as canções para voz e piano de josé penalva
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Artigo sobre pianoTRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA
MESTRADO EM MSICA
GRASIELI CRISTINA DOS SANTOS
AS CANES PARA VOZ E PIANO DE JOS PENALVA:
UM ESTUDO CRTICO-INTERPRETATIVO
CURITIBA
2012
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GRASIELI CRISTINA DOS SANTOS
AS CANES PARA VOZ E PIANO DE JOS PENALVA:
UM ESTUDO CRTICO-INTERPRETATIVO
Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Msica pelo Programa de Ps-Graduao em Msica do Departamento de Artes da Universidade Federal do Paran Orientador: Dr. Maurcio Dottori
CURITIBA 2012
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Ao Alexandre, amor de todas as minhas vidas [], nico capaz de me convencer a casar!, por me ensinar o verdadeiro significado de companheirismo.
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AGRADECIMENTOS
Ao criador dos cus e das terras, por me mostrar que a
racionalidade no exclui, mas complementa a f.
Aos meus queridos pais, Elen e Jos, pela vida, pelo exemplo,
pela educao [...] Me, obrigada por colocar tua vida
temporariamente de lado pela nossa, fez toda a diferena! Pai,
obrigada pelo exemplo de simplicidade e trabalho duro.
Hiermit mchte ich mein Herzlichsten Dank ausprchen an
meine liebe Oma, die immer ein gutes Wort und eine grosse
Untersttzung fr mich hat. Von Ihr bekam ich meine erste
Klawiertur und meine erste Konzertkleidung. Nochmals Danke
Oma!
Ao meu marido, pela pacincia, pelas contribuies e, [claro!]
por aceitar que as horas de correpeties fossem pagas com
trabalho escravo.
Ao meu irmo que, apesar de distante, sempre torce por mim
em pensamento.
Dona Mara, que, onde quer que esteja, tem olhado por ns e
nos acompanhado em nossa jornada.
Ao meu querido orientador que me adotou quando me fiz rf
[...] por toda a pacincia, ajuda, sabedoria, humildade e por
toda a criatividade e ironia, fundamentais para esse trabalho.
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Ao prestativo Padre Jaime Snchez Bosch, guardio das obras e
grande amigo do Padre Penalva, sempre atencioso, nos cedendo
os materiais, respondendo a inmeros e-mails e nos acolhendo
como famlia.
professora Denise Sartori pelas valiosas contribuies e
indicaes bibliogrficas que me permitiram uma maior
reflexo cientfica sobre tcnica vocal, interpretao, fisiologia e
anatomia da voz.
Aos professores membros da banca de avaliao, Adriana
Kayama e Edwin Pitre, pela leitura cuidadosa do trabalho e
todas as consideraes feitas que fizeram essa pesquisa
amadurecer.
minha querida fonoaudiloga Teresa Pesenti [especialista em
voz], por me ajudar a encontrar o que tanto busco. Voc uma
luz na minha vida!
soprano Kalinka Damiani, por tudo o que tem ensinado a
mim e pelas sugestes interpretativas a cerca das canes.
Aos grandes amigos [especialmente Dani, Hugo, Malu e Cris]
dos quais tive que me privar da presena para que esse trabalho
pudesse ser feito.
CAPES pela bolsa de estudos.
A todos que contriburam de alguma forma para a realizao
deste trabalho.
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Pedi e se voz dar; buscais e achareis; batei porta e se vos abrir; porque todo aquele que pede recebe, quem procura acha, e se abrir quele que bater porta (MATEUS, VII, 7-11).
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RESUMO Jos Penalva (1924-2002), natural de Campinas SP, foi um dos compositores mais importantes a atuar no estado do Paran. Sua obra vasta e pouco explorada, com exceo do repertrio pianstico e algumas peas orquestrais. Nessa dissertao apresento um estudo sobre suas canes seculares para voz e piano compostas entre os anos de 1953 e 1970. Esse trabalho teve como objetivos: analisar a relao texto/msica que permeia as canes, traar uma trajetria estilstica entre essas canes inseridas no contexto composicional em que foram concebidas e um estudo das dificuldades tcnicas da melodia executado pelo cantor. Como suporte terico para a anlise musical utilizei algumas ferramentas da anlise estilstica de Jean LaRue e da anlise fenomenolgica de James Tenney, aplicada somente na cano Dois Momentos. Para a anlise da poesia fiz uso do modelo proposto por Norma Goldstein, do estudo de versificao em lngua portuguesa de Manuel Bandeira e da pesquisa de Peter Stacey sobre a anlise de msica contempornea. Conclui que suas canes so essencialmente nacionalistas, pela escolha dos temas, ritmos, textos e linguagem composicional utilizada. Nelas, o piano um instrumento ambientador e comentador e em alguns momentos a msica assume funo mimtica. J sua obra Parafolclricas Dois Momentos difere das demais canes para canto e piano, sendo este o instrumento que oferece unidade e coeso ao texto, complementando as idias do canto. Os textos escolhidos para as canes so essencialmente textos folclricos ou poemas modernistas de fase nacionalista. Quanto mtrica, so recorrentes os usos de redondilhas maiores, talvez por um maior conforto do compositor em escrever para esse ritmo potico. Foram tambm discutidas as dificuldades tcnicas do canto nas obras e sugeridas solues para sua execuo alm de sugestes interpretativas para a performance. Palavras-chave: Cano brasileira. Nacionalismo. Texto/msica. Dificuldades tcnicas.
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ABSTRACT Jos Penalva (1924-2002) born in Campinas, state of So Paulo was one of the most important composers to work in the state of Paran. His work is vast and little explored, except for his piano music and some orchestral pieces. In this dissertation, I present a study of his secular songs for voice and piano, which were composed between 1953 and 1970. In it I aimed to analyze the relationship between text and music that pervades the songs; to draw a line of stylistic development for the songs, according to the compositional background they were conceived; and to study the technical difficulties of the melodies written for the singer. As a theoretical support for the musical analysis I used some tools of stylistic analysis proposed by Jean LaRue and the phenomenological analysis by James Tenney (applied only to the song Dois Momentos). For the analysis of the poetry, I used the model proposed by Norma Goldstein, the study of Portuguese versification by Manuel Bandeira, and Peter Staceys research on the analysis of music and text in contemporary composition. The research revealed that the songs are essentially nationalist in light of the choices of poetic themes, rhythms, texts and compositional idiom. In them, the pianos function is either atmospheric or commentator, and in some moments the music is given a mimetic function. His work Parafolclricas Dois Momentos, however, is different from the other songs for voice and piano, as this instrument bestows unity and cohesion to the text, complementing the ideas given to the voice. The chosen texts are essentially folkloric or modernist poems of the nationalist period. In terms of their meter, the use of seven-syllable traditional verses (redondilhasmaiores) is recurrent, perhaps due to a greater comfort of the composer with this poetic rhythm. The technical difficulties for the singer were discussed and solutions to overcome them were presented, as well as suggestions of interpretation for the performance. Keywords: Brazilian Song. Nationalism. Text/music. Technicaldifficulties.
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SUMRIO
INTRODUO .......................................................................................... 14
1. JOS PENALVA MSICO E SACERDOTE .......................................... 19
2. A CANO PARA CANTO ..................................................................... 23
2.1 AS CANES DE JOS PENALVA ................................................................... 26
2.2 AS APOSTILAS DE HISTRIA DA MSICA ................................................... 29
3. ANLISE MUSICAL E TEXTUAL DAS CANES ................................. 32
3.1 SAUDADE ............................................................................................................ 32
3.2 TRS PEAS PARA VOZ E PIANO ...................................................................... 47
3.2.1 Pea I .......................................................................................................... 48
3.2.2 Pea II......................................................................................................... 52
3.2.3 Pea III ....................................................................................................... 56
3.3 BOA NOITE .......................................................................................................... 60
3.4 TRS MELODIAS SIMPLES ................................................................................. 66
3.4.1 Jangada de Vela .......................................................................................... 67
3.4.2 Eu nasci naquela serra ................................................................................ 73
3.4.3 Bentevi ........................................................................................................ 79
3.5 PARAFOLCLRICAS - DOIS MOMENTOS ......................................................... 85
3.5.1 Primeiro Movimento - Reis Magos .............................................................. 87
3.5.2 Segundo Movimento - Me Preta ................................................................ 96
CONSIDERAES FINAIS ..................................................................... 102
REFERNCIAS ....................................................................................... 106
ANEXOS ..................................................................................................110
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LISTA DE FIGURAS:
Figura 1:Tema a da sesso A. ............................................................................................... 33
Figura 2:Tema b da sesso A. .............................................................................................. 33
Figura 3: Ritmo sincopado do piano reforando a metfora da saudade .............................. 37
Figura 4:Desenho meldico imitando os bordes de violo tpicos de choro ........................ 37
Figura 5:Comparao rtmico-meldica da Introduo e 2 parte do tema b. ...................... 40
Figura 6:Comparao entre tema a e tema a. ...................................................................... 41
Figura 7:Elemento conectivo cadencial. ............................................................................... 42
Figura 8:Pontos de maior dificuldade tcnica da cano. ..................................................... 44
Figura 9:Sugesto de exerccio para melhorar os saltos de oitava. ....................................... 45
Figura 10:Sugesto de exerccio para melhorar o ataque...................................................... 46
Figura 11:Exemplo do pulso ternrio implcito em compasso binrio simples. ..................... 46
Figura 12:Verso para coro de 1966. .................................................................................... 47
Figura 13:Verso para coro de 1980. .................................................................................... 47
Figura 14:Delimitao das duas primeiras frases da Pea I antecedente e consequente ................ 49
Figura 15:Estrutura frasal, meldica e harmnica da Pea I.................................................. 51
Figura 16:Primeira frase vocal e sugesto de execuo articulatria parte A (pea II) ....... 54
Figura 17:Frases e sugesto de execuo articulatria parte A (pea II). ........................... 55
Figura 18:Frase, harmonia e sugesto de execuo articulatria parte A (Pea II).. .......... 55
Figura 19:Primeira e segunda frases e suas articulaes Pea III. ..................................... 57
Figura 20:Frases 3 e 4 e sugestes de intensidade Pea III ............................................... 58
Figura 21:Msica sob os versos da primeira estrofe de Boa Noite parte A ......................... 63
Figura 22:Mudana de tonalidade e textura para a 2 estrofe do poema Parte B. ............. 64
Figura 23:Retomada do tema inicial pelo piano Parte A .................................................. 65
Figura 24:Imitao do balano das ondas na introduo do piano Jangada de Vela. ....... 68
Figura 25:Harmonias paralelas e extenso vocal da parte A Jangada de Vela................... 70
Figura 26:Progresso harmnica por 4as e balano das ondas Jangada de Vela ............. 71
Figura 27:Coda e perturbao da melodia Jangada de Vela .......................................... 72
Figura 28:Contorno meldico e cadncias das frases da parte A Eu nasci naquela serra. . 76
Figura 29:Contorno meldico e harmonia da parte B Eu nasci naquela serra. ................ 77
Figura 30:Contorno meldico e harmonia da Coda Eu nasci naquela serra. .................... 78
Figura 31: Linha vocal e do piano sincopado da parte A Bentev. ..................................... 82
Figura 32:Contorno meldico e cadncias do acompanhamento na parte B Bentev. ........ 83
Figura 33: Linha vocal, harmonia e sugesto de dinmica para a parte C Bentevi. ........... 84
Figura 34:Srie dodecafnica que serviu de base para a composio de 2 Momentos. ......... 87
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Figura 35:Clang 1 e seus elementos constituintes 1 pentagrama. .................................... 91
Figura 36:Clang 2e elementos semelhantes por familiaridade 2 pentagrama. ................ 91
Figura 37:Clang 3 e elemento semelhante por proximidade 3 pentagrama ..................... 92
Figura 38:Clang 4, elementos semelhantes por prox. e fam. 4 pentagrama ..................... 94
Figura 39:Clang 5 e 6, respectivamente 5 e 6 pentagramas. .......................................... 95
Figura 40:Clang 7 e paralelismo de 4as 7 Pentagrama. .................................................... 95
Figura 41:Clang 1 e seus trs elementos............................................................................... 98
Figura 42:Clang 2 e sobreposio de elementos ao bate p ............................................. 100
Figura 43:Clang 2 e sobreposio de elementos ao bate p .............................................. 101
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LISTA DE TABELAS:
Tabela 1: Ano de composio das canes para canto e piano de Jos Penalva. .................... 27
Tabela 2: Ano e local das canes para voz e piano de Jos Penalva ..................................... 28
Tabela 3: Escanso Rtmica do Poema Saudade .................................................................. 35
Tabela 4: Sntese das caractersticas principais da Pea I ..................................................... 52
Tabela 5:Acordes e notas da melodia escolhidas pelo compositor Pea II ......................... 53
Tabela 6:Sntese das caractersticas e sugestes de interpretao Pea II.......................... 56
Tabela 7: Sntese das caractersticas e sugestes de carter Pea III.................................. 59
Tabela 8:Comparao das caractersticas entre as Trs Peas para Voz e Piano .................. 59
Tabela 9:Escanso rtmica do poema da cano Boa Noite .................................................. 61
Tabela 10: Sntese das caractersticas da cano Boa Noite. ................................................. 66
Tabela 11:Escanso Rtmica do poema Jangada de Vela...................................................... 67
Tabela 12:Sntese das caractersticas estruturais e musicais de Jangada de Vela ................. 73
Tabela 13: Escanso rtmica de parte do poema Tristezas do Jeca.. ..................................... 74
Tabela 14:Sntese das caractersticas de Eu nasci naquela serra .......................................... 79
Tabela 15:Escanso Rtmica do poema da cano Bentevi.................................................... 81
Tabela 16: Sntese das caractersticas musicais de Bentevi. .................................................. 85
Tabela 17:Escanso rtmica do poema Reis Magos .............................................................. 88
Tabela 18:Sntese analtica e interpretativa do primeiro movimento .................................... 96
Tabela 19:Escanso Rtmica do poema Me Preta ............................................................... 97
Tabela 20:Esquema formal do segundo movimento e caracterizao das partes ................. 101
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INTRODUO
Aps o contato com peas do repertrio instrumental de Jos Penalva em
2007, durante um recital com obras do compositor, despertou-me o interesse em
conhecer sua obra vocal de cmara. Em uma busca inicial, descobri alguns trabalhos
acadmicos que apontaram a existncia de um acervo que reunia inmeras obras do
compositor, documentos sobre a vida religiosa e musical do Padre Jos Penalva e
tambm parte de sua produo didtica.
Em visita a este acervo, denominado, na poca, Espao Penalva1, observei
que grande parte de suas composies aguardava ainda por edio e publicao.
Dentre os manuscritos encontrados, havia sua obra vocal de cmara, e mais
especificamente, suas canes para voz e piano, corpus desse trabalho.
A escolha das canes, em especial, deve-se convergncia entre meus anos
de estudo em canto erudito e de minha formao em Letras, visto que na cano,
msica e poesia interagem e essa relao texto/msica sempre me despertou
interesse. No poderia deixar tambm de atribuir minha opo por essa pesquisa, s
pesquisas acadmicas recentes que visam o estudo e o resgate da cano brasileira,
em especial ao projeto homnimo da UFMG2, que tem incentivado seu estudo e
resgate.
Dentre suas composies, Penalva escreveu peas para instrumento solo,
msica de cmara, coro a cappella, obras orquestrais e corais-orquestrais, com
solistas, atores e declamadores. Observa-se, no catlogo de Prosser3, que predomina a
msica vocal sobre a instrumental. Tambm em maior quantidade so as obras sacras
se comparadas s seculares e as obras para coro.
O Catlogo de Obras do Ministrio das Relaes Exteriores do Brasil4, a obra
36 Compositores Brasileiros, o Catlogo Comentado e o livro Jos Penalva
1 Atual Museu Claretiano de Curitiba, inaugurado em outubro de 2011, anexo ao Studium
Theologicum e Igreja Imaculado Corao de Maria, h um espao dedicado a toda a obra literria e musical de Padre Penalva.
2 Projeto Resgate da Cano Brasileira (UFMG), disponvel em:
https://www.grude.ufmg.br/cancaobrasileira 3 Elisabeth Seraphim Prosser, Um olhar sobre a msica de Jos Penalva: Catlogo Comentado
(Curitiba: Champagnat, 2000), 19. 4Ariede Migliavacca e Lus Milanesi e Paula Ferreira,Jos Penalva: Catlogo de obras(Braslia:
Ministrio das Relaes Exteriores), 1978.
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umavida com a batina e a batuta5, trazem as obras do compositor, sendo o ltimo o
mais completo. Foi em consulta a esses materiais que pude selecionar um grupo de
canes para voz e piano que revelam uma trajetria estilstica e composicional no
repertrio vocal desse compositor.
Embora no faam parte de uma coletnea ou lbum de canes, quando
observadas cronologicamente, essas canes apresentam diferentes linguagens
musicais utilizadas como recursos composicionais, que vo desde o tonalismo
tradicional nas obras sacras da dcada de 1940 at o atonalismo na dcada de
1970. Essa pluralidade idiomtica, nas canes tambm, aponta possivelmente para
fases distintas do compositor, como descrito por Gonalves6 ao analisar a trajetria
estilstica de Jos Penalva em suas trs sonatas para piano solo.
H setenta e trs canes catalogadas para voz e instrumento, entre canes
sacras (59) e seculares (14). O corpus dessa pesquisa, entretanto, compe-se apenas
das 13 canes seculares compostas para voz e piano, como catalogadas por
Bojanoski e Prosser7.
Dentre os recursos composicionais empregados por Penalva, deparei-me com
a utilizao de tcnica estendida da voz8 em duas das canes Trs Reis Magos e
Me Preta: especificaes como grito de dor macio, semi-cantado, declamado e
liberdade para a improvisao do intrprete, por exemplo. Minha formao,
enquanto cantora, at ento, limitava-se ao repertrio europeu clssico e romntico
escritos para meu tipo de voz. Nesta pesquisa, utilizarei a classificao vocal sugerida
por Miller9, a partir da qual minha tessitura vocal seria a de sobrette/coloratura.
As demais canes tm carter nacionalista e, apesar da aparente
simplicidade de execuo, tive dificuldade em cantar a cano Saudade. Havia um
5 Silvana Bojanoski e Elisabeth Prosser, Jos Penalva: uma vida com a batina e a batuta (Curitiba:
Artes Grficas e Editora Unificado, 2006).
6 Alexandre Gonalves, As 3 Sonatas para Piano de Jos Penalva: Uma Abordagem Analtico-Interpretativa (Dissertao de mestrado, Universidade Estadual de Santa Catarina, 2009), 25.
7 Bojanoski e Prosser, 81-85.
8Tcnica estendida da voz uma denominao que descreve a utilizao no convencional da voz cantada, especialmente a partir do sculo XX, inicialmente com Arnold Schoenberg. Inclui a utilizao de qualquer som possvel de se produzir com a voz humana, a critrio da necessidade esttica do compositor.
9 Richard Miller, The structure of singing: system and art in vocal technique (Boston: Schirmer,
1996), 7-8.
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salto de oitava em que minha voz sempre apresentava uma quebra, alm de um piano
sbitoem que minha voz recuava. Surgiu a necessidade, ento, de compreender o
porqu dessas dificuldades e encontrar solues para sua realizao. Parti, assim,
inicialmente, de Mrio de Andrade que tanto escreveu sobre a cano brasileira e os
compositores brasileiros, e que, como escritor e musiclogo, foi grande idealizador da
msica e cano nacional e influenciou toda uma gerao de compositores alm de
ter pesquisado a lngua nacional.
Em 2003, pesquisadoras advertiam que eram escassas as publicaes sobre a
cano brasileira10. O nmero de trabalhos, desde ento, cresceu consideravelmente,
mas o acesso a gravaes e partituras ainda restrito e difcil. A escassa produo
acadmica sobre as obras do Padre Penalva foi outro fator que me estimulou a
direcionar minha prtica musical e interpretativa para suas obras vocais para canto e
piano. No h, at o presente momento, nenhum trabalho dirigido a investigar o
repertrio vocal de cmara de Jos Penalva11.
Em algumas canes Penalva no determinou nos manuscritos autgrafos
para qual tipo de voz foram escritas. Algumas delas foram classificadas por Prosser
como sendo para voz mdia, no especificando se para voz masculina ou feminina.
Essa classificao, entretanto, vaga para o cantor que deseja interpretar a obra.
Algumas dessas canes apresentam saltos do registro mdio para o agudo de
soprano, que a tessitura mais aguda das vozes femininas, o que refora a
necessidade de uma classificao mais especfica.
Sendo assim, para delimitar as canes a serem estudadas dentre as
elencadas, utilizei minha tessitura vocal como parmetro sobrette/coloratura e o
que lhe cabvel interpretar, dentro de minha extenso vocal. Desse modo, outros
profissionais com classificao vocal semelhante podero utilizar esta pesquisa como
suporte para a compreenso e interpretao dessas peas.
Nos captulos iniciais dessa dissertao, fao uma reviso histrico-
bibliogrfica e documental sobre Jos Penalva, sua obra como um todo, e mais
10 Luciana de Castro, Margarida Borgoff e Mnica Pdua, Em defesa da cano de cmara
brasileira. Revista PerMusi, v.8. (Belo Horizonte: UFMG, 2003), 74. 11 At o momento, sabe-se da existncia dos trabalhos de Fregoneze (1993), sobre a obra para piano
de Jos Penalva; o Catlogo Comentado (2000) e a biografia do compositor (2006), ambos da pesquisadora Elisabeth Prosser; um artigo que apresenta a anlise musical sobre a Mini-Sute N. 1 para piano de Jos Penalva, de Albrecht e Pascoal (2004); e a dissertao de mestrado de Gonalves (2009), que analisa musical e estilisticamente, as trs sonatas para piano de Jos Penalva.
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especificamente, sobre suas obras vocais. Foram revistos os trabalhos de Fregoneze12,
Prosser13, Bojanoski e Prosser14, Albrecht e Pascoal15, e Gonalves16. Tambm foi
realizada pesquisa sobre a cano brasileira de cmara, o nacionalismo musical no
Brasil e a lngua nacional17 nos escritos de Vasco Mariz, Luiz Heitor Correia de
Azevedo, Mrio de Andrade e Dante Pignatari.
A partir dessas revises reuni informaes que nortearam a observao da
trajetria estilstica na linguagem composicional de Jos Penalva, compreendendo os
caminhos escolhidos por ele durante a composio das canes. Inclui-se nessa etapa
o estudo das apostilas de Histria da Msica escritas pelo compositor, nas quais
explicitou alguns conceitos que orientaram sua prtica composicional.
Num segundo momento, apresento a anlise musical propriamente dita das
canes e a observao da relao texto/msica existente. Meu objetivo foi ressaltar
caractersticas harmnicas e meldicas que sustentam as idias dos poemas
utilizados, com base nas ferramentas de anlise harmnica e fraseolgica
tradicionais. Fiz uso tambm de algumas idias propostas por Jan LaRue18, por
James Tenney19, o material de histria da msica desenvolvido por Jos Penalva e as
12 Carmem Fregonese,A Obra Pianstica do Padre Jos de Almeida Penalva (Dissertao de
Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1992). 13Prosser, Um olhar 14Bojanoski e Prosser. 15 Cintia Albrecht e Maria Lcia Pascoal. As estruturas de conjuntos na tcnica de doze sons: Mini-
suiten.1 de Jos Penalva: anlise e performance. Revista Eletrnica de Musicologia. Vol. 8 (Dez 2004). http://www.rem.ufpr.br/_REM/REMv8/penalva.html (acessado em 3 Nov, 2009).
16 Gonalves. 17 Os estudos sobre o portugus brasileiro cantado, idealizado por Mrio de Andrade, tiveram
continuidade com um grupo de pesquisadores e cantores brasileiros no XIV Congresso da ANNPOM - Associao nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Msica. Foram sistematizadas e consolidadas um grupo de norma para a pronncia do portugus brasileiro cantado, que esto disponveis em: http://www.anppom.com.br/opus/data/issues/archive/13.2/files/OPUS_13_2_Kayama_Carvalho_Castro_Herr_Rubim_Padua_Mattos.pdf
18Jean La Rue, Guidelines for style analysis (New York: W. W. Norton & Company, 1970). 19James Tenney, Meta Hodos: A Phenomenology of 20th-Century Musical Materials and an
Approach to the Study of Form (Larry Polansky: Oakland, 1976).
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sugestes analticas de Peter Stacey20, que apontam exemplos de ferramentas
composicionais da msica do sculo XX e da juno texto/msica na composio
contempornea. Para a anlise dos poemas das canes, foi utilizada a proposta de
Norma Goldstein21, que secciona o poema com finalidade didtica e o estuda sob
vrios aspectos, sem deixar que a unidade do texto se perca e tambm a proposta de
Manuel Bandeira22 sobre versificao em lngua portuguesa.
A partir dessas anlises distintas, pude traar um paralelo entre msica e
poesia, observando o modo como se relacionam e interagem na composio. Ainda
com base no estudo da letra e da msica, alm das pesquisas de Mrio de Andrade23
sobre os compositores e a lngua nacional, das pesquisas sobre fisiologia e anatomia
(Pinho e Pontes24) e tcnica vocal (Miller25), foram observadas as dificuldades
tcnico-vocais encontradas no estudo das obras e apresentadas sugestes
interpretativas para a execuo das peas. certo que interpretar uma obra algo
subjetivo e a interpretao diverge de um intrprete para o outro, por isso apresento
meus pareceres interpretativos apenas como sugestes ao final de cada anlise.
Atravs desse processo, buscou-se construir um olhar musicolgico e crtico
de cada cano, contribuindo com a investigao mais sistematizada da cano de
cmara brasileira e da obra de Jos Penalva. O nome do compositor j figura em
publicaes recentes sobre a histria da msica brasileira, mas a maior parte de suas
obras, infelizmente, ainda possui repercusso apenas regional.
20 Peter Stacey, Towards the analysis of the relationship between music and text in contemporary
compositions, Contemporary music Review, vol. 5, n. 1 (Set, 1989). http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/07494468900640501 (acessado em 11 out. 2011).
21 Norma Goldstein, Versos, sons, ritmos, 11 ed. (So Paulo: tica, 1999). 22 Manuel Bandeira, A versificao em Lngua Portuguesa. In Seleta em Prosa, org. por Jlio
Castaon Guimares (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997), 531-557. 23 Mrio de Andrade, Aspectos da msica brasileira, 2 Ed. (So Paulo: Martins Editora; Braslia:
INL, 1975). 24 Slvia Pinho e Paulo Pontes, Msculos Intrnsecos da Laringe e Dinmica Vocal (Rio de Janeiro:
Revinter, 2008). 25 Miller, The structure of singing...
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1. JOS PENALVA MSICO E SACERDOTE
Jos de Almeida Penalva (1924-2002) desenvolveu diversas atividades ao
longo de sua vida: a de compositor, sacerdote, professor, musiclogo, crtico, regente
e escritor. No prefcio ao catlogo comentado de Elisabeth Prosser, Almeida Prado
afirmou considerar Jos Penalva um grande compositor brasileiro com o qual muito
aprendeu e teve a honra de conviver1.
Natural de Campinas-SP, mudou-se para Curitiba em 1942 para estudar
Filosofia e Teologia no Seminrio Maior, dando continuidade a sua formao
religiosa2. O contato com a msica teria acontecido desde a infncia, atravs de seus
pais que tocavam instrumento musical e cantavam (seu pai, o violo e sua me, o
piano). Pertenceu a uma famlia bastante religiosa e assim como a msica, a religio
que alguns anos depois determinaria sua vida foi seguida desde cedo.
O tempo em que cursou o seminrio na dcada de 1940 Penalva frequentou
escolas catlicas desde onze anos de idade propiciou o contato com pessoas
importantes que o auxiliaram e influenciaram. Entre 1947 a 1949, assumiu a regncia
do Coro Claretiano, e de seu perodo como seminarista datam suas primeiras
composies, algumas delas sacras. Essas obras primeiras, mais tarde, Penalva
consideraria exerccios de composio ou obras de sua juventude3. Sobre suas
composies, Penalva dizia ainda que sempre fugiu da Tnica-Dominante-Tnica.
Aps sua ordenao em 1949, Penalva passou trs anos em Guarulhos,
perodo em que estudou Contraponto, Fuga e Composio com o maestro Savino de
Benedictis (1883-1971). Retornou Curitiba em 1953 e assumiu as funes de padre
coadjutor, auxiliando a formao dos alunos de teologia. At 1955 foi tambm o
diretor da revista Vida Claretiana.
No ano de 1956 viajou para So Paulo e Roma, onde desenvolveu sua tese de
doutoramento, defendida em 1958: De credibilitate rationali Fidei Christianae juxta
Guglielmum Alvernum. A tese foi posteriormente publicada, em 1987, com as
devidas modificaes sugeridas pelos avaliadores. Enquanto esteve em Roma
especializou-se em Msica da Renascena com Domenico Bartolucci (1917) e em
1Almeida Prado, 2000, prefcio em Prosser, Um olhar sobre a msica de Jos Penalva: catlogo
comentado, Curitiba: Champagnat, 2000. 2 Bojanoski e Prosser, 14. 3Bojanoski e Prosser, 21.
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Canto Gregoriano com Raffaele Baratta (1889-1973) no Pontifcio Instituto de Msica
Sacra.
Assim que retornou a Curitiba em 1958, Penalva iniciou um perodo prspero
em sua atividade composicional, intelectual (e cultural), desenvolvendo inmeras
atividades com desenvoltura e autoridade 4. Em 1959 e 1960 especializou-se em
Msica Contempornea com Damiano Cozzella (1928) em So Paulo, e nesse perodo,
rompeu definitivamente com a tonalidade.
Elisabeth Prosser5afirma que Penalva possuiu fases distintas quanto a
caractersticas estilsticas. Ela as dividiu por dcadas, a partir de 1940 at a de 1980.
Explica que o compositor partiu do tonalismo tradicional (1940), introduzindo e
incorporando progressivamente cromatismos e dissonncias em suas obras,
chegando ao atonalismo e aleatoriedade na dcada de 1970 e, finalmente, em sua fase
harmonicamente livre e ecltica nas dcadas de 1980-90.
A dcada de 1960 foi marcada por uma intensificao das atividades
religiosas de Jos Penalva. Alm de suas obrigaes de sacerdote, Penalva reassumiu
em 1958 suas atividades de docncia no Instituto Teolgico, auxiliando nas
negociaes para a implantao do Studium Theologicum. Em 1959 teve incio a sua
carreira docente na Escola de Msica e Belas Artes do Paran, que se seguiu por mais
de quatro dcadas, perodo em que ministrou diversos cursos, oficinas e palestras.
Em 1964 cria o Coro Pr-Msica que, em 1982, passou a denominar-se Madrigal
Vocale.
De 1965 at 1977, aps a fundao da Sociedade Pr-Msica (por Jos
Penalva, Aristides Severo Athade, Maria Leonor Mello de Macedo e Henriqueta
Garcez Duarte), foram promovidos em Curitiba os Cursos e Festivais Internacionais
de Msica de Curitiba. Juntamente com Roberto Schnorrenberg e Henriqueta Garcez
Duarte, coordenou o XXI Curso Internacional de Frias de Terespolis.
Por exercer atividades docentes, Jos Penalva costumava se preparar durante
meses para as aulas que viria a lecionar e criava material prprio: suas apostilas.
Escreveu cerca de nove apostilas, dentre as quais: Msica do Sculo XX [...],Msica
4Bojanoski e Prosser, 29. 5Elisabeth Prosser, Tendncias da composio erudita em Curitiba na segunda metade do sculo
XX: compositores nascidos entre 1918 e 1936. InAnais do II Simpsio Latino Americano de Musicologia (Curitiba: Fundao Cultural de Curitiba, 1999), 212.
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contempornea pr-vanguarda, vanguarda e ps-vanguarda e Estruturas
fundamentais do contraponto I Modal; II Tonal; III Atonal.
Na dcada de 1960 aconteceu o Conclio do Vaticano II que, desencadeando
mudanas importantes na Igreja Catlica, tambm repercutiu no trabalho de Jos
Penalva. A partir de 1963 fez parte do Movimento de Renovao da Msica Sacra
(MRMS) e de 1966 a 1971 esteve engajado em criar msica sacra em portugus. A
partir de 1967 comps obras que no tivessem somente valor funcional. No fim da
dcada, reuniu-se com Osvaldo Lacerda, Ernst Widmer e Edino Krieger com o
objetivo de criar uma msica sacra renovada. Mais tarde juntaram-se a eles, outros
como Lindemberg Cardoso e Henrique de Curitiba. Mas a Conferncia Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB) em 1970, finalmente optou por uma msica de cunho
popular, fator que no desestimulou Penalva em seu projeto, passando a produzir,
cada vez mais, msica sacra e secular com funo primordialmente artstica.
Enquanto musiclogo pesquisou e escreveu artigos e obras sobre a msica do
sculo XX, a Msica Colonial Mineira, Carlos Gomes, Canto Coral e o Folclore
Paranaense. Com seu livro Carlos Gomes o compositor, ganhou o prmio Funarte
em 1986. De 1961 a 1975 escreveu crticas musicais em jornais de Curitiba e Campinas
sob o pseudnimo de Affonso Vilhena. Padre Penalva tambm publicou nas dcadas
seguintes diversos livros sobre teologia. De 1968 a 1972 integrou a comisso
paranaense de folclore. Ainda em 1968, escreveu, dentre outras, os seguintes textos
no publicados: Algumas Constncias Folclricas da msica Paranaense e Gnero
modinha como constncia da msica brasileira.
Na dcada de 1970, sua composio alcana uma fase atonal, de
aleatoriedade controlada, dodecafonismo no ortodoxo e msica matrica 6.
Prosser explica ainda que foi um perodo fecundo para suas composies, revelando
maior ousadia em relao s linguagens no convencionais. Foi desse perodo
tambm a explorao da voz em diversas possibilidades por Penalva, desde a voz
cantada e falada at a glossolalia, a Sprechstimme e os efeitos percussivos e sonoros
da fala. Tendo participado de um evento em Roma (1972) que contou com a presena
de Cage, Brio, Boulez, entre outros, Penalva explicou que na ocasio, os
participantes, concluram que a msica que vinha se fazendo a partir dos anos 1950,
6 Bojanoski e Prosser, 43.
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possua grande hermetismo, determinante para a pouca aceitao e compreenso do
pblico7.
A dcada de 1980 contemplou o seu amadurecimento musical e nesse
perodo que Penalva comps um maior nmero de obras. Foi convidado para
ministrar inmeros cursos e festivais de msica. Em 1986 retornou Itlia como
convidado de uma semana de msica e em 1988, novamente foi Europa, aps ser
contemplado com uma bolsa de estudos do Instituto Goethe. Foi membro fundador
de sociedades culturais, como a Sociedade Brasileira de Musicologia e a Sociedade
Brasileira de Msica Contempornea. Foi tambm regente do Teatro Carlos Gomes e
professor na Escola Superior de Msica de Blumenau e da EMBAP. Participou de
festivais e bienais, recebendo diversos ttulos por suas composies e, em 1994, foi
eleito para a Academia Brasileira de Msica. Faleceu em 2002, aos 78 anos, na cidade
de Curitiba.
7Bojanoski e Prosser, 43.
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2. CANO PARA CANTO E PIANO
Como sugere Dante Pignatari, a cano necessariamente uma
interpretao da palavra pela msica1; nela, o compositor privilegia determinados
aspectos do poema, unificando o poema/poesia sua composio. Diferente da
msica, a linguagem verbal arbitrria e referencia o mundo ao nosso redor; mesmo
quando o compositor opta por compor em oposio ao texto, o faz por escolha, por
esse motivo o texto deve ser sempre analisado.
A juno entre msica e palavra existe h milnios e h quem diga que a
origem da msica poderia ser encontrada na linguagem, e vice versa. Curt Sachs2
afirma que a msica teria comeado com o canto. Apesar de isso no poder ser
comprovado, sabe-se que o desenvolvimento da msica esteve intimamente
relacionado linguagem, tendo nela um suporte expressivo ou formal.
Talvez a cano seja o gnero musical mais antigo a existir; embora isso seja
apenas especulao j que pouco se sabe sobre a msica pr-histrica. Poucos so os
fragmentos que restaram da histria da msica na Grcia antiga, mas em seu livro A
Repblica, Plato j apresentava recomendaes aos compositores relevantes para
essa pesquisa: respeitar o texto em suas condies primrias de maneira que o ritmo
da msica seguisse a mtrica do discurso; deveria tambm haver concordncia entre
o sentido musical e textual, a harmonia e o ritmo da msica serviriam s palavras e
no o contrrio3.
A teoria nem sempre representou o que acontecia na prtica, e, como em todas
as artes, dadas as regras, os artistas (nesse caso compositores) criavam estratgias e
faziam suas criaes respeitando-as at que aquelas se esgotassem ou que surgisse
algo novo e diferente. Inicialmente a msica esteve subordinada palavra, aos poucos
foi sendo interpretada como tendo igual importncia. Os primeiros compositores de
lieder compunham para que a msica fosse a extenso mais natural do texto,
acreditando que suas melodias tomavam forma automaticamente a partir de leituras
1 Dante Pignatari, Canto da Lngua: Alberto Nepomuceno e a inveno da cano brasileira (Tese
de doutorado, Universidade de So Paulo, 2009), 21. 2Apud Peter Stacey, Towards the analysis of the relationship between music and text in
contemporary compositions, Contemporary music Review, vol. 5, n.1, 1989, 09. 3Peter Stacey, Towards the analysis, Review 5, n1 (1989), 10.
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repetidas do poema4; j no lied desenvolvido por Schubert o papel da msica foi
consideravelmente ampliado.
Wagner, inicialmente defensor de uma supremacia textual, anos mais tarde
aplicou em suas composies os princpios defendidos por Schopenhauer. Para este, a
msica era mais importante que a linguagem, j que podia falar diretamente alma,
sem haver interferncia de uma idia ou de aspectos da realidade externa. As idias
de Schopenhauer foram amplamente defendidas no sculo XIX e incio do sculo XX,
ao passo que a forma tradicional de compor canes, com a msica a servio do
texto, continuou (e continua) existindo.
O que importa nessa discusso no a vitria da palavra sobre a msica ou
desta arte sobre aquela, mas o fato de que o fim do sculo XX marcado como uma
era de mltiplas linguagens estilsticas e quebra da tradio. Os anos subseqentes
Primeira Guerra Mundial testemunharam uma exploso de atividades e inovaes no
campo da msica vocal5: os futuristas buscaram parole in liberta, os dadastas
realizavam pesquisas sobre o nvel fontico das palavras, Schwitters afirmavam que o
material bsico da poesia no era a palavra e sim a letra. A arte havia abandonado seu
compromisso com a mera representao da natureza, a palavra havia sido liberada de
seu contexto sinttico e o foco, j no era mais somente no formalismo, na estrutura
musical e sim, no resultado sonoro, no conceito de som. No havia mais distino
entre som e rudo, abrindo oportunidade para inovao e explorao6.
*
De acordo com Vasco Mariz7, cano brasileira existe h aproximadamente
300 anos e acredita-se que j fazia parte das peras de Antonio Jos da Silva, o judeu
(1705-1739). O repertrio brasileiro para canto e piano tem sua raiz na modinha e
Mrio de Andrade acredita que a modinha teve sua origem na pera italiana, assim
como o lied romntico. No entanto, na modinha, foram incorporados tambm
4Stacey,12. 5Stacey, 14. 6Stacey, 13-15. 7Vasco Mariz, A cano brasileira de cmara (Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2002), 29.Vasco
Mariz diplomata, musiclogo e escritor brasileiro; uma figura de grande influncia social e cultural, especialmente o foino ps-modernismo brasileiro e esteve em contato com diversos compositores e artistas da poca. Escreve seus livros de forma crtica, de um modo que se assemelha aos eruditos do sculo XIX, evitando uma linguagem demasiadamente tcnica e buscando aproximar-se de uma crtica que emane senso comum.
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elementos do folclore portugus e brasileiro8. Os precursores da cano brasileira de
cmara teriam sido, principalmente, o padre Jos Maurcio Nunes Garcia (1767-
1830), Francisco Manuel da Silva (1795-1865) e Carlos Gomes (1836-1896), autores
de inmeras modinhas. Carlos Gomes, alm das modinhas em idioma nacional, tem
inmeras canes de sua autoria, mas escritas em italiano e algumas em francs9. De
fato, a aceitao do canto brasileiro em lngua nacional s aconteceria no incio do
sculo XX.
Alberto Nepomuceno (1864-1920) esforou-se por desenvolver o canto em
idioma nacional e por compor as primeiras canes baseadas em constncias do
folclore musical. Preocupou-se essencialmente com o que era brasileiro e a partir de
1902, passou a compor essencialmente em portugus,10 apoiado pelo critico musical
Joo Itiber da Cunha (1870-1953) e pelo presidente Rodrigues Alves (1848-1919).
No foi o nico a escrever canes em portugus, mas, sem dvida foi o que
implantou o gosto pelo que nacional e deu a cano brasileira, os traos iniciais de
brasilidade.
A primeira gerao nacionalista, cujo maior expoente foi Heitor Villa-Lobos
(1887-1959), iniciou um aproveitamento direto de temas e textos folclricos em suas
obras. Na cano de cmara, por exemplo, Villa-Lobos inseriu elementos da msica
popular como a melodia dos seresteiros, o movimento cantante dos baixos, o
abaixamento da stima e a sncopa11. Seu exemplo foi seguido e aprimorado pelas
geraes nacionalistas seguintes, cujos maiores expoentes foram Lorenzo Fernndez
(1897-1948), Francisco Mignone (1897-1986) e Camargo Guarnieri (1907-1993).
A gerao de 1940, com o surgimento do grupo Msica Viva (criado por de H.
J. Koellreutter), representou um movimento anti-folclrico e, na poca, ansiava-se
por uma renovao dos mtodos de aproveitamento do folclore nacional12. Csar
Guerra-Peixe, Cludio Santoro, Eunice Katunda e Edino Krieger fizeram parte desse
8Pignatari, 24. 9 Mariz, 45. 10Mariz, 58. 11Mariz, 34. 12Mariz, 161.
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movimento e para eles, o dodecafonismo era apenas mais uma tcnica composicional
que viria a enriquecer a composio nacional.
A partir de ento, muitos compositores brasileiros buscaram criar uma
msica nacional sem nacionalismo e isso se reflete nas canes contemporneas.
Alguns compositores mais recentes continuaram compondo moda nacionalista.
Guerra-Peixe no teve a preocupao de ser moderno e continuou a esforar-se por
conhecer melhor o folclore para super-lo13; talvez, por essa razo, parece-me, tenha
sido um dos que atingiu o ideal de composio nacional proposto por Mrio de
Andrade.
A gerao de Edino Krieger, Osvaldo Lacerda, Cludio Santoro, Guerra-Peixe
e Eunice Katunda , praticamente, a mesma gerao de Jos Penalva. Penalva
procurou estar atento composio de Vanguarda; no entanto, o gnero cano no
corresponde sua produo de maior importncia e destaque.
2.1 AS CANES DE JOS PENALVA
A catalogao mais recente das obras do compositor aponta a existncia de
554 peas14 compostas em cerca de seis dcadas e, como j explicado no captulo
introdutrio, hpredominncia da msica sacra sobre a secular e da vocal sobre a
instrumental. Foram compostas 73 canes para voz e instrumento (59 canes
sacras e 14 canes seculares), das quais 17 so para voz e piano. Apesar do longo
perodo de atividade composicional de Jos Penalva, todas as suas canes foram
compostas em menos de quarenta anos e com grandes intervalos de tempo.
13Mariz, 170. 14 Bojanoski e Prosser, 75-105.
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TABELA 1 ANO DE COMPOSIO DAS CANES SACRAS E SECULARES PARA CANTO E
PIANO DE JOS PENALVA.
CANES PARA VOZ E PIANO
SACRAS SECULARES Dedicado a Nossa Senhora I (1940) Hino ao Colgio So Jos (1953) Dedicado a Nossa Senhora II (1940) Saudade (1953)
A Santo Expedito (1946) Trs peas para Voz e Piano (1954) Doce Corao (1955) Parabns [I] (1960) obra Felicitaes
Fita Azul (1955) Boa Noite (1960) Prprio de So Toms (1960) Feliz Natal (1960) obra Felicitaes
Pie Pelicane (1947) Duas Saudaes (1960) obra Felicitaes Trs Melodias Simples (1962) Parafolclricas Dois Momentos (1970) Verso Mutilada (1979)
As canes sacras da dcada de 40 e 50 so obras tonais simples, escritas
para cerimnias religiosas. Da dcada de 40, tambm, so as obras que Penalva
considerava meros exerccios composicionais. Por esse motivo optei por exclu-las
dessa pesquisa. Sua ltima obra sacra para canto e piano, Prprio de So Toms
(1960), revela um Penalva que comea a se preocupar com o valor esttico de sua
obra e em busca de uma sonoridade diferente das obras anteriores.
Tambm no sero estudados o Hino do Colgio So Jos (1953),
estritamente funcional, e trs das peas seculares para voz e piano Parabns [I],
Feliz Natal e Duas Saudaes (encontrada apenas uma partitura) que fazem parte
de uma obra maior, com composies para coro, intitulada Felicitaes (1960-61).
Essa ltima obra citada assemelha-se s Canes de Cordialidade compostas por
Villa-Lobos em 1945; canes simples, de fcil aprendizado, cantadas em substituio
s tradicionais canes de aniversrio, Ano Novo e Natal. H tambm uma cano
composta para bartono e piano, intitulada Verso Mutilada (1979), que no ser
analisada por ser especfica para outra tessitura que no a minha.
Jos Penalva dividia sua obra em dois grandes blocos: as composies que ele
chamava de Gebrauchmusik, sua obra sacra de funo litrgica, composta para a
igreja em sua funo de mestre-capela; e as composies que ele dizia ser dele ou
ele mesmo: uma msica independente, com linguagem de Vanguarda e Ps
Vanguarda, de funo esttica15. Como dito, as canes selecionadas para essa
pesquisa obedecem ento, a trs critrios de seleo: obras de concerto para canto e
15Bojanoski e Prosser, 52.
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piano, que estejam na tessitura vocal da pesquisadora, e representam o compositor
que Penalva buscava ser ou ele mesmo.
TABELA 2: ANO E LOCAL DAS CANES PARA VOZ MDIA E PIANO DE JOS PENALVA.
Elisabeth Prosser16 pensou a obra de Jos Penalva em cinco momentos
distintos 1940, 1950, 1960, 1970 e 1980-90 partindo da msica de funo
estritamente litrgica e tonal, para, aps longo perodo de descobertas, chegar a uma
obra madura, harmonicamente livre e ecltica. No entanto, as canes selecionadas,
compostas num espao de tempo menor, nos oferecem um recorte e uma
possibilidade de anlise mais minuciosa desse perodo de dezessete anos (1953-1970).
Penalva no comps nenhuma cano para canto e piano em sua fase
harmonicamente livre; suas canes no perpassaram toda sua trajetria estilstica.
A primeira cano secular para voz e piano foi Saudade, composta em 1953,
ao retornar de Guarulhos. J em 1954, enquanto assumia suas funes sacerdotais,
comps Trs peas para Voz e Piano. Passou ento por um perodo de seis anos sem
compor canes, fato que pode ser justificado por ter realizado estudos em So Paulo,
seguido de dois anos em Roma, tempo em que desenvolveu sua tese de
doutoramento. Sua composio seguinte, Boa Noite (1960), foi seguida de Trs
Melodias Simples Jangada de Vela, Bentevi e Eu nasci naquela Serra (1962),
sobre melodias populares brasileiras.
16 Prosser, Tendncias...", 212.
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Novamente h uma interrupo na composio de canes, dessa vez, de oito
anos. A partir de 1963, a ateno do Padre Penalva estaria voltada para o Movimento
de Renovao da Msica Sacra. S comporia Parafolclricas Dois Momentos em
1970, antes de retornar a Roma para se especializar com Boris Porena (1927), antes
ainda de elaborar suas apostilas sobre a msica da Vanguarda e Ps-Vanguarda.
Penalva considerava-se um compositor de ps-vanguarda, que transitava
livremente entre as diversas linguagens composicionais, modificando-as,
metamorfoseando-as, transitando confortavelmente entre o pessoal e o universal. Seu
ponto central, em cada composio era sempre o texto, a idia17. Os instrumentos
deveriam servir ao texto, assim como as sonoridades e as tcnicas idia. Acreditava
tambm que com a descoberta/surgimento de novos mtodos composicionais,
aumentava a palheta de recursos a serem utilizados pelo compositor, cujo objetivo
maior seria sempre a idia.
2.2 AS APOSTILAS DE HISTRIA DA MSICA
Conforme explicado no captulo anterior, Jos Penalva, sempre que
convidado a lecionar em algum curso ou assumir uma disciplina na universidade,
dedicava-se a um perodo de pesquisa para redao de apostilas. Alguns de seus
alunos, ainda hoje, guardam as apostilas recebidas nas aulas; no entanto, foi
encontrado apenas parte desse material. Nessa pesquisa utilizarei duas de suas
apostilas, cedidas pela pesquisadora Elisabeth Prosser, as quais julgo mais relevantes
para a compreenso do pensamento musical do compositor, j que nelas Penalva
incorporou textos e materiais publicados em apostilas anteriores:Msica do Sculo XX,
referenciais (1985) e Msica do Sculo XX Ps-Vanguarda. Anos 70... Volta
grande tradio (1988).
Na primeira apostila, Penalva fala do movimento de Pr-Vanguarda (1900-
1922), explicando como ocorreu a dissoluo do tonalismoe o que foi o Futurismo.
Discorre tambm sobre a Vanguarda Histrica, subdividindo-a em Serialismo,
Ruidismo, Msica Concreta, Msica Eletrnica, Msica Matrica, o Fenmeno Cage,
Msica Minimalista, Msica Stokstica e Msica Computadorizada. Encerra essa
apostila introduzindo a Ps-Vanguarda, apontando alguns compositores que julgava
17 Elisabeth Prosser, A trajetria de Jos Penalva, In: Neto, Manuel de Souza (org.), A
[ds]construo da msica na cultura paranaense(Curitiba: Aos quatro Ventos, 2004), 198.
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trazerem uma Expressividade Nova. Na segunda apostila dedicou-se exclusivamente
Ps-Vanguarda, discorrendo sobre compositores e obras desse perodo.
J nas primeiras pginas da primeira apostila, Jos Penalva explica que
considera toda a sistematizao enganosa e que toda a sntese filtra e empobrece a
realidade 18. Para ele, a histria consiste em uma interpretao dos fatos por parte do
historiador e de que no se pode enquadrar os compositores em um nico padro
ou dividi-los cartesianamente em fases acredito que este material didtico ilustre
seu pensamento composicional assim como as estratgias composicionais usadas por
ele.
Penalva tinha preferncia pelos movimentos de Vanguarda e tambm teve
contato com grandes expoentes da msica em seu tempo, tanto no Brasil quanto na
Europa. Mas, como seguia suas idias prprias, no podemos inseri-lo em uma escola
composicional especfica. preciso considerar tambm que ele vivia fora do eixo
Rio/So Paulo e tambm que suas viagens Europa foram espordicas, portanto,
entendemos que a aplicao de determinadas ferramentas ou estratgias
vanguardistas ocorreram em defasagem se comparadas composio europia.
Quando escreveu essas apostilas, 1985 e 1988, Jos Penalva j havia
composto sua ltima cano de cmara para canto e piano. As canes estudadas
nessa dissertao foram compostas nos anos de 1953, 1954, 1960, 1962 e 1970.
Portanto, todas se enquadrariam no perodo denominado por Penalva em suas
apostilas como Vanguarda Histrica. Entretanto as canes escritas at 1962 se
aplicariam ao nacionalismo brasileiro por seu carter, pela escolha dos temas e pelo
uso do tonalismo e do modalismo. possvel enquadr-las ento, a partir de sua
apostila, no captulo inicial que chamou de Pr-Vanguarda (1900-1922), e do
subttulo Dissoluo do Tonalismo que dividiu entre Cromatismo e Diatonismo.
Obscurecendo a pureza diatnica da tradio e desconsiderando a urgncia da volta imediata aos centros tonais aps as modulaes, o cromatismo foi um dos maiores responsveis pela dissoluo do tonalismo e pelo advento do atonalismo. Importa distinguir trs tipos de cromatismo: o chamado orgnico ou funcional, o inorgnico, no funcional ou incidental e o microcromatismo19.
18 Jos Penalva, Msica do sculo XX, referenciais, Apostila do Curso de Msica Contempornea
da V Oficina de Msica de Curitiba (Curitiba, 1985), 01. 19Penalva, "referenciais..." 06.
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Em algumas de suas canes para canto e piano, encontramos o que ele
chama de cromatismo inorgnico. Mas , certamente, o captulo do Diatonismo
que melhor explica as ferramentas composicionais utilizadas nas canes at 1962.
Para ele, existem trs tipos de diatonismo. O primeiro que, estabelecido nos clssicos
modos maior e menor, tenta abrir caminho para novas situaes20; um segundo que
parte para novos modos ou revive os modos antigos medievais, orientais e modos
de tons inteiros e um terceiro que dissocia cada nota meldica atribuindo-lhe
acorde de qualquer tonalidade. J sua cano de 1970 pode ser pensada como
pertencente Vanguarda Histrica, com o uso do serialismo e blocos sonoros.
Em entrevista concedida Elisabeth Prosser, em 1993, Penalva falou sobre
suas composies:
Passei pela Vanguarda. Vivi e me decidi por ela. Depois, me apaixonei pela Ps-Vanguarda, que significou uma revoluo contra o exclusivismo da Vanguarda. Hoje estamos num paraso: cada um pode compor da maneira que quiser: pode-se escrever um acorde perfeito ao lado de um cluster, empregar melodias folclricas dentro de um tecido atonal! Durante muito tempo escrevi msica no figurativa que nem eu mesmo entendia, uma msica hermtica. Hoje prefiro uma msica que comunique, que atinja21.
Encerrou sua ltima apostila com uma tese sobre a contemporaneidade.
Acreditava que o minimalismo j existia muito antes dos movimentos de Ps-
Vanguarda, mas que foi a complexidade das ferramentas composicionais de
Vanguarda que o fizeram ressurgir, devido sua simplicidade, expressividade, seu
estilo galante e sua inspirao no passado. Para o compositor, o minimalismo no
representava a nica sada para a ps-vanguarda, mas representava uma tima
alternativa 22.
20 Penalva, "referenciais", 11. 21 Prosser, A trajetria..., 198. 22 Jose Penalva, Msica do sculo XX Ps-Vanguarda. Anos 70... Volta grande tradio.
(Curitiba: Fundao Cultural de Curitiba, 1988), 76.
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3. A ANLISE MUSICAL E TEXTUAL DAS CANES
O objetivo a ser alcanado atravs da anlise da msica e do texto nas canes
compreender a interao/relao existente entre ambos, percebendo a influncia de um
sobre o outro (e vice e versa) e as estratgias utilizadas pelo compositor para dar
expresso sua composio, reunindo informaes que fundamentem minhas escolhas
interpretativas.
Para tal utilizei alguns princpios de anlise harmnica e meldica tradicionais, e
ferramentas da anlise estilstica de Jan LaRue1 nas as canes tonais. A interpretao e
anlise dos poemas foi desenvolvida com base no artigo de Manuel Bandeira2 e na
tcnica analtica de Norma Goldstein3 integrando a anlise da relao texto msica. Na
cano Dois Momentos, a nica atonal e pertencente ao perodo vanguardista de Jos
Penalva, aplico alguns conceitos da anlise fenomenolgica desenvolvida por James
Tenney4 que pensa a obra a partir de seu resultado sonoro e de Peter Stacey5 que sugere
formas de se abordar a relao texto/msica na msica contempornea. As ferramentas
utilizadas, extradas dos autores supracitados so complementares e no seguem
nenhuma ordem especial, sendo pensadas a partir de sua relevncia em cada cano.
3.1. SAUDADE6
A cano Saudade foi composta no ano de 1953, quando o compositor havia
retornado cidade de Curitiba para assumir suas funes religiosas. Ao retornar,
Penalva deparou-se com uma cidade repleta de mudanas idealizadas pelo Governador
1 La Rue, Guidelines... 2 Bandeira, A versificao..., 533-557. 3 Goldstein, Versos, sons... 4 Tenney, Meta Hodos: A Phenomenology... 5 Stacey, Towards the analysis..." 6 Os exemplos musicais apresentados no decorrer do trabalho foram extrados de digitalizaes do
manuscrito autgrafo, disponveis nos anexos desta pesquisa.
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Bento Munhoz da Rocha em razo do Centenrio de Emancipao Poltica do Paran.7
Foi adaptada, posteriormente, para coro a cappella (por duas vezes) em 1966 e 1980.
Jos Penalva costumava adaptar as obras que compunha para o uso, sempre que
necessrio.
Saudade a cano de Jos Penalva com maior extenso vocal (Mi3-L4) que
implica numa impostao vocal mais lrica8 e na utilizao de voz mista nos tons
mdio/agudos e de cabea a partir de Sol4, j que sem essa impostao erudita no
possvel executar a obra com a laringe baixa e produzir um timbre de voz com mais
espao e maior equilbrio entre os harmnicos graves e agudos. O estilo nacionalista da
cano e o perodo em que foi composta tambm sugerem que o timbre vocal deva ser
mais homogneo9.
Foi estruturada em Introduo-A-A; escrita em compasso binrio simples tem
sua parte A subdividida em dois temas: o primeiro a anacrsico, e o segundo b
ttico.
FIGURA 1: SAUDADE TEMA a DA SESSO A.
FIGURA 2: SAUDADE TEMA b DA SESSO A.
7 Bojanoski e Prosser, 22. 8 Lrico: (it. lrico; fr. lyrique; al. lyrish; ing. liric.). 1. Na msica para canto, tipo de voz de soprano (e
s vezes tenor) de caractersticas mais leves, em oposio ao chamado SOPRANO DRAMTICO. 2. Originalmente, referia-se a voz acompanhada de uma LIRA, mas gradualmente passou a designar de maneira genrica qualquer canto de carter melodioso. 3. Sonhador, sentimental. (Dourado 2004, 186-187).
9 Homogneo significando aqui uma voz com pouca ou nenhuma quebra de passagem ou contraste
timbrstico excessivo entre os registros.
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A introduo consiste em uma melodia cromtica executada somente pelo piano,
sem acompanhamento harmnico, que ambienta a cano. Essa melodia introdutria,
variada rtmica e melodicamente, a segunda metade do tema b. O tema introdutrio,
para piano solo, sugere um afeto de tristeza. Reaparece no ponto culminante e no
desfecho da cano, como se o compositor buscasse ressalt-lo ou, lembr-lo ao ouvinte.
Penso que, por isso, a introduo poderia ser executada pelo piano de modo sombrio e
misterioso com o cantor representando descontentamento ou dor.
Embora a msica tenha a forma mencionada anteriormente (A-A), nessa cano
o texto assume forma distinta da msica. A poesia tem forma estrfica binria (A-B), em
que cada estrofe possui carter distinto. Saudade foi escrita por Menotti Del Picchia10
em 1925 e publicada na obra Chuva de Pedra.
Os versos do poema esto organizados em duas estrofes, uma quintilha e um
terceto. Foi escrito em redondilha maior, considerada a mtrica mais simples em lngua
portuguesa11 e , juntamente com versos hexasslabos, a mtrica de preferncia
popular12. Suas slabas mtricas no tm acento fixo. A acentuao varivel pode ser
notada no quadro pelo esquema rtmico13 dos versos:
10 Moiss, Massaud. Histria da literatura brasileira Modernismo (3 vol.). 6 ed (So Paulo:
Cultrix, 2001), 74. O autor explica que Menotti Del Picchia, com a obra Chuva de Pedra, tinha o desejo de ser modernista e que algumas poesias causaram certo escndalo na poca. No entanto, apesar de uma ou outra composio representar o prosasmo que se iniciou a partir de 1922, outras no eram nada modernistas, como no caso de Saudade.
11 Goldstein, 27. 12 Bandeira, 540. 13 Esquema Rtmico (E.R.) o nome que se d frmula que indica quantas slabas poticas tem o
verso (indicado fora dos parnteses) e quais slabas so acentuadas (dentro dos parnteses).
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TABELA 3: ESCANSO RTMICA DO POEMA SAUDADE.
V01 Sau da de chei a de gra (a) E.R. 7(2-4-7) a 1 2 3 4 5 6 7 V02 a le gri a em dor di fu (sa) E.R. 7(3-5-7) b 1 2 3 4 5 6 7 V03 do en a da mi nha ra (a) E.R. 7(2-5-7) a 1 2 3 4 5 6 7 V04 pran to que a gui tar ra lu (sa) E.R. 7(1-5-7) b 1 2 3 4 5 6 7 V05 em seu e xi lio ver teu... E.R. 7(2-4-7) c
1 2 3 4 5 6 7
V06 Ai quem sen tir te no h (-de) E.R. 7(1-4-7) d 1 2 3 4 5 6 7 V07 se foi den - tro da sau da (de) E.R. 7(3-7) d 1 2 3 4 5 6 7 V08 que a mi nha p tria nas ceu. E.R. 7(4-7) c 1 2 3 4 5 6 7
As rimas a (graa, raa) e b (difusa, lusa) so cruzadas e graves14; a rima c
(verteu, nasceu) enlaada e aguda e a rima d (h-de, saudade) emparelhada e grave,
resultando na forma: ababc|ddc. Somente a rima D rica, por ser composta por palavras
de classe gramatical diferente e todas as rimas so externas e consoantes.
Quanto aos nveis lexicais, sintticos e semnticos, nota-se que na primeira
estrofe h o predomnio de substantivos e adjetivos, e um nico verbo no ltimo verso
(verteu). Esse verbo reforado na msica pela linha meldica ascendente em
crescendo, e foram dedicados a ele dois compassos inteiros (c. 16 e 17). Devido ao
predomnio de adjetivos e, em nvel sinttico, de locues adjetivas, o verbo de ligao
14 De acordo com Manuel Bandeira e Norma Goldstein, as rimas podem ser classificadas por sua
posio no verso, pela semelhana de letras, por sua distribuio ao longo do poema, pela tonicidade, pela categoria gramatical e pela extenso dos sons que rimam. Para classificar as rimas, utilizamos letras minsculas do alfabeto, os versos que rimam apresentam a mesma letra: abbacdcf (por exemplo). Existem quatro modos de dispor as rimas em um poema: emparelhadas, cruzadas, enlaadas e misturadas. Rimas emparelhadas so as que se sucedem duas a duas: aa. Cruzadas so aquelas que, ao invs de serem parelhas, se alternam: abab. Nas rimas enlaadas, rimam em parelha dois versos entre outros dois tambm rimados: abba. Rimas misturadas ocorrem quando a sucesso de rimas livre. Quanto tonicidade so agudas quando rimam palavras oxtonas ou monosslabas; graves quando rimam paroxtonas e esdrxulas quando proparoxtonas. Quanto categoria gramatical, so pobres rimas formadas pela mesma classe gramatical e ricas compostas por classes gramaticais diferentes. Por fim, pela extenso dos sons que rimam, so pobres quando rimam a partir da vogal tnica em diante, so ricas quando sua rima j inicia antes da vogal tnica.
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fica subentendido. Os trs primeiros, no modo indicativo e no presente, acrescentam
objetividade e arbitrariedade ao poema.
Saudade () cheia de graa.
() alegria em dor difusa,
() doena da minha raa,
() pranto que a guitarra lusa
em seu exlio verteu
O poeta descreve o que a saudade para ele. Os dois ltimos versos so ligados
por encadeamento e o nico verbo da estrofe, no passado, referencia a saudade dos
portugueses desbravadores que tiveram de deixar sua ptria para se estabelecerem no
Brasil. As palavras lusa e exlio reforam essa idia. Caracterstica dessa estrofe tambm
o uso de metforas, j que, para o poeta, a saudade alegria, doena e o pranto que a
guitarra lusa verteu. O sentimento de saudade ambguo e isso que o poeta expressa
em seu poema, j que ao mesmo tempo um estado de alegria por sentir falta de algo ou
algum que se gosta e de melancolia e pesar por no poder ter ou estar na presena de.
O piano acompanhador, com ritmos sincopados caractersticos da msica
brasileira, refora a idia das metforas, tornando a saudade menos dolorosa, mais
alegre. Essa mesma idia da msica oferecer suporte ao texto , ocorre em mais dois
momentos do tema a: 1) entre os c. 9 e 10, o salto de oitava da linha vocal, aliado ao
aumento de intensidade (de mf para f ) enfatiza a metfora da saudade ser doena da
raa brasileira; 2) entre os c. 11 ao 17, o piano executa desenhos meldicos imitando os
bordes dos violes tpicos do choro, enquanto o poema versa pranto que a guitarra
lusa em seu exlio verteu.
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FIGURA 3: SAUDADE RITMO SINCOPADO DO PIANO REFORANDO A METFORA DA SAUDADE
(FRAGMENTO).
FIGURA 4: SAUDADE DESENHO MELDICO IMITANDO OS BORDES DE VIOLO TPICOS DE
CHRO.
Pensando na interpretao da cano, ao surgir o tema A, mais rpido, alegre e
ritmado, o cantor poderia cantar se apoiando15 na palavra com boa articulao (no
exagerada, claro, pois o objetivo no ridicularizar a obra e sim mostrar felicidade,
contentamento). o momento de ser brincalho, irnico, com um timbre mais
suave/leve, mas com o cuidado de no baixar a ressonncia vocal para o registro de peito
ou cantar com intensidade excessiva; peso excessivo na voz prejudicaria a subida para a
regio aguda e acentuaria a quebra de passagem que pode ocorrer nos c. 10-11 devido
15 Apoiar-se na palavra, no canto, significa dar importncia articulao das palavras, transmitindo
ao ouvinte o que diz o texto.
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hiperatividade do msculo tireoaritenideo (TA) to recrutado nesses casos (ver pgina
32).
Toda essa sesso tambm contrasta da seguinte pelo elemento dinmica: alegre
= mf, f; triste = p, pp e ppp. A execuo dos planos de dinmica vai variar
consideravelmente de um cantor para outro16 e tambm vai depender das caractersticas
acsticas do ambiente em que a performance acontece. O importante que cada cantor,
dentro de suas possibilidades, acentue os planos de dinmica das sesses o mximo que
puder.
O compositor escreveu um crescendo iniciado no verso dor difusa at doena
da minha raa. O crescendo do piano tem incio j um compasso antes e pelo contorno
meldico descendente desde alegria em dor difusa, assim, indico ao cantor iniciar o
aumento da dinmica gradativamente desde o c. 8, caminhando para o f no c. 11; essa
inteno facilita a preparao do corpo para o salto de oitava. Tambm facilita apoiar na
nota Mi#4 (doena) no permanecendo tempo demais na nota de passagem e em vogal
frontal nasal. Acredito que a escolha do compositor por um salto com a slaba en" tenha
o objetivo de gerar esse som agressivo acentuando a metfora da saudade ser doena da
minha raa, por isso, penso que o cantor no deve se preocupar com o resultado um
pouco estridente dessa combinao causado pela constrio naso-farngea resultado da
vogal frontal ''.
Nos c. 16-18 o ouvinte pode apreciar o solo do piano que imita os bordes do
choro, fazendo meno guitarra lusa em seu exlio verteu. Durante o solo
importante que o cantor no esmorea e nem perca o apoio diafragmtico17 ou a
colocao alta da voz (visto estar numa zona de conforto), j que, nesse momento, deve
haver a inteno e preparao para o p em L4. possvel marcar uma respirao entre
lusa e em seu exlio, evitando fazer uso de todo o ar j que no h pausa para retomar
o flego antes da sesso B.
16 As vozes mais dramticas (mais pesadas), diferentemente das vozes mais leves e geis, conseguem ter
uma paleta maior de nveis de dinmica, contrastando mais entre p e f, por exemplo, podendo atingir um maior grau de contraste (no necessariamente de expressividade).
17 O termo apoio diafragmtico, apesar de muito popular, pode dar uma idia errada do ato de gerenciar o ar, sustentar o som e at mesmo de garantir a colocao da voz. Apoiar um som, no significa estancar o abdmen, tampouco dar pequenos impulsos com a barriga. No ouso, neste momento, criar um novo termo, mas sugiro um termo em ingls, utilizado por Richard Miller: breath managment (gerenciamento ou administrao da expirao ou da coluna de ar) que melhor descreve o processo que sugiro acima.
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A segunda estrofe traz frases mais completas, do ponto de vista sinttico, com a
presena de outras classes gramaticais. Inicia a estrofe, com uma interjeio, Ai,
evocando a melancolia da saudade descrita na primeira estrofe. Musicalmente, trata-se
do ponto culminante da cano, embora executada em intensidade fraca (p) e em
andamento lento, a nota mais aguda da pea.
Ai, quem sentir-te no h-de
se foi dentro da saudade
que a minha ptria nasceu.
Nessa estrofe, o modo subjuntivo sugere o desejo de concretizar ou realizar o que
se afirma18. O primeiro verso dessa estrofe consiste em uma orao subordinada
condicional incompleta: quem sentir-te no h-de (o que?), seguido dos dois versos
finais ligados por cavalgamento19. Esses versos iniciam com a conjuno condicional
se, que indica uma hiptese para o que foi afirmado no primeiro verso. A estrofe curta
e possui carter melanclico, acrescido, entretanto, de humor e ironia, em que o poeta (e
o compositor) v a saudade pelo seu aspecto positivo.
Na msica, a segunda estrofe do poema corresponde ao tema b da sesso A, em
que o compositor assume definitivamente a regio de mediante (F#m) como tom
principal. Apesar da armadura de R Maior ter sido escolhida para iniciar a pea, o
compositor conduziu o texto musical, harmonicamente, sobre a regio de mediante
(F#m), assumindo a armadura deste ltimo tom somente no c. 18. Esse compasso
marcado tambm pela alterao de andamento (semnima igual a 69), reduo da
dinmica para piano somado indicao de tenuto.
O ritmo harmnico fica mais lento, alterando-se de dois em dois compassos.
Contrastando com o tema a, vemos a presena de apenas dois acordes do campo
harmnico de F#m (tnica e dominante) executados em blocos ascendentemente, e em
contratempo. A ausncia em alguns compassos de acompanhamento do piano auxilia no
carter contemplativo desse tema. A intensidade, que varia de p a ppp, e a reduo do
18 Goldstein, 60. 19 Bandeira, 539. O cavalgamento do francs enjambement ocorre quando um verso fica
incompleto, tendo seu sentido completado no verso seguinte, transferindo a pausa final que existe ao final de cada verso, para o verso subsequente.
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andamento, constituem elementos essenciais na construo do carter evocativo da
linha meldica do canto. Na segunda metade do tema b, conforme mencionado no incio
desse captulo (c. 21 ao 27), encontra-se a linha meldica matriz que gerou a introduo
da cano. Note-se, na figura a seguir, as modificaes rtmico-meldicas entre as duas
apresentaes meldicas:
FIGURA 5: SAUDADE COMPARAO RTMICO-MELDICA DA INTRODUO E 2 PARTE DO
TEMA b.
Essa mudana de humor na sesso B deve dar lugar a um timbre mais choroso
para o intrprete mais velar, contido e com mais espao. Apenas da dinmica indicada
ser p, essa passagem precisa ser bem calculada, j que depois dela o autor escreve ainda
pp e ppp. Todo esse segundo tema deve ser mais legato, com a idia de lamento. O
andamento diminui, o ritmo harmnico tambm e h a escrita de um glissando no c. 20
para o canto que deve ser executado com leve afrouxamento no apoio gerando uma
idia de desiluso, sem rigidez e mais livre deixando a cargo do ouvinte, a interpretao
do texto que no foi completado pelo poeta. A cada nova frase o cantor deve reduzir a
dinmica, at atingir o pianssimo pedido pelo compositor.
A retomada do andamento rpido (semnima igual a 84) no c. 29 marca o incio
da sesso A. Nela, os trechos que correspondem aos temas a e b, so sutilmente
modificados rtmica e melodicamente. Alm de ser e executado somente pelo piano, o
primeiro tema dessa sesso est transposto uma tera maior acima. Por conta dessas
variaes, consideraremos como sendo o tema a.
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FIGURA 6: SAUDADE COMPARAO ENTRE TEMA a E TEMA a.
Ao repetir o tema da introduo, dessa vez na linha do canto, preciso fazer do
mesmo modo que o piano no incio, relembrando o ouvinte desse tema, que em seguida
se repete e deve ser mais contido ainda ppp. A cano tem em seu desfecho a
recapitulao da alegria da saudade, iniciada somente com o piano (com melodia
transposta), de carter vigoroso, rtmico e marcado, no mesmo andamento do incio da
cano, at ressurgir o tema B, lamentado pontuando o fim da cano. Por no cantar
novamente o tema a com o piano, para no perder o apoio e a referncia de lugar, o
cantor deve manter-se preparado, idealizando antecipadamente a linha vocal que ir
cantar.
Em b da sesso A, ocorre variao na direo da linha vocal se comparada a b, e
idntica aos c. 3 a 5 da introduo, auxiliando o desfecho da cano. Nesse aspecto
comparativo, nota-se o entrosamento composicional entre a linha vocal e o
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acompanhamento do piano. O piano inicia a cano e a voz a termina, apoiada apenas
por um acorde arpejado de F#m executado pelo piano.
O carter ambguo do termo saudade retratado ora com humor ora com ironia
pelo poeta, em versos com forma A-B, e tambm pelo compositor, musicalmente, em
forma A-A. A ambiguidade qual me refiro, deve permear a interpretao da obra:
cantor e pianista podem acentuar as diferenas musicais e expressivas entre a alegria e
a tristeza (parte A e B do poema, respectivamente), de acordo com o texto e com as
indicaes musicais. O efeito desse contraste pode ser alcanado atravs de expresso
facial (corporal), mudana de timbre, inflexo vocal (enfatizando o texto ou palavra a ser
evidenciada), por exemplo.
H ainda que se observar a funo conectiva que assume uma cadncia
especfica nos c. 5, 23, e 42 (somente para o piano), 16 a 18 (para o canto), e nos c. 36 e
37 (entre piano e voz). Esse elemento conectivo cadencial inicia, interliga os temas, ou
fragmentos deles, conferindo coerncia entre a forma A-A da msica e a forma A-B da
poesia.
FIGURA 7: SAUDADE ELEMENTO CONECTIVO CADENCIAL.
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Diferente das outras canes para voz e piano compostas por Jos Penalva e
estudadas nessa dissertao, Saudade explora o registro mdio/agudo da voz aguda
feminina (soprano) e trabalha as notas de passagem entre esses registros, podendo
trazer dificuldade ao intrprete. Na definio de Pinho e Pontes20, registros21 vocais so:
Sries de tons homogneos que se caracterizam por um especial timbre sonoro, distinto dos outros registros e independente da frequncia do tom emitido. um evento totalmente larngeo consistindo de sries de frequncias ou, de uma faixa de frequncias vocais que podem ser produzidas com qualidades aproximadamente idnticas.
Na cano Saudade h dois pontos de maior dificuldade tcnica e que exigem
reflexo do cantor para uma boa performance: os c. 9-10 e os 18-20. Mim 9-10 temos um
salto de oitava anacrsico do F#3 para o F#4 (esse ltimo, passagem do registro
mdio para o agudo nas sopranos). Mi nos c. 18-20 necessrio atacar um L4 (nota
aguda), direto, sem nenhuma preparao ou nota prxima anterior em dinmica p.
20 Pinho e Pontes, Msculos Intrnsecos..., 49. 21 Na literatura existe certa concordncia entre a existncia de diferentes registros de vozes nas
tessituras vocais masculinas e femininas: registro de peito ou grave, registro mdio e registro de cabea. Entretanto h divergncia ao definir quais seriam exatamente as notas de passagem e quais seriam os limites desses registros. Nessa pesquisa utilizo duas fontes bsicas para a definio dos registros e notas de passagem: Miller (2000, 23) e Pinho & Pontes (2008, 49-51). A definio de registro defendida por Richard Miller21 de que, na voz do soprano, o registro de peito corresponde regio Sol2-Mib3, o registro mdio entre Mib3-F#4 ou Sol4 (dependendo do cantor) e o registro agudo encontra-se entre Sol4 e D5 ou D#5. Essa definio por tons no precisa ser to rgida ou fixada por tons exatos podendo variar um ou dois semitons para regio mais aguda ou mais grave. Para Pinho e Pontes, a passagem entre o registro de peito e mdio ocorre em torno de 400 Hz (aproximadamente Sol3) e entre o registro mdio e de cabea em torno de 660 Hz (aproximadamente Mi4). Atualmente, atravs de exames de eletromiografia (EMG) sabe-se que existe uma relao entre os diferentes registros e a contrao de grupos musculares intrnsecos larngeos especficos. No registro modal h a predominncia da atividade de dois msculos tensores da prega vocal, o tireoaritenideo (TA) e o cricotireideo (CT). O TA predomina no registro de peito e responsvel por aumentar a resistncia gltica e encurtar a prega vocal; o CT predomina no registro agudo e responsvel por along-las. Assim, entre o registro mdio e agudo para Pinho & Pontes acima do Mi4 e para Miller entre F4 e F#4 devido atividade muscular antagnica, que se d a diferena de registros mais evidente e a voz do cantor pode apresentar quebra ou falhas.
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FIGURA 08: SAUDADE PONTOS DE MAIOR DIFICULDADE TCNICA DA CANO.
No primeiro caso, a dificuldade consiste nesse salto do grave para o agudo, em
nota de passagem, que, quando feito sem preparao muscular anterior sem idealizar o
som agudo e prover espao suficiente para que esse acontea quebra, falha ou temos
a sensao de que o som ficou espremido/apertado na garganta.
Segundo Pinho & Pontes22 a melhor forma de se driblar as quebras nas notas
de passagem est em elevar progressivamente o palato mole e, consequentemente,
baixar a laringe ou abrir a garganta, expresso comum no canto sem comprimir a
lngua produzindo um som mais coberto sempre que a direo meldica for ascendente;
quando for descendente, realiza-se exatamente o contrrio, uma des-cobertura do som.
Pinho & Pontes sugerem como exerccio de cobertura do som nas escalas ascendentes,
transformar o em u, em i, a em , utilizando o biquinho francs que abre
espaos ressonantais.
Alm da cobertura dos sons, necessrio o apoio23 dos msculos plvicos,
abdominais e intercostais. Miller24 refora a importncia de no compreender por apoio
uma espcie de soco abdominal, seja empurrando ou encolhendo a barriga, explicando
que o canto deve ser o mais natural possvel e menos tenso, mas atenta para a
necessidade de se manter o pescoo e ombros relaxados, o osso externo projetado para
frente e, talvez o mais importante, se manter as costelas abertas a fim de evitar o
22 Pinho e Pontes, 51. 23 No me estenderei aqui no conceito do apoio no canto, bastante complexo e divergente nas diversas
escolas de canto existentes. Para maiores esclarecimentos, consultar a Monografia de Javier Venegas, disponvel em: http://www.pergamumweb.udesc.br/dados-bu/000000/00000000000C/00000C4E.pdf
24 Miller, Training soprano..., 38.
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antagonismo entre os msculos da respirao e diminuir a presso subgltica que no
pode ser ineficiente nem excessiva e sim eficiente. Para o autor, apoio uma forma de
coordenar o gerenciamento do ar que deve ser dominado por qualquer cantor para
adquirir, ao mesmo tempo, energia e liberdade na fonao. O exerccio abaixo sugerido
por Miller25 executado primeiramente com vogais laterais, seguidos de vogais
arredondadas, e cantados em tons transpostos auxiliam no controle do apoio, aumento
de presso do ar e equalizao dos registros:
FIGURA 09: SUGESTO DE EXERCCIO PARA MELHORAR OS SALTOS DE OITAVA (MILLER, 2000,
P.127).
Outro exerccio que ajuda em passagens difceis ou de quebra no agudo retirar
todas as consoantes e cantar somente com vogais: primeiramente com vogais laterais e
vogais arredondadas. Em seguida, cantar as somente as vogais do texto a ser
interpretado na msica estudada e, por fim, acrescentando suas as consoantes.
Na segunda dificuldade apontada na cano, o ataque repentino no agudo,
tambm pode levantar a laringe, fazendo com que o som no saia, ou tambm fique
espremido. Nesse caso, o ataque na vogal a, considerada a mais natural a ser emitida.
Miller26 atenta tambm para a importncia de no se pensar no som em p ou pp como
um som recolhido e sim com a mesma inteno de um som em f s que mais suave e
tambm explica que no se pode deixar entrar mais ar no som para a reduo de
dinmica. Sugiro o exerccio abaixo para auxiliar nessa passagem. Deve ser cantado a
partir do L4, sempre em saltos de oitava descendentes e subindo em intervalos de
semitons at onde for possvel.
25 Miller, Training soprano..., 127. 26 Miller, Training soprano..., 152.
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FIGURA 10: SUGESTO DE EXERCCIO PARA MELHORAR O ATAQUE SBITO EM NOTA AGUDA.
No poema do segundo trecho difcil da cano Saudade, Menotti del Pichia
escreveu originalmente: Ai, quem sentir-te no h de e Penalva, ao utilizar a interjeio
na cano, modificou-a para Ah. Ao utilizar um 'h' e no um 'i', o compositor mostra
conhecimentos do canto. A vogal 'i', apesar de dar projeo ao cantor e ser a vogal de
maior vibrao e harmnicos agudos, possui maior obstruo e, como dito
anteriormente. Alm do mais, um 'i', poderia no causar um efeito esttico desejado de
contemplao e nostalgia.
H tambm uma questo rtmica a ser discutida, que Mrio de Andrade
consideraria um erro de prosdia. No c. 6, temos a paroxtona cheia e o acento
empregado por Penalva, do compasso binrio, recai sobre slaba a em melodia
ascendente, ficando a impresso de uma falsa oxtona. Para resolver essa falsa
acentuao necessrio pensar que, juntamente ao acento regular do compasso binrio,
nesse ritmo brasileiro existe um pulso ternrio que ocorre, talvez, por assimilao de
algumas caractersticas da msica africana27:
FIGURA 11: SAUDADE EXEMPLO DO PULSO TERNRIO IMPLCITO EM COMPASSO BINRIO
SIMPLES.
O autor explica que sncope (assim como a hemola), com origem na msica
africana, esto presentes tambm na msica afro-americana e, por isso, no podemos
encarar um compasso binrio da forma equitativa como as culturas europias o fazem
(em grupos de duas semnimas ou quatro colcheias, por exemplo), j que na msica de
27Carlos Velsquez Rueda, Mdia: novo totem para um casamento dessacralizado, Revista
Humanidades 21, n. 2 (Fortaleza, Jul./Dez. 2006) 131, http://www.unifor.br/images/ pdfs/pdfs_notitia/2585.pdf (acessado em 13 Mai, 2011).
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influncia africana, comumente, obedecem a propores desiguais28. Pensar nesse pulso
ternrio implcito auxilia o cantor a no acentuar demasiadamente a segunda slaba de
cheia, tornando a letra mais natural e no soando algo forado ou incorreto. Penalva
parece no ter ficado satisfeito com a soluo rtmica dada pelos intrpretes a palavra
cheia na verso para voz e piano j que nas adaptaes ou releituras da cano
posteriores, feitas para coro em 1966 e 1980, primeiramente, ainda em compasso binrio
simples adicionou quilteras de trs colcheias para alterar a acentuao da palavra e,
posteriormente alterou o ritmo binrio simples para composto, como no exemplo
abaixo:
FIGURA 12: SAUDADE VERSO PARA CORO DE 1966.
FIGURA 13: SAUDADE VERSO PARA CORO DE 1980.
3.2 TRS PEAS PARA VOZ E PIANO