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AS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS NAS COMPRAS
PÚBLICAS: REGULAMENTAÇÃO E APLICAÇÃO DOS
NOVOS BENEFÍCIOS INCORPORADOS PELA LEI
COMPLEMENTAR FEDERAL NO 147, DE 7 DE
AGOSTO DE 2014
LEONARDO LACERDA BITTENCOURT MACIEL WELSON KLEITON ANTÔNIO DE SOUZA
LÍVIA COLEN DINIZ LUCIANA VIANNA DE SALLES DRUMOND
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Painel 49/151 Compras públicas e gestão logística: inovações e contribuições para a eficiência no Estado de Minas Gerais
AS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS NAS COMPRAS PÚBLICAS:
REGULAMENTAÇÃO E APLICAÇÃO DOS NOVOS BENEFÍCIOS INCORPORADOS PELA LEI COMPLEMENTAR FEDERAL N
O 147, DE
7 DE AGOSTO DE 2014
Leonardo Lacerda Bittencourt Maciel
Welson Kleiton Antônio de Souza Lívia Colen Diniz
Luciana Vianna de Salles Drumond
RESUMO
A edição da Lei Complementar Federal no 147, de 7 de agosto de 2014, ampliou os benefícios dispensados às microempresas e empresas de pequeno porte (MEPP)
nas compras governamentais, previstos pela Lei Complementar Federal no 123, de 14 de dezembro de 2006, com foco no fomento do desenvolvimento local e regional. O Estado de Minas Gerais, de forma pioneira, elaborou e publicou em 12 de
dezembro de 2014 o Decreto Estadual no 46.665, que dispõe sobre o tratamento diferenciado e simplificado dispensado às MEPP nas aquisições públicas do Estado
de Minas Gerais, nos termos da Lei Complementar Federal no 123, de 14 de dezembro de 2006, e suas alterações posteriores.O objetivo deste artigo é expor a argumentação que embasou a interpretação dada pelo Estado de Minas Gerais aos
polêmicos dispositivos da referida norma, bem como relatar a experiência mineira na efetiva aplicação dos novos benefícios dispensados às MEPP e as dificuldades
enfrentadas.
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INTRODUÇÃO
Na evolução dos modelos de gestão pública, entendidos como rol de
propósitos, premissas, orientações e normas legais que orientam a estratégia
governamental e seus desdobramentos em processos específicos, destacam-se os
modelos patrimonialista, burocrático e gerencial.
O modelo patrimonialista traz o aparelho estatal como uma extensão do
poder soberano, no qual os servidores possuem status de nobreza real. O
patrimônio público não é diferenciado do privado e a corrupção e o nepotismo são
traços inerentes desse tipo de gestão. A palavra do rei não era passível de
contestação e havia diferentes julgamentos para um mesmo caso, dependendo dos
laços entre os envolvidos e o rei.
Na tentativa de tornar a gestão pública mais imparcial, combatendo a
corrupção e o nepotismo patrimonialista, surgiu o modelo burocrático, que trouxe a
regência dos atores por regras, regimentos e regulamentos. São traços da
burocracia weberiana a documentação, a hierarquia funcional, a busca da
especialização funcional, a profissionalização e a submissão a normas de conduta e
de procedimentos, embasada por controles rígidos dos processos. Apesar dos
avanços percebidos frente ao patrimonialismo, são tidos como disfunções do modelo
burocrático o excesso de regras, o exagero no formalismo frente à essência, a
verticalização hierárquica, o foco nos processos em detrimento dos resultados e o
mecanicismo da máquina pública, motivos pelos quais este modelo é considerado
mais adequado a contextos de estabilidade.
Com a crise econômica e fiscal provocada pelo Choque do Petróleo,
aumentou por parte da sociedade a pressão por uma maior transparência e
efetividade dos retornos na aplicação dos recursos públicos. Essa pressão colocou
em xeque a legitimidade dos governos e o paradigma burocrático. Em resposta a
essa crise houve uma reforma da organização e do funcionamento do Estado, tendo
como precursores os governos neoliberais do Reino Unido, Estados Unidos,
Austrália e Nova Zelândia, que se pautavam em modernizar e agilizar a
administração pública por meio da redução do alcance do governo (conceito de
Estado mínimo) e o melhor funcionamento do setor público, reduzindo custos.
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Adotou-se, então, um enfoque gerencial para cuidar da administração pública,
pensado com base no foco em resultados, na qualidade dos serviços prestados, no
empoderamento do cidadão por meio de oportunidades de escolha entre diferentes
provedores de serviço e para expressar seu grau de satisfação como usuário
(PACHECO, 2010).
Sob o condão da nova gestão pública, foram importados do setor privado
os processos de gestão, com foco no planejamento estratégico e na gestão das
estratégias, como forma de atingir os resultados pretendidos e de melhorar o
controle sobre as ações e programas de governo.
Neste contexto, a função de compras teve perceptiva evolução de
importância dentro das empresas. Antes da Primeira Guerra Mundial era
considerada como atividade essencialmente burocrática. Com a crise do petróleo de
1970, a redução da oferta de matérias-primas e consequente aumento dos preços,
tornou-se crucial saber o que, quanto, quando e como comprar. Hoje em dia, a
função compras é vista como parte de um processo logístico das organizações e
como parte integrante do Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos, assumindo um
papel verdadeiramente estratégico nos negócios em face do volume de recursos,
principalmente financeiros, envolvidos (MARTINS; ALT, 2001).
No setor público, Carvalho Filho (2013) dita que a Administração Pública
necessita do fornecimento de bens, contratação de serviços e obras para executar
sua complexa atividade e atingir seus objetivos, e para isso, tem que recorrer ao
instituto da licitação como instrumento de compras, regida pela Lei no 8.666, de 21
de junho de 1993. A licitação tem os propósitos básicos de proporcionar às
entidades governamentais realizarem o negócio mais vantajoso para si e assegurar
o acesso à disputa ao público interessado em fornecer para o Estado. Pela licitação
são atingidas as exigências públicas de proteção aos interesses públicos e recursos
governamentais, de respeito aos princípios da isonomia e impessoalidade e da
obediência aos reclames da probidade administrativa (MELO, 2003).
Além da busca por maior qualidade, produtividade e eficiência nestes
procedimentos, as licitações e contratações públicas passam a ter objetivos mais
amplos do que o simples atendimento às necessidades da Administração Pública.
Passa-se a levar em conta o poder de influência do Estado no domínio econômico,
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assim, o gestor público passa a contribuir para a consolidação de atividades
produtivas que melhorem a eficiência no uso de produtos e recursos naturais,
econômicos e humanos, que reduzam o impacto sobre o meio ambiente e que
promovam a igualdade social e a redução da pobreza, favorecendo o
desenvolvimento sustentável (DRUMOND et al., 2012).
Neste contexto, as MEPP sobressaem-se para a alavancagem do
desenvolvimento socioeconômico nacional, uma vez que representam cerca de 25%
do PIB do país, segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (SEBRAE, 2012, apud SOUZA, 2014). Além disso, as MEPP
correspondem a aproximadamente 99% da quantidade de empresas no Brasil e são
responsáveis por mais da metade dos empregos formais de estabelecimentos
privados não agrícolas (SEBRAE, 2012, apud SOUZA, 2014).
Diante deste cenário, uma das formas de promover o desenvolvimento
social através das compras públicas é pela concessão de benefícios às MEPP nas
contratações e licitações públicas, na medida em que elas contribuem para o
desenvolvimento econômico, ambiental e social do estado, por meio da ampliação
das oportunidades de negócios para os pequenos empresários. Para Ferreira
(2012), a contratação preferencial de MEPP, segundo disciplinado na Lei
Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006, é a melhor forma de alcançar a
função social das licitações, pois o incentivo ao microempreendedorismo por meio
deste instrumento de compras potencializa as oportunidades para o crescimento
econômico sustentado e aumenta as chances de realização da dignidade da pessoa
humana pela facilitação de ingresso no mercado formal de trabalho, além de
direcionar a sociedade rumo ao pleno emprego.
Também se espera, pela ampliação dos benefícios às MEPP, a redução
da informalidade e fortalecimento socioeconômico do Estado, o combate à pobreza
pela geração de trabalho, emprego e melhor distribuição da renda, interiorização do
desenvolvimento pela promoção do desenvolvimento local e dos arranjos produtivos,
incremento da atividade produtiva nacional, com consequente ampliação de
oportunidades e da base de arrecadação de impostos (SPÍNOLA, 2008).
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2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo geral
O objetivo geral deste artigo é expor a argumentação que embasou a
interpretação dada pelo Estado de Minas Gerais aos polêmicos dispositivos da Lei
Complementar no 147/2014, bem como relatar a experiência mineira e as
dificuldades enfrentadas na efetiva aplicação dos novos benefícios dispensados às
MEPP.
2.2 Objetivos específicos
Para a consecução do objetivo geral, faz-se necessário:
a) Apresentar o histórico normativo que baliza a concessão de benefícios
e ampliação do acesso às MEPP nas compras públicas
governamentais;
b) Expor as novidades introduzidas pela Lei Complementar no 147/2014;
c) Evidenciar a experiência do Estado de Minas Gerais na aplicação do
tratamento diferenciado dispensado às MEPP;
d) Discutir as dificuldades enfrentadas pelo Estado de Minas Gerais na
aplicação do novo ordenamento, no que tange ao Capítulo V da Lei
Complementar no 147, de 2014, que trata do Acesso a Mercados.
3 METODOLOGIA
3.1 Caracterização da pesquisa
3.1.1 Quanto à Forma de Abordagem do Problema
Uma pesquisa pode ser considerada quantitativa e/ou qualitativa quanto à
forma de abordagem do problema. Esta pesquisa é qualitativa, porque a análise dos
dados é subjetiva, ou seja, não se utiliza de métodos e técnicas estatísticas para seu
tratamento e obtenção de resultados. Ademais, ela busca “descrever a
complexidade de determinado problema e analisar a interação de certas variáveis”
(RICHARDSON; PERES, 1999). Portanto, trata-se de uma pesquisa
predominantemente qualitativa.
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3.1.2 Quanto aos Objetivos da Pesquisa
Em relação aos objetivos, Beuren (2009) explicita que a pesquisa pode
ser exploratória, descritiva ou explicativa. Como há pouco conhecimento disponível
sobre a temática abordada, devido à recentidade do tema, buscou-se conhecer o
assunto com maior profundidade, de modo a torná-lo mais claro e construir questões
importantes para o conhecimento da pesquisa. Assim, esta pesquisa é exploratória,
quanto aos seus objetivos. Essa definição é corroborada pelo envolvimento de
levantamento bibliográfico, análise de exemplos que estimulem a compreensão e o
estudo de caso utilizados como procedimentos de pesquisa.
3.2 Procedimentos e Técnicas de Pesquisa
Beuren (2009) cita um rol exemplificativo de formas de procedimento de
pesquisa, tais quais o estudo de caso, o levantamento (ou survey), a pesquisa
bibliográfica, a pesquisa experimental, a pesquisa documental e a pesquisa
participante. A mesma autora explicita que é comum que um trabalho de pesquisa
utilize mais de uma técnica para atingir seus objetivos (BEUREN, 2009).
Observando os métodos utilizados, pode-se citar que esta pesquisa lança
mão de:
a) Pesquisa bibliográfica: “buscam conhecer e analisar as contribuições
culturais ou científicas do passado existentes sobre um determinado
assunto, tema ou problema” (CERVO; BREVIAN, 1983, apud BEUREN,
2009). Foram pesquisados os principais autores para referência
bibliográfica, por meio de consulta a livros, periódicos, artigos, anais
de congressos, dissertações, teses, legislação correlata, páginas da
internet etc. Por fim, foram selecionadas as ideias mais relevantes e que
estão mais imbricadas no tema em tela para a construção de uma base
teórica sólida.
b) Estudo de caso: “é caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de um
ou de poucos objetos, de maneira a permitir conhecimentos amplos e
detalhados do mesmo” (GIL, 2010). O presente artigo utiliza esta técnica
para realizar o estudo da interpretação, regulamentação e implantação da
atualização dos benefícios elencados pela Lei Complementar no
123/2006, trazidas pela Lei Complementar no 147/2014.
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4 HISTÓRICO
O marco legal fundamental, que inovou com a concessão de benefícios
às MEPP nas compras governamentais, é a Lei Complementar Federal no 123,
publicada em 14 de dezembro de 2006, que instituiu o Estatuto Nacional da
Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, estabelecendo diretrizes para
garantir benefícios a estas, com vistas a reduzir as desigualdades existentes entre
elas e as médias e grandes empresas brasileiras. Para Drumond et al. (2012), esta
lei ressaltou a função social das compras governamentais, possibilitando que as
MEPP pudessem desenvolver seus negócios por meio do acesso ao mercado das
compras públicas governamentais.
O Poder Executivo do Estado de Minas Gerais, então, importou os
conceitos do normativo federal e editou o Decreto Estadual no 44.630, em 3 de
outubro de 2007, que dispôs sobre o tratamento diferenciado e simplificado
dispensado às MEPP nas aquisições públicas do Estado de Minas Gerais.
A fim de destrinchar em procedimentos as diretrizes das normas
supracitadas, foi exarada a Resolução SEPLAG no 58, em 30 de novembro de 2007,
que definiu os procedimentos complementares para a aplicação do tratamento
diferenciado e simplificado dispensado às pequenas empresas nas aquisições
públicas, além de dar outras providências.
Ainda com o fi to de desenvolver as pequenas empresas locais, o Estado
de Minas Gerais publicou o Decreto Estadual no 44.853, em 2 de julho de 2008, que
veio instituir o Fórum Permanente Mineiro das Microempresas e Empresas de
Pequeno Porte (FOPEMIMPE), criado para servir como um espaço para discussões,
debates e conjugação de esforços entre representantes do governo, do setor privado
e da sociedade civil organizada, com objetivo de articular e promover a
regulamentação da Lei Complementar no 123/2006, no que diz respeito aos
aspectos não tributários da legislação (FOPEMIMPE, 2013). O FOPEMIMPE é
coordenado pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (SEDE) e
tem atuação conjunta entre os órgãos do governo estadual e as entidades de apoio
de representação do segmento de MEPP. Neste fórum atuam seis comitês temáticos
que desenvolvem estudos e elaboram propostas para formulação de políticas
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públicas nas respectivas áreas temáticas: (i) racionalização legal e burocrática, (ii)
investimento, financiamento e crédito, (iii) formação e capacitação empreendedora,
(iv) qualidade e inovação, (v) comércio exterior e integração internacional e (vi)
acesso a mercados (SOUZA, 2014). Este último comitê tem foco na efetiva aplicação
do Capítulo V da Lei Complementar no 123/2006 – Do Acesso aos Mercados.
Como forma de fortalecer o disposto na legislação, foi publicado o
Decreto Estadual no 45.749, em 5 de outubro de 2011, que tornou obrigatória a
participação exclusiva de MEPP em aquisições e contratações de bens e serviços
quando o valor estimado para a contratação não ultrapassar R$ 80.000,00 (oitenta
mil reais). Anteriormente, o normativo apenas facultava à Administração Pública a
possibilidade de se aplicar este dispositivo.
Em 2012, foi publicada a Resolução Conjunta SEPLAG/SEF no 8.727, de
26 de setembro de 2012, que tratou da qualificação das MEPP no Sistema Integrado
de Administração de Materiais e Serviços – SIAD-MG. A informação que indica a
empresa como sendo de porte micro ou pequeno passou a ser obtida
automaticamente por meio dos dados cadastrais constantes do Sistema Integrado
de Administração da Receita Estadual (SIARE-MG) pelo módulo de Cadastro Geral
de Fornecedores (CAGEF) do SIAD-MG, inclusive para fins da comprovação da
condição de pequena empresa nas aquisições públicas do Estado de Minas Gerais.
Desde 2012, os novos empresários têm a opção de se cadastrarem
automaticamente no CAGEF, no momento do preenchimento dos dados cadastrais e
contratuais no Sistema de Registro Mercantil da Junta Comercial do Estado de
Minas Gerais – SRM/JUCEMG. Esta faculdade foi dada pela Resolução Conjunta
SEPLAG/JUCEMG no 8.796, de 27 de dezembro de 2012, que regulamentou a
solução tecnológica para este fim (DUARTE; DRUMOND; VILHENA, 2015).
Em 2013 foi publicada a Lei 20.826 que institui o Estatuto Mineiro da
Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, que instituiu o Estatuto Mineiro da
Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. A Lei estadual estendeu os
benefícios já aplicados no poder executivo aos demais poderes do Estado. Ainda
sobre o Estatuto Mineiro, Duarte, Drumond e Vilhena (2015, p.104) destacam que:
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a lei, além de tratar das compras públicas, também trata do incentivo à
geração de emprego e renda, da racionalização de processos burocráticos de formalização, funcionamento, alteração e encerramento das microempresas e empresas de pequeno porte, além da inovação
tecnológica e a educação e a capacitação empreendedoras, favorecimento de políticas das microrregiões do Estado e facilitação e orientação do acesso ao crédito.
Em 2014, o Governo Federal publicou a Lei Complementar no 147/2014,
que ampliou ainda mais os benefícios dispostos no Estatuto Nacional da
Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Os benefícios ampliados pela
norma federal, em suma, foram: o aumento do prazo para regularização fiscal de
MEPP, para efeitos de assinatura de contrato, que anteriormente era de 2 (dois) dias
úteis, prorrogáveis por igual período, passando para 5 (cinco) dias úteis,
prorrogáveis por igual período; a realização de processo licitatório com valor previsto
de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), exclusivo para MEPP, que passou a ser
imperativa; a subcontratação de obras e serviços teve seu limite superior de 30%
extinto, mantendo-se facultativa sua adoção; a reserva de cota de até 25% de
processos licitatórios destinados à aquisição de bens de natureza divisível tornou-se
obrigatória; tornou-se possível estabelecer prioridade de contratação para as MEPP
sediadas local ou regionalmente até o limite de 10% acima do preço válido. Estas
inovações serão exploradas e aprofundadas no próximo capítulo.
Cabe destacar que as alterações trazidas pela da Lei Complementar no
147/2014 eram de observância obrigatória para os Estados da Federação à época
da publicação e, portanto, deviam ser aplicadas de imediato. Assim, com a urgência
de que o marco legal mineiro recepcionasse e esclarecesse as novas regras, e de
forma a acompanhar os avanços trazidos pela referida norma, o Estado de Minas
Gerais adiantou-se em regulamentar o Estatuto Mineiro das MEPP por meio da
publicação do Decreto Estadual no 46.665, em 12 de dezembro de 2014, que alterou
o Decreto no 44.630/2007 com as novidades trazidas pela Lei Complementar no
147/2014.
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5 INOVAÇÕES DA LEI COMPLEMENTAR No 147/2014, NA LEI
COMPLEMENTAR No 123/2006 E SEU IMPACTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO DE COMPRAS PÚBLICAS
5.1. Ampliação do Prazo para Regularidade Fiscal
O primeiro dispositivo a ser mencionado é a alteração no artigo 43, § 1o,
que trata da possibilidade de participação em certames de MEPP que apresentem
alguma restrição quanto à regularidade fiscal, concedendo-lhes prazo para
regularização da pendência caso vençam o certame.
Art. 43. As microempresas e empresas de pequeno porte, por ocasião da
participação em certames licitatórios, deverão apresentar toda a documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal, mesmo que esta apresente alguma restrição.
§ 1o Havendo alguma restrição na comprovação da regularidade fiscal,
será assegurado o prazo de 5 (cinco) dias úteis, cujo termo inicial corresponderá ao momento em que o proponente for declarado o vencedor do certame, prorrogável por igual período, a critério da
administração pública, para a regularização da documentação, pagamento ou parcelamento do débito e emissão de eventuais certidões negativas ou positivas com efeito de certidão negativa.
(Redação dada pela Lei Complementar no 147, de 2014)
§ 2o A não regularização da documentação, no prazo previsto no § 1
o deste
artigo, implicará decadência do direito à contratação, sem prejuízo das
sanções previstas no art. 81 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, sendo
facultado à Administração convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a assinatura do contrato, ou revogar a licitação. (gri fo
nosso)
A alteração consiste na ampliação do prazo de dois dias úteis para cinco
dias úteis, prorrogável por igual período, a critério da administração. Assim, no caso
da MEPP sagrar-se como a primeira colocada do certame, ela terá este prazo
ampliado para regularizar alguma documentação fiscal que esteja pendente.
Um ponto a ser observado é que, conforme disposto no caput do artigo
43, as MEPP mesmo estando com sua documentação fiscal vencida ou com alguma
restrição, deverão apresentá-la junto aos demais documentos de habilitação
exigidos no edital para sua participação no certame licitatório, sob pena de
desclassificação.
Cabe ressaltar que esta possibilidade de regularização tardia se limita ao
saneamento da regularidade fiscal e não aos demais documentos exigidos no
procedimento licitatório, em função da característica formal da licitação norteada
pelo princípio da legalidade.
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Nesta seara, uma questão que vinha suscitando dúvidas era a
possibilidade de utilização deste prazo ampliado também para o documento relativo
à prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho
incluída no artigo 29 da Lei no 8.666/1993, pela Lei no 12.440/2011, posteriormente a
publicação da Lei Complementar no 123/2006, conforme o texto abaixo transcrito:
Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista,
conforme o caso, consistirá em: (Redação dada pela Lei no 12.440, de
2011) (Vigência)
(...)
V – prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do
Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos
do Título VII-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo
Decreto-Lei no
5.452, de 1o de maio de 1943. (Incluído pela Lei n
o
12.440, de 2011) (grifo nosso)
Entretanto, como a Lei Complementar no 147/2014 repetiu a expressão
“documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal”, entende-
se que o benefício aplica-se apenas aos documentos destinados a comprovação da
regularidade tributária (Fazendas Federal, Estadual e Municipal) e de encargos
previdenciários (INSS e FGTS), excluindo-se a prova de inexistência de débitos
inadimplidos perante a Justiça do Trabalho.
Assim o § 1o do artigo 4o do Decreto no 44.630/2007, alterado pelo
Decreto no 46.665/2014, tratou a questão da seguinte forma:
§ 1o Havendo alguma restrição na comprovação da regularidade fiscal
será assegurado prazo de cinco dias úteis para sua regularização pelo
licitante, prorrogável por igual período, se assim expressamente previsto no edital, com início no dia em que o proponente for declarado vencedor do certame, observado o disposto no art. 110 da Lei Federal n
o 8.666, de 21 de
junho de 1993. (grifo nosso)
Por fim, cabe destacar que com essa alteração, se por um lado vislumbra-
se a ampliação de chances para a MEPP sagrar-se vencedora do certame, por outro
lado, verifica-se a possibilidade de ocorrer um atraso maior na conclusão da
licitação, em razão dos novos prazos concedidos.
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5.2 Âmbito e forma de aplicação do tratamento diferenciado conferido às MEPP
em contratações e licitações públicas
O artigo 47 da Lei Complementar no 123/2006 foi alterado visando ampliar
o âmbito de aplicação do tratamento diferenciado conferido às MEPP em
contratações e licitações públicas prevendo a sua incidência nos procedimentos
realizados pela administração indireta.
Outro ponto que merece destaque foi a inclusão do parágrafo único do
artigo 47, que determina a aplicação imediata da legislação federal aos estados e
municípios, no que tange às compras públicas, independente de tais entes
providenciarem regulamentação própria. Com esta alteração foi excluído do texto a
regra anterior, na qual a aplicação do artigo 48 dependia de regulamento próprio do
respectivo ente. Dessa forma, o texto passou a dispor:
Art. 47. Nas contratações públicas da administração direta e indireta,
autárquica e fundacional, federal, estadual e municipal, deverá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento
econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica. (Redação dada pela Lei Complementar n
o 147, de 2014)
Parágrafo único. No que diz respeito às compras pública s, enquanto
não sobrevier legislação estadual, municipal ou regulamento específico de cada órgão mais favorável à microempresa e empresa de pequeno porte, aplica-se a legislação federal. (Incluído pela Lei
Complementar no 147, de 2014) (grifo nosso)
O objetivo foi obrigar os demais entes federados a implantar as políticas
previstas na Lei, visto que anteriormente a aplicação do artigo 48 era apenas uma
faculdade e muitos entes não colocaram em prática as políticas de incentivo em
comento.
5.3 Licitações exclusivas para MEPP nas quais o valor dos itens de contratação seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais)
O artigo 48 da Lei Complementar 123/2006 sofreu algumas das
alterações polêmicas realizadas pela Lei Complementar no 147/2014. Nesse
contexto, o novo artigo passou a prever uma série de ações que objetivam
concretizar os benefícios dispensados às MEPP nas compras públicas.
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Destaca-se, incialmente, a obrigatoriedade de realização de contratações
destinadas exclusivamente à participação de MEPP nos itens de contratação, cujo
valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).
Cabe mencionar que a redação anterior (Lei Complementar no 123/2006)
dispunha sobre a faculdade da Administração Pública realizar procedimentos
licitatórios destinados exclusivamente à participação de MEPP nas contratações cujo
valor fosse de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).
Assim, a Lei Complementar no 147/2014 passou a estabelecer:
Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública: (Redação dada pela Lei Complementar n
o 147, de
2014)
I – deverá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos i tens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais); (grifo
nosso)
No contexto anterior, no que se refere à legislação mineira, primeiramente
esta faculdade era prevista no artigo 6o do Decreto no 44.630/2007:
Art. 6o Os órgãos e entidades contratantes poderão realizar aquisições e
contratações de bens e serviços destinadas exclusivamente à participação
de pequena empresa nas contratações quando o valor não ultrapassar R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).
Cabe destacar que a referida faculdade na aplicação não gerou
resultados concretos na aplicação da política de incentivo. Assim, após a realização
de estudos, que informaram sobre a concreta participação de MEPP nas
contratações cujo valor não ultrapassasse R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), o Estado
mineiro, como forma de fortalecer a política, publicou o Decreto no 45.749/2011, que
alterou os artigos 6o e 10 do Decreto no 44.630/2007, estabelecendo:
Art. 6o Os órgãos e entidades deverão realizar aquisições e contratações de
bens e serviços destinadas exclusivamente à participação de pequena empresa quando o valor estimado para a contratação não ultrapassar R$80.000,00 (oitenta mil reais). (grifo nosso)
Assim, a alteração propunha que toda contratação de bens e serviços que
não ultrapassasse o valor estimado de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) deveria,
obrigatoriamente, ser destinada exclusivamente às MEPP.
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Cabe destacar que o dispositivo gerou ambiguidade de interpretação.
Destarte, o entendimento inicial era de que o valor estimado de R$ 80.000,00
(oitenta mil reais) era relativo ao conjunto de lotes de um certame, assim, para a
aplicação do benefício dever-se-ia observar o somatório dos valores estimados dos
lotes do certame como um todo.
Entretanto, algumas assessorias jurídicas dos órgãos e entidades do
Estado passaram a ter um entendimento mais restrito, considerando que o valor
estimado de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) deveria ser limitado ao lote da licitação,
conforme Acórdãos do TCU: Acórdão n.o 2957/2011-Plenário e Acórdão 3.771/2011
– Primeira Câmara. Também nesse sentido, a Advocacia-Geral da União editou a
Orientação Normativa no 47, de 25 de abril de 2014, esclarecendo que:
em licitação dividida em itens ou lotes/grupos, deverá ser adotada a participação exclusiva de microempresa, empresa de pequeno porte ou
sociedade cooperativa (art. 34 da Lei no 11.488, de 2007) em relação aos
itens ou lotes/grupos cujo valor seja igual ou inferior a R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), desde que não haja a subsunção a quaisquer das situações
previstas pelo art. 9o do decreto n
o 6.204, de 2007.
Outro ponto que merece destaque na alteração realizada por meio do
Decreto no 45.749/2011, foi a ampliação das exceções às regras originalmente
previstas no artigo 10 do Decreto no 44.630/2007. Assim, como em 2011 a aplicação
obrigatória ainda era novidade específica da regulamentação do Estado de Minas
Gerais, e, com vistas a evitar prejuízos às contratações, foram previstas as
seguintes novas exceções:
IV – a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei Federal n
o 8.666, de 1993, salvo na hipótese do inciso II do seu art. 24;
V – quando não acudirem interessados à licitação realizada nos termos dos
arts. 6o a 8
o, hipótese na qual o procedimento licitatório poderá ser refeito
prevendo a possibilidade de participação das demais empresas; e
VI – quando houver comprometimento da continuidade de atividades de
educação, saúde ou segurança pública.
A respeito do inciso IV destaca-se que desde o Decreto 44.630/20071 já
havia sido permitido no âmbito do Estado de Minas Gerais a aplicação da regra de
exclusividade de contratação de MEPP nas Cotações Eletrônicas de Preços
1 Decreto n
o 44.630/2007, artigo 10, § 1
o.
16
(COTEP)2 realizadas com base nas dispensas de licitação em função do valor da
contratação (incisos I e II do artigo 24 da Lei no 8.666/1993). O Decreto no
44.630/2007, em função de uma análise de adequabilidade, visto que a regra de
exclusividade passaria a ser obrigatória3, passou a limitá-lo ao inciso II do artigo 24
da Lei no 8.666/1993, independente do processamento por meio de COTEP.
Salienta-se que esta alteração da Lei Complementar no 147/2014 retomou
a questão, permitindo a realização da contratação exclusiva de MEPP em dispensas
de licitação com base no artigo 24, incisos I e II, da Lei no 8.666/1993, conforme
abaixo transcrito.
IV – a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei n
o 8.666, de 21 de junho de 1993, excetuando-se as dispensas tratadas
pelos incisos I e II do art. 24 da mesma Lei, nas quais a compra deverá ser feita preferencialmente de microempresas e empresas de pequeno porte, aplicando-se o disposto no inciso I do art. 48.
Neste contexto, o Decreto no 46.665/2014 se adequou ao dispositivo
acima citado.
Já no que se refere a ampliação das exceções, ainda cabe mencionar a
possibilidade de se refazer o procedimento licitatório prevendo a participação das
demais empresas quando não acudirem interessados à licitação destinada
exclusivamente às MEPP, assim como realizar o procedimento aberto a todas as
empresas, no caso de comprometimento da continuidade de atividades de
educação, saúde ou segurança pública, desde que devidamente justificados.
Pelo exposto, como a regra ainda não era obrigatória no contexto da
legislação federal, o Estado de Minas Gerais teve uma maior oportunidade de
realizar adequações à sua realidade. Entretanto, a partir da publicação da Lei
Complementar no 147/2014, algumas destas regras tiveram de sofrer alterações,
assim, o Decreto no 44.630/2007 foi mais uma vez alterado, agora pelo Decreto no
46.665/2014, que trouxe os seguintes dispositivos:
2 A regulamentação atual que trata sobre a COTEP é o Decreto n
o 46.095/2012 e Resolução
SEPLAG no 106/2012
3 O entendimento é que deve se aplicar obrigatoriamente a regra das licitações exclusivas para MEPP
nas contratações fundamentadas no inciso II do artigo 24 da Lei no 8.666/1993.
17
Art. 6o Os órgãos e entidades deverão realizar aquisições e contratações de
bens, serviços e obras destinadas exclusivamente à participação de pequenas empresas quando o valor estimado para o item de contratação não ultrapassar R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).
(...)
§ 3o Considera-se item de contratação, para efeitos deste Decreto, o lote
composto por um item ou por um conjunto de itens que habitualmente são
fornecidos por empresas do mesmo ramo de atividade e que, após a etapa competitiva do certame, irá gerar contrato em nome do vencedor da disputa.
§ 4o As contratações diretas fundamentadas no inciso I do art. 24 da Lei
Federal n° 8.666, de 1993, serão, preferencialmente, realizadas de microempresas e empresas de pequeno porte, aplicando-se o disposto no inciso I do art. 48 da Lei Complementar Federal n° 123, de 14 de dezembro
de 2006.
§ 5o No caso em que não acudirem interessados à licitação, nos termos do
caput, o procedimento licitatório deverá ser refeito, podendo participar as
demais empresas.
(...)
Art. 10.
(...)
IV – a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei Federal n
o 8.666, de 1993, salvo nas hipóteses dos incisos I e II do art.
24 da Lei Federal no 8.666, de 1993;
(...)
§ 3o As exceções à aplicação da regra estabelecida no caput deverão ser
justificadas nos autos pela autoridade competente.
Como a regra de licitação exclusiva para MEPP na qual o valor da
contratação seja estimado em até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) já era obrigatória
no Estado de Minas Gerais desde 2011, e o legislador não deixou claro o que seria
“item de contratação”, a necessidade inicial foi a de conceituar a referida expressão.
Assim, a expressão foi entendida e conceituada como:
o lote composto por um item ou por um conjunto de itens que habitualmente são fornecidos por empresas do mesmo ramo de atividade e que, após a etapa competitiva do certame, gerará contrato em nome do vencedor da disputa (MINAS GERAIS, 2014).
Dessa forma, o conceito adotado foi o mais benéfico às MEPP, pois
privilegiava o conceito de lote e não do certame como um todo, colocando fim à
duplicidade de interpretação do dispositivo publicado em 2011.
Assim, a delimitação pelo conceito de lote foi considerada mais
adequada, visto a ampliação dos procedimentos licitatórios que deveriam ser
considerados de participação exclusiva para MEPP, assim como pela sua dinâmica,
uma vez que cada lote pode ser composto por item ou itens de qualidades distintas,
sendo que cada lote poderá ter um contrato em nome do vencedor da disputa.
18
Por fim, conclui-se que as alterações proporcionadas pela Lei
Complementar no 147/2014 no dispositivo em comento proporcionaram a ampliação
dos benefícios dispensados às MEPP no contexto do Estado de Minas Gerais.
5.4 Subcontratação de MEPP
No que se refere ao inciso II do art. 48 relativo à subcontratação de
MEPP, continua existindo a possibilidade de se exigir dos licitantes, em contratação
de obras e serviços, a subcontratação de MEPP. A novidade é a extinção do limite
de 30% do total licitado.
Ressalta-se que caberá ao gestor definir o limite, tendo em vista os riscos
que envolvem a questão, além da vedação de transferir parcela de maior relevância
da contratação ou de permitir a subcontratação total do objeto.
5.5 Regime de cota reservada para aquisição de bens de natureza divisível
A nova redação do inciso III do artigo 48 torna obrigatório o
estabelecimento de cota de até 25% do objeto para a contratação de MEPP nos
certames para aquisição de bens de natureza divisível, tendo sido excluída a
aplicação para os serviços de natureza divisível.
Destaca-se que este novo dispositivo representou o maior obstáculo de
implantação da política de incentivo no Estado de Minas Gerais, principalmente pelo
entendimento inicial orientado pela necessidade de cotizar todos os itens de uma
licitação.
Assim, nas cotas destinadas às MEPP, verificou-se um representativo
aumento de licitações nas quais não havia interessados em participar, assim como
procedimentos fracassados, pois não era possível atender o preço de referência.
Cabe mencionar que a aplicação do novo dispositivo gerou insegurança e
dúvidas nos gestores responsáveis. Como exemplo, podem-se citar as hipóteses de
homologação de preços diferenciados para o mesmo item licitado, bem como a
abrangência do dispositivo.
Neste contexto, o Decreto 46.665/2014 buscou esclarecer algumas
questões, conforme se observa no texto abaixo transcrito:
19
Art. 8o Nos certames para a aquisição de bens de natureza divis ível, os
órgãos e entidades contratantes deverão reservar percentual de até vinte e cinco por cento do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte, conforme estabelecido no inciso III do art. 48 da Lei
Complementar Federal n° 123, de 2006.
§ 1o A reserva de cota do objeto definida no caput será realizada por
meio de identificação de lote(s) para a participação exclusiva de
microempresas e empresas de pequeno porte, com a obse rvância das seguintes regras:
I – O(s) lote(s) para participação exclusiva poderá(ão) ser composto(s) pelos
mesmos itens que compõem os lotes cuja participação é aberta a qualquer licitante; ou,
II – O(s) lote(s) para participação exclusiva poderá(ão) ser composto(s)
por itens que representem a quantidade total licitada de cada respectivo item da licitação, sendo este(s) item(ns) diferentes daqueles que compõem os demais lotes da licitação.
§ 2o O percentual máximo de vinte e cinco por cento que será
destinado ao(s) lote(s) para participação exclusiva de microempresas e empresas de pequeno porte deverá ser calculado sobre o valor total
estimado para o certame.
§ 3o Na hipótese de a mesma licitante vencer a cota reservada e a cota
principal, quando os lotes forem compostos nos termos do inciso I do
§ 1o, a contratação do item deverá ocorrer pelo menor preço obtido.
§ 4o Na hipótese em que o valor de um dos lotes do certame seja
inferior ou igual a R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), sendo aplicado o
benefício da exclusividade disposto no art. 6o, considera-se satisfeita a
exigência da reserva de percentual disposta no caput.
§ 5o O disposto neste artigo não impede a contratação das pequenas
empresas na totalidade do objeto.
§ 6o A hipótese prevista neste artigo deverá estar expressamente disposta
no instrumento convocatório.” (grifo nosso)
Merece destaque o entendimento adotado de que o certame4 representa
conceito mais abrangente que o item de contratação, dessa forma, um certame
poderá ser composto por diversos lotes e a obrigação de estabelecer uma cota pode
ser satisfeita pela delimitação de apenas um lote destinado exclusivame nte para
MEPP.
Assim, a solução posta completa-se pela delimitação da cota por meio de
identificação de lote, o que além de facilitar a aplicação, possibilita a composição de
um lote por um item específico para ser destinado às MEPP, diferenciado dos itens
que compõem os demais lotes. Este dispositivo permite ao gestor um estudo prévio
dos itens que podem ser atendidos com a devida qualidade pelas MEPP,
aumentando a possibilidade de sucesso no procedimento licitatório.
4 A expressão “certame”, mantida pela Lei Complementar n° 147/2014, no texto da Lei Complementar n
o 123/2006 em seu no inciso III do artigo 48, difere-se da expressão “item de contratação” utilizada
no inciso I do mesmo artigo 48.
20
A partir do entendimento acima exposto, foi possível inferir que na
hipótese de ser aplicado o benefício da exclusividade em um dos lotes do certame,
com valor inferior a R$ 80.000,00, será considerada satisfeita a reserva de cota, uma
vez que o objeto da contratação foi fracionado em lotes e teve destinação de
percentual para participação exclusiva de MEPP.
Destaca-se que, para o processo de compra que envolva a contratação
de um único item de bens de natureza divisível ou, pela expressão usada na
administração mineira, um lote composto por itens de material, dever-se-á definir a
cota de até 25% supracitada. Neste caso, há a possibilidade de haver homologação
de preços distintos para um mesmo item de material, caso ele esteja presente tanto
no lote principal quanto na cota reservada.
Por fim, cabe salientar que a adoção da regra é obrigatória apenas para a
aquisição de bens de natureza divisível. Quando o mesmo processo envolve a
contratação de serviço (com fornecimento) de material, torna-se dispensável a
definição de cota.
5.6 Revogação do limite anual para contratação de MEPP
Ainda no que tange às alterações do artigo 48 da Lei Complementar no
123/2006, verifica-se a exclusão de seu § 1o, que estabelecia que “o valor licitado por
meio do disposto neste artigo não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) do
total licitado em cada ano civil”. Assim, a extinção do limite anual ratifica o objetivo do
legislador de incrementar a participação das MEPP nas compras públicas.
5.7 Prioridade de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente
Uma alteração de destaque da Lei Complementar no 147/2014 5 foi a
abertura de possibilidade de priorizar a contratação de MEPP sediadas local ou
regionalmente, mesmo que estas tenham propostas comerciais de até 10% maiores
que o melhor preço válido, caso este seja oferecido por uma média ou grande
empresa ou até mesmo por outra MEPP sediada em localidade que não pertença ao
contexto local ou regional da contratação.
5 Lei Complementar n
o 147/2014, artigo 48, §3°.
21
Cabe mencionar que, para interpretação do artigo art. 49, inciso II, da Lei
Complementar no 123/2006, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais havia
expressado seu entendimento6 conforme segue:
a) O alcance da expressão “regionalmente”, para fins do art. 49, inciso II, da
Lei Complementar n. 123/06, deve ser delimitado, definido e justificado pela própria Administração, no âmbito de cada procedimento licitatório.
b) Quando da delimitação e da definição, o Administrador deverá
demonstrar, motivadamente, que foram levados em consideração as particularidades do objeto licitado, bem como o princípio da razoabilidade e os objetivos do tratamento diferenciado dispensado às MEs e EPPs,
previstos no art. 47 da Lei Complementar n. 123/06.
O Decreto no 46.665/2014, por seu turno, foi além da interpretação acima,
incluindo a necessidade da MEPP possuir sede em Minas Gerais:
Art. 9o-A Os benefícios referidos nos arts. 6
o e 8
o poderão, justificadamente,
estabelecer a prioridade de contratação para as pequenas empresas
sediadas local ou regionalmente, até o limite de dez por cento do melhor preço válido.
§ 1o Para fins de aplicação dos benefícios dispostos neste Decreto,
serão consideradas sediadas local ou regionalmente as microempresas e empresas de pequeno porte que possuam sede em Minas Gerais, podendo o instrumento convocatório definir outra
delimitação, desde que respeitado o limite territorial do Estado de Minas Gerais.
§ 2o Quando da delimitação e da definição do que é considerado regional ou
local, o Administrador deverá demonstrar, motivadamente, que foram levados em consideração as particularidades do objeto licitado, bem como o princ ípio da razoabilidade e os objetivos do tratamento diferenciado
dispensado às pequenas empresas, previstos no art. 47 da Lei Complementar Federal n
o 123, de 2006, e no art. 1° da Lei 20.826, de 31 de
julho de 2013 (grifo nosso)
Por fim, cabe destacar que a aplicação deste dispositivo ainda é
facultativa, assim, ainda não existem dados sobre a sua operacionalização.
6 Fonte: Ementa de Parecer em Consulta – Tribunal Pleno – Processo: 887734 – Natureza: Consulta – Órgão/Entidade: Prefeitura Municipal de Guaxupé – Consulente: Manoel Fernando da Ascenção, Diretor de Controle Interno – Relator: Conselheiro Cláudio Couto Terrão – Sessão: 03/07/2013 –
Decisão unânime
22
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho objetivou apresentar a argumentação que embasou a
interpretação dada pelo Estado de Minas Gerais aos polêmicos dispositivos da Lei
Complementar no 147/2014, bem como relatar a experiência mineira e as
dificuldades enfrentadas na efetiva aplicação dos novos benefícios dispensados às
MEPP. Para isso, dedicou-se a explicar o histórico e a evolução do arcabouço
normativo que baliza a concessão de benefícios e ampliação do acesso a MEPP nas
compras públicas governamentais, passando pelo aprofundamento das novidades
introduzidas pela Lei Complementar no 147/2014, e discutindo a experiência e as
dificuldades enfrentadas pelo Estado de Minas Gerais na aplicação do novo
ordenamento, particularmente no que diz respeito ao Capítulo V da referida Lei
Complementar, que trata especificamente do Acesso a Mercados.
Destaca-se que este é um estudo introdutório sobre o tema, sem a
pretensão de esgotar o assunto, visto a necessidade de estudos mais aprofundados,
que no âmbito da legalidade exige um acompanhamento das decisões judiciais e
dos tribunais de contas a respeito da aplicação, assim como o monitoramento da
efetividade da aplicação da política, por meio de indicadores que consigam
demostrar o incremento das contratações com a MEPP e o impacto gerado no
desenvolvimento socioeconômico regional, assim como no crescimento desses
pequenos empreendimentos. Ainda é importante analisar a real relação de
causalidade entre os referidos objetivos e a aplicação desta política de incentivo.
Por fim, cabe mencionar a importância do monitoramento do grau de
atendimento aos novos dispositivos pelos gestores públicos, visando verificar os
obstáculos e melhorias que podem ser adotadas, incluindo alterações dos textos
normativos e sistemas.
23
REFERÊNCIAS
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Leis no 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, da Lei no 10.189, de 14 de fevereiro de 2001, da Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro
de 1990; e revoga as Leis no 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e 9.841, de 5 de outubro de 1999. Disponível em:
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10.406, de 10 de janeiro de 2002, e 8.666, de 21 de junho de 1993; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp147.htm>. Acesso em: 23 abr. 2015.
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26
___________________________________________________________________
AUTORIA
Leonardo Lacerda Bittencourt Maciel – Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais.
Endereço eletrônico: [email protected]
Lívia Colen Diniz – Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais .
Endereço eletrônico: [email protected]
Luciana Vianna de Salles Drumond – Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais.
Endereço eletrônico: [email protected]
Welson Kleiton Antônio de Souza – Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais.
Endereço eletrônico: [email protected]