as gêmeas

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As gêmeas Carol Gregor Julia nº 628 Copyright © 1990 by Carol Gregor Publicado originalmente em 1990 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra Título original: Pretence of love Tradução: Nancy de Pieri Mielli Copyright para a língua portuguesa: 1991 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Av. Brigadeiro Faria Lima, 2000 — 3? andar CEP 01452 — São Paulo — SP — Brasil Caixa Postal 2372 Esta obra foi composta na Editora Nova Cultural Ltda. Impressão e acabamento no Círculo do Livro S.A. Foto de capa: RJB Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos, de fãs para fãs. Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida. Cultura: um bem universal. Digitalização: Revisão: Gaby G

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Page 1: As gêmeas

As gêmeasCarol Gregor

Julia nº 628

Copyright © 1990 by Carol GregorPublicado originalmente em 1990 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra

Título original: Pretence of loveTradução: Nancy de Pieri Mielli

Copyright para a língua portuguesa: 1991EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.

Av. Brigadeiro Faria Lima, 2000 — 3? andarCEP 01452 — São Paulo — SP — Brasil

Caixa Postal 2372Esta obra foi composta na Editora Nova Cultural Ltda.

Impressão e acabamento no Círculo do Livro S.A.Foto de capa: RJB

Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos, de fãs para fãs.Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida.

Cultura: um bem universal.

Digitalização:

Revisão: Gaby G

Page 2: As gêmeas

Bella e Mandy, uma combinação explosiva de cérebro e sensualidade!

Eram amigas, cúmplices. Gostavam de confundir suas identidades, forçando mais ainda a semelhança entre elas. Por dentro, porém, eram como o dia e a noite: Mandy, una romântica atriz; Bella, uma cientista notável. Luke Retford entrou em suas vidas cem a aura de manipulador de ilusões. Só que a ilusão era o seu trabalho, como diretor

de cinema. E ele foi envolvido pelas endiabradas irmãs; num sonho sensual e fantástico, cujo despertar tanto poderia levá-lo ao paraíso como ao inferno!

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CAPÍTULO I

Bella engoliu em seco e bateu à porta onde se lia: “Promoções Cinematográficas”.

— Entre.A voz soou tão fria e impessoal que a coragem quase a abandonou.

Bella umedeceu os lábios com a ponta da língua, antes de se lembrar que poderia manchá-los. Não estava acostumada a usar batom.

— Sim?O homem estava de costas, contemplando a movimentada rua West

End enquanto ouvia alguém ao telefone. Com um pequeno movimento de cabeça, demonstrou ter percebido a aproximação de Bella. Indicou-lhe uma cadeira e logo a seguir desligou o fone com um gesto rápido e agressivo.

Ela o fitou e sua mente clamou silenciosamente por socorro. O homem era alto, ágil e tão bonito, que a deixou embaraçada com seu olhar.

Jamais lhe ocorrera algo semelhante. Até aquele momento não acreditara que poderia perder a ação devido à simples força de ma presença masculina. Bem, não tão simples assim. Fora suficiente para soprar aos quatro ventos todos os tênues fios de autoconfiança que a fizeram subir lentamente os degraus do escritório.

Não conseguiria, Bella pensou com desespero. O homem obviamente não era tolo. Mas ela precisava tentar, precisava conseguir! Respirou fundo e endireitou o corpo. Olhou ao redor para readquirir o controle.

O escritório estava um verdadeiro caos de papéis e campainhas telefônicas que ele ignorava.

— Que dia infernal!O tom vibrante da voz fez com que Bella o fitasse imediatamente. O

homem apoiava um pé sobre a cadeira a sua frente, ao mesmo tempo que passava as mãos pelos cabelos escuros, espessos e um tanto longos. Usava camisa branca, calça jeans justa e desbotada, jaqueta de cashmere.

O que fora mesmo que Mandy lhe dissera? “Não se deixe enganar pelo jeans e pelo sorriso infantil. Ele é uma das novas revelações neste país e em breve se tornará o melhor diretor do mundo. É bom e sabe disso: Não hesita diante de nenhum obstáculo para chegar aonde quer.”

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Bella estremeceu ao olhar penetrante do homem. Ele certamente descobriria a farsa a qualquer instante. Felizmente ela estava enganada.

— Mandy, obrigado por ter vindo.— Queria me ver?Que pergunta mais estúpida! É claro que ele queria, caso contrário

não estaria ali. Bella se sentou e cruzou as pernas, gesto que não passou despercebido aos olhos dele.

— Queria. — O homem escorregou na cadeira e estendeu casualmente as pernas, sem parar de fitá-la. Bella se sentia desconfortável. Em seu mundo, as pessoas não costumavam olhar os outros como se fossem pedaços de carne pendurados num açougue.

O telefone tocou novamente e ele praguejou.— Minha assistente, Caroline, já partiu para Maurício — ele

explicou —, e minha secretária foi ao dentista. Sabe, eu queria trocar uma palavrinha com você. Deve ter ouvido comentários sobre os problemas com as filmagens, não é? Os financiadores americanos roeram a corda no último minuto, depois tivemos de nos mudar para Maurício porque não obtivemos permissão para filmar nas ilhas Seychelles… Parece que alguém jogou uma praga neste projeto!

— Minha empresária me contou. — Empresária! Nunca tivera uma empresária em sua vida. Era espantoso como estava conseguindo mentir daquele jeito.

— Tivemos de começar tudo de novo, por isso nos atrasamos todos estes meses. Mas, finalmente, parece que acertamos. Partirei amanhã e o elenco em quatro dias. Você irá na próxima semana, e se as filmagens não atrasarem, poderá voltar dentro de oito dias.

Bella estranhou que ele repetisse as instruções. Mandy já a informara a respeito, pois as tinha em mãos há muito tempo.

O diretor, entretanto, parecia disposto a enfatizá-las. Seus olhos eram extraordinários, Bella pensou. Cinza-escuros, porém de uma luminosidade que vinha de dentro.

— Quando chegar — ele prosseguiu —, as filmagens já estarão adiantadas. Os artistas principais estarão lá. Você nunca atuou com um ator da categoria de Guy de Vere, estou enganado?

Bella balançou a cabeça negativamente.— É o que eu pensava. Mas não quero que se sinta menos

importante por isso. Seu papel é pequeno, Mandy, mas todo o enredo gira ao seu redor.

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Bella o fitava como que hipnotizada.— Veja. — Ele indicou o roteiro amassado e manchado de café. — A

menos que as pessoas realmente acreditem que Grayson, cuja vida se transformou num inferno depois que começou a beber, depois que a esposa o abandonou, e que estava ameaçado de perder o emprego, possa se recuperar através de um romance com você, o filme não terá sentido. Seu papel requer talento, sensualidade e ao mesmo tempo pureza. Grayson a encontra durante suas férias e fica fascinado com sua juventude, com a liberdade que exala por todos os poros. Algo que ele nunca teve e que deseja desesperadamente. Você entende?

— Entendo. — A resposta era inadequada tanto quanto a presença de Bella naquela sala. Mandy era quem deveria estar ouvindo aquelas palavras. Teria ficado radiante.

“É a minha grande chance, Bell, a chance que esperei por toda a minha vida”, Mandy confidenciara.

Subitamente os olhos cinzentos se estreitaram, fazendo com que o coração de Bella disparasse.

— Você emagreceu?— Não.— Está diferente.A inspeção prosseguiu até que ele percebeu que a estava deixando

pouco à vontade.— Não fique assim. Você está muito bem, até melhor do que antes.

Não sei o que mudou em você, mas gostei.— Não seria o cabelo? Está mais curto.— Talvez. O importante, Mandy, é que voe na próxima semana com

o espírito preparado para representar como nunca!— É o que pretendo — ela concordou, sem se convencer. Para o bem

de Mandy, precisava se mostrar mais entusiasmada. — Eu sabia que o papel era importante, mas foi muito bom ouvir isso de você, pois me ajudará a trabalhá-lo.

O diretor cruzou as mãos atrás da nuca. Seus olhos pareciam desconfiados. Ela não estava conseguindo convencê-lo. Tinha de se superar. Afinal de que adiantaria ter ser passado por Mandy se o resultado da reunião fosse a contratação de uma outra atriz no lugar de sua irmã? Ansiosa e tensa, tentou se lembrar das instruções.

“Relaxe, Bell. Divirta-se em ser uma outra pessoa por uma hora. Flerte, se acha que poderá ajudar. Eu flertaria. Afinal, o papel exige

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sensualidade e o diretor é famoso por suas conquistas.”Bella argumentara, em vão, não ser do tipo coquete, mas a irmã

apenas rira, dizendo que já era hora de começar.— É o que as atrizes fazem.— Mandy, eu não sou atriz!— É, sim. Por um dia. Aliás é um crime que não esteja no cinema

com toda a sua beleza.Naquele instante, diante de Luke Retford, Bella reconheceu que

tinha de representar com urgência. Por trás dos olhos perscrutadores havia um cérebro trabalhando rápido. Talvez estivesse cogitando se não seria tarde demais para encontrar uma atriz que se ajustasse melhor ao papel.

Bella desviou o olhar e se viu refletida numa parede espelhada. A imagem a surpreendeu. Não era mais a garota simples, mas uma loira estonteante com a maquiagem que acentuava o violeta dos olhos e o vermelho da boca sensual. O vestido preto tinha um caimento perfeito sobre o corpo esbelto e lhe dava uma aparência sofisticada e profissional.

Os artifícios realmente colaboravam para que se sentisse uma verdadeira atriz e foi isso que aconteceu.

— Não o decepcionarei — ela murmurou, a voz diferente baixa e lânguida.

O efeito foi instantâneo. Luke começou a relaxar. Qual o próximo passo? Lembrou-se de Mandy e fechou lentamente os olhos. Quando os abriu, Luke a fitava com um interesse diferente. Bella sentiu vontade de rir com o poder da descoberta. Descruzou as pernas devagar. Os olhos de Luke acompanharam o movimento e ela percebeu que ele engolia em seco.

Incrível. Com alguns gestos e truques se transformara em outra mulher e despertara o desejo naquele homem experiente e sofisticado.

— Teve algum problema com o texto? — a voz de Luke também estava diferente, mais rouca.

A cada minuto que passava estava se tornando mais fácil. Sem premeditar, Bella umedeceu os lábios com a ponta da língua.

— Uma ou duas coisinhas, nada de importante. Prefiro comentá-las por ocasião da filmagem. — Na verdade não poderia comentá-las nem que quisesse. Mandy a avisara sobre sua preocupação com algumas frases, mas não entrara em detalhes.

— Concordo, assim você não irá esquecê-las.Bella sorriu, mas seu cérebro não deixou de registrar a observação.

Ele que pensasse que ela não fosse inteligente! Pelo visto Luke julgava as

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atrizes apenas pelo corpo!— Entretanto — ele continuou —, gostaria que estudasse alguns

pontos durante a longa viagem. Dee Purvis é uma garota de apenas dezoito anos, que nunca viajou antes. Suas primeiras férias resultam de um prêmio conquistado por meio de um concurso de revista. Seu namorado deveria acompanhá-la, mas acontece uma briga na véspera. Dee se vê obrigada a tomar a maior decisão de sua vida. Vejo-a como uma garota a um passo da maturidade, que começa a descobrir seus próprios poderes em relação aos homens…

Bella enrubesceu diante do olhar enigmático. Era como se Luke Retford tivesse adivinhado seu jogo.

— Ela é ingênua, mas não tola. Chegou a dormir com o namorado, embora isso não signifique que tenha adquirido experiência em sexo. Ela certamente ainda não conheceu o amor, nem a dor nem o sofrimento. Grayson se encanta, a princípio, com sua beleza, e depois com sua tocante vulnerabilidade, sua honestidade e bom senso. Lembre-se de que Grayson, como policial, passou toda a vida em meio a fraudes e crimes. Ao conhecer Dee, sente-se não apenas jovem outra vez, mas também uma outra pessoa, melhor e renovada. Embora não possa alterar o passado ele vislumbra um futuro melhor para si mesmo. Quanto a esta parte, Mandy, você não precisa se preocupar, pois após os vinte minutos iniciais, você só volta à tela nas últimas cenas.

— Mas se ele encontra um novo objetivo na vida após conhecê-la, não seria natural que tentasse reencontrá-la quando ela volta para a Inglaterra? — Bella indagou, a mente prática encontrando uma brecha na história.

— Não. Grayson é velho demais para ela e sabe que não haveria futuro nesse relacionamento. Ao menos é o que pensa de início, até que a necessidade de vê-la se sobrepõe ao bom senso.

— Não dá certo, então?— Mais ou menos… Você não leu o script? — a voz de Luke soou

estranha.— Oh, sim, mas minha empresária disse que você poderia mudar o

final — Bella improvisou uma desculpa.— Hmm. É verdade, mas obviamente não existe possibilidade de

um final feliz.Bella o encarou com firmeza, cogitando na irrealidade daquele

mundo cinematográfico que trabalhava todo o tempo com as emoções das

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pessoas, sobre personagens de faz-de-conta, tão distantes de seu próprio mundo de fatos concretos.

— O que quero que transmita, Mandy, é a mistura crucial de inocência e sensualidade, bom senso e vulnerabilidade, que fazem a vida de Grayson girar dos pés à cabeça. Pode fazer isso?

Bella voltou a si de suas divagações.— Sim, eu o farei.— Ótimo. — Naquele instante o telefone voltou a tocar. — Retford.Bella ficou observando-o remexer os papéis sobre a mesa enquanto

falava. A pele era bronzeada, os braços peludos, o perfil quase perfeito com aquele nariz reto, lábios sensuais e queixo determinado. Contudo, eram os olhos que o tornavam tão fascinante. Olhos que pareciam mudar de cor a cada minuto, do azul ao cinza-escuro, conforme seus pensamentos e emoções. Em certo momento ele a fitou. Bella jogou a cabeça para trás num gesto estudado.

— Sim, sim, faça isso. — Ele desligou, os olhos devorando-a.— Está tudo certo, Mandy. — Luke sorriu, se levantou e contornou a

mesa para ajudá-la a se levantar. — Estou ansioso para trabalhar com você em Maurício.

— Eu também. — Bella o olhou, sedutora.— Creio que você se sairá muito bem. — Ele apertou-lhe a mão. —

Maravilhosa.— Espero que sim. — Bella se sentia como um ratinho diante de um

gato esfomeado.— Espero que encontremos tempo para nos conhecer melhor…— Seria muito bom. — Ela estremeceu.— Ouvi dizer que Maurício é uma ilha muito romântica — Luke

prosseguiu.— Mal posso esperar para vê-la — Bella murmurou.— Todas aquelas praias desertas e noites enluaradas…— Soa irresistível!— Estou certo que sim — ele comentou secamente. — Apenas um

detalhe, um pequeno detalhe…— Estou às suas ordens — Bella declarou antes de perceber que

caíra numa armadilha. Que tola! Só uma garota ingênua poderia ter imaginado que um homem experiente como Luke Retford se renderia tão facilmente a seu jogo de sedução.

— O caso é o seguinte — Luke falou ríspido e autoritário. — Você

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pode ser uma incrível sedutora, Mandy, com esses olhos, essa boca e todos os outros atrativos que Deus lhe deu, mas lembre-se de que estou contratando seu talento para representar, e não para flertar. Se eu perceber uma sombra desse seu segundo talento em meu filme, pode estar certa de que em poucos dias estará procurando outro emprego. Da próxima vez que a encontrar, quero ver Dee Purvis. Sinto desapontá-la, mas é nela que estou interessado, e não no charme de Mandy Latham. Fui claro?

— Sim — foi tudo o que Bella conseguiu responder, o rosto queimando.

— Ótimo, assim poderemos nos ver em Maurício. Luke abriu a porta, e ela quase voou pelas escadas. “Oh, não, você

não me verá nunca mais. Nunca mais” pensou ela.

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CAPÍTULO II

Depois de percorrer duas quadras, Bella se sentou num café, a fim de permitir que suas pernas trêmulas se recuperassem e que seu rosto recobrasse a cor normal.

Para se acalmar, retirou da bolsa um exemplar da revista O novo cientista. Tentou se concentrar num artigo sobre uma nova droga para cardíacos, mas foi inútil. As letras dançavam em frente a seus olhos e se transformavam no rosto sarcástico de Luke. Ao perceber a aproximação do garçom, ficou observando-o. Ele parecia curioso. Realmente ela lhe dera motivos. Ali, de vestido preto e decotado, uma revista médica nas mãos… a imagem não combinava!

Jamais deveria ter tentado flertar com um homem como Luke, especialmente por não ter prática nesses assuntos. Afinal, a maior parte de seus esforços nos últimos anos fora persuadir os colegas a enxergá-la como profissional, e não como uma mulher bonita.

Precisava voltar para casa e contar a Mandy que a farsa funcionara, que Luke “engolira” a troca, mas a idéia de relatar o episódio não a apetecia até o momento. Durante as duas horas seguintes, portanto, Bella podia ser encontrada na biblioteca da universidade, onde pretendia se inteirar das últimas publicações de sua especialidade, que era a pesquisa médica moderna.

— Caramba! — Mandy se ajoelhou sobre a cama ao ouvir a porta do apartamento se abrir. — Você demorou um bocado. Foi tudo bem?

— Tudo.Bella sorriu para a irmã gêmea, apenas meia hora mais nova do que

ela, antes de se sentar diante da penteadeira e torcer o nariz.— Ugh, não sei como você suporta usar tanta maquiagem. Foi com alívio que Bella começou a retirá-la e ver seu próprio rosto.

Ela e Mandy eram idênticas, mas aos vinte e quatro anos e com carreiras completamente diferentes, assumiram aparências tão diferentes que mais ninguém as confundia.

— Ossos do ofício — Mandy comentou, impaciente. — E Luke Retford? Acreditou que você era eu?

— Sim. Perguntou se eu emagreci, disse que eu estava diferente,

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mas eu menti que talvez fosse devido ao corte de cabelo. — Bella narrou a entrevista, especialmente a parte em que Luke enfatizara o papel.

— Oh, é a minha grande chance! Sinto que é. Repita o que ele disse sobre o papel.

Bella fez o que a irmã pedia, pensando no quanto era bonita de pijama e pernas cruzadas sobre os lençóis amassados. Luke certamente se empolgaria diante da visão, o que por alguma razão fez com que Bella se sentisse irritada.

— Oh, Bell, não acha que a mancha está menor, hoje? — Mandy indicou a marca vermelha sobre a face. — Estou certa de que é apenas um furúnculo e que na próxima semana já estarei boa. Só não quis que Luke me visse assim, só isso.

Bella mentalizou os olhos impiedosos do diretor e deu razão à irmã. Quanto a infecção, a seu ver, estava pior.

— Não sei. Acho que deveria consultar um médico. Quem sabe ele pudesse receitar uma pomada para apressar a cicatrização?

— Irei, amanhã. Oh, Bell, nunca esquecerei o que fez por mim. Você é a melhor irmã do mundo. — Mandy saltou e deu um abraço em Bella.

— Não me agradeça ainda. — Bella se soltou, rindo. — Falta lhe contar o pior. Tentei fazer o que você mandou. Pisquei e flertei como doida. Pensei que estava me saindo bem, mas me enganei. Luke percebeu minhas intenções e fez questão de me ameaçar. Ou eu parava de flertar e representava meu papel ou estaria fora.

Mandy começou a rir.— Se esse foi o único comentário negativo que ele fez, então você se

saiu muito bem. Luke Retford é o diretor mais exigente da indústria cinematográfica britânica. Todos que trabalham com ele, juram não voltar a fazê-lo. É claro que voltam! Só precisam esperar os resultados. Dizem que ele é capaz de ensinar uma mesa a representar, se quiser. Ai! — Mandy ficou pálida de repente e se deitou.

— O que houve? — Bella indagou, preocupada.— Tontura, mas já passou. O que achou dele?Bella se lembrou daquele olhar e seu corpo se aqueceu. — Atraente. O que sabe sobre ele? — Ela tentou dar um toque

impessoal à voz.— Apenas o que é de conhecimento geral, que ele começou com

documentários para a televisão, em seguida produziu comerciais, até conseguir dinheiro para instalar sua própria companhia. Foi ele quem

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produziu Fuga na noite e Declínio do Império.— O quê?— Oh, Bell, onde você se escondeu todos esses anos? Ambos os

filmes conquistaram um punhado de prêmios. Hollywood está sempre convidando-o a trabalhar por lá. Ele não vai por opção.

— Nem todos acompanham as notícias sobre o cinema, como você.— Hei, que bicho te mordeu? — Mandy indagou, astuta. — Não me

diga que ficou caída por ele!Bella retrucou com selvageria.— Não, Mandy. Não fiquei caída por ele como está pensando. Não

gosto de homem algum que olhe para uma mulher como se fosse um objeto sobre a prateleira de uma loja. Também não tenho tempo para falar com homens arrogantes que julgam que as mulheres são seres acéfalos. Não nego que ele seja bonito, mas está longe de fazer meu tipo. Estou absolutamente encantada em saber que nunca mais precisarei vê-lo.

Mandy se encolheu entre os lençóis.— Oh, entendo! Você realmente está caída por ele!Ao dizer isso, Mandy cobriu rapidamente a cabeça, de forma que

não viu a escova de cabelos voando em direção a ela.Bella não gostara de Luke Retford, claro que não. O fato de não

esquecer sua imagem durante o banho e durante o sono estava ligado à ansiedade.

— Oi, Bella, você está diferente — Pete Rawlins, seu colega de pesquisa, comentou ao encontrá-la na manhã seguinte, no cubículo que dividiam no Centro de Saúde.

— Mudei o penteado — ela o informou em poucas palavras.— Está melhor assim. — Ele coçou distraidamente a barriga. — Viu

Roger?— Não, por quê? — Bella indagou, irritada. Por que seria que não

estava podendo nem ver o amigo? Por que seria que até as roupas e a barba dele a enervavam naquela manhã? Sabia a resposta: Luke Retford.

— Ele disse que o computador está com problemas outra vez e que não poderemos processar os dados da última pesquisa até quinta-feira.

— Com os infernos! Será que nada funciona neste lugar?— Não, e estou surpreso por você ainda não ter se acostumado com

isso. — Pete a encarou por sobre os óculos. — Parece que levantou hoje com o pé esquerdo.

Bella não respondeu. Sentou-se à escrivaninha e suspirou.

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— Acho que vou dar uma passada no laboratório e falar com Sue a respeito da conferência do próximo mês.

— Não vá. Sue está a caminho da Grécia. Não se esqueça que as aulas já terminaram. Aliás, tenho a impressão que só resta nós dois em todo o prédio. Mal posso esperar pelo dia de amanhã… um mês inteirinho nos Estados Unidos.

— Gostaria que não partisse tão cedo. Ao menos não antes da conferência. Não gosto de falar em público…

— Bobagem. Trata-se apenas de falta de confiança, o que é típico das mulheres. Você é quem fez quase todo o trabalho. Por falar nisso, Sue lhe deixou alguns comentários… estão sobre a mesa.

Bella começou a ler e seu cenho ficou ainda mais carregado.— Ela tem razão. Não explicamos o suficiente a base da amostra.

Terei de reescrever todo o maldito artigo.— Bella, por que tanto barulho? Em uma hora você consegue!— Está bem, Pete. — Bella suspirou. — Acho que só estou

procurando uma desculpa qualquer para meu mau humor.— Você está precisando de umas férias, é isso. Quais são os planos

para o verão?— Sem planos — ela deu de ombros. Normalmente ela e Mandy já

estariam com as passagens compradas àquelas alturas, mas no momento tudo o que Mandy podia pensar era no filme que se realizaria nas ilhas Maurício.

Mais uma vez o rosto de Luke Retford lhe veio à mente. O que poderia acontecer entre ele e a irmã? O inevitável? Teriam um caso breve e tempestuoso entre as praias brancas? Não tinha o hábito de se intrometer na vida particular da irmã, mas que era dada a aventuras, isso era. O ciúme a torturava. Pela primeira vez sentia inveja da irmã.

— Tchau, Pete! — Bella amontoou uma pilha de pastas e se levantou. — O dia está bonito demais para ficarmos aqui trancados. Vou trabalhar no jardim da minha casa.

Bella quase saiu correndo da sala sombria. Os saltos dos sapatos ecoavam pelos corredores. Alguns colegas a cumprimentaram, a maioria tão sem graça quanto Pete. Na rua ensolarada, começou a correr como se demônios a perseguissem, até entrar no primeiro ônibus que passou.

A condução atravessava ruas conhecidas, Bloomsbury, Oxford, até mesmo a rua em que caminhara no dia anterior para chegar ao escritório de Luke. Em poucos instantes Bella estava novamente na calçada.

Seu reflexo a encarava da vitrine de uma loja. Não era mais a atriz

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sofisticada e sedutora, mas a jovem simples de calça jeans, blusa branca e sem maquiagem. Parecia ainda mais jovem, especialmente depois de vasculhar a bolsa e retirar um elástico com o qual prendeu os cabelos num rabo-de-cavalo.

Caminhou calmamente pelas ruas movimentadas do bairro de Soho. Os luminosos dos clubes noturnos começavam a dar lugar às lojas e escritórios comerciais.

Aquele era o mundo de Luke, ela pensou. Um mundo repleto de contrastes, caos e vida, completamente diferente do mundo quieto e arborizado das ruas que circundavam a universidade. Ali também estava a diferença entre eles. Luke trabalhava com a ficção, com a fantasia, enquanto ela, como cientista na área da medicina, só trabalhava com fatos rigorosamente comprovados.

Lá estava o escritório. Bella se deteve e contemplou a placa, enquanto se lembrava do medo que sentira no dia anterior. Só mesmo Mandy para convencê-la a tomar parte naquela trama. Amava a irmã como a si mesma, às vezes até mais.

— Que diabo!— Oh, meu Deus!O choque foi tão violento que Luke deixou cair todos os papéis.— Oh, sinto muito… — A reação imediata de Bella foi se desculpar,

embora não tivesse culpa alguma. Luke recolhia o material, zangado e impaciente. Quando levantou a cabeça para se certificar de que o táxi, que o esperava, ainda não tinha ido embora, a irritação desapareceu como por um passe de mágica. Os olhos cinzentos ficaram quase negros. Bella podia ver a perplexidade no rosto dele. Parecia estar diante de um fantasma, de uma mulher irreal.

Algo também estava acontecendo com ela. Ao olhar intenso, ela sentiu o calor se irradiar por suas veias, o coração acelerar. A qualquer momento ele falaria alguma coisa, tentaria retê-la… Abruptamente deixou cair os papéis que estava recolhendo, e saiu correndo em direção à avenida Shaftesbury, onde estaria segura.

O momento mágico se esvaneceu não deixando nada exceto um coração descompassado, que só se acalmou depois que Bella chegou em casa. Lá, porém, haviam outros problemas.

— Olhe! — Mandy gritou, agoniada. — Não é horrível? Oh, Bell, o que vou fazer? — Mandy ainda dormia quando Bella saiu para trabalhar, por isso não vira que as manchas vermelhas se espalhavam por todo o rosto da

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irmã. — Não estou agüentando a coceira.— Parece catapora. É melhor não levantar da cama. Vou chamar o

médico.— Já chamei. Ele está a caminho — Mandy informou com lágrimas

nos olhos. — Não poderei representar neste estado. Levará semanas para que eu volte ao normal.

O médico confirmou o diagnóstico e também a previsão sombria de Mandy. As marcas só desapareceriam com o tempo, e desde que a paciente não as coçasse.

— Catapora! Na minha idade! Todos esses anos querendo ser atriz, e quando finalmente parece que vou conseguir, o que acontece? Catapora!

Bella nunca vira a irmã tão amarga, e isso lhe cortava o coração— Posso até desistir da carreira. A sorte não bate duas vezes à

mesma porta.— Por que não? Você poderia ligar para Luke Retford e explicar.

Peça-lhe que não a esqueça quando pensar num outro filme. Tive a impressão que ele gosta de você.

— Não é assim que funciona, Bell. Oh, sim, ele gosta de mim, mas para este filme, não para outros. Há um milhão de atrizes como eu lá fora. Todas lindas, e… não, estou acabada.

O silêncio pesava no pequeno quarto enquanto a mente prática de Bella tentava encontrar uma saída.

— Em quantas cenas você aparecerá durante a filmagem em Maurício?

— Poucas, e em apenas duas terei de falar. Essa é que é a grande ironia. Minha cena principal será no final do filme, quando Grayson me encontra em Gales. A essas alturas eu já estarei completamente boa, mas de que vai adiantar?

— Oh, Mandy… — Bella apertou a mão da irmã.— Você também vai pegar! Corra e se desinfete!— Se tiver de pegar, paciência — Bella suspirou. — Oh, meu bem.

Sinto tanto.— A culpa é minha por ter escolhido uma profissão tão ingrata.

Deveria ter seguido uma carreira bonita e sólida como você.— Bonita e chata, você quer dizer. Não posso imaginá-la curvada

sobre um computador o dia inteiro.— Nem eu. Não sou ligada a romances com números. Prefiro

histórias de carne e sangue, de preferência a carne e o sangue de Luke

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Retford…Bella fechou os olhos contra as imagens que Mandy evocava. Aquele

corpo alto e forte, aqueles olhos cinzentos estiveram entre elas durante todo o tempo.

— Se eu pudesse fazer alguma coisa, faria — Bella murmurou, pesarosa, diante dos soluços da irmã.

— Poderia fazer a maldita ligação. Não suportarei…Bella queria abraçar a irmã e chorar junto com ela, mas o que ela

mais precisava no momento era de ajuda.— O sr. Retford precisou sair e não voltará ao escritório, hoje. Quer

deixar recado?— Não, obrigada. — Bella desligou. O elástico estava incomodando-

a. Tirou-o e balançou a cabeça para soltar os cabelos.— Bell, você está igualzinha a mim!— Claro que estou. Afinal foi para isso que cortei meu cabelo.

Estava pensando… talvez um bom maquiador pudesse esconder as manchas de sua pele…

Mandy nem a ouviu falar.— Aposto que nem mamãe nos reconheceria se estivéssemos com

roupas iguais.— Ela só precisaria procurar a cicatriz. — Os dedos de Bella

percorreram a linha branca e fina que marcava sua clavícula, uma relíquia de infância.

— Ninguém sabe… não dá para se ver…— Oh, não! De jeito nenhum! — Bella percebeu imediatamente onde

a irmã estava querendo chegar. — Não sou atriz.— Ontem foi.— Ontem foi diferente. Apenas por dez minutos.— Pense, Bella. Dez minutos sob o olhar astuto do maioral, e ele não

percebeu, não é? Quer teste maior do que esse? Durante a filmagem haverá centenas de outras pessoas. Ninguém prestará muita atenção em você.

— Não? E quando chegar a minha vez de falar?— Você falará melhor do que eu. Na escola, a expositora do grupo

sempre era você, lembra-se?— Não, Mandy, a resposta é “não”.— Você bem que poderia. Já está praticamente de férias.— Poderia, mas não vou.— Pense… uma semana numa ilha tropical, jantando sob palmeiras,

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nadando entre recifes de corais. Será divertido, uma mudança em sua…— Em minha vida insípida, não é? Obrigada, mas gosto da vida que

levo.— Sei que gosta, mas não podemos chamá-la de exótica. Aulas no

primeiro ano sobre os diferentes tipos de câncer nas mamas, ou doenças pulmonares. Depois, horas e horas naquele cubículo em frente à tela de um computador.

Bella acabou se zangando, tanto o medo e o desejo de aceitar a aventura.

— Também não vejo nada de exótico em ficar sentada em frente ao telefone e passar os dias esperando uma ligação do empresário.

— Você não terá de se tornar uma atriz, apenas fingir ser por uma semana. Sei que faz o que gosta e não vou querer convencê-la do contrário. Mas um pouco de diversão não faz mal a ninguém. Desde que terminou com Nick, por exemplo, você não fez nada além de trabalhar. Não é normal…

— Também não é normal fingir ser outra pessoa. Imagine-se em meu lugar. O que farei se me perguntarem sobre meus empregos anteriores, ou sobre pessoas que deveria conhecer?

— Simplesmente responda. Sempre lhe conto tudo o que me acontece de interessante.

— Eu me atrapalharia…— Não tenha medo. Seja simpática, mas calada. Faça o seu trabalho

e vá para o quarto. O pessoal do meio artístico é muito egocêntrico. Eles estarão ocupados demais consigo mesmos para se lembrarem de você.

Bella fitou os olhos angustiados da irmã.— Oh, Bella, você poderia aproveitar as férias. Noventa por cento do

tempo estará livre para tomar sol ou ler um bom livro.— E os outros dez por cento?— Estará em mãos experientes. Siga as instruções de Luke e tudo

ficará bem.O poder de persuasão da irmã aliado à imagem de Luke, bronzeado,

de maiô numa praia tropical eram tentadoras. Bella respirou fundo.— Sinto muito, Mandy. Sabe que eu faria qualquer coisa por você.

Esse pedido, porém, não posso atender. Não daria certo. Dá para entender? Não posso e não vou fazer.

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CAPÍTULO III

Bella pensou que fosse desmaiar. O sol queimava-lhe a nuca e inúmeros pontinhos pretos dançavam diante de seus olhos.

Guy de Vere, o famoso símbolo sexual, estava a sua frente. Era mais baixo e mais velho do que imaginara, e com a maquiagem pesada mais parecia um palhaço. Teve medo de desatar a rir ou cair morta sobre a areia escaldante. A única coisa que tinha certeza era que não iria enjoar, pois seu estômago já rejeitara o desjejum e o almoço, na privacidade de seu quarto, no hotel.

— Muito bem. Vá. — A voz profunda e autoritária de Luke penetrou através das ondas de tontura. Chegara o momento tão temido desde que chegara à ilha há dois dias, e era mil vezes pior do que esperara.

Havia gente por toda a parte, todos olhando para ela. Guy de Vere se aproximava. Podia vê-lo movendo os lábios. Repetia o texto que ele estudara até saber tudo de cor. Só que Bella não conseguia se mover nem falar. Transformara-se numa estátua de pedra. Suava frio.

— Corte!A voz de Luke soou de algum lugar por trás dela. Não o tinha visto

desde que chegara à ilha até a poucos instantes, quando era chegada sua vez.Bella se virou. O diretor chamava uma das maquiadoras para que

lhe enxugasse o suor da testa.— Muito bem.O pesadelo recomeçava. Guy de Vere se aproximava, falava, as

câmeras zumbiam. Estavam na praia. O calor era insuportável.— Corte!A voz de Luke soou alta e impaciente.— Mandy, por favor, o que há com você? Estamos aqui para

trabalhar!Todos a olhavam em silêncio. Sacudiu a cabeça tentando desanuviar

a mente. Os zumbidos em seus ouvidos não cessavam. Seus olhos se encheram de lágrimas.

— Vamos! — Luke deu a ordem e o pesadelo se repetiu, só que ainda pior, se isso fosse possível. Suas pernas não iriam agüentá-la por muito tempo.

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— Corte!Luke veio em sua direção completamente furioso. Guy de Vere a

ajudou. Estando junto a ela, o ator obviamente percebera que não se sentia bem.

— Dê-lhe um tempo. Ela só está precisando de um pouco de encorajamento.

— Eu lhe darei todo o encorajamento do mundo, quando ela se dignar a se colocar em seu lugar — Luke esbravejou. — O que há, Mandy? Que diabo deu em você?

Bella levou ambas as mãos às têmporas que latejavam terrivelmente. Mordeu o lábio para resistir à tentação de lhe contar a verdade.

— Calma! — A voz de Guy de Vere soou carinhosa em contraste com a fúria de Luke. Seus olhos azuis a fitavam, preocupados, embora ele lhe sorrisse. — A primeira vez é sempre a mais difícil.

Bella concordou com um movimento de cabeça.— Está tão quente… — Ela olhou em direção ao mar. — Acho que

vou desmaiar. — E foi exatamente isso que fez.Ao voltar a si, viu-se deitada em sua própria cama, as persianas

baixadas para escurecer o quarto. Uma garota desconhecida umedecia-lhe os pulsos e as têmporas com água fria.

— Mandy, você está bem? — ela indagou ao ver Bella abrir os olhos. — Demorou para voltar. Eu estava quase chamando o médico.

— Sim. Quem é você?— Meu nome é Caroline. Sou assistente de Luke.— Oh… — Bella fechou novamente os olhos.— Ele não está muito satisfeito com você, como bem pode imaginar.— Eu sei. Fiz papel de boba, não é?— Acho que sim. — Caroline colocou a esponja na tigela de água, e

se levantou para enxugar as mãos. — Eu não vi. Luke me chamou só depois que você estava aqui. Mas, se foi realmente devido ao calor, o erro foi seu em não ter colocado um chapéu enquanto esperava a sua vez de entrar em cena.

Bella olhou de esguelha para a guardiã. Caroline trajava um vestido branco, seus cabelos negros e brilhantes estavam presos com uma fita também branca, e sua pele acetinada parecia nunca haver transpirado na vida.

— Como vim parar aqui?— Luke deve tê-la carregado e depois saído. Dê-se por feliz. Sabe

quanto lhe custa um dia de trabalho perdido?

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— Oh… — Bella suspirou.— Ele disse que hoje não dará para filmarem outra vez, devido à

posição do sol.Bella se sentou na cama, tentando ignorar a dor que lhe martelava a

cabeça.— Talvez se eu conseguisse me levantar…Caroline a deteve.— Não. Você deve descansar. Eu vou cuidar de você. São ordens de

Luke e ele não está acostumado a ser desobedecido. A propósito, ele nem está no hotel. Foi para o outro lado da ilha com os técnicos da equipe para filmar alguns locais.

Bella deitou-se novamente e fechou os olhos. Sentia-se exausta e miserável, embora mais calma. Tinha certeza de que havia superado o bloqueio e que no dia seguinte conseguiria representar, ou ao menos andar e falar diante das câmeras.

Deveria ter adormecido, pois mais tarde, ao abrir os olhos, as persianas estavam suspensas e o quarto tinto de nuances avermelhadas do pôr-do-sol tropical. No lugar antes ocupado por Caroline, encontrava-se Luke, os braços cruzados sob a nuca, olhando-a como se ali estivesse há muito tempo.

O coração de Bella quase saltou do peito.— Oi, Mandy — o cumprimento foi seco. Bella se sentou como se impelida por uma mola.— Não sabia que você estava aqui! Sinto muito o que aconteceu esta

tarde… — Ela ainda vestia apenas o biquíni e a saída de praia, seu vestuário para a cena, embora Caroline já houvesse retirado a maquiagem de seu rosto.

— Ainda não consegui entender o que realmente aconteceu.— Estou bem agora. Deve ter sido o sol e também o pânico da

primeira noite, ou melhor, do primeiro dia. Prometo que não acontecerá outra vez — ela gaguejou.

— Espero sinceramente que tenha sido o sol. Uma atriz que desmaia em frente às câmeras não tem serventia alguma para mim.

— Não foi isso…— Não? — ele indagou, incrédulo. — Bem, esperemos que não, mas

você parecia tão aterrorizada como se fosse a sua primeira vez.— E foi! Quero dizer, só trabalhei na televisão até agora, o que é

muito diferente. — As anotações que Mandy lhe dera sobre suas experiências estavam guardadas na mala, e Bella as estudara com afinco.

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Luke se moveu na cadeira e os músculos das coxas se comprimiram contra a calça branca de algodão. Bella sentiu algo estranho por dentro. Teve de virar a cabeça para o outro lado. Após alguns minutos de silêncio voltou a fitá-lo. Ele estava com o queixo apoiado sobre as mãos, o polegar deslizando reflexivamente sobre os lábios.

A tensão entre eles estava insuportável. A presença masculina naquele quarto silencioso causava efeitos contraditórios em seu corpo. Bella apertou a saída de praia contra o peito, mas seu gesto foi inútil. Os olhos de Luke já haviam pousado sobre os seios firmes. Acariciavam-na demoradamente, provocando-lhe ainda mais calor. Ao fitar-lhe novamente os olhos, Bella percebeu uma certa compreensão, antes inexistente.

— Então… — ele murmurou enigmaticamente, como se em sua mente se confirmasse algum plano de ação. Esticou as pernas, se levantou, e começou a andar de um lado para outro. A raiva parecia ter desaparecido de sua voz. — Acho, Mandy, que não levei em consideração sua inexperiência. Estava preparado para vê-la confusa diante de Guy, mas não esperava que desabasse ao ver as câmeras.

— E todas aquelas pessoas olhando — ela acrescentou.— É completamente normal. Depois de aguardarem horas de

preparativos, acha que ficariam olhando para o céu, justamente quando a ação está começando?

— Não, mas… — Bella se sentia como um peixe fora d'água. — Quando se está à beira de uma insolação e só se enxerga rostos a sua volta, como se fossem fantasmas… — Precisou respirar fundo e quase deixou escapar um soluço. Engoliu em seco por três vezes.

— Talvez você ainda não esteja preparada, Mandy — ele afirmou abruptamente. — Talvez seja melhor que eu contrate uma substituta.

— Não pode fazer isso! — Arregalou os olhos, chocada. O que Mandy iria dizer?

— Claro que posso. Posso fazer o que quiser. Sou como um deus aqui. — Ele avançou na direção dela.

— Ninguém é Deus — ela contra-atacou. — Você é humano como todo o mundo; não tem poderes divinos.

— Talvez não, mas em matéria de cinema, posso elevar as pessoas às alturas ou afundá-las no abismo. Fiz isso muitas vezes. Por que você seria uma exceção?

— Tenho um contrato…— Não há problema. Os advogados podem dar um jeito.

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— Você ainda não me deu uma chance…— Já teve sua chance esta tarde. Não soube aproveitá-la.— Eu estava doente — Bella protestou.Luke se sentou na beira da cama e perscrutou-lhe o rosto.— Quer realmente? Esta tarde deu-me a impressão de não estar

empenhada…— Eu quero! — Bella não estava representando desta vez. Precisava

desesperadamente ser bem sucedida na tarefa, para curar seu orgulho ferido e principalmente para o bem de Mandy.

— Está bem. — Luke passou a mão pelos cabelos. — Eu lhe darei mais uma chance, mas se falhar, está fora. Entendeu? E é melhor que vá se acostumando com multidões. Apenas uma vez filmei praticamente sozinho, mas foi um caso excepcional.

— Que caso? — ela indagou, curiosa.Dentes alvos se sobressaíram contra a pele morena. Pequenas linhas

se formaram ao redor dos olhos. Quando ele falou, foi em voz baixa e irônica.— Digamos que os protagonistas se apaixonaram durante as

filmagens. Quando chegou o momento da cena culminante de amor, tive a forte impressão que a realidade superaria em muito a encenação. Mandei que todos saíssem e os dois se sentiram mais à vontade…

— E… — ela queria saber o fim da história.— E… — ele fez uma pausa. — A cena ficou ótima.— Então você teve razão?— Quem sabe? — Luke deu de ombros. — Talvez os dois fossem

realmente apenas grandes atores. Ficou chocada, não é? — Ele riu. — Não fique, pois todos adoraram o que houve. Eles, pela atuação. Eu, pelo filme. O caso saiu em todas as revistas na época. Estou surpreso que não tenha lido nada a respeito.

Ela negou com um movimento de cabeça.— Bem, de qualquer modo, isso não acontecerá neste filme. — Bella

pensou em voz alta ao se lembrar do rosto bonito de Guy, mas que não tivera o poder de atraí-la.

— Não — Luke confirmou. — Ao vê-los juntos esta tarde, percebi que o caso não se repetiria desta vez, o que é uma pena. — Ele segurou-lhe a mão. — Pois isso nos deixa um problema crucial. O que precisaremos fazer para acender sua chama interna, Mandy Latham?

Bella corou ante aquelas palavras e aquele olhar devastador. Luke certamente sabia a resposta para o problema. Furiosa, retirou a mão que ele

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prendia entre as suas, e se levantou.— Não precisará fazer nada! Eu lhe darei toda a chama interna que

está querendo! — Luke era um homem desprezível, rude e arrogante, e ela queria que saísse dali imediatamente.

— Como? — ele indagou, cético.— Com meu talento!A fúria de Bella simplesmente não significava nada para Luke.— Só me resta esperar que seu talento seja tão grande quanto sua

autoconfiança, Mandy, embora o teste…Ela teve vontade de gritar, mas ficou muda de repente. O quarto

estava ficando escuro e por um segundo deu asas à imaginação. Como se comportaria se Luke se aproximasse e a tocasse? Não casualmente, mas como um homem que desejava uma mulher? Mas aquilo era apenas imaginação, pois na realidade tudo em que Luke poderia pensar era em seu filme.

— Admiro sua credibilidade em si própria, mas infelizmente não a compartilho. Não posso arriscar uma repetição dos prejuízos de hoje, por isso decidi alterar a seqüência das tomadas para que suas cenas sem fala venham em primeiro lugar. Talvez depois de perder o medo da primeira noite, você se saia bem nas cenas mais importantes.

Bella concordou, humilhada, mas ao mesmo tempo aliviada, enquanto ele prosseguia.

— Amanhã iremos até a baía para as tomadas de abertura. Você não precisará falar. Estaremos apenas você, eu, e alguns técnicos. Sem espectadores.

— Obrigada — ela agradeceu com dignidade —, mas não seria necessário. Se quiser continuar com planos originais, tenho certeza de que não o decepcionarei. — Bella não sabia por que se sentia tão grata, mas o fato é que de alguma forma conseguira extrair um pouco de calor humano daquela máquina cinematográfica. Ao sair, Luke se deteve e apertou-lhe os ombros. Para ela o gesto significara muito, para ele nada, pois retirou a mão no mesmo instante.

— Estou certo que não, mas já mudei os planos. Descanse bastante e se alimente. Mandei que lhe trouxessem o jantar no quarto. Partiremos bem cedo.

Era surpreendente como o amanhecer nos trópicos podia ser frio. Bella, de casaco, sentia as mãos tremerem ao aceitar um copinho descartável de café. Luke, entretanto, parecia bem-disposto vestindo apenas short e camiseta, enquanto conferia uns papéis junto a Caroline. Bella os observava,

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com ciúme daquela intimidade. Naquele instante, Caroline ergueu a cabeça e notou o olhar estranho de Bella. As duas se enfrentaram com hostilidade. Caroline parecia um cão de guarda. Bella preferiu desviar o olhar.

Bella estava odiando andar naquele barco. Estava odiando ser considerada uma atriz burra e incompetente. Acima de tudo odiava sentir-se fisicamente atraída por Luke Retfod, de quem gostava cada vez menos, quanto mais o conhecia.

O único consolo é que a situação não se prolongaria por muito tempo. Em menos de uma semana voltaria a ser Bella outra vez, na velha Londres, no cubículo da universidade, o pequeno interlúdio, apenas um sonho tropical.

Luke a chamou de lado assim que chegaram à ilha.— Vamos dar um passeio. Quero conversar sobre o trabalho de hoje.O sol estava ficando cada vez mais quente. Bella tirou as sapatilhas e

o casaco. Agora estava como ele, de short e camiseta. Luke a fitou e outra vez seus olhos se detiveram na curva dos seios.

Por um instante o coração de Bella quase parou de bater, mas Luke apenas indagou:

— Passou algum filtro solar?— Sim, várias camadas.— E quanto ao chapéu? Sally!Uma moça encarregada do guarda-roupa olhou em direção a eles.— Traga um chapéu!Ela imediatamente trouxe um chapéu de palha de abas largas que

Luke colocou, sem cerimônia, na cabeça de Bella.— Agora está parecida com a tia Polly, do livro de Tom Sawyer.— Você ainda se lembra? — Bella indagou, perplexa.— Claro. Sempre conto histórias aos meus sobrinhos. E você?— Também leio para minha afilhada.— Quem é sua afilhada? — Ele apressou o passo. Bella se sentia

pequena perto dele. Sua cabeça chegava aos ombros dele.— Chama-se Molly e tem três anos. É filha de uma colega.— Também atriz?— Oh, não… — Bella quase se traiu. Molly era filha de uma das

professoras do instituto. — Ela foi atriz, agora é apenas esposa e mãe.— Meus sobrinhos têm três e seis anos. Dois moleques. Meu irmão

acha bom criá-los selvagens. Moram em Yorkshire e, pelo que vejo, não usam sapatos de julho a setembro.

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— Gostaria que Molly pudesse viver assim. — Ela riu. — Mora num desses locais onde as crianças se vestem todos os dias como se fossem a uma festa, e só podem sair de carro. Não é o tipo de vida que uma criança deveria ter.

Conversavam animadamente e o ritmo dos passos relaxou. Conhecia Luke o suficiente para perceber que aquela fora exatamente sua intenção. Nada que ele fazia era por acaso, mas a manipulação nesse caso foi bem-vinda. O sol proporcionava uma coloração turquesa ao mar e as areias mornas ficavam ainda mais alvas em comparação. O cenário era perfeito.

— Agora lembre-se — Luke finalmente a deteve, a voz autoritária e incisiva. — É aqui que Grayson a vê pela primeira vez. Está cansado, deprimido, na meia-idade, e odeia tirar férias! Resolve dar um passeio e a encontra em algum lugar da praia.

Luke falou por um longo tempo, andando e gesticulando, para indicar o que queria que ela fizesse. Bella ficou como que hipnotizada por sua voz e pela graça dos movimentos.

Em certo momento ele a tocou no ombro.— Você está inquieta, excitada… quer algo, mas não consegue

definir o quê. Entende o que estou querendo dizer?Bella concordou. Oh, ela sabia exatamente o que Luke estava

querendo dizer. Sabia também que o toque daqueles dedos em sua pele era uma carícia instintiva de um homem experiente com as mulheres.

— Quero que saia lentamente da água, distraída e despercebida de que existe alguém por perto. Você pode jogar o cabelo para trás, fazer o que lhe der vontade. Será filmada em closes: a água em sua pele, olhos, lábios, exatamente como Grayson a estará observando. Em seguida, apanhe a toalha, enxugue o rosto, olhe ao redor e se deite na esteira. Lembre-se de que ainda não percebeu que não está sozinha na praia.

Luke aproximou seu rosto do dela.— Entendeu bem? Quero-a jovem, linda, muito solta. Bella sentiu que corava. Concordou em silêncio. Luke segurou-a

pelo queixo e fitou-a sob a sombra do chapéu.— Também a quero tímida e insegura, como uma corça que foge

assustada ao mais leve ruído. Os homens apreciam essa qualidade numa mulher. Grayson pressente isso, motivo pelo qual não se aproxima de você no primeiro dia. Mas, há mais uma coisa, Mandy. — Ele voltou a pousar a mão sobre os ombros dela. — Você tem dezoito anos. Está deitada nesta praia tropical, exibindo seu biquíni novo e sensual. O sol lhe acaricia a pele e as

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ondas chegam mansamente até seus pés. O que lhe passa pela mente?— Um comercial de televisão — Bella respondeu instantaneamente.

— A garota saboreando uma barra de chocolate.— Exatamente. E o que acontece no anúncio?— Um homem se aproxima com uma prancha de surfe…— Exatamente. Um homem se aproxima. Você está se bronzeando

nesse cenário perfeito e não demora a perceber que o que lhe falta é a imagem de um homem. Seus pensamentos se voltam para o romance. Fica imaginando como seria maravilhoso se um homem se apaixonasse por você durante as férias. A ilusão a deixa irrequieta e insatisfeita. — Luke sorriu ironicamente. Parecia ter adivinhado o que se passava com a jovem a sua frente. A situação no filme era exatamente o que estava acontecendo com ela, ali junto a Luke.

Os dedos de Luke ainda lhe acariciavam os ombros, seus olhos a fitavam intensamente.

— Mandy, não a conheço muito para saber como se sente em relação a uma frustração física, mas nesta cena quero que projete desassossego, uma energia transbordante que precisa encontrar uma válvula de escape. Quero que seja uma garota inexperiente, mas que está começando a perceber o despertar da sensualidade.

Bella o entendia perfeitamente. A voz profunda e os olhos exigentes lhe transmitiam o comportamento a seguir, e muito mais. Sem mencionar a carícia leve em seu ombro, e o magnetismo de sua presença. Ele parecia devorá-la com os olhos. Bella precisou umedecer os lábios com a ponta da língua para poder respirar. Ao vê-la, a expressão preocupada de Luke deu lugar a um sorriso de triunfo.

Voltaram em silêncio. Bella jurou consigo mesma que faria o máximo para agradá-lo. Queria conquistar-lhe o respeito, queria conquistá-lo como… mulher.

Não foi fácil. A cena no mar teve de ser repetida uma série de vezes, e a cada vez fragmentos pontiagudos de corais cortavam seus pés. Para sair da água, contudo, Bella não teve dificuldades. As ondas em seu corpo, o sol beijando-lhe a pele, era impossível não se sentir solta e sensual. Pensava em Luke observando-a, e os movimentos e olhares tornavam-se lânguidos e ao mesmo tempo provocantes. Após algum tempo, ela começou a gostar de extravasar a sensualidade sempre reprimida em sua vida.

— Boa menina. — Ele lhe sorriu conforme se aproximava do lugar onde Sally renovava a aplicação do filtro solar. — O trabalho desta manhã foi

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precioso. Venha almoçar comigo quando tiver terminado.— Puxa! — Sally ergueu as sobrancelhas. — Você o impressionou.

Ele geralmente prefere fazer as refeições sozinho… para renovar o impulso criativo! — Sally começou a rir.

— Já trabalhou com ele antes?— Oh, sim. Em todos os filmes. Luke Retford é o melhor, embora

não o mais fácil. Ele não admite nada menos que a perfeição.— Estou sabendo… Dê uma olhada nos meus pés. — Bella ergueu

os pés machucados.— Coitadinha! Espere que eu já lhe pego um anti-séptico. Devia ter

nos avisado!— Não gosto de reclamar.— Não é essa a questão. E se os seus pés aparecerem no filme? Você

não terá de se deitar numa esteira mais tarde?— Não pensei nisso — Bella confessou sem jeito.— Puxa, para uma atriz você é surpreendentemente simples. Talvez

seja por esse motivo que atraiu nosso diretor.— Está querendo me dizer que ele não gosta de atrizes?— Não é que não goste. Gosta até demais, se entende o que quero

dizer. Só não as leva em grande consideração como companheiras intelectuais. Prefere vê-las na horizontal. — Naquele instante Sally levou a mão à boca. — Oh, desculpe!

— Não precisa se desculpar. — Bella abaixou o rosto para que a maquiadora não visse o rubor. Não estava embaraçada com o comentário, mas a cena que lhe veio à mente era forte demais para deixá-la impassível.

Bella respirou fundo. Era ridículo. Sua atração por Luke estava se tornando tão irreal quanto aquela semana bizarra. Tinha de se lembrar por que estava ali, o que significava para Luke, e que em poucos dias estaria de volta a sua vida normal.

— Não creio que o tenha atraído. Luke provavelmente quer repassar as cenas para as tomadas de hoje à tarde.

— Fala isso porque não viu o jeito com que ele a olhava.Bella caminhou até o local onde Luke a esperava.— E o chapéu? — ele a lembrou, os olhos percorrendo-lhe todo o

corpo. Bella teve de voltar para junto de Sally, ciente de que ele a observava por trás. Em seguida, estava novamente diante de Luke.

— Queria falar comigo?— Sim, sobre as próximas cenas. — Luke tirara a camisa e exibia o

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peito largo e forte, sombreado por pêlos escuros que aumentavam em direção aos quadris. — Temos frango e salada para o almoço. Faça seu prato e volte aqui.

Bella obedeceu à ordem. Ao voltar, Luke lhe serviu um copo de vinho.

— Acha que devo?— Isso ajudará, já que você ainda não precisará falar em cena. Ele estava brincando, tinha certeza. Ou melhor, estava trabalhando-

a com aquele charme que tinha a facilidade de abrir ou fechar, como se fosse uma torneira.

— Fale-me mais sobre Grayson — Bella pediu, mais para levantar algum assunto. — Acha que ele está meramente em busca de aventura ou o quê?

— Grayson… — ele começou a falar, mas as palavras lhe faltaram. Luke parecia estar perdido nas profundidades daqueles olhos cor de violeta. — Grayson não está a procura de nada, mas tropeça com alguma coisa, e descobre que precisa tê-la. — Os olhos de Luke não a abandonavam. Havia uma tensão entre eles tão real quanto a fragrância dos pinheiros que margeavam a praia. De algum lugar distante e remoto vinham os sons de vozes e gritos da equipe, que jogava futebol.

Mas naquele momento tudo o que existia era o magnetismo que passava de um para o outro, uma força complexa, íntima e insondável.

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CAPÍTULO IV

Aquele dia não estava indo tão bem quanto fora o dia passado na praia. Na verdade, Bella mal pôde acreditar em seus olhos, quando viu os clipes do filme na sala de projeção do hotel.

Não fazia idéia de que sua aparência pudesse ser tão bonita e sensual. Luke a filmara pelos seus melhores ângulos, só podia ser isso. A garota da tela tinha cabelos dourados, boca perfeita e olhos tão provocantes que os espectadores chegavam a prender a respiração.

Assim que as luzes se acenderam, Bella foi aplaudida e aclamada efusivamente. Sorriu e olhou em direção a Luke, mas ele não mais se encontrava na sala.

Guy de Vere viera cumprimentá-la e percebera seu desapontamento.

— Não se preocupe. Se Luke não disse nada é porque conseguiu o que queria: a perfeição! Você é espetacular, Mandy. Será um filme maravilhoso.

Mas não acontecera nada de maravilhoso hoje, Bella pensou, aborrecida. Estavam reunidos ao redor da piscina e a filmagem ia mal. Em primeiro lugar, uma infinidade de problemas técnicos que abalaram sua recém-conquistada autoconfiança. Depois, Luke a olhara como se fosse uma mercadoria em exposição.

A atitude dele a descontrolou. No dia anterior houvera algo profundo e belo entre eles, algo que a fez desabrochar diante das câmeras como uma frágil flor tropical. Naquele instante cogitava se tudo não teria sido apenas fruto de sua imaginação.

Ensaiara a cena uma vez, e conseguira falar, mas estava ciente de que não se saíra bem. Guy de Vere representara como o bom profissional que era, mas não conseguia entusiasmá-la. Quando se sentou ao lado dela, Luke logo ordenou que cortassem.

— Muito bem, um pequeno intervalo para todos. — Ele suspirou. — Mandy, por favor! — Bella o seguiu para a praia. — O que houve? Você esteve fabulosa ontem. Hoje está parecendo uma estátua.

Bella queria chorar. Não podia lhe contar a verdade, que nunca fora atriz e que o charme de Guy de Vere realmente a fazia se sentir como uma

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estátua.Olhou para Luke, sem saber o que responder. Subitamente

aconteceu. Ele a fitou nos olhos, pela primeira vez naquele dia, e o magnetismo a envolveu.

— Esqueça as pessoas, esqueça Guy, se achar melhor — ele ordenou, a voz reprimida de raiva e impaciência. — Lembre-se apenas da garota do comercial de chocolate. Você é ela. Jovem, sozinha, inquieta, em busca de alguma coisa… — A voz repentinamente adquiriu uma certa suavidade, e ele segurou-a pelo cotovelo, num toque experiente. Foi o suficiente para que o sangue começasse a pulsar mais rápido nas veias de Bella, para que ela entreabrisse involuntariamente os lábios. — Viu? Você pode se expressar a qualquer momento que quiser. Basta que libere seus pensamentos. Eles farão o trabalho por você.

Ele sorria como se tivesse adivinhado seus pensamentos. Bella pensava em beijos, naqueles dentes alvos em sua carne macia.

— Pense nisso quando for representar — ele prosseguiu. — Sua pele está quente sob o sol, as inibições diluídas por um ou dois coquetéis, o mar está azul, você não tem laços com ninguém. Sabe que é linda… — As mãos de Luke continuavam a deslizar por seu braço. Ela perdeu o fôlego quando ele se aproximou como se fosse abraçá-la. — Um homem maduro, porém ainda atraente e sofisticado, vem em sua direção. É um homem muito diferente dos rapazes que conhece, e você rapidamente sente uma grande atração por ele. — O coração de Bella quase saltou do peito quando as mãos de Luke subiram até os ombros, e ele lhe falou muito baixo. — Você é uma fruta madura, pronta para ser colhida e sente-se feliz por ser Grayson o ceifeiro.

Ela estava em transe. A voz de Luke a conduzia para fora deste mundo, quando um som de risadas os alcançou. Era um grupo de técnicos e o motivo da brincadeira só poderia ser ela.

— Você me trata como um objeto, não como uma pessoa — Bella gritou.

Luke não se perturbou.— De forma alguma. Lembre-se do que acontecerá no fim. Você

enfeitiçou Grayson a tal ponto que ele a busca por toda parte. Mas agora você tem de atuar como estou ensinando. Esqueça-se de Guy. Imagine outro homem, um homem que a atraia realmente. — Um sorriso lhe curvou os lábios. — Essa é a solução, Mandy. Pense em alguém que deseje, e tudo dará certo.

Luke estava certo, é claro. Conhecia profundamente seu trabalho.

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Quando pensou que era ele que estava a seu lado, na piscina, e não Guy, seu corpo e seu rosto se transformaram. A cena ficou perfeita e Guy começou a demonstrar um novo interesse em sua jovem parceira.

— Mandy, querida, vamos almoçar?— Não, obrigada, Guy. Estou precisando de um descanso.— Poderia descansar tomando um refrigerante gelado. Veja, todo o

pessoal está se dirigindo para o bar.Bella acompanhou-lhe o olhar e viu Luke e Caroline subindo os

degraus. Caroline, num minivestido e boné branco, dava o braço para Luke e conversava animadamente.

Bella ficou olhando até que eles desapareceram.— Pensei que ela fosse apenas assistente dele — Bella procurou dar

um tom casual ao comentário.— Não sei. Eles estão juntos há muito tempo.— Oh.— O que mais poderiam fazer? — Guy riu. — Presos em estúdios

por semanas e semanas a cada filme?— Entendo.Seu jeito de falar o deteve.— Não faça isso, doçura. Não perca seu tempo se interessando por

Luke Retford. O homem é viciado em trabalho.— Fiquei surpresa, só isso. — Ela deu de ombros. — Os dois

parecem tão diferentes.— Posso lhe garantir que ela não faz meu tipo. É… bem, prefiro não

descrevê-la diante de alguém como você.Desta vez, Bella riu com vontade.— Acho que sei o que está pensando, e concordo.— Que tal um drinque, então?— Não, Guy. Realmente preciso descansar.Bella pensou em Guy ao se deitar, nua, entre os lençóis. A maioria

das mulheres adoraria ser convidada para um almoço com o grande símbolo sexual hollywoodiano. Ela, contudo, só podia visualizá-lo envolto em suor e hálito carregado de charutos.

Luke, ao contrário, só precisava olhar para ela para que seu pulso começasse a latejar. Bella fechou os olhos e sentiu novamente o calor daqueles dedos em sua pele.

Moveu-se inquieta na cama e amaldiçoou seus pensamentos. Queria afastá-lo de sua mente, mas não conseguia. Tudo parecia conspirar contra ela.

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Os lençóis macios, o calor agradável e a penumbra do quarto, o sussurro das palmeiras. A ilha era exótica, convidava à paixão e ao romance, e ela, mesmo odiando a arrogância de Luke, ansiava por estar em seus braços, em sentir o sabor de seus lábios.

Virou-se de bruços e colocou o travesseiro sobre a cabeça. Estava chocada consigo mesma. Onde tinha ido parar a mulher que concentrava todas as energias na construção de uma carreira, após desfazer o compromisso com Nick?

Estranho. Era a primeira vez que se lembrava de Nick sem sofrer. Era como se houvesse tentado andar pela primeira vez após ter fraturado uma perna, e descoberto que estava completamente restabelecida.

Lembrou-se do dia em que Nick a rejeitara e que ficara furioso por ela tentar dissuadi-lo da decisão. Nick a chamara de pegajosa, de velha antes do tempo, que não era a ele que amava e sim ao casamento. Sim, estava curada. Entendia, agora, que mesmo que algumas acusações fossem verdadeiras, outras serviram apenas como uma autodefesa de Nick ao atacá-la.

Nick e ela eram estudantes quando se conheceram. Foi um relacionamento firme e feliz por dois anos. Amara-o e pensara jamais poder esquecê-lo. No entanto, era difícil lembrar-se no momento daquele rosto bonito e jovial. Dava-lhe uma sensação de liberdade imaginar que, mesmo que o visse novamente, não mais se interessaria em voltar.

Quanto a acusá-la de ser uma velha antes do tempo, Nick tivera razão. Ela, uma garota de dezenove anos, sozinha pela primeira vez em Londres, agarrara-se a ele como uma tábua de salvação. Sempre acostumada a ter Mandy a seu lado, apavorara-se quando a irmã fora trabalhar em York, e se apegara ao primeiro homem que demonstrara interesse por ela.

Entretanto, não era segurança que Bella desejava agora. Era paixão, aventura, perigo. Queria o desprezível Luke Retford.

Luke parecia disposto a jogar seu charme sobre ela, mas isso só acontecia nas horas de trabalho. Seu interesse não durava além daqueles poucos momentos. Mesmo que durassem, o que poderia advir? Afinal, a tórrida semana em Maurício terminaria com um vôo para Londres e Mandy assumiria sua verdadeira identidade.

Para esfriar a cabeça, forçou-se a pensar em Caroline. O que estariam fazendo naquele instante? Luke conseguiria despertar a paixão naquela mulher de porcelana? Oh, é claro que sim! Um homem sensual como Luke não se satisfaria com um interlúdio calmo e morno.

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— Oh! — ela gemeu. Precisava voltar à razão. Precisava parar de pensar em Luke antes que enlouquecesse. Ela não era Mandy. Era a cientista Bella Latham, uma mulher que não queria ter nada a ver com aquele tipo de homem!

Para se acalmar e voltar à realidade, levantou-se e apanhou o rascunho da conferência que apresentaria em Bristol no mês seguinte. Mal começara estudar, quando uma batida à porta interrompeu-lhe a concentração.

— Sim?— Mandy?O coração de Bella disparou.— O que foi?— Está vestida?— Eu…A porta já estava se abrindo quando ele recomendou que puxasse os

lençóis.Veio diretamente para a cama. Bella se atrapalhou com os lençóis.

Precisava esconder os papéis antes que Luke notasse do que se tratavam.Luke a fitou com curiosidade, mas nada disse.— Poderia pegar minha camiseta, por favor? — ela indagou. Luke a atendeu e se virou de costas enquanto Bella se vestia.— Obrigada.— Não estava dormindo?— Não.— Também não estava bebendo com Guy.— Como soube que ele me convidou?— Por ele mesmo. — Luke se sentou casualmente sobre a cama. —

Não posso culpá-la por rejeitá-lo. Ninguém consegue parar no primeiro drinque junto a Guy.

— Estou surpresa por você permitir que bebam durante o trabalho.— Oh, Guy sabe quando parar… quase sempre, ao menos. E você?

Bebe muito?— Não, por quê?— Curiosidade. — Ele deu de ombros. — Não sei quase nada sobre

você e para trabalharmos juntos preciso saber o que lhe desperta as emoções.Sem que ela esperasse, Luke esticou o braço e afastou uma mecha de

cabelo que lhe caíra no rosto.— É essa a razão de sua visita? Verificar o que desperta minhas

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emoções? — Bella indagou, tensa.— Sim, se você quiser, mas também queria repassar as cenas para

esta tarde.— Pois está perdendo seu tempo. Não escondo nenhum segredo.

Sou apenas uma atriz como tantas outras…Os olhos de Luke percorreram o quarto, notando as pilhas de livros

e pastas que ela trouxera do instituto.— Todos tem segredos e ninguém é igual a ninguém, muito menos

você.— O que quer dizer?— Calma! Você está arisca como uma gata. — Ele a encarou daquele

jeito que a fazia estremecer. — O que quero dizer é que você é uma das mulheres mais sexies com quem já trabalhei. Você é especial, Mandy, tem uma certa timidez… é como se sua própria sensualidade a amedrontasse. Você a guarda sob sete chaves, mas também quando a libera… a tela explode!

Bella baixou os olhos numa verdadeira timidez.— Mandy. — Luke tocou-lhe o braço. — Não estou mentindo,

acredite-me. Filmei centenas de mulheres que se julgam sensuais por terem lábios carnudos ou traseiros empinados. Puro engano. A sensualidade vem de dentro, faz parte da personalidade…

— Não sabia que era um perito!— Em mulheres? Sou, sim. Profissionalmente, é claro. — Ele sorriu.Bella ergueu os olhos e retribuiu o sorriso. Lá estava novamente

aquela corrente elétrica fluindo entre eles! Luke entreabriu os lábios como se respirar fosse algo difícil naquele instante. Bella enrijeceu como uma estátua, cogitando se ele se inclinaria para beijá-la.

Seu coração pulsava loucamente. Alguns segundos se passaram. Uma outra batida à porta.

— Maquiagem! Dez minutos!Ele soltou-lhe o braço e repetiu lentamente.— Dez minutos. Assim que terminar, desça para ensaiarmos.Mais tarde, Bella resolveu caminhar sozinha pela praia. O

entardecer dava rapidamente lugar a um céu de veludo escuro. Haviam trabalhado a tarde inteira sobre a mesma cena. Tudo saíra conforme Luke desejava. Suas palavras de incentivo provocavam uma descarga de adrenalina nas veias de Bella. Ela entendia agora o que significava o poder de dar vida a meras palavras datilografadas num papel.

As areias brancas pareciam se estender até o fim do mundo. Bella

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prosseguia sem olhar para trás. Quando o fez, as luzes estavam distantes, ocultas pelas palmeiras. Ela estava sozinha em seu paraíso tropical.

Ela se apressara a escapar assim que as filmagens terminaram. O pessoal já deveria estar comentando sua falta de companheirismo, porém aquilo era melhor do que se expor a cair em contradição. Embora Mandy houvesse lhe entregado orientações por escrito antes de partir, ambas concordaram que seria mais seguro ter o mínimo contato social possível.

Pequenas ondas quebravam gentilmente em seus pés. O mar exibia reflexos prateados. As águas mornas lhe acariciavam a pele. Naquele instante Bella desejou fazer parte do mar, desejou ser abraçada por ele sob o céu estrelado.

A praia estava completamente deserta. Não levaria mais que um segundo para despir o sarongue, que usara em cena, e mergulhar.

Nadou até o ponto onde o mar atingia o rochedo de corais e voltou para a praia. Flutuou com prazer indescritível. Depois de todos aqueles dias, era a primeira vez que se sentia serena.

Há anos não descansava. Mandy a repreendia por se dedicar tanto à monotonia das estatísticas, mas para Bella a pesquisa das diferentes origens das doenças era fascinante. Sabia que era competente em seu campo, e desejava contribuir com ele da melhor forma que pudesse.

Fora por sua própria vontade que passara todas as férias trabalhando, participando de conferências e seminários, ansiosa por não perder nenhuma oportunidade. Desde o namoro com Nick as distrações se tornaram mais raras ainda. Não houvera um único homem que conseguira interessá-la.

Nick. Mais uma vez estava se lembrando dele e mais uma vez o comparou com Luke. Luke com a mão em seu braço. Toda a energia e sensualidade daquele homem comunicara-se com Bella através daquele leve toque. Sem dúvida fora um gesto deliberado, mas funcionara. “Pense em alguém que a atraia”, ele a instruíra aquela manhã, ciente de que esse alguém era ele próprio.

Teria sido pelo mesmo motivo que viera visitá-la no quarto durante a tarde? Não sabia. Sabia apenas que ansiara por um beijo e que a assustava o poder que ele exercia sobre seu corpo. Luke a atraía como um imã. Ninguém conseguira despertar-lhe os desejos antes de Luke. O amor entre ela e Nick havia sido tranqüilo, completamente controlável.

Contemplando o vasto céu, Bella não pôde deixar de fazer uma ligação. As estrelas que salpicavam o céu e o mar eram infinitamente mais

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brilhantes do que os pontinhos luminosos que raramente conseguiam trespassar a neblina de Londres. Assim como a atração sexual de Luke e o amor amigável de Nick, que fora o único que Bella conhecera.

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CAPÍTULO V

A escuridão era total, a não ser pela lua e as estrelas. Bella decidiu sair da água. Seu corpo nu sob o luar a transformava numa figura etérea.

— Maravilhosa. Simplesmente maravilhosa.Foi apenas um murmúrio, mas no silêncio da noite Bella o ouviu

com clareza. Era Luke, que se aproximava, vindo de trás dos coqueiros.Por um momento o pânico a invadiu. Não havia para onde correr ou

onde se esconder. O demônio em pessoa viera buscá-la. Todavia, ela não fizera nada de errado. Não tinha nada a esconder.

Ergueu lentamente os braços e torceu os cabelos. O movimento realçou a curva dos seios e da cintura. Em seguida agitou-os no ar e começou a caminhar em direção ao local onde deixara o sarongue.

Luke a fitava de um jeito totalmente novo.— Cortei uma cena de nudismo do filme. Talvez devesse incluí-la

novamente. É um crime ocultar tanta beleza…— O contrato não mencionava cenas de nudismo!Agora que estava junto de Luke, a coragem de Bella começou a

faltar. Rapidamente se abaixou e apanhou a roupa.— Não. — Ele agarrou-lhe o pulso. — Não o vista. Pode desbotar e

precisaremos dele amanhã também. Onde está sua toalha?— Não a trouxe. Estava caminhando apenas, mas o mar estava tão

convidativo que resolvi entrar.Estavam tão próximos que Bella podia sentir-lhe o perfume. Ele

trajava jeans e uma camisa branca, os pés estavam descalços na areia.— Então vista isso.Ele desabotoou a camisa e ajudou Bella a vesti-la. Ela engolia em

seco. Sua garganta estava apertada.— Por que precisarei do sarongue amanhã? Nós já não terminamos

a cena?— Ainda não.— Mas você disse que estava boa! — ela exclamou, perplexa.— Boa, mas não o suficiente.— Sei que estava. Senti que tudo estava correndo bem — ela

protestou.

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— Quero que sinta ainda mais.Algo na voz de Luke fez o coração de Bella acelerar.— Mandy, você é uma mulher sensual, mas diante das câmeras

fecha-se como uma ostra.— Você não sabe nada sobre mim!— Sei que é uma criatura impulsiva, apaixonada. Olhe-se! — Ele

percorreu os olhos pelo corpo nu, alvo ao luar. — A noite a seduziu, a água a enfeitiçou e sem um segundo pensamento você se livrou das roupas e mergulhou.

— Pensei estar sozinha. Nunca teria feito isso se soubesse que havia alguém por perto.

— Não? — ele zombou. — Não a vi tentando esconder sua modesta timidez sob a água quando eu surgi. Diria o contrário…

— Não sei do que está falando!— Não mesmo? Se eu não fosse um cavalheiro diria que você estava

se exibindo para mim.— Quem está se exibindo é você! Tudo que fiz foi voltar à praia.

Quanto à timidez, era um pouco tarde para isso, não acha? Afinal, você não teve a decência nem de disfarçar que estava me olhando.

— Não se surpreende Afrodite emergindo das ondas e simplesmente se fecha os olhos!

— Afrodite! — ela repetiu com escárnio.— Não havia um espelho, Mandy. Você não pode imaginar o quanto

estava desejável. — Ele a atraiu para mais perto e por um longo tempo apenas a fitou dentro dos olhos. — Você é tão linda…

— Não! — Bella protestou.— Quando a vi se banhando tão livre e distraída, quis correr até

onde estava, carregá-la até a areia e fazer amor selvagemente. Pena que você não pôde adivinhar minhas intenções, pois teria percebido que não havia necessidade de pantomimas.

— Oh, como ousa? — Ela tentou inutilmente se libertar.— Não estou reclamando. — Luke sorriu. — Gostei do show.— Não faria um show para você nem que fosse o último homem

sobre a face da terra!— Não? — Ele rodeou a cintura de Bella sob a camisa. — Chame de

presunção, se quiser, mas não consigo acreditar que a deixe totalmente impassível.

Ele abraçou-a com firmeza e decisão, os dedos afundando

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possessivamente na carne macia.— Não! Ela virou a cabeça de lado, embora seus lábios ansiassem por um

beijo.— Por quê? — Ela afrouxou o abraço. — Existe um outro? Alguém

que tenha deixado em Londres?— Não se trata disso. Eu…— Então não temos nada com que nos preocupar — ele murmurou.

— Olhe a sua volta, Mandy. Não há mais nada no mundo. Só você, eu, o mar, a areia, a lua e as estrelas. Há ocasiões em nossa vida que temos de nos agarrar a um momento ou ele desaparece antes que se possa fazer alguma coisa. — Enquanto falava, Luke inclinava perigosamente a cabeça. Bella não tinha forças para protestar.

Imediatamente se perdeu num mar de sensações. Sabia que devia afastá-lo, em vez disso se apertava contra o peito de Luke. Os pêlos escuros roçavam-lhe os seios, os lábios famintos exploravam sua boca, e Bella sentia a cabeça rodopiar.

— Mandy — ele sussurrou. — Não me lembro de já ter desejado tanto uma mulher.

Mandy! Ela abriu os olhos. Não era Mandy, era Bella! Estava bem no centro de uma intricada rede de mentiras, e Luke poderia se tornar tanto a vítima como o carrasco daquela farsa.

— O que aconteceu? — Ele recuou. Bella ergueu os olhos para Luke e seu coração se apertou. Nunca

vira um homem tão bonito, tão dominado por um desejo.— Não quero… Deixe-me em paz.— Por quê, Mandy? Você não é uma criança! — Ele deixou os braços

caírem ao longo do corpo num gesto de derrota.— Eu…— Não venha me dizer que não está interessada. Nós dois sabemos

o que estamos sentindo.— Já conheço seus métodos, Luke!— Que métodos? — Ele passou a mão pelos cabelos, os olhos

faiscando. — Adoraria fazer amor com você, admito, mas não tenho o hábito de forçar as mulheres, se é a isso que está se referindo. Bastou me dizer que parasse… — Ele deu de ombros.

— Não é em mim que você está interessado. Oh, sim, adoraria fazer amor agora. Uma praia deserta, uma noite quente e enluarada… — Bella se

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sentiu sufocar. — Mas não sou boba. Sei o que você realmente quer!— Pode me dizer o que quero, então? — Ele a desafiou, a voz

áspera.— Você quer me trabalhar, me liberar para que represente melhor

diante das câmeras. Sabe que Guy não me excita, por isso decidiu me provocar para conseguir o que queria. Tem feito isso há dias… todos aqueles olhares e toques. Deu certo, confesso, mas não sou tão imbecil a ponto de acreditar que tenha sido real.

— Pensa sempre assim? — Ele deu um passo à frente e apertou-lhe os braços.

— O que está querendo dizer?— Sempre foi tão fria, Mandy Latham? Sempre permitiu que o

cérebro comandasse suas emoções? — Ele ergueu a cabeça para o céu. — Tem razão, é uma praia deserta e uma noite tropical. Somos um homem e uma mulher. O que poderia ser mais natural do que um abraço, um beijo, um envolvimento? Não é um crime… sejam quais forem as razões.

Bella se soltou com um movimento brusco.— Não pode negar minhas acusações! Pelo que o conheço, você me

seguiu de propósito…— É isso que realmente pensa?— Sem dúvida. Você faria qualquer coisa para tornar seu filme um

sucesso.Um longo silêncio se seguiu.— Talvez você me entenda mais do que eu imaginava — ele admitiu

com um sorriso que logo se transformou numa expressão dura e acusadora. — Em primeiro lugar, resolvi passear pela praia para ficar sozinho, assim como você. Não esperava encontrá-la. Acho que nem queria que isso acontecesse. Em segundo, nunca poderia fingir atração por uma mulher e muito menos fingir que desejava fazer amor com ela. Posso ter muitos defeitos, mas ser um gigolô comercial não é um deles!

— É essa a resposta para minha pergunta? — Ela o fulminou com os olhos.

— É a resposta para o que estou sentindo.— Obrigada. — Ela reuniu o que restou de sua dignidade ofendida.

— Não me esquecerei de ter isso em mente. Agora, se me der licença… — Ela apanhou o sarongue e saiu correndo.

Ao acordar, Bella rezou para que tudo houvesse sido um pesadelo, mas a primeira coisa que viu quando abriu os olhos foi a camisa branca de

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Luke pendurada numa cadeira.— Oh, não. — Ela fechou os olhos novamente. Que loucura a

possuíra para permitir que Luke a beijasse daquele jeito para em seguida rejeitá-lo com tanta raiva? A situação, que já era ruim, agora ficaria péssima quando tivesse de filmar.

Alguém bateu com força à porta.— Entre.Caroline entrou no quarto com um ar frio e superior.— Ainda na cama, Mandy? Deve ter tido uma noitada.— O que quer, Caroline?— Luke me mandou verificar suas roupas a serem lavadas e

passadas. Pelo jeito deve ter necessitado salvar alguma donzela em perigo, a noite passada.

— Suas suposições estão erradas. — Bella se sentou e tentou ajeitar os cabelos.

— Está perdendo seu tempo em perseguir Luke. — Caroline a fitou com ironia. — Oh, ele demonstrará interesse por um certo tempo, até conseguir o que quer, mas não espere que seja para sempre,

— A camisa está ali, Caroline. — Bella apontou para a cadeira. — Por que não a pega e vai embora?

Com uma lentidão insolente a moça a recolheu e examinou o quarto.— Você lê bastante, não é?— É crime, por acaso?Caroline se dirigiu para a porta, mas, antes de sair, olhou Bella sobre

o ombro.— Aceite um conselho… Saia do caminho de Luke Retford.— Minha nossa! É uma ameaça?— Um conselho… para o seu próprio bem.— É isso que as pessoas sempre dizem quando só pensam em seus

próprios interesses!Caroline riu sarcasticamente.— Meus interesses estão muito bem protegidos, obrigada.— É mesmo? Por que, então, está tão preocupada comigo?— Não estou preocupada, Mandy. Já vi isso acontecer inúmeras

vezes. Todas as lindas atrizes perdidamente apaixonadas pelo grande diretor. É rotina. Duvido que Luke saiba distingui-las passado algum tempo. O fato é que odeio ver mulheres se fazendo de tolas, principalmente quando se atiram nuas na água diante dele…

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— Não fiz isso! — A raiva fez com que Bella saltasse da cama. — Luke lhe disse isso?

Caroline arqueou as sobrancelhas.— Não demora muito para funcionar.— Pois eu vou lhe contar exatamente o que aconteceu. Fui dar um

passeio e como não havia ninguém à vista, resolvi nadar. Não fazia a menor idéia de que Luke pudesse estar por perto, caso em que nem sonharia em entrar no mar. Mas ele estava e me viu. Insistiu que vestisse sua camisa para não arriscar perder o sarongue, que seria usado nas filmagens de hoje. Foi o que aconteceu. Agora, por que não pega a camisa e se vai?

— Esquece que eu conheço Luke há muito tempo… — Caroline cruzou os braços.

— O que isso significa?— Você sabe.Um rubor de consciência pesada coloriu o rosto de Bella.— Se está pensando que tivemos uma noite maravilhosa de amor

sobre a areia, está redondamente enganada.— Oh, não foi isso que quis dizer. Luke chegou ao hotel como um

urso ferido, e passou a noite inteira trabalhando. Um sinal seguro de frustração!

Bella sentiu-se enrijecer ao ouvir as palavras de Caroline, de que Luke a procurara após a briga na praia.

— Qual é seu problema, então?— Nunca a julguei mulher de uma única noite, Mandy, mas se a

noite de ontem foi a abertura de sua campanha, esqueça. Luke não tem tempo nem inclinação para envolvimentos amorosos duradouros.

Por mais injustas que fossem as palavras, tiveram o poder de atingir dolorosamente o coração de Bella. Caroline percebeu e se aproveitou.

— Pois é, Mandy, ele tem a mim e o trabalho. Não precisa de mais nada. É melhor que se convença disto agora e se poupe de preocupações.

— A única pessoa que está me dando preocupações é você. Por que não me deixa em paz?

Caroline mais uma vez lançou um olhar de escárnio para Bella, que se sentia a ponto de explodir de raiva.

— É claro que também deve ter suas preocupações. Afinal, é estranho que precise alertar as pessoas a respeito do seu namorado. Não seria por ele não se mostrar suficientemente feliz a seu lado?

Para satisfação de Bella foi a vez de Caroline corar e fugir.

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Assim que Bella chegou ao local de filmagem, Luke imediatamente se dirigiu a ela.

— Oi, Mandy, já se recuperou de seu passeio noturno pela praia?— Não houve nada de que eu precisasse me recuperar. — Ela o fitou

diretamente nos olhos.Mentira. Só por estar perto dele Bella sentia tremerem-lhe as pernas.Ele sorriu com aqueles lábios sensuais, dentes branquíssimos, lindo

num short e camiseta pretos.— Para mim, houve. Eu estava frustrado demais para poder dormir.

A cada vez que fechava os olhos via você emergindo das águas. Gostaria muito de ter feito amor com você ontem à noite — ele confessou francamente. — Não apenas pelo próprio bem de minha saúde, mas também por sua tensão nervosa.

Inesperadamente ambos começaram a rir e todos os ressentimentos e frustrações se transformaram numa aceitação mútua do jogo que os envolvera.

— Quanto às filmagens, você dará tudo de si, Mandy, por favor? Tudo que sei que é capaz?

— Farei o melhor possível.Mais tarde Bella considerou que Luke o fizera novamente.

Conseguira injetar sensualismo em suas veias, pois suas cenas com Guy positivamente pulsavam. As câmeras filmaram tudo em silêncio absoluto. Na mente de Bella, as lembranças da noite anterior, quando Luke a abraçara e beijara com paixão.

— Caramba! — Guy brincou. — Acho que não é segredo para ninguém o quanto apreciei a cena, Mandy! Você será uma estrela!

— Como me saí? — Bella quis saber enquanto caminhava em direção a Luke, os olhos brilhando de triunfo.

— Como se sente?— Bem.— Bem — ele ironizou. — A garota quase provoca um incêndio nas

lentes das câmeras e diz apenas que se sente bem? — Inesperadamente Luke roçou os lábios contra a boca de Bella. — Você foi fantástica, Mandy, finalmente!

— Luke. — Caroline se materializou ao lado deles. — Temos de repassar a programação.

Luke imediatamente apanhou os papéis.— Faremos isso durante o almoço. — Ele passou a mão pelos

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cabelos. Seus olhos estavam marcados por olheiras escuras. Seria responsável realmente pela noite de insônia de Luke?, Bella cogitou. O pensamento a fazia vibrar, mesmo que Caroline o afastasse de sua presença.

— Esta noite haverá uma comemoração — Luke gritou a alguma distância. — Para todos.

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CAPÍTULO VI

Guy apressou o passo. Ao chegar junto a Bella, colocou o braço sobre seus ombros.

— Almoça comigo?— Oh, estava pensando em descansar… — ela respondeu sem

pensar, mas um olhar a Luke a fez mudar de idéia. — Mas acho que vou aceitar seu convite, Guy.

Ele a levou para uma mesa no terraço que dava para a piscina, distante dos demais.

— Brindo a sua atuação sensacional. — Ele a fitou com malícia. — Ao menos em mim, funcionou!

Bella sentiu que corava. Entendia perfeitamente ao que Guy estava se referindo.

— Luke e eu tivemos uma conversa ontem a noite. Eu tinha de conseguir representar com naturalidade, ou não valeria a pena insistir em minha carreira.

— Luke, sempre Luke! — Guy protestou.— Você já trabalhou diversas vezes com ele, não é? Deve conhecê-lo

muito bem.— Este já é o quinto filme com ele. É o melhor dos diretores, jovem

Mandy — Guy se deteve —, mas é a morte para as mulheres.— O que quer dizer?— Quero dizer o que já disse antes. Só existe um amor para Luke, e

esse amor é o cinema. As mulheres mais lindas estão sempre se atirando a seus pés, a troco de nada…

— Ele não se interessa?— Oh, Luke é um homem normal. — Guy sorriu. — Gosta muito

das mulheres, mas nenhuma consegue dele mais do que uma ligação temporária. Se Luke não as dispensa, Caroline o faz. Ela é perita em afastar a concorrência.

— Luke parece confiar muito nela — Bella comentou apenas, embora se lembrasse perfeitamente da cena desagradável daquela manhã.

— Ela é seu braço direito. Já lhe disse uma vez que deveria fazer de Caroline uma mulher honesta! — Guy começou a rir.

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— Muitos homens de sucesso surgem através do apoio de mulheres interessadas e competentes. Quem é a sua?

— Você já deve ter lido nos jornais sobre Verônica e eu.Em algum lugar de sua memória estava uma breve anotação sobre o

recente divórcio de Guy, mas Bella não se dera ao trabalho de ler o comentário, pois jamais pensara em se relacionar com o artista.

— Oh, sim, desculpe. Foi falta de tato minha.— Não tem importância. Minha vida é um livro aberto. Sempre foi.

Ninguém precisará ir em busca de segredos quando eu morrer.Bella sorriu com ternura. Guy de Vere era um homem simpático,

afinal de contas.— Fale-me sobre você, Mandy. O que tem feito nos últimos tempos?— Procurado trabalho! Pode bem imaginar o quanto significou para

mim este papel! — Ela pestanejou ao ver Luke e Caroline .— Pensou alguma vez em desistir?— Não, nunca.— Paciência e determinação é o que mais se precisa nesta profissão.

Mas certamente você fez alguma coisa…— Uma ou outra peça teatral. Nada de interessante — ela mudou

rapidamente de assunto. — Conte-me sobre você. É difícil acreditar que um astro de sua importância tenha sido um principiante algum dia.

Conforme Mandy corretamente previra, ninguém prestaria atenção em sua história, caso tivesse oportunidade de falar de si própria. Foi o que aconteceu com Guy até que uma sombra escura se projetou sobre a mesa.

— Guy, vou tirar-lhe uma mulher bonita e substituí-la por outra — Luke brincou. — Preciso discutir alguns detalhes com Mandy, Caroline porém lhe fará companhia.

Caroline sorriu para Guy com azedume. Este disfarçou imediatamente a irritação.

— É um prazer.Luke segurou Bella pelo cotovelo e a conduziu por entre as mesas.— Fiz algumas modificações no roteiro. Você esteve tão fantástica

hoje de manhã que resolvi aumentar seu papel. Quero que me dê o máximo que puder.

Estavam chegando ao bangalô que era usado como cenário do quarto de hotel que Grayson ocupava.

— Ouça com atenção, pois temos muito pouco tempo. A equipe está contratada para até as quatro horas de hoje. Horas extras envolverão novos

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acordos. Reflita! Dee acompanha Grayson a seu quarto. Está calor, e as persianas abaixadas. Ele a trouxe para cá, talvez a tenha beijado… as possibilidades ficarão por conta da audiência… e a deixou só por alguns instantes para ir ao banheiro. O que estaria sentindo neste momento?

Bella olhou para ele e nada disse a princípio.— Um pouco de nervosismo?— Talvez. O que mais?Ela começou a pensar na hipótese da cena se tornar verdadeira. Ela e

Luke. Como se sentiria?— Excitada, impaciente para que ele voltasse para o quarto, com

medo de que fosse apenas um sonho…Luke a segurou pelos ombros, os olhos fixos nos dela.— Continue.O sangue de Bella fervia nas veias. Juntos, sozinhos, a cama

arrumada como se os convidasse ao amor. Não, não era uma suposição que Luke lhe pedia.

— Você já se sentiu assim? Já se apaixonou por alguém? Bella concordou com um movimento de cabeça.— Então sabe como é… — ele continuou lentamente. — Sente

necessidade de devorar seu homem e ser devorada por ele, quer estar junto dele todos os momentos…

A voz de Luke foi sumindo, as feições ficando tensas, os lábios se entreabrindo. Não houve tempo para Bella piscar. Luke se inclinou e tomou-lhe a boca. Foi um beijo quase desesperado. Luke, também, parecia ter sido pego de surpresa por seus sentimentos.

Foi um beijo diferente do que tinha acontecido na noite anterior. Parecia estar temperado com o veneno do desejo e com uma emoção genuína.

Quando ele se afastou um pouco e a chamou pelo nome da irmã, Bella fechou os olhos, angustiada. Seu gesto, entretanto, teve um outro significado para Luke, que a abraçou com mais força e a beijou longamente.

Quando finalmente a soltou, estava sem fôlego, e os olhos brilhavam.

— Acredite ou não, não foi premeditado. Nada disso fazia parte dos meus planos, embora não possa dizer que esteja arrependido.

Bella olhou para o chão com medo de revelar seus sentimentos, seu desejo irracional…

— Veio do coração — Luke continuou. — Prazer e não trabalho, mesmo que você não possa acreditar neste momento.

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Ela se manteve calada. Não sabia o que dizer nem o que pensar.— Venha! — Ele suspirou. — Ao trabalho!Imediatamente encarnou a figura exigente do diretor, empurrando-a

para lá e para cá, para lhe ensinar os movimentos necessários. Bella obedecia como um robô, ainda dominada pelas sensações causadas pelo beijo.

— A última cena será aqui. — Luke a levou até a janela. — Você estará olhando através da persiana. A câmera estará por trás. — Ele se colocou por trás de Bella. — Quero que você comece a desamarrar languidamente o sarongue. Assim… e não se preocupe. Ninguém a verá nua. Apenas o contorno maravilhoso de suas costas.

Bella estremecia com a respiração morna de Luke em sua nuca, com a sensação das mãos presas entre as dele, e pela certeza de que o momento deixara de fazer parte do mundo-de-faz-de-conta do cinema, para se tornar real a ambos.

Por um longo tempo Luke não se moveu, não fez nada. Ela, contudo, dava asas à imaginação. Pensava em Luke despindo-a, apertando-lhe os seios. Se isso acontecesse, tinha certeza de que não conseguiria resistir, de não querer resistir.

Lenta, muito lentamente, ele encostou os lábios em sua nuca. Bella estremeceu profundamente, o corpo se contraindo dolorosamente de desejo.

— Mandy… — Luke, a voz rouca, parecia querer lhe perguntar algo no instante em que a porta foi aberta e deu passagem para um homem.

— Oh, desculpe. — Ele se voltou para sair. Os lábios congelaram sobre a pele de Bella, mas Luke, em seguida, respondeu com a maior calma:

— Trata-se apenas de trabalho, Keith. Estou ensaiando com Mandy a cena desta tarde. — Ele a soltou. — Quer preparar as luzes?

Bella se apressou a colocar o sarongue no lugar. Para seus sentidos alterados a mentira de Luke era inútil. Keith certamente percebera a vibração no quarto. Luke, contudo, estava totalmente controlado.

— Hora de se maquiar — ele a instruiu. — Não se esqueça de maquiar as costas.

Teria sido real? Bella se perguntou enquanto se preparava para a noite de comemoração. A filmagem fora esplêndida. Conseguira atuar como se estivesse a sós com Luke e quisesse impressioná-lo e seduzi-lo.

Será que ele a beijara em preparação à filmagem ou por que não resistira ao impulso de tomá-la nos braços?

— Oh! — Ela gemeu e jogou a escova de cabelo no chão. Em cinco minutos deveria estar pronta para se encontrar com Luke, Guy e Caroline, e

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irem jantar no hotel junto à praia. Não queria ir, mas Luke não lhe dera outra opção.

— Oh! — Ela suspirou novamente. Estava ansiosa naquele instante para estar em sua própria pele, em sua própria vida. Só que sua vida havia mudado. Não era mais a mesma Bella Latham do Centro de Saúde. O sol lhe bronzeara a pele e produzira reflexos dourados em seus cabelos. Sentia-se melhor do que antes e não desejava voltar a ser a mesma, tinha de admitir.

Havia um outro problema também. Por muitos anos vivera exclusivamente para o trabalho, mas Luke fizera seu corpo despertar e vibrar. Ensinara-a o quanto ela estava perdendo em alegria e emoção.

A dificuldade maior era que Bella deixara de existir e que não poderia mais continuar fingindo ser Mandy, a atriz. Viera a Maurício como Mandy, e de alguma forma perdera sua identidade no caminho.

Suspirou e se vestiu, o coração pesado ao imaginar a noite que teria pela frente. Guy tentando “cantá-la”, Caroline se insinuando a Luke.

Mordeu o lábio ao pensar na grande probabilidade. Sentia ciúme de Luke e não tinha direito algum sobre ele. O que quer que houvesse acontecido na praia ou naquele quarto, fosse ou não real o desejo que os jogara um nos braços do outro, ela não passava de mais uma “artistazinha” que Luke conquistara para abandonar em seguida.

Guy e Caroline já não a haviam alertado? Teria de ser muito tola para ignorar os avisos e procurar a maior encrenca de sua vida.

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CAPÍTULO VII

Luke dirigia ao longo da orla, rumo ao sul da ilha. A brisa marítima os atingia por todos os lados do jipe. Caroline, é claro, estava sentada ao lado de Luke. Bella e Guy ocupavam os assentos traseiros.

— Como é bom sair um pouco. — Guy acendeu um charuto. — A gente começa a se sentir humano outra vez.

— É verdade — Caroline riu. — Talvez Luke devesse incluir ao menos uma noite livre por semana em todos os contratos.

— Não funcionaria, você sabe. Lembra-se quando filmamos por quatro semanas no deserto da Tunísia? Onde poderíamos ir? Quase nem tínhamos o que comer. Oh, foram os piores dias da minha vida.

— E da minha — Caroline concordou. — Foi quando resolvi me demitir.

— É mesmo? — Luke se virou para ela, incrédulo. Bella precisou olhar para o outro lado, tanto o ciúme que sentiu.— Cheguei a lhe entregar o pedido. Você nem sequer abriu o

envelope. — Caroline se dirigiu a Guy, como se Bella não existisse. — É típico dele. Sabia que atrapalharia seus planos, por isso deixou o tempo passar na esperança de que eu desistisse.

— Deu certo, não deu? — Luke começou a rir. — Afinal, para que lhe pago um salário tão alto, se não para resolver meus problemas?

A camaradagem entre eles era tangível e fazia Bella sofrer terrivelmente.

O melhor que tinha a fazer era se distrair com a paisagem. Em breve estaria de volta a Londres e não mais teria oportunidade de ver aquele mar tropical com suas ondas espumantes sobre os rochedos de corais.

Em pouco tempo chegaram ao hotel. Guy marchou diretamente para a mesa reservada no terraço, sem lançar sequer um olhar à suntuosa decoração do hall e do restaurante.

— Parece que você não aprecia visitar novos lugares — Luke comentou assim que se sentaram.

— Conheço o mundo inteiro, Luke, e posso afirmar honestamente que prefiro as pessoas aos lugares. — Ele piscou para Bella. — Especialmente algumas pessoas.

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Bella desviou os olhos de Guy e ficou presa ao hipnotismo de Luke. Era a primeira vez que se fitavam naquela noite e o coração de Bella disparou. Luke estava incrivelmente atraente, uma aura de felicidade a seu redor que certamente provinha da satisfação de um bom dia de trabalho. Bella não pôde resistir ao impulso de se embebedar naqueles olhos, antes de voltar a dar atenção a Guy.

A conversação fluía facilmente entre os dois homens e Caroline. Bella se manteve em silêncio. Sua contribuição ocasional resumia-se em sorrisos e movimentos afirmativos ou negativos com a cabeça. Não conseguia se concentrar em mais nada, a não ser no rosto de Luke e em seus cabelos. Foi completamente pega de surpresa quando ele se virou e indagou:

— Você trabalhou com ele uma vez, não trabalhou?— Eu… me desculpe. Eu não estava…— Lou Mecker. Ele a dirigiu em Tempo de anjos.— Eu… — Bella se debatia como um peixe fora d'água.— Tempo de anjos — Luke repetiu, uma ruga de estranheza entre as

sobrancelhas. — A minissérie em que você trabalhou o ano passado.— Oh, sim! Nós a chamávamos simplesmente “Anjos”. O título

completo me confundiu — Bella improvisou uma explicação.— E então? Como ele é? Corresponde à reputação? — Guy quis

saber.— Eu… er… sim. Acho que sim.Os olhos de Luke não se afastavam do rosto de Bella.— Que reputação? — Caroline indagou a seguir.Bella respirou fundo e rezou por um auxílio, que chegou, mas não

antes que Luke notasse sua confusão.— Bebida principalmente. E um gênio irascível.— Eu assisti o seriado — Luke a informou. — Você fez um bom

trabalho. Aliás foi por causa dele que comecei a pensar em contratá-la para o papel atual. Não que você impressionasse muito na primeira exibição, lembra-se?

Bella tentou se lembrar das anotações de Mandy.— Eu estava com laringite. Mal podia falar.— Exatamente. — Luke sorriu, para seu grande alívio. — Eu não

tinha meios para saber se você era boa ou não. Felizmente valeu a pena lhe dar uma segunda chance.

Um sorriso radiante se estampou no rosto de Bella ao imaginar a felicidade de Mandy, se pudesse ouvir o elogio.

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— Quase não falou esta noite, Mandy — Luke comentou em seguida. — Conte-nos algo sobre sua vida. Esteve em Guildhall, não? Deve ter conhecido Diana Seabrook.

— Estive lá, mas não a conheci.— Não trabalharam juntas?— Sim, mas não tínhamos mais nada em comum — Bella explicou, o

pânico invadindo-a.— Qual foi seu melhor papel até o de agora? — Luke prosseguiu.Certamente estava percebendo que havia algo de errado, embora

não pudesse saber o quê. A mente de Bella voltou a vasculhar as anotações. Graças a Deus tinha uma ótima memória.

— Gostei de participar da peça Rei Lear, onde fui Cordélia, embora se tratasse de uma péssima produção.

Luke sorriu, a expressão mais gentil.— Você é um mistério para mim, Mandy Latham.— Não vejo o por quê.— É tão calada, tão evasiva. Parece não gostar que lhe façam

perguntas. Não estou acostumado a atrizes como você.— Detesto falar sobre minha pessoa! — ela respondeu com tanta

veemência que todos os três arregalaram os olhos. — Não sou alguém interessante. Não fiz nada de interessante. Não sei inventar boas histórias, e não estive em nenhum lugar interessante. Ao contrário de vocês, que conhecem até o deserto da Tunísia. — Ela sentiu lágrimas lhe brotarem aos olhos. Dirigiu-se propositalmente a Luke. — Está sempre me olhando como se eu tivesse algo para esconder. Por acaso é crime preferir ficar quieta no meu canto e simplesmente ouvir o que os outros têm a dizer?

— Ei, acalme-se! — Luke acariciou-lhe o braço. — Ninguém está acusando-a de nada.

— Tome mais um drinque, Mandy — Guy aconselhou. — Deixe a pobre garota em paz, Luke. — Bella olhou-o agradecida e sorriu. Guy imediatamente se aproveitou de sua fraqueza e abraçou-a. Luke acompanhou o movimento e franziu o cenho.

Caroline não perdeu tempo em encorajar a nova ligação. Assim que deixaram o restaurante, já de madrugada, indicou a Guy e Bella o assento traseiro.

— Os dois pombinhos podem se aninhar aí atrás. — Guy imediatamente atraiu Bella para mais perto. Ela devia ter bebido mais do que imaginara, pois sentia-se fraca e cansada demais para protestar.

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Quando chegaram no hotel, Guy apontou para o mar perolado ao luar.

— Vamos nadar, Mandy?— Não, Guy, é muito tarde.— Um passeio, então, para desanuviar nossas mentes.Bella olhou para onde Luke e Caroline conversavam, esta com a

mão familiarmente apoiada sobre o braço dele.— Está bem — ela concordou por fim.A beleza da noite tocou-a profundamente. O mar estava calmo e a

areia sob seus pés ainda morna. Lembrou-se de Luke e em como fora bom estar entre seus braços. Se fosse ele a seu lado naquele instante, não conseguiria negar-lhe nenhum pedido.

Mas era Guy quem estava a seu lado, cheirando a uísque e charuto, e apertando-a cada vez mais.

— Acho que vou voltar — Bella o avisou depois de algum tempo de caminhada.

Deram meia-volta e percorreram o mesmo caminho até chegarem ao bangalô de Bella, que imediatamente começou a procurar a chave dentro da bolsa. Guy se aproveitou de sua distração para beijá-la.

Já haviam se beijado antes, mas fora um gesto mecânico, presenciado por várias pessoas. Naquele instante, Guy parecia outro homem.

— Não. — Ela o empurrou. — Por favor, não…— Deixe de brincadeiras, Mandy — ele protestou sem soltá-la.

Estava mais embriagado do que Bella imaginara.— Não estou brincando. Estou cansada e quero dormir. Solte-me.— É claro que quer dormir, e eu também. Para isso estamos aqui. —

Guy entreabriu os lábios e procurou introduzir a língua em sua boca.— Não! — ela gritou.— Oh, benzinho, sei que está louca por mim. O que aconteceu hoje

na filmagem não foi ficção, foi real. Não precisa se fazer de difícil para mim.— Não estou fingindo! Tire suas mãos de cima de mim!— Gosto de gatas selvagens — ele murmurou, enquanto a prendia

contra a parede.O pânico a fez lutar para se defender. Não conseguia se soltar, por

isso cravou as unhas nas costas de Guy.— Ai, você vai me deixar marcas — ele reclamou. — Mas, se prefere

assim…— Oh! — Bella não podia acreditar que aquilo estivesse acontecendo

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com ela. Já vira em filmes, já lera em livros, mas nenhum homem lhe rasgara a roupa antes.

Os olhos arregalados, a respiração entrecortada, ela se debatia. Pelo canto dos olhos viu em certo momento uma sombra correndo na noite. Um segundo depois Guy foi afastado pelo colarinho da camisa.

— Que diabo está fazendo? — Luke o desafiou, e em seguida olhou para Bella. — O que está havendo?

Bella cruzou os braços. O vestido rasgado deixava os seios quase que totalmente à mostra.

— Ele queria…— Não o encorajou a isso?— Não! Claro que não! — ela gritou, histérica. — Por que os homens

sempre procuram culpar as mulheres?— A danadinha estava pedindo por isso. Você a conhece, sabe a que

me refiro. Já vi os dois juntos…Guy não pôde completar a frase. Foi surpreendido com um violento

soco, que o derrubou inconsciente.— Você o matou! — Bella cobriu a boca com as mãos.— Só o coloquei para dormir. Aliás, a bebida o fez por mim. — Luke

o olhou com desprezo. — Dê-me sua chave.— Não pode deixá-lo ali — Bella comentou quando Luke

destrancou a porta.— Por que não? Não será devorado pelas formigas. Posso garantir

que elas não apreciariam o sabor.— Mas não acha que deveríamos colocá-lo na cama?— Quando ele acordar, tropeçará na noite e sentirá pena de si

mesmo. Guy é uma boa pessoa quando sóbrio, mas embriagado é insuportável e infeliz. Isso não é novidade para ele nem para os que o conhecem.

Bella olhou para a massa inerte no chão. Ela ainda tremia.— Esta cena não combina com a imagem que a imprensa transmite

ao público.Luke lhe dirigiu um estranho olhar de esguelha.— É o mundo do cinema. Nada é real. Os artistas em sua maioria

são como Guy, não conseguem separar a realidade da ficção.— E você?— Sempre soube separar as coisas, e sinto que o mesmo acontece

com você, que também tem a cabeça no lugar.

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— Com exceção desta noite. — Bella abaixou os olhos.— É melhor entrar. — Luke a empurrou gentilmente até a cama,

onde procurou examinar-lhe o peito. Haviam manchas avermelhadas e arranhões nos seios, que Luke tocou de leve.

Bella enrijeceu ao contato tão suave e diferente da violência que acabara de sofrer.

— Foi molestada por um homem e teme que outro o venha substituir. — Ele suspirou e apertou os punhos.

— Não, não foi isso. É que me sinto tão suja, tão envergonhada… como se a culpa fosse minha.

— Foi o que acabou de dizer sobre os homens… que eles sempre culpam a mulher. Porém ninguém jamais pensaria isso de você. E, o que é mais importante, ninguém precisa ficar sabendo o que aconteceu.

— Você sabe.— Sim.— Você ouviu o que ele disse…— Sim.— Oh, não deveria ter passeado pela praia com ele. Estimulei suas

idéias…— Ele já as tinha. Estava de olho em você desde o primeiro dia.— Pensou que eu o desejasse pela forma como atuei esta tarde —

Bella corou ao confessar.— Mas nós dois sabemos a verdade, não é? — Ele a olhou com

firmeza.Bella se levantou e começou a andar de um lado para o outro. Luke

também se levantou, mas não se aproximou de Bella.— O que gostaria de fazer? Quer um drinque? Quer que eu me vá?

Guy não a incomodará novamente.— Não… não sei.Bella se deteve junto a janela e ficou olhando o mar. Num impulso

se virou para Luke.— Quero andar. Quero andar pela praia. — Subitamente parecia-lhe

imperativo sair e respirar o ar balsâmico para colocar seus pensamentos em ordem.

— Não acho que seja uma boa idéia, a menos que planeje ir sozinha. Assim mesmo não seria seguro.

Só que Bella precisava de Luke a seu lado para poder apagar a imagem horrível de Guy de sua mente. Seu olhar aberto e suplicante,

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contudo, provocou-lhe raiva.— Mandy, encare a situação! Reflita no que está me pedindo. Não

sou um príncipe encantado sempre pronto a te salvar. Não me tornei um santo apenas por ter chegado a tempo de impedir que Guy a violentasse. E olhe para o céu. Já viu algum cenário mais romântico dó que este?

— Pare! — ela implorou.— Só quero que encare a verdade. — Luke se aproximou. —

Esqueceu o que houve ontem à noite? Esta tarde? Sabe como estão as coisas entre nós…

— Não, não sei! — ela negou com um movimento brusco. — Tentei adivinhar, mas não cheguei a nenhuma conclusão razoável.

— Oh, quantos anos tem, Mandy? Vinte e três, vinte e quatro? Não é mais um bebê de colo. A esta altura já devia estar ciente dos simples fatos da vida.

— Simples? Não há nada de simples em você, Luke Retford. É tão desonesto quanto qualquer outro homem que conheci.

— Há fatos tão simples que não existem meios de complicá-los. — Ele a agarrou pelo braço com fúria. — Por que não me ouve? Estou fazendo isso para o seu próprio bem. Não sou feito do mesmo material que Guy. Sei respeitar uma mulher, mas temo não conseguir me dominar com você.

Aquele não era o Luke profissional e manipulador que conhecera. Era o homem mais sincero que conhecera. Tinha vontade de retribuir com beijos a torrente de palavras que ele lhe atirara.

O ímpeto foi tão forte que ela chegou a dar um passo, mas se deteve em seguida. Parecia ter se transformado em outra mulher. Mandy, talvez? Teria vivido a vida da irmã por tanto tempo que se esquecera de sua própria personalidade?

Não, se havia se transformado, era em uma nova versão de Bella Latham, ou talvez estivesse desenterrando a velha personalidade, reprimida e frustrada, que ansiava pela liberdade.

Luke olhava ao redor, passava as mãos distraidamente pelos cabelos. Os livros! Precisava tirá-los dali antes que fosse tarde.

— Preciso respirar! — ela gritou. — Por favor, venha comigo. Tenho medo de sair sozinha.

— Não ouviu o que eu acabei de dizer? — Luke respondeu com maus modos. — Será que tenho de ser mais claro ainda? Mandy, não quero magoá-la, especialmente depois do que já passou esta noite. Minhas intenções não podem ser chamadas de boas. Você está me considerando um

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companheiro para um passeio. Não é nisso que estou pensando.Bella continuava olhando para ele, sem falar.— Com o diabo, Mandy, por que não está querendo entender? Não

me sinto seu amigo neste momento. Teria um enorme prazer em acompanhá-la ao luar, mas não posso prometer que minhas mãos não tentarão tocá-la. Se sairmos juntos, tenho certeza que acabaremos fazendo amor.

Bella continuou calada por mais algum tempo. Quando falou, não havia dúvida em sua voz.

— Nesse caso, que aconteça o que tenha de acontecer.

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CAPÍTULO VIII

Era estranho, mas as palavras que soaram a Bella como uma selvagem declaração, afastaram-na de Luke. Passaram pelo gramado do hotel, sob as fileiras de coqueiros e palmeiras, até chegarem à praia. Luke a seu lado, mas a uma distância prudente, as mãos dentro dos bolsos.

— Onde está Caroline? — ela indagou, de repente.— Na cama, suponho. — Ele a olhou de esguelha.— Ela não vai… — Bella se calou a tempo. Pretendia perguntar se

Caroline nãò ficaria preocupada por ele demorar a voltar. Seria uma intrusão na vida pessoal de Luke, com o que ele concordou, pois fingiu nada ter ouvido.

— Que sensação estranha! Olha-se ao redor e parece que não há ninguém no mundo, exceto nós. Até Guy sumiu, você notou?

— Pobre Guy. Não deve estar sendo fácil para ele, a separação.— Será? Depois de seis casamentos falidos já deve estar

acostumado. Aliás, só esteve casado por seis meses com Verônica.— Oh, eu não sabia.— Mandy, onde tem se escondido? — Ele parou abruptamente. —

Guy não sai das colunas de mexericos há vinte anos!— Não as leio.— O que lê? Thomas Hardy, já sei, entre uma montanha de outras

coisas.— Como sabe?— O livro de Thomas Hardy estava por cima da pilha, sobre sua

mesinha-de-cabeceira. Devo admitir que fiquei surpreso.— Surpreso por quê?— Pela minha experiência, a maioria das atrizes prefere estar

atualizada à saga hollywoodiana. Vivem pelas suas emoções, não pelo intelecto.

— Alguma coisa de errado com isso?— Nada. É muito bom ler Hardy… ao menos por algum tempo.— Que inteligente! Deve ler Proust todas as noites antes de dormir.— Um fato.— Como pode ser tão arrogante? É por isso que lhe agrada tanto

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dirigir filmes? Para que possa olhar os outros de cima?— Palavras perigosas, Mandy. — Ele estreitou os olhos. — Talvez

deva lembrá-la de que você está sob minhas ordens enquanto não concluir o filme.

— Não estou sob as ordens de ninguém.— Talvez deva lembrá-la de mais alguma coisa — ele prosseguiu

com raiva. — Você não é um grande sucesso como atriz. Pode representar bem, oh, sim, mas precisa de ajuda, precisa de alguém que a faça se sentir como o papel exige. Nesse instante está precisando de mim. Terrivelmente.

— Oh! — Ela gemeu de raiva. Claro que não era uma atriz. Jamais quisera ser atriz. O problema é que não podia contar a verdade, não podia enfrentá-lo em seu próprio território. Estava com as mãos atadas.

Pequenas ondas arrebentavam a seus pés. Bella chutava a água, transformando-a num chafariz de gotículas. O que estava acontecendo com ela? Luke a seguia.

— É a mim que gostaria de chutar, não as pobres ondas — ele comentou após observá-la algum tempo.

Bella se deteve e tentou se controlar.— Desculpe, estou nervosa. Tudo pareceu sair errado esta noite.— Você é temperamental. — Ele sorriu. — E tem o direito de ser.

Toda estrela é temperamental.— Estrela? Ninguém jamais me chamou de estrela!— Também ninguém me disse antes o que você acabou de me dizer.

Sempre há uma primeira vez.Os olhos de Luke estavam fixos nela, fazendo com que seu coração

pulsasse mais depressa. Havia algo subentendido naquela mensagem. Inesperadamente Luke começou a andar em sentido contrário.

— Quer que lhe diga por que estamos brigando como gato e rato desde que começamos a conversar?

— Quero.— É muito simples. Não nos conhecemos, não confiamos um no

outro. Ao mesmo tempo não podemos nos olhar sem sentirmos o fogo nos consumir. Nossa posição é muito vulnerável, não acha, Mandy? Você pensa que eu estou manipulando-a para que desempenhe seu papel a meu contento. Eu penso que… — Luke suspirou. — Não sei que diabo penso de você! De início me impressionou por sua vivacidade e determinação. Agora, contudo, mostrou-se bem mais complicada. Há algo em você que não se encaixa. Para começar, todos aqueles livros e pastas em seu quarto.

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— Não há mistério algum! — ela o interrompeu. — Interesso-me por medicina alternativa. Devo escrever um artigo sobre esse tema para o curso noturno que estou fazendo. — O coração de Bella parecia que iria saltar de sua boca.

— Não é só isso. Há algo mais. Como se seu verdadeiro eu estivesse sempre escondido…

— Sinto muito se não me comporto como todas as atrizes que conhece! E por não ler os mesmos livros! Acontece que eu sou um indivíduo.

— Não pensei que não fosse, nem por um momento. — Ele agarrou-a subitamente pelo pulso, fazendo-a girar sobre si. — Pare de se colocar na defensiva o tempo todo! Será que não enxerga que seu modo de ser me fascina? Você é como um arco-íris. Cada vez que penso que vou conseguir me aproximar, você se dissolve em luz opaca. Está sempre se escondendo, se tornando invisível…

— Talvez esteja procurando em mim algo que não exista.— Não, sinto que existe algo, algo que você não quer que as pessoas

vejam. Às vezes, contudo, você não consegue evitar e se perde em pensamentos secretos.

Luke balançava lentamente a cabeça, a voz se tornando mais rouca.— Sempre a achei bonita, Mandy. Sempre quis fazer amor com você.

Estou ficando louco de desejo. Não consigo mais me concentrar no trabalho. — Ele sorriu, malicioso. — Se continuar assim, o filme será um desastre.

Bella sentia-se derreter ao ouvir aquelas palavras. Queria negar seus sentimentos.

— Eu… você não deveria. Não pode se sentir assim.— Por que não? Disse-me que não existe mais ninguém…— Não me conhece.— Quero conhecê-la.— Não gostaria de mim — Bella respondeu, tensa, Luke abraçando-

a de encontro ao peito.— Por que não?Porque não sou Mandy Latham, ela desejaria poder gritar. Sou uma

impostora! Meu nome é Bella e meu trabalho é parado e monótono segundo os comentários das pessoas. Após esta semana nunca mais o verei. E não posso me arriscar a contar-lhe, pois provavelmente levaria um soco como o que nocauteou Guy há poucos instantes.

— Por que não? — ele insistiu.— Isso não vem ao caso. Talvez eu não esteja assim tão envolvida

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por você como pensa.Luke segurou-lhe o queixo e forçou-a a encará-lo.— Não consegue me enganar. “Que aconteça o que tenha de

acontecer”, certo?— Essas palavras não significam nada. — Bella esforçou-se para

mentir. — Afinal de contas, você afirmou que não é homem de possuir uma mulher contra sua vontade.

Luke soltou-a abruptamente.— Por que está brincando comigo? Aliás, não foi bem isso o que

falei. Sei respeitar uma mulher e se ela me diz que não, é não. Não a ouvi dizer “não”, Mandy.

Bella empalideceu, e permaneceu completamente imóvel.— Responda, Mandy. Afirma honestamente que não queria que eu a

beijasse ontem na praia?Luke fez uma pausa. Bella não respondeu.— Ou esta tarde?Ela ainda não conseguia falar.— Pode responder com sinceridade que nada sentiu quando

estávamos a sós? Que nada teria acontecido se Keith não nos tivesse interrompido? E quanto a Guy? Todo aquele charme era para ele ou para me fazer ciúme?

Em algum lugar o mar parecia sussurrar para eles, mas o som era tão distante como se estivesse além do mundo.

— Ainda não ouvi a palavra — Luke insistiu.Bella lutava consigo mesma. Não era possível que não conseguisse

encontrar forças para pronunciar um simples monossílabo. Nunca soube se venceria ou não, pois Luke não a esperou. Abraçou-a com desespero e beijou-a furiosamente.

Em seguida afastou-se, os olhos brilhando perigosamente, a respiração arquejante. Seu peito dilatava-se como se não conseguisse aspirar o suficiente. Bella levou a mão aos lábios. Podia adivinhar o motivo por ele tê-la soltado com tanta rapidez. O beijo fora uma explosão de raiva, desejo e tensão. Fora intenso demais e o queimara tanto quanto a ela.

Não fora como das outras vezes. Não se tratava mais de um jogo de sedução. Era real. Tão real que nenhum dos dois soube como agir.

— É melhor voltarmos, antes que eu a deite no chão e lhe faça coisas terríveis. — Luke conseguiu brincar, embora seus olhos continuassem escuros.

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— Luke…— Não! Se você não consegue dizer a palavra, eu a direi. Não,

Mandy, não! Não brinque com fogo.Bella precisou andar depressa para tentar acompanhá-lo de volta ao

hotel. Luke parecia estar fugindo de um fantasma. A certa altura, ela precisou levantar um pouco a saia para que pudesse correr atrás dele. Em vão. Uma pontada na cintura a fez desistir. Não sabia exatamente o que acontecera. Só sabia que Luke queria a maior distância possível entre eles.

Permaneceu imóvel por algum tempo, apenas respirando fundo, até a dor passar. Luke também havia se detido, a distância, para esperá-la.

— Está se sentindo bem? — ele indagou ainda com raiva, quando Bella o alcançou.

— Uma pontada no lado, mas já passou.— Vou levá-la para o hotel.O restante do caminho foi feito em silêncio.Ao chegarem, Bella lhe entregou a chave. Era o mesmo filme,

pensou, apenas o elenco havia mudado. Não, o enredo também. Da última vez o homem quis entrar e ela não permitiu. Desta vez era o contrário.

— Luke, o que houve? O que foi que eu fiz?— Nada — ele respondeu, um tom de voz gentil, ao perceber que

Bella estava realmente aflita. — Vá descansar.— Não me trate como se eu fosse um bebê. Sei que está furioso e

gostaria que me dissesse por quê! Se foi alguma coisa que fiz…— Alguma coisa, não. — Luke riu com amargura. — Tudo! Será que

ainda não percebeu como me sinto em relação a você? Todos da equipe já descobriram. Desde que você chegou à ilha, pouco a pouco, foi se infiltrando em meu sangue. A princípio não lhe dei importância. Casos amorosos são uma rotina durante filmagens. Posso me lembrar de meia dúzia, pelo menos, que estão acontecendo nesta noite. Eu próprio nunca fui imune ao encanto de jovens atrizes que me procuravam. Você teve razão ao me censurar. Sinto-me importante como diretor. É uma profissão que confere poder, e poder é o mais forte afrodisíaco do mundo. Quando senti o quanto você me atraía, não pude deixar de imaginar como seria bom tê-la enquanto durasse a semana.

Bella enrubesceu sob o olhar intenso de Luke.— Porém, quanto melhor a conheço, mais impossível se torna a

idéia. Você é especial, Mandy, frágil! Não é do tipo que se entrega a amores passageiros, é? Fico até imaginando, às vezes, se você ainda seria virgem.

— Não, não sou — ela sussurrou. Seria impressão ou uma sombra

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realmente passara pelos olhos de Luke? — Tive um namorado. Pretendíamos nos casar, mas não deu certo.

— E depois dele?— Ninguém.— Não posso acreditar que foi por falta de interessados.— Não, tive muitas propostas, mas nenhum homem conseguiu me

atrair. Pensava que fosse por ainda amar meu namorado. Só soube que ele fazia parte do passado, quando vim para cá.

— Por quê? — Os olhos de Luke a devassavam.— Oh, você sabe o motivo. — Ela virou a cabeça para o outro lado.Luke a segurou pelos ombros e a forçou a encará-lo.— Por minha causa?— Sim.— Oh, Mandy, que situação! — Ele passou a mão nervosamente

pelos cabelos, um tom dolorido na voz. — Há tantos obstáculos… meu trabalho principalmente.

— Estou ciente — ela retrucou, seca, o pensamento em Caroline. — Não é preciso muita inteligência para se enxergar os obstáculos.

Seus olhos mostravam um conflito de raiva e desejo.— Por isso o que você deveria fazer era entrar, trancar a porta no

meu nariz e dormir.— Sim, eu deveria.— Mandy.“Estou louca por ele”, ela pensou naquele instante. “Não, é muito

mais forte do que isso. Eu o amo!”Luke abraçou-a com força e em seguida se afastou para fitá-la. O

que leu naqueles olhos o fez soltá-la.— Vá se deitar, Mandy. Teremos um dia cheio amanhã.— Esta é a última noite — ela gritou com selvageria. — É tudo que

nos resta!— Não, Mandy, não me tente.— Não quero que se vá.— Não quero ir, mas se entrar neste quarto com você, acabaremos

indo para a cama. Amanhã você partirá. Pensou bem?Bella hesitava. Queria-o, amava-o, mas o que seria dela no futuro?— Nada posso te oferecer, nada — ele prosseguiu. — Pode ser que

dê tudo certo para nós, pode ser que não. Ninguém sabe. Não fingirei o contrário. Você vale muito mais do que promessas vazias.

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— Em primeiro lugar, o trabalho — ela repetiu, amarga, a imagem de Caroline em sua mente.

— É a minha vida.— Oh! —Bella se lamentou.— Quer se magoar? — ele gritou. — Sabe muito bem que é isso que

vai acontecer.— Talvez já tenha me magoado o bastante! Não teve tantos

escrúpulos ontem à noite, ou esta tarde, não é? Tinha outros interesses, então.— Estou apenas tentando me comportar decentemente…Luke se defendeu, nervoso.— Não é um pouco tarde para isso?— É assim que pensa?Os dois pareciam prestes a se digladiar, perdidos de desejo e

desespero. Ele tinha razão, é claro que tinha, mas Bella não poderia suportar vê-lo partir.

— Mandy, o que você quer? — ele indagou, agoniado.— Será que ainda não descobriu a resposta?Ele balançou a cabeça, debatendo-se entre a paixão e o bom senso.— Não quero fazê-la sofrer.Lágrimas ardentes umedeciam os olhos de Bella.— Tudo o que quero é que você me beije.

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CAPÍTULO IX

— Oh, meu Deus! — Mandy exclamou, horrorizada. — Você teve um caso com ele? Teve um caso com Luke Retford? Não posso acreditar no que estou ouvindo.

— Espere, ainda não terminei. — Bella olhou miseravelmente para a irmã. — Por mim, eu teria sido amante de Luke, não vou negar, mas não fui.

— Por quê? O que aconteceu?— Caroline.— Oh! — Mandy suspirou. — Aquela bruxa!Bella fechou os olhos. Quando decidira contar tudo a Mandy, não

imaginara que seria tão difícil. Já conversavam há horas, desde que o avião aterrisara em Londres pela manhã, e ainda não havia chegado à parte principal.

— Espere um pouco. — Vou fazer mais um pouco de café.Sozinha, Bella permitiu que as lembranças voltassem livremente.A férrea determinação de Luke não resistira a seu apelo. Quando a

beijara, sentira-se derreter com a doçura daquela boca. Luke não a tomara nos braços com a urgência daquela paixão que os unia, mas com um autocontrole que a assombrava. Receosa que ele a deixasse, Bella se aninhou naquele peito forte e beijou-o com volúpia.

Arrepios de prazer o sacudiram e ele começou a deslizar as mãos pelos cabelos, pelo pescoço, pelos braços de Bella. A febre do desejo incendiava-lhe a boca, a língua.

— Mandy? — ele murmurou após algum tempo, o rosto corando, os olhos brilhantes.

O nome falso atingiu dolorosamente o coração de Bella, que apoiou a testa sobre o ombro de Luke, para que ele não visse sua tristeza. Luke considerou o gesto uma hesitação.

— Eu irei embora, se você não quiser. Não sou Guy. Mas, por favor, faça-o agora, e não mais tarde.

Em resposta, Bella o beijou e o abraçou com força.— E o que aconteceu depois? — Mandy retornou ao quarto com

uma fumegante xícara de café. — Até que ponto vocês chegaram? Ou melhor, até que ponto eu cheguei?

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Ambas as irmãs se olharam com desespero.— Não era minha intenção, Mandy. Verdade. Não sei o que se

apossou de mim.— Luke Retford se apossou de você — Mandy respondeu

sucintamente. — Ele é famoso por isso.— Sim — Bella confessou. Seus corpos haviam pulsado juntos numa

energia que ela jamais experimentara antes. Ele a acariciara com gentileza e perícia. — Deu para perceber que ele tinha prática — concluiu abruptamente.

— Oh, querida, sinto muito. Se eu soubesse que você iria passar por isso…

— Se soubéssemos a metade do que aconteceria, não teríamos embarcado nessa aventura maluca. Mas agora é tarde.

Mandy e Bella ficaram em silêncio por algum tempo, apenas bebericando o café.

— Resuma a história e vamos acabar logo com isso — Mandy pediu finalmente.

— Entramos no meu quarto e fomos para a cama. Estávamos praticamente vestidos quando Caroline nos interrompeu.

— Praticamente? Então não foi tão horrível assim!— Meu vestido estava desabotoado e ele, sem camisa.— Isso é tudo? — Mandy indagou, aliviada.— Tudo! — Bella nunca conseguiria descrever o quanto lhe

significava esse “tudo”, que para Mandy era “nada”. Estar com Luke fora a maior emoção de sua vida. Mesmo ele com toda sua experiência sentira algo especial, disso tinha certeza. Ele a fitava todo o tempo com adoração, como se quisesse conhecê-la de corpo e alma. Quando aquela batida cruel os interrompeu, foi como se o mundo parasse de girar.

Luke erguera a cabeça, a mão sem soltar-lhe o seio.— Quem é? — Bella tivera de responder.— Caroline. Estou procurando Luke. — A voz soara fria e cortante.

Bella engoliu em seco. Luke praguejou e saltou da cama, deixando-a sozinha. Ela não sabia o que fazer.

— O que houve, Caroline, para me chamar a esta hora?— Uma ligação de Nova York, como você já estaria sabendo, se

dormisse em sua própria cama. Howard Mills quer lhe falar com urgência.Luke abotoou apressadamente a camisa, beijou-a levemente e se

dirigiu para a porta. Os olhos de Caroline observaram malevolamente a cama desfeita, os cabelos desalinhados da inimiga, antes de bater a porta com um

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golpe seco.— Falta me contar alguma coisa? — Mandy prosseguiu.— Não é o suficiente? — Bella suspirou. — Meu último dia foi um

pesadelo.— E Guy?— Guy foi o menor dos problemas. Desculpou-se efusivamente no

dia seguinte, mas não parecia nem um pouco envergonhado. Talvez nem se lembrasse do que havia feito e dito. Quanto a Luke, não foi tão difícil encontrá-lo, como eu temia. No trabalho ele realmente se torna apenas o diretor, não o homem.

Aquilo era apenas parte da verdade. De fato fora penoso reencontrá-lo e descobrir que não significara nada para ele. Pior ainda fora ter de contracenar com Guy, fingir paixão sob os olhos críticos de Luke, enquanto a paixão vivida em seu quarto fora tão real e impossível. Ninguém poderia imaginar o que havia acontecido entre eles há menos de doze horas.

Ninguém, exceto Caroline, é claro.— Assim que teve oportunidade, Caroline me procurou. — Bella

contraiu o rosto ao se lembrar dos olhos horríveis de ciúme e ódio. — Disse-me para esquecer o que houvera entre mim e Luke, que ele já teve dúzias de casos com atrizes como eu, mas que só ela estava em cena há anos.

— Que horror!— Mas eu não escutei apenas. Disse-lhe que nunca quereria um

homem que vive cada semana com uma mulher diferente, e que se ele realmente a quisesse, já a teria assumido publicamente. Depois acabei ficando com pena dela. Sua condição não é nada fácil.

— Por causa do canalha do Retford, você quer dizer?— Exatamente. Uma mulher à disposição para cuidar de seu bem-

estar, mas nada de vínculo. Deixei-lhe um bilhete antes de partir. Escrevi que foi um erro o que aconteceu, e que seria melhor para todos se assumíssemos um comportamento estritamente profissional da próxima vez que viéssemos a nos encontrar. Talvez assim seja mais fácil para você, quando tiver de prosseguir com as filmagens em Gales.

— Oh, o que vou fazer? Se Luke Retford se aproximou intimamente de você, é óbvio que notará a diferença. Será impossível continuarmos com o plano.

— Você terá de tentar. Nada no mundo me faria encenar diante de uma câmera outra vez. — Ambas trocaram um olhar de preocupação. — Certamente ele notará a diferença. Não tenho idéia do quanto as pessoas

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conseguem mergulhar em si mesmas e pôr para fora suas emoções mais íntimas durante uma filmagem. Não sei se suas reações serão como as que tive… — A voz de Bella falseou ao se lembrar de tudo o que experimentara e sentira durante a última semana. Pela primeira vez em anos conseguira exorcizar o fantasma de Nick. Ficara livre para viver uma nova vida e descobrir que tipo de pessoa havia se tornado.

O único problema era que aquela pessoa provara ser uma nova mulher, cujas paixões haviam sido despertadas e depois abandonadas. Olhou para Mandy, para o pequeno quarto do apartamento que dividiam e novamente para Mandy, que a abraçou amorosamente.

— Oh, Bell, sinto tanto que esteja sofrendo!Lágrimas de tristeza e cansaço brotaram nos olhos de Bella.— Eu também sinto muito por ter complicado sua vida.— Não diga isso. Você não complicou nada. Bom Deus, não posso

imaginar nenhuma mulher que resista a uma cantada de Luke Retford.Uma cantada. Um peso enorme pareceu lhe cair sobre as costas ao

ouvir a verdade nua e crua. É claro que fora uma cantada. Uma cantada e nada mais. O que fora mesmo que Caroline dissera? Que ela fora apenas mais uma das inúmeras atrizinhas que se lançavam aos braços de Luke. Azar o dela, que não acreditara e não fugira a tempo do fascínio daquele homem proibido.

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CAPÍTULO X

Um mês depois, saudável e sem manchas no rosto, Mandy arrumou a mala e partiu para Gales; onde se reuniria à equipe para a última semana de filmagem.

— Boa sorte! — Bella a abraçou.— Da última vez foi você quem partiu com a mala cheia de

anotações. Agora sou eu. — Mandy fez uma careta.— Vamos ver se já está sabendo a lição. Qual a bebida favorita de

Guy?— Pina colada.— De que cor é o mar perto do hotel?— Turquesa com nuances de verde, e muita espuma branca nos

rochedos de corais.— Qual o nome do restaurante chinês onde você comeu em Port

Louis?— Hu Nang. Oh, Bell, estou apavorada. Parecia tão simples no

início… Nunca pensei que tanta coisa pudesse dar errado.— Como, por exemplo, eu me apaixonar por Luke?— Estou com medo dele, com medo de tudo. Será mais difícil

representar eu mesma na vida real, do que meu papel no filme.— Bem, ao menos será por poucos dias. Se eu consegui, você, sem

dúvida, conseguirá. Afinal a atriz aqui é você, não eu — Bella tentou animar a irmã.

Desde que retornara de Maurício a vida parecia monótona e vazia para Bella. Além de tudo havia o problema de Mandy ter de fugir de Luke, de se recusar a discutir qualquer assunto relacionado à paixão a que ele e a irmã haviam se entregado. E se ele insistisse? E se Mandy também se apaixonasse?

Após a partida do trem, Bella foi direto para o instituto, onde se enterrou numa montanha de papéis. A conferência de Bristol, na qual ela e Pete apresentariam o trabalho realizado ao longo de dois anos, parecia-lhe nebulosa. Seria um marco em sua carreira, só que nos últimos dias Bella não conseguia se concentrar em mais nada.

Naquela noite resolveu ir ao cinema e ver um dos primeiros filmes

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de Luke. Era um filme de guerra rodado na Malásia. Não era seu gênero favorito, mas teve de concordar que o enredo era emocionante e que o filme todo era excelente. Foi a primeira vez que reconheceu que Luke realmente era um talento no mundo do cinema, e que devia ser um profundo conhecedor da natureza humana para poder realizar filmes tão tocantes.

No dia seguinte, Bella prometeu a si mesma que se concentraria no trabalho. A promessa foi cumprida, mas só por volta do final da manhã. Quando finalmente conseguira a tão necessária concentração, o telefone tocou e Bella precisou atendê-lo.

— Sala de Pesquisas.— Bella! Não funcionou… nem por um momento… — A voz aflita

de Mandy foi interrompida por Luke.— Bella? Só tenho uma coisa para lhe dizer: esteja aqui o mais

rápido que puder.Os nervos de Bella ficaram em frangalhos.— Como?— Você ouviu. Quero-a aqui. Ainda hoje de preferência — Luke

prosseguiu, a raiva mal contida.— Não posso. Não seja ridículo.— Pode e virá.O medo a tornou agressiva.— Não irei. Sou uma mulher ocupada. Participarei de uma

importante conferência amanhã.— Onde?— Na Universidade de Bristol.— A direção é a mesma. Arrume sua mala. — O telefone ficou

mudo.Bella se recusou obstinadamente a fazer o que ele mandou. Vestiu o

conjunto de lã cinza e a blusa branca de gola alta que comprara especialmente para a ocasião e apanhou sua pasta. Sentia-se outra pessoa. Deixara de ser a sílfide bronzeada de uma ilha tropical. Luke que desse um jeito, ela pensou, não poderia forçá-la. Afinal, sua única culpa era ter ajudado a irmã.

Quanto a Mandy… não seria fácil ter de enfrentá-lo. Tinha pena dela, é claro, mas para tudo havia um limite. Especialmente quando ela própria tinha seus receios e preocupações sobre a conferência para resolver sozinha. Só teria tempo para pensar nos problemas de Mandy quando o dia chegasse ao fim.

Ao pisar na sala de conferência, naquele mundo calmo e acadêmico,

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Luke e seus filmes lhe pareceram irreais. Ali era seu lugar, era ali que se sentia feliz e em casa.

Ouviu com atenção as últimas descobertas realizadas em seu campo, na Austrália e Alemanha, até chegar sua vez de falar. Não era a primeira vez que se apresentava em público, mas seu estômago parecia gelado enquanto ela se dirigia para o palco. Ao enfrentar as centenas de olhos, contudo, tudo lhe pareceu diferente. A apresentação que faria era o resultado de dois anos excitantes de pesquisas, e certamente despertaria o interesse. Também, de uma forma ou de outra, a semana em Maurício parecia ter lhe ensinado mais do que imaginara, tanto na impostação da voz quanto na serenidade do comportamento.

Seus olhos percorreram a platéia. Todos a fitavam em silêncio. Era bom, realmente bom, estar de volta a seu mundo e ser alvo da admiração de colegas vindos dos mais diversos países.

Luke que fosse para o inferno! Ele com toda a sua arrogância, suas atrizes e Caroline.

Ao final da exposição houve uma salva de palmas, e em seguida uma breve pausa. O diretor selecionaria questões para a segunda parte da conferência. Foi nesse intervalo de tempo que Bella notou uma movimentação junto à porta. Era impossível, mas por uma fração de segundo o homem de terno escuro lhe parecera Luke.

Após o debate houve um intervalo para o chá. Bella se viu imediatamente cercada por um de seus colegas do hospital-escola de Londres. Era jovem e atraente e lhe oferecia uma carona de volta à cidade.

— Desculpe interromper, mas a srta. Latham tem um compromisso.— Você! Como ousou entrar aqui?Luke estava mais do que furioso, estava possesso.— Como ousou você arruinar meu filme com seu truque barato?

Trouxe a mala?— Não, não trouxe. Volto para Londres esta mesma noite.— Claro que volta, mas comigo. — O médico se dirigiu à Luke. —

Não vê que Bella não quer falar com você?Ela fechou os olhos e rezou. Lembrava-se muito bem do soco que

Guy levara, e não queria que o mesmo acontecesse com o jovem que tentou defendê-la. Felizmente só ouviu o tilintar das xícaras sobre os pires. Abriu os olhos.

— Bella — ele deu uma ênfase sarcástica ao nome —, não tem escolha.

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— Não seja ridículo. Estou no meio de uma conferência.— Não, não está. Já chequei a programação. Acabou.— Preciso falar com algumas pessoas.— Preciso filmar.— Não tenho nada a ver com isso.— Tem tudo a ver. Começou? Agora termine!— E justamente você vem me dizer isso? — A ironia escapou antes

que Bella pudesse refletir. Luke enrubesceu de cólera e agarrou-a pelo pulso.— Terei muito prazer em terminar o trabalho, se esse é o preço que

devo pagar para levá-la a Gales.— Jamais permitiria que se aproximasse de mim outra vez, maldito!

Solte-me!— Só se você concordar em vir comigo.Bella olhou ao redor. Suas vozes alteradas estavam chamando a

atenção. Aquele era o mundo dela, pensou furiosamente, onde dava duro para firmar sua posição como pesquisadora séria. Agora vinha Luke com uma confrontação ao estilo de Hollywood para estragar tudo.

— Encontrarei você em um minuto, se me soltar e permitir que eu saia com alguma dignidade.

— Acha que vou acreditar? Escapará por uma saída lateral na primeira chance.

— Que tolice! Por que eu faria isso? Acha que tenho medo de você?— Não tem? Pois devia ter — ele a ameaçou, embora saísse da sala

após alguns instantes.Bella deslizou as mãos úmidas de suor pela saia. Ergueu o queixo e

se dirigiu para os organizadores. O diretor lhe estendeu a mão.— Minha cara, sua contribuição foi estimulante. Conhece a dra.

Philippa Edwards, de Glasgow? Ela está muito interessada em discutir suas descobertas.

— Talvez pudéssemos nos telefonar em breve — Bella se desculpou com um sorriso. — Surgiu um imprevisto e eu precisarei ir embora antes do que esperava.

— Sim, eu lhe telefonarei. — A senhora sorriu, um ar maroto. — Devo dizer que o imprevisto é bem interessante. Vá, garota, vá com a consciência tranqüila. Sua contribuição foi a melhor.

Bella caminhou orgulhosamente entre os olhares de admiração dos presentes. Até chegar à porta, claro! Ali, a única pessoa que a fitava era Luke e ele estava longe de admirá-la.

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— O carro está à espera. — Ele a pegou brutalmente pelo braço.— Já disse que não vou! — Bella se desvencilhou. — Que lhe deu na

cabeça para fazer uma cena diante de todas aquelas pessoas? Meu futuro pode depender delas, sabia? E vem você querendo me fazer de idiota!

— Talvez seja mesmo. Somente uma idiota poderia pensar que o truque daria certo.

— Não foi um truque, foi uma substituição. Vocês costumam usar dubles, não é? Qual a diferença?

— A diferença é que você e Mandy podem ser idênticas fisicamente, porém não falam do mesmo jeito, não sentem as mesmas coisas. Suas vibrações são completamente diferentes. Se eu usasse as duas no mesmo filme, a audiência perceberia a manobra num piscar de olhos. E, como não há possibilidade de voltarmos a Maurício é melhor que venha a Gales e termine o que começou.

— Não posso! Mandy ficou boa e ela é a atriz. Foi por isso que eu…— Mandy conhece as regras. Já lhe expus meu ponto de vista e,

como resultado, ela correu de volta a Londres para remoer as mágoas.Bella pensou em Mandy e em tudo o que ela devia ter ouvido. Seu

coração se contraiu de compaixão.— Seu estúpido! Não pode entender por que ela fez isso? Era a

melhor oportunidade da vida dela… Mandy não poderia perdê-la!— Pois perdeu.— O que está querendo dizer?— Que ela dificilmente encontrará um papel depois deste filme.— Depois que você contar a todo o mundo, não é?— Não, depois que todo o mundo ver um outro nome na tela.— Oh, não… você não faria isso.— Pode apostar que sim.— E quanto ao sindicato? Não tenho registro.— Problema meu.Bella o fitou com ódio mortal.— Não irei com você!— Se pensa que vou perder meio milhão de libras, e quase um ano

de trabalho por sua causa, está redondamente enganada.— Não pode me obrigar! Vou entrar para apanhar meu casaco,

apanharei o trem e voltarei para casa. Tente me impedir!Luke a pressionou contra a parede, segurou-lhe o rosto com ambas

as mãos e a puniu com um beijo violento e doloroso.

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— Agora você irá comigo buscar o casaco, e em silêncio. Todos pensarão que se trata apenas de uma briguinha de namorados, caso você resolva fazer alguma tolice. Em seguida, iremos para o carro.

Com Luke segurando-a pelos ombros ficava impossível tentar escapar.

— Entre — ele ordenou após lhe abrir a porta do carro.— Não!— Foi você quem pediu. — Luke a levantou do chão e a sentou no

banco, prendendo-a com o cinto de segurança. — Ouça bem. Se continuar se recusando a prosseguir com a filmagem, será o fim do projeto, o fim da carreira de Mandy. Agora, se você não me decepcionar, ninguém precisará ficar sabendo da troca. O crédito será da sua irmã.

Bella o olhou em dúvida.— Pensei que houvesse dito que somos tão diferentes que qualquer

um notaria a diferença.— Certamente correrão rumores. Isso é comum no mundo do

cinema, mas ninguém conseguirá provar nada se mantivermos segredo. O problema entre vocês não é a aparência física, mas a vibração.

— Como poderei confiar em você?— É a única esperança que lhe resta. — Ele ligou o motor. O carro

percorria a estrada em grande velocidade. Era como se Luke canalizasse toda a raiva naquela tarefa. Era um

homem orgulhoso e inteligente, Bella pensou. Ela e Mandy haviam se comportado como duas crianças tentando burlar o professor.

— Ah! — ela gritou aterrorizada ao sentir o carro derrapar numa curva. — Você está dirigindo como um louco!

— Está tudo sob controle.— Não me faça rir.— Pare de me irritar, Bella. Minha paciência já atingiu o limite.— E como pensa que estou me sentindo numa estrada escura e

unicamente uma escova de dente como bagagem?— Não ligo a mínima para o que esteja sentindo. Quanto à bagagem,

a culpa é sua. Avisei que arrumasse uma mala.— Sempre espera que os outros façam tudo o que lhes ordena? Oh,

sim — ela mesma respondeu. — É o chefão que tem o poder de criar ou destruir os artistas.

— Faço filmes. Gosto de fazê-los da melhor maneira possível, assim como você faz seu trabalho.

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Algo na voz de Luke a surpreendeu.— Eu estava no fundo da platéia e assisti sua apresentação. Não

entendi a metade, mas observei o quanto a audiência se impressionou… embora não creia que toda a atenção fosse exclusivamente dedicada à ciência, mas também a sua beleza. Você estava encantadora naquele palco.

Bella se lembrou dos aplausos e do susto em reencontrar Luke naquele local. A raiva subitamente desapareceu, deixando lugar a uma estranha e tensa excitação.

Uma neblina espessa começou a descer sobre a paisagem montanhosa e Bella se surpreendeu por estar quase começando a desfrutar da aventura.

— Fiquei muito satisfeita com o resultado. Uma pena que Pete não estivesse lá para receber os aplausos, também, mas ele foi passar as férias nos Estados Unidos.

— Pete?— Meu parceiro nas pesquisas.— Realmente não sei nada sobre você, não é? — A irritação voltou a

transparecer na voz de Luke. — Deve ter se divertido muito em ter nos feito de bobos em Maurício.

— Não! — Bella protestou com veemência. — Tudo o que senti foi terror. Odiei ter de me passar por uma charlatã.

— Com toda a razão.— Eu sei, mas não pude negar esse favor a Mandy. Ela se preparou

tanto, esperou tanto por esse papel! Eu não queria enganar ninguém, mas ela me convenceu a substituí-la. Disse que você não adiaria as filmagens até ela se restabelecer e que talvez jamais a chamasse para um outro filme.

— Ela tinha razão no primeiro ponto — Luke admitiu, mais calmo. — Mas não no segundo. Sua irmã tem talento.

— Teria se saído muito melhor do que eu.— Não necessariamente. Uma profissional talvez nunca tivesse

conseguido imprimir tanta ingenuidade e franqueza à personagem. É por isso que preciso de você para as últimas tomadas. Caso contrário correríamos o risco de arruinar todo o filme.

— Está pensando em contratar Mandy para algum próximo filme? — Bella se arriscou a perguntar.

— Ainda não sei. Por enquanto estou tão furioso com as duas que não consigo pensar em mais nada.

— É muito importante para ela, você não entende? Mandy morreria

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de desgosto…— Entendo perfeitamente — ele explicou. — Ao contrário do que

pensa, não me divirto em destruir as pessoas, mas também não posso contratar todos que sonham se tornar atores. Não posso correr o risco de fracassar numa escolha de elenco.

— É difícil imaginá-lo em um fracasso em alguma coisa — ela comentou, amarga.

— Certamente não é uma sensação a que esteja acostumado. — Luke a fitou enigmaticamente. — Espero não ter de enfrentá-la agora.

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CAPÍTULO XI

O silêncio entre eles era tão intenso quanto a escuridão que envolvia as montanhas. De tempos em tempos Bella olhava rapidamente o perfil rígido de Luke tentando adivinhar o que se passava naquela cabeça. Eram dois estranhos, pensou, habitavam mundos completamente diferentes.

— Hei! — ela gritou, alarmada. Embora Luke fosse um bom motorista, a velocidade fazia com que as montanhas de pedra parecessem vir de encontro a eles.

— Não fosse por você, eu não teria perdido um dia inteiro, indo e voltando de Bristol.

— Se continuar assim, estará perdendo muito mais do que um dia… estará perdendo vidas!

— Não seja ridícula. Estou no controle total do que faço.— Terei de acreditar em sua palavra, então, pois as evidências são

contraditórias. — Os nervos de Bella estavam em frangalhos ao final daquele dia extenuante.

Luke tirou o pé do acelerador e a fitou com raiva.— Acha que pode fazer melhor? Não? Então tenha a bondade de

guardar seus comentários para si mesma!Bella procurou se acalmar, mas a cada vez que entravam numa

curva seu pé procurava um breque inexistente.— Suponho que o tempo não seja exatamente uma prioridade em

seu trabalho — ele comentou sarcasticamente após alguns minutos… — Estudos e pesquisas a longo prazo, testes…

— Realmente seria maravilhoso se a descoberta da cura do câncer, ou de uma droga que impedisse ataques cardíacos, ocorresse de um dia para o outro — ela retrucou, áspera. Para sua satisfação Luke se desculpou pela injustiça que cometera.

— No meu campo de trabalho, ao contrário do que você possa pensar, eu não crio situações fantásticas sem apoio no cotidiano, na realidade da vida.

— Pensei muito em seu mundo de faz-de-conta no início — ela admitiu —, mas quando assisti seu filme sobre a Malásia mudei de idéia. É emocionante e faz as pessoas pensarem.

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Surpreso, Luke se voltou para ela.— Obrigado. Este é o melhor elogio que poderia receber. Não ouso

dizer que tenha as respostas para os problemas da vida, mas certamente faço as pessoas pensarem sobre eles. Viu, Bella, afinal de contas não somos tão diferentes assim. Seu trabalho salva vidas, o meu tenta melhorar a qualidade dessas vidas, através da reflexão.

Um arrepio percorreu a espinha de Bella. Era impossível, mas ele parecia estar lendo seus pensamentos e lhe dando as respostas. Para se defender, atacou-o:

— A maioria das pessoas aprecia os filmes simplesmente pelo aspecto diversão…

— E por que não entretê-las e educá-las ao mesmo tempo? O filme atual, por exemplo, não trata simplesmente da desilusão de um policial cansado e desgastado. Trata de inocência e corrupção, trata da reintegração interior de um ser humano…

— Sei disso, percebi a profundidade do tema mesmo lá em Maurício, mas… — ela balançou a cabeça — ainda prefiro lidar com fatos concretos. As poses e os fingimentos do mundo do cinema não são para mim.

— Você é certamente diferente — ele falou lentamente, um tom perigoso na voz. — E, é claro, nunca finge, nunca mente como nós…

— Nunca faço isso de livre e espontânea vontade!— Mas quando faz é com perfeição. Conseguiu enganar a todos e

nos colocar nessa enrascada.Luke tornou a pisar no acelerador com força, castigando a estrada

com sua ira.— Alguma vez parou para pensar? Ele tentou protestar, mas Bella o interrompeu:— Só pensei em Mandy! Ela é minha irmã, minha irmã gêmea!

Como queria que eu pensasse no filme se nem fazia idéia do que isso significava fora das telas?

— O que ficou óbvio no primeiro dia em Maurício! Por que insisti em mantê-la no elenco, nunca vou saber.

— Porque eu me saí bem, você disse.— Sim, foi boa, foi excelente. Mas a que preço!— Estou aqui, não estou? Farei o que me pede. Você terá seu filme.— Isso dependerá de você conseguir ou não sustentar a mesma

capacidade na atmosfera cinzenta de Gales. Será cem vezes mais difícil interpretar nesse cenário do que na romântica e ensolarada Maurício, onde só

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precisou desfilar em um biquíni. Sei que é inteligente, que é uma doutora em ciências, mas isso não conta muito sob as luzes dos refletores, não acha?

— Consegui uma vez, conseguirei novamente!— Admiro sua autoconfiança, mas não sou da mesma opinião. Terei

de esperar para ver. — Ele se desviou rapidamente de um galho de árvore tombado sobre a pista. — Quando pensou nas mentiras… “Tenho muito, interesse em medicina alternativa. Estou fazendo um trabalho para apresentar durante meu curso noturno.” Pois sim!

— E o que mais eu poderia ter feito? Não podia te contar a verdade. Tinha de prosseguir com o plano custasse o que custasse… O grande erro foi me desviar da proposta original — ela murmurou amarga, quase para si mesma.

— Que proposta original?— Uma proposta que certamente não incluía uma ameaça de

sedução por parte de Guy de Vere ou… — ela se interrompeu.— Ou de Luke Retford? Sem essa, Bella — ele concluiu

sarcasticamente a frase. — Será que seu cérebro tão prático e científico falsificou os dados a esse ponto?

Bella corou violentamente e deu graças à escuridão da noite por ocultá-la.

— Não era isso que eu ia dizer! Meu plano não incluía um envolvimento amoroso, esse foi o grande erro!

O olhar de Luke se fixou sobre ela, mas estava escuro demais para que Bella pudesse decifrar-lhe a expressão.

— Esse tipo de plano sempre funciona melhor nos livros e filmes do que na vida real — ele comentou, frio.

— Eu deveria apenas ter feito meu trabalho e me trancado no quarto nas horas vagas e intervalos. Foi esse o combinado!

— Do jeito que fala parece uma tática de guerra. Também fez anotações e estudos a respeito?

— Sim. Já que você descobriu, não adianta continuar escondendo nenhum detalhe. Também cortei os cabelos ao estilo usado por Mandy e só levei as roupas dela para a ilha. Fizemos tudo para que desse certo!

— O que jamais poderia ter dado nem em um milhão de anos! Pelo céu… o que é isso? — Uma coruja veio subitamente de encontro ao vidro do carro, uma figura pálida e fantasmagórica que fez Luke desviar e bater com a roda numa grande pedra à margem da estrada, antes de voltar para a pista. O veículo, entretanto, parecia não obedecer ao comando de Luke, que pisou no

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breque e saltou para verificar. Bella percebeu que ele chutava o pneu e praguejava. Desceu em seguida.

— O que houve?— O pneu rasgou. Dê uma olhada. — Ele contornou o carro e abriu

o porta-malas. Os palavrões foram piores ainda.— Aquele maldito John Leigh. Eu poderia matá-lo!Bella foi verificar. Havia um grande vazio onde deveria estar o

estepe.— Um de meus assistentes me pediu o carro emprestado na semana

passada. Disse que teve de mandar consertar um pneu. Só não mencionou que não o colocou de volta. Eu o matarei quando puser as mãos sobre ele!

Bella olhou ao redor. Não se via nem se ouvia nada. Só as trevas da noite os envolviam. Em algum lugar nas proximidades uma coruja, talvez a mesma, piava lugubremente. Bella estremeceu e cruzou os braços contra o peito.

— O que faremos?— Esperar. Não há nada mais a fazer. É impossível prosseguir com

o pneu nesse estado.— Mas… há horas não passa um carro por nós!— Nem deverá passar. Esta não é a estrada principal.— Deve haver alguma cidade por aqui! Ele riu maldosamente.— Bem se vê que você não conhece o campo. As aldeias ficam a

quilômetros e quilômetros umas das outras. Se tivermos sorte, alguma perua ou trator passará aqui pela manhã.

— Pela manhã?Ele ergueu o rosto para o céu.— Sim, pela manhã. Finalmente conseguiremos passar a noite

juntos, Bella.— Cale-se! — Bella gritou, não suportando o desprezo e a frieza na

voz de Luke. — Não é minha culpa que o pneu esteja danificado. Deveria ter sido mais prudente ao dirigir.

— Não fosse por você, eu nem precisaria ter deixado Gales.— E o que quer que eu faça? Que empurre o carro até o vilarejo mais

próximo? Seria um castigo suficiente? — Ela lhe deu as costas, entrou no carro e bateu a porta com toda a força de sua raiva. Após algum tempo Luke a seguiu. Abriu o porta-luvas e retirou uma maçã e uma barra de chocolate.

— Nosso jantar. — Ele lhe entregou a maçã. — Metade para cada

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um.O silêncio era tão hostil que as mordidas na maçã pareciam vir de

um potente alto-falante. Bella sentia uma vontade histérica de rir, mas a expressão carrancuda de Luke não recomendava tal leviandade. Assim mesmo, foi ele quem falou primeiro.

— Por que não me conta alguma coisa sobre você, Bella Latham? Temos uma noite inteira pela frente.

— Você não gostaria de saber.— Sobre o quê, então, poderíamos conversar? — Ele deu de ombros.— Não há muito o que contar. Não sou uma pessoa interessante.— Deixe outros julgarem. Onde nasceu?— Em Surrey. Tive uma infância normal e feliz. Quando

completamos dezoito anos, Mandy e eu fomos para Londres. Ela estudou em Guildhall e eu entrei na Universidade de Londres. Morávamos juntas num apartamento em West Kensington…

As palavras começaram a fluir com gradativa facilidade conforme Luke habilmente a interrogava. Até chegou a confessar sua terrível solidão depois que Mandy foi atuar em, York e outras cidades da Grã-Bretanha.

— Ela sempre foi a mais extrovertida de nós. Eu estava sempre mergulhada nos livros… Era Mandy quem resolvia meus problemas, quem afastava os admiradores indesejáveis. Quando partiu, foi como se eu tivesse um membro amputado.

— Por isso a substituiu o mais rápido que pôde!— Como adivinhou? — Ela o fitou nos olhos pela primeira vez

depois da briga.— É o que qualquer um teria feito. — Luke deu de ombros.— Conheci um rapaz na universidade. Nick. Ficamos noivos após

três meses de namoro.— E?— Não deu certo. Ele… — Bella hesitou. — Ele desmanchou. Disse

que era jovem demais para se casar, e que eu não o deixava respirar, que era dependente demais. Ele tinha razão. Reconheci isso com o tempo.

— E depois?— Aprendi a ser independente, a cuidar de minha própria vida.

Agora não conseguiria e nem desejaria que fosse de outra forma.— Quer dizer que sua carreira está acima de tudo? — ele indagou,

cético.— Significa muito para mim. — Havia um tom agressivo de defesa

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em sua voz. — Há muito a ser feito e eu sei que posso contribuir com alguma coisa. A conferência de hoje, por exemplo. As pessoas ficaram realmente interessadas.

— Foi uma exposição magnífica — ele concordou.— Foi o ponto alto de minha carreira até agora! — ela gritou, outra

vez furiosa. — E você estragou tudo!— Eu poderia dizer o mesmo, exatamente o mesmo. E no mesmo

tom de voz, mas não quero brigar outra vez com você. Não aqui, não agora, quando ainda temos muitas e longas horas para aturar-nos mutuamente. Aliás, para garantir, vou dar uma esticada nas pernas. — Luke abriu a porta do carro e saiu pela noite, deixando-a completamente sozinha.

Bella mastigou lentamente o último pedacinho de chocolate enquanto contemplava o nada. Estava esfriando e após algum tempo ela reconheceu que seria preferível a companhia de Luke, hostil e furioso, à desolação confusa de seus pensamentos.

Entretanto, demorou mais uma hora, no mínimo, para que ele retornasse, e ainda de cara feia.

— Realmente não há nenhum sinal de vida em quilômetros, nem para frente nem para os lados. É melhor arrumarmos a cama e nos deitarmos.

Bella o olhou, assustada. Luke riu, sarcástico.— Não se preocupe. Está frio demais para uma noite de paixão.

Além disso, estou furioso demais para querer tocá-la.— Ótimo! Finalmente concordamos em alguma coisa, pois mesmo

que você implorasse, não permitiria que me tocasse.Luke insistiu que Bella se deitasse no banco traseiro, enquanto ele se

acomodaria no banco de passageiros. O espaço não era muito, e bem pouco confortável, mas depois de algum tempo de tensão e insônia, ouvindo a respiração de Luke, Bella mergulhou num sono surpreendentemente profundo.

Mais tarde, algo a acordou. Não sabia o que era… se algum pássaro noturno ou algum som dentro do próprio carro. Fosse o que fosse a deixou subitamente alerta. Ergueu-se sobre um cotovelo e olhou para Luke. À luz pálida da noite de verão, seu perfil parecia talhado em pedra. Esfregava um lábio com o dedo, perdido em pensamentos. Era evidente que não estava dormindo, que não dormira até aquele instante.

— Em que está pensando? — Bella perguntou, impulsiva. Ele virou para trás e não respondeu de imediato. Os cabelos de Bella

estavam desalinhados, os olhos sonolentos.

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— Sobre o filme. Em que mais poderia ser?— Que horas são?— Três.— Você precisa dormir. Vamos trocar de lugar?— Estou bem aqui.— Estará péssimo pela manhã, se não dormir um pouco. Lembre-se

que terá de trabalhar quando chegarmos.— Não posso permitir que você passe a noite sentada. — Ele passou

a mão nervosamente pelos cabelos.Bella empurrou o encosto do banco, transformando-o numa espécie

de cama de casal.— Há espaço sobrando. É uma tolice desperdiçá-lo.Os olhos de Luke fitaram o espaço vazio e em seguida voltaram

para ela com uma expressão que a fez explodir.— Oh, com o diabo! Não se trata de uma proposta! Como você

mesmo disse, estas não são as circunstâncias ideais para uma noite de paixão. Trata-se de uma necessidade de descanso e você certamente não conseguirá dormir, caso não estique o corpo.

Luke não se movia. Bella corou de raiva e embaraço pela rejeição.— Bem, você é quem tem de resolver se prefere se comportar como

um adulto ou como um adolescente! Quanto a mim, vou voltar a dormir. — Ela se virou para o outro lado.

Depois de um ou dois minutos ela o ouviu rir baixinho e em seguida pular para o banco de trás. Prendeu a respiração e teve o cuidado de manter uma distância vital entre eles: um ou dois centímetros no reduzido espaço, mas que foi suficiente para aquecê-los e embalá-los no sono.

Entretanto, em alguma ocasião durante a noite, os dois se procuraram inconscientemente, pois ao acordar Bella se viu aninhada entre os braços de Luke, sua cabeça gentilmente descansando sobre o ombro dele.

Foi o calor aconchegante que primeiramente a alertou sobre a mudança. Abriu os olhos e enxergou a camisa branca e o paletó escuro. Tornou a fechar os olhos rapidamente para tentar prolongar o momento.

Não demorou muito para tornar a abri-los e contemplar o rosto adormecido. Luke também pareceu pressentir alguma mudança, pois suspirou e apertou-lhe o ombro.

— Nossos corpos parecem saber mais do que nós — ele murmurou.O brilho malicioso que Bella viu nos olhos de Luke a fez tentar se

levantar.

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— Não. Fique assim, Bella. Quero olhar para você.As janelas do carro estavam embaçadas. Mal se via a luz pálida da

aurora. O silêncio era total.— Tão linda… — ele murmurou e engoliu em seco.Bella sentiu que seus lábios se entreabriam, prontos para serem

beijados. Em vez de abraçá-la, contudo, Luke a soltou e sentou-se.— E agora, vamos atacar os problemas do dia!

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CAPÍTULO XII

Luke continuava esperto, ela pensou mais tarde. Esperto o suficiente para reconhecer que não conseguiria o nível de desempenho necessário por parte de Bella para terminar o filme, caso não a tratasse como na primeira semana. Foi só por isso que esteve tão delicado e atencioso durante todas aquelas longas e frustrantes horas. E funcionara, é claro que funcionara! Pois cada vez que Luke a fitava, seu sangue fervia nas veias, Bella estava enfeitiçada, indefesa aos desejos de seu corpo.

Pensou muito durante aquele dia. Não passou um único carro pela estrada até cerca de nove horas. Quando finalmente surgiu um, o motorista teve de terminar suas entregas pelas fazendas locais antes de levá-los a um mecânico. Ainda assim os problemas não haviam terminado. O mecânico, um pacato senhor de meia-idade, afirmou que não era possível consertar o pneu, que ele teria de mandar buscar um na cidade mais próxima.

— Quanto tempo vai demorar? — Luke quis saber.— Se tivermos sorte, até o final da tarde.— Não posso esperar tanto! — Luke explodiu, e deu um passo para

a frente como se quisesse pegar o homem pelo colarinho.— Luke! — Bella interveio imediatamente. — Será que você não

conseguiria alugar um carro e seguir? Eu ficaria esperando o pneu e o alcançaria mais tarde.

O cérebro de Luke trabalhou depressa.— Você não se importaria?— Claro que não, desde que você me explicasse o caminho.— Poderia me conseguir um carro? — Luke se dirigiu ao mecânico.— Eu não, mas John Lewis o fará.— Por favor, então me leve até ele e depois cuide desta senhorita.

Ela não se alimenta desde o almoço de ontem, e provavelmente vai querer um banho.

— É do tipo impaciente esse seu amigo, não? — o mecânico comentou, assim que retornou.

— O tempo dele é precioso. É um importante diretor de cinema. — Bella cogitou, em seguida, por que estava se dando ao trabalho de defendê-lo.

— Oh, ouvi falar sobre as filmagens que estão sendo realizadas no

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topo do vale. Caramba, o homem estava mesmo com pressa. Partiu como se as hordas do inferno o perseguissem.

— Ele gosta de ter controle sobre tudo. Pneus rasgados não fazem parte de seus planos. — Bella sorriu.

— Não fazem parte dos planos de ninguém, mas todos precisam aprender a conviver com o inesperado. Agora, vamos ver o que minha esposa pode lhe arranjar.

A noite já havia caído novamente sobre as montanhas quando Bella pôde prosseguir a viagem. No dia anterior, aquele seria o único lugar do mundo do qual gostaria de fugir. Naquela noite, porém, mal podia esperar para ver comida, água quente… e Luke.

Sacudia a cabeça de tempos em tempos para tentar afastar a imagem de Luke de sua mente. Após algum tempo, quando a estrada se tornou mais íngreme e sinuosa, ela teve sucesso. Até chegou a rezar para que não estivesse no caminho errado.

Por fim, avistou um grande portão branco a distância. Era a indicação que Luke lhe dera.

— Até que enfim chegou. — Ele se materializou à frente de Bella, antes que ela tivesse tempo para puxar o breque de mão. Luke lhe abriu a porta e a ajudou a descer.

— Oh, estou entorpecida. — Ela se segurou no braço de Luke, soltando-o assim que recuperou o equilíbrio. — O pneu chegou por volta das seis horas e ainda assim me fizeram esperar para colocá-lo. Precisavam tomar chá, antes, dá para acreditar?

— Se eu tivesse que esperar o dia todo, a esta hora estaria sem unhas. Tivemos uma reunião importante esta tarde. Não pode imaginar como lhe sou grato pelo que fez.

A ternura naquele olhar a recompensou pelo cansaço. Sobre a mobília e a decoração da fazenda, só se podia dizer que nada combinava com nada.

— A casa não é bonita, mas como a maioria de nós só irá usá-la para dormir, achei melhor não criar problemas — Luke a informou ao abrir a porta da frente.

— Quantas pessoas estão hospedadas aqui?— Quatro. A maioria foi para uma hospedaria a uns sete

quilômetros daqui.— E os outros?— Espalhados por aí, em todas as cabanas que conseguimos alugar.

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Mandy ficou aqui durante a sua pequena estada, mas poderemos arranjar outro lugar amanhã, se preferir.

O coração de Bella se apertou à menção da irmã.— Estive pensando… Acho que preciso saber exatamente o que

houve com Mandy, antes de encontrar Guy e o pessoal.— Mais tarde. Precisamos instalá-la primeiro. Por que não toma um

banho enquanto lhe preparo algo para comer?— Um banho seria maravilhoso — ela agradeceu, satisfeita por

poder adiar a conversa desagradável.— Vamos subir, então.Luke lhe mostrou o quarto e o banheiro. De algum lugar lhe trouxe

um secador de cabelos, artigos de toalete e um roupão. Anunciou que o jantar ficaria pronto em meia hora e desceu. Bella, ao sentir a água quente sobre seu corpo exausto, desejou ficar ali para sempre. Já fazia quase uma hora que Luke se fora quando começou a secar os cabelos.

— Posso entrar?— Pode.— Estou morrendo de fome. Trouxe-lhe um aperitivo para apressá-

la.Ela ignorou o copo de vinho tinto que Luke colocou sobre a mesa.— Este é o seu quarto. — Bella comentou em tom de acusação,

enquanto apontava para o amontoado de papéis e para a mala aberta num canto. Até o roupão largo que lhe emprestara devia ser dele.

— Fique com ele esta noite. Eu me arranjarei em outro lugar. Retiraram os lençóis da cama que Mandy ocupou. Amanhã pedirei a Caroline que providencie outros.

— Que surpresa!— Que quer dizer com isso? — Luke estranhou.— Nada.— Onde acha que minha assistente deveria ficar? Em outra cidade?— Não. Sua assistente — Bella enfatizou a palavra — sempre deveria

estar do seu lado.Luke se aproximou e um sorriso cruel lhe curvou os lábios.— Está com ciúme?— Não seja ridículo. Por que eu teria ciúme? — Bella colocou o

secador sobre a penteadeira com um golpe seco.— Uma pergunta interessante para a qual desconheço a resposta.— A resposta é esta: não estou com ciúme! Não tenho razão para

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sentir ciúme! Não ligo a mínima se Caroline é sua amiga, amante, assistente ou irmã! Só o que sei é que estou farta de tudo isso!

— Pensa que é a única? — Luke indagou, sério. — Quando descobri o plano, tive vontade de ir a Londres e trazê-la para cá pelos cabelos!

— Teria sido melhor do que me seqüestrar na conferência mais importante da minha vida, diante de trezentas pessoas.

— Considere-se feliz por eu ter esperado até que a conferência terminasse. Deveria tê-la tirado do palco à força.

— Sei pouco sobre você, Luke Retford, mas o que acabo de descobrir me dá nojo!

Uma veia começou a latejar na têmpora de Luke. Ele segurou-lhe o pulso com tanta força que a machucou. Por um segundo Bella sentiu medo, depois vergonha. Era ela a culpada por aquele rosto tenso e marcado, por aquelas olheiras escuras e profundas.

— Sinto muito. — Ela esfregou os pulsos que Luke soltou imediatamente. — Por que não me conta o que houve entre você e Mandy?

O olhar conflitante fixou-a por alguns instantes. Em seguida, Luke foi até a mesa e tomou o vinho de uma vez.

— Já lhe contei. Mandy se parece com você à primeira vista, mas suas vibrações são completamente diferentes. Ela me deixou frio mesmo estando ao meu lado. Você, ao contrário, basta me olhar a uma centena de metros para que o sangue ferva em minhas veias.

Bella sentia dificuldade para respirar.— É verdade, não é, Bella? — ele insistiu. — Aconteceu em Maurício

e continua acontecendo aqui.— Sim — confirmou.Fez-se um silêncio longo e penoso. E agora?, ela cogitou. O que Luke

fará agora? A tensão os envolvia como a neblina envolvia a casa, o campo, as montanhas. Bella tremia. Certamente ele a abraçaria, ele a beijaria. Tinha de fazê-lo! Mas a voz de Luke finalmente rompeu a barreira.

— Não houve uma cena, se é isso que a preocupa. Passei a manhã do primeiro dia tentando entender o que estava acontecendo. Lá estava Mandy, a mesma, mas outra. Julguei que algo estivesse errado comigo. Atribui minhas lembranças ao romantismo das ilhas. Ninguém mais parecia tê-la estranhado. Deixei-a representar… e tive certeza de que se tratava de uma outra mulher. Mandei que cortassem a tomada e me aproximei dela e de Guy para mostrar-lhes a posição que queria que tomassem. — Um arrepio percorreu o corpo de Bella. — Foi então que comprovei que Mandy não era

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você!— Como? — Bella gaguejou.— Por causa disso — ele a informou, rouco, ao passar os dedos pela

fina cicatriz no pescoço. — Essa marca não existia.— Você percebeu?! Mas é quase invisível!— Duvido que exista alguma coisa em você que eu não tenha

reparado. — Ele a olhou, firme, e se inclinou para beijá-la. Foi um beijo selvagem e impaciente.

Bella sentia que ele a esmagava contra a parede, que sua cabeça rodopiava enquanto Luke introduzia a língua voraz em sua boca. Ele estava dominando-a e ela deveria protestar, mas não podia. Sentia exatamente o mesmo que Luke. A mesma raiva, a mesma paixão desesperada.

Quando a soltou, ele estava arfante, o olhar em fogo.— Tudo se encaixou. Adivinhei a história antes mesmo que Mandy

confessasse. Ao mesmo tempo não conseguia entender como alguém em sã consciência poderia ter arquitetado um plano tão impossível.

— Tivemos tanto cuidado!— Desde que você pisou em meu escritório para a primeira

entrevista, percebi que havia algo errado. Aquele flerte horrível e amador! Pensei seriamente em descartar Mandy Latham do meu filme, mas no dia seguinte trombei com você na calçada. No fundo da minha mente soube que havia um mistério. Aquela garota de jeans e rabo-de-cavalo não podia ser a mesma Mandy. O que eu ainda não consegui entender foi o que a fez voltar à cena do crime.

Um calor intenso subiu ao rosto de Bella.— Continue — ela pediu.— Seu comportamento em Maurício… a crise de nervos que a fez

desmaiar, sua ignorância sobre os processos normais de uma filmagem. Estava ocupado demais para refletir sobre esses detalhes, mas o que finalmente me chamou a atenção foi a pilha de livros em seu quarto, e a desculpa que me deu quando lhe perguntei de que se tratava.

Bella sentiu-se subitamente tola e ingênua. Virou-se de costas e apoiou a testa contra a parede. A voz de Luke, contudo, continuava a castigá-la.

— Apesar de tudo, a charada não foi solucionada enquanto Mandy não chegou aqui. Curioso, eu pedi que Caroline telefonasse ao empresário de sua irmã para consultá-lo sobre detalhes biográficos. Foi assim que descobrimos que eram irmãs gêmeas idênticas. A única parte que faltava era

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descobrir o porquê da farsa. Mandy nos contou.— Você deve tê-la crucificado.— O que esperava? Há muito dinheiro empregado neste projeto,

para não dizer um ano de minha vida e de muitas outras pessoas.— Coitadinha.— Depois que a raiva passou, até fiquei com pena. Não sabia se ria

ou chorava. O plano foi tão patético…— Não vejo nada de patético em querer ajudar alguém que está em

desespero. — Ela se virou furiosamente para Luke. — Não imagina o estado dela quando adoeceu. Eu tinha de fazer alguma coisa.

— Mandy é uma pessoa entre muitas. Você deveria ter parado para pensar nas conseqüências sobre os outros.

— Fala como se eu tivesse me divertido com a situação. Saiba que a semana em Maurício foi uma das piores da minha vida.

— É mesmo? — Ele a enjaulou com os braços. Bella nunca se sentira tão fraca diante dele. — Tive a impressão que você adorou ao menos um ou dois momentos.

— O que está querendo dizer com isso? — Bella o desafiou.— Sabe muito bem, Bella. Concordamos há pouco que ambos

sentimos a mesma atração…— Não! — Ela tentou recuar, mas Luke a segurava pelos ombros

com a força de sua raiva e desejo.— Tenho pensado dia e noite em você desde que estivemos em

Maurício — ele confessou. — Cada vez que fecho os olhos vejo-a surgindo nua do mar. Nunca saberá o que me custou deixá-la aquela noite. Mais tarde, então, quando estivemos juntos em seu quarto… eu não sabia o que estava se passando comigo. Conheci muitas mulheres lindas em minha vida, mas a maioria me deixou indiferente. Você, porém, surgiu envolta em mistério e me fisgou. Mesmo após ter descoberto que fui enganado, ainda continuo enfeitiçado. Às vezes, Bella, a odeio por isso, pelo que fez comigo…

As palavras morreram em sua garganta e os lábios desceram ao longo do pescoço de Bella, deixando-a extasiada.

— Eu te quero, oh, como eu te quero! — ele suspirou, as mãos lhe apertando os seios palpitantes.

A confissão de Luke a inflamou além de qualquer pensamento de resistência. Gemeu de luxúria no momento que ele a carregou para a cama, com a cabeça entre seus seios, sugando os mamilos rígidos por cima do roupão de seda que ele ainda não tivera tempo de tirar.

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O corpo de Bella doía de desejo. Inconscientemente ajudava Luke a despi-la e a tirar também as roupas dele. Devoravam-se com beijos, o contato das peles nuas elevando-os às alturas do prazer. Ele era o homem mais másculo e bonito que já conhecera, Bella pensou, enquanto suas mãos deslizavam pelo corpo dele entre mútuos estremecimentos.

Em algum canto remoto de sua mente ainda havia dúvidas, mas a paixão, a necessidade de estar ali sob aquele corpo, era mais forte do que tudo. Era tão bom abraçá-lo, estar nos braços daquele homem que a beijava e suspirava por ela! Sentia-se como se lhe pertencesse de corpo e alma. Não era um desejo puramente físico.

O momento culminante arrebatou-os numa explosão rápida e violenta, fruto do desejo longamente contido.

Assim que a respiração voltou ao normal, Luke se ergueu sobre o cotovelo, fitou-a com carinho e acariciou-lhe o rosto.

Olhar para Luke a emocionava. Quando ele se deitou sobre seu peito, acariciou-lhe suavemente os cabelos. No silêncio da noite sentiu que suas dúvidas voltavam. O choque de tudo o que acabara de acontecer provocou arrepios em seu corpo. O que faria agora? Aquele homem ao seu lado era um estranho. Não a amava. Só o que sentia era desejo. Um desejo devastador que a levara às alturas para em seguida deixá-la amarga e arrependida.

— Luke? — chamou-o, a voz trêmula.A respiração lenta e profunda foi a terrível resposta. Próxima às

lágrimas, Bella se encolheu e esperou pela chegada da manhã.

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CAPÍTULO XIII

Alguma coisa despertou Bella aos primeiros raios do sol. Esticou-se languidamente das profundezas do sono e ronronou como uma gata, esquecida da solidão que sentira ao adormecer. Tivera doces sonhos com Luke e sentia-se estranhamente protegida e amada entre seus braços.

Luke a tocava gentilmente nos seios. Era essa sensação que a inflamara mesmo durante o sono.

— Vire para cá. — Ele a beijou no pescoço. — Quero olhar para você.

Bella o fitou amorosamente. Tudo o que queria era que aquele momento durasse para sempre.

— Pensei que isto nunca fosse acontecer — ele murmurou. O coração de Bella se inundou de felicidade. Ofereceu-lhe mais um

vez sua boca, que ele tomou com uma doçura indescritível.— Eu estava tão furioso ontem à noite — Luke admitiu. — Tão

furioso com o que você havia feito, tão furioso por desejá-la… — Ele a beijou longa e ternamente. — Não estou mais. Agora quero realmente fazer amor com você.

Luke rolou sobre Bella e lhe prendeu os braços pelos pulsos, exercendo um domínio total sobre ela. Começou a beijá-la lentamente nos lábios, nos olhos, no queixo, no pescoço…

Luke explorava gentilmente todo o seu corpo apenas com a boca. Ainda não a soltara nem encostara seu próprio corpo ao dela. Queria dar prazer a Bella, queria inflamá-la até o ponto em que, sem mais poder suportar, ela o abraçasse espontaneamente junto ao peito.

Isso não demorou a acontecer. Bella ansiava por senti-lo por inteiro, por também beijá-lo e abraçá-lo. Sabia que não suportaria prolongar as carícias por muito mais tempo e logo se moveu sob Luke, que imediatamente compreendeu o gesto.

Quando ele finalmente a penetrou e se moveu dentro dela, ambos foram levados a um mar de prazer infinito que os saciou de puro e doce cansaço.

Ao sentir as costas úmidas de Luke e sua respiração ainda arfante, Bella teve certeza de seus sentimentos. “Eu o amo”. O pensamento foi tão

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forte que por um instante ela não soube se o proferira em voz alta.Luke a fitava, os olhos brilhantes.— Bella.— O que foi? — Luke parecia emocionado, quase chocado, e ela se

sentiu enrijecer.— Nunca me senti assim antes.Bella sorriu. Seus olhos se deliciavam à visão daquele magnífico

corpo nu. Estava claro. Lá fora os passarinhos cantavam. Ela também desejaria cantar. Amava Luke e ele também sentia alguma coisa por ela, pois a possuíra com gentileza e ternura.

Ele se inclinou para beijá-la mais uma vez e em seguida se deitou.— Devia ter adivinhado que uma mulher que não resiste a nadar

nua é de natureza ardente. Você sabe disfarçar muito bem.— Por quê?— Você parecia tão severa e distante ontem numa roupa clássica,

sobre o palco… Ninguém acreditaria se tratar da mesma mulher!— Sou a mesma.— Sabia que a maioria dos homens naquela platéia estava sonhando

de olhos abertos com você numa cama? Eu notei como eles a despiam com os olhos!

— Olhe só, agora você é quem está com ciúme!— Sim, tenho ciúme de você. — Os olhos de Luke escureceram

perigosamente. — Tenho ciúme de todos os homens que a possuíram.— Só houve um. Depois de Nick não houve ninguém.— Ninguém?— Ninguém. Quase aconteceu em Maurício, mas ele foi embora e

não voltou.Luke sorriu, mas logo percebeu que havia mágoa por trás das

palavras de Bella.— Realmente queria que eu voltasse? Pensei em fazê-lo, mas tinha

certeza que você não me receberia. Não queria forçá-la.— E agora? — ela indagou, provocante.Ele sustentou-lhe o olhar e em seguida tornou a beijá-la.— Nada no mundo poderia ter me impedido de fazer amor com

você ontem à noite, Bella Latham. Esperei muito, esperei demais. E não me arrependo, pois agora sei que você também me queria.

Bella estava radiante, mesmo com Luke a deixando antes do café da manhã, preocupado que estava com os problemas a serem enfrentados no

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trabalho. Voltou a dormir e quando acordou já era bem tarde. Tomou um banho demorado, preparou uma xícara de café e ficou aguardando o carro que a levaria até o vilarejo para comprar os itens essenciais para sua permanência em Gales. Só mais tarde era esperada nas montanhas, onde estavam acontecendo as filmagens.

Ninguém da equipe se mostrou curioso. Ninguém parecia saber que ela era Bella e não Mandy. Mesmo Guy, que sabia da história, simplesmente a abraçou e disse que não se preocupasse em explicar.

— Luke já deve tê-la feito passar um mau bocado. De qualquer forma, é muito bom que esteja novamente entre nós.

A situação de Bella também estava mais firme, mais confiante. Sabia instintivamente o que Luke queria que fizesse. Sentiu-se flutuar durante todo o dia, impaciente para que a noite chegasse e ela pudesse voltar outra vez para os braços do amado.

Filmaram até tarde sob refletores e jantaram no próprio local de filmagens. Quando finalmente teve permissão para voltar para casa, foi direto para o banheiro e tomou um banho quente e revigorante. Vestiu o mesmo roupão que Luke lhe emprestara na noite anterior e foi esperá-lo em seu quarto.

— Quem está aí?Bella hesitou diante da porta.Caroline a fitava, completamente atônita, por trás da mesa. Do outro

lado do quarto havia uma porta aberta. Uma porta de comunicação entre os quartos de Luke e Caroline.

A cena, com todas as suas implicações, calou fundo na mente aturdida de Bella. Como pudera se esquecer de Caroline? Como?

— O que está fazendo aqui? — Caroline estava furiosa.— O que acha? — Bella retrucou com arrogância. Se Caroline queria

guerra, isso é o que teria.Caroline a mediu com os olhos. A inimiga usava o roupão de Luke.— Este é o quarto de Luke. O seu fica no andar inferior. Quem a

trouxe devia ter avisado.— Eu cheguei a noite passada.Caroline se levantou de um salto.— Como?— Você ouviu corretamente.— Não acha que já causou problemas demais, Mandy? Ou devo

chamá-la de Bella? — O ódio transtornava o rosto de Caroline. — Não sabe

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que Luke a despreza pelo que fez?— Verdade? Pois ele tem um jeito interessante de demonstrar. Se o

que recebi foi ódio, não me importaria de receber mais. — Bella sentia-se invencível. Caroline pertencia ao passado de Luke. Não tinha poderes para feri-la.

Caroline, porém, começou a rir com escárnio.— O fato de Luke ter dormido com você não significa nada. Ele

estava querendo levá-la para a cama desde Maurício. O fato de ter descoberto seu jogo fez com que se decidisse a não esperar mais. Entretanto, minha querida, agora que a conquistou, ele perderá todo o interesse. Pode escrever minhas palavras. Já presenciei isso dezenas de vezes!

— Teremos de esperar para saber, certo?Caroline se virou de costas, fingindo indiferença.— É claro que a noite passada veio a calhar. Luke sabia que eu só

voltaria hoje de Londres. Só quero ver como ele enfrentará a situação de agora em diante.

— Ele dará um jeito — Bella a provocou. Estava confiante que Luke a procuraria. O que houvera entre eles fora forte demais. Tinha certeza absoluta de que ele a queria tanto quanto ela.

— Espere sentada — Caroline zombou. — Luke precisou ir a Cardiff e duvido que volte esta noite.

— Não seja ridícula. Estive com ele há menos de uma hora.— É mesmo? Pois então não soube que um dos iluminadores caiu

do andaime? Luke teve de levá-lo a um pronto-socorro para ser radiografado. Acabei de receber o recado.

— Fala a sério? — Bella quis confirmar, embora já soubesse a resposta. A felicidade que a envolvera durante todo o dia começou a se diluir. Por que Luke avisara Caroline e não a ela? A resposta era horrível demais. Caroline é quem estivera certa todo o tempo.

— Sim. — Caroline retirou um bilhete do bolso.Bella apanhou-o e começou a ler.“Sinto muito, querida, mas não poderei voltar esta noite. Fred

Johnson parece ter fraturado o braço. Uma crueldade, não? Todo esse tempo estivemos separados e justamente hoje isso acontece. Senti sua falta. Luke.” No final da carta ainda havia uma palavra. “Beijos.”

Bella sentou-se sobre a cama como se houvesse perdido todas as suas forças. Caroline tirou o papel de suas mãos e tornou a guardá-lo no bolso.

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— Se quiser algo que a ajude a passar a longa e solitária noite, comece a ler isto. — Caroline lhe estendeu uma pasta.

— O que é?— O novo script. O final foi alterado outra vez. Quando Grayson

reencontra Dee, ela está apaixonada por um outro homem, que lhe satisfaz todos os mais íntimos anseios. — Caroline riu, sarcástica. — Talvez isso lhe dê uma outra dica de por que Luke estava com tanta pressa de levá-la para cama. Como você não é realmente uma atriz, ele sabia que seria o único a poder despertá-la para as cenas finais. Não poderia filmar uma mulher frustrada, poderia?

— Luke não faria isso!— Luke andaria descalço sobre brasas se isso significasse sucesso

para seu filme. — Caroline se deteve por um segundo. — Não sabe nada ainda sobre ele, não é? Realmente é um amante maravilhoso, mas assim que a ação termina, volta correndo para o trabalho. Aposto que ele já se havia esquecido de você no momento em que começou a abotoar a camisa ao despertar.

— Oh! — Bella tentou afastar da mente a imagem do olhar absorto de Luke enquanto se vestia pela manhã. — Só está me dizendo isso porque é o que deseja que houvesse acontecido — ela conseguiu retrucar, embora seu coração já tivesse desistido da luta. De qualquer forma, Caroline saía do quarto naquele instante.

Bella passou a noite inteira acordada na cama estreita, antes ocupada por Mandy, remoendo a humilhação e a perda sofrida. Não podia se esquecer do bilhete e do novo script. Dee estava tão confiante em seu novo amor que nada poderia abalar sua felicidade. Fora assim que Bella se sentira naquele dia e fora assim que representara seu papel. Luke deveria ter ficado muito satisfeito com o resultado de sua manipulação.

Para Grayson, contudo, o final não foi feliz. Suas cenas com Dee foram ásperas e dolorosas e quando ele finalmente foi obrigado a partir, foi com mãos vazias e o coração partido. Na última cena, ele voltava de carro para Londres. Estava amargo diante das perspectivas de um futuro solitário sem a garota por quem se apaixonara perdidamente.

Bella mordeu o lábio. Sem dúvida era isso que aconteceria com ela quando voltasse para Londres. O futuro sem Luke também lhe parecia horrivelmente vazio.

Ao chegar no local das filmagens, na manhã seguinte, Bella imediatamente avistou Luke, já em plena atividade. Ele se dirigiu para ela

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assim que a avistou.— Bella! — Ele segurou-lhe o braço.— Não me toque! — Bella se desvencilhou com um movimento

brusco.— O que foi?Ela estava tão furiosa que não conseguiu responder.— O que aconteceu? — Luke repetiu, impaciente.— Você… ontem à noite…— Tive de levar Fred ao hospital. — Ele franziu o cenho. — O pobre

rapaz fraturou o braço, e eu tive de esperar até que o engessassem para trazê-lo de volta, entende?

— Oh, eu entendo. Entendo perfeitamente. Está tudo muito claro. Claro demais para meu gosto!

— Não temos tempo agora — ele reclamou entre zangado e perplexo. — Teremos de resolver este assunto mais tarde.

— Não há nada para ser resolvido. No que diz respeito a mim, acabou!

— Acabou o quê?— O que houve entre nós… o pouco que houve.Alguém surgiu inesperadamente ao lado de Luke.— Precisamos começar a rodar, Luke, antes que o sol mude de

posição.Luke fez um gesto com a cabeça de que entendera o alerta e voltou-

se novamente para Bella.— Não estou entendendo o que deu em você!— Recuperei o bom senso! Foi isso que me deu. Bom senso

suficiente para perceber as suas táticas. — Seus olhos o fulminavam. — Ficarei aqui até o final das filmagens, Luke Retford! Farei isso por Mandy. Apenas por ela! Mas quando as filmagens terminarem, estarei no primeiro trem de volta a Londres. Espero nunca mais tornar a vê-lo!

Os olhos de Luke estavam escuros de raiva, as mandíbulas rígidas. De repente afastou-se e bateu palmas.

— Vamos lá, pessoal, ao trabalho!Bella mais uma vez se saiu bem. As cenas em que Dee gritou com

Grayson e o rejeitou eram um espelho do que havia acontecido entre ela e Luke. Sua representação foi tão perfeita que arrancou aplausos de toda a equipe.

Bella não se entusiasmou com seu sucesso. Assim que foi possível,

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pegou o atalho que ligava a montanha à casa. A distância era grande, mas ela estava mesmo precisando canalizar suas energias negativas.

— Bella, espere. Quero uma explicação! — Luke a seguiu e tentou detê-la. Bella não parou. — Qual é o plano desta vez? — Ele a segurou com força.

— Não há plano algum. Só estou voltando para o meu quarto.— Quero saber o que aconteceu com você.— Vou lhe dizer o que aconteceu — ela gritou. — Fui uma tola em

me deixar seduzir por uma única noite. Isso nunca me aconteceu antes e nunca voltará a acontecer! Agora solte-me!

— Uma única noite? Quem disse que só seria por uma noite?— Você é famoso por isso!— Está enganada. Verifique os fatos antes de falar!— Minha fonte de informação é segura.— O que está querendo dizer?— Estou querendo dizer que minha fonte o conhece muito melhor

do que eu. — Ela olhou ao redor, desesperada, mas não havia consolo na paisagem borrada por suas lágrimas.

— Diga-me o nome! — ele exigiu após um momento de hesitação.— Adivinhe por si mesmo. É um homem inteligente, não é? Abruptamente ela se libertou e começou a correr. Luke correu até

lhe bloquear o caminho.— Rumores e fofocas fazem parte do mundo do cinema, já lhe disse

isto. Não sei quem tentou colocar tanta maldade em sua cabeça, mas esperava que você soubesse se defender.

— Como você? Que não se detém diante de nada que deseja, que não se importa com os sentimentos alheios?

— Eu? Pensei que fosse o que nós desejávamos. Não creio que a tenha forçado naquela noite!

— E era — Bella gritou. — Era o que eu queria! Nunca me senti assim com outro homem!

Luke a segurou pelos ombros e a sacudiu, enraivecido.— Por que está se comportando assim, então?— Porque você… porque eu… — Ela o fitou por entre as lágrimas e

não conseguiu prosseguir. Luke a beijava possessivamente, abraçando-a com força ao seu encontro. Bella sentiu-o corresponder imediatamente ao fogo da paixão.

— Veja o que faz comigo… — ele lhe sussurrou ao ouvido.

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— Não! — Ela lutou para se libertar. Luke a fitou, cruel. Era tão simples, tão óbvio. Queria que ele a

desejasse por ela própria. Queria o que Luke nunca poderia lhe dar: honestidade e amor.

— É tarde demais — ela murmurou. — Sempre foi tarde demais desde o começo. Fui uma tola em ter esperança. Sim, eu te desejo e você me deseja, mas isso não é base para um relacionamento. Principalmente quando sei que estou sendo usada para que você possa atingir sua meta de trabalho! Não sou um fantoche, Luke. Nunca mais serei manipulada por você!

— De que diabo está falando? Manipulação? Nunca tive tão pouco controle sobre minha vida como agora!

— Pois todas as evidências são contra você — Bella insistiu.— Não sei do que você está falando.Os olhos de Bella faiscaram.— Por que não pergunta, então, a sua querida assistente? Pergunte a

Caroline… Ela parece entender as coisas melhor do que nós! — Dessa vez Luke não a seguiu e Bella desceu sozinha a montanha.

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CAPÍTULO XIV

Luke não tornou a se aproximar de Bella. Sempre que trabalhavam juntos sua atitude era puramente profissional. Dilaceravam-na o olhar frio e as ordens severas, mas ela permaneceu firme.

Uma noite, ela o ouvira voltar bem tarde à casa e parar diante de sua porta por um longo tempo. Cada músculo de seu corpo se contraiu, na certeza de que Luke iria bater na porta. Mas seus passos se afastaram lentamente. No dia seguinte, chegou a imaginar que fora um sonho apenas, mas o burburinho geral era que Luke Retford se permitira uma extravagância pela madrugada. Ele tomara uma bebedeira!

Quando viu Caroline com uma aspirina e um copo de água na mão, Bella sentiu-se péssima. Tudo o que queria era voltar para Londres o quanto antes.

— Nunca o vi desse jeito — foram as primeiras palavras de Caroline.

— Não pode me culpar desta vez. Não chego perto dele há dias. — Uma informação desnecessária, Bella pensou, pois era Caroline quem estava dormindo com ele.

— Logo descobrirá que é o melhor que podia lhe acontecer. — A amargura na voz de Caroline surpreendeu Bella. — Luke não é homem de se casar, jamais será. Devo admitir que você é mais esperta do que as outras. Muitas levam meses para descobrir e perder a esperança.

— Talvez eu também não seja mulher para o casamento. Estou surpresa com sua informação. Um cão de guarda fiel como você devia proteger os interesses do dono com mais cuidado. Aliás, seu dono deve lhe pagar muito bem pela variedade de serviços que lhe presta.

Caroline corou violentamente e desapareceu de vista, deixando Bella mais deprimida do que nunca por ter se comportado tão desagradavelmente.

O dia seguinte seria o último. Bella contava as horas para que o táxi viesse buscá-la e levá-la à estação. Estava colocando numa maleta os poucos pertences que adquirira durante a estada em Gales, quando Luke entrou em seu quarto, sem bater.

— Oh! Não o ouvi entrar! — Ela estremeceu de susto.

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— Queria lhe dar isto. — Era uma rosa silvestre. — Pensei que seria mais fácil atirar no lixo uma flor só do que todo um ramalhete. — Não havia emoção nos olhos de Luke ao falar.

Era linda. Bella o fitou sem saber o que dizer. Nunca imaginara que Luke fosse capaz de tal gesto.

— Significa um “obrigado”. Obrigado por ter realizado um trabalho tão bom mesmo sob difíceis circunstâncias. Apesar daquele pequeno episódio pessoal, eu apreciei o que você fez pelo filme.

— Pequeno episódio pessoal? — O coração de Bella sangrava de dor. Era assim que ele considerara a noite que passaram juntos… um pequeno episódio sem importância! — Não a quero! Não quero nada que venha de você!

Luke hesitou por alguns instantes.— Sabia que não aceitaria um presente, mas algo tão simples…— Nada!Bella tirou a rosa da mão de Luke e jogou-a no chão. Fez-se um

silêncio longo e pesado enquanto ambos contemplavam a flor caída.— Não era minha intenção magoá-la, Bella, quero que saiba disso.

Pensei que… diabo, não sei o que pensei! Talvez não tenha pensado. Aconteceu. E foi muito bom.

— Sim, foi muito bom. — Um nó lhe fechava a garganta. — Mas acabou. E eu quero esquecer. — Ela não conseguia olhá-lo nos olhos.

— Conseguiu um carro para levá-la à estação?— Sim.Luke olhou para a maleta sobre a cama, uma estranha expressão de

dor em seu rosto, e passou as mãos pelos cabelos naquele seu jeito peculiar. Bella sentiu os olhos umedecerem.

— Adeus, Luke.— Adeus, Bella.Assim foi a despedida… Amarga e vazia, exceto pelo gesto que se

seguiu. Bella esperou até que a porta se fechasse atrás de Luke para imediatamente se ajoelhar no chão e recolher a rosa e as pétalas caídas. Embrulhou-as cuidadosamente num lenço de papel e guardou-as na maleta.

De volta a Londres a vida seguia seu rumo. A rosa que Bella cuidara com tanto carinho nas semanas que se seguiram, secou. Mandy, que havia ficado arrasada com a condenação de Luke Retford, começava a receber inúmeras e tentadoras ofertas de trabalho, resultantes dos rumores sobre o sucesso que fora sua atuação no último filme do famoso diretor.

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De volta ao Instituto de Saúde, Bella mergulhou de cabeça no trabalho redobrado com o fim das longas férias de verão. Pete, seu colega, retornou moreno do sol da Califórnia e entusiasmado com o resultado que Bella conseguira na conferência de Bristol.

— Olhe só para essas cartas! São de todas as partes do mundo. Bell, você conseguiu nos colocar no mapa! — Ele ria. — Hei! Há um convite aqui para que você trabalhe em Estocolmo pelo prazo de um ano. Deveria aceitá-lo.

— Não, não tenho vontade. — Na verdade Bella não tinha vontade de nada ultimamente e estava começando a adivinhar o porquê.

Porque estava muito cansada, tentava se convencer, porque não tirara férias, e principalmente por causa do trauma e do stress emocional que interferira no ritmo normal de seu corpo.

Entretanto, quando voltava à noite para casa, sozinha, tinha de encarar os fatos. O mais provável é que estivesse carregando no ventre o filho de Luke. Naquela única e inesquecível noite não pensara em nada, a não ser na felicidade de estar com ele.

O que faria se estivesse realmente grávida? Não tinha idéia, a não ser uma certeza de que teria o bebê, amaria e cuidaria dele o melhor que pudesse. Às vezes fechava os olhos e imaginava como seria… se teria olhos escuros e perspicazes, se seria tão exigente quanto o pai… Outras vezes sentia-se amarga e sem esperança.

Numa certa manhã, contudo, ao se inclinar para apanhar a correspondência sob a porta, Bella sentiu uma dor enjoada e familiar na barriga. Deveria estar contente por aquilo anunciar o fim de suas preocupações, entretanto um grande desapontamento a invadiu. Perdera Luke e agora também estava perdendo a parte dele que julgara possuir.

Sentou-se numa cadeira da cozinha, as cartas na mão ainda fechadas. A força de seus sentimentos a assombrava cada vez mais.

Mudara muito nos últimos meses. Antes daquele verão considerava-se feliz. Adorava seu trabalho e vivia para a carreira. Mas, então, tornara-se uma atriz e fora obrigada a revolver todas as emoções interiores, todas as sensações reprimidas. Luke fora além de ensiná-la a representar. Despertara-lhe um amor forte e sensual sem o qual não estava mais conseguindo viver.

— Oh, Luke Retford! Queria poder odiá-lo! Queria nunca tê-lo conhecido. — Bella rasgou furiosamente um dos envelopes. Um papel espesso, na cor creme, foi ao chão. Bella arregalou os olhos, incrédula. Era um convite para a avant-première do filme de Luke.

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— Maldito! — ela gritou para as paredes. — Como ousa fazer isso comigo?

Como em resposta, o telefone tocou imediatamente.— Alô?— Sou eu. Por favor, não desligue — Luke se anunciou.— Por que me convidou para a première? Já não fiz o suficiente por

você?— Mais do que pode imaginar. — Havia uma intensidade em sua

voz que fez Bella perder o fôlego.— Então por quê?— Você nunca deveria ter recebido esse convite — ele a informou

rapidamente. — O escritório de publicidade o enviou por engano. Eu queria que comparecesse à exibição como minha sócia… e o convite deveria ter sido feito por mim, pessoalmente.

— Deve estar louco!— Louco? Por quê?— Oh! Por que não leva Caroline com você? Não é ela que sempre

está ao seu lado?— Escute… Caroline… — ele se interrompeu abruptamente. — Não

posso falar por telefone. Vou até aí. — E a linha ficou muda.Luke chegou a sua porta em menos de quinze minutos, deixando o

carro descuidadamente longe da guia, e subindo os degraus de dois em dois. Bella o observava da janela.

Luke notou de imediato sua péssima aparência.— Está muito pálida. Está doente?Bella fitou aquele rosto lindo e detestou-o por fazê-la amá-lo tanto.— Pensei que estivesse grávida — Bella confessou. — Acabo de

descobrir que não. Hoje não é o meu melhor dia do mês.— Grávida? Quer dizer que passou as últimas seis semanas se

preocupando sozinha? Oh, Bella…— Economize suas condolências, pois não estou. E mesmo que

estivesse, não o culparia. — Ela se afastou rudemente em direção à sala, Luke a seguiu.

— Está sozinha?— Sim. Mandy foi fazer um teste.— Ótimo. Fui eu que a recomendei a Dean Singer.Bella o fitou, surpresa.— Não sou tão egoísta quanto pensa. Arrependi-me pelo jeito com

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que tratei Mandy e procurei lhe abrir algumas portas.— Estou certa que ela lhe agradecerá muito por isso. Quanto a mim,

não estou interessada em suas ações, nem em você.— Está sendo sincera? — Todo o autodomínio de Luke pareceu

evaporar-se. — Pois se estiver, se realmente estiver, eu irei embora neste instante e nunca mais a incomodarei!

— Eu… — Os olhos de Bella queimavam como brasas e ela se sentia como se fosse sufocar. — Eu não sei o que sinto por você! — Uma mentira. Ela o amava, amava-o mais do que a si mesma.

Luke passou a mão pelos cabelos. Era um gesto já familiar para Bella. Um gesto que ele fazia sempre que estava zangado, surpreso ou incapaz de falar. Ergueu os braços como se quisesse tocá-la, mas os deixou cair ao longo do corpo.

— Conte-me o que aconteceu em Gales para que tenha se voltado contra mim tão abruptamente.

— Ainda não sabe?— Posso adivinhar, mas gostaria de ouvir de sua própria boca.— Você não voltou aquela noite… — Ela começou a explicar, mas

Luke a interrompeu.— Não, mas lhe enviei uma mensagem. Pedi que a deixassem em

meu quarto, onde você certamente a encontraria.— Caroline disse que a mensagem era para ela!— Caroline… Ela provavelmente queria que fosse. Você pensou que

fôssemos amantes, não é?— Foi ela própria quem me disse.— Pois não somos — Luke retrucou, a voz tensa e colérica.— Quer dizer que não há nada entre vocês?— Não há nada há muitos anos. Tivemos um caso quando ela

começou a trabalhar para mim, mas que acabou em poucas semanas… ao menos para mim. Caroline devia ter esperanças que um dia pudéssemos reatar…

— E você alimentou suas esperanças! Permitiu que continuasse trabalhando para você!

— Não sou perfeito, Bella. — Luke corou. — Ela é uma ótima assistente e sua dedicação mais ajudou do que atrapalhou. Ela quis continuar e eu permiti, mas nunca lhe dei motivos para que acreditasse que nosso relacionamento pudesse ir além do profissional.

— Ela me disse que você só dormiu comigo aquela noite porque ela

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tivera de ir a Londres. Disse-me que você tinha casos com todas as “atrizinhas” que lhe surgissem pela frente.

— Mentiras. — Luke deu um passo na direção de Bella. — Atribuíram-me essa reputação por eu ser solteiro. Não posso jurar que tenha um passado imaculado, mas nunca fui adepto de sexo casual. Não sou desse tipo. Quanto a levá-la para a cama naquela noite, nada no mundo poderia ter me impedido, do jeito que as coisas estavam entre nós.

Bella sentia o coração bater descompassado.— Bastava que tivesse me perguntado — ele suspirou, magoado. —

Eu teria lhe contado a verdade.— Há mais um detalhe.— Qual?— Caroline falou que você só fez amor comigo por causa do filme,

porque Dee Purvis deveria estar vivendo um amor devastador, e que como eu não era uma atriz profissional, você tinha de me incitar…

— Aquela maldita — ele praguejou furiosamente. — Quando puser as mãos sobre ela…

— Mas ela tinha razão sobre isso, não tinha? Desde Maurício você vinha se insinuando para mim, tentando fazer com que eu me sentisse mais livre, mais sensual… — Bella o desafiou com um olhar direto.

— Sim, é verdade — ele suspirou —, em Maurício foi verdade, mas encare os fatos sob meu ponto de vista. O filme estava pronto para se rodado, uma enorme quantia em dinheiro investida, todo o elenco e toda a equipe contratados e deslocados para as ilha, e aí me aparece uma atriz apavorada, que não sabe o que fazer diante das câmeras. Eu tinha de agir, e rápido, e logo soube como — ele sorriu quase tímido, talvez envergonhado pela confissão. — Então, quando a vi aquela noite saindo nua do mar, não quis perder a oportunidade de lhe mostrar o quanto você era uma mulher sensual e como poderia representar com o mesmo instinto. Foi naquela mesma noite que algo começou a acontecer dentro de mim. Os papéis se inverteram. Ter de me afastar de você foi a coisa mais difícil que já me aconteceu. Não tinha intenção de me envolver com você, de beijá-la, mas não pude evitar. A partir daquela noite só conseguia pensar em você, em quando a veria novamente.

— Mas você me deixou! Deixou-me na noite em que Caroline o chamou ao telefone, e não voltou.

— Não, não voltei e já expliquei o motivo. Fora uma noite difícil para você e eu temia estar abusando de sua vulnerabilidade. Não queria que se arrependesse na manhã seguinte por ter me conhecido.

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— Tem certeza de que esse é o único motivo?— Que outro poderia haver?— Caroline…— Caroline não teve nada a ver com isso.— Mas você insinuou, na praia, que ela estava em seu quarto…— Se menti foi apenas para tentar manter uma certa distância de

você. Eu a desejava, mas percebia que não era uma mulher de programa. Isso me deixava nervoso…

— Você? Nervoso?— Sim, eu. — Ele sorriu, embora os olhos continuassem sérios. —

Sempre exerci total controle sobre minha vida. De repente surgiu um pressentimento muito forte de que o domínio começava a escapar por entre meus dedos. Havia algo diferente em você, algo que eu sabia ser sério. — Ele fez uma ligeira pausa. — Então, quando retornei a Londres, mal podia esperar para rever seus lindos olhos violeta, seu sorriso hesitante. — Bella enrubesceu ao ouvir aquelas palavras. — Quando descobri a trama entre você e Mandy, pode imaginar a decepção que tive, a fúria que senti.

— Mandy e eu não queríamos…— Eu sei, eu sei. — Ele fez um gesto para que Bella se calasse. — Por

favor, não voltemos a este assunto. Tudo o que se passava na minha mente era a necessidade de trazê-la de volta para o filme, caso contrário estava arriscado a perdê-lo. Teria de trazê-la nem que fosse à força.

— Foi o que praticamente aconteceu.Luke olhou para o chão e quando continuou a falar foi em tom

divertido.— Raiva e luxúria são uma combinação explosiva, principalmente se

se adicionar uma pitada de ciúme! Quando a vi tão adorável, tão altiva, tão confiante sobre o palco e todos aqueles homens a espreitando como lobos, eu…

— Aqueles homens eram cientistas e estavam interessados em minha palestra!

— Pode ser, mas eu estava completamente fora de mim. No momento em que a vi, a verdadeira você e não Mandy, soube que a queria mais do que antes. O fato de estar furioso não fazia a mínima diferença.

— O mesmo aconteceu comigo — Bella admitiu timidamente. — Só que fiquei com mais raiva ainda por você ter me feito passar por idiota diante das pessoas que pertencem ao meu mundo.

— Pois você fez o mesmo comigo e com o meu mundo — ele a

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acusou.— Sim, tem razão. Nós nos causamos mutuamente muitos

problemas. — Nós e também o destino. Aquela noite em que tivemos que

dormir no carro! Estava tão furioso que a teria violentado se não me restasse um pouco de dignidade!

Bella começou a rir.— Você estava dormindo como uma pedra quando eu acordei!— Puro fingimento, Bella. Passei a noite toda acordado e frustrado

por não poder tê-la realmente em meus braços. Não foi fácil me dominar com você se aninhando a cada vez que se virava para o meu lado.

— Não fiz isso!— Fez, sim, e como fez! Foi por isso que eu desabei logo depois de

termos feito amor. Não havia conseguido dormir um minuto na noite anterior.

— Sempre penso o pior de você, não? — Bella baixou os olhos ao confessar.

— Acha que pode mudar?— O que está querendo dizer?— Se continuarmos a nos ver… pensaria de outra forma?Dessa vez Bella entendeu o que ele queria dizer e seu estômago se

contraiu de nervoso. Lá fora as pessoas caminhavam indiferentes a sua dor.— Não — ela sussurrou.— Não?— Não.De costas para ele, junto à janela, Bella ouviu-o dar um soco no sofá.— O que tenho de fazer, Bella, para que me veja como um homem e

não como um monstro?Ela cerrou os olhos. Via-o como homem, como o homem a quem

amava e desejava, e esse era o problema. Queria-o para sempre, não apenas por mais algum tempo. Seu coração não suportaria se Luke a deixasse depois de se tornar verdadeiramente seu amante.

— Se quer saber a verdade, nunca me senti assim antes. Estar com você foi como ser transportada ao paraíso. Só que um relacionamento físico não me basta mais…

Em duas passadas Luke estava junto a ela, apertando-lhe os pulsos com tanta força que chegou a doer.

— Quem está falando em um relacionamento apenas físico?

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— Foi assim que você agiu em Gales! Se sentisse mais alguma coisa por mim, teria tentado esclarecer o mal-entendido.

— Preste atenção, Bella. Preste muita atenção, pois só falarei uma vez. — Ele se deteve e a encarou. — Você está certa sobre Gales. Eu não sabia ainda o que estava acontecendo entre nós. Apenas sabia que queria tê-la em meus braços. Queria muito. Tinha certeza que nosso envolvimento seria ardente, explosivo, que duraria semanas, talvez meses… isso não me importava. Apenas queria viver esse relacionamento. Sempre coloquei meu trabalho em primeiro lugar. Depois que você partiu, contudo, tudo me pareceu vazio, sem sentido, até o trabalho. Comecei a beber, dizendo a mim mesmo que fora melhor que acabasse logo, que assim você não ficaria tão magoada.

Bella queria abraçá-lo naquele instante e chorar até ficar cansada.— Bella, sempre fui um homem solitário, sem raízes, mas nas

últimas semanas meu modo de vida está me parecendo o inferno. Não consigo comer, não consigo trabalhar, não consigo dormir. Todas as vezes em que fecho os olhos vejo você. Eu te amo, Bella. Não vim aqui para reviver nosso breve relacionamento, não poderia suportar essa insegurança. Quero viver com você, quero me casar com você!

— Casar? — O choque do inesperado aguçou-lhe a voz.— Sei que talvez não seja um bom marido. Que dificilmente terei

hora para voltar para casa. Que terei de viajar freqüentemente. Que tenho um gênio difícil…

— Pare! — Bella se atirou nos braços de Luke, rindo e chorando ao mesmo tempo. — Está falando como se fosse seu pior inimigo. Eu não suportaria um marido que chegasse em casa todos os dias às seis, esperando que o jantar já estivesse na mesa. Meu trabalho também é importante para mim. Eu precisarei de tempo e espaço para poder continuar cuidando de minha carreira.

— Isso é um sim? Poderia me amar um dia, Bella?— Se eu poderia? Mas se o amo desde o primeiro dia em que o vi!Seus lábios se encontraram profunda e apaixonadamente.— Poderíamos ir para a cama? — Luke sussurrou. — Sei que não

poderemos fazer amor hoje, mas queria ficar mais junto de você.Mais tarde, bem mais tarde, Luke perguntou:— Como se sentiu quando pensou que estava grávida?— Fiquei assustada de início, mas queria o bebê, queria-o mais que

tudo na vida.

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— Então verei o que posso fazer. — Ele sorriu. — Mas só depois de tê-la só para mim por algum tempo! Sou um pouco egoísta.

— E eu sou muito prática. Quando pensei que estava grávida, já estava fazendo planos para trabalhar apenas meio período no instituto.

— Sei que é. — Ele a beijou. — Sabe quando foi que percebi que estava me apaixonando? Foi quando a vi discursando para todos aqueles doutores. Beleza e cérebro juntos! Foi a primeira vez que vi a verdadeira Bella, e perdi a cabeça!

Lá fora começava a escurecer. Bella esticou os braços preguiçosamente sobre os travesseiros.

— Já é quase noite e nós ainda não nos levantamos.— Conhece uma forma melhor para passarmos um sábado chuvoso?— Não — e sorriu.— Poderemos repetir isso com freqüência?— Todas as semanas. — Ela piscou. — Com exceção, é claro, dos

dias de trabalho.— Creio que terei um horário mais flexível a partir de agora.— Luke, posso lhe pedir um favor? — Ela se aninhou em seus

braços.— Acha que eu seria capaz de lhe negar um pedido?— Talvez… pois acho que não ficará muito contente.

Três semanas depois Bella estava diante da televisão, um sanduíche no colo, uma pilha de papéis no chão. Nunca estivera mais feliz em toda a sua vida.

Na tela, a imagem do príncipe e da princesa reais descendo de uma limusine para participarem de um grande evento de caridade. A avant-première de um filme, cuja renda seria inteiramente destinada a obras filantrópicas. Subitamente Mandy foi focalizada, maravilhosa em seu vestido prateado, ao lado de Luke, alto, moreno e devastador em seu smoking.

Bella o amava por sua generosidade em perdoar Mandy e permitir que ela o acompanhasse. Amava-o por tudo, amava-o por ele mesmo.

E quando a câmera o focalizou de perto, ela soube que aquele sorriso era só para ela. Seu coração começou a bater mais forte. Dentro de poucas horas Luke estaria voltando para casa e a tomaria mais uma vez em seu braços.

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Edição 629

A PROFESSORA DA ILHARobyn Donald

Vivendo apenas para seus alunos, Oriel não imaginava que algum homem pudesse amá-la, pois cresceu achando que era muito feia e sem graça.Um acidente fez com que conhecesse Blaize Stephenson, um poderoso

fazendeiro. Apreciador de desafios, ele simplesmente desprezou a imagem de “boa professora” que ela cultivava. Queria despertar-lhe as paixões mais

loucas, fazendo-a vencer o medo de ser mulher. Oriel quis fugir. Blaize jurou segui-la até o inferno!

Uma história inesquecível de amor!

Edição 630

O DIA MAIS FELIZ…Nicola West

A igreja enfeitada de flores, a música tocando, lágrimas de alegria correndo pelo rosto normalmente sorridente de Jenna. Daryl entrando, seu marido

agora!Não havia ninguém mais belo e elegante, e o coração de Jenna batia forte no

peito. Mas sua felicidade durou apenas o tempo da cerimônia. Ao voltar para casa, ela viu uma cena que ficaria gravada para sempre em sua mente: Daryl

beijando com paixão a fotografia da ex-noiva, que ela julgava morta e esquecida!

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