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AS IMPLICAÇÕES GEOMORFOLÓGICAS NA COMUNIDADE
UMIRITUBA NO MUNICÍPIO DE IRANDUBA - AMAZONAS
Matheus Silveira de Queiroz (a)
(a) Escola Normal Superior, Universidade do Estado do Amazonas,
Eixo: Territorialidades, conflitos e planejamento ambiental
Resumo/
Este estudo trata da relação homem-natureza na Amazônia, tendo como objetivo analisar como as implicações
geomorfológicas interferem na vida da comunidade rural de terra firme Umirituba, localizada no município de
Iranduba, no estado do Amazonas. A comunidade Umirituba possui uma relação dinâmica com o meio natural.
Primeiro, por possuir preferência pelo transporte fluvial, através do rio Umirituba, ao invés do transporte
rodoviário (comum nas comunidades de terra firme amazônicas) devido à má conservação das estradas
influenciada pelo relevo composto de colinas e pela pluviosidade. Segundo, por possuir o solo conhecido por
Terra Preta do Índio, um solo, que diferente do Latossolo, predominante na região, é rico em nutrientes
melhorando o cultivo agrícola. A comunidade se difere das demais de terra firme justamente pela geomorfologia
de seu território. Os moradores desenvolvem um sistema de interação com o meio que busca aproveitar ao
máximo as vantagens que a geomorfologia oferece.
Palavras chave: Geomorfologia; Comunidades Rurais de Terra Firme; Iranduba; Meio Natural.
1. Introdução
A Bacia Hidrográfica Amazônica possui uma área estimada de 6.10⁶ km², sendo que
mais da metade (63%) está localizada em território brasileiro, os outros 27% estão
distribuídos na Bolívia (11%), Colômbia (5,8%), Equador (2,2%) e Peru (17%). Essa região é
limitada a oeste pela Cordilheira dos Andes (com elevações de 6.000 m), a norte pelo Planalto
das Guianas (com picos montanhosos de até 3.000 m), ao sul pelo Planalto Central (altitudes
típicas de 1.200 m) e a leste pelo Oceano Atlântico, por onde a água captada na bacia escoa
para o mar (FILIZOLA et al., 2002).
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Segundo Reis et al. (2006) o Estado do Amazonas é caracterizado, geologicamente,
por uma extensa cobertura sedimentar fanerozóica, distribuída nas bacias sedimentares do
Acre, Solimões, Amazonas e Alto Tapajós, que se depositou em um substrato rochoso pré-
cambriano predominando rochas de natureza ígnea, metamórfica e, principalmente,
sedimentar na região. A área de estudo está encaixada na Bacia Sedimentar do Amazonas.
Essa estrutura geotectônica está encaixada entre os escudos do Brasil Central, ao sul, e das
Guianas, ao norte, limitada a leste e a oeste pelos arcos regionais de Gurupá e Purus, que
separam a Bacia do Amazonas das bacias do Marajó e do Solimões, respectivamente. O
município está localizado na formação geológica Alter do Chão, que, segundo Reis et al.
(2006, p. 82) se caracteriza por “representar uma grande variedade de arenitos e argilitos
(incluindo caulins), com subordinada fração conglomerática”.
O município de Iranduba (Figura 1) está situado ao sul da cidade de Manaus, na
margem direita do Rio Negro e margem esquerda do Rio Solimões, exatamente onde o
primeiro deságua no segundo formando o fenômeno chamado “encontro das águas”. As
cidades amazônicas estão intimamente ligadas com as águas por diversos fatores, como a
locomoção que é predominantemente fluvial e, quando se trata das cidades que são banhadas
pelos rios de água branca, econômicos/subsistência, pois a sazonalidade anual das águas ricas
em nutrientes deposita nas planícies de inundação, tornando-as férteis para o plantio e a
criação de gado (JUNK, 1983).
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Figura 1 – Mapa de localização do município de Iranduba no estado do Amazonas. Elaboração: QUEIROZ, M.S,
2018.
O território de Iranduba pode ser caracterizado por duas zonas geomorfológicas
distintas entre si: as áreas de várzea (planície de inundação) e a as áreas de terra firme. A
primeira é geologicamente mais recente, datando do quaternário (Holoceno e Pleistoceno)
(JUNK, 1983; FURCH, 2000). É um terreno inconsolidado, essas áreas margeiam corpos
d’água, portanto estão sujeitas à interferência dos processos fluviais (erosão, transporte e
depósito de sedimentos). Portanto a várzea amazônica está em constante processo de
transformação e pode modificar completamente as características geomorfológicas de uma
área em poucos anos.
As áreas de terra firme são mais antigas, datando do terciário ou até mesmo do
quaternário (Pleistoceno). Sinha et al. (2012) consideram que durante o Pleistoceno as
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características hidroclimáticas que se tem hoje na bacia amazônica eram diferentes, sendo um
período de instabilidade que deflagrou tanto aumento quanto diminuição na precipitação local
e na distribuição dos ventos. Essas características ajudaram a modelar o relevo amazônico.
A partir do início do Século XX o município passa por uma ocupação dirigida com a
implantação de projetos de colonização agrícola encetados pelo governo federal, depois
assumido na década de 1970 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA). No final dessa mesma década, para atender à demanda de alimentos e de habitações
provocadas pelo crescimento populacional impulsionado pela Zona Franca de Manaus, nesse
município, foram incentivados dois polos econômicos, para a produção de hortifrutigranjeiros
e de cerâmica.
A ocupação da terra firme criou pequenos núcleos populacionais agrícolas, chamados
de comunidades rurais, que atuam, principalmente, na agricultura familiar. Em um contexto
geomorfológico diferente da várzea e uma dinâmica de transporte que trocava a via fluvial
pela via rodoviária as famílias tiveram que adaptar o seu modo de vida à nova realidade. Esse
trabalho tem por objetivo analisar como as implicações geomorfológicas interferem na vida
da comunidade rural de terra firme Umirituba.
2. Materiais e Métodos
Esta pesquisa é classificada como exploratória e descritiva (GIL, 2002, p. 42). Para
tanto, fundamentou-se em pesquisa de campo, por meio da observação direta das atividades
do grupo estudado (GIL, 2002). Pesquisou-se a comunidade Umirituba (Figura 2) entre os
anos de 2017 e 2018.
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Figura 2 – Mapa de Localização da Comunidade Umirituba. Elaboração: QUEIROZ, M.S, 2018.
Para entender a topografia foi usado o Modelo Digital de Elevação – MDE Shuttle
Radar Topografhy Mission - SRTM (Disponível em: https://earthexplorer.usgs.gov/com)
com resolução espacial de 30 metros ortorretificadas. A utilização das imagens de radar
através de MDE “em geomorfologia permite o cálculo de variáveis associadas ao relevo com
rapidez e precisão” (GROHMANN et al., 2008, p. 73). Apesar da precisão na América do Sul
os dados de radar podem apresentar uma variação de aproximadamente 6 metros
(RODRIGUES et al., 2006). Portanto, aqui foram feitas análises estimadas da declividade do
corpo d’água que dá nome à comunidade (Rio Umirituba) e da altitude da área da
comunidade. Feitas análises da textura do solo com base na metodologia proposta por Santos
et al. (2015). Coletadas coordenadas com o GPS eTrex Vista® C, câmera de aparelho
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telefônico móvel para a captura de fotos; e consultada literatura disponível (livros,
monografias, dissertações, artigos e teses).
3. Resultados e Discussões
A comunidade Umirituba está localizada em uma área de terra firme às margens do
igarapé de mesmo nome que desagua no lago do Janauari, este tem ligação fluvial com o Rio
Negro. Apesar das comunidades de terra firme adotarem, preferencialmente, as vias
rodoviárias a população da Umirituba prefere o transporte fluvial. Quando se trata do trajeto
para Manaus e para a sede do município o custo benefício da viagem fluvial é melhor e como
a maioria dos moradores não possui automóvel próprio, evita-se pagar o frete para o
transporte da produção e a passagem para locomoção.
O igarapé Umirituba não é navegável o ano inteiro limitando os moradores a
trafegar por ele apenas nos períodos da cheia, parte da enchente e parte da vazante (Figura 3).
O rio segue o regime hidrológico do Rio Negro, sendo a enchente entre os meses de
Dezembro e Abril, a cheia entre os meses de Maio e Julho, a vazante entre os meses de
Agosto e Novembro.
Figura 3a – Rio Umirituba, período da enchente, fevereiro de 2018, rio ainda não navegável. Figura 3b – Rio
Umirituba, período da cheia, maio de 2018, rio navegável. Foto: QUEIROZ, M.S, 2018.
b a
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Durante o período do ano em que não é possível navegar os moradores utilizam a
balneabilidade do rio para conseguir renda extra através do lazer. Moradores de comunidades
vizinhas e de Manaus que possuem uma segunda residência na comunidade vêm durante os
finais de semana para aproveitar as águas.
O rio Umirituba é classificado como um rio de água preta, segundo Sioli (1985) que
classifica os rios amazônicos em rios de água preta, clara e branca. Os processos fluviais
(erosão, transporte e depósito de sedimentos) não ocorrem com grande intensidade (diferente
dos rios de água branca que sofrem alterações diárias devido aos processos fluviais) deixando
a planície de inundação do canal estável. A interferência antrópica não é muito presente ao
longo do curso desse rio. Notam-se matas de igapó (vegetação que inunda sazonal ou
permanentemente por rios de água preta). Devido à intensidade dos processos fluviais o rio
não transporta muitos sedimentos em suspensão ao longo do percurso, isso aliado à presença
da vegetação ao longo do canal.
O canal possui aproximadamente 6,5 km de extensão e uma declividade aproximada
de 2,15 %, caracterizando um terreno quase plano. Essas características contribuem para
atenuar os processos erosivos ao diminuir a velocidade do canal, deixando a planície de
inundação, onde estão localizadas algumas residências, mais estável para se viver. A altitude
do relevo no entorno da comunidade não ultrapassa os 100 metros (Figura 4).
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Figura 4 – Mapa hipsométrico do entorno da comunidade Umirituba. Elaboração: QUEIROZ, M.S, 2018.
Apesar de não apresentar grandes variações de altitude o terreno é acidentado devido
ao grande número de colinas com em média 80 m de altitude que estão presentes no relevo.
Nota-se um avanço dos elementos antrópicos, principalmente no campo do mercado de terras,
que estão nivelando as colinas para a construção de habitações.
A comunidade se liga por via rodoviária com a estrada do Janauari (principal eixo
rodoviário de locomoção da área), esta se liga com a rodovia Manuel Urbano (AM-070) e
com a rodovia Carlos Braga (AM-452). A primeira faz ligação com a metrópole Manaus e a
segunda com a sede municipal. Porém, apesar das três vias (Janauari, AM-070, AM-452)
serem asfaltadas e fornecerem um tráfego sem buracos as vias secundárias estão em péssimo
estado de conservação.
Quando ocorre o verão amazônico as estradas secundárias que ligam a comunidade
às vias pavimentadas tornam-se trafegáveis, o que permite o deslocamento rodoviário. Porém,
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no inverno amazônico o relevo acidentado em conjunto com o acúmulo de água, cria
“atoleiros”, não permitindo o tráfego de automóveis.
O solo na área da comunidade possui duas texturas predominantes arenosa e a
argilosa. A primeira ocorre próximo ao rio Umirituba os moradores aproveitam as praias que
se formam na época da vazante para melhorar os balneários. O segundo é o que se encontra
em maior quantidade no território da comunidade e possui coloração amarela, sendo
caracterizado como Latossolo Amarelo (BRASIL, 1976). Este solo não é adequado para o
plantio, podendo se tornar agricultável com a ajuda de técnicas agrícolas, como a adubo
orgânico e a utilização de outros corretivos. A comunidade Umirituba possui em seu território
a Terra Preta do Índio que é um solo extremamente fértil, de forma que os comunitários não
produzem no Latossolo (Figura 5).
Figura 5 – Terra Preta do Índio na comunidade Umirituba, plantação de cebolinha (Allium fistolosum). Foto:
QUEIROZ, M.S, 2018.
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Sternberg (1955) descreveu a Terra Preta na Ilha do Careiro (localizada no município
do Careiro da Várzea, que faz fronteira com Iranduba), a leste de Manaus, a abundância de
sítios arqueológicos que podem ser encontrados ao longo do paraná do Carreiro ou do paraná
do Cambixe. Utilizou-se a datação dos fragmentos de cerâmica encontrados na Terra Preta
para determinar a antiguidade da migração e estabilidade de canais amazônicos, admitindo
serem, as manchas de terra preta, locais de antigos assentamentos indígenas. Isso mostra que
além de um solo rico em nutrientes para o plantio a Terra Preta do Índio também possui valor
arqueológico.
Não se sabe ao certo como a Terra Preta de Índio foi formada, várias teorias foram
levantadas pela comunidade científica ao longo dos anos. Porém, a teoria mais aceita é que no
local onde foi formado o solo era o cemitério ou “lixão” dos indígenas (KERN, 1996). O solo
escurecido de origem antrópica é fundamental para a subsistência da comunidade Umirituba,
pois por ser rico em nutrientes não é necessário um tratamento agrícola igual ao dado pelas
comunidades que plantam em solos com menos nutrientes. Desse modo, têm-se um custo de
produção comparativamente mais favorável.
4. Considerações Finais
A comunidade Umirituba está intimamente ligada com a geomorfologia do
município de Iranduba, tendo também relações significativas com o solo, que faz parte do
relevo. Apesar da localização em uma área de terra firme, em questões logísticas, o transporte
fluvial, proporcionado pelo rio Umirituba, é mais interessante do que o transporte rodoviário,
tanto para transporte de passageiros quanto de mercadoria, sendo possível chegar aos
principais centros consumidores, Manaus e sede municipal de Iranduba, por via fluvial.
Apesar da geomorfologia se manter estável, tanto no contexto do rio Umirituba, que não
promove grandes alterações no canal, quanto no contexto das colinas, a relação com a
comunidade é dinâmica.
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A comunidade Umirituba se difere das demais comunidades de terra firme
justamente pela geomorfologia de seu território. Os moradores desenvolvem um complexo
sistema de interação com o meio natural que busca aproveitar ao máximo a geomorfologia.
Dessa forma, pode-se afirmar que o relevo da região de Iranduba influencia no modo de vida
da comunidade Umirituba tanto na sua relação entre os próprios moradores quanto na relação
externa à comunidade.
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