as pulsões e seus destinos

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As pulsões e seus destinos. Aula 10. As pulsões e seus destinos. 1. Freud inicia o seu artigo fazendo um paralelo entre o psiquismo e o arco reflexo, mecanismo pelo qual o estímulo percebido ou vindo do exterior atinge o tecido nervoso causando uma reação que tem por objetivo afastar o raio de ação do estímulo. 2. A primeira distinção do estímulo pulsional (Triebreiz) quanto ao estímulo externo diz respeito à sua origem. O estímulo pulsional é interno. Mas não só. O estímulo pulsional é uma força constante da qual não se pode fugir. É uma necessidade à qual deve corresponder uma satisfação para que o estímulo pulsional seja diminuído. 3. Na aula vimos como um objeto de desejo, principalmente nos anos de formação do psiquismo, não existe. O que existe é uma tensão de necessidade que leva ao desprazer e uma diminuição dessa tensão a partir de atos que satisfaçam essa necessidade. A experiência de tensão e satisfação gera marcas no psiquismo, uma relação ou um tipo de relação com os objetos de desejo e se atualiza quando o psiquismo fizer a transferência para o objeto. No início, trata-se apenas da história libidinal, da experiência do próprio corpo com o corpo do outro. 4. Mas além de interno e constante, o estímulo pulsional é irremovível. Freud não se interessa muito em saber a origem do estímulo pulsional. Trata-o como um dado exógeno. Uma energia, da qual a força é a libido. Para que um estímulo pulsional seja, ainda que temporariamente, satisfeito, não basta uma ação de origem muscular. Impõe-se ao organismo um trabalho muito mais complexo de obter do mundo os elementos de saciação. Mas mais do que isso, obriga o sistema nervoso a assumir que esses impulsos estarão presentes e que é impossível mantê-los distantes de si. São, portanto, essas pulsões que nos movem em nossa capacidade ilimitada de realizações. 5. A pulsão é, portanto, um conceito limite entre o somático e o psíquico. A pulsão nos aparece como o representante psíquico dos estímulos que provêm do interior do corpo. Sendo assim, o que nós conhecemos são as representações materializadas em símbolos, imagens e palavras. Aqui emerge algo extremamente importante: esse conceito fronteiriço explica porque a palavra, a linguagem e a imagem como diria Paul Ricoeur tem uma influência direta no

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Page 1: As Pulsões e Seus Destinos

As pulsões e seus destinos.Aula 10. As pulsões e seus destinos.1. Freud inicia o seu artigo fazendo um paralelo entre o psiquismo e o arco reflexo, mecanismo pelo qual o estímulo percebido ou vindo do exterior atinge o tecido nervoso causando uma reação que tem por objetivo afastar o raio de ação do estímulo.

2. A primeira distinção do estímulo pulsional (Triebreiz) quanto ao estímulo externo diz respeito à sua origem. O estímulo pulsional é interno. Mas não só. O estímulo pulsional é uma força constante da qual não se pode fugir. É uma necessidade à qual deve corresponder uma satisfação para que o estímulo pulsional seja diminuído.

3. Na aula vimos como um objeto de desejo, principalmente nos anos de formação do psiquismo, não existe. O que existe é uma tensão de necessidade que leva ao desprazer e uma diminuição dessa tensão a partir de atos que satisfaçam essa necessidade. A experiência de tensão e satisfação gera marcas no psiquismo, uma relação ou um tipo de relação com os objetos de desejo e se atualiza quando o psiquismo fizer a transferência para o objeto. No início, trata-se apenas da história libidinal, da experiência do próprio corpo com o corpo do outro.

4. Mas além de interno e constante, o estímulo pulsional é irremovível. Freud não se interessa muito em saber a origem do estímulo pulsional. Trata-o como um dado exógeno. Uma energia, da qual a força é a libido. Para que um estímulo pulsional seja, ainda que temporariamente, satisfeito, não basta uma ação de origem muscular. Impõe-se ao organismo um trabalho muito mais complexo de obter do mundo os elementos de saciação. Mas mais do que isso, obriga o sistema nervoso a assumir que esses impulsos estarão presentes e que é impossível mantê-los distantes de si.  São, portanto, essas pulsões que nos movem em nossa capacidade ilimitada de realizações.

5. A pulsão é, portanto, um conceito limite entre o somático e o psíquico. A pulsão nos aparece como o representante psíquico dos estímulos que provêm do interior do corpo. Sendo assim, o que nós conhecemos são as representações materializadas em símbolos, imagens e palavras.  Aqui emerge algo extremamente importante: esse conceito fronteiriço explica porque a palavra, a linguagem e a imagem como diria Paul Ricoeur tem uma influência direta no somático: porque é um representante pulsional, porque é representante de um estímulo endógeno corporal. Por isso, a cura pode vir pela palavra, ou pela sublimação (arte e imagem).

6. Mais precisamente, essa teoria das pulsões tem uma relação direta com a primeira tópica: a pulsão na primeira tópica não está no inconsciente e no consciente: ela está investida em uma representação que está numa ou noutra cena segundo o princípio de prazer (libido) ou o princípio de realidade (interesse). Investimentos e desinvestimentos geram o recalque e o retorno do recalcado.

7. Conceitos diretamente ligados à pulsão:

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Meta = satisfação obtida quando o estado de estimulação é suspenso. Processos que foram inibidos quanto a meta, foram inibidos em sua satisfação.Objeto = é aquilo por meio de que a pulsão pode alcançar a sua meta. As pulsões podem se deslocar para múltiplos objetos tendo papéis quase intermináveis no psiquismo normal e na formação de uma patologia. Importante notar que quando há aderência de uma pulsão a um objeto há FIXAÇÃO.Fonte = pulsão como processo somático. Não se sabe muito do ponto de vista bioquímico sobre isso à época de Freud. Do ponto de vista do psiquismo Freud afirma (diferentemente do que está exposto acima e que é mais influenciado sobre o texto a propósito do inconsciente) que a pulsão somente pode ser conhecida no psiquismo por suas metas. (Eu diria por suas metas investidas em objetos e representações, mas é fato que emerge no psiquismo como uma busca de saciação).Interessante notar que para Freud não há diferenças qualitativas de pulsão. Apenas há uma diferença de magnitudes e de funções.

8. Primeira teoria das pulsões: pulsões de auto conservação e pulsões sexuais. “Mas essa classificação (…) é uma simples construção auxiliar que apenas será mantida enquanto se mostrar útil. ”  Nas neuroses de transferência, Freud encontra uma contradição ou um conflito entre as reivindicações do Eu e as da sexualidade. Essa concepção tem uma origem biológica também – a sexualidade vai além do Eu, pois têm como objetivo a constituição de um novo indivíduo. Numa concepção há o Eu e a satisfação de suas necessidades, inclusive as sexuais. Noutra, há a concepção de que a satisfação sexual em nada serve ao Eu, mas a um propósito outro que está fora do Eu.

9. As pulsões sexuais, segundo Freud, são numerosas e exercem atividades e finalidades diferentes até que chegam ao ponto de buscar a satisfação do prazer do órgão. Somente depois de completada essa síntese é que se passa à função de reprodução. Interessante aqui que a função reprodutiva aparece inicialmente, para Freud, associada com a pulsão de auto conservação, da qual se separa progressivamente, mas lhe empresa por toda vida uma componente libidinal que passa desapercebida quando há funcionamento normal do Eu. Também é interessante aqui notar como Freud admite a polimorfia das pulsões sexuais e seu deslocamento para vários objetos, inclusive para os objetos que se encontram muito afastados das metas iniciais (sublimação).

OS DESTINOS DAS PULSÕES:1. Recalque (cf. artigo sobre o recalque)2. Sublimação (diz simplesmente que não tem intenção em tratar desse tema nesse capítulo!!!!)3. A transformação em seu contrário.a. redirecionamento da atividade para a passividade.Meta -> ativa (infligir a dor ou ficar olhando) em passiva (receber a dor e ser observado).b. inversão de conteúdo.Objeto -> transformação de amor em ódio.4. O redirecionamento contra a própria pessoa.Alteração do objeto sem alteração da meta. O masoquista é um sádico contra si próprio.

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5. Análise do par sadismo/masoquismo.a. Sadismo = violência e dominação. Pessoa tomada como objeto.b. Objeto é deixado de lado e direcionado contra a própria pessoa. Transformação da meta pulsional ativa em passiva.c. Outra pessoa é procurada como objeto. Mas, como houve transformação pulsional da meta, esse deve ser o próprio sujeito.O caso c é chamado de masoquismo. O Eu passivo se transporta e deixa a atividade ao encargo de um outro. Não parece haver masoquismo que não derive do sadismo. Mas há casos em que o redirecionamento contra a própria pessoa não se faz acompanhar por da passividade perante o outro, como no caso dos compulsivos (auto-tormento). Interessante notar que a meta do sádico pode ser a dominação, mas não infligir a dor. A dor somente se transforma em meta no caso do masoquista (meta passiva). A dor substitui a dominação. Aí sim, retroativamente surge a meta sádica de infligir a dor.6. Análise do par exibicionista / voyeur.a. O ato de ficar olhando como atividade para um objeto estranho. (Mas há um ato auto erótico que precede essa fase). Pela via da comparação se troca de objeto.b. A renúncia ao objeto e a reorientação para o próprio corpo.c. A introdução de um novo sujeito.Toda moção pulsional (que não seja recalcada ou sublimada) parece ter um destino ambivalente onde há deslocamento de meta por um lado, substituição do objeto e/ou redirecionamento contra a própria pessoa.7. Introdução do narcisismo na reflexão: auto erótico e, portanto, imbuído da pulsão de olhar a si próprio. A pulsão narcísica abandonada, o objeto pode ser tornar o outro. Na pulsão do olhar passivo, há um retorno ao objeto narcísico. Dessa maneira, todas essas fases são orientadas por um processo de ruptura e de cisão do eu com o mundo e de identificação, onde se troca o Eu por um outro. Tudo isso depende da organização narcísica do EU.8. Análise do par amor – ódio.a. Amar – Ser amado. – Organização descrita acima que tem a ver com a origem narcísica dos processosb. Amor – ódio.c. Indiferença.Toda a vida psíquica é dominada por três pares de opostos:a. Sujeito / Objeto. Nessa relação, a primeira observação na tenra infância é a de indiferença ao mundo. Em seguida, o mundo, os objetos se tornam desprazerosos. Aqui o odiar vem de uma pulsão de auto conservação face a algo ameaçador. A transformação do objeto em prazer é efetivada a partir do momento em que a meta se dirige ao objeto e que este pode transformar-se em meio de saciação. Caso o contrário, dissociação do objeto e agressividade contra o objeto podem advir.b. Prazer / Desprazer.c. Ativo / Passivo. – a atividade surge pelas pulsões, a não ser que elas possam ser plenamente e exclusivamente satisfeitas pelo outro. O sadismo surge a partir do momento que somente essa dominação causa prazer no outro em que o prazer é se deixar dominar.Diga-se de passagem, que a palavra amar só é usada em termos relacionais a um objeto. O Eu ama o que o satisfaz sexualmente e odeia o que não satisfaz suas necessidades de auto conservação.9. Freud já menciona aqui que o amar passará por metas sexuais provisórias no desenvolvimento libidinal. Primeiro se tentará incorporar,

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depois dominar e se apoderar sem preocupação em preservar o objeto e, por fim, amá-lo com a organização genital completa. Quanto ao ódio, também passa pelas mesmas etapas: o ódio é uma reação ao desprazer e “quando as pulsões do Eu passam a ter o domínio sobre a função sexual como na fase anal-sádica, elas transmitem à meta pulsional o ódio. A rejeição a objetos também é função da nossa história libidinal como acima colocado. A ruptura da relação de amor é a ruptura da relação de prazer e pode se transformar em ódio pelas reminiscências das pulsões ligadas ao Eu que repudiam um objeto pelo princípio de auto conservação.10. O recalque originário não seria o campo criado por essas marcas arcaicas de desprazer e prazer criadas na nossa história libidinal?

Quadro de referências:1. Pulsões de vida: energia somática e investida em representações de autoconservação e sexual. Energias que orientam o ser humano na consecução de seus desejos e necessidades.

2. Pulsões de morte: se contrapõem a às pulsões de vida por tender a um

redução completa das tensões, reconduzindo o ser vivo a um estado anorgânico.

Primariamente são voltadas para o interior (auto-destruição); secundariamente

voltadas para o exterior (agressão e destruição).

3. Outro: Na filosofia clássica o outro é considerado por Platão como um dos

quatro gêneros supremos (o ser, o movimento, o repouso, o idêntico e o outro).

O outro representa, dessa forma, a diferença e justifica a possibilidade de

existência daquilo que é falso. Numa determinada escola da filosofia

contemporânea surge uma crítica radical ao imperialismo do mesmo, já que o

outro significaria na tradição ocidental a não aceitação da alteridade. Para o que

nos concerne, a psicanálise, a teoria mais interessante sobre o outro está nos

autores estruturalistas e na crítica pós-estruturalista. Para Foucault, o outro

coincide com a presença do impensado no homem, ou seja, todas as estruturas

históricas, linguísticas, sociais, psíquicas que governam o frágil sujeito. Para

Lacan, o outro aparece como um grande A (Autre) materializado no Esquema L

onde A determina o sujeito que nada mais é do que o ISSO que, por sua vez

determina o a’ o outro psíquico que se diferencia do EU através de uma relação

imaginária. Os pós-estruturalistas farão uma crítica radical ao determinismo dos

estruturalistas, vendo em todos esses mecanismos simbólicos uma instância de

repressão contra a liberdade transgressiva que seria um desígnio humano.

Mencione-se, ainda, a visão da escola de Frankfurt em que o outro representa o

futuro ideal e utópico, a antítese radical do mundo presente.

4. Metapsicologia: conjunto de conceitos que, ao mesmo tempo nascem e se

distanciam da experiência para formar o arcabouço teórico de compreensão ou,

pelo menos, apreensão dos fenômenos psíquicos que acontecem além do

comportamento.

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