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As brisas sabem meu nome Poesia romântica brasileira - uma antologia Organização Mariana Pires Edições Juriti

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Antologia de poesia romântica brasileira escrita por mulheres no século XIX.

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As brisas sabem meu nome

Poesia romântica brasileira - uma antologia

OrganizaçãoMariana Pires

Edições Juriti

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Poesia romântica brasileira - uma antologia

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Poesia romântica brasileira - uma antologia

Autorizada a reprodução desde que citados o (a) autor (a) e a fonte

2011, Edições Juriti

OrganizaçãoMariana Pires Santos

PrefácioMariana Pires Santos

Capa e projeto gráficoCaroline Magalhães dos Santos

Projeto apresentado ao Prof. Augusto Massi, como trabalho final da disciplina Literatura Brasileira III, do curso de Letras da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, em Junho de 2011.

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AgradecimentosA Márcio Moneta e Marcos Pedrosa,

por compartilharem comigo, de forma decisiva, esta empreitada.

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A Bia Barbosa e Laura Cymbalista

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SumárioPrefácio 11

As autoras 15Luísa Amélia de Queirós 15Ana Autran 16Honorata Minelvina Carneiro de Mendonça 16Serafina Rosa Pontes 17Júlia Maria da Costa 17Rita Barém de Melo 18

Luísa Amélia de Queirós 19A mulher 20Conselhos 21Borboleta 23Lira dormente 24O homem não ama 26

Ana Autran 27Mais uma lágrima 2815 de novembro 29O canto da virgem 30Seus olhos 32Olhos negros 34

Honorata Minelvina Carneiro de Mendonça 36

A goiana ou Saudades de minha terra 37Não leiam 40Adeus 42Nhozinho 43Epigrama 45

Serafina Rosa Pontes 46O meu viver 47Nunca mais 48Desilusão 49Abolicionista 50Ao som da flauta 51

Júlia da Costa 53Anjo do túmulo 54Página solta 56Sonhos ao luar 57Página solta 58Noite de luar 59

Rita Barém de Melo 61A... 62O canto da índia 63Bogari 64O soldado do Paraguai 67Vem! 69

Referências bibliográficas 72

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Prefácio Esta poderia – e deveria – ser apenas mais uma antologia de poesia romântica brasileira. Os poemas aqui apresentados falam de amor, solidão e morte, evocam a pátria, o nacionalismo, a figura do índio e clamam pelo fim da escravidão. Ninguém estranharia, portanto, se o sumário da página anterior trouxesse nomes consagrados como o de Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu e Castro Alves. Mas este é, justamente, o detalhe que torna esta antologia diferente de (quase) todas as outras: os nomes – desconhecidos, ignorados – que assinam cada um dos poemas que aqui se encontram reunidos e que, certamente, causaram estranheza a quem já folheou este livro. Luísa Amélia de Queirós, Rita Barém, Júlia da Costa, Serafina Rosa Pontes, Honorata Minelvina e Ana Autran são apenas algumas das centenas de mulheres que escreveram poesia – e também romances, dramas, novelas, artigos jornalísticos e ensaios – no Brasil do século XIX. Na contramão de uma sociedade que as confinava ao espaço doméstico e privado do lar, estas mulheres publicaram seus poemas em diversos jornais da época e, muitas delas, também em livro. Algumas alcançaram, inclusive, reconhecimento e prestígio nos meios literários de então. Esta antologia inspira-se no trabalho realizado por pesquisadoras no final do século XX, princípio do XXI, que se empenharam em descobrir e resgatar a obra de centenas de escritoras nascidas no Brasil durante o século XIX. Quase vinte anos de pesquisas – iniciadas ainda nos anos 1980, sob coordenação da professora Zahidé Lupinacci Muzart, da Universidade Federal de Santa Catarina – resultaram no livro “Escritoras Brasileiras do Século XIX”, publicado em três volumes, entre os anos de 1999 e 2009. Apesar da magnitude do trabalho – que envolveu dezenas de estudiosas em várias partes do país e resgatou do esquecimento mais de cem autoras – infelizmente a obra destas mulheres permanece pouco conhecida e estudada. A existência desta pesquisa, no entanto, abre portas e escancara janelas que, ao nos permitir vislumbrar horizontes mais amplos, nos levarão – tomara – a repensar e a reconstruir a

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historiografia literária brasileira, que não mais pode ignorar a produção literária feminina do passado. Ao decidir organizar uma antologia de poesia romântica brasileira escrita por mulheres, sabia que a tarefa não seria fácil. A primeira decepção foi não encontrar um nome sequer nos nossos tradicionais manuais de literatura. A segunda foi ver que, em vários lugares do mundo, o resgate dessas obras já havia sido feito – já que não foi tão difícil descobrir autoras norte-americanas, inglesas, espanholas, italianas, argentinas – e que, portanto, estávamos muito atrasados no Brasil a esse respeito. A terceira decepção não foi maior porque veio acompanhada de intensa alegria: a descoberta da pesquisa organizada por Zahidé Lupinacci Muzart, que muito me emocionou, por um lado, mas que me entristeceu por percebê-la ainda ignorada em nosso meio acadêmico e literário. A biblioteca da Universidade de São Paulo, por exemplo, dispõe apenas de dois exemplares do primeiro volume. Nossas principais livrarias também ignoram a obra. Graças aos sebos na Internet, consegui adquirir os três volumes, que juntos somam mais de 3 mil páginas, apresentando um pouco da vida de cada autora e excertos de sua produção, além de indicações bibliográficas importantíssimas para novos/as pesquisadores/as e curiosos/as. O objetivo desta antologia, portanto, mais do que render o devido mérito e reconhecimento ao trabalho arqueológico realizado por pesquisadoras brasileiras ao longo de pelo menos duas décadas, é colaborar com a divulgação da obra de mulheres que encontraram na literatura um meio de desafiar o seu tempo e de questionar a ordem patriarcal – embora nem sempre o fizessem conscientemente. Conhecer – e, principalmente, levar a conhecer – a obra dessas mulheres significa contribuir com o necessário processo de repensar e redesenhar nossa história e nossa identidade sob parâmetros outros que não os hegemônicos até então. De acordo com a professora Nádia Battella Gotlib, na apresentação ao segundo volume de “Escritoras Brasileiras do século XIX”, estas obras

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“Examinadas em conjunto, desenham o perfil da mulher brasileira em luta pela consciência e pela construção de sua própria identidade, ora mais ora menos atrelada a uma linha da tradição, ora mais ora menos compromissada com um campo renovador e, por vezes, desconstrutor de velhos estereótipos redutores”.

De fato, a obra destas autoras revela uma diversidade de posições políticas perante a sociedade. Algumas assumem posturas claramente avançadas para o seu tempo, ao reivindicar o acesso à educação para as mulheres e espaços de participação na esfera pública. Muitas inclusive sustentaram opiniões republicanas e abolicionistas e lutaram por seus ideais ao lado dos homens. Mas há também as que defenderam o papel social reservado às mulheres, as que se colocaram ao lado do poder monárquico e que, inclusive, compuseram versos com o objetivo de bajular a família real e sua corte. Todas essas mulheres, no entanto, conscientemente ou não, desempenharam um importante papel ao enfrentar o desafio de escrever e tornar público seus escritos numa época em que tal atividade lhes era praticamente vetada. Em 1999, quando do lançamento do primeiro volume de “Escritoras Brasileiras do século XIX”, Simone Pereira Schmidt analisava na Revista Estudos Feministas (1999/1) os desafios colocados a partir da publicação da obra:

“O desafio agora é reescrever esta história e ler diferentemente as histórias da literatura brasileira do século XIX e a historiografia produzida no século XX. Referimo-nos aos historiadores canônicos como Antonio Candido, José Aderaldo Castelo (em recente reedição), Alfredo Bosi, J. Guinsburg, Nelson Werneck Sodré e à luxuosa história da literatura de Luciana Stegagno-Picchio publicada pela Nova Aguilar em 1997. Referimo-nos também às leitoras destas histórias da literatura, na maioria mulheres e professoras. E aos autores de manuais e livros didáticos. Não falamos apenas de uma revisão dos cânones, mas de uma outra compreensão do próprio período romântico e da própria cultura do século XIX. O desejo de organizar e classificar estas escritoras que foram esquecidas, ou antes, ignoradas, leva-nos a refazer uma outra tradição literária. Aquela que as inclui e deve nos incluir. Caso contrário, teremos o risco (se quisermos ser pautadas pela ironia e pelo otimismo) de em 2099,

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bisnetas e tataranetas de nossas orientandas e de nossos orientandos paradoxalmente estarem resgatando estes alfarrábios, eletrônicos ou não, para ler e entender o inexplicável ignorar mais uma vez, desta vez com dois séculos de atraso.”

Zahidé Lupinacci Muzart, em 2004, na introdução ao segundo volume do livro, afirma: “[...] as mulheres não tiveram guarida em nosso cânone literário por critérios outros, que passam por questões de gênero, portanto, um projeto de resgate é antes de tudo um projeto feminista, logo, político”. E, em seguida, complementa a análise do desafio iniciada por Schmidt anos antes:

“Agora, vem a parte mais delicada, ou seja, a dos estudos mais aprofundados e comparativos. Na análise dessas vidas e dessas obras, nunca poderemos nos esquecer de quanto as mulheres foram alijadas da vida pública intelectual, tolerando-se-lhes tão-somente a vida dos fricotes e mexericos, das modas e vaidades, das proibições e das fatuidades. Sendo assim, é preciso lê-las com um outro olhar: um olhar ‘intertextual’ e compreensivo.”

Embora esta antologia não tenha como objetivo proceder à análise e comparação da obra das autoras aqui apresentadas, a divulgação de seus textos insere-se no processo de lhes conferir visibilidade, de resgatá-las do profundo e assustador silêncio a que foram submetidas e, portanto, de contribuir com o projeto político a que se refere Zahidé Lupinacci Muzart.

Mariana Pires Santos, jornalista e estudante do curso de Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

São Paulo, 28 de junho de 2011.

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As autoras A seleção das seis autoras, entre as mais de cem consultadas, não foi fácil. Para além dos critérios objetivos básicos – foram desconsideradas as que não escreveram poesia e também as que, por terem praticado várias formas literárias, tiveram poucos excertos de sua obra poética reproduzidos em “Escritoras Brasileiras do Século XIX”, insuficientes para compor esta antologia. Também foram desconsideradas aquelas cujos poemas filiam-se a outras escolas literárias que não o romantismo – , a escolha das autoras se deu por razões essencialmente subjetivas. Muitas poderiam ter sido incluídas, mas terminaram ficando de fora por limitações desta edição. Ainda assim, acredito que o resultado dessa escolha é significativo da produção poética romântica das mulheres brasileiras.

Luísa Amélia de QueirósNasceu em 26 de dezembro de 1838, em Piracuruca, Piauí, e faleceu em 12 de novembro de 1898, em Parnaíba, no mesmo Estado. Luísa Amélia de Queirós é considerada a primeira poetisa piauiense, tendo publicado dois livros em vida – numa época em que sequer havia tipografias no Piauí – e colaborado com diversas revistas e jornais. Sobre o seu primeiro livro, “Flores incultas”, de 1875, a pesquisadora Rosana Cássia Kamita afirma: “Trata-se de um livro com mais de trezentas páginas – fato já extraordinário para a época – , com o qual Luísa Amélia de Queirós reúne poesias que expressam algumas características particularmente próprias do período, por exemplo, nacionalismo e patriotismo exacerbados; bem como refletem os ideais românticos em geral, forte religiosidade, sentimento amoroso, extremo subjetivismo, evasão, dentre outros. No entanto, há um diferencial importante a ser destacado: ela expressa os anseios femininos, utilizando seus versos para revelar as angústias de uma mulher que aspira a alguma coisa mais do que dela se espera, que não aceita com serenidade as restrições e limites impostos à participação feminina”. Seu segundo livro, “Georgina ou os efeitos do amor”, foi publicado em 1893.

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Ana AutranA autora nasceu em 1856, na cidade de Salvador, filha de família rica e aristocrática. Começou a escrever aos 10 anos. Aos 12, publicou seus primeiros versos; aos 15, seu primeiro artigo, intitulado “A mulher e a literatura”; e, aos 16, publicou seu primeiro poema fora do país, num almanaque de Lisboa. Segundo as pesquisadoras Ivia Alves e Lizir Arcanjo Alves, “Ana Autran, desde jovem, foi também militante política, participando junto com os homens nas lutas republicanas e pela abolição da escravatura, assinando versos sobre a ‘mancha brasileira’. Ela conseguiu a alforria dos escravos da família, antes mesmo de 1888. Sua maior causa, porém, foi propugnar por uma sociedade com paradigmas republicanos, justa e perfeita, defendendo a igualdade da mulher e uma busca de harmonia entre os indivíduos”. Publicou a obra poética “Devaneios”, em 1877,

Honorata Minelvina Carneiro de Mendonça

A pesquisadora Eliane Vasconcellos não fornece informações sobre a data de nascimento e falecimento desta autora em “Escritoras Brasileiras do século XIX”. Embora haja dados desencontrados também sobre seu local de origem, considera-se que ela nasceu em Goiás. Sabe-se também que, em 1875, a autora publicou “A redenção”, obra que faz com que Honorata seja considerada a primeira autora a publicar um livro no estado de Goiás. Na mesma época, ela atuou fortemente num jornal do Rio de Janeiro, “O Domingo”, no qual publicava seus poemas. Segundo Eliane Vasconcellos, “A redenção” constitui-se de um poema religioso em seis cantos e um proêmio, “sem maiores predicados literários”. Na opinião da pesquisadora, “Mais interessantes, porém, são seus poemas esparsos, nos quais a ingenuidade simbólica da religião cede lugar à da espontaneidade na seleção de temas como o do ‘Cachorrinho’, a adoção do estilo de Gonçalves Dias em ‘Não leiam’, o tom casimiriano de ‘A goiana’ e, sobretudo, os seus poemas levemente humorísticos em forma de charada e de epigrama, pela obscuridade proposital que revelam”.

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Serafina Rosa PontesAbandonada pela mãe logo que nasceu, em 1850, no Rio de Janeiro, Serafina Rosa Pontes foi adotada por um médico cearense, mudando-se para Fortaleza em 1873. “Seus poemas, escritos entre 1868 e 1894, são nitidamente românticos e revelam a fidelidade da autora à escola de sua formação. Encontramos neles versos de profunda tristeza, ao lado de alguns circunstanciais e de outros de cunho humorístico, como é o caso de ‘Desilusão’, onde, ironicamente, dessacraliza o amor”, afirma a pesquisadora Constância Lima Duarte. Em 1893, a autora publicou, em Fortaleza, o “Livro da alma”. Faleceu na mesma cidade, em 1923, cega e solteira.

Júlia Maria da CostaA vida de Júlia da Costa poderia facilmente inspirar filmes e novelas. A autora nasceu no Paraná, em 1844 e, aos dez anos, por conta do falecimento do pai, mudou-se para a cidade natal de sua mãe, São Francisco do Sul, em Santa Catarina, onde as duas passaram a residir na casa de um parente. Em 1871, casou-se com um rico comendador, por imposição familiar. Durante muitos anos, alimentou a paixão por um poeta que estava destinado ao sacerdócio, o que o teria impedido de concretizar a relação e o levado a sair da cidade. Mesmo casada, Júlia da Costa se corresponde intensamente com o amado e, quando ele retorna à cidade, chega a lhe propor a fuga. Assustado, ele vai embora novamente. A partir daí, passa a levar uma vida de festas e campanhas políticas. Neste período, sua produção literária é intensa. Zahidé Lupinacci Muzart a descreve como “forte, decidida, às vezes audaciosa, antes de mais nada, porém, uma mulher que se antecipou à sua época e que, por isso, sofreu muito”. Com a morte do marido, a vida de festas da autora chega ao fim. “Fechando-se em casa, acreditava-se perseguida pelos seus concidadãos, vendo o riso e o escárnio em cada um que a olhasse. Nessa velhice solitária, Júlia da Costa enlouquece e se fecha no casarão, por oito anos, dele só saindo para o cemitério”, conta Zahidé Lupinacci Muzart. Além de publicar seus poemas em diversos jornais e revistas da época, Júlia da

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Costa publicou também o livro de poesias “Flores dispersas”, em 1867. Há reedições de sua obra no século XX.

Rita Barém de MeloNascida em Porto Alegre, em 30 de abril de 1840, Rita Barém casou-se aos dezessete anos, perdeu dois filhos, e faleceu em 1868, com apenas 28 anos, na cidade de Rio Grande. A pesquisadora Rita Terezinha Schmidt encontrou referências a uma obra que teria sido publicada em vida, sob o título de “Lira dos quinze anos”, mas nenhum exemplar foi identificado. De Rita Barém se conhece, portanto, a obra póstuma “Sorrisos e prantos”, publicada no mesmo ano em que ela faleceu. Para Rita Terezinha Schimdt, “[...] a poesia de Rita Barém de Melo representa, hoje, uma contribuição importante à compreensão mais ampla do romantismo brasileiro, não só porque a poeta cultivou possibilidades temáticas que alargam o horizonte dos temas trabalhados por poetas conhecidos e canonizados pela tradição crítica, mas também porque seus versos são dotados de uma substância afetiva que, aliada à sua vivência como mulher, lhe conferem uma forma espontânea rara, onde se mesclam a suavidade, a melodia e a emoção”.

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Luísa Amélia de Queirós

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A mulherA mulher que toma a penapara em lira a transformarÉ, para os falsos sectários,Um crime que a faz pasmar!Transgride as leis da virtude,A mulher deve ser rude,Ignara por condiçãoNão deve aspirar à glória!...Nem um dia na históriaFulgurar com distinção!

Mas eu que sinto no peito,Dilatar-me o coração,Bebendo as auras da vidaNa sublime inspiração:Eu que tenho uma alma grandeUma alma audaz que s’expandeNo espaço a voejar,Não posso curvar a fronte,Nesse estreito horizonteE na inércia ficar!

Não posso! Gritem sofistas,Digam tudo que quiser!Chamem tênue, duvidosaA virtude da mulherDe fantasia arrojada,Que minh’alma extasiadaNas harmonias do Céu,Ficará indiferente,Ao que a malícia inventeP’ra manchar o brilho seu.

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ConselhosNão me julgues feliz, ó, donzela,Não me invejes querendo imitar;Desta vida que julgas tão bela,Deus te livre das dores provar.

De que serve a mulher nesta terraTer na mente sublime ideal?P’ra sofrer de mil néscios a guerraCrua guerra, tremenda e fatal?

Oh! Aqui não se acata a virtudeSe – o gênio – na fonte transluz!Tem incensos aqui quem é rude,Quem não vaga no mundo da luz!

Oh! por Deus, não empenhes a lira,Não te cegue o seu brilho vivaz – Essas flores que alma respiraTem espinhos, venenos letais!

Oh! não saias do ócio ditoso,Em que vives contente a sorrir;Não alteres teu doce repouso,Não perturbes teu belo porvir.

…..............................................

Tenho lira, que arpejo por vezes,- É presente me vindo do céu – Mas, por tê-la, suporto revezes!...Não os queira provar como eu.

Qual o louro que a fronte me cinge?

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Qual a glória que eu posso alcançar?Nesta terra que trama-se e fingeO que posso de bom esperar?

Uma coroa de pálidas flores- Diadema que pouco seduz – Como prêmio de tantos labores,E cair abraçando uma cruz?

Será isso, donzela inocente,Que t’inflama! delírio cruel!Não me ouças a lira demente,Nos meus carmes não há senão fel!

Não me creias da sorte mimosa,Não me invejes querendo imitar:D’esta vida que julgas ditosaDeus te livre as dores provar.

1º de maio de 1871.

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BorboletaIncansável borboleta,Já não tem de que sentir,As asas te restituo,É livre, podes partir!

És livre, qual foste sempre,Como o ar, o espaço são,Como o sol, o mar, o vento,E as aves de arribação.

És livre, percorre os ares,Sacia a sede que tens,Mas que não firas as asasEm busca de falsos bens!E se a névoa do espaçoTolher-te o vôo febril,Se o matagal espinhosoFerir-te com rasgões mil

Não voltes, não te arrependas;Voa antes com mais afã;Mitiga a sede, mitigaA ânsia da glória vã!...

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Lira dormenteDeixa a lira que esquecida dorme No seu langue torpor!Não a desperteis... Bendito o sono Que nos acalma a dor!Bendito o sono que ao esp’rito enfermo Traz calma, alívio trazRefrigério aos membros fatigados, E a alma volve à paz!

Viera tarde a dormência,Inda assim à ProvidênciaAgradeço sem cessar;Que se ela não me fosse,Nesse lidar agro e doceTalvez me fosse findar!

É tão bela a poesia,Tem tal poder, tal magia,Que me fascina e seduz!Mas eu não posso fitá-la,Sou mulher, devo evitá-la,Os olhos voltar à luz!...

Se em transporte, afanosa,Tomo a lira pressurosaP’ra triste canto gemer;Só cedo a voz da minh’alma,Mas refletindo com calmaSinto pesar de o fazer!

Oh! Eu bem sei o que devoAo sexo meu! Nem me atrevoAs leis do mundo alterar!

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Se na lira me excedia,Quem amar a poesiaHá de o erro atenuar!

Porém agora que o fervor insano, Que a mente me prendeu,Jaz em grande postura reclinado Nos braços de Morfeu!

Não quero e nem devo despertá-lo Do sono tão feliz!Reparo as forças! Da minha alma a lira O sono seu, bendiz!

9 de fevereiro 1873.

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O homem não ama

O homem não ama, mas finge com arteTer alma formada p’ra os laços d’amor:Coitada daquela que crê-se adorada,Coitada daquela que amante o supor.

Jamais o seu peito, mais duro que o aço,Palpita a não ser de louca ambição;Supõe-se (orgulhoso) que é soberano,E todas as belas vassalas lhe são!

Mais falso que o vento que as flores bafeja,Se mil forem belas!... a mil finge amar,Assim um já disse!... assim serão todos,Embora não queiram jamais confessar!

Cruéis como Nero são todos os homens,Ateiam as chamas d’ardente paixão,Depois... observam sorrindo os estragosE dizem, cobardes!, que têm coração!!!

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Ana Autran

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Mais uma lágrima

Era uma preta velha de oitenta anos,De um terno coração, mas, por seu modo,Nascida na Negrícia ocidental,Sua vida passou entre mil danos.

Por uma turba de cruéis ciganosSendo trazida aqui, trouxe o sinalDe nestas plagas ser triste animal,Embora inofensivo, entre tiranos!

Quando, ela morta, eu lhe arranjava o leito,De um círio bento lhe acendendo a luz,Vi minha infância que embalou-me a jeito...

E chorei... mas, vendo a filha ao pé da cruzJulguei ver-te, meu Pai; sobre meu peito,Com ela em prantos eu chamei Deus!

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15 de novembro Ao Dr. Manuel Vitorino Pereira

Da Lusitânia escravo e vil sujeito,O Ipiranga solta o grande gritoDe independência ou morte e em novo ritoO nosso jugo em parte foi desfeito

Mas inda irmãos sofriam todo o efeitoDo cativeiro vil e mais aflitoTodo esse bando incrédulo, proscritoVia calcado aos pés o seu direito,

Quando em ondas de luz banha-se o povo...Desprende a liberdade de um canto novoE sabia-se um troféu da humanidade!...

Prendia a realeza a última parte,Que a derrubando após, hoje repartePor todo o solo os dons da liberdade!...

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O canto da virgem

Dizem que eu sou débil plantaDos jardins da poesia,Que em minha mórbida fronteReflete a melancolia!...E eu era alegre e tão viva!Quem perder fez-me a alegria?Foram sonhos de uma hora,Foram pesares de um dia!

Dizem que eu tenho no rostoOs sinais da morbidez,Que minhas faces se cobremDa mais mortal palidez!...E eu tinha o brilho da rosaE agora só languidez!Quem murchou-me as vivas cores?Foram desgostos? talvez!

Dizem que eu tenho nas pálpebrasAs roscas tintas do lírio,Ou violetas molhadasNos santos óleos de um círio!E eu era a flor mais viçosaQue vem dos vales do império!Quem debuxou-me as olheiras?Um sentimento e martírio!...

Dizem que eu tenho olhos mortos,Pois olhos mortos terei?Olhar ungido em tristezas,Onde o seu brilho apaguei,

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Eu que tinha olhos tão vivosComo as estrelas que amei?Foi nas lágrimas sentidas,Foi nos meus prantos, bem sei!

Dizem que eu tenho os meus lábiosCerrados sempre demais!Que não sorriu-me às flores,Aos brincos mais naturais!E eu dantes cantava e riaComo os anjos festivais!Quem me roubou meus sorrisos?Foram suspiros e ais!...

Dizem que eu deixo as criançase as outras jovens no lar!Que em vez de chegar-me a elasVivo em contínuo cismar!E eu dantes brincava tanto,Criança louca a valsar!E hoje triste abatida,Desejo apenas chorar!...

Por meus suspiros de hoje,Troco os sorrisos de outrora!Por um soluço, meus cantos,Por meus prantos, uma aurora,Pelos lamentos de um século,Folguedos de poucas horas,Que um sentimento de vidaTornou-se de morte agora!

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Seus olhos Seus olhos são cor da noite?Acaso castanhos são?São cor dos céus ou do mar?Posso tudo revelar,Mas a cor... não digo, não!

Vivacidade não tem,porém quebrados não são!São muito sedutores,Nos furem com seus fulgores,São da cor... não digo, não!

Os olhares que desprendemVêm tocar no coração!Seus olhos concedem risos!Nos prometem paraísos!São da cor... não digo, não!

Quanto fulgor nos seus olhos!?Quanto feitiço e condão?!Que raios de amor despedem?!Que esperança nos concedem?!São da cor... não digo, não!

São olhos que falam n’alma,Que dão vida ao coração!São olhos de mago encanto,Que nos enchem de quebrantoMas a cor?... não digo, não.

Seus olhos cegam meus olhos,Seus olhos meus olhos são!São da cor... eu tenho medo,

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Prometi guardar segredo...Não, meu Deus! não digo, não!

Já contei quanto sabia,Já disse como eles são!Se mais quiserem saber,Talvez que possa dizer,Mas a cor... não digo, não!

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Olhos negros Olhos negros me perderam só eles me salvarão Dr. Filgueiras Sobrinho

Minh’alma suspiraNo seio da solidão,Porque a luz d’uns olhos negrosAbrasou-me o coração!

Meus sorrisos de alegria,Minha vida de inocência,Olhos negros me levaramNa manhã da adolescência!

Muitos olhos tinha visto,Que muitas coisas falaram!Mas, somente uns olhos negrosDe minh’alma se apossaram!

Há quem pinte amor sublime,Os lindos olhos vendando;Eu pintaria olhos negrosNo rosto de amor brincando!

Sempre ideara um naufrágioNos embates d’alto mar!Nunca pensei que olhos negrosMe fizessem naufragar!

Eu que via o céu e o monte,Sem a luz deixar de ver,Nunca pensei que nas trevasFosse meus olhos perder!...

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Por ver meus olhos um diaHoje sinto mágoa e dor!Não sabia que olhos negrosTinham fé e luz de amor!...

Foi na noite de teus olhosQue minha vida perdi!Sejam teus olhos auroraQue à nova vida sorri!

Nuns olhos negros acharaSeu martírio o peito meu!Só eles salvando, podemLembrar-me na terra o céu!

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Honorata Minelvina Carneiro de Mendonça

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A goiana ou Saudades de minha terra

(paródia)*“Queres que em língua da terraSe digam coisas do Céu?”Garrett, Flores em frutos Nossa terra tem primores Como ainda nunca eu vi:As campinas verdes cores, Lá viceja o buriti 1.

Nossas flores têm perfumes, Que na infância eu colhi;Nossas brenhas mais negrumes Lá descanta a juriti 2.

Puros ares, sem neblinas foi só lá que eu fruí;Que país mais rico em minas, Haverá no Globo assi?!

1. A mais linda palmeira do mundo, dela se fazem tecidos delicados para roupa e chapéus, extrai-se do suco um delicioso vinho, e o coco, que se come, dá substancial farinha.

2.Pomba que tem um canto triste e melodioso.

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Nossas aves têm endechas! Mais saudosas, nunca ouvi!Aqui são tristes, as queixas, Melodias?!... só ali.

Negros olhos, buliçosos Mais formosos, que já vi;Róseos lábios, são viçosos, Sem carmim, como os daqui.

Nesses lagos, cor de prata Quantas vezes eu me vi?Os rios formam cascata, Junto deles, eu nasci.

As florestas, são gigantes, Lá sibila a sucuri3 ,Nesses campos verdejantes, É que cresce o murici4.

Nossas redes5 são macias Mais macias, que as de cá;Nas bebidas todas frias Prima o doce guaraná6.

Os rios todos – piscosas, [sic] As frutas todas – sabor, Quem nos fez assi ditosas, A não ser o Criador?

3. Cobra da família da jibóia, ou boa, anfíbia, de tamanho descomunal, que engole um bezerro de 2 anos; seu couro curtido serve para malas e botas.4. Fruta agro-doce de delicioso sabor.5. São as camas do goiano.6. Bebida fria feita de raízes que substitui o café.

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Tudo lá indica a Deus, Almo rei da criação!Esse azul puro dos Céus... Só inspira a oração!

A alma – toda pudor – De magia transcendente,Foi só lá, que via-a, crente, Alvo ninho, do amor!

Nem eu sei, se é saudade, De tuno [sic] o que lá eu vi;Dizei-me pois a verdade, Nossa terra não é assi?!

Dizei, ó alma crente, Se acaso eu me iludi?!A goiana nunca mente, Eu nem conto, o que eu vi!!!

*As notas são da autora.Rio Preto, abril de 1874. O Domingo, Rio de Janeiro, 10 de maio 1874.

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Não leiam….........................meus prazeres...Foram só meus amigos, meu amores...Hão de ser; neste mundo, eles somente.G. Dias

Não leiam...os sonos que vagueiam,de noite ao luar!São tristes sem vida,qual alma perdida,no mundo a penar!

Não leiam...meus ais que anseiam,de dor repassados!...são fracos gemidos;do peito partidos,aos filhos contados!

Não leiam!só peço que creiam...não ser minha mente,chamar a atenção!Sereia imprudente...não tenho ambição!

Não leiam!que a cor lhe mareiam,os vates sublimes!meus pobres anelos...expostos... são crimes?por serem singelos?!.

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Não leiam,os que vãos receiam,quebrar o encanto,do áureo porvir!...bem triste é o canto,para quem se quer rir!

Não leiam,os que se recreiam,de versos ardentes!Se buscam perfumesnas dores latentessó acham... queixumes!

Não leiam,os que se gloriam...de ser inspirados!estrelas sem brilho...são pobres legados...de Mãe a seus filhos!

Não leiam,os que devaneiam!só terna lembrançalhes quero ofertar!para mim a esquivança...num canto do lar!

Rio de Janeiro, janeiro de 1874.O Domingo, Rio de Janeiro, 15 mar. 1874.

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Adeus“É tarde, amores, é tarde... Uma centelha não ardeNa cinza dos seios meus!...”Álvares de Azevedo

Adeus, ilusões de febril passado,Doçuras libadas em ameno jardim,Que sonho gentil por mim embaladoToldaram-mo os ares imensos sem fim!

De tudo descrevendo a alma vazia...Porvir de venturas de todo olvidado,Mirrou-o de todo a negra perfídia...O peito sensível tornando engel[h]ado!

Adeus, ó futuro, quimera dourada,Que ainda pensava poder me sorrir;A vida gastou-a... furente lufada,Que os elos minou-lhe atroz a rugir!

Tu foges?!... e a triste, sozinha, no lar...A crença já gasta, que resta, meu Deus?!Pensar no passado?!... ainda esperar?!Ou ora descrida cuidar só – dos céus?!...

Adeus, que a Musa também se ressentedo sulco cavado por fundo cismar,Se a alma a bafeja... se ela ão mente,Quebradas as cordas, não pode vibrar!...

Airuoca, 1 jan. 1869.Jornal das Famílias. Publicação ilustrada, recreativa, artística, etc. Rio de Janeiro: B L Garnier, 1869.

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NhozinhoFoi no crepúsculo de uma tarde lindaLembro-me ainda com o prazer de então.Dantas

Eu tinha um cachorrinho, coitadinho!que achei abandonado... no valado!

De fome quase mirrado, o enjeitado!a mãe de quem nasceu... o esqueceu!

Aqueci-lhe o corpo... esguio!...dei-lhe leite, dei-lhe a vida perdida!

Dei-lhe o nome de Nhozinho pobrezinho!era um mimo cor de Havana, diáfana!

Ensinei-o a carregar, sem queixar!minha bolsa que não pesa à reza!...

Aprendeu a me servir sem latir!só faltava-lhe o falar..., pelo olhar!

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Eu mesma fazia o ninho de Nhozinho!Vestia-lhe capa de lã de manhã!

Por dinheiro algum o dava trocava!Era um filho que achei, e adotei!

Um dia, a mãe que o enjeitou, o achou!Tais histórias lhe contouque Nhozinho lá ficou!tais mentiras lhe pregou, que o levou!

Reclamei com razão, do ladrão,nem sequer, agradecida,foi me a dona! Sem receio,disse-me, que era perdida,obra nova, em prédio alheio!

Recorri aos tribunais (que animais!)perdi as custas também!e por boa acomodação,fiquei quase sem vintém! (que lição!)

Rio Preto, janeiro de 1874.O Domingo, Rio de Janeiro, 1 mar. 1874.

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EpigramaEm uma semana santaEm que o velho rezador... Impostor!Com cuidado que espanta,Ovos come a dois de fundo;Para fazer a consoada, Usada,Cá no nosso novo mundo!

Dizia uma de mão cheia,Dos que têm indigestões, Santarrões!A falar da vida alheia!“Por ovos se não venderem,Permita Deus que uma figa, Só persiga,Aos pelintras que os comerem!”

Respondeu-lhe um tipo igual,“Credo! Não me maldiga! Nem prossiga!Quem manda ser animal?Eu nesta quadra do ano,Tenho ovo todo o dia! Quem diria?!Nestas coisas sou magano!”

Rio Preto, março de 1874.O Domingo, Rio de Janeiro, 12 abr. 1874.

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Serafina Rosa Pontes

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O meu viverNão vês no bosque a rolinhaA lamentar tão tristinhaO esposo que perdeu?Foi feliz, gozou ventura,Porém logo a desventuraSua dita esvaeceu.

Não vês na roseira a rosaCheia de viço, garbosa,Doce aroma a exalar?Mas o rígido furacãoA rosa pendendo ao chão,Fá-la de chofre murchar.

Não vês Diana formosa,Tão pura, tão radiosa,Como se ostenta no céu?Mas uma nuvem escuraDe inexplicável tristuraVem ocultá-la em seu véu.

Como a rola, como a rosa,Como Diana formosaAssim é o meu viver.Eu também fui aditada,Fui assaz afortunada,Mas hoje vivo a sofrer!

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Nunca maisNunca mais é a frase sinistraQue se diz em momentos fatais.Quando o peito transborda de dor,Entre prantos se diz: nunca mais!

Nunca mais, diz o triste orfãozinhoLamentando a memória dos pais.Tantos mimos, carícias tão ternasNunca mais gozarei, nunca mais!

Nunca mais, diz a aflita viúvaEntre dores, soluços e ais.Ai de mim! Meu esposo queridoNunca mais hei de ver, nunca mais!

Nunca mais diz a virgem traídaNas promessas que crera leais.Em palavras fingidas dos homensNunca mais hei de crer, nunca mais!

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DesilusãoDesculpa, jovem, se de amar-te deixo.Já não me queixo do meu triste azar.Não compreendeste meu amor tão terno,Vai pro inferno; não te quero amar.

Vi-te tão ledo, tão cheio de agrado,Gesto engraçado, provocante olhar,Ingênua amei-te por te crer um anjo,És um marmanjo não te quero amar.

Teu riso é falso, tua voz fingida,Desiludida posso assim falar.Tive a loucura de te dar um riso,Criei juízo, não te quero amar.

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Abolicionista[…] Meu Deus, concedei-me vidaPra ter a satisfaçãoDe ver no Brasil extintaA nódoa da escravidão.E tu, oh! Escravocrata,Deixa de trocar por prataO teu inditoso irmão!

Deus quer a fraternidade.Termina a desigualdadeNa brasileira nação!

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Ao som da flauta

Porque motivoA poetisaNão concretizaSeu ideal?Qual do poetaSeu mesto fadoÉ desditado,Sorte fatal!

Ela ama tanto,Mas, coitadinha,Vive sozinhaA idiliar;Não há quem saibaDevidamenteSua alma ardenteApreciar.

No entretantoA minha liraGeme e suspira,Ai! sem cessar!Amo deverasA poesia,Ela aliviaO meu penar.

Sincera amiga,Oh! poesia,És minha guia,Meu doce amor.

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Eu te prometoJamais deixar-teSempre adorar-teCom nímio ardor.

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Júlia da Costa

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Anjo do túmuloNão ames nunca a palidez do anjoQue as lousas guarda da mansão extrema;No berço mudo que revela a morteDeixa-o à noite que suspire e gema.

Deixa-o mil prantos derramar saudosoSobre o lajedo d’uma lousa nua;Enquanto à noite o manto negro estende,Ou cisma triste e solitária a lua.

A rosa branca que perfuma o ambiente,Que à tarde pende nesse chão de dores,Talvez mais risos of’’recer-te possaDo que o arcanjo de mortais palores.

Não ames nunca a palidez do anjoQue as lousas guarda na mansão extrema;Alma evocada do final jazigoDeixa-a à noite que suspire e gema.

Esse anjo!... esse anjo!... Quando o vento geme,E as flores pendem no gentil rosal,Dizem que as almas dos jazigos surgemE correm tristes na extensão do val?...

Esse anjo!... esse anjo!... Quando do salgueiroSe vergam ramos, e mais zune o vento,Dizem que as almas o jazigo deixamE formam choros de eternal lamento?...

O corpo dorme; mas a alma erranteVaga na terra sem cessar saudosa:E une-se aos ventos, ao quebrar das ondas,

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Paira nos ares a gemer queixosa?...

Não ames nunca a palidez do anjoQue as lousas guarda na mansão extrema;Alma evocada do final jazigoDeixa-a à noite que suspire e gema.

Deixa-a... que gema! - No sorrir da morteQue desse arcanjo vem turvar o enleio,Há um quê de triste que nos faz ter prantos,Cismas e sonhos, e nos gela o seio...

Lívido lábio, sem um riso alegre,Quanto mistério não contém, não diz?Ai quanto sonho não ‘stá ali já morto,Quanta esperança d’um porvir feliz?

Esse anjo... esse anjo! - Deixa-me na terraGuardar saudades de alegria extrema,Gozada n’outro tempo! ...e sobre o túmuloDeixa-me à noite que suspire e gema!

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Página soltaQueres saber quem eu sou?Meu nome queres saber?Escuta! as brisas se abraçamEu só não devo gemer!As brisas sabem meu nomeSó tu não deves saber.

Eu sou a folha de um livroQue tu não deves voltar;Sou um arcano, um segredoQue tu não podes achar;Sou uma nota distanteQue só te faço chorar.

Eu sou a sombra doiradaDe um tempo que já lá foi;Sou o fantasma de um sonhoQue em tua mente pousou;Sou uma folha sem nomeQue o vento forte mirrou.

Queres saber quem eu sou?Levanta a pedra gelada!– Eu sou a alma de um mortoPela saudade veladaQue sigo ao longe teus passosPela floresta crestada.

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Sonhos ao luarQuem és tu, bardo noturnoQue me fazes meditar?...Serás por acaso o ecoDe meu triste cogitar?...

Eu também amo a saudadeQue me inspira a solidão;Amo a lua que me falaDo passado ao coração.

Como tu choro uma noiteDe luar que se ocultou;Como tu choro a esperançaDe uma aurora que passou.

Quem és tu, bardo noturnoQue me fazes meditar?...Quem és tu que na minh’almaVens de manso dedilhar?...

Serás inda a sombra erranteDe uma noite que morreu?...Meigo raio de venturaQue em meu seio se escondeu...

Quem és tu? Dize quem ésBranca sombra lá do céu!Dize o nome do teu cantoQue eu direi-te [sic] quem sou eu!

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Página soltaAs horas caminham, esvaem-se os diasNo báratro fundo de um morno passado;O sol esmorece, - desmaiam as nuvens,Por entre as estrelas de um céu adorado.

Nos mares perdido, o nauta cansadoSeus olhos estende fitando o arrebol,E as doces imagens que a vida lhe ameigamLá surgem ao longe cercadas de sol!

Ditosa esperança, vestida de galas,Lhe beija os cabelos com doce carinho,E ele sorrindo de leve adormece,Qual ave mimosa no flácido ninho!

As horas caminham, as aves acordam;O nauta desperta; – começa a viver!...Só a pobre proscrita sem pátria, sem norte,Começa chorando seu mudo sofrer!

E chora, e soluça!... das aves o cantoSaudade lhe trazem de um tempo felizSaudades da pátria, dos sonhos ditososQue a mente lhe ornaram de grato matiz!

Enquanto tu vives, ó nauta ditoso,Nas ondas sonhando venturas dos céus,A pobre romeira, num sonho pressago,Maldiz o destino descrendo de Deus!...

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Noite de luarCorre a noite, e branca sombraReclinada em mole alfombraVai de manso a navegar!– Bateleiro dos amores,Deixa o leme, deixa as floresVem de manso me inspirar!

– Bateleiro! Que ventura!Nesta lira que murmuraAchei eco: – cantarei!Vem, escuta, o canto é belo,É um idílio bem singeloQue das brisas imitei!...

Noite bela, céu sem luaTraz à mente que flutuaLongas cismas de matar!Mas se tu, ó bateleiroPelo mar passas ligeiro,Mais encanto lhe hás de dar!

Oh! Que belo em noite calmaQuando fulge a crença n’almaEscutar-te em soledade!...São as brisas do levanteHarpas d’um peito amanteE teu hino uma saudade!...

É minh’alma a noiva aéreaQue do vento à voz sidéreaEstremece a suspirar!E teu canto, ó timoneiro,O seu sonho mais fagueiro

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Nestas noites de luar!...

Canta, canta, que minh’almaVerga triste como a palmaDo jazigo solitário!...Sou a noiva de teus cantos,Vem beijar meus frios mantosCom teu pálido sudário!...

Tudo é belo – a naturezaCom seu pálio de tristezaVem sorrir ao canto teu!...E minh’alma a noiva linda,Com sua luz pálida infindaSe reclina em branco véu!...

São as brisas do levanteHarpas d’um peito amanteQue medita em solidão!E teu canto sonoroso,Alaúde maviosoDos arcanjos na amplidão!

Timoneiro, a noite é bela,Tem a terra luz singelaTem perfume de encantar!...– Solta a vela, dá-me um cantoQue revele todo o encantoDesta noite de luar!...

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Rita Barém de Melo

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A... Eu não posso te amar,

Se te amara, Confessara Meu amor; Nem te amo, Nem m’inflamo Nesse ardor. (J. Boim)

Eu não sinto por ti na minh’almaViva chama que fale de ardor;Eu não sinto meu peito abrasado,Eu não posso falar-te de amor!

Se soubesses que dor sinto n’almaQuando fitas em mim teu olhar...Eu quisera sentir uma lavaA minh’alma por ti escaldar!

Eu quisera poder consagrar-teBem ardente, bem nobre paixão;Mas por ti só a voz d’amizadeVibra ardente no meu coração!(…)

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O canto da índiaAmo o índio trigueiro, valente,Que não sabe de medo chorar,Quando a voz do perigo, da guerra,Lhe vai n’alma guerreira ecoar.

Quando o brado de ingente pelejaSobre a terra se faz ressoar,Relampejam seus olhos escurosComo estrelas no céu a brilhar.

Como tremem-lhe as plumas soberbas,Do soberbo formoso cocar,Quando corre nas matas selvagensSob as ramas do verde palmar!

Como é belo o mancebo orgulhoso,Pelo bosque tão livre a correr,Quando a relva se molha d’orvalhoQue goteja da rama a tremer!

Escorrido o cabelo tão negro,Vai na face crestada bater,Como as ondas que batem na rocha,Entre cálix d’espuma a ferver!

Não verga frondoso carvalho que açoitaRugindo com fúria tremendo tufão,Assim a minh’alma soberba não verga,Não verga a vontade do meu coração.

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BogariDiz se há no prado florQue Deus fizesse tão bela (J.B. de A. Garrett)

Bogari, me foste dadoPor quem me tem afeição,A ti pois, oh! flor singela,Eu oferto esta canção;Vem penhor d’alta amizadeDe um bem nobre coração,Desta lira ouvir acentosQue tristes, sentidos são.

Tens alva cor – castidadeEu leio n’esse alvejar,Nessas folhas – a esperançaVai-se a pureza enlaçar;No peito, teu grato aromaVem doçuras infiltrar,Tens um langor indolenteNesse teu frágil curvar.

Quando essa cor deslumbrante,Florinha, empalidecer,Nestas chamas que no peitoSinto ativas me ferver,Hei de dar-te novo alento,De teu gelo te aquecer,Retardar esse momento,De eterno desfalecer.

Há um jardim em minh’alma,Mas só tem flores de dor,

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Tenho saudades – martírios, Sem um só perfeito amor;Dá-lhe em vez de agra tristezaSuavidade e doçor,Que vou agora guardar-teNesse jardim, doce flor.

E quando o tempo essas folhasTe lançar enfim no chão,Uma a uma hei de guardá-lasJunto a este coraçãoHei de gravar este nomeNa minha imaginação,No álbum de minha vidaTeus perfumes ficarão.

Serena, meiga florinha,Meu bogari tão gentil,Não poderás menear-teNunca mais em mês d’Abril;Quando o sol é puro e brado,Quando o céu traja d’anil,Ou lá quando a primaveraMostra a face juvenil.

Mas embora não gozes,Não hás de nunca murchar,Tenho a vida neste peitoPara vida inda te dar;Se não tens a aurora em nuvensRadiante a despontar,Tens a manhã desta vidaQue se vota a só te amar.

Tens um’alma a quem és caro,

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Tens um altar d’afeições,Uma lira que te pedeSuaves inspirações;Oh! não desprezes meus cantos,Minhas humildes canções,Que contigo não receioDe dura sorte os baldões.

Mas como terás saudades,Saudades do teu jardim,Saudades dessa florinhaComo tu alva, oh! jasmim,Esquece-a e os lindos pradosOnde brilhavas assim,Deves também esquecê-losE viver só para mim.

Porto Alegre, 25 de Agosto 1856.

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O soldado do Paraguai

Esta guerra não acabaAi de ti, pobre soldado!Pra ti o pior bocado,De glória o menor quinhão.

Nas partes oficiais– Seja dito de passagem – Pois não te falte coragemPara – especial – menção.

Mas somos tantos os bravos,Para falar a verdade,Nós, braços da liberdadeSoldados de coração.[…]Nesta lida sem descansoVou cantando a sorte dura:Esta guerra quanto duraA sorver sangue e dinheiro![…]Corrientes ficou rica...Ouro inglês aqui é mato,Tem enchido tanto ratoQue já temos ratões de ouro!

Lá na terra orientalOuro fino é como terra:Viva a pátria! viva a guerra!Viva o brasílio tesouro!

Tira o pobre aos filhos tenros

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Uma fatia de PãoPara ajudar a NaçãoA encher as bolsas de... ouro[…]

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Vem!Vem! Que t’importa que maldiga o mundoO amor profundo que nos liga? vem;Vem, que nos vales de cheirosas flores,Nossos amores viçarão também.

Vem! de joelhos no tapiz de nardoHá de te o brado suspirar idílios,Cantar-te a face rorejada em pranto,O orvalho santo do frouxel dos cílios.

Pensa na sombra da floresta virgem...Nesta vertigem... nest’amor ali!Aves felizes no sendal dos ramosSeremos: vamos, que o serei por ti!

Vamos unidos como a luz ao astroO amor da Castro na soidão lembrá-lo,Nas longas plumas que a palmeira agitaA alma palpita de Virgínia e Paulo.

Que mais tu queres, anjo e flor? Escuta:Quem ama luta? Não lutemos, vem!Vamos aos vales de cheirosas flores,Que é flor d’amores meu amor também.[...]

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Referências bibliográficas

Lupinacci, Zahidé Muzart (Org.), Escritoras Brasileiras do século XIX: antologia. 2ª ed. rev. Florianópolis: Editora Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.__________. Escritoras Brasileiras do século XIX: antologia. Vol. II. Florianópolis: Editora Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2004.

Schmidt, Simone Pereira. Revista Estudos Feministas. 1991/1. Disponível em: http://www.editoramulheres.com.br/resenha9.htm

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“Queres saber quem eu sou?Meu nome queres saber?

Escuta! as brisas se abraçamEu só não devo gemer!

As brisas sabem meu nomeSó tu não deves saber.”