêmicos e parceiros do Programa participantes do encontro, tornando evidente que a

memória discursiva influencia fortemente o espaço de interlocução, dando pouco espaço para a polissemia e a interpretação. Os interlocutores - além de repetir o camposemântico já vislumbrado acima em EF1 e EF2, atualizando-os:articulação, cultura do

local, trocas de forma horizontal, fortalecimento, sonho, utopia, partilha, bem comum,

intercâmbio, Lei Cultura Viva. No Seminário, Cultura Digital, Pontos de Rede, Gestãointra-rede, Tuxáuas e Interações Estéticas não foram abordados como rede e isso éexplicado, ao menos parcialmente, pelo fato do foco das discussões deste encontro estar

focado nas noções de rede, gestão compartilhada, protagonismo, empoderamento eautonomia, considerados os conceitos estruturantes do PCV.

EI1 - Rede de Interlocução - A noção de rede no discurso dos Pontos de Cultura- SeminárioInternacional do Programa Cultura Viva

14 Informações sobre Seminário Internacional do Programa Cultura Viva, realizado em Pirenópolis/GO,em novembro de 2009 podem ser acessadas nas seguintes publicações: LABREA, V.C.V; RANGEL, A.M.C.Programa Cultura Viva; análises e observações. BSB: SCC/MinC/PNUD, 2009. LABREA, V.C.V; RANGEL,

A.M.C. Seminário Internacional do Programa Cultura Viva; novos mapas conceituais. BSB:SCC/MinC/PNUD, 2010.

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Noção Recortes discursivos - Espaço de Interlocução

REDE1 - Articulaçãoentre os Pontos deCultura e Ponto deCultura como mediadorentre Estado e sociedade

RDEI1 - A articulação entre as redes fizeram com que as pessoas pudessem “sedes-esconder”, mostrar a cultura do local, da comunidade.RDEI2 - Agestão em redepossibilita as trocas de formahorizontal entreas experiências de grupos de lugares diferentes e com diversos elementos.RDEI3 - O ponto de cultura abre espaço que muitas atividades quesurgiram ali possam ser ampliadas e desenvolvidas em outros espaços. O ponto não tem toda a infraestrutura necessária para realizar algumasatividades, então busca-searticulações com outros espaços, com outros pontos, ampliando as atividades e mesmo melhorando a forma como elasocorrem.RDEI4 - O reconhecimento da rede é mais importante que oreconhecimento dos pontos em si. Dá a possibilidade de fazer commenos hierarquia e proporciona, ao mesmo tempo,autonomia.RDEI5 - Mas arede legitimaa gente também, dápoder de articulação.

REDE2 - ProgramaCultura Viva como rede -gestão em rede

RDEI6 -Gestão em redepara a gente é sinônimo defortalecimento dostrabalhos. A rede é umsonho e uma luta comum. É umapartilha e umdiálogoentre todas as experiências. A gente não trabalha sozinho. A gente

precisa estar com o outro, só assim a gente consegue melhorar a sociedade.As pessoas se unem para promover obem comum, para atingir objetivosem comum.RDEI7 - Rede é um universo deafinidades, é intercâmbio dentro desseuniverso. A rede funciona de acordo com as suasfinalidades, sempre buscando ahorizontalidade como um mecanismo queamplia a ação e as possibilidades de fala. Agestão em rede tem um elemento deaproximação, de troca de experiências, buscando saídas,soluçõespara problemas semelhantes; gerando também umareflexão coletiva sobrediversas questões.RDEI8 -Gestão em rede, utopias das utopias... através do Cultura Viva perdemos a sensação de isolamento, percebemos que éramos muitosespalhados e asnovas tecnologiasé que permitiram mostrar para todo

mundo ver.RDEI9 - Agestão em redeé fundamental para que as coisas fluam.RDEI10 - Para qualificar agestão em redefaz com queos Pontos entrempara dentro do Estado. Temos uma rede viva, imensa e um tantodesarticulada.RDEI11-Gestão em rede deve ajudar o Programa virar lei. Tudo isso passa de como o indivíduo pensar na suasustentabilidade, ou seja, emsua autonomia, manutenção e relação com a rede. A gente está nummomento único. Temos condições de estar protagonizando o ProgramaCultura Viva para ele tornar em lei. O Programa cultura Viva tem tudoisso para acontecer. Se a gente qualifica essa coisa e coloca na gestão emrede, temos o cenário para fazer isso dar certo.RDEI12 - A forma do ponto de cultura trabalhar é bem diferente da forma

como o Estado trabalha. Essaaproximação é importante porque é bomque o Estado saiba como o ponto funciona, como a comunidade o percebee, da mesma forma, com a comunidade e o ponto em relação ao Estado.Buscar essa interação onde as pessoas percebam as dificuldades doEstado e também as demandas dos pontos.RDEI13 - A relação com o governo, com o Estado tende a ser muitoconflituosa, então é importante que os pontos busquem a sua autonomia,sem depender totalmente de recursos do governo, da política de editais.Uma relação harmoniosa que se estabelece com o Estado uma hora acaba eo conflito volta. Como fica então? Quando falamos de rede, então, é preciso pensar também emautonomia.

REDE5 - Pontões - Redede integração dos Pontos

de Cultura

RDEI14 -Os pontões podem ser a origem da gestão em rede.RDEI15 -No caso da rede, o pontão também ajuda na articulação, em

como fazer para que as relações se estendam, para que não fiquem só noâmbito regional. Nesse ponto é importante também o uso dasferramentasvirtuais.

REDE9 - Teia RDEI16 - A Teia é a nossa grandeexperiência de redeonde cadanó é

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um centro.RDEI17 -A rede tem os nós. A Teia não: talvez seja justamente o nóque sustenta a rede.

A rede de formulação acima mostra que a memória discursiva do Programa, em

2009, já estava conformada e estabilizada. Grande parte do discurso dos Pontos,Pontões, acadêmicos, gestores e parceiros repetem literalmente o discurso institucional,atualizando-o. Já dissemos que a paráfrase é responsável pela contituição da memóriadiscursiva e vimos acima o trabalho da memória se atualizando. Mas o discurso não éconstituído somente de estabilidade e do mesmo. Ao serem questionados sobre aoperacionalidade destas redes, de como a gestão era compartilhada e em que termos,surgem deslocamentos que mostram o trabalho da interpretação do sujeito e da

percepção de que embora poderoso imaginário o discurso do PCV é de uma fragilidadeimpressionante quanto confrontado com os dados e podemos visualizar uma resposta possível para nossa questão de pesquisa que pergunta sobre a efetividade das redes, sobo ponto de vista dos protagonistas do PCV.

A primeira pesquisa avaliativa do PCV, realizada pelo IPEA ao longo de 2007 e2008, mostra que apenas 10% dos Pontos tiveram como motivação para ingresso noPrograma a articulação de redes (cfe. SILVA & ARAÚJO: 2010,p.65).

Portanto, se o dinamismo das parcerias, articulações e capacitação é apresentadoenquanto preocupação, elas já resultam de processos de desenvolvimento doprograma e, provavelmente, implicam ampliação das necessidades sentidas eobservadas pelos coordenadores dos pontos, não decorrendo da motivação inicial para aadesão (SILVA & ARAÚJO: 2010,p.66, grifo meu).

A ideia da rede não é inicialmente uma necessidade dos Pontos, mas eles aderema proposta da SCC/MinC e 68% dos Pontos ouvidos na pesquisa interagiram com a redede Pontos, 60% interagiram com os Pontões e 46% com o Sistema Nacional de Culturae 91% participaram da Teia (idem: p. 67). Uma questão que buscamos compreender é o

que é a rede dos Pontos. que se quer dizer quando se diz "a rede dos Pontos"? Aondeela se materializa?

Uma pista para responder a estas questões surge com a Comissão Nacional dosPontos de Cultura (CNPdC):

A Rede Nacional dos Pontos de Cultura tem como instância representativa,mobilizadora, articuladora e legítima a Comissão Nacional dos Pontos de Cultura(CNPdC), formada por Representantes eleitos no Fórum Nacional, que acontece duranteas TEIAs, contendo Representações dos 27 GTs Estaduais e Temáticos, sendo estes:Ação Griô, Audiovisual, Criança e Adolescente, Cultura de Paz, Culura Digital,Economia Solidária, Escola Viva, Estudantes, Gênero, Grupo Amazônico, Hip-Hop,Juventude, Legislação, LGBT, Literatura, Matriz Africana, Música, Patrimônio Mater,Pontões e Art. de Rede, Rádios Comuniárias, rede da terra, ribeirinhos, sustentabilidade,

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dança, circo, teatro, matrizes indígenas, memória e patrimônio, capoeira, artes visuais,cultura e uma educação transformadora.A comunicação virtual é realizada por meio de redes autônomas do Programa CulturaViva, interligadas por grupos de discussão virtual (listas diversas) das ações doPrograma Cultura Viva, como Rede Ação Griô Nacional, Cultura Digital, MatrizAfricana, Rede Estaduais, Tuxáua, Cultura de Paz, etc. As principais ferramentasutilizadas para a comunicação entre essas Redes são: Lista Nacional de e-mails daCNPdC, aberta ao público. [email protected]; site da CNPdC, aberto ao púbico http://pontosdecultura.org.br/; blog inicial da Comissão -http://forumpontosdecultura.blogspot.com.br/; rotina de reuniões virtuais semanais(segunda-feira), por SKYPE, tendo como articuladores dessas ferramentas a Equipe doPontão da Comissão e a CNPdC (CNPdC: 2012, p.2).

Assim, se infere que a rede de Pontos se refere a uma rede articulada a partir daCNPdC, mas não existe consenso entre Pontos e Pontões ouvidos15 sobre a existência de

uma única rede nacional. As entrevistas e relatos dos Pontos e Pontões sugere que nãohá uma rede única, que o que existe para materializar redes - sempre no plural - são asarticulações envolvendo os beneficiários de editais - cada edital resulta em um grupo dediscurssão virtual que pode ser considerado uma rede, em um sentido antropológico,

rede de convivência ou de informação, onde sujeitos que buscam estreitar laçosidentitários se reúnem para troca de informação e debates. Este é caráter dos diversosgrupos de discussão virtuais criados a partir dos editais das ações: uma lista para trocade informação em que os ponteiros de todo o país se encontram no espaço de fluxos,trocam textos informativos, notícias, eventos, cursos e oportunidades profissionais, e hádiscussões onde são veiculados diferentes pontos de vista sobre algum tema cultural.Um aspecto importante é que as discussões dos grupos de discussão, desde meados de2010, não têm respostas diretas dos integrantes ligados a SCC/MinC e, por isso, não provocam mudanças na estrutura de gestão e nos processos decisórios. Os ponteiros e osgestores públicos raramente dialogam através das listas, pois os gestores não transitamnestes grupos e, mesmo quando estão inscritos, raramente se colocam discursivamente.E, como se sabe, a rede só existe para quem está plenamente conectado, em diálogo a partir de um projeto comum.

Os principais espaços onde os ponteiros e gestores se encontram e dialogam são presenciais - Teias regionais e nacional, fóruns, seminários, reuniões, visitas técnicas,eventos em geral, etc. - que permitem que os Pontos e os gestores se vejam, sereconheçam e possam se articular. Os eventos presenciais não mantém uma regularidadee constância e não há publicização dos acordos e combinados ou uma sistematização da

15 A primeira pesquisa do IPEA - em 2007 e 2008 - ouviu 73% dos Pontos e Pontões conveniados atéentão. A segunda pesquisa do IPEA - em 2010 - dialogou com cerca de 10% dos Pontos e 68% dosPontões. O Seminário Internacional de 2009 reuniu 200 participantes.

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memória destes encontros que seja divulgada nas redes, o que torna o ideal de gestãocompartilhada um grande desafio pois não há espaços instituídos para isso.

Mesmo tendo nos momentos presenciais oportunidade de aprofundar ainterlocução, os grupos virtuais de discussão fazem parte da rotina dos Pontos que têmconexão com a internet e, mais do que ferramentas, são elas próprias produtoras decultura, como podemos ver no depoimento do GT Cultura Digital:

As tecnologias e redes digitais deixam de ser tratadas simplesmente a partir da chaveinterpretativa “democratização ao acesso”, como mera questão de infra-estruturatecnológica, e passam a ser compreendidas como universo cultural dotado decaracterísticas, particularidades e dinâmicas organizacionais próprias. E,simultaneamente, a cultura passa a ser valorizada a partir do momento em que ela écompartilhada e disseminada. As dimensões do compartilhamento e os regimes decirculação a que elas correspondem passam a ser vistos como elementos queinfluenciam as formas de também se produzir e conceber os bens culturais. Antes dese resumir apenas ao desenvolvimento e suporte de tecnologias digitais parainterconexão em rede, se trata principalmente de uma tecnologia social e de umaperspectiva política, que foi ganhando força até se inserir de maneira estratégica dentrodo Programa (GT CULTURA DIGITAL in LABREA & RANGEL: 2010, p.55).

Se ainda não há consenso sobre a efetividade da rede de Pontos, e só podemosfalar de redes no plural, pois são muitas e não articuladas, não há dúvidas daimportância da CNPdC enquanto uma instância política, representativa, formal, que temrelevante papel na interlocução institucional com a SCC/MinC, sua participação na

organização das Teias está bem documentada, mas ela mesma não é uma rede, emfunção de sua opção por ser uma comissão16, de formato tradicional e hierárquico. Ainstância de articulação nacional de todos os Pontos em rede ainda está por ser construída, como sugerem os depoimentos abaixo e deverá ser protagonizada por umaarticulação entre a SCC/MinC e os Pontos e Pontões. Se formos considerar RDEI26,RDEI27 e RDEI28 - que representam falasrecorrentes no Seminário - este papel aindaestá por ser ocupado e há necessidade de definir os termos dos articuladores em nível

nacional.A rede de formulações mostra a atualidade dos dados do IPEA (2010) refletem

as dificuldades dos Pontos em atuar em rede e que o sentido de rede do PCV está longede ser estável e homogêneo, como sugere EF1 e EF2. Ao falar da experiência vivida emser/estar em rede dois campos de EI convivem, em um (EI1) arede idealizada pelosformuladores do PCV resiste discursivamente, em outro (EI2) arede vivida mostra adistância e a dificuldade entre o dizer e o fazer.

16 Conjunto de pessoas designadas por uma autoridade ou escolhidas por uma assembléia para estudardeterminado projeto, para dar pareceres etc. Fonte: http://www.dicio.com.br/comissao/, acesso em28/05/2012.

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EI2 - Rede de Interlocução - A noção de rede na experiência vivida dos Pontos de Cultura- SeminárioInternacional do Programa Cultura VivaREDE10 Desenho de redefechado, vertical, sem

metodologia

REDE11 - Redes com papéisinstitucionais sem definição

REDE12 - Rede de trocas

RDEI18 - Falar em rede dentrodo Cultura Viva é mentira. Nãoexiste. Isso se mostra nasrealizações de prêmios. Emqualquer atividade mandamose-mails para todos os projetos eninguém respondeu. Ninguémdivulga suas atividades.RDEI19 - Não é usada aindaem mutirões, o trabalhocoletivo ou degestão efetivaem rede ainda não está

acontecendo, é precisar ir maisaléma gestão do programaainda não é compartilhada.RDEI20 - Essa rede que jáexiste dos pontos de cultura éfechada, não é acolhedora.RDEI21 -Se tiver hierarquia,não é rede. Quanto à gestão...Tem que ter intencionalidade?Objetivo de administrar?Organicidade? Para gerir temque ter inteligência coletiva.RDEI22 - O problema é

metodológico.

RDEI23 -Há grandes desvios dospapéis.RDEI24 - Não existe rede sem pessoas. Temos que abstrair asinstituições eolhar quem são aspessoas que interagem na rede.RDEI25 - Preciso considerar, parauma correta apreensão do conceito,o a papel das diversas mediaçõesEstado/Instituições/Comunidade.Devemosconsiderar a confusãoque existe entre o papel do Estado

e dos movimentos sociais.RDEI26 - A rede tem que ter alguém com iniciativae gente quemantenha a rede viva.RDEI27 -Quem pode exercercada função? É necessário oreconhecimento das capacidades e a promoção das mesmas.RDEI28 - Isso porquese esperaque alguém crie esse espaçodediscussão. Mas poderíamos nosreunir, com autonomia, e promover esse diálogo.

RDEI29 - Espaço decirculação, aSCC tem que dar resposta.

RDEI30 - Redes são formadas por trocas. Temos queverificara capacidade de fazer trocas dentro da rede.RDEI31 - Rede é também produção e troca.RDEI32 - Temos que pensar em políticas queempoderamrealmente que dêem essaautonomia.RDEI33 - As redes maissustentáveis são asredes por

afinidades.RDEI34 -Redes porafinidades e não porproximidade – mais liberdadenos editais.

Os principais problemas apontados nas falas dos participantes do Semináriomostram que existe uma assimetria entre o o dizer e o fazer, embora o discurso do PCVenfatize as características das redes solidárias - como os atributos que já apresentamosem EF1, EF2 e EI1 - as práticas mostram a dificuldade dos Pontos e da SCC emconseguirem internalizar redes de gestão compartilhada (RDEI19), existe confusão entre

os papéis instittucionais (RDEI 23, 25 e 27) em identificar e localizar quem compartilhao que, em articular os Pontos a partir de agendas comuns (RDEI 33 e 34), e a rede aindaé fechada (RDEI20), não dá respostas (RDEI18), é organizada de forma hierárquica(RDEI21). Estes recortes discursivos mostram que não há uma metodologia queexplique aos enredados o que se espera deles dentro da rede, qual o projeto comum,quais as articulações possíveis (RDEI21 e 22). Sabe-se que as redes solidárias atuam a partir de projetos comuns, da criação de uma agenda de trabalho em que cada enredado

se responsabiliza por uma tarefa e a ausência de uma metodologia para atuação em rede

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a esvazia e o que era rede vira mais uma grupo de discussão virtual onde a característica principal é mensagens que não tem respostas. As redes viram espaços monológicos.

No Seminário, procurou-se compreender como essa assimetria se instala:Boa parte das tensões explicitadas são desdobramentos do lugar particular que osPontos de Cultura ocupam dentro do Programa. Tais atores estão posicionados nafronteira tênue entre dois modos e lógicas organizacionais muito distintas - a do âmbitoformal Estado e do âmbito informal das comunidades e localidades que representam eonde atuam. Cada um desses campos de relações envolve, por conseguinte, diferentesgrupos apresentando suas próprias demandas e particularidades que em parte secomplementam e criam tensões ao entrarem em relação umas com as outras. Destarte,os Pontos de Cultura, bem como os coletivos independentes e representantes das equipesde Cultura Digital, se configuram dentro do Programa como um agente duplo em suarelação com o Estado e com as comunidades - são simultaneamente formuladores eimplementadores de Políticas Públicas, além (e obviamente não menos importante) deserem representantes de um universo cultural próprio. E essa é uma das principais

características da gestão em rede proposta pelo Programa, é o que lhe confere tantocomplexidade e potencialidade, quanto conflitos e tensões constantes (GT CULTURADIGITAL in: LABREA & RANGEL: 2010, p.54)

REDE11 mostra que não existe clareza dos papéis de cada enredado, faltaexplicitar os "direitos e deveres" recíprocos de cada enredado para que um grupo possaatuar como rede. O que vemos empiricamente é que embora a SCC organize essas redesela mesma não tem uma atuação qualificada dentro delas. As ausências documentadasem REDE10 (RDEI18 a 22) são ausências produzidas basicamente pelo modo que aSCC atua nas redes, de maneira intuitiva sem uma metodologia compartilhada. Osquestionamentos dos Pontos ficam sem respostas (RDEI29), as informações não sãocompartilhadas em tempo hábil, são dispersas, contraditorias (RDEI26) e os gestores daSCC, dentro das redes, limitam-se a "escutá-las", se inteiram dos problemas mas não semanifestam sobre eles, dentro das redes. Muitos dizem claramente que o Estado nãodeve intervir nas redes e a questão é: se não devem intervir, devemestar lá , "escutando"a sociedade mesmo sabendo que só irá responder a partir de espaços institucionais? O

que essa "escuta" significa? A quem interessa um Estado - silencioso - dentro da rede?Os enunciados de REDE12 mostra uma dimensão da rede que é valorizada entre

os Pontos e que foi construída por eles: a capacidade que ela tem de contribuir para acirculação de produtos culturais, metodologias sociais, informações, a partir de redestemáticas, de sujeitos que estão juntos por suas afinidades e pela possibilidade de trocas.Idealmente essas trocas seriam facilitadas ou moderadas pela gestão compartilhada (cfe.EF1-REDE2-RDEF4 a 7), mas como a gestão compartilhada - entre Pontos e SCC -

ainda está para se concretizar, os Pontos compartilhamentre si e esta é uma dimensãofundamental da articulação entre eles. Essa é uma dimensão da rede que, como iremos

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ver adiante nos demais EI, foi desenvolvida principalmente graças às iniciativas dos próprios Pontos e Pontões, a partir de encontros presenciais - Teias, seminários, fóruns,etc. - em que eles puderam identificar grupos culturais afins e se articular em projetoscomuns e dos grupos virtuais. As trocas culturais fazem parte das características dosPontos, pois antes mesmo de serem reconhecidos como Pontos, essas instituições jádesenvolviam atividades e articulações para além de sua comunidade restrita.

Em relação à escala dos pontos ou ao seu âmbito de atuação, verificaram-se diferentesalcances. Deles, 16 (4%) têm inserção internacional e 16 (4%), nacional. Outros 106(27%) atuam no âmbito estadual e 160 (41%), no municipal. Interessante observar que74 – apenas 19% – atuam somente na comunidade em sentido estrito (as tabelas 3A e3B do anexo apresentam as informações por estado e região). Portanto, o localismo e aênfase em política de proximidade, embora sejam aspectos relevantes, devem serrecontextualizados a partir da observação de que as articulações e escalas de atuaçãodos pontos e, por que não dizer, do programa, são mais extensas, atingindo um âmbitomaior que o comunitário (SILVA & ARAÚJO: 2010,p.79).

Essa capacidade para trocas e articulação é um dos atributos dos Pontos e nadistância da SCC na gestão da rede, eles mesmos iniciaram um processo compartilhadoentre eles. A grande maioria dos coordenadores de Pontos - 85% (SILVA & ARAÚJO:2010,p.100) realizam articulações com outros Pontos e utilizam essa articulação comoestratégia para minimizar as dificuldades de comunicação com o Ministério da Cultura,"as quais geraram problemas para o esclarecimento das regras e critérios de aplicaçãodos recursos"(idem: p.99). Essa estratégia também ameniza "a distância do MinC emrelação a necessidades concretas de capacitação, esclarecimento de dúvidas, indefiniçãode procedimentos e critérios, etc." (idem:p.99).

A criatividade dos Pontos, como se vê, vai além de sua capacidade de fomentar circuitos culturais e dar visibilidade à produção cultural até então periférica, mas estánessa disposição para fazer junto, de trocar experiências e tecnologias sociais. Quandoquestionados, os coordenadores dos Pontos apontam as motivações principais desta rede

de trocas:Compartilhamento de dúvidas e experiências; realização de atividades em conjunto;intercâmbios de pessoal; divulgação de trabalhos; elaboração de projetos em comum ecaptação de recursos (SILVA & ARAÚJO: 2010,p.100).

A potencialização desta capacidade depende do desenvolvimento de umametodologia integradora, que amplie esse campo de possibilidades e inclua todos osPontos. Essa necessidade foi formulada pelos próprios gestores do Programa, nocontexto da primeira avaliação do IPEA e desde então a SCC busca por um alinhamentoque possam dar conta dainsuficiência dos processos participativos e do fato de que "a

gestão compartilhada, mesmo sendo princípio e parte da democracia cultural, ainda

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enfrenta dificuldades em ser completamente realizada" (SILVA & ARAÚJO:2010,p.109).

Outra discussão importante diz respeito ao papel da Ação Cultura Digital (CD)no PCV. Na ideia dos formuladores do PCV, a CD seria a ação integradora, que poderiadar condições do Ponto realizar sua vocação para articular, comum entre todos osPontos que, a partir dos kits multimídias, poderiam tanto se integrar às redes virtuaiscomo dar vasão à sua produção cultural. A pesquisa do IPEA, no entanto, mostra queapenas 53,1% dos Pontos receberam ou compraram o kit e somente 17,4% participamda rede e 10,1% formaram redes locais a partir do trabalho desenvolvido nos Pontoscom a comunidade e/ou outros Pontos(SILVA & ARAÚJO: 2010,p.67). No Seminário, oGT Cultura Digital foi formado quase exclusivamente por gestores do MinC ligado àação, pesquisadores, tendo - em um público estimado em 20 pessoas - três Pontos. Essaausência sinaliza uma dificuldade da CD de inserção junto aos Pontos, principalmenteem função da adoção do software livre .

Embora tenha sido ressaltada e louvada a adoção do software livre pelo atual governo –não apenas como solução economicamente viável, mas também como uma escolhapolítica mais conseqüente, quando se almeja atingir autonomia tecnológica – foiidentificada também a ainda fragilidade das estruturas fornecidas para a efetivaçãode tal política pública frente ao desafio inovador colocado pelo atual governo. Aescassez de recursos e o número reduzido de implementadores para abarcar um universo

tão amplo de atores, dentro da perspectiva transversal que a Cultura Digital foiidealizada, por certo dificultou e ainda dificulta uma realização plena da Cultura Digital

junto aos Pontos (GT CULTURA DIGITAL in: LABREA & RANGEL: 2010, p.55,grifo meu).

Mesmo reconhecendo essa dificuldade, o GT considerou que a experiência daAção Cultura Digital no PCV é estratégica pois criou uma "demanda política deapropriação de tecnologiaspara a qual o Programa não possui respostas prontas, e que os

Pontos estão buscando solucionar localmente" (idem). Suas questões atualizam EF2-

REDE3-RDEF12 e 13, ao focar seu questionamento na materialização dos aspectosoperacionais que ligam a CD às redes:

EI3 - Rede de Interlocução - A rede de Cultura Digital na experiência vivida dos Pontos de Cultura-Seminário Internacional do Programa Cultura VivaREDE3 - Rededa Ação CulturaDigital

RDEI34 - Como a CD fortalece a rede? Como possibilita a gestão em rede?RDEI35 - Gestão em rede – gestão interna do dia-a-dia. A Cultura digital não podeestar descolada de qualquer outra atividade dos Pontos de Cultura.RDEI36 - A não inclusão da Cultura Digital atrapalha a comunicação com os atoresdos pontos. Precisa-se educar para e no trabalho em rede.RDEI37 - Criar um espaço de convergência para essas produções é importante.Ainda não existe essa plataforma.RDEI38 - Falta um portal ou similar.RDEI39 - Um portal de relacionamento possibilita interação maior do que outros

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sites. Local de compartilhamento de imagens produzidas pelos pontos de cultura.RDEI40 - Necessidade de criar uma ferramenta de comunicação que agregue todosos sistemas. Isso é fácil. O que é difícil? Criar redes sociais por afinidade. Quais osgargalos para atingir as metas de integração, convergência, apropriação?

Uma percepção importante é a dificuldade da SCC em sistematizar a experiênciae colocá-la em comunicação. Esta percepção é confirmada nos documentos produzidos pelos consultores da Ação Cultura Digital em 2009:

Desde o início do Programa Cultura Viva, em 2004, a Secretaria de Cidadania Culturaltem investido pouco em análise e acompanhamento de seus processos internos, a fim deelaborar estratégias e adotar ferramentas e diretrizes de comunicação e gestão numa perspectiva das possibilidades de uso de tecnologias digitais.Dentro dessa realidade, é preciso reconhecer que as equipes responsáveis pela AçãoCultura Digital também não se incumbiram de fazer essas reflexões e demandar esses processos. (...)Durante os cinco anos e meio de gestão da Secretaria e da Ação Cultura Digital,algumas abordagens isoladas somaram-se aos esforços de sistematizar informações e possibilitar interações via internet entre os projetos e pessoas participantes das redes.(...)Da mesma forma, ao longo desses anos foram criados diversos ambientes destinados afacilitar a interação entre as pessoas vinculadas aos Pontos de Cultura. Afora as muitaslistas de discussão criadas a partir de serviçosweb comerciais ou independentes,destaca-se como pioneiros nessa área o Conversê, aliado ao Estúdio Livre e seu acervode mídias digitais. Porém, algumas falhas na sua concepção, além da descontinuidadede manutenção, deram espaço para que surgissem novas e variadas iniciativas com omesmo objetivo, originadas de diferentes pontos da rede.O resultado desse histórico é a dispersão de informações, que poderiam estar disponíveis e contribuir tanto para uma gestão burocrática mais eficiente e ágil, como para promover ainda mais o reconhecimento, a interação e a convivência entre as pessoas que fazem a cultura viva (BRASIL:2009, p.228).

Esses acervos - que continham todo o histórico e acúmulo das articulações que aAção Cultura Digital construiu junto aos Pontos e Pontões de Cultura e com as demaisações do Programa - foram perdidos porque os sites estão fora do ar desde meados de2010. Várias iniciativas de mapeamento e sistematização das ações realizadas por

Pontões de Cultura foram igualmente perdidas porque não há um processo contínuo deacompanhamento e sistematização do acervo produzido pelos beneficiários das ações.Ao mesmo tempo há muito material produzido pelos consultores da SCC ao longodestes anos que contém ao menos parte deste histórico, mas estes estudos muitas vezesnão são acessado pelos gestores e os dados produzidos são irrelevantes para aformulação e qualificação das políticas. Desde 2009 se fala em um sistema demonitoramento e acompanhamento das ações, ancorado em uma plataforma web, como

podemos ver na proposta abaixo:A proposta apresentada aqui parte da premissa que as informações sobre a rede CulturaViva, hoje dispersas em muitos ambientes e bases de dados, públicas ou não, são

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atividades desenvolvidas nos Pontos, esse consórcio de projetos tornaria possível aagregação e o cruzamento de dados, sistematizar as ações dos Pontos em uma únicarede de dados que facilitaria tanto para os Pontos quanto para a SCC criar um modelo para a documentação necessária à prestação de contas. Essa integração de dados é possível a partir da integração da identidade dos pontos, utilizando o serviço de umsistema de identificação como o OpenId17, por exemplo.

Os agentes dos pontos de cultura têm disponíveis hoje diversos tipos de sistemas paracadastrar projetos ou interagir entre si. Conversê, Estúdio Livre, MetaReciclagem.org,Overmundo, iTeia, Mapas da Rede, ONID, Ponto por Ponto, Cirandas.net, Fórum daCultura Digital, SalicWeb, SICONV, Orkut, Flickr, YouTube, Twitter e Identi.ca são sóalguns exemplos. Em cada um desses ambientes, a pessoa precisa fazer um cadastro,adicionar seus dados pessoais, identificar amigos, etc.Sem dúvida, é importante que exista essa diversidade de ambientes, com focos, públicose funcionalidades diferentes. Tentar unificá-los ou criar um 'ambiente oficial', seria ir contra a lógica distribuída da rede. Nesse sentido, alguns colaboradores da Ação CulturaDigital pesquisam, desde 2004, soluções de integração de identidades de usuários queutilizam tecnologias que possibilitam que, através do uso de protocolos e linguagenscomuns entre os sistemas, seja possível o intercâmbio descentralizado das informaçõese da autenticação nos sistemas. Para que isso se realize, é preciso definir regras comuns- quais tecnologias, linguagens e padrões a serem utilizados, e articular entre osresponsáveis a utilização e implementação dessas regras nos diferentes sistemas.Também é recomendado que estas definições de tecnologias e padrões sejam acordadosno ato de conveniamento dos produtores culturais ao serem contemplados com recursos públicos. Ao precisar publicar a contrapartida de divulgação nas plataformas definidas(seja agregando feeds ou incluindo fotografias), o produtor cultural estará

automaticamente participando da rede.Depois de integradas as identidades, é preciso garantir a possibilidade de intercâmbio deinformações entre os diferentes sistemas. Um sistema que permite a publicação deconteúdo multimídia pode permitir que uma rede social recupere ou insira novas produções em seu banco de dados, diretamente, sem a necessidade de o usuário acessar dois sistemas diferentes. Também para isso, é preciso definir protocolos e tecnologiascomuns, que sejam implementadas em todos os sistemas (BRASIL:2009, p.233).

Nesse espírito, não há fórmulas ou regras que determinem o correto da rede social,mas historicidade . Um já-vivido e um por-viver que trazem a memória de um percurso

já percorrido e alimentam uma visão de futuro.

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17 Trata-se de uma rede distribuída na qual a identidade do utilizador é dada por uma URL ou XRI quepode ser verificada por qualquer servidor executando o protocolo. Em sites que suportam OpenID,

utilizadores não necessitam de criar uma nova conta antes de poder a aceder. Só é necessárioautenticação por um site que suporta OpenID, chamado provedor de identidade. Esse provedor podeentão confirmar o dono da OpenID para outro site que suporta OpenID. Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/OpenID, acesso em 27/05/2012.

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